quarta-feira, 2 de julho de 2025

Diário_2013

 

31.12.13

De Negro Vestida _ leitura ingénua

"Não cristalize o leitor esta imagem que tem agora da nobre e lutadora Maria de Lurdes." De Negro Vestida, pág. 104.

Meu Caro João Paulo Videira, espero não cristalizar, pois o autor mostra saber criar pontes que, mais cedo ou mais tarde, se vão revelar significativas para a construção da narrativa, para o desenho da intriga de suspense. Por outro lado, o romance começa a assumir um ponto de vista que nem sequer a mulher-autor costuma defender com tanta galhardia... Até ao momento, o narrador privilegia o conhecimento do feminino, bestializando o homem, deixando-o às voltas com a sua inconstância e falta de rigor...

Entretanto, como leitor sem diploma que o certifique, se tivesse de reescrever o romance como aconteceu com Eça de Queiroz, por exemplo, no caso do Crime do Padre Amaro, não sei se não eliminaria algumas considerações de ordem estilística e, sobretudo, algumas passagens que expõem a dificuldade em "recriar" cenas de sexo... São pequenos capítulos que me parecem desnecessários ou, pelo menos, que exigem uma subtileza estilística difícil de alcançar... 

Bem sei que o erotismo é coisa antiga, exige outros sabores e perfumes, mas à medida que ia lendo, e sabendo que o autor procura um leitor, comecei a interrogar-me: - Quem é que o autor idealiza como seu leitor?

Meu caro João Paulo Videira, estarei certamente a ser injusto! Mas como o autor exige que o leitor seja autêntico, aí ficam algumas considerações que se me vão colocando neste atribulado final de 2013.

P.S. Com tanta viagem ao Hospital de S. José, dei conta que nas "rotinas" da família de Maria de Lurdes não há doença do corpo que a ataque!

30.12.13

De Negro Vestida

Meu caro João Paulo Videira, como facilmente compreenderás, a minha odisseia no hospital de S. José não me permite ainda decifrar o título. Na verdade, só li 34 páginas! Como neste tipo de narrativas, eu costumo aconselhar os alunos a ler atentamente o primeiro capítulo e, no caso de fadiga intelectual, a ler de imediato o último, fica desde já registado que o texto flui como o Almonda natal do outro José, o Saramago, e por isso não sinto qualquer vontade de ir ler os últimos parágrafos... (com a vantagem de não obrigar a exercícios de retroação por causa da maligna pontuação!)

Repara tu na coincidência, o Saramago da Azinhaga, tão perto de Alcanena e longe da Selva, parece que trabalhou neste hospital, de S. José, que me vai impedindo de continuar a leitura..., mas não posso esconder que a narrativa da doméstica Maria de Lurdes, entrecruzada com a narrativa da Criação do Mundo, ambas sobrevoadas por um narrador guloso e travesso, me trouxeram de imediato um outro memorial distante da Serra de Aires...

Meu caro João Paulo Videira, vais ter paciência, mas este "esgaravunha" vai necessitar de mais leitura para poder continuar este cavaco, embora comece a ter pena da Maria de Lurdes, pois nos tempos que correm ou ela muda de vida, de Carlos Manuel, de família... ou acabará por morrer na miséria, pois os passos que nos governam nem uma Maria de Lurdes tiveram na vida. Ou será que têm?

29.12.13

Nas urgências do Hospital de S. José

Apesar das loas ao Serviço Nacional de Saúde e ao atual ministro, Paulo Macedo, o que pude observar hoje no Hospital de S. José confirma que as pessoas idosas neste país não passam de "objetos" sem qualquer valor. 

Em termos organizativos, apercebi-me que os idosos não beneficiam de qualquer prioridade, ficando mais de uma dúzia de horas à espera dos exames clínicos, mais quatro ou cinco horas à espera dos resultados e, sabe-se-lá, quantas à espera da decisão clínica... que tanto pode ser o internamento como o reenvio para casa...

E não estou a especular: a esta hora, um familiar com mais de 91 anos está entregue à rotina, à morosidade de um sistema burocrático e desumano. E este familiar não está só; muitos outros idosos esperam anestesiados, uns, revoltados, outros....

Quanto aos restantes, às 21 horas havia pacientes que esperavam desde as 11 horas pela primeira consulta!

A desculpa para a concentração das urgências num único hospital é sempre a mesma: a crise financeira e a inevitável austeridade! Parece-me, no entanto, que não há desculpa para o desrespeito pelas pessoas...

 28.12.13

A propósito de João Paulo Videira

Parece fantasia de criança, mas são pedras! Cercam o marco que assinala o início ou o fim de uma propriedade ao abandono e com uma bela vista para a Serra… Tudo aqui é referencial e, talvez, por isso não seja escrita, a acreditar nas palavras do João Paulo Videira que, hoje, lançou ao público o seu romance Vestida de Negro, Chiado Editora. Diz João Paulo Videira: «Não há nada na escrita que seja referencial!»

De regresso a Lisboa – o lançamento muito concorrido foi em Torres Novas – vim pensando na sentença do novel autor, para concluir que a ambição do grande escritor é apagar toda a referência, erguendo-se como marco ou como o farol da Barra – alusão só entendida para quem compreenda a geografia do prefaciador: Alexandre Ventura.

Entretanto, irei ler o romance para lhe apreciar a estrutura, a coabitação da linguagem crua com a poética, o dizer simples e avesso à critica…

 27.12.13

Em três tempos

Esta noite sonhei com a cerimónia de posse de um novo governo! Estranhei que, entre os novos governantes, não houvesse qualquer político português... Eram todos funcionários europeus, altos, esgrouviados, cinquentões... Ainda fixei a vista, mas nem uma cara conhecida. Perturbado, acordei...

Esta tarde, soube que, em Ancara, é mais difícil obter uma autorização de residência do que perder o emprego em Portugal. Há lá uma embaixada portuguesa que, de momento, nada pode fazer. Talvez, à última hora, escreva uma carta a explicar à autoridade policial local a situação do súbdito português. Por outro lado, parece haver uma solução para permanecer em solo turco: pagar uma multa de 6 euros diários. E para quem pensa que o inglês é uma língua universal, esqueça! O melhor é começar a aprender turco... lá tudo é turco e em turco... também há curdos turcos...

Agora que escrevo este apontamento, recordo que alguém me disse que há por aí muitos fura-vidas capazes das maiores tropelias para conseguir um minuto de glória. Quanto a mim, continuo encalhado na mesma linha em que me encontrava ontem.

Há, no entanto, uma pequena diferença! Tenho avançado na leitura de um estranho livro de Manuel Tavares Teles, Os Manuscritos de Gertrudes ... diário íntimo e cartas de amor de Gertrudes da Costa Lobo a Camilo Castelo Branco.

Interessante livro sobre o pedantismo, sobre a mulher e a literatura, sobre os preconceitos da sociedade portuense de meados do século XIX, sobre a capacidade de Camilo de fazer pastiche de qualquer registo escrito, sobre o seu conservadorismo: «Quem é o parvo que esposar-se queira / com literata alambicada e chocha?»

  26.12.13

Encalhado, em tempo de folga

O Governo deverá cumprir a meta do défice orçamental para este ano e conseguir uma 'folga' até 500 milhões de euros, que poderá ajudar a compensar eventuais chumbos do Tribunal Constitucional (TC) ou deslizes nas contas do Estado em 2014.

Ao contrário do Governo não consigo qualquer folga! Há uma série de questões que tento resolver, mas acabo sempre encalhado! Ando às voltas com um balanço e não avanço porque, procurando o rigor, perco-me na repetição e multiplicidade de ficheiros, mas, sobretudo, perco-me no tempo, na incapacidade de a memória lidar com o excesso de informação. No fundo, é a dispersão que me encalha! 

Bem sei que eu pouco conto e que deveria aplaudir o Governo, pois, de manhã cedo, fui a uma USF - Unidade de Saúde Familiar - e ainda não tinha terminado o pagamento da taxa, e já a médica de família por mim chamava. A consulta decorria cordialmente, não fosse o nível elevado de colesterol, até que solicitei que, nas análises que certamente me iria prescrever, me incluísse a verificação da tiroide... Aí a simpática doutora disse-me que análises só para o ano! Marcou-me consulta para março de 2014, e nessa data prescrever-me-á as necessárias análises. - Porquê? - Até 31 de dezembro, pelo menos, há congelamento da despesa!

Se olhar à minha volta, vejo muita gente com o emprego congelado, com o salário congelado, com a pensão congelada... tudo por causa da FOLGA na meta do déficit!

 

25.12.13

Para lá do Natal!

Veio o lenhador e cortou o pinheiro!

Veio o paisagista e plantou uma árvore exótica de súbito crescimento!

Veio o vento e deitou ao chão a árvore exótica!

No lugar da caruma, costuma estar um automóvel que, desta vez, rumara à província…

Por perto, dois moldavos olham os beirais…

Um pouco mais longe, cinco chineses seguem indiferentes à palmeira prestes a cair…

E eu sinto-me vítima do Deus que misturou as línguas, tornando-nos inexoravelmente estranhos…

 

24.12.13

Natal sem pinheiro... só caruma!

Natal, natalidade, nasce-se pouco em Portugal...

Mortalidade, em dezembro, parece que se morre mais em Portugal: no mar, nas estradas, à lareira. Não sei se, também, se morre mais nos hospitais! A estatística, tão rigorosa noutras matérias, é omissa ou lenta no que se reporta à mortalidade... Oficialmente, os encargos com os reformados e pensionistas aumentam diariamente! De qualquer modo, desconfio que estamos a ser enganados! É um pouco como com os empréstimos, ninguém lhes conhece as verdadeiras datas. Convencionou-se que a culpa é do governo anterior... e ficamos satisfeitos!

No que me diz respeito, os meus simpáticos leitores já devem estar a interrogar-se quando é que lhes desejo BOAS FESTAS. Está feito: BOAS FESTAS a todos os que "pisam" a CARUMA! Sei que o fazem por razões diversas, mas a todas entendo e aceito...

Em termos pessoais, o Natal é cada vez menos (re)nascimento! Este ano, Natal é distância e sobretudo AUSÊNCIA. Uma ausência insanável! Umas Boas Festas, também, para todos os que partiram!

 

23.12.13

Desempenho docente e arbitrariedade avaliativa

Será que o atual modelo de avaliação se justifica quando a progressão na carreira continua congelada? Neste contexto, qual é a verdadeira duração de um ciclo avaliativo?

As respostas são da DGAE.

Questão: Como operacionalizar o aproveitamento da observação de aulas em modelos avaliativos anteriores, face à obrigação de apresentação do requerimento previsto no n.º 2 do artigo 10.º do Despacho Normativo n.º 24/2012, de 26 de outubro?

Resposta: Os docentes que, para efeitos da sua avaliação do desempenho, pretendam recuperar a classificação da observação de aulas obtida em modelos de avaliação do desempenho anteriores deverão manifestar essa intenção ao diretor da escola onde se encontram a exercer funções, até ao fim do seu ciclo avaliativo.

Nova questãoSerá possível, dentro do mesmo ciclo avaliativo, recuperar várias vezes a avaliação de modelos anteriores, com a agravante, de não haver observação de aulas?

Questão:  Considerando que a progressão na carreira está congelada desde 01/01/2011 e estará, pelo menos, até 31/12/2013, para saber quando o docente deve ter observação de aulas bastará ir ao tempo de serviço para progressão que o docente tinha em 31/12/2010 e continuar a contagem a partir de 01/01/2014. Este entendimento é correto?

RespostaSim. Tal interpretação encontra-se em consonância com os nºs 4 e 5 do artigo 18.º do Decreto- Regulamentar nº 26/2012, de 21 de fevereiro, bem como com a nota informativa publicitada pelo MEC em 3 de dezembro de 2012, nomeadamente os seus pontos 2 e 4.

Nova QuestãoO congelamento progressão termina mesmo a 31 de Dezembro de 2013?

Questão: Os docentes posicionados nos 6.º, 8.º e 9.º escalões, que aguardam reposicionamento por força do disposto no Decreto-Lei n.º 75/2010, nos termos previstos, respetivamente, nos artigos 8.º, 9.º e 10º do citado normativo legal, têm de ser avaliados de novo no escalão em que se encontram ou aguardam apenas o decurso de tempo necessário à progressão?

Resposta: Quanto aos docentes integrados no 8.º escalão, a norma esgotou os seus efeitos até ao final do ano civil de 2011, pelo que estes docentes já não poderão beneficiar do regime transitório de progressão consagrado naquele normativo. No que concerne aos docentes integrados nos 6.º e 9.º escalões, também não poderão usufruir daquele regime enquanto vigorarem as disposições legais que temporariamente impedem a progressão na carreira

Nova questãoQuem é que desbloqueia estes impasses?

ComentárioConsiderando a ausência de supervisão dos procedimentos, a aplicação arbitrária do decreto-regulamentar nº 26/2012, de 21 de fevereiro, com o consequente aumento exponencial de recursos, está à vista mais um ano de enorme instabilidade nas escolas.

22.12.13

Avenida da Liberdade

Em 9 de Março de 1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal. Interessavam-lhe as colónias! Perdeu a guerra, mas nunca se esqueceu de nós. Entretanto, nós vamos celebrando a liberdade, em tempo de ditadura financeira e política.

Na verdade, apesar da euforia de Abril, a maioria dos portugueses desconhece o que é a liberdade. Quantos são os portugueses que podem fazer compras na Avenida da Liberdade? Até os vestidos de noiva são expostos em manequins pretos! As malas mais parecem cofres prontos a transportar diamantes, numerário, estupefacientes!

A Avenida da Liberdade veste-se de tíbias luzes ao anoitecer, e os ratos vão saindo do subsolo à espera dos incautos…

A estátua surge decapitada, não por ação de algum vândalo, mas porque o combatente, para além de ter sido humilhado, é cada vez mais raro. O louro murchou e a granada, por falta de utilização, tornou-se obsoleta...

 

21.12.13

Expresso 21.12.2013: Quem é o matilheiro-mor?

Hoje, o Expresso publica um artigo de opinião, de Martim Avillez Figueiredo, intitulado "A MATILHA DAS ESCOLAS" que me está a dar que pensar.

Creio que o bolseiro da Gulbenkian aprendeu, em seu tempo, a distinguir a linguagem denotativa da conotativa. Amicíssimo de Nuno Crato, para quem essa distinção é fundamental, como acaba de se verificar na primeira "prova de avaliação de conhecimentos e competências", creio que M.A.F. terá conhecimento quanto baste para não cair na baixeza de chamar cães aos professores ou, pelo menos, aos candidatos a tal profissão: «mas antes é preciso não esquecer essa matilha que instruí professores a rasgar enunciados e que os incita a não respeitar ordens do tribunal.» Na verdade, o enunciado aponta, sem peias, para os instrutores - os matilheiros - e, em particular, para «o tenebroso Mário Nogueira».

Apesar de não gostar do comportamento de muitos dos envolvidos no triste episódio de 18.12.2013, não posso deixar de condenar o ataque mesquinho feito à escola e aos professores e, sobretudo, de me interrogar sobre quem é o matilheiro-mor?

Não esqueçamos que um artigo de opinião tem um sempre um objetivo. Neste caso, defender a política do amigo Nuno Crato! E, sobretudo, aumentar a matilha...

  • matilha - conjunto de cães que se levam à caça. 

 

 

 

20.12.13

O excesso destes dias

I - Nestes dias, apesar de todos os indicadores recomendarem contenção nas despesas, o que vemos é consumismo desenfreado - gasta-se o que se tem e o que se não tem!

Estou incapaz de compreender o motivo da azáfama, do esbanjamento, da gula, do EXCESSO. O Natal nada tem a ver com este comportamento. Pelo contrário, o frio, a fome, a guerra exigem outra atitude.

O mediador deixou-se crucificar para nos mostrar o caminho, no entanto, o exemplo de nada serviu.

E eu vejo-me arrastado nesta euforia postiça. Esgota-se-me a paciência e o apetite!

II - Quanto ao Tribunal Constitucional, parece que fechou a porta ao ladrão, mas escancarou-lhe a janela!

 

19.12.13

Nenhum português pode estar sossegado!

«Não há nenhum pai deste país que possa ficar sossegado se achar que alguma daquelas pessoas, com as cenas que assistimos ontem na televisão, possa ser professor de um filho seu.», afirmou hoje o ministro da Presidência no final da habitual reunião de Conselho de Ministros.

Humilhados, os profissionais de ensino em início de carreira ou, formalmente, precários, dividiram-se entre os que quiseram realizar a PAAC e os que quiseram mostrar a sua revolta. O espetáculo não foi educativo! E os mass media não perderam a oportunidade de explorar os excessos e os dramas!

Mas quem é que prefere humilhar a educar? Quem é que prefere penalizar as vítimas a retirar o alvará a instituições que não revelam competência para formar professores? Quem é que manda fazer avaliações externas viciadas? Quem é que criou um Instituto de Avaliação, usurpando competências das Universidades?

A resposta é dada por vozes ministeriais que desrespeitam a sintaxe elementar e que classificam os professores como «aquelas pessoas». Vozes ministeriais que ignoram o significado das palavras que proferem, que, em vez de «servirem», humilham. Vozes ministeriais cujo juízo se baseia em imagens televisivas...

Estas vozes ministeriais têm um único fito: o confronto. De preferência, entre pares!      

 

 

 

 

18.12.13

PACC: uma proposta desigual e inconsequente!

«A escola de hoje é infinitamente melhor do que a escola de ontem...» António da Nóvoa (1954)

Escreva um texto em que exponha a sua opinião sobre a perspetiva expressa por este autor, fundamentando-a através de uma linha argumentativa coerente.  (PACC)

Eis uma proposta de argumentação desigual e inconsequente! Partindo do princípio de que o avaliado decide apoiar ou rejeitar a tese, quem é que ele quererá persuadir? O avaliador? O ministro da educação? Ao começar por examinar os termos do enunciado, cedo verificará que este é hiperbólico - infinitamente! Palavra vazia e florentina... A seleção de argumentos fica condicionada pela retórica... Por outro lado, a referência a uma "escola de ontem" introduz generalização e vacuidade, pois objetivamente não há qualquer delimitação do tempo.

Só a experiência (a vivência) poderá ajudar a construir um juízo consistente, assente na comparação.
Para António Nóvoa, nascido em 1954, "ontem" é o tempo em que ele se fez homem na escola do Estado Novo. E "hoje" é o tempo democrático, o tempo de Abril, em que chegou a reitor, protagonista da mudança, do "infinitamente"...Ora se a vivência é o filtro que permite determinar os argumentos e selecionar os exemplos de forma coerente e legitimadora do presente, apesar da desconfiança quanto ao rumo que está a ser seguido, apesar do receio de que o futuro possa voltar-se contra a escola "infinitamente melhor de hoje", o candidato, forçado a expor uma «opinião», irá acabar por construir um texto inócuo...
Infelizmente, a escola que propõe este tipo de itens não é  melhor do que a escola de ontem!

 

17.12.13

A mediação

« Pas de messianisme, parce que pas de médiation entre l'homme et Dieu.» Olivier Carré, L'Islan Laïque ou le retour à La Grande Tradition, 1993, Armand Colin

 

Na cultura judaico-cristã, a ideia de mediação é essencial. Os judeus vivem na esperança da chegada do Messias. Os cristãos encontraram o mediador na figura de Jesus. 

Nas duas civilizações, o Messias liga o homem a Deus.

No Islão, a relação do homem com Deus é direta.

Agora que o Natal se aproxima seria bom que levássemos em conta que uma parte do mundo não vê qualquer razão para se associar ao consumo desenfreado que caracteriza a época natalícia.

E como bem sabemos, o consumo é também ele resultado de uma relação de mediação estabelecida pelo comerciante entre o produtor e o consumidor... sempre com vantagem para o mediador!

 

16.12.13

Ecos da Turquia

Em Gramática das Civilizações (1963/1987), Fernand Braudel escreveu: «Como todas as sociedades, a muçulmana tem os seus privilegiados, pouco numerosos, por isso mais poderosos.» Para, ao referir-se à sociedade turca, registar a ação de Mustafá Kemal, autor de um «teste brutal e genial que soube abrir brechas num bom número de pretensos tabus da civilização muçulmana».

Em poucas palavras, o que estava (e está) em causa é «a emancipação da mulher, o desaparecimento da poligamia, as limitações ao repúdio unilateral pelo marido, a supressão do véu, o acesso às universidades e à cultura, aos empregos, ao direito de voto...» (pág.108, ed. Teorema, 1989)

Em 2013, o que procuro conhecer é em que fase se encontra a Turquia, de modo a entender quais são os obstáculos (endógenos e exógenos) à sua integração nas «civilizações europeias» e, simultaneamente, na União europeia...

Num mundo em que as comunicações são cada vez mais fáceis, esta minha pergunta indireta resulta de ter recebido o seguinte esclarecimento, a propósito da utilização de um telemóvel levado de Portugal: «na Turquia és obrigado a comprar um telemóvel turco, por causa das redes e taxas, coisas estranhas...»

 

15.12.13

Educação: 36.801,87 €; Justiça: 87,1 milhões de euros

Não era preciso distribuir tão mal o dinheiro!…

No mesmo bairro, no mesmo enfiamento, no mesmo país, como diria Cesário Verde:

«E eu sonho o Cólera, imagino a Febre, / Nesta acumulação de corpos enfezados; / Sombrios e espectrais recolhem os soldados; Inflama-se um palácio em face de um casebre.», in Noite FechadaO Sentimento dum Ocidental.

 

14.12.13

Nunca pensei

«- Se já sou civilizado, então o teatro só pode servir para me divertir.»
Leio e volto a ler e nem sei se hei de pegar pelo "civilizado", se pelo "teatro", se pelo "divertimento".

Vou começar pelo Orgulho que me esclarece que não necessito de educação. Já nasci sabedor e educado! Há uns tantos seres inferiores, que esses, sim, por mais educação que recebam, por mais formação que obtenham, jamais beneficiarão dos prazeres da civilização... 

Lá no fundo, repudio o Teatro porque, desde a origem, ele quis que os seres inferiores transpusessem o fosso que os separa dos civilizados. A teoria da catarse terá sido inventada por um rebelde que, ao contemplar a serenidade do seu Senhor, acreditou que havia uma porta - do terror e da compaixão - que levaria o escravo à superação da bestialidade, fazendo-o participar no banquete da luxúria e da soberba...

No meu Teatro não há dor nem trabalho, não há fado nem superação! Apenas divertimento, puro jogo, puro gozo, porque do meu Teatro eu contemplo o mundo inferior...

(Nunca pensei que tivesse nascido civilizado, nunca pensei que o Teatro fosse outra coisa que os olhos do mundo e, sobretudo, nunca pensei que ele se esgotasse no puro gozo do aviltamento do Outro..., mas há cada vez mais indícios do contrário!)  

 

13.12.13

As minhas freguesias

Nunca é tarde para enriquecer a identidade!

Com a bênção do menino Jesus, e por ação do sapientíssimo governo passei a viver na freguesia de Moscavide e Portela… Eu que nasci relutantemente na freguesia de S. Pedro, cresci na freguesia de Assentiz, me transferi por uns anos para a freguesia de S. Salvador, regressei à freguesia de Assentiz… para terminar a adolescência na freguesia de S. João Baptista. Um pouco antes da instauração do regime democrático, vivi transitoriamente na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, saltitando com Abril, entre a freguesia da Reboleira e a de S. João da Pedreira, para depois me instalar duradouramente na freguesia de Algueirão-Mem Martins… Só que o destino não quis que ficasse por lá e acabei por me mudar para a freguesia da Portela… agora, por decisão do sapientíssimo governo, Moscavide e Portela…

No meio de tanta freguesia, há um dado curioso: tenho vivido mais tempo em freguesias profanas!

Boas Festas!

 

12.12.13

Distorção e extorsão

A ordem dos termos não será aleatória!

Confesso que me choca que a classe política não dê conta de como a realidade económica e social do país é permanentemente distorcida. Os governantes parecem viver numa redoma, imunes à permanente manipulação da verdadeira situação financeira. Multimilionários afirmam que o «país está teso». Na verdade, os cofres do Estado podem estar vazios, mas os bolsos deles estão cheios! 

distorção, alimentada por fundações, grandes empregadores, órgãos de propaganda de interesses empresariais, políticos internos e externos, lança diariamente o anátema sobre os funcionários do Estado e sobre os pensionistas e reformados, reduzindo-lhes a capacidade de cumprir os compromissos que, ao longo da vida, foram assumindo...

Ao lado, milhões continuam as suas vidinhas como se nada estivesse a acontecer - banqueiros, fidalgotes, clérigos, empreendedores dúbios, especuladores e apostadores, usurários, desempregados, herdeiros, proxenetas, euroburocratas, mercenários de toda a espécie...

São milhares de milhões de euros que se escondem e se mostram sem que o Estado se preocupe com a sua origem e com o seu destino!

Perante o desleixo, a impostura e a interesseira distorção, o Governo, através do Orçamento, lança da mão da EXTORSÃO contra os do costume: funcionários públicos, pensionistas, reformados e mais carenciados...

Como se sabe, o argumento é pobre porque falta a coragem (não faltam os cientistas políticos, os sociólogos, os economistas, os gestores, os comentadores e os comendadores!) de avaliar a distribuição da riqueza, começando por distinguir o necessário do desnecessário, o razoável do desmesurado, o produtivo do supérfluo...

 

11.12.13

Suspensos...

(Sigo os radares à espera de que Ancara te deixe dormir duas ou três horas antes que o Sol caia sobre a cidade.)

Apesar de tanta tecnologia, as viagens continuam condicionadas pelas intempéries... ficamos suspensos... e o futuro deixa de ser perscrutado no voo das aves.

Em terra, a linearidade do dia esfuma-se e as horas correm ansiosas... Na espera, os minutos arrastam-se, prolongam-se deixando que a duração nos asfixie... 

 

10.12.13

Na arena

Este dia alongou-se na chuva que terá aberto as portas do céu a Mandela, apesar da sua luta privilegiar o fim do apartheid na terra. À medida que a auréola cresce, os devotos abdicam da luz e mergulham no nevoeiro de um tempo que, ainda há pouco, era promissor...

Um aperto de mão por encenar repete o do milénio... o arame farpado ignora a auréola e o gesto...

Longe da arena, abafo o medo da diferença e, sobretudo, debato-me com a inconsistência das aprendizagens: em Ourique, em Aljubarrota, no Magreb, no Indico, o bravo e não facundo Nuno, aureolado, levanta a Excalibur ao serviço de Hollywood. 

 

9.12.13

Eu não britei pedra com Mandela!

Eu não britei pedra com Mandela ... vivia num enorme corredor, ladeado de azulejos fuzilados por baionetas francesas!

Eu não gritei por Mandela ... orava para que a senhora de Fátima nos livrasse dos vermelhos, para que a guerra acabasse e angola fosse nossa!

Eu não me vesti de negro por Mandela ... redimia-me dos pecados que cometera contra Deus e os seus imaculados representantes na Terra!

Eu não chamei por Mandela... preferia ler elegias distantes e subservientes!

Eu não visitei Mandela ... percorria os lugares desertos e as metrópoles estonteantes! 

Eu não li com Mandela ... perdia-me em guerras de alecrim e manjerona!

Eu não morri com Mandela... estou refém no meu próprio labirinto!

 

8.12.13

A Ilusão da Água Lilás

Para sacudir o frio e o rosário de respostas quase iguais - triste exemplo de sucesso escolar -, subi A MONTANHA da ÁGUA LILÁS, de Pepetela, e por um tempo breve instalei-me na sua encosta, como se de regresso ao Calpe primordial.

A fábula, repartida por 16 "jornadas", situa-se num Morro de Poesia, habitado por «uns estranhos seres cor de laranja, diferentes de todos os outros da Terra». Repartiam-se por «cambutinhas do tamanho de coelhos», e «Lupis» que tinham a particularidade de «lupilar», isto é, expressavam o contentamento ou a tristeza através do grito «lupi-lupi-lupi» ...

(...)

Pelo que se vê, os Lupi ainda estão entre nós, embora a sua história se tenha revelado inútil, tudo porque a «água lilás», apesar de lhes matar as carraças e de lhes alegrar os humores, se esgotou depois de ter sido objeto de longa disputa entre Jaculapis, Lupões e os animais da planície ( rinocerontes, leões, onças, hienas, lagartos, cobras...)

«E como toda a estória tem um fim», «a montanha de repente ficara seca de água lilás. Só os tanques vazios e um vago perfume que neles ficou mostrava que um dia, tinha existido ali.»

Desse tempo fabuloso, apenas restam o lupi-poeta e lupi-pensador que continuam «a lupilar, todos contentes com a alegria que dá aspirar o perfume da água lilás.

Só que ainda é cedo para a fazer sair!

 

7.12.13

Eles falam de cátedra

Ultimamente, o Governo tudo tem feito para desqualificar a Universidade. Redução dos orçamentos, ostracização dos diplomados e, sobretudo, menorização da formação científica e pedagógica ministrada nas diversas Faculdades...

Hoje, o exemplo vem de cima! O Presidente da República decidiu avançar nova lição, a modo de ajuste de contas: - "Eles falam de cátedra", mas quem tem o conhecimento sou eu...

(A História das relações entre os povos e do papel dos seus governantes passou a ser escrita na rua...)

E nem vale a pena referir os relvas para quem é perfeitamente normal concluir cadeiras sem as ter frequentado... 

 

6.12.13

Rolihlahla e a gravilha

Durante todo o dia, os presos de Robben Island sentavam-se em filas no pátio e partiam pedras, para as transformarem em gravilha. Entre eles, Nelson Mandela: de 1964 a 1990.

Este Homem partiu a pedra e com a gravilha foi construindo uma nação, uniu os homens que outros homens tinham separado...

Nestes dias em que a rocha se transforma novamente em gravilha, bom seria que os colaboracionistas reconhecessem, finalmente, que estavam do lado errado ou, pelo menos, que ficassem em casa à lareira... pois o que possam dizer em louvor do Homem não apaga o que ficou por fazer nem exorciza os crimes que continuam a cometer!

Rolihlahla (18.07.1918-05.12.2013) Que a árvore de onde se soltou o possa acolher enquanto os homens a não desenraizarem!

 

5.12.13

Desabilitados para a docência

Segundo o aviso do Ministério da Educação e Ciência, os candidatos inscritos para a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades, com "cinco ou mais anos de serviço docente" que não a queiram realizar, devem manifestar essa pretensão no portal http://pacc.gave.min-edu.pt, a partir de sexta-feira e até às 18:00 de segunda-feira.

Depois de um secretário de estado da educação ter afirmado que o Governo conta com os professores e que tudo faz para os dignificar, depois de ter ouvido uma vice-presidente pedir às autoridades que auxiliassem os cidadãos a evacuar a galeria, isto sem falar da advertência da senhora presidente de que a manifestação no interior da Assembleia da República é CRIME... fico-me pelo registo de uma anedota que qualquer um pode ler no MUNDO DO FIM DO MUNDO, de Luis Sepúlveda.

«Um bom amigo meu, um marítimo chilote que merece o título de lobo do mar, trabalhou durante muitos anos como patrão de alto mar no Estreito de Magalhães. O homem pegava no leme de qualquer barco e conduzia-o sem problemas para o Pacífico ou para o Atlântico. Mas o meu amigo tinha o pecado de nunca ter estudado numa escola naval e, para cúmulo dos seus males, era socialista. Quando veio o golpe militar de 73 e os tropas se apoderaram de tudo, a governação marítima de Punta Arenas notificou-o para fazer um exame antes de lhe renovar a licença de patrão de alto mar. Pois muito bem, o meu amigo César Acosta e os seus quarenta anos de experiência sentaram-se diante de um imbecil com o posto de tenente da Marinha. O oficialzito estendeu uma carta marítima do estreito e disse-lhe: «Indique-me onde estão os bancos de areia mais perigosos.» O meu amigo coçou a barba e respondeu-lhe: «Se o senhor sabe onde estão, felicito-o. A mim, para navegar, basta-me saber onde não estão.» (Traduzido do espanhol - Chile - por Pedro Tamen)

PS. E depois das provas ou do perdão das provas, segue-se o período probatório, em que se pode ser novamente desabilitado...

 

4.12.13

Determinado o cluster educativo

Por tudo e por nada avalia-se! Houve um tempo em que nada era avaliado. Como diria o paspalho: - Não há fome que não dê em fartura!

A moda está em enviar uma brigada, vulgo troika, "junto de uma unidade orgânica" e submetê-la ao teste da eficácia educativa, isto é, à avaliação dos resultados académicos...

Determinado o cluster educativo, três dias é quanto basta para que três avaliadores oiçam em múltiplos de três os agentes e os pacientes da ação educativa... Aos últimos compete fornecer os dados que legitimem a bandeirinha colocada em montes de reduzido, fácil, médio e elevado acesso. (Espero que não deixem de fora o Monte da Lua!)

No final, a brigada voltará com um plano de melhoria para que os resultados académicos possam superar os anteriores e, assim, colocar a unidade orgânica na Montanha da Água Lilás...

« A montanha tinha dois cumes principais: O cume Lupi, o mais alto, onde nascia o rio do mesmo nome, e o cume do Sol, no extremo oposto. No meio dos dois cumes, havia um morrozito com pedras, sem plantas nem árvores, apenas capim baixo. Era o sítio mais calmo e perfumado da montanha e dali se podia ver melhor o luar de Lua cheia; por isso era o Morro da Poesia.» Pepetela

Para o caso de a brigada me querer ouvir, aviso que estarei à espera no morrozito com pedras, aquele em que os resultados cedem o lugar às pessoas, mesmo que sejam os espinhos do caminho...

 

3.12.13

Ao sétimo dia, eles folgam...

Um destes dias, dei conta que há verbos pouco afortunados. Por exemplo: tributarendividar-sefalir.

E quando tal acontece, preferimos abrir falência ou, melhor ainda, decretar falência, pois a responsabilidade deixa de ser nossa, tal como preferimos atribuir a dívida a outrem, em vez de reconhecer que passamos as horas a endividarmo-nos e sempre com a desculpa da tributação, outrora da corte, atualmente dos credores...

Não sei se chegámos ao sétimo dia da criação da dívida, mas consta que hoje é dia folgar: o governo conseguir negociar o adiamento do pagamento da dívida, aumentando o endividamento do país. Neste cenário, seria de esperar que o povo também pudesse viver com maior desafogo em 2014 e 2015... Mas não! Os cortes já estão inscritos no OGE... e a folga vai servir para alimentar o foguetório eleitoral que se aproxima.

Depois, em 2016, ergue-se a forca. Só resta saber quem será o enforcado! Pode ser que, não tendo o povo folgado, o feitiço acabe por se voltar contra o feiticeiro.

E como não gosto de surpresas, proponho, desde já ao ministro Crato, a abertura de um curso profissionalizante de carrasco cujas habilidades tanto podem ser colocadas ao serviço do ministério da justiça como do ministério da agricultura (exemplo de ensino dual, em que eu me encarregarei de explicar a riqueza semântica do carrasco e seus derivados...)

 

2.12.13

Já não se trata da opus dei, mas da obra de Crato

Nuno Crato: - "É nossa intenção que cerca de 50% por jovens do ensino secundário possam estar numa formação profissionalizante e temos aqui um bom exemplo de como os jovens podem sair com boas aptidões para entrarem no mercado profissional de trabalho ou prosseguirem com os seus estudos." (SOL)

Crato quer, o empreendedor sonha, a obra nasce.

Que o ministro queira, eu ainda entendo. Agora que o empreendedor sonhe, duvido. Talvez haja uns tantos a esfregar as mãos de contentamento: a mão-de-obra barata sempre dá jeito...  Quanto à obra, teremos de esperar, pois já não se trata da opus dei, mas da obra de Crato. Felizmente que temos um ministro que leva o nome a sério. Não lhe faltem o querer, a espada e a auréola! E talvez valha a pena lembrar ao senhor ministro que para que Portugal se cumpra, não é necessário importar o modelo chinês, alemão ou, mesmo, indiano. 

PS. Com os meus agradecimentos ao senhor Fernando Pessoa...

 

1.12.13

Programa de Português do ensino secundário em discussão pública

Acordei e fui ler uma segunda vez a Introdução do Programa e Metas Curriculares de Português - um pouco à maneira de Aquilino Ribeiro: ALCANÇA QUEM NÃO CANSA!

Ora na página 6, em tradução livre, os autores do documento citam Shanahan, 2012 - "A recompensa resulta da capacidade de perseverar".

Estou completamente de acordo, só tenho pena que o Aquilino Ribeiro fique de fora. Também ele condenava o facilitismo e, sobretudo, porque mostrou ser capaz de estabelecer conexões que fazem das suas obras exemplo de TEXTO COMPLEXO.

(Por outro lado, estou em desacordo porque não creio que sob a citação deva aproveitar-se para criticar o Programa anterior e os seus gestores - os professores.)

Retomando a noção de texto complexo e a defesa da sua centralidade no novo Programa, registo que os autores reconhecem que ele exige: «vontade de experimentar e compreender»; «existência de poucas interrupções»; recetividade para aprofundar o pensamento». Qual é a novidade? A ideia de que o texto literário se situa no leque dos textos complexos? 

No essencial, estou de acordo, mas será que o MEC tenciona disponibilizar as horas letivas suficientes para compensar «a falta de experiência de leitura», para proporcionar o «trabalho mais lento» necessário à chamada «compreensão inferencial»?

Há ainda um outro detalhe em que vale a pena refletir. A complexidade do texto resulta apenas da sua especificidade ou depende em muito da maturidade do aluno? Para um aluno do 10º ano, a leitura de uma cantiga de amor será menos complexa do que a de um poema de Fernando Pessoa?

No atual contexto ideológico, a disciplina de Português não deveria envolver-se em qualquer projeto de educação literáriaA educação é um problema dos pais ou, pelo menos, parece ser. Os pais é que a escolhem a escola! Há que combater o eduquês! Isto é, o professor só deve preocupar-se em estimular a concentração e a lentidão da aprendizagem. 

Eu, no lugar dos pais, exigia educação artística, científica e humanística!

E mais não quero dizer porque ao fazê-lo num blogue, pratico um mau exemplo de texto complexo! Falta-me a visão global... em pedaços me dissolvo ou, talvez, em fragmentos…
(À parte) O último parágrafo da página 9 faz-me lembrar outros tempos: «Em suma, defende-se uma perspetiva integradora do ensino do Português, que valoriza as suas dimensões cultural, literária e linguística...» Só falta a dimensão discursiva!

Finalmente que Projeto de leitura é este que se limita à escolha anual de uma ou duas obras em que os autores portugueses ficam excluídos, em particular, os VIVOS?

PS. Já me esquecia de aplicar a minha capacidade (ou será competência?) inferencial: «Como lembra Bauerlein (2011, 29), os textos complexos podem ir desde "uma decisão do Supremo Tribunal a um poema épico ou a um tratado de ética"... (Programa, 6) Os sublinhados são meus...

 

30.11.13

O pé de porco

Vou ao mercado e compro um pé de porco. De seguida, compro duas latas de feijão branco... e vou pensando "um indivíduo da minha idade condenado a mais sete anos de magistério, se come esta chispalhada, acaba mal, ainda por cima diante de jovens que não veem razão para aturar uma múmia…»

Na verdade, aquele pensamento era desnecessário porque há muito que ando arredado de tais comezainas. Bem sei que a vida são dois dias, embora o governo diga que são três, e que o melhor é aviar-se em terra antes que a pensão falte...

De qualquer modo, o pé de porco está a dar-me trabalho, pois não lhe tendo tirado as medidas, ele recusa-se a acomodar-se na panela de pressão. Pacientemente, vou o desossificando, mas a tarefa é árdua...

Quase tão árdua, como amortizar a dívida e, simultaneamente, classificar três turmas que, perante a tese de que o endividamento nacional terá começado com a necessidade de pagar à Europa, em especiarias, o empréstimo contraído para a construção da armada de Vasco da Gama, trocam a ordem das respostas deixando-me à deriva entre uma arca frigorífica que demora a descongelar e um osso barato, mas arrenegado...

Felizmente que uma boa parte destes jovens alunos percebeu que a causa da dívida também era endógena. De facto, os europeus, já no século XVI, fixavam o preço! Só que, por seu turno, a Corte evitava o pé de porco, preferindo outras iguarias, outros luxos... deixando, como hoje, o povo na miséria.   

 

29.11.13

Classificador da PAAC, não!

Em sete meses, Crato quer alterar "os cursos de Educação":

Serão as escolas a decidir-se. Depois de o decreto-lei ser aprovado, depende da data exata da promulgação, mas as escolas que não quiserem fazer este ano terão oportunidade de o fazer para o outro ano.

Ninguém vai fazer estas mudanças com pressa, vamos fazê-las com calma e de maneira sólida”, assegura.

Crato tem pressa, mas o "democrata" transige. As escolas é que sabem!

O discurso ministerial é gramatical e semanticamente eloquente: Serão as escolas a decidir-se; mas as escolas que não quiserem fazer este ano terão oportunidade de o fazer para o outro ano; ninguém vai fazer estas mudanças com pressavamos fazê-las com calma e de maneira sólida...

Eu estou consciente de que é preciso mudar a formação, mas ninguém me pediu uma ideia. 

No entanto, o IAVE solicitou-me que classificasse 100 textos, de tipo expositivo-argumentativo, e, em consciência, recusei, porque sei que os avaliados, sem adequada preparação, irão produzir um discurso idêntico ao do senhor ministro da educação e ciência...

Como classificador, não gosto do papel de carrasco!

 

28.11.13

Não me apetece escrever

Não me apetece escrever porque 4 portugueses são donos de 9,6 mil milhões de euros... 

Não me apetece escrever porque, de manhã, não pude folhear o CM, vendo-me obrigado a comprar o i, e este não me trouxe a notícia que ansiava - ela passava, fugaz, na primeira página do DN. Só mais tarde, percebi que, não sendo bordadeira nem carpideira, para mim, era NÃO-NOTÍCIA...

Não me apetece escrever porque não quero "autossuicidar-me" às 8 horas da manhã num banco de escola diante meia dúzia de plátanos chorões...

Não me apetece escrever porque o metro fechou as portas e os de sempre ficaram à lareira, com ou sem teste.

Não me apetece escrever porque não sei utilizar "palavras fortes", isto é, desconheço o que é o calão, pois há muito tempo que não viajo para as Mercês ou para Rio de Mouro. Se por lá andasse, arriscava-me a escrever um romance cheio de "palavras fortes". Supostamente, aquelas gentes não conhecem outro registo de língua, tal como há quem desconheça que possa existir a localidade "Rio de Mouro".

Não me apetece escrever porque Gabriel García Marquez inventou "Cem Anos de Solidão" para que um qualquer genealogista elaborasse uma árvore que desprezava os avisos...

Não me apetece escrever porque o Moita Flores prometeu que ia desvendar o assassinato do Presidente Sidónio e, afinal, ficou-se pelo título porque o processo consultado não dava para mais.

Não me apetece escrever porque Ulisses queixou-se da perfeição e preferiu voltar para Ítaca.

Não me apetece escrever porque, nas palavras de um esclarecido discípulo, o mesmo Ulisses foi substituído por um excêntrico boneco japonês, frustrando o Eça...
Não me apetece escrever porque a TAP está tentar vender-me um bilhete de regresso da Turquia sem que eu sequer tenha partido... Não me apetece escrever porque na Universidade Nova, os gabinetes de trabalho fazem lembrar os gavetões do cemitério de São Marçal... Não me apetece escrever porque Portugal, aconteça o que acontecer aos portugueses, não vai parar.

Só a imperfeição me faz regressar...

 

27.11.13

O compromisso

No ar, o desânimo, a descrença. 

Se a crença delega na intervenção externa, a descrença mina a vontade.

Entre ambas já não há fronteira: não há esperança!

Por enquanto a casa é lareira, 

embora não se saiba durante quanto tempo...

Só por cegueira se fica até mais tarde...

A linha (in)visível deslocou-se sem que a vela se deslocasse.

Já não há arvoredo nem flores nem aves

Só a mentira beija o frio dos teus lábios...

 

26.11.13

A crença

Há sempre quem acredite numa intervenção externa!

O Tribunal Constitucional virou lugar de peregrinação. São 13 os apóstolos da fé, pelo menos, foi o que entendi logo de manhã: 7 votaram pelo horário semanal de 40 horas para os funcionários públicos; os restantes votaram contra. 

Argumento, em registo familiar: os funcionários públicos não devem beneficiar de um estatuto privilegiado em relação aos funcionários privados ou até por conta própria, se esta categoria pode ser considerada.

O orçamento geral do estado acaba de ser aprovado pela maioria parlamentar, e logo, em coro, se roga ao Tribunal Constitucional que intervenha, que defenda a Constituição. O problema é que esta não proíbe os cortes nem nada determina sobre a aplicação do princípio da retroatividade. Os legisladores eram homens sérios e, como tal, pensaram o texto constitucional como suporte do regime democrático, não imaginando que uma maioria eleita democraticamente pudesse fazer tábua rasa de princípios fundamentais...

 

Nesta situação, o pior inimigo do cidadão é a crença. Acreditar que os juízes irão fazer frente ao governo é o mesmo que pensar que, no Estado Novo, os tribunais plenários eram imparciais. Os juízes são homens e mulheres, têm família, amigos, partido e igreja, e acabarão por claudicar... 

A crença atual não é diferente da crença messiânica ou sebástica! Ela existe sempre como forma de compensar a inação, de manter o statu quo por muito precário que ele possa ser...

Por outro lado, é bom não esquecer que a maioria parlamentar é suportada, em grande parte, por um grupo significativo de cidadãos que continua a enriquecer, sem que os seus rendimentos sejam molestados... e desta vez não parece que eles façam parte do funcionalismo público.

 

25.11.13

O herói da futilidade

«A experiência é o terreno de prova.», Harold Pinter, Os ANÕES

Esta velha ideia já não encontra seguidores. 

Hoje, somos governados por homens e mulheres sem conhecimento e sem experiência. Estes governantes desprezam a experiência e, sobretudo, são um péssimo exemplo para as novas gerações...

Se os governantes maltratam os juízes, os professores, os médicos, os idosos, os doentes, os deficientes, o que é que poderemos exigir aos mais jovens? O que é que poderemos exigir às famílias? 

O que é que poderemos exigir...

A resposta surge sob a forma de notícia de:

a)  polícias que desrespeitam os pilares da democracia;

b) homens que agridem as mulheres até à morte;

c) assédio sexual e violação de menores e de idosos;

d) crimes de sangue por dá aquela palha;

e) assaltos, sequestros e vandalismo um pouco por toda a parte;

f) desfalques e tributação abusiva;

g) usura e tortura;

h) tráfico e consumo de droga a céu aberto e a coberto de opulentas mansões...

A notícia até tem jornal e TV para a amplificar, de preferência em direto!

 

(Na sala de aula, um professor não fala dos governantes sem conhecimento e experiência, não fala da notícia em direto! O professor procura que os alunos compreendam o pensamento de Vicente, Camões, Vieira, Garrett, Pessoa, Saramago..., mas eles chegam naturalmente atrasados, sorridentes, pedem desculpa e sentam-se tranquilos como se fossem pedir uma cerveja ou charro, e ficam ali a desfiar um rosário de sensações, à espera do toque de uma campainha que, também, ela desistiu da sua função...)

«Se realmente sou um deus, sou o deus da futilidade e do remorso.»

Dito de outro modo, o herói já não é o Nuno de Camões nem de Pessoa, nem o deus de Harold Pinter, que esse ainda conhecia o remorso. 

 

24.11.13

OS ANÕES. Não vale a pena querer recontar...

Não vale a pena querer recontar o romance "OS ANÕES" de Harold Pinter, porque falta a intriga ou, no mínimo, pode dizer-se que faltam as peripécias. 

Quatro personagens - LEN, MARK, PETE e VIRGINIA - circulam num espaço fechado, discorrendo sobre comportamentos, em que a amizade e o amor mais não são do que um lugar de traição, de sadismo e de exibicionismo... As personagens, na verdade, não dialogam: acusam-se por vezes, bajulam-se outras...

Neste romance, a ação é puramente verbal: parolesparolesparoles... Parece haver nele um desafio ao leitor, como se este, ao ler, recriasse à mesa, na cama, à janela, na rua, num ou noutro bar, com os amigos, uma vida absurda, limitada à bebida, ao sexo, ao palavrear... tudo em discurso direto.

No essencial, estamos perante romance do absurdo em que todos queremos ser heróis ou deuses: «Se realmente sou um deus, sou o deus da futilidade e do remorso. Nunca fiz nada por ti. Gostaria de o ter feito

Neste romance, a fronteira que o separa do drama é muito ténue, talvez, apenas, uma convenção de época - 1952 -1956.

Confesso que li Os ANÕES até ao fim, não porque esperasse um qualquer desfecho, mas porque nasci no tempo da escrita, e as minhas memórias mais antigas situam-se também elas num espaço fechado em que as palavras teciam os seus próprios muros...

 

23.11.13

A pátria mesta

«Em virtude do Rei, da pátria mesta,

Da lealdade já por vós negada,

Vencerei não só estes adversários,

Mas quantos a meu Rei forem contrários!»
      Os Lusíadas, Canto IV, estância 19

Este Nuno Álvares, que não tem dúvidas sobre qual deve ser o seu papel no combate aos inimigos externos e internos, em nada se assemelha a Nuno Crato que serve a todo o tempo interesses privados, sejam nacionais ou internacionais. Claro que Crato também serve o seu rei, vassalo da Troika!

Triste tempo, em que, não sendo mais possível nem aconselhável erguer a Excalibur, insistimos em jogos de poder, em vez de desenhar uma estratégia de unidade que nos permita senão superar pelo menos imitar a Irlanda. 

'Sperança consumada,

S. Portugal em ser,

Ergue a luz da tua espada

Para a estrada se ver!

 Mensagem, Nun'Álvares Pereira

 

22.11.13

PACC - modelo - componente comum. Um incidente crítico?

Fui ler a Prova modelo e fiquei esclarecido. 

O objetivo é afastar, numa 1ª fase, todos aqueles que ainda encaram a escola como um lugar de aprendizagem responsável e que pensam que podem construir o ensino, tendo como âncoras não só o conhecimento atualizado, as novas tecnologias e, sobretudo, o aluno e as suas circunstâncias...

Há muito que defendo que a orientação do ensino está entregue a burocratas de gabinete partidário ou, em último caso, a arrivistas que desprezam tudo o que não tem origem nos modelos pavlovianos mais retrógrados. Só assim se justifica que o "modelo" apresentado seja o mesmo que já é aplicado tanto ao 4º ano como ao 12º ano de escolaridade. A matriz é a mesma!

O que mais inquieta é não se saber qual é o organismo (o IAVE.I. P?) que decide quais são «os conhecimentos e capacidades considerados essenciais para a docência». Qual é o papel das universidades? Qual é o papel das unidades orgânicas que se dedicam às ciências da educação?

Quanto ao objeto da prova, a sua especificação é vaga, citando os tradicionais estereótipos.  Quem espera uma orientação, o melhor é começar a procurar um explicador formatado numa academia maoísta, se ainda existe alguma...

Há ali, no entanto, uma locução reveladora da doutrina subjacente: «um pensamento crítico orientado». Alguém deveria ter informado o relator que "pensar" sem capacidade de discriminar e valorar é absurdo. Pensar pressupõe orientação e capacidade crítica. Sem elas, caímos na fantasia ou, pior, no despotismo. De nada serve acrescentar adjetivos ao pensamento...

Os itens de escolha múltipla apresentados só podem ser pasto de humoristas pouco inspirados!

E quanto ao item de resposta extensa, se quisessem abordar o tema da tolerância em contexto escolar, então teriam escolhido um «incidente crítico"...

   

Omissões e enigmas

«Em 1959, data do início da correspondência, já Miguéis era tido como um autor consagrado, recebendo nesse ano o prestigioso prémio Camilo Castelo Branco pela publicação de Léah e Outras Histórias, para não falarmos no prémio da Casa da Imprensa atribuído a Páscoa Feliz, cuja 1ª edição remonta a 1932, ou Onde a Noite se Acaba (contos, 1946) ...» José Albino Pereira (organização e notas), José Rodrigues Miguéis - correspondência 1959 - 1971 - José Saramago, Caminho, 2010

Entre 1959-1971, Saramago desempenhou funções de «diretor literário» na Editorial Estúdios Cor, Lda que publicou a maioria das obras de Miguéis em Portugal.

Saramago "obrigado" a ler as obras do seu exigente amigo Miguéis, desse longo convívio terá certamente recebido alguma influência. Veja-se, a propósito, A VIAGEM DO ELEFANTE (2008), em que o autor se interroga sobre «umas pequenas esculturas de madeira posta em fila» alusivas à viagem do elefante que em 1551 foi levado de Lisboa para Viena, e agradece a Gilda Lopes Encarnação, leitora de Português na Universidade de Salzburgo, o convite que lhe fizera... 

O que Saramago não refere é que o seu amigo Miguéis já nos tinha presenteado, no conto ENIGMA, que integra a obra ONDE A NOITE SE ACABA, com um elefante e respetivo cornaca.

«Aquela noite não foi, porém, tranquila. Ch. Brown sonhou, coisa inquietante, embora nem tudo fosse propriamente sinistro nos seus sonhos. Sentiu-se a dada altura deliciosamente balouçado, quase com suspeita volúpia, no fofo palanquim dum elefante em marcha. (...) De repente, a um grito do cornaca - mongol de olhinhos pequenos, irónicos e vivos, no qual reconhecia disfarçado, o antiquário Fishbein - o elefante estacava, punha o joelho em terra, e o professor pulava com ligeireza no chão macio, encantado com o passeio.»

Elefantes e cornacas fervilham nas Mil e Uma Noites, por isso o melhor é seguir-lhes o rasto...

De facto, o mais fácil é omitir e, em Portugal, esquece-se com facilidade a obra de José Rodrigues Miguéis! Na última semana, e sem pensar no assunto, dei conta de pelo menos três omissões... Em matéria de educação literária, não colhe esquecer Miguéis, um homem formado em pedagogia, mas que se viu impedido de a aplicar no seu país, tendo, contudo, votado a vida a escrever histórias de «exemplo e proveito»

Ultimamente, os sinais são todos antipedagógicos! Basta ler a proposta de Metas e de Programa da disciplina de Português para o ensino secundário, sem esquecer a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, que, por si só, destrói qualquer intuito pedagógico... O elefante e o cornaca eram bem mais inteligentes!  

 

21.11.13

Em dia de protestos

I - Em dia de protestos, passada a euforia do apuramento para o mundial e da divinização do CR7, promovido a comandante boliviano, Mário Soares regressa à Aula Magna para defender a violência como solução.

No entanto, Soares deveria saber que a solução não passa pela violência, mas, sim, pela união das forças políticas, até porque a adesão à União europeia por ele conduzida é causa direta da atual situação, pois os dirigentes da época não souberam gerir a riqueza que, entretanto, inundou o país.

A apropriação dessa riqueza pela nova classe política e financeira não escandalizou os sucessivos governos que, preocupados com a conservação do poder, foram alargando as desigualdades, deixando-se corromper pelo ouro europeu que iam trocando pelo desmantelamento dos sectores produtivos.

Habituado ao endeusamento, Mário Soares cavalga a onda do descontentamento, imaginando que ainda vai a tempo de reescrever a História que lhe ditou a derrota perante o seu inimigo maior - Cavaco Silva - político medíocre e medroso, o que não abona nada a seu favor.

II - As polícias, provavelmente ao subirem as escadarias da Assembleia da República, não estariam conscientes de que, no mesmo momento, estavam ser "utilizadas" na Aula Magna por alguém que nem sempre as respeitou.

III - De Seguro, não se conhece o paradeiro. Vai, contudo, ter que se o mover. Se o não fizer, acabará na voragem...

 

20.11.13

Partitura inacabada

Há dias que não se sabe quando começam e muitos menos quando acabam! Dias preenchidos por uma sucessão de atos, uns domésticos outros públicos, que, de comum, têm a noção do dever, apesar da exaustão e da incompreensão...

Insiste-se num caminho de rigor e de seriedade, mas, como contrapartida, recebemos gestos de enfado e de abandalhamento. 

Apesar de ainda encontrarmos almas cândidas, tudo não passa de um jogo de silêncios e de palavras comprometidas...

As horas esgotam-se, a vista cada vez mais turva, a língua presa, tudo letras de uma partitura inacabada...

 

19.11.13

A PACC e a situação

Apesar das horas agitadas que passei esta tarde, agora que o silêncio impera, recordo a colega que me abordou durante a manhã, perguntando-me, de chofre, o que eu pensava sobre a situação. Abri os olhos, surpreendido, pensando que estava de regresso ao Estado Novo.

Na verdade, a colega queria que lhe dissesse o que pensava sobre a nova PACC - Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades. De súbito, compreendi que aquela senhora com cerca de 40 anos se via obrigada a prestar uma prova sobre matérias indefinidas e de resposta unívoca. Conheço-a há anos, tendo como função acompanhar alunos com dificuldades específicas de aprendizagem... Durante todo esse tempo entregaram ao seu cuidado alunos com todo o tipo de problemas, mantendo-a como contratada, condenando-a à precariedade e, sobretudo, pondo em questão todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos.

Quando a colega me interpelou, encontrava-me a analisar a legislação que, entre outros efeitos, altera o Estatuto da Carreira Docente, abrindo a porta à arbitrariedade. De futuro, é possível sujeitar todos os docentes a este tipo de prova, facilitando o despedimento, fundamentado numa avaliação episódica de conhecimentos e de capacidades... 

E duas questões se me colocavam: 

- Qual foi a autoridade científica e pedagógica que certificou o IAE.IP?

- Como é que se explica a ordem dos termos na sigla PACC? Primeiro, Conhecimentos e depois Capacidades?

 Finalmente, o que é feito da autonomia científica e pedagógica das Universidades que formam milhares e milhares de docentes? Como é que se explica o silêncio dos conselhos científicos?

 

18.11.13

Salpicado pelo mafarrico

Não sei se indique primeiro o lugar se a hora, nem sei se isso importa. O facto é que às 7h30 já estava sentado na mesa do canto do Nortex. Ou será Nortada? Com a idade, vou deixando de ter certezas, para gáudio dos meus alunos, esses, sim, sempre seguros, pois na memória deles há sempre um professor - verdade, uma espécie de crato dos tempos modernos.

Lembro que, por hábito, me sento mais perto da porta de saída. Ou será de entrada? Mas hoje a mesa estava ocupada, o que não me incomoda, ao contrário de um ilustre antecessor que tinha sofá reservado no velho Liceu Camões. Esta ideia de reservar lugar já lhe era habitual, pois em Évora, também tinha uma mesa do canto para si, à semelhança dos latifundiários que assentavam arraiais no Arcada...

(Esta última referência cai aqui porque, na última terça-feira, o existencial fantasma sentou-se não numa cadeira ou num sofá, mas num canapé em pleno Coliseu lisboeta. Curiosamente, nessa noite assisti, divertido, a um jogo de cadeiras e carteiras que me deu que pensar: saídas das salas, vi-as nas galerias, nos pátios... cheguei a pensar que o Ionesco teria assaltado o Camões, não o que não tinha onde cair morto, mas o outro, em E, por enquanto aberto... as vogais portuguesas são, como a mãe, traiçoeiras! Boa pergunta! Quem será a mãe destas caprichosas vogais?)

De regresso ao lugar de partida e respeitando a ordem dos acontecimentos, ainda sem o inspirador Correio da Manhã, dei comigo (com quem havia de ser?) a olhar televisivamente para "treze toneladas de agricultura biológica" colocadas em pontos de venda, semanalmente, e pensei que a agricultura está cada vez mais pesada. Diz a cristas que a agricultura tem cada vez mais peso na produção nacional! Talvez por isso apeteceu-me sair dali e ir comprar uma dúzia de galinhas poedeiras e dedicar-me à produção de ovos biológicos...

Claro que ainda não é desta, pois comecei a pensar no escoamento dos ovos, se haveria ovos sintéticos; comecei a pensar nas velhas lagartas biológicas da minha infância que me davam cabo da horta. 

Sim, porque, antes do horto e da vinha do senhor, os meus dias eram passados a mondar e a regar a horta... Dias salpicados pelo mafarrico!    

 

17.11.13

Bendita austeridade, benditos credores

Não sei o que se passa no país! Da última vez que liguei a televisão apercebi-me que a capital se mudara para Cantanhede (?)... O Passos dirigia-se a um auditório invisível que, creio, ser o povo de Cantanhede, ameaçando-o com mais austeridade. Lembrou-me o Seguro que passa o tempo na província, ao rabisco...  

Entretanto, enquanto me dirigia à Rua da Quintinha, mesmo ao lado de São Bento, acabei por ouvir, na rádio, o ministro Branco, inebriado com a receção que lhe estão a fazer nos Emirados Árabes. Parece que os anfitriões lhe abrem as portas, sem nada lhe perguntar sobre a crise... Apesar dos simpáticos emires estarem dispostos a comprar o CR 7, o pobre do ministro da defesa compreendeu tudo ao contrário. Pensa ele que vai fazer negócio com os credores! Ou será ao contrário?

Considerados os exemplos, só nos resta servir o capital ou sermos contratados pelo Durão, pelos serviços prestados. O Gaspar já deixou a quarentena no Banco de Portugal, indo a caminho de Bruxelas! Bendita austeridade!

Falta explicar o motivo desta minha desinformação. Há dois dias que ando a inventar um teste que avalie a capacidade argumentativa e interpretativa dos meus alunos, sabendo, de antemão, que eles preferem que lhes faça perguntas de gramática, que isto de argumentar e de interpretar nada tem a ver com o conhecimento da língua. Basta ter opinião!

Por exemplo, se lerem este texto e encontrarem o termo "anfitrião", passam à frente! Para quê saber o significado? Deve ser qualquer coisa como porteiro! Afinal, quem é que está encarregue de abrir as portas e de carregar as bagagens?

Como lhes vou fazer a vontade, lá terei de rogar que identifiquem e classifiquem o(s) sujeito(s) na frase: Parece que os anfitriões lhe abrem as portas...

Quem souber que responda!

 

16.11.13

O feiticeiro, o amigo e o carrasco

Por mais que eu explique que a frase e o enunciado são coisa distinta, que a primeira pode ser autopsiada, classificada, desmembrada, sem incomodar o locutor, e que este será fortemente afetado se submetido a tais tratos, há sempre quem faça orelha mouca...

Vem isto a propósito de uma noticiada e citada «frase enigmática» proferida, em 1998, no Congresso do CDS, por Maria José Nogueira Pinto tendo António Lobo Xavier como interlocutor: «O senhor sabe que eu sei que o senhor sabe que eu sei» (...) As reticências escondem a forçada cumplicidade dos interlocutores que só um enunciado pode abrigar.

O referente desta nova cumplicidade era Paulo Portas ou a natureza da ação do amigo de António Lobo Xavier.

De lá para cá, o segredo ficou esquecido, mas a frase reaparece, sobretudo, no discurso político, com uma carga enunciativa de desafio, de ameaça.

- E afinal se não venho revelar o segredo de Paulo Portas, com que objetivo é que desenterro o enunciado?

- Simplesmente, porque ao ler OS ANÕES, de Harold Pinter, descobri a fonte onde, provavelmente, Maria José Nogueira Pinto bebera: 

- Quem é o Pete?

- Um amigo meu.

- Um membro do teu clã?

- Membro? Ele é o feiticeiro.

- E tu quem és?

- O carrasco. Mas vai haver nova eleição no Outono.

- A sério?

- E então - disse Mark - quem sabe? Podemos ficar todos à procura de novo emprego.

- Ouve lá - disse Sónia - queres dançar ou quê? Senão vou arranjar alguém que queira.

 

Eu sei que tu sabes que sabes que eu sei.

edição D. Quixote, pág.171-172.

 

15.11.13

Obnubilações

Não sei o que dizer... estou cansado. Ainda ouço o ministro, paladino do conhecimento... enquanto o ex-ministro lastima a falta de ética daqueles que decidem sem qualquer pudor...

Lembro-me do Poeta que criou uma epopeia para celebrar o tempo da glória (1498), mas que se viu obrigado a escrevê-la em tempo de tristeza. Na verdade, a epopeia transforma-se em elegia e ninguém ousa proclamá-lo. Uma triste epopeia guerreira!

Nesta terra, a simples ideia que acabo de registar não vale um cêntimo, pois não se conforma com metas e programas. É uma ideia inaceitável em termos de educação literária e, sobretudo, antipatriótica.

Houve tempo em que do outro lado da voz havia um ouvido atento, pronto a procurar na epopeia o argumento de validação. Agora a voz, pela janela em frente, atravessa o coreto por entre a peçonha que obnubila a mente.

Entretanto, ligo a televisão e as vozes são de glória e sem qualquer pudor...
No rescaldo, via Facebook: Conceição Coelho: Mas a epopeia não serve para que, em tempo de descrédito, as almas se elevem? Contudo, nas entrelinhas interagem muitas ideias antagónicas... A educação literária tem de fazer ouvir a voz dessas entrelinhas e ser ela própria um olhar transformador e crítico. Se não o faz para que servirá?

"Cantando, espalharei por toda a parte" a ALEGRIA e a GLÓRIA - pensava o Poeta no início do projeto (ou cumpridor do protótipo?), mas o seu (nosso) TEMPO TRAIU-O.

    

14.11.13

Não é fácil ouvir o ministro da educação

Não é fácil ouvir o ministro da educação! 

Para este sofista, tudo pode ser reajustado desde que seja ele a determinar a doutrina.

Eu até admito que o Estado necessite de reestruturar os equipamentos escolares e de ajustar o ensino às necessidades do tempo que atravessamos, defendendo que as estruturas pesadas e estáticas devem ser substituídas por unidades dinâmicas e flexíveis.

O problema é que o atual ministro da educação está a executar um modelo que visa desmantelar a escola republicana, entregando-a  a uma rede de "amigos" para quem a educação é uma negociata.

À medida que o ministro Crato vai clarificando o seu pensamento, torna-se clara a matriz doutrinária que formatou o Estado Novo: uma pátria miserabilista, uma família conservadora, um isolamento altivo. Na base, a língua dos tempos de glória e o cálculo dos onzeneiros!

E neste regresso ao passado, só falta restaurar a filosofia do espírito... Por enquanto, temos ideólogo!

 

13.11.13

Da referência ou falta dela

Ao assistir à Gala "Camões A Nossa Escola", ia-me dando conta da quantidade de vultos que frequentaram o Liceu / Escola Secundária durante mais de um século e, ao mesmo tempo, ia pensando no modo como se constrói / destrói uma instituição. Ou seja, dei comigo a pensar nas omissões e nas promoções que voluntária ou involuntariamente fazemos...

Em 100 anos, é fácil destacar e esquecer! Em 100 anos, a opinião tende a ocupar o lugar dos factos e quando isso acontece a referência dilui-se. Isto é, quando privilegiamos uma época ou uma individualidade, estamos a criar as condições para a menorização da instituição.

Em 100 anos, os antagonismos tendem a ser duais, e mesmo que saibamos que uma oposição é constituída por múltiplas expressões, acabamos por colocar do lado da "liberdade" quem se digladiava, desde que fique clara a frente de combate e, pelo caminho, vão ficando todos aqueles que, por convicção, não colaboravam com qualquer das partes...

Em 100 anos, a "liberdade" e a "opressão" tendem a cavar vias sinuosas, em vez de deixar que as avenidas se encham de todos aqueles que cavaram a terra e seguraram as escoras.
Quanto maior é o combate, maior é a necessidade de reunir todas as referências, sem artificioso unanimismo.

Camões, a nossa escola

A Grande Gala no Coliseu correu bem!

Os convidados, os professores e os alunos que participaram nos vários números foram inexcedíveis, a começar pelo apresentador Júlio Isidro que deixou claro que o objetivo é angariar 13 milhões de euros para recuperar o edifício da Escola, símbolo da arquitetura escolar do início do século XX.

No geral, o espetáculo foi sóbrio, sobretudo a primeira parte. A segunda parte acabou por se alongar desnecessariamente, gerando alguma ambiguidade e alusões, na minha opinião, desnecessárias. 

O momento menos conseguido terá sido o da entrevista simulada por dois conhecidos apresentadores de televisão, em que, na verdade, terá faltado o entrevistador.

O diretor, os professores, os alunos e os funcionários que com ele colaboraram estão de parabéns.

Quanto a António Costa, gostaria de conhecer o motivo que o impediu de dirigir duas palavras ao público. Afinal, o arquiteto responsável pelo projeto de construção do Liceu Camões, Ventura Terra, foi vereador da Câmara Municipal de Lisboa... 

 

12.11.13

O Eleito

O eleito, mesmo que não acredite em si, tem sempre quem acredite nele, quem o empurre ou quem espere que ele seja capaz de resolver qualquer problema por muito grande que seja.

Em tempos, Camões, descoroçoado, ungiu o Príncipe, já Rei, e prometeu-lhe: 

«Só me falece ser a vós aceito, 

De quem virtude deve ser prezada.

Se me isto o Céu concede, e o vosso peito

Dina empresa tomar de ser cantada,

Como a pressaga mente vaticina

Olhando a vossa inclinação divina,

Ou fazendo que, mais que a de Medusa,

A vista vossa tema o monte Atlante,

Ou rompendo nos campos de Ampelusa

Os muros de Marrocos e Trudante,

A minha já estimada e leda Musa

Fico que em todo o mundo de vós cante,

De sorte que Alexandro em vós se veja,

Sem à dita de Aquiles ter enveja.» 

 

Assim termina a EPOPEIA, incentivando o Rei a partir para o norte de África, e contrariando todos aqueles velhos do Restelo que, mais do que a Fama, a Glória, a Vaidade, a Cobiça, estimavam a vida humana... E o Poeta acabou desempregado, embora por pouco tempo...

Este desejado e ungido Rei era, ainda, o guerreiro que sonhava apagar o nome de todos os Alexandros e que esperava ser o herói de NOVA EPOPEIA. E foi esse sonho que o matou, apesar do Super Poeta, séculos mais tarde, lhe profetizar o regresso, depois do Nevoeiro, pois acreditava que o Mito era suficiente para despertar a Alma de um Povo, não percebendo que este Povo deixara de acreditar no Senhor e que, por mais que Ele quisesse, o sonho se desvanecera num fim de tarde...

PS. Dentro de momentos, também eu partirei para o COLISEU! Mas não levo armadura nem cavalgadura...

 

11.11.13

Até quando?

Mais de dez mil pessoas podem ter morrido nas Filipinas, mais de quatro milhões de crianças podem correr risco de vida, de violação, de colheita de órgãos que, aqui, na Terra, o importante é o resultado de um jogo de futebol, o novo gadget, a cor dos olhos, a conversa safada...

Aqui, na Terra, pouco interessa a fome, a violência doméstica, o despotismo dos credores e seus apaniguados, a quotidiana lavagem ao cérebro, desde que possamos regressar a casa em segurança, dormir na caminha sem pesadelos, e acordar, de preferência, na 1ª página de um diário nacional ou na página central de um semanário, sem falar na abertura do telejornal e no alinhamento contínuo do Face... 

Aqui, na Terra, é dia de festa! Não há tufão, nem terramoto, muito menos maremoto! Há quem diga que o degelo ameaça a Cidade, mas que interessa! Enquanto ele não chega, as Filipinas ficam longe, o Congo ninguém quer saber o que lá se passa, a Síria já não existe, no Iraque a morte já não é surpresa... e no bairro vizinho alguém deixou de lá morar... Mas que importa!

... E claro que há sempre alguém que pergunta se eu ando a ler um livro de ficção! Porque, na verdade, tudo passou a ser ficção! Tudo se passa antes ou depois e bem longe daqui. Aqui, na Terra, é dia de festa...Até quando?

PS. Acabaram de me oferecer 3€ por cada resposta de 250 a 350 palavras, com a garantia de classificar 100 respostas. Não dizem qual é a parte do fisco! Sei, também, que o autor da resposta irá pagar 20€ pela prova a que é obrigado... Tudo devidamente supervisionado, não se sabe a que preço!  

Aqui, na Terra, é dia de festa! Lá longe morreram mais de 10.000 pessoas...

 

10.11.13

Folha em branco...

Este texto é dedicado a um ministro que foi a Paris declarar que em Portugal ainda há muito por fazer na área do ensino. Espero que ele não estivesse a pensar na Educação!

Folha em branco... porque um deus desconhecido (ignoto deo) se instalou no ecrã, impedindo-me de qualquer gesto que não fosse autorizar a instalação do Internet Explorer 11.

Consciente do erro, o deus desconhecido passou mais de 20 horas em processo de reversão, proibindo-me de encerrar a atividade que, afinal, não podia iniciar.

update automático é tão voluntarioso que, apesar de o forçar, ele não desiste da instalação e mesmo agora espreita no rodapé. Já tentei controlar-lhe o automatismo, mas ele acusa-me de pôr em perigo a segurança da máquina...

A sorte deste Windows update é que eu passei o dia em manobras que me levaram a Porto Alto. Lugar que conheci há oito anos como início de um ciclo a que um deus desconhecido (ignoto deo) insiste em pôr termo.

Bem! Neste último caso, não se trata de um deus totalmente desconhecido, trata-se de um avatar diabólico com pouca cabeça, mil patas e uma cauda serpenteada...

Pelo meio, ainda tive tempo para registar uma oportuna reflexão de Harold Pinter sobre a receção da poesia: «O problema com este tipo de pessoas é que quando lêem um poema nunca abrem a porta e entram. Contentam-se em inclinar-se e espreitar pela fechadura. Não fazem mais nada.» Os Anões, 1952-1956.

Esta ideia de só espreitar pela fechadura traz-me, também, à lembrança os resultados dos exames nacionais de uma certa escola secundária: Português - 10.43; Matemática A: 10.46; Biologia e Geologia: 8.41; Física e Química A: 8.45; Todas as 8 disciplinas: 10.13. Público, sábado 9 novembro 2013.

 

8.11.13

Um funcionário público qualquer

Este texto é dedicado ao ministro que, na Assembleia da República, me tratou como «um funcionário público qualquer». A partir desta data, sempre que vir um agente da autoridade irei lembrar-me que o meu corpo não tem nada de especial e que a minha profissão, na atual república, é desprezível. 

(...)

Deveria poder aceder por uma de três portas. Mas não, só por uma, e de lado. O automobilista é assim mesmo, não respeita a lei da boa vizinhança. Não o faz por má vontade, porque esta não chega a ter tempo de se pronunciar: o automobilista espreita o lugar, arruma o carro e vira as costas sem olhar à esquerda ou à direita.

A porteira chega a horas: abre a porta que dá para o pátio das traseiras, enche de água um balde, mergulha o esfregão, e desaparece, deixando a vassoura apoiada na ombreira... Talvez me tivesse emprestado o comando que abre o portão que dá acesso à garagem! Só às 16h30 lhe vejo os olhos de quem por nunca os despegar do trabalho parece numa infindável viagem.  

 

Neste dia em que decidi libertar a autocaravana do recheio, percebi que a crise pode ser libertadora: liberta-nos de tudo o que fomos acumulando, deixando-nos as pernas mais pesadas e as expectativas goradas... 

 (No início da frase, cheguei a escrever "minha autocaravana", mas desisti. Neste país, nada é nosso, sobretudo se a posse resultar de demorado e honesto trabalho.)

 Quantos países ficam por visitar e, sobretudo, os lagos cimeiros, os campos de lavanda, as estepes russas e as chanas africanas...

Esta ideia do caminho que fica por percorrer deixa-me, hoje, uma dor difusa, mas aguda. E, principalmente, fica a certeza de que o esforço despendido é inútil. Ou talvez mais não seja do que a expressão do meu tempo, pois, neste caso, o único tempo que vivo é o meu...

Entretanto, sei que, hoje, houve greve! Mas não sei o que se passa para lá da rua que percorro da autocaravana à garagem, com uma breve deslocação à agência da Caixa Geral de Depósitos, nos Olivais. Lá, as máquinas automáticas tinham secado! Penso, todavia, que o facto nada teria a ver com a greve: Simplesmente, os reformados e pensionistas acorreram ao banco, antes que o Governo lhes roubasse, em nome da crise, as parcas mensalidades...

Agora já só ligo a televisão na hora de adormecer. Até lá, estou a tentar perceber Os Anões de Harold Pinter. 

 

7.11.13

Que a onda já me leva

A onda não tem cor, mas basta vestir uma camisola para ganhar coloração. E quando um grupo veste a camisola, refulge a cor mesmo sem convicção.

O grupo serpenteia em melopeia e a onda retrai-se em fímbrias de espanto...

Eu, cego e surdo, fico indistinto no aroma do fado...

 Nada mais posso dizer que a onda já me leva

Que a onda já me leva

Indistinto no aroma do fado...

 

6.11.13

Um cemitério de palavras

Estou a preparar-me para passar o resto dos meus dias a dialogar com o passado.
Um passado quase milenar que me permitirá revisitar as campas de trovadores de partidas sem regresso e de jogos de sombras palacianas.

Um passado quase milenar de clérigos goliardos, de déspotas régios e de ordens devassas.

Um passado ao serviço de uma fé fundamentalista e argentária, de uma fé censória e inquisitorial.

Um passado de capitães aventureiros, mercenários, traficantes e.… de Abril..., mas, agora, reparo que me enganei nas campas.

 Coitado de mim que, impedido de dialogar com o presente, me enganei no cemitério. 

 

5.11.13

Metas curriculares de Português e educação literária

I - Aos quinze anos, em termos de educação literária, o jovem deve:

a) Ler textos literários portugueses dos séculos XII a XVI, de diferentes géneros.
b) Reconhecer os valores culturais, éticos e estéticos manifestados nos textos.

c) Contextualizar as obras e os textos literários: por exemplo, época, autor, movimento estético-literário (quando indicado no Programa). 

Não sei se aplauda o regresso ao passado! Já em 1970, era assim!

II - Ao ler o Programa e Metas Curriculares de Português, em discussão pública, fico com a sensação de que o interregno (1974-2013) se tornou insuportável!

... e nem vale a pena referir os autores rasurados, designadamente do séc. XX! Todos os que se tenham evidenciado pelo espírito crítico: Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Miguéis, Carlos de Oliveira, Miguel Torga, José Gomes Ferreira, O'Neill, Sophia, Al Berto... e todos os vivos, a começar pelo Lobo Antunes, Mário de Carvalho...

Em termos de educação literária, estamos entendidos!

 

4.11.13

Kant explica

Não entendendo o alarme noticioso que, na última semana, se instalou na comunicação social em torno de um casal mediático, decidi dar-lhe alguma atenção.

Inicialmente, o caso pareceu-me irrisório. No fundo, a desavença lembrava-me um reposição de uma novela de Camilo, entre uma burguesa balzaquiana e um velho da horta severo...

No entanto, a falta de decoro e o excesso de linguagem revelados em monólogos claramente encenados, acabaram por me conduzir a Kant... agora muito em moda na província política e filosófica portuguesa:

 

«De tudo o que é possível conceber no mundo e, mesmo em geral, fora do mundo, há somente uma coisa que se pode considerar boa sem nenhuma reserva: uma boa vontade. A inteligência, a argúcia, o juízo e os talentos do espírito (...) são sem dúvida, coisas boas e desejáveis sob muitos aspetos; mas estes dons da natureza podem tornar-se extremamente maus e perniciosos, quando a vontade que se tem de usá-los, e cuja disposição própria se chama, por isso mesmo, carácter, não é boa.» Kant, Fundamentos da Metafísica dos Costumes.

 Parece, assim, que a única coisa verdadeiramente boa sem nenhuma reserva - a boa vontade - anda muito arredia do carácter de certos portugueses, por muito inteligentes, argutos e talentosos que pareçam ser...

Nem sempre, a Filosofia é boa conselheira, mesmo se cultivada em Paris!

 

3.11.13

Ler a tristeza

Há anúncios sobre tudo, até sobre seguros. Mas não há seguros contra os riscos provocados pela leitura de um livro triste.

Os livros do meu país são tristes, todos! E querem que os jovens os leiam, eles que se acham alegres e sedutores.

Os mais obedientes ainda ousam iniciar a leitura, mas acabam por desistir porque não suportam a leitura de livres tão tristes. Alguns confessam a desistência, e, pesarosos, procuram uma explicação, mas a tristeza sufoca-lhes a palavra. São genuínos, estes jovens, chegando a ter pena do professor...

Há muito que não encontro um leitor que compreenda a tristeza que percorre os livros de Miranda, Camões, Bernardim, Vieira, Garrett, Herculano, Nobre, Cesário, Camilo, Pessanha, Eça, Aquilino, Pessoa, Brandão, Florbela, Almada, Miguéis, Sena, Rovisco, Belo, Agustina, Al Berto, Saramago...

Há muito que não encontro um leitor que compreenda que a tristeza não é uma propriedade dos livros. A tristeza existe em nós, portugueses! Existe em nós desde que partimos... para a Índia.

A sorte destes jovens é que ainda não descobriram que, também, eles são portugueses! 

   

2.11.13

Ler a estranheza

A "rotina" é a expressão do hábito de seguir sempre o mesmo percurso. Na verdade, trata-se de uma palavra proveniente da francesa "route". A estranheza inicial desapareceu completamente e pode afirmar -se que, de certo modo, amamos a rotina. Vem isto a propósito da motivação para a leitura, para a escolha de um livro pelos alunos do ensino secundário. 

Apesar do ministério da Educação ter definido um corpus de leitura, constituído por obras de referência, muitos alunos fogem dele como o diabo da cruz.

De preferência, não leem e caso sejam "obrigados", procuram obras cujo mínimo que delas se pode dizer é que são estranhas. Estranhas na língua, na distância temática, geográfica e até temporal. 

Em termos temáticos, a maior estranheza é que não equacionam qualquer problema. Em termos geográficos, raramente, a ação se situa na Europa. E quanto ao tempo, o preferido é o futuro e, por vezes, um passado tão inverosímil que chego a pensar que a humanidade já terá sido extinta...

E há ainda um aspecto que não devo ocultar: as obras escolhidas vêm rotuladas de "best-seller" e foram todas escritas em tempo recorde.

Para o caso de ainda haver por aí um jovem que procure uma obra estranha na língua, na distância temática, geográfica e até temporal, mas que o possa ajudar a conhecer melhor a adolescência no mundo ruralas raízes do Portugal provinciano e atuala relação com a terraa pujança da línguaa seriedade do trabalho do escritor, aconselho-o a ler Cinco Réis de Gente (1948), de Aquilino Ribeiro.

 

1.11.13

As ruas de Portugal

Enquanto se orçamenta o estado e se liquida a administração pública, eu, longe de São Bento, caminho atento aos sinais de vitalidade económica. Em Sacavém, não preciso de alargar o passo. De um lado da rua, a QUINTA DA VICTÓRIA, em ruínas; do outro lado, uma igreja, ao abandono… Esquecida pelos fiéis, a igreja reconverteu-se! Em vez de vitrais, uma pujante figueira debruça-se sobre os transeuntes, anunciando suculentos figos para o próximo verão…

Desconfio, no entanto, que, em conluio com São Bento, lá dentro não haverá nenhum enforcado…

 

31.10.13

O que interessa

Falha o metro e o atraso fica garantido! Pior, muitos não chegam a aparecer...

A EPAL anuncia um corte temporário de água, logo uns tantos ficam na expectativa de que a atividade letiva seja suspensa.

O professor introduz a obra, situando-a no contexto histórico - imagine-se o romantismo -, definindo as relações do texto com a biografia pessoal do autor e, de imediato, alguém clama que, agora, a "história" já não tem interesse. 

A obra vive da "história", cuja leitura é, entretanto, adiada, deixando o professor à espera, qual Godot! 

Que interessa o problema colocado no palco? Que interessa se o argumento é expressão duma intriga (pouco) exemplar de perda de identidade e de soberania? Que interessa se hoje estamos a viver situação idêntica?

 Lá vai o tempo em que o objetivo era contribuir para a construção da identidade pessoal e coletiva. Lá vai o tempo em que os românticos se propunham transformar súbditos em cidadãos.

O que interessa é que o metro faça greve, que o autocarro se atrase, que a "história" seja de fantasia ou de alcova, que a água deixe de correr nas canalizações, que a campainha nunca toque, que o professor não marque ou "retire" a falta...

O que interessa, por agora, é que a Troika se vá embora para que possamos dormir até mais tarde e, se o sol ajudar, irmos até à praia ler uma "história" que não coloque nenhum problema e cujo argumento escorra por entre a areia até se diluir nas águas do oceano...

 

30.10.13

Provérbio do Inferno

«Estejas sempre pronto a dizer o que pensas, e o cobarde te evitará.» Provérbio do Inferno, tradução de David Mourão-Ferreira.

Por deferência, deixo de dizer o que penso. No entanto, vou cumprindo a liturgia, e faço-o com denodo, embora não pareça que estou em dívida...

Uma dívida antiquíssima, e à qual não quero fugir! Por deferência, sirvo zelosamente, e faço-o com denodo, embora nenhum liame me prenda...

A única grilheta que me tolhe, e à qual quero fugir, é a dissimulação! E essa, infelizmente, abunda nos silêncios, nos gestos, nas omissões, nos olhares cúmplices, nos ombros descaídos, nos risos escarninhos e não necessita de palavras...

Por deferência atravesso a rua em silêncio em vez de dizer o que penso... 

Por enquanto vou escrevendo sem ouvir o guionista... Talvez amanhã tenha coragem!

 

29.10.13

A notícia par(a)lamentar

Na hora em que a ministra Cristas propôs a limitação do número de animais de companhia por apartamento, logo surgiu o Coelho a exigir ao PS que apresentasse uma proposta de orçamento alternativo, mais não fosse que «por uma questão de pergaminhos». Vê-se logo que estes governantes nunca viram um pergaminho, a não ser que a ministra tenha decidido aproveitar a pele dos animais abatidos para substituir a pasta de papel...

O companheiro Almeida, em vez de se preocupar com esta assunção do fascismo de tipo «higiénico», deveria estar preocupado com o eugenismo em curso...

 

28.10.13

No dia em que o alfanumérico Crato tirou um coelho da cartola

I - Ainda não é hoje que deixo estes meus exercícios pouco espirituais!

Atarefado com letras ilegíveis, vocábulos mágicos, frases ininteligíveis, parágrafos curvilíneos e textos invertebrados, decidira nada escrever. Simplesmente, arrojar com a tarefa de classificar umas soberbas provas juvenis.

No entanto, a meio da tarde, um anónimo interlocutor, inesperado companheiro de "bica", tinha-me confessado que não entendia porque é que tinham acabado com as provas orais! As últimas a que fora submetido datavam de 1972, e ele lembrava-se, como se fora hoje, daquele professor que, numa prova oral, lhe elogiara a clareza e a concisão do discurso, profetizando, no entanto, que aquela qualidade, neste país, não passava dum defeito. Sempre que o exame fosse escrito, ninguém aplaudiria o sovina da palavra, a clareza da ideia! E por isso, ele acabou por se refugiar na matemática - lugar límpido e secreto onde a redundância não tem lugar, pois os símbolos são unívocos e inequívocos... Entretanto, despedimo-nos com acenos de cortesia...

Três horas mais tarde, entra-me o ministro da educação pela sala dentro. Perante uma plateia de atordoados deputados, o alfanumérico Crato tirara mais um coelho da cartola: os candidatos a uma licenciatura de ensino elementar vão ser obrigados a fazer exame de 12º ano de Português e de Matemática.

É desta que o analfabetismo irá ser erradicado! Embora, sem que alfanumérico o tenha anunciado, percebi que vem aí nova revisão curricular...

Anuncia-se já o dia em que todos os juízes do Tribunal Constitucional terão aprendido a calcular e que não haverá mais lugar para símbolos que não sejam unívocos e inequívocos...

II - Dias mais tarde, o alfanumérico explica que só nos libertaríamos da Troika se cada família trabalhasse mais de um ano de borla, sem comer e sem gastar nada... (5.11.2013)

 

27.10.13

Uma noite destas

Não me levanto, não vou à janela, não ligo a luz... Imóvel, oiço as vozes que se apoderam de mim e que falam por mim. 

Uma noites destas, já sobre o amanhecer, percorria as galerias da escola à procura da sala de aula - não consigo decorar o horário: muda todos os anos, tal como os alunos, há 39 anos! - quando surge o ministro da educação a explicar-me que se me atraso, se não cumpro as metas, se não acerto o passo pelos desejos dos meninos e dos papás, o melhor é aproveitar o bónus e rescindir o contrato... Ainda pensei E depois de consumido o bónus, o que é que me acontece, mas, adivinhando a minha perplexidade, o ministro acrescentou: - Queria subsídio de desemprego? Queria pré-reforma? Não seja calaceiro!

Já não sei se imóvel, se espreitando para dentro das salas, ouvi-me discorrer longamente sobre os muitos ministros e secretários da educação que tive que suportar, sobre as múltiplas escolas que percorri à procura da sala de aula, sobre os milhares de alunos a que procurei melhorar a voz, sobre os professores desassossegados que encontrei... e continuei numa ladainha interminável até abrir os olhos e compreender que à minha frente estava um fiscal das finanças a querer eliminar-me da lista dos assalariados, da lista dos desempregados, da lista dos aposentados...

Não me levanto, não vou à janela, não ligo a luz... Imóvel, já não oiço as vozes, mas, desesperado, continuo a percorrer as galerias, espreito as salas e lá dentro, no lugar dos alunos, o vazio... 

 

26.10.13

Que se lixe...

Eis uma expressão cuja força ilocutória é perturbante!

Na verdade, esta locução exprime despreocupação ou indiferença.

Quando analisamos a força ilocutória do enunciado Que se lixe a troika..., percebemos que a primeira parte (as 4 sílabas métricas) é um pouco lenta, monótona e preguiçosa, sem convicção; só depois a entoação se eleva ao pronunciar troi-ka, residindo nela a força...

Como palavra de ordem, o enunciado Que se lixe a troika, em vez de corporizar o combate, acaba por ser a expressão do desencanto de quem, ainda, ousa proferi-lo...

Talvez seja esse o motivo das vozes e dos ritmos plangentes que ecoaram com o cair da tarde...

 

25.10.13

O meu contributo

A atual Escola Secundária de Camões está alojada num edifício com mais de 100 anos, projetado pelo arquiteto Ventura Terra no período de transição da Monarquia para a República. Construção quase lacustre, tendo em conta os múltiplos arroios que correm para o Tejo, e que jaz sobre terrenos, em parte arenosos. Esta singularidade deveria trazer a quem se ocupa dos problemas de segurança particular atenção.

Como, infelizmente, quem fotografa ou filma o estado de degradação de paredes, empenas, salas, janelas, galerias, campos, não se interroga sobre os alicerces, o público continua a ignorar a verdadeira extensão do problema.

E porque há um problema, o Diretor, depois de todas as diligências efetuadas junto dos governantes nacionais e locais, para que este fosse resolvido, decidiu promover uma GRANDE GALA no Coliseu dos Recreios.

Esta iniciativa só terá sucesso se, pelo seu impacto, for capaz, de uma vez por todas, levar as autoridades, que têm o dever de zelar por pessoas e bens, a agir, garantindo a segurança, preservando o património e melhorando as condições de trabalho de quem continua a zelar, a administrar, a ensinar e a aprender neste centenário edifício, verdadeiro símbolo das «grandezas e misérias dos príncipes de Portugal», citando o supranumerário Aquilino Ribeiro, também ele professor desta instituição, e cuja lição está expressa em todos os seus livros: Alcança quem não cansa. 

 

24.10.13

A construção da opinião

Na minha opinião ou opinião pessoal são sintagmas nominais frequentes, mas que nada acrescentam à compreensão das estratégias comunicacionais.

No presente, a opinião é objeto de construção que, na maioria dos casos, gera comportamentos emocionais, adesões irracionais.

Por exemplo, numa simples apresentação de listas a uma associação de estudantes, a decisão resulta da injeção de um conjunto de estímulos acrobáticos e ruidosos.

Ao contrário do que muitos defendem, a opinião atual é esvaziada de qualquer juízo de valor. 

Numa eleição, as ideologias, suportadas pelos grupos económicos e financeiros e das suas extensões mediáticas e partidárias, injetam nas mentes fracas poderosos estímulos que as convencem de que as suas escolhas são racionais e livres...

Na verdade, raramente a opinião se revela capaz de identificar o problema e, sobretudo, de discriminar as soluções apresentadas de modo a fazer a escolha mais vantajosa para o conjunto da sociedade.

Sim, porque, na história da construção da opinião, o critério que, outrora, validava a decisão era o bem comum.

Presentemente, não há jovem que não tenha a sua opinião, embora não consiga explicar a sua origem.

 

23.10.13

Entretanto, a chuva verdasca as vidraças

Sorrisos cúmplices passam altivos de um saber efémero. As palavras de ontem perdem-se em abundantes gestos de surpresa e arrastam-se em círculos de pedra.

Os testemunhos viciados respondem a um guião engenhoso ou, talvez, manhoso! As cadeiras esfíngicas registam a pose, apenas temendo o caruncho das novas vaidades...

A chuva, entretanto, verdasca as vidraças e amortalha o sol de verão, mas, infelizmente, não liberta a memória do tempo em que as cadeiras eram de pedra e resistiam ao caruncho, à pompa e à circunstância.

 

22.10.13

A escola, lugar de indisciplina e de depressão

Paulatinamente, o exercício da docência vai sendo condicionado e desvalorizado. 

Na formação, a pedagogia é substituída por uma didática definida por uma autoridade espúria. 

Na sala de aula, a parafernália imposta pelas editoras substitui o saber do professor, transformando-o numa fonte secundária, ignorada ou facilmente questionada pelo aluno desatento e desinteressado.

A desvalorização da função docente cria o clima propício à reivindicação de saberes não certificados, a não ser pela abscôndita superioridade social, cultural, política e, por vezes, profissional.

Em certas disciplinas, o professor mais não é do que um distribuidor de conteúdos dispersos por manuais, cadernos de exercícios vários, e quando isso acontece a sala de aula vira lugar de indisciplina.

A introdução de suportes diferentes dos apresentados pelas editoras torna-se suspeita. A avaliação, com recurso a testes não formatados pelo IAVE, é questionada por colegas, alunos e encarregados de educação.

A aplicação de conhecimentos em novas situações deixou de ser um objetivo. Procura-se, a todo o custo, evitar a surpresa, porque esta provoca estados depressivos... e a depressão é a explicação para todo e qualquer desajustamento... 

A articulação da escola com a comunidade é desejável, mas aquilo a que se assiste, neste domínio, é no mínimo perturbador, porque, presentemente, o país não tem qualquer projeto educativo fiável e duradouro.

 

21.10.13

Sem palavras…

Estou sem palavras desde o final da manhã quando um jovem mais atrevido me exigiu que o não avaliasse pelo sua cultura, mas, sim, pelo sua competência linguística. A exigência não me deixou indiferente e expliquei-lhe que a língua e a cultura são indissociáveis. 

A explicação não terá surtido efeito, mas fiquei a pensar no meu passado como professor de didática de língua materna, quando exigia aos estagiários que planificassem, tendo em conta uma rede de conteúdos assim distribuídos: linguísticos, discursivos e culturais. E, por vezes, a rede era mais extensa!

Espero que esses professores não me tenham amaldiçoado por lhes ter exigido tal esmiuçamento! Se o fizeram, podem descansar, pois o vingador acabou de chegar…

 

20.10.13

Jorge Silva Melo na terra do faz de conta

Ontem, assisti à última representação da SALA VIP, de Jorge Silva Melo. Ainda não foi desta que o JSM obteve os meios necessários à montagem de uma ópera! De qualquer modo, não faltaram as árias nem o discurso sobre os limites da voz e a exuberância do corpo masculino (efebo louro, genitália exposta, pronto a servir em troca do vil metal). Por seu turno, as mulheres, secundarizadas, deixam-se possuir fria e mecanicamente. Só a música da Terra latino-americana as traz de volta, à origem…  A espaços, o teatro (a música e o cinema) condenou a política cultural, mas deixou-se arrastar por um atávico narcisismo cosmopolita, acertando contas com a morte, uma morte travestida…, mas clara e operaticamente exorcizada.

O resto são contrastes do faz de conta reinante. Segundo as pitonisas da Hora, o novo OGE não é para cumprir! Nem sequer pode ser discutido, pois ainda não está elaborado. A PEN era a fingir! No entanto… os cortes são a sério!

Há flores que florescem independentemente dos pomos que apodrecem. Há jardins que têm amigos que fecham os portões aos mendigos que fenecem nos passeios das avenidas e nos recantos das vielas…

 

19.10.13

Transitoriedade ou o casulo da ilusão

Vou concatenando, sem me admirar...
Tantos cães com dono, tanta frustração!
Um gato que podia ser livre, mas não salta o muro...

As vegetais antenas esverdeadas de um gafanhoto, talvez louva-a-deus ou tira-olhos; mas não, sou eu que quero ver assim, ali só há o casulo da ilusão!

Em tempos, Mário Sá-Carneiro terá vivido, numa quinta, chamada da Vitória. As crónicas situam-na em Camarate, mas a que eu conheço é, hoje, da Derrota, e situo-a na freguesia da Portela, agora Moscavide e Portela.

Não faço ideia se no início do século XX, Camarate integrava a Portela. E também não estou seguro de que a Vitória não resulte de alguma humilhação infligida ao exército napoleónico. Só sei que a Quinta da Vitória, para mim, não passa de um bairro de lata. Isto é, não passava. Agora, é só entulho! A comunidade foi desaparecendo aos poucos. Não sei para onde. E ninguém explica! Para quê? O objetivo era dispersar...

E quanto a Mário Sá-Carneiro está quase a fazer 100 anos que se suicidou em Paris!

 

Em conclusão, a minha definição de "transitoriedade" é bem diferente da que está a ser enviada ao Tribunal Constitucional!

 

18.10.13

O cuco, o parasita onomatopaico

Infelizmente, há uma correlação entre o aumento do número de cucos e a densidade de pobres, o que me leva a pensar que a política atual está ao serviço desse onomatopaico parasita. O cuco necessita de bolsas de pobreza para se reproduzir. Sem elas, esse melómano parasita extinguir-se-ia!

Só assim se compreende a política de austeridade! Esta gera sucessivas bolsas de pobreza, ou seja, os ninhos que lhes permitem reproduzir-se e, simultaneamente, eliminar as espécies incumbentes...

 

17.10.13

A estratégia do cuco

Na situação atual, toda a argumentação para satisfazer os credores incide em dois grupos de pessoas: os pensionistas e os funcionários públicos.

Eliminar os funcionários, reduzir-lhes as remunerações; hostilizar os pensionistas, cortar-lhes as pensões! Eis a tática seguida por uma argumentação construída com base na ignorância e ad ignorantiam (com apelo à ignorância).

É por isso que o governo persiste em manter de pé a RTP, cobrando e agravando a taxa de audiovisual com recurso à estratégia do cuco. A EDP é, como sabemos, o ninho em que vários cucos vão chocando os ovos que minam a soberania e sabotam a economia... Na verdade, a argumentação não pode subsistir sem canais domesticados...

O tipo de argumentação dominante é perverso porque ignora ou esconde os virtuosos que comem à mesa do orçamento, sem estatuto legal. Uma espécie de pessoal ad hoc, que começa por servir e depois se apropria, tornando-se inamovível e, se necessário, invisível.

 

16.10.13

Hoje, o meu valor baixou no mercado

Olho à volta e verifico que há tripés um pouco por todo lado. Moços e moças seguram folhas formato A4 à escuta de antigas e nostálgicas novidades. Perfilados e de olhos fixos na lente iluminada, figuras de outrora pronunciam-se sobre a eternidade das pedras assentes em invisíveis e instáveis placas arenosas... Por debaixo, fogem os líquidos arroios em direção ao Tejo...

Sabemos a origem da ameaça, mas que importa? É no escudo que se concentra a atenção, é na fachada que se prende o olhar!

E eu, mais velho, apenas sombra, fujo da ficção, escondo-me da câmara à espera que a agitação passe e que a zona de subdução localizada debaixo do Arco de Gibraltar não faça das suas. Mas que importa? Se tal acontecer, não será apenas o meu valor a baixar no mercado! Nem os licitadores escaparão...

 

15.10.13

Valor de mercado

A partir deste momento, vou passar a estar atento ao meu «valor de mercado», embora me pareça que a minha cotação está cada vez mais baixa. No economês dominante, pouco faltará para ser classificado como "lixo".

Desta vez mereço o secretário Rosalino, pois, neste último mês, tenho aturado desmandos, abusos, incúrias, intrujices que, só por si, justificam a punição a que irei ser submetido...

Deveria ter recorrido ao fueiro! Ainda há poucos dias, explicava eu que a pessoa se diferencia do indivíduo quando capaz de se reger por princípios como a defesa da vida, o livre arbítrioa entreajudaa fraternidade, e, agora, bastou-me escutar o secretário Rosalino para compreender que acabo de ser contado, apenas, como indivíduo sujeito às leis do mercado. Este é mais um dia de extraordinária mediocridade... mascarado de transitoriedadeprogressividade e equidade para Tribunal Constitucional ver!

 

14.10.13

A Intrujice II

Depois da encenação do sacrossanto Paulo Portas que passou a padroeiro das viúvas e dos viúvos deste triste país, chegou a vez da ministra da fazenda afastar "o choque de expectativas", pois Passos Coelho, em Maio, teria enviado uma carta à TROIKA, assegurando que iria fazer um corte memorável nas remunerações dos funcionários públicos.

Ontem, sobre o assunto, Paulo Portas nada disse! Os seus paroquianos são outros e, na verdade, ele ainda não percebeu qual é o significado da expressão "choque de expectativas", mas sabe que, em termos eleitorais, 400.000 funcionários públicos não contam, pelo menos, para o CDS... Ainda se fossem funcionários do Banco de Portugal, da Caixa Geral de Depósitos, da TAP...

Tudo isto me leva a pensar no tempo em que, nas Províncias Ultramarinas, havia portugueses de primeira e portugueses de segunda - os primeiros nascidos na metrópole; os segundos nascidos nas colónias... 

(...)

Infelizmente, os intrujões não estão todos no governo! Há muita boa gente a tratar da sua vidinha como se nada se estivesse a passar.

 

Terceiro apontamento:

(D. Nicéforo) - Diga-me, meu abade, conhece o programa do Partido Progressista?

O abade franziu os lábios em esgar dubitativo.

- Conhece, ora se não conhece! É o mesmo do Partido Regenerador. Um começa: Sua Majestade, o outro: El-rei, nosso amo...Em doutrina social são igualmente respeitadores da família e da religião. Em matéria financeira e política - dado que se preocupem com isso - um propõe-se fechar o orçamento com um saldo de vinte e quatro vinténs, o outro, com o saldo de um pinto.

Aquilino Ribeiro, Cinco Réis de Gente, cap. XIV. 

 

13.10.13

A Intrujice do Poupa Pensões

Falta-me a paciência para intrujões!

Parece que, depois de uma infinidade de cálculos, só 25.000 portugueses vão ser atingidos pelo corte na pensão de viuvez! Claro que o saque não passa de uma gota de água face às necessidades dos credores.

Salva a face do Poupa Pensões, e a dois dias da entrega do OGE, o governo continua a estudar como e onde cortar na despesa. A dois dias!?

Claro que todos sabemos quem é o alvo privilegiado! Mas desse Paulo Portas nada diz. O ónus será do "amigo" Passos Coelho. 

Entretanto, recomendo a Paulo Portas a leitura do XIII capítulo do romance "Cinco Réis de Gente", de Aquilino Ribeiro.

Lá encontrará uma brilhante paródia da "comédia eleitoral" no concelho de Sernancelhe.

Primeiro apontamento: «Vai pedir-se o voto de porta em porta, como se pede para as almas, ou chamam-se os eleitores à praça ou a uma casa, e prega-se-lhes um sermãozinho. Um sermãozinho e as promessas da lei..

Segundo apontamento: «D. Nicéforo deu o recado, justificando a diligência com o propósito em que estava o seu partido de promover uma reforma radical na vida da Nação: equilíbrio da balança financeira; desenvolvimento da instrução pública; revisão tributária no sentido de maior equidade; fomento agrícola e industrial; promulgação de leis de família; em conclusão, o estado revolvido de alto a fundo.»

Pois é! Se Paulo Portas tivesse lido os clássicos, provavelmente já teria concluído o tão anunciado plano de reforma do estado!

   

 

 

12.10.13

Os valores

Pode haver quem pense que a axiologia não tem lugar numa aula de língua materna ou mesmo de literatura. Por outro lado, quando lemos certos documentos, vemos que há quem meta no mesmo saco - da sinonímia - comportamentos, atitudes e valores.

Para muitos, aprender a ler ou a escrever mais não é do que a apropriação de uma técnica! E em geral, conseguem transmitir essa ideia aos discípulos que, apesar de tudo, resistem como podem ao formatado e preferem a digressão inconsequente...

Várias vezes, com públicos escolares de distintos graus de ensino, fui confrontado com asserções do tipo:

- Todos temos e nos regemos por valores!

- Tanto é valor a honestidade como a cobardia!

Quer a ideia de que os valores são inatos quer a ideia de que não há qualquer fronteira entre o Bem e o Mal provocam-me calafrios pelas consequências que arrastam... 

E em ambas as situações me vejo na necessidade de distinguir o comportamento dos indivíduos das atitudes das pessoas, porque, no meu fraco entendimento, a fronteira é delimitada pela presença dos valores.

Talvez tenha sido por este motivo que ontem escrevi sobre o valor primordial, pois quero crer que não estou sozinho! Acompanhar a argumentação do Velho do Restelo ajuda-nos a separar o trigo do joio e ensina-nos a ler para além do discurso neste tempo em que os valores deixaram de orientar as atitudes...

A cada passo, recebemos notícia de comportamentos desvairados e insensatos que não estimam a vida de quem a vida lhes deu.

 

11.10.13

O valor primordial

Tudo vale a pena se a alma não é pequena... (Fernando Pessoa) Nada vale a pena se o valor primordial não for a defesa da vida: - Já que prezas em tanta quantidade / O desprezo da vida que devia / De ser sempre estimada... (Camões)

Em 23 de Janeiro de 1992, um velho conde decidiu partir para os mares de Timor e da Indonésia, porque: «A nossa soberania ainda não acabou. Esta é a última possível missão de soberania (...): o de tentar dar àquele nosso território e sua nação a independência.» (Fernando Campos, O Sonho)

Soltos vão os parágrafos, mas o que os liga não são os articuladores do discurso, mas um valor: a defesa da vida, da nossa vida, da vida daqueles por quem somos responsáveis, da assunção plena da vida.

Na verdade, quem merece o prémio Nobel da paz são os anciãos que, desde os primórdios da Grécia, clamam contra a vaidade, contra a ambição, contra a guerra santa, contra a cobiça - motores da ação humana. 

Na cultura portuguesa, ninguém melhor do que Camões deu voz a esse clamor, ainda hoje incompreendido. O seu Velho, circunstancialmente (ou será obliquamente?) do Restelo, lança a acusação, e, apenas cede na proximidade: Deixas criar às portas o inimigo, / Por ires buscar outro de tão longe...

Mas este Velho nada tem a ver com a Reforma e a Contra-Reforma que se digladiavam na procura de uma hegemonia que, a cada passo, desprezava a vida.

De nada serve cotejar a vida e a obra do Poeta com o ensinamento do Velho. Camões pela educação que recebera, pela experiência que o calejou, pelo «fraudulento gosto» que o cercava, arrancou o Velho das entranhas e colocou-o naquela e em todas as partidas em que a Morte parte clandestinamente.

 

10.10.13

Em tempos de assincronia

Em tempos, aprendi que havia uma psicologia de grupo, que havia técnicas capazes de ajudar a sobrepor o interesse coletivo ao individual.

Tendo gastado a vida a participar em grupos, acabo por concluir que esse objetivo raramente é atingido. Isto é, cada elemento age por conta própria, não se preocupando sequer em acompanhar o curso da ação ou da palavra.

Em certos casos, a falta de sincronismo é tal que A se sobrepõe a B e, por sua vez, C se encavalita nos anteriores tornando a situação caótica e ininteligível.   

Em qualquer grupo, do governo ao parlamento, passando pelas reuniões de família, de condóminos, pela sala de aula ou por todo o tipo de ações de formação, o que vemos e ouvimos é um desencontro total...

Infelizmente, parece que só quando o grupo é monolítico é que é possível alimentar uma expetativa positiva. Mas nesses casos, o grupo obedece à batuta, ao pingalim, ao batuque, à ordem unida...

 

9.10.13

Pilriteiro

Nem sempre é a mais nobre, mas para tudo há uma razão. Se me despegasse do enunciado, poderia nele encontrar uma catáfora, mas, à terminologia dos jogos sintáticos, prefiro a sabedoria da cantiga popular:

Pilriteiro, dás pilritos

Por que não dás coisa boa?

Cada qual dá o que tem,

Conforme a sua pessoa.


8.10.13

A Língua e a Gramática

Quando a língua é reduzida a um código, o professor mais não é do que um repetidor de regras que o aluno deve conhecer para obter sucesso no exame final.

Deste modo, a escola perde a sua dimensão pedagógica e formativa e facilmente acabará substituída por um qualquer centro de instrução, cuja taxa de sucesso será medida pelo número de aprovações no referido exame.

A Gramática passa a protagonista, tal como acontecia no sistema de ensino construído pelo Estado Novo. Só que, apesar de tudo, aquele regime valorizava a leitura e, principalmente, a aprendizagem do léxico que considerava vector fundamental da argumentação e, por inerência, da retórica em que a ideologia nacionalista se apoiava.

Deste ponto de vista, vamos assistindo a um empobrecimento lexical assustador que compromete a interpretação de qualquer texto.

Hoje, a visão utilitarista da língua reduz a visão do mundo do falante e destrói as pontes que lhe permitiriam circular entre o passado e o presente. Isto é, esta visão mata a cultura e inviabiliza o presente e o futuro, pois o pensamento torna-se redundante e inócuo.

 

7.10.13

O caldo entornado

Em tempos de pobreza, entornar o caldo é sinal não só de falta de cortesia, mas, sobretudo, de desprezo pelo trabalho alheio! 

Já o meu falecido pai, pouco satisfeito com o curso dos acontecimentos, tinha o hábito de ameaçar: - Ou comes o que tens à frente ou temos o caldo entornado!

Perante esta modalidade deôntica, com valor de obrigação e inevitável tabefe (eufemismo!), eu punha-me a pau e comia tudo. Tudo, também porque sempre gostei de caldo (verde, galinha...).

Ao fim de tantos anos, já perdoei a violência do discurso e do gesto, porque, cedo, compreendi que a culpa era do curso dos acontecimentos.

Ora, nos últimos dias, voltei a sentir-me sob ameaça! Uma ameaça inesperada, porque vinda de um homem tão importante como o presidente Durão Barroso: - Se o Tribunal Constitucional não fechar os olhos às diatribes do governo, teremos o caldo entornado!

 

Como está na moda a aplicação retrospetiva de medidas, também eu deveria poder rever as classificações dos meus alunos de 1975-78, isto é, entornar o caldo àqueles jovens do MRPP que me entravam na sala de aula aos gritos recusando ler Os EsteirosA Abelha na ChuvaOs Gaibéus (dos sequazes do «Barreirinhas Cunhal»!) ou até Os Lusíadas

A rapaziada é a mesma só que mais gorda, mais velha e néscia!

 

6.10.13

Um domingo pardo!


De notícias não tomei nota que a televisão só dá conta da prosápia de quem nos desgoverna.

Às voltas com “coelho" e coalho"*, sem entender o processo fonológico, como se nesta triste língua fosse possível tal evolução. Eu, sem compreender que relação estabelecer entre "coelho" e "coágulo", quando, de súbito, descobri que um coelho pode ser o coágulo que nos causa fatal apoplexia.

Esta minha fragilidade linguística foi, por seu turno, causa de ter passado uma parte do dia a sujeitar-me às exigências de comerciantes digitais (Porto editora e Microsoft, respetivamente) que para uma aplicação exigem um browser (Google Chrome) e para outras um outro (Internet Explorer), e que impõem ao utilizador, para que possa aceder a um produto, que aniquile o inimigo...

No meio desta azáfama, ainda tive de me perder no novo Dicionário Terminológico que é um verdadeiro alfobre de preciosismos e que os nossos autodidatas seguem à risca, lembrando aqueles escolásticos que durante séculos nos encheram o bucho de fantásticos silogismos...
Com tudo isto, acabei por perceber que neste país preferimos o exemplo da dissimilação fonológica (ou será dissimulação), criando a cada passo equívocos com que nos vamos entretendo.

 

5.10.13

Perdão fiscal até ao Natal


Vale a pena não pagar a tempo e horas. Vale a pena deixar afundar a Segurança Social! Vale a pena colocar o dinheiro em paraísos fiscais!

Porque há sempre um governo magnânimo, cristianíssimo, pronto a perdoar. E já nem é preciso esperar pelo arrependimento quaresmal. De outubro a dezembro, o infrator sabe que não irá preso, não pagará juros e, provavelmente, terá desconto...

Diz o governo que com esta medida irá arrecadar 600 milhões de euros! E quanto arrecadaria se deixasse prender os infratores e não lhes perdoasse a demora?

Deste modo se entende por que motivo certos feriados foram extintos - 5 de outubro e 1 de dezembro. A sua manutenção ainda poderia criar algum sobressalto patriótico que atirasse para as masmorras o cristianíssimo governo e os seus compinchas.

 Até já o anti-masoch camarada presidente quer celebrar os valores de Abril! E percebe-se porquê!  "Valor" é um daqueles termos polissémicos que encheu os bolsos dos compinchas de várias gerações.

 

4.10.13

Pobres crianças!

I - Pobres crianças que morreis afogadas nas águas de Lampedusa enquanto tu, que já sais de casa a recitar o «Pai Nosso que estais nos céus», te diriges à igreja do Cristo Rei a fazer prova do teu doutrinamento e, depois, já "noiva do senhor", irás deglutir o bolo eucarístico, cerimoniosamente, preparado para celebrar a vitória autárquica!

Pobres crianças que morreis gaseadas no bairro de Quabun enquanto tu te diriges a Assis para te encontrares com um Papa que convida os pobres a sofrerem a pobreza e pouco incomoda os poderosos, mesmo que considere uma "vergonha" o que vai acontecendo na Somália, na Eriteia, na Síria! 

Pobres crianças! 

II - Pobres crianças migrantes! A neologia não deixa de surpreender! Até há pouco, as migrações eram constituídas por emigrantes e por imigrantes. Mas hoje a notícia já designa como migrantes aqueles que, não sendo ainda nómadas ou refugiados, se deslocam simplesmente à espera de um golpe de sorte:

«Mais de uma centena de migrantes africanos morreram quando o barco que os transportava naufragou junto à ilha de Lampedusa. O Papa diz ter vergonha.» i, 4 de outubro 2013 

 

3.10.13

Em bicos de pés

Põem-se em bicos de pés e clamam contra as contradições dos políticos do FMI. Esse clamor, no entanto, é de quem prefere fechar os olhos e os ouvidos às exigências dos credores.

Os jogos palacianos dos políticos não interessam aos mercados. Os únicos jogos que estes conhecem são os de casino.

Hoje, parece que os técnicos da TROIKA puseram fim a este fase avaliativa. Mas é mentira!

Enquanto o OGE para 2014 não estiver promulgado e liberto da censura do Tribunal Constitucional, os representantes dos credores continuarão em Lisboa. Nem poderia ser de outro modo num protetorado político!

Infelizmente, os próximos meses serão de pura demagogia e lá para o início da Primavera iremos novamente a votos e estaremos mais pobres...

 

2.10.13

Usados e aldrabados

Acabo de vir (de um postigo) de uma farmácia (de bairro), ondei comprei um medicamento no valor de 3,95 € e paguei 2,50 € de taxa de serviço noturno.

Que a Clara Ferreira Alves me perdoe, mas, hoje, vou imitar o JRS: do perfil do farmacêutico (ou seria empregado?) nada vou dizer, assim como não vou descrever o enquadramento, ou melhor, o posicionamento da fila (ou seria bicha?) diante do guiché - assim mesmo afrancesado, embora eu prefira o postigo. Mas como não havia aldraba, deixo-me levar pela neologia, apesar de aldrabado. Bem sei que era preferível ter antes usado o termo galicismo.

Usado, porquê?

- O menino não sabe que os sapatos é que são usados? Vá, deixe-se disso, e diga comigo: «Era preferível ter utilizado o vocábulo galicismo...»

Disso, senhor professor, aqui no meu florilégio (ou será manual?), essa palavra tem valor polissémico! Agora é que eu não percebo nada!

(Se quiserem, podem imaginar o que eu estou a pensar de certos cientistas da linguagem e da avaliação!)

Quando di-da-ti-ca-men-te explico as formas de intertextualidade, enumero-as como o JRS. Abro o catálogo. E lá vem ao lado da paródia, antes ou depois da citação e do plágio, lá vem a ALUSÃO:

O GNOMO NO JARDIM. Que belo título!

No Jardim (da Fundação Calouste Gulbenkian), vão entrando os gnomos que aspiram a ombrear com o Gigante, mas, pobres coitados, falta-lhes a estatura... e, ao contrário do JRS, nem jeito têm para entreter...

 

1.10.13

Quando alguma coisa corre mal...

Quando alguma coisa corre mal, o caminho mais fácil é designar um bode expiatório.

O critério da escolha é selecionar aquele que rejeita a subserviência e que obedece a um imperativo emancipador.

Infelizmente, é mais fácil alinhar pelo condicionamento do que exaltar quem trabalha em prol da liberdade do ser, aprendendo por si a definir o seu caminho, partilhando com o Outro o resultado do ato de pensar e de inventar. Na verdade, há quem prefira copiar a inovar...
Vivemos num país que prefere a formatação à imaginação!

 

30.9.13

Maldita abstenção

I - Quase metade dos eleitores não cumpriu o dever de votar. Porquê? Já morreram? Quantos? A idade limita-lhes a deslocação? Quantos?

Emigraram e ainda não estão registados nos países de acolhimento? Quantos?

Delinquentes e vagabundos perderam a noção do tempo? Quantos?

A crise política e financeira não lhes diz respeito? Quantos? Do que é que vivem?

Há aqui uma incógnita por explicar, apesar de tantos sociólogos desempregados! Esta incógnita adultera certamente os resultados eleitorais...

No entanto, desta vez, a votação daqueles que não desistiram revela um caminho claro: a vontade de mudar. A vontade de afastar os autarcas saltimbancos, os autarcas salteadores... Do Porto ao Funchal, sem esquecer Braga e Loures, os eleitores decidiram arrepiar caminho, na esperança de que a crise não se avolume.

Um sobressalto democrático e patriótico manchado por aqueles que preferiram a abstenção.

II - O comentador de 2ª feira, Miguel Sousa Tavares, confessa que acabou de votar e que por isso não quer saber do que pensa a TROIKA. Infelizmente, a TROIKA já olhou para os resultados eleitorais e somou os votos da direita com a abstenção!

 

29.9.13

Santo de Pau Carunchoso

Durante muitos anos, ouvi os mais velhos (e não só!)  acusarem o vizinho, o padre, o cabo de esquadra e o amigo de serem “santos de pau carunchoso”.  Em todo este tempo, nunca consegui encontrar alguém a quem o epíteto assentasse que nem uma luva. Havia sempre um senão! Uma virtude que me impedia de aplicar a referida locução!

Até que, ao folhear o Expresso de 27 de setembro, encontrei o “santinho” reverente, suplicante…

 

 

 

 

 

28.9.13

Tanto refleti...

«Impossível não ter comportamento: a minha ausência de comportamento é uma forma de comportamento. É mesmo uma forma espetacular de comportamento.» Eduardo Prado Coelho, Comunicação e Democracia.

 

Tanto refleti que concluí o óbvio: Para grandes males, grandes remédios!

Perante a sobranceria dos credores e dos seus agentes internacionais e nacionais, só nos resta mostrar, de forma espetacular, que não atiramos a toalha ao chão.

Para o efeito, amanhã, bem cedo, antes da abertura das urnas (que maravilha!), deveríamos tomar uma decisão solidária: Votamos todos ou não vota ninguém!

Qualquer uma das opções seria a expressão de um comportamento espetacular. Mais importante do que o resultado seria a afirmação da rejeição do modo como se faz política em Portugal.

 

27.9.13

Cachorros fomos, cãezinhos semos...

«Ó meu santo Nicodemos,
Cachorros fomos, cãezinhos semos,
livrai-nos da esmola do Diabo
que é a pedra fora de mão,
jogada à tola, jogada ao rabo,
contra um cão.» Aquilino Ribeiro

Só os rafeiros é que andam de pata estendida, sujeitando-se ao humor do dono!

Nas últimas semanas, a caravana autárquica percorreu o país, repetindo um número patético: tambores, cabeçudos e figurantes percorreram, apressados, as ruas e as praças, vozeando, sem uma visão de como o poder local pode ajudar o poder central a livrar-nos da esmola do Diabo...

Pelo contrário, parece que, no próximo domingo, o eleitor vai ignorar os sicários da nação.

E atenção! A culpa não é do Diabo!

Cachorros fomos, cãezinhos semos!

 

 

 

 

25.9.13

A sua Escola já não existe!

Ultimamente, pareço querer tudo compreender e, sobretudo, interpretar, e, não contente, desatei a querer ensinar a compreender e a interpretar.

Recorro ao texto e ao intertexto, ao tema e à isotopia, sem esquecer o sema, ponho em ordem a cronologia, dando relevo à analogia, percorro o Parque Mayer, desço a Avenida e, sem saber como, chego ao cais de Alcântara, com uma breve passagem pelo Ralis.

Sonho com os mares de Timor e tropeço na beatitude dos meus ouvintes que, respeitosamente, preguiçam à espera do inexistente toque da campainha...

 E subitamente a VOZ do Além: - Ó homem, acorde! A sua Escola já não existe! Foi extinta!

 

24.9.13

Notas por resgatar

  1. De cada vez que o primeiro-ministro sofre uma contrariedade lá vem a promessa de que irá rever a lei. A oposição que se cuide! Vai ter de acompanhá-lo no ajustamento da Lei à sua "realidade". No caso, o senhor não prescinde da televisão!
  2. Se bem percebi o fidalgo das laranjeiras está contra os candidatos a autarcas que «não sejam de boas contas ou não saibam fazer contas».  Este mesmo fidalgote acaba de recuperar o significado original do termo "freguês"- o habitante da freguesia. Um contributo assinalável para a recuperação da língua portuguesa!
  3. O ministro das piruetas acaba de reconhecer que as crianças, afinal, devem ser iniciadas na língua inglesa. Sem esquecer o ensino educacional! Parece que as crianças que optem por este ensino serão mais felizes e mais educadas... acabo de ouvir um jovem que deixou de «chamar nomes» aos professores e sobretudo de faltar à escola. Os patrões poderão, assim, moldar os novos operários e pagar-lhes o que bem entenderem.  Um bom exemplo de flexibilidade...
  4. Com tantos sinais de recuperação da economia, não se percebe porque é que se continua a falar de "resgate"!
  5. Com a natalidade a decrescer e a mortalidade a crescer, hoje terá sido um dia triste para a Caixa Geral de Aposentações e para a Segurança Social. Não consta que algum poeta tenha morrido neste país onde a poesia vive de subsídios...

 

 

 

 

23.9.13

António Ramos Rosa

Entrega-se

como para morrer

mas não morre

É demasiado rígida

e não tem gretas

não estremece

Cai

vai caindo

sem atingir o repouso

sem oferecer o rosto

à terra

que ela chama

(JL, Ramos Rosa, 13.11.1990)

 

22.9.13

As eleições de 29 de Setembro são cruciais

As eleições autárquicas de 29 de Setembro são cruciais! 

Chegou a hora de dizer basta à coligação governamental, aos banqueiros e a todos os oportunistas dispostos a continuar o esbulho.

Argumentar que estas eleições são locais e que por isso não podem ter significado nacional é um atentado contra a inteligência dos desempregados e dos espoliados. Se não tivermos a coragem de dizer não à coligação governamental e ficarmos à espera das eleições legislativas de 2015, cedo perceberemos que o abismo não tem fundo.

Se a vontade popular se exprime na mesa de voto, mesmo que não tenhamos nada a apontar ao autarca que se recandidata ou que se candidata a nova autarquia, então há que não esquecer que, na maioria dos casos, a conivência ideológica é causa do pântano em que nos vamos atolando.

Apesar das manifestações e das greves serem armas importantes no combate político, espero que saibamos dignificar o voto como instrumento primordial na luta pela soberania e pela sobrevivência. 

 

 

21.9.13

Admirar é relacionar

Na infância «A minha retina podia comparar-se, pela sensibilidade, à da película fotográfica, suscetível de fixar imagens plurais. Impressionava-se, por conseguinte, de tudo o que se lhe pospunha. (…)  / Mas esta passividade viva perante os fenómenos não me conferia o poder de admirar. Admirar é relacionar, operação que estava acima dos meus recursos cerebrais.» Aquilino Ribeiro, Cinco Réis de Gente, Círculo de Leitores, pág. 72.

Mas quem é que ainda tem disponibilidade para relacionar? E como é que se relaciona se não houver aproximação? Se hoje se admira tão pouco não é por causa desse tempo em que tudo era poroso, em que tudo ficava na retina, mas porque, paradoxalmente, vivemos distantes, apesar dos mil “likes” que insistimos em pospor…

Na Jardim da Estrela, ainda há alguma proximidade. Se olharmos de perto, vemos uma multiplicidade de grupos à procura do respetivo centro. Mas parece que todas estas pessoas fogem da lavagem ao cérebro que se instalou nas aldeias e cidades deste triste país…

Na verdade, há muito poucos candidatos autárquicos dignos de serem admirados! Com obra ou sem ela, a maioria só busca a Fama, um lugar que lhes dê poder e os ponha bem longe da pobreza.

Se soubéssemos relacionar, no dia 29 de setembro, teríamos uma enorme dificuldade em votar!

 

20.9.13

Um outro modo de ler

«- Ainda houve aquele revolucionário jurar de bandeira nos Ralis - retomo o fio primeiro da conversa, nódoas como a da gravata do senhor conde até numa revolução tão generosa -, a pilhagem da embaixada de Espanha, a agitação nas ruas, a sublevação nas escolas e outros desmandos...», Fernando Campos, O Sonho, edição Expresso 2003, Os Lusíadas, canto IV, comentários de José Hermano Saraiva, ilustrações de Pedro Proença.

As imagens desaparecidas de um acontecimento (21.11.1975) que, aqui, coloquei eram para que os meus alunos pudessem interpretar o conto selecionado para dar início a este ano letivo. Caso contrário, tal como o Parque Mayer não passa de uma misteriosa referência, também os momentos de euforia nacional se terão esfumado irremediavelmente. Há debates, que para serem encetados, exigem muito mais do que ter opinião...

 

  

 

19.9.13

Ao cuidado do ministro Crato

Na perspetiva dos jovens lisboetas, nascidos em 1996, o Parque Mayer nunca existiu!

Mesmo os mais atentos estão convencidos de que a referência - «O Mayer estava a morrer, deserto, parque de estacionamento» -, no conto O Sonho, de Fernando Campos, não passa de fantasia literária, até porque n'OS MAIAS esse parque nunca é referido... (Paradoxalmente, o romance queirosiano ganha estatuto de referência documental, perdendo, ao mesmo tempo, valor literário.)

Para facilitar a inteligibilidade do conto, registo que a inauguração deste Parque se deu a 15 de Junho de 1922, sob a responsabilidade da Sociedade Avenida Parque, impulsionada por Luís Galhardo, e que o repasto, em que o Conde comunica que vai embarcar no Lusitânia Expresso com destino a Timor, decorre pouco antes da partida - dia 23 de Janeiro de 1992. Uma viagem interrompida pelas forças militares indonésias. Porquê?

O desconhecimento da referência, seja ela temporal, espacial ou factual, afeta seriamente a compreensão textual e inibe o prazer inerente, tornando a leitura enfadonha, e a visão distorcida da chamada realidade.

De qualquer modo, há solução para o desconhecimento da referência. Basta solicitar um novo exame ao IAVE!

 

18.9.13

Maria Luís Albuquerque e os swaps

Desconfiado, fui consultar o Dicionário da Língua Portuguesa, à procura do verbete "swap", mas nada encontrei, o que se aceita, pois, o termo é um estrangeirismo utilizado por gente preguiçosa. Gente frouxa.

O recurso a "swaps" suxa-nos (afrouxa) a vontade e empurra-nos para a ociosidade. Se bem entendo a atual ministra das finanças, ela não se deixa suxar facilmente. Como técnica, ela só se pronunciou sobre o financiamento das empresas e dos empreendimentos e nunca se ocupou de empréstimos linguísticos ou outros. O que era preciso é que os milhões de euros entrassem nos cofres... De quem? Pouco importava? Era assunto que também não lhe ocupava o pensamento...

A ministra não sabe o que são "swaps" porque ela defende a língua portuguesa. Ainda se lhe tivessem falado de "trocas", ela, talvez, tivesse avaliado os prejuízos. Mas não! Maria Luís Albuquerque é uma purista que aprendeu, não se sabe com quem, que os empréstimos linguísticos não solicitam autorização para nos envenenar a língua e que nem sequer admitem "trocas", pois o seu objetivo é embrutecer-nos. Por isso, ela jura que não pode ter mentido sobre um termo que nem sequer é digno de figurar no Dicionário da Língua Portuguesa. 

 

 

17.9.13

Em flagrante

(Lisboa, Rua Tomás Ribeiro, nº 105 B, entre as 17h30 e as 18h20.)

Outrora, atirava-se milho ou arroz aos pardais. Agora, dá-se restos de pão aos pombos... e vem um gato e chamas-lhes um figo! Abocanha um e corre com ele para debaixo de um automóvel estacionado sob o que antigamente era um plátano. (Banquete de luxo, em frente do nº 15 da Rua Filipe Folque.)

Na esquina com a Tomás Ribeiro, um mendigo idoso e uma jovem mendiga, acomodados, esperam os sobejos do Pingo Doce. Falta-lhes a afouteza do felino para quem a rua é território de caça, ao invés dos gatos de Pessoa...

Ainda na esplanada da Cafetaria Duriense, diante de uma virtuosa superbock, arenga um velho trabalhador: a educação já não é o que foi - os filhos desrespeitam os pais, basta passar pelas telenovelas, portuguesas ou brasileira, ou descer ao Parque...

(...) O novíssimo Plaza é já uma sombra de si próprio, tal como o IMAVIS ou City Cine - parece que acompanharam o vizinho Urbano! Até o Tomás Ribeiro mais não é do que uma placa toponímica que desemboca na Praça José Fontana, vindo da Suíça com o desejo de nos fazer sair do obscurantismo, e que se finou ainda antes que a sua Geração (de 70) se desse por vencida...

O único vencedor parece ser o gato que não brinca na rua, mas o mendigo, aqui mesmo ao meu lado... e que não paga nada à EMEL, conta as moedas, quando o proprietário do café se aproxima, e, antecipadamente, paga-lhe um café e um bagacinho - 1 euro e trinta e cinco cêntimos. Imóvel, no passeio, o mendigo espera até que surge o empregado com dois copinhos de plástico com o café e o bagaço... Sem pestanejar, o homem volta para o seu canto, ali mesmo, junto ao semáforo...

(...) À espera, ficou o artigo de Eduardo Prado Coelho, Comunicação e Democracia. Que ele me perdoe!

 

     16.9.13

No arranque do ano escolar

I - A notícia vai alastrando. Afinal, há atraso no arranque do ano escolar. O ministro da educação e os seus apóstolos explicam que é assim todos os anos...

Na verdade, há cursos e disciplinas que continuam por autorizar, apesar da procura. Há professores do quadro que não sabem se a distribuição de serviço, que lhes atribuía esses cursos e essas disciplinas, continua válida.

Há escolas que não iniciam a atividade letiva por falta de professores, apesar dos vários concursos já efetuados e dos milhares de desempregados...

Tempos houve que os ministros da educação se esforçavam por otimizar o início do ano letivo. 

 

II - As imagens da degradação do edifício do "Liceu Camões", difundidas pela RTP, surpreenderam muito boa gente. No entanto, não consta que o ministro da educação tenha mexido uma palha. Incomodar-se para quê?

Por este andar, o feitiço ainda vai voltar-se contra o feiticeiro! Em certos casos, as imagens, ao ampliarem a realidade, subvertem-na...

 

15.9.13

A entoação de Crato

Do atual ministro da educação já só dou atenção à entoação.

Quando a pergunta é desagradável, Crato não se irrita e responde sempre, conseguindo modelar de tal modo a resposta que dela só sobra o tom com sabor a melaço... O que se segue passa a ser um monólogo enfadonho, assente na total ausência de rigor... Da estafada realidade presente, nada conhece! Da futura, seraficamente, sabe que o sistema educativo vai perder 40.000 alunos.

Por outro lado, o discurso risonho de Crato acaba inevitavelmente com a ameaça de novo exame. Apesar, de por vezes, o imaginar possuído pelo rigor dos talibãs, creio que este fascínio pelos exames lhe foi incutido pela Troika. Ou será ele o mentor?

Afinal, a Troika chega amanhã para proceder à 8ª e à 9ª avaliação!

Diga-se, de passagem, que não entendo muito bem como é que um mesmo aluno pode ser submetido num curtíssimo espaço de tempo a duas avaliações. 

Provavelmente, trata-se de uma avaliação por módulos, em que o avaliador se limita a verificar a consistência das cavilhas, quando as há... 

 

14.9.13

Dona Dolores, aos 91 anos

Dona Dolores fez hoje 91 anos! O coração e a cabeça continuam a coadjuvar-se no combate à porosidade óssea...

Esta longevidade não a inibe de se mover num espaço fechado como se ele fosse uma miniatura do mundo: no seu território, nada escapa ao seu olhar felino e, sobretudo, a um amontoamento de memórias que lhe trazem de volta o passado sob a forma de presente...

Ouvindo-a, rapidamente sentimos que, a qualquer momento, da multiplicidade de molduras pode libertar-se um espetro que retoma o lugar original... para ali ficar, sem se queixar, à espera de louvor ou de censura...

E esse louvor ou censura são condicionados pela resposta a uma simples questão: - aos 91 anos, ainda estou jovem, não estou?

 

13.9.13

Por ventos e marés!

A globalização é, hoje, o maior inimigo do estado-nação. No caso português, desde que as várias fronteiras se extinguiram que a soberania se foi esfumando. Ora, a perda de soberania carateriza-se pela morte da identidade - um traço distintivo da pós-modernidade.

A expansão portuguesa tinha dado um poderoso contributo para a afirmação da modernidade. Percebe-se agora que o nosso ciclo se fechou com o fim da expansão, atirando-nos para a situação de estado-minoritário que nem a adesão à união europeia conseguiu disfarçar. Entrámos assim na pós-modernidade, ficando à mercê de modelos globais cujo objetivo primeiro é desmantelar o que resta do estado-nação.

Infelizmente, há cada vez mais gente conivente com este "ajustamento estrutural" que, no que respeita à educação, começa na formatação de professores e alunos e acaba na descaraterização da escola pública, tornando-a alforge de descamisados.

O dia de hoje foi penoso porque, em vários momentos, percebi que a formatação vai, alegremente, cavando a sepultura da nação portuguesa. Por ventos e marés, singramos na esperança de que os bem-aventurados chegarão a bom porto...

 

12.9.13

Rosalino ou será Rosalindo?

A esta hora já não me apetece dizer mal de ninguém. Estou a pensar em mergulhar nas páginas do Aquilino, com uma ideia atravessada: a Agustina Bessa-Luís terá roubado alguns ambientes e, sobretudo, personagens femininas ao Aquilino. Mas se calhar estou enganado! Tudo não passará de uma coincidência! Num país pobre, rural e atrasado, é fácil que escritores diferentes se tenham entusiasmado com o mesmo protótipo...

Por outro lado, escrever neste setembro não faz qualquer sentido. De um lado, as ondas de calor; do outro, a propaganda - uma onda que submerge a paisagem, embebendo as pessoas num embuste inclassificável.

Há, no entanto, no meio tudo isto, um homem fascinante. De seu nome, Rosalino! De calva luzidia, angélico e sacerdotal, entra-nos pela casa dentro e não necessita de qualquer arma para impor cortes, a torto e direito, e aos milhões. E fá-lo de forma risonha, sem levantar qualquer tumulto!

Gosto do Rosalino! Tem sempre uma explicação, ao contrário da professora (ou da sósia?) que, para completar o vencimento, se expunha impudicamente na internet, ou daquele outro professor que, para esconder o desemprego, vai assaltando umas agências bancárias ou dos...

Estes não têm perdão! Apanhados, são censurados e condenados... Quanto ao Rosalino (ou será Rosalindo!), nada a dizer! Pelo contrário...  

11.9.13

O ator político e as pensões de sobrevivência

Poiares Maduro explicou: - «Há muitas pessoas que julgam que as pensões de sobrevivência se referem a pensões para proteger as pessoas em maior fragilidade, que são pensões para garantir a sobrevivência. Não é isso a que se referem as pensões de sobrevivência. A pensão de sobrevivência é a pensão de alguém que sobreviveu ao cônjuge. Há pessoas que podem estar a ganhar 25 mil euros e que recebem uma pensão de sobrevivência e, no entanto, neste país, faz-se um debate assente num dado totalmente falso"...» (sic)

A Linguística costumava ensinar que a relação entre o significado e o significante resulta de uma convenção duradoura, e que o sentido da palavra só existe enquanto a comunidade respeitar essa convenção...

 Não sei quem é que, hoje, ocupa o lugar da Linguística, mas parece-me que, para Poiares Maduro, esse papel cabe ao «ator político». O homem político perdeu o caráter e colocou a máscara. Não uma, mas a que for mais conveniente...

No discurso de Poiares Maduro, as convenções de sentido e os contratos dos cidadãos podem simplesmente ser rasgados. No centro da vida política, apenas ele, o iluminado, disserta sobre o significado da palavra «sobrevivência». Se o Governo, de que PM é porta-voz, tivesse razão, melhor seria que propusesse uma revisão da terminologia ou, em alternativa, alterasse a Lei para que, apenas, beneficiassem da pensão de sobrevivência aqueles que, por razões de defesa da dignidade humana, dela necessitassem.
Não! O Governo prefere a chicana política e o corte indiscriminado!
Tudo não passa de uma questão de «aderência», como vem repetindo o nosso linguista e ilustre primeiro-ministro.

 

10.9.13

Rigorismo e hipocrisia

Voluntária ou involuntariamente, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e as televisões estão ao serviço do Governo.

Quanto menor for a cobertura das eleições autárquicas, menor será a erosão dos partidos do Governo.

Lá no fundo, ao poder central, o que interessa é ocultar a trágica situação vivida pelas populações, desviando, simultaneamente, a atenção para indicadores de retoma económica claramente manipulados. 

O rigorismo da CNE, inspirado no tão criticado excesso de zelo doutrinário do Tribunal Constitucional, é, afinal, um indício de que a mesma doutrina pode ser utilizada com objetivos opostos.

 

9.9.13

Alexandre Homem de Cristo: Do teu ombro direito vejo o mundo

Ao ler o artigo "Emendar os erros", de Alexandre Homem Cristo (i, 9 setembro 2013), não posso deixar de reparar que o título responde a um mote ou a um modo de ver: "Do teu ombro vejo o mundo".

A subordinação parece-me adequada, embora incompleta. O autor, tal como o governo, ainda está a tempo de emendar o erro, acrescentando um simples, mas significativo adjetivo - Do teu ombro direito vejo o mundo

 Estou a exagerar, como bem se perceberá, pois a ideia de que um investigador só veja o mundo do ombro direito enjoa-me.

No caso, o autor está zangado com a falta de lucidez do governo, pois continua a permitir que alguém, desajustado, envie para o Tribunal Constitucional leis que visam emendar a realidade do país.

Depois de aturado estudo, o investigador, não sei se sob a forma de tese de doutoramento, terá concluído que a responsabilidade da crise é dos privilégios de que, desde o Estado Novo, beneficiam os funcionários públicos, nomeadamente, os professores, com o boicote à realização dos exames nacionaispela mão dos sindicatos dos professores, prejudicando pais e sistema educativo...»

Gosto do exemplo, em particular da parte sublinhada. Costumo explicar aos meus alunos que, ao enumerarem, não devem misturar alhos com bugalhos - se apontam países visitados, não os devem misturar com cidades. No entanto, este investigador consegue meter no mesmo saco os pais e o sistema educativo. Tal como não se importaria que, em nome do seu ombro direito, o Tribunal Constitucional passasse a ignorar a Constituição!

Mas, no essencial, a mensagem é outra: um governo avisado deveria ser capaz de rasgar a Constituição ou, pelo menos, de a adaptar às necessidades reais do país.

Afinal, a direita do "investigador" Alexandre Homem Cristo começa a estar farta do Governo de Passos Coelho, pois tem andado a perder tempo em vez de endireitar o país...   

 

8.9.13

A «esperteza saloia» enodoa

Sempre que um pingo de gordura cai sobre mim, vejo-o como uma nódoa pronta a desgraçar-me o dia. Em regra, essa fatalidade tem origem na minha desatenção ou na minha falta de preparação para lidar com a gulodice... Claro que há outros pingos mais desagradáveis, como os que podem cair sobre a minha cabeça ao atravessar um jardim, uma rua...

Em qualquer um destes incidentes, a náusea é pessoal e, em princípio, não incomoda mais ninguém!

 

Há, todavia, outra nódoa que contamina toda a gente, e que, pela sua porosidade, nos enodoa.

Já não é a primeira vez que me refiro ao nível de língua do primeiro-ministro, mas a sua insistência na «esperteza saloia» dos outros leva-me a pensar que ele, ao desconhecer o significado e a origem do termo «saloio», não vê que está a adotar um discurso xenófobo e, sobretudo, a revelar que de "esperto" nada tem.

Lembra-me sempre o inquisidor-mor que insistia em salvar a alma dos infelizes que caíam sobre a sua alçada, mesmo que para tal fosse necessário ordenar a execução pelo fogo.

Tal como o Inquisidor, Passos Coelho está convencido de que foi escolhido para cumprir uma missão redentora e que os outros mais não são do que tristes saloios.

Este tipo de nódoa é trágico pela razão já apontada - enodoa. Isto é, suja, desonra a quem ela recorre. E mais grave, obriga o adversário a recorrer ao mesmo registo de língua, contaminando toda a sociedade e, em particular, os jovens que acolhem facilmente os maus exemplos.

 

7.9.13

Em setembro, estamos mais pobres...

Em setembro, estamos mais pobres do que em julho! Qualquer um o sabe, sobretudo se for funcionário público, aposentado, reformado, pensionista... No entanto, surgem convites para eventos de todos os lados.

Esta realidade perturba-me porque não consigo encontrar uma explicação para tal contradição. Talvez uns tantos não se importem porque estão habituados a que no Outono as folhas caiam e por isso considerem que o empobrecimento é apenas temporário, embora para outros ele seja definitivo. Mas esses já não contam! Saem definitivamente da estatística...

Parece-me, contudo, que os indiferentes ao acréscimo da pobreza não se veem apenas como folhas outonais, pois de, algum modo, o empobrecimento alheio lhes traz vantagens.

E também me perturba que os que estão a ficar mais pobres tenham de esconder essa realidade, fingindo que nada acontece.

Diz o MEC que, até 2017, as escolas (quais?) vão perder 40.000 alunos! Porque será?

 

 6.9.13

Jane B. par Agnès V.

Há dias ficou-me na retina um plano em que uma jornalista, dando conta do avanço de um incêndio, se colocou na extremidade oposta de uma rua, deixando-nos sob a ameaça de que o fogo iria avançar para dentro da aldeia, destruindo-a, enquanto a equipa que filmava a tragédia iria certamente recuando, como se a aldeia não necessitasse de ser defendida e as imagens fossem mais importantes do que as vidas e as coisas...

Ontem, fui à Cinemateca ver  o filme Jane B. par Agnès V. /1988, e nele tudo se passa de modo bem diferente: a cumplicidade entre a realizadora (Agnès Varda) e a atriz (Jane Birkin) é tão forte que a câmara não só não recua, criando distância, como, na verdade, envolve o corpo de tão perto que gera a ilusão de o querer possuir - a ideia é a de que Varda possui cinematograficamente Birkin, tendo, para o efeito, saído do papel de realizadora para o de personagem, embora estática, e, de que, por seu turno, a volúvel e insatisfeita Birkin, apesar de se sentir amedrontada pelo «olho» da câmara, se deixa efetivamente possuir...

O cinema, neste caso, devora os corpos para os preservar, imobilizar, retratar, mitificar. Pelo contrário, a televisão ameaça-nos, enquanto deixa os corpos entregues a si próprios. 

 

5.9.13

A escrita dos incêndios

A propósito da "cinematografia" de Robert Bresson, Eduardo Prado Coelho escreveu na crónica O Lado Mais Severo dos Incêndios: «Em cada um dos seus filmes sentimos sempre o lado mais severo dos incêndios - a austeridade da escrita, incandescência da verdade que dessa escrita emerge.»

 Os incêndios não se repetem! Não há um manual que ensine a combatê-los. Toda a aprendizagem anterior pode desfazer-se numa faúlha.  No terreno do incêndio, o que conta é a acuidade interpretativa, pois à austeridade dos meios é preciso opor uma decisão firme, mas humilde...

Ora, tal como suspeitava, 35.000 estudantes integram o corpo de voluntários dos bombeiros, sendo atirados para a severidade do fogo... A muitos destes estudantes, para além da reduzida formação, faltam a acuidade interpretativa e a humildade...e, deste modo, são os primeiros a morrer.

Tal como os filmes não servem para reproduzir o que já existe (lição de Robert Bresson), cada incêndio surge como um novo desafio para o qual nunca estaremos preparados - razão suficiente para mudar completamente de realizador... Um realizador que entenda que "não precisamos de mais mártires"!
 

4.9.13

Os fios da aranha

Quando as palavras se levantam em gritos de otimismo, suspendo-me à espera... e, subitamente, as aranhas desenrolam o fio, ainda, eufórico da duração...Fico sem nada poder acrescentar, a não ser palavras de incentivo. Ah, quem me dera ser capaz de não me conter!

 

Há esperanças que nos protegem, mas que, simultaneamente, nos trazem mais dor. E a dor acrescida poderia ter sido perfeitamente evitada se as palavras tivessem seguido o seu caminho, se não tivessem sido retidas por um subconsciente castrador.

 Agora, como esta manhã, vou sair das palavras, vou a uma rua aonde atravessam pessoas e circulam carros, vou lá e só encontro os fios da aranha...

 

3.9.13

Quem cala consente...

Já cheguei a uma idade em que me arrependo sempre que decido argumentar com alguém (contrariar) que defende uma ideia nociva ao bem comum ou que revela uma interpretação delirante da realidade ou que age com prejuízo manifesto para o Outro...

Sabendo que rarissimamente da argumentação surge a luz e que o ato me afeta os neurónios ao ponto de me sentir à deriva, prometo ficar em silêncio - deixar o corpo no lugar - e partir... Infelizmente, nunca vou longe! As vísceras contorcem-se, repetindo: - Quem cala consente!

Há quem viva assim, à beira do precipício, de consciência pesada, pois não atalhou a tempo. E porquê?

 (Não dou exemplos para não dar azo a que alguém queira responder, tirando-me, desse modo, do silêncio em que vou caindo. A queda traz-me, no entanto, inquietação, pois sei que por perto há um abismo pronto a libertar-me, em definitivo.)

 

2.9.13

Não precisamos de mais mártires!

No combate aos incêndios, vários jovens morreram ou encontram-se em estado crítico! Por inexperiência? Por falta de preparação e de enquadramento? Por incumprimento das ordens dos superiores? Por voluntarismo? De acordo com as notícias, alguns desses jovens não têm mais do que 18 anos!

Ora, na minha perspetiva, a sociedade atual, ao descurar a disciplina seja nas famílias, seja nas escolas, seja nas ruas, acaba por gerar indivíduos que, apesar do espírito abnegado e solidário, não estão preparados para combater em circunstâncias que exigem obediência e cumprimento rigoroso dos procedimentos...

Ao ouvir as palavras dos comandantes (?) dos bombeiros, fico frequentemente com a sensação de que cada um dirige soberanamente um pelotão à distância, ignorando os restantes pelotões que se movem no terreno... Estamos perante unidades de combate que agem por conta própria ou à voz de um GPS incapaz de interpretar o movimento dos homens, dos veículos, dos ventos e das temperaturas... Não precisamos de mais mártires!

Entretanto (3.9.2013), morreu mais um bombeiro: um jovem de 19 anos!

 

1.9.13

A centenária oliveira e uma figueira

Apetece-me preservar a oliveira centenária e a figueira mediterrânica! O tempo e a cultura que delas emanam deveriam ser aprofundados. Sei, todavia, que este meu desejo, na fase de desgoverno em que vivemos, não faz sentido, até porque eu raramente como um figo. Mas isso não importa! Preservar a oliveira significaria abrir caminhos, limpar terrenos, podar árvores…

Curiosamente, esta oliveira e esta figueira não me exigem que as regue! Apenas, me sugerem que dava jeito algum desbaste das apressadas vergônteas… E, sobretudo, não querem qualquer exclusivo. O que estas árvores pedem para si deveria ser extensivo a todas as irmãs que as acompanham na roda do tempo.

O problema é que na capital, há quem retire aos proprietários os meios necessários à limpeza do terreno, à abertura dos caminhos, à poda das árvores. E quando estas árvores forem devoradas pelo fogo, então, sem pudor, serão apontados os pirómanos: alcoólicos, pastores, desempregados, maridos enganados…

Porém, se nos dessemos ao trabalho de escutar a centenária oliveira, ouviríamos uma voz a apontar para a capital, para o capital…

 

31.8.13

É mesmo estranho!

I - Com tanto reacendimento das matas e dos matos deste país, é estranho que ninguém veja que não basta despejar água sobre as labaredas quando o fogo lavra nas entranhas das encostas e dos mandantes...

É estranho que ninguém veja que a ferida é a expressão de um desregulamento celular, e que não basta desinfetar ou cauterizar. De brecha em brecha, as escamas vão progredindo até que a epiderme se incendeia...

É estranho que se queira à força preservar a fachada, quando no interior alastra o bolor... É mesmo estranho que se insista no corpo e se descure a alma!

Mas há razões para que tal aconteça: a cobiça! a vaidade! o compadrio!

II - Na feira de artesanato do Estoril (50ª), o espaço continua o mesmo, o nº de tendas diminuiu, o palco cresceu - ontem a plateia era insuficiente, cantava a fadista Cuca Roseta -, o nº de restaurantes aumentou - ontem estavam lotados -, o PS local coloria o local... Fiquei com a sensação de que não estava num lugar, mas se estava, esse lugar era longínquo e anacrónico, mas à sombra do Casino! Pode ser que na próxima edição também lá encontre uma farmácia Rendeiro.

 

 

30.8.13

Leitura obrigatória

Se a leitura da Bíblia*, d'Os Lusíadas, d' Os Maias e até do Memorial do Convento, ainda, é vista como constituinte da identidade portuguesa, não entendo por que motivo a leitura da Constituição da República não é obrigatória, sendo ela o garante da nossa soberania.

Se tal tivesse acontecido nos últimos anos, não teríamos de ouvir um primeiro-ministro afirmar que vai estudar o acórdão do Tribunal Constitucional. Antes do acórdão deveria ter estudado a Constituição!

Penso mesmo que o estudo da Constituição deveria ser um pré-requisito para o exercício da atividade política e que todos os políticos deveriam jurar cumprir o Tratado constitucional enquanto não chegassem a entendimento sobre a revisão dos aspetos que, por força das circunstâncias, estejam em desacordo com a realidade.  

Sei, todavia, que este objetivo é difícil de cumprir. Basta pensar na quantidade de catecismos e de sebentas que estão disponíveis para os preguiçosos e apressados, sem falar nos explicadores que, agora, já dão explicações nas universidades de verão.

Esta reorganização das nossas leituras implicaria, por um lado, que a Constituição da República passasse a integrar o Plano Nacional de Leitura, e, por outro lado, que a TROIKA soubesse, de antemão, que, em Portugal, nos regemos pela Lei.

 * Neste caso, estou a forçar a nota. Na verdade, só o catecismo é memorizado por cerca de 50% da população portuguesa. Das restantes obras, as sebentas selecionam alguns episódios.

 

29.8.13

O uso corriqueiro da linguagem

«A linguagem aprende-se melhor, não através dos seus usos corriqueiros, mas através da sua utilização máxima que é a literatura.» Roman Jakobson, Poesia da gramática, gramática da poesia.

 A democratização dos discursos tem vindo a empobrecer o raciocínio, porque, sendo nós seres de linguagem, em vez da leitura literária, preferimos a gíria e o calão, tão comuns no quotidiano, no cinema e nas redes sociais.

Um destes dias, fui ver esse sucesso de bilheteira que dá por nome " A Gaiola Dourada" e fiquei esclarecido. Um conjunto de atores, de algum gabarito, dá expressão aos estereótipos que nos inscrevem na Europa das migrações (e no mundo!) e, sobretudo, a uma linguagem popularucha que faz sorrir gratuitamente. (Paguei bilhete para ver a boçalidade da minha própria família!)

É certamente por isso que a TROIKA encontra, entre nós, quem a acompanhe na necessidade de baixar os salários, desclassificar os jovens, destruir a classe média e eliminar os idosos.

Com a morte da literatura, vamos deixando de ser capazes de enfrentar as forças que, no essencial, procuram apoderar-se de um território, de preferência, liberto dos seus habitantes, da sua língua, da sua história e da sua cultura.

 (Tenho de confessar que hoje me arrependo de ter abdicado de ensinar Literatura. Mas, prometo aos meus alunos de Português que irei ser implacável na perseguição dos «usos corriqueiros».)

 

28.8.13

Procuro a notícia

Procuro a notícia, mas ela indispõe-me: um governo fornece números errados para esconder despesas inconfessáveis ou para legitimar soluções contra a dignidade da pessoa; uma instituição internacional não verifica os dados que lhe são apresentados por um governo indigente; um primeiro-ministro proclama que os bombeiros têm à sua disposição todos os meios necessários para combater os incêndios, apesar de só em agosto já terem morrido quatro operacionais; os fogos são provocados por alcoólicos, desempregados e maridos enganados (curiosamente, não há mulheres enganadas!) e agravados pela orografia e pelos ventos; a comunidade internacional prepara-se para atacar a Síria, deixando  o regime no poder... quais serão os alvos, afinal? Jesus beijoqueiro acaba de resolver os problemas que lhe minavam o rebanho, qual Judas!

Esta minha indisposição não faz, no entanto, qualquer sentido e dá-me acabo do coração, embora neste aspeto haja outros fautores que, neste contexto, nem vale a pena revelar...

Por maior que seja a enumeração de notícias, não me sinto mais esclarecido, isto é, não me sinto mais capacitado para ajudar a explicar os comportamentos subjacentes, porque, como dizia o bem documentado e sensato Eduardo Prado Coelho:

«O conhecimento não se reduz à informação; o pensamento não se reduz ao conhecimento; pensar não se reduz a comunicar (...) a verdadeira comunicação e o pensamento autêntico não são a regra, mas a excepção.» Eduardo Prado Coelho, Crónicas no Fio do Horizonte, pp.169-170, edições Asa, 2004.

Chegado a este momento do raciocínio, tudo pode parecer simples: há pouco a esperar de quem nos governa ou de quem nos informa.

O problema são as vítimas! Para os Governos e para a Sociedade de Informação, há sempre alguém que pode ser eliminado e que rapidamente será esquecido. 

 

27.8.13

A indigência é pobreza extrema

«-Temos um produto em que ninguém nos bate: a preguiça.» Conto original de Fernando Campos, O Sonho, in Os Lusíadas, de Luís de Camões, Canto IV, Edição Expresso 2003

 

O hábito de desvalorizar a ação do português leva a que uns tantos iluminados classifiquem os restantes como indigentes. Ora a indigência é, na maioria dos casos, expressão de pobreza extrema. Sabemos, também, que o estereótipo de povo preguiçoso se nos colou à pele ao longo dos séculos, creio que para pôr em evidência a superioridade, o mérito, dos tais iluminados (os heróis lusos).

Nenhum país parece produzir tantos heróis, tantos homens de mérito, como Portugal. Infelizmente, este esplendor gera uma enorme clivagem entre a minoria de heróis e a maioria de preguiçosos, ora considerados indigentes.

Em política, houve (e há) quem defenda que ao estado social não compete apoiar os indigentes, mas estes políticos, que se creem superiores, não sabem que a indigência é a expressão da pobreza extrema a que condenaram uma boa parte da população, pois diariamente lhe retiram a dignidade.

 O que é preciso entender é que o povo não é preguiçoso! A preguiça, como muito bem mostrou Eça de Queirós, embora sob a capa da ociosidade, é uma caraterística da classe dirigente que, ao não se dar ao trabalho de olhar para as vítimas que vai produzindo, gera a indigência. Esta é efeito e não uma causa, a não ser que passemos a falar de políticos indigentes...

 

26.8.13

Indícios de incompetência da Segurança Social

Uma senhora, a caminho dos 91 anos, recebeu a seguinte carta da Segurança Social: «Informa-se V. Exª. que é intenção do Centro Nacional de Pensões proceder à suspensão do pagamento da sua pensão, a partir de 2013-11-01, por existirem indícios da perda do direito à prestação que mensalmente que lhe tem sido paga. A manutenção do pagamento da sua pensão está dependente da apresentação a estes serviços de prova de vida...» (Documento assinado pela Diretora da Segurança Social do CNP).

 Lida a carta várias vezes, só me vem à cabeça que a Segurança Social detém indícios de que a senhora terá falecido. Então, escreveu-lhe para quê? E qual será a fonte de tais indícios?

Bom seria que a SS tivesse confirmado a suspeita de falecimento, em vez de desencadear um processo que obriga o visado a deslocar-se à sua Junta de Freguesia, já que as alternativas apresentadas para fazer a referida prova de vida podem ter um custo de 161 € e alguns cêntimos - por exemplo, um atestado notarial, com visita incluída ao pensionista...

Perante a ameaça, e excluídas a hipóteses de a vida da dita senhora ser atestada pelos filhos que com ela coabitam ou pela filha e pelo genro que residem na freguesia vizinha, ou pela via notarial, lá fomos, como o caracol, à Junta Freguesia, onde a senhora foi bem atendida, tendo, no entanto, de saber em que mês e ano chegara ao lugar onde reside...

Uma atitude inclassificável com uma cidadã cujo BI regista um nº situado entre o 650 e o 700. Será que a metodologia deste serviço é suspeitar que todos os portadores de BI até ao nº 1000 já faleceram»?

 

 

25.8.13

Sobre a Ericeira

A Ericeira nunca chegou a ser para mim um destino turístico. Tal não significa que não lhe tenha percorrido as ruas e os pontos de interesse ocasional, sobretudo, Santa Marta, quando as crianças se deixavam levar. Na verdade, a Ericeira começou por ser um hotel e uma piscina... Depois, a Ericeira passou a ser um lugar - parque de campismo -, onde nos instalávamos, primeiro numa tenda, depois numa roulotte e, nos últimos anos, numa autocaravana. De comum, o vento, as rolas, os pinheiros, a caruma, a água fria, os nevoeiros de julho e de agosto, o sol de setembro e de outubro...

O clima é pouco simpático, sobretudo, no verão! Mas, não sei porquê, este é o lugar onde sempre voltamos, como se, nas palavras de Diderot, estivesse escrito lá no Alto...

Parece, no entanto, que o ciclo está a acabar. Não é que o lugar, apesar da perda das falésias e da areia, tenha perdido o encanto, mas o tempo, o nosso tempo, não se compadece de nós...

Chegou a hora de dar mais importância ao tempo, de fruir com menos encargos e, sobretudo, com maior qualidade. Claro que a responsabilidade não é só do Tempo, há por aí muitos responsáveis que continuam impunes...Neste como em todos os outros lugares, porque quem faz o lugar somos nós!

 

24.8.13

A Ericeira já foi mar das rascas

Ciberdúvidas: O verbo desenrascar vem «de des- + enrascar»; enrascar deriva «de en- + rasca + -ar»; e rasca é «deriv[ação] regr[essiva] de rascar». Finalmente, rascar vem «do lat[im] vulg[ar] rasicāre, de rasu-, part[icípio] pass[ado] de radĕre, "raspar"».

Apesar da elaborada explicação, parece-me que, em terra de navegadores e pescadores, será mais apropriado pensar que tal tipo de embarcação - a rasca - não seria assim tão segura, sobretudo quando se aventurava na rota do Brasil.

Um pouco de memória e perceberíamos que muitas rascas não terão chegado a bom porto! Os marinheiros embarcados (enrascados) que tinham a sorte de sobreviver não deixariam de deitar culpas à rasca pela morte dos companheiros!

Afinal, o problema era o mesmo de sempre: a segurança era frequentemente descurada, pois a ganância era lei.

Enrascados desde o berço, tudo serve como desenrascanço desde que a pimenta, o ouro ou o euro caiam nos bolsos...

E já nem vale a pena referir a origem do termo gajeiro (e seu derivado - gajo) que vigiava no cesto da gávea.

23.8.13

Um dia na Ericeira

Ruidosa ou veladamente, o homem mata. Tira a vida um pouco por toda a parte e fá-lo com recurso a todas as ferramentas – das mãos aos robots, da pedra ao ferro, do fogo ao gás, da água ao veneno, à droga, ao álcool, ao roubo, à insídia… As formas de matar multiplicam-se dia a dia! Na esfera privada e na esfera pública...

Por seu turno, silenciosamente, a Natureza gera vida coral, mineral, vegetal ou outra, mas fá-lo, indiferente à nossa presença ou ausência, regendo-se por uma norma que nos escapa ou que preferimos ignorar.

No meio, há sempre um gato na espectativa de derribar três ou quatro rolas e estas, argutas, vão saltitando de galho em galho à espera de o cansar.

Para além do pinhal, as águas oceânicas da Ericeira vão engolindo a areia, desfazendo as arribas e invadindo a terra que o homem tão orgulhosamente lhes conquistara…(...)

Horas passadas, chega o vento atlântico que arrefece o dia e sacode a poeira da terra, deixando enrodilhados, pessoas e objetos. E ao longe nem uma rasca!

E nos intervalos, Crónicas no Fio do Horizonte, de Eduardo Prado Coelho, em tempos lidas na espuma dos jornais... O Eduardo que durante 30 anos se encontrou nas águas de S. Martinho do Porto, mas que, já no fim, citando Joaquim Manuel Magalhães, acusava o «país assassino» de ter destruído aquele, outrora, belíssimo lugar.
(...) Agora, o vento serenou. Apenas os cães dão conta de si, embalando-nos numa acesa disputa.  

 

22.8.13

A cabeça

Quando a cabeça já nos confunde, exigimos ao corpo um esforço mais: privamo-lo da gordura, do açúcar e do álcool, e obrigamo-lo a caminhar… E subimos e descemos, ao sol e à chuva, de dia e de noite, em passo lento ou acelerado, no bosque ou à beira-mar…

E subitamente uma voz interior convida-nos a penetrar no abismo, a desistir da caminhada, a não regressar ao ponto de partida porque, na verdade, esse ponto ficou irremediavelmente para trás.

As viagens são sem regresso! Por enquanto, vão ficando de fora as que se limitam a gerar espaço, mesmo que o tempo as dissolva…

 

21.8.13

Cadernos de notas e agendas

Quando procuramos elaborar um balanço, ou melhor, quando nos solicitam um balanço e a memória não ajuda, regressamos às agendas e aos cadernos de notas ou de tarefas.

Se ainda os tivermos à mão e não nos faltar a coragem de os decifrar, iremos pouco a pouco descobrir que o que foi pensado para nos ajudar a agendar o presente e o futuro é, afinal, um repositório de acontecimentos passados da mais desvairada natureza.

Aos nossos olhos, surgem os nossos doentes e os nossos mortos, as nossas viagens e as nossas despesas, detalhadas até à ausência de sentido. Despesas que, frequentemente, nos são impostas por sonhos e devaneios familiares, sem omitir as crescentes obrigações fiscais e os cortes reiterados nos rendimentos...

Numa outra perspetiva, estes registos indicam-nos onde estivemos ou, pelo menos, deveríamos ter estado. E este dever não era nosso, era nos imposto pela profissão, pelos cargos que desempenhámos.

E de repente, surge a dúvida: Se num certo ano, estive envolvido em tantas tarefas, qual terá sido a qualidade do trabalho desenvolvido?

Nesta perspetiva, o caderno de notas é claro e, ao mesmo tempo, enigmático. Quem ali se inscreve viveu um ano múltiplo, isto é, um ano em que a dispersão foi a regra, imposta pela solicitação alheia. E o mais grave é que, no caderno de notas, nada existe que diga qual das tarefas era a mais importante: se cuidar da mãe, se cuidar da esposa, se cuidar da filha ou do filho, se cuidar dos alunos, se cuidar dos colegas, se estar presente a toda a hora, se ser um funcionário zeloso...

Desta leitura resulta, no entanto, uma lição: a minha próxima agenda vai ser constituída por folhas soltas e, de preferência, em branco...

 Muitos não conseguem impedir-se de ter a impressão de que é o tempo que passa, quando, na realidade, o sentimento de passagem refere-se ao curso da sua própria vida. (registado no caderno de notas 2012)

   

20.8.13

A verdade do papiro e da pedra

Creio que se pode viver sem ler! Na verdade, durante muito tempo, o mundo singrou sem manuscritos. Não havia necessidade de registar ou de procurar a verdade em qualquer pedra ou códice, porque, simplesmente, ela não existia.

A verdade foi uma invenção de faraós avarentos e megalómanos que aproveitaram o papiro que o Nilo lhes ofertava. Diga-se, para que não se desvirtue o curso da história, que o povo hebraico, não querendo ficar para trás, enviou o pobre Moisés ao cimo do Sinai registar a lei (verdade) de Jeová nas tábuas de pedra que a montanha lhe ofertava.

Em nome da verdade, se ceifaram muitas vidas, de tal modo que foi necessário registar e justificar a sua eliminação.

E como funcionamos em circuito fechado, alguns homens consagraram o seu tempo aos Livros de Horas, orando pelas vítimas dos faraós avarentos e sequiosos de glória e de eternidade...

E assim continuamos, aqui como na Síria, na Líbia, no Iraque, no México, na Colômbia, no Congo ou no Egito! Tudo em nome de uma verdade que nenhum Livro consegue legitimar...

Com uma pequeníssima diferença: voltámos a viver e a morrer sem precisar de ler!

E porque a leitura, que a muitos importa, já não se ocupa da maçadora e punitiva verdade, mas, sim, da fantasia - esse lugar situado entre a verdade e a mentira - CARUMA está pronta a libertar-se das hiperligações que desprezam a leitura... e a escrita. CARUMA passa a ser um lugar de passagem ou, se se preferir um lugar de errância... 

 

19.8.13

Na sombra de Fausto

A decisão de ler, quando não se é académico ou investigador literário, resulta de circunstâncias que não controlamos. Há quem pense que a idade é um fator decisivo - talvez haja um tempo certo para ler determinadas obras... Talvez, seja necessária uma certa maturidade! Mas como é que se chega à maturidade sem ter lido o que mais importante foi escrito para o entendimento da natureza humana?

Enquanto leitor, o mito do "Fausto" não me era estranho e, normalmente, surgia na mesma página, na mesma esquina, de outro famoso mito ocidental - "D. Juan".

Em termos de padrões de cultura, o Fausto do pacto com o diabo era me familiar desde o berço - uma figura pouco recomendável que ousava infringir a todo o momento a condição humana, desrespeitando a vontade divina.

Na literatura e na filosofia, habituei-me a encontrar certos paladinos do «super-homem», designadamente, na cultura alemã, o que se de início me seduzia, com o conhecimento dos "efeitos" da ideologia subjacente e da consequente prática política, acabou por me afastar de uma abordagem sistematizada da obra de Goethe, o que hoje lastimo...

Neste agosto, não resisti a fazer duas leituras da obra em causa, tal é a intensidade (e por vezes, a leveza) do pensamento dilemático de cada personagem e, sobretudo, porque a religiosidade imanente não consegue estabelecer fronteiras nítidas entre o Bem e o Mal, entre Deus e o Diabo.

Na visão romântica alemã, o verdadeiro mundo estava plasmado no Cristianismo - um lugar em que Deus desafiava Mefistófeles para que pusesse à prova a criatura humana (Fausto) e em que o Diabo não desgostava do exercício, pois, afinal, lhe permitia entrar em territórios de fantasia que lhe estavam vedados - o universo greco-romano - porque anteriores à refundação da chamada civilização ocidental.

Ler o Fausto é, para mim, uma viagem às zonas mais ocultas do cérebro humano, mas é também revisitar os mitos que fundam a minha personalidade.

 

   

18.8.13

O nosso Fausto

Não sei se será aceitável misturar o Fausto de Goethe, tragédia escrita ao longo de uma vida, e com antecedentes ilustres que remontam, pelo menos, aos séculos XV e XVI, com os títeres que nos desgovernam neste século XXI.

Na verdade, o doutor Fausto, cansado da ineficácia da ciência e da alquimia, por ação de uma inebriante poção licorosa preparada por uma bruxa, a mando do criado-e-senhor Mefistófeles, passou «a ver em cada mulher uma Helena», no caso particular uma Margarida que, depois de seduzida e rejeitada, qual Eurídice, resiste a sair da masmorra em que se encontra à espera do juízo final.

No caso português, creio que o argumento será um pouco diferente: cansado do amor e da manta rota (que diacho!), o nosso Fausto terá negociado com Mefistófeles o regresso à escola, à procura da poção mágica que lhe permita ganhar as eleições - todas as eleições!

Será por isso que acabo de ouvir que, entre Agosto e Setembro, o nosso Fausto fará no mínimo três «rentrées». Começou no calçadão do Pontal, vai passar pela Universidade de Verão de Castelo de Vide (?) e quanto à 3ª «rentrée», não sei bem, mas sei que já em 2012, ele também se tinha deslocado à universidade sénior da Portela...

Este não será o momento para me queixar, mas também não entendo a preferência pela palavra «rentrée» num país que despreza oficialmente o ensino das línguas estrangeiras, e, sobretudo, a aprendizagem do francês. Pelo desempenho que já lhe ouvi, o nosso Fausto, mal sabe ler a língua de Molière e de Racine.

Finalmente, é preciso ser muito cábula e lento para no mesmo ano letivo fazer três «rentrées». Melhor seria que o nosso Fausto tivesse seguido o exemplo do doutor Fausto... Pelo menos, acabaríamos livres de Mefistófeles!  

 

18.8.13

Estertor

Nas festas de Viana, as servas da Senhora da Agonia exibem milhões em ouro. Noutras procissões, os andores carregam cachos de euros, a ver quem dá mais. Por perto, os incêndios consomem bombeiros, matas e veículos... Os candidatos a autarcas, aos milhares, procuram um lugar ao sol, derretendo milhões de euros numa campanha inútil...

Entretanto, o subemprego cresceu 139% nos salários abaixo dos 310 €. No IC1, morreram, em 24 horas, 9 pessoas em ultrapassagens proibidas - ao lado, na autoestrada, escasseiam os veículos.

Por seu turno, o Governo de casino aposta mais de 4.000 milhões na banca do Tribunal Constitucional. O próprio presidente da república, em vez de promulgar ou vetar, arrisca na mesma banca. Hábitos antigos! 

 

Lá fora, mais de 100.000 pessoas já morreram na guerra da Síria. No Egito, numa semana, registaram-se 700 mortos, e a procissão nem ao adro chegou.

 

17.8.13

O povo ébrio

Hoje é sábado, e o país continua em festa!

Com um pouco de crédito e de espírito e muito de deixa-andar, o povo percorre as romarias, os festivais e as praias fluviais... O povo vive contente e sem preocupações...

Claro que a Troika vai avisando que só regressa depois de o Tribunal Constitucional legitimar os despedimentos desse mesmo povo que agora vai bailando...

E como a festa é demasiado ruidosa, o povo ébrio vai liquidando o próprio sangue num golfejo de notas soltas...

 (Antes de ontem, fora dia santo; ontem, um santo dia; amanhã, pouco interessa.)

 

16.8.13

No Egito

Milhares de feridos e mais de 600 mortos, igrejas coptas profanadas e incendiadas nos últimos Dias! Porquê? Antes de mais, porque as religiões, em vez de conciliarem, continuam a dividir, despertando os demónios dos primeiros tempos...A ida a votos deu o poder à maioria muçulmana. Começava o jogo democrático! Só que, no contexto regional e global, o novo poder não estava preparado para lidar com as minorias religiosas, com o poder militar formado e equipado pelos americanos, com o estado de Israel e, sobretudo, preparado para satisfazer as reivindicações de uma enorme massa humana ávida de melhores condições de vida. E quando assim é, a solução militar surge como forma, de pela força e pelo medo, pôr na ordem a multiplicidade de desencantados, de fundamentalistas e de oportunistas. Só que a solução militar não sabe dialogar, conciliar. Apenas sabe aplicar a força de forma cega, à ordem de quem a suporta financeiramente...

Portanto, a irracionalidade egípcia não é apenas resultado da ação Irmandade Muçulmana!

(A propósito, Portugal tem no Cairo um embaixador – o Sr. Tânger - que parece ter sobre os acontecimentos uma visão bastante parcial... Não sei se a sua abordagem coincide com a do Governo!)

 

 

 

 

14.8.13

As funções do Estado mínimo

Há luminárias que apontam como causas da crise: o número excessivo: a) de funcionários públicos; b) de idosos; c) de restaurantes; d) de boutiques, sapatarias, mercearias...

E como solução primeira: a redução drástica do número de funcionários do estado, a redução dos cuidados de saúde, a redução dos salários, das reformas e das pensões, o encerramento de restaurantes, pastelarias, cafés, lojas, boutiques, sapatarias, mercearias...

Em síntese: desmantelamento do Estado, empobrecimento e fragilização das pessoas, destruição das pequenas e médias empresas.

Os serviços prestados pelo Estado no âmbito da saúde, da educação, da justiça, dos transportes, no entendimento destas luminárias, devem ser entregues a novos empresários, pois estes já serão capazes de viver sem o Estado. 

Os indicadores económicos publicados nos últimos dias mostrariam que, finalmente, estes empreendedores já estariam a revitalizar a economia. Mas como?

Com uma lei dos despedimentos selvagem, com remunerações mínimas e, sobretudo, com a eliminação da concorrência...

Neste cenário radioso, estas virtuosas luminárias querem-nos fazer acreditar que as únicas funções de um Estado mínimo são cobrar impostos à novíssima economia e redistribuir o bolo pelos desgraçados que, entretanto, foram despedidos, espoliados das reformas, não conseguiram um primeiro emprego...

 O equilíbrio das contas não é difícil! Basta pensar no país de Salazar! Tinha sol e praias e até uma guerra no ultramar. Só não tinha portugueses! Viviam aos milhões lá fora para não morrer cá dentro...

 

Sem rede dissolveu-se na Caruma

Mesmo sem balanço, SEM REDE regressa em setembro, mas sob a máscara de CARUMA.

Há sempre um aluno atento que procura partilhar nem que seja as suas hesitações ou, então, que insiste para que eu esclareça os limites do "contrato de leitura" - expressão que eu abomino!

Por essas e outras razões, espero, a partir de setembro, dedicar, também, um tempo aos meus alunos, criando, assim, um público diferenciado.

Isto se o MEC não me sobrecarregar com tarefas gratuitas, no duplo sentido da palavra...

  

 

 

13.8.13

Nas costas...

Os sindicatos acusam o governo de lhes dar facadas nas costas. Pobrezinhos, sentem-se traídos! Afinal, qual era o acordo que andavam a cozinhar nas costas dos trabalhadores?

Há muito que os portugueses são traídos pelos seus governantes e representantes, sejam deputados ou dirigentes sindicais e outros que tais, porque, até ao momento, o que sempre lhes interessou foi partilhar o bolo.

 O problema que eles escondem da população, com a conivência da comunicação social, é que a decisão já não mora aqui: já não está nem na mão do presidente, nem do governo, nem dos partidos, nem dos sindicatos, nem dos autarcas, nem dos juízes...

 A decisão é nos imposta e obedece a um calendário e a um caderno de encargos irrevogáveis!

Os sindicatos sentem-se traídos porque começaram a perceber que são descartáveis e que por isso vão ter de voltar ao trabalho...

 

12.8.13

Sem o Anjo que nos afaste da queda...

Senhor para Mefistófeles: «Todo o homem que caminha pode perder-se.» (Goethe, 1749-1832)

Acantonados no espírito da Reforma, habituámo-nos a ver o Senhor como a representação do supremo Bem que combateria perpetuamente o Mal. 

A cada ser competiria, assim, percorrer o caminho da Luz, fugindo permanentemente das Trevas, isto é, evitando perder-se ou evitando qualquer pacto com Mefistófeles. No entanto, na lição de Goethe, o Senhor dá plena liberdade a Mefistófeles para que este possa induzir Fausto em tentação. 

Estranhar-se-á este apontamento, mas ele tem uma razão antiga. De todas as vezes que me "cruzei" com o João da Ega n'Os Maias, ficou-me a dúvida sobre o satanismo queirosiano ilustrado pelo Mefistófeles que animava os bailes de máscaras ...

E nesse aspeto, o Eça europeu nunca se libertou da imagem do demónio que formatava a alma lusa... 

Eça reduzia tudo à caricatura, tal como nós, hoje, o que nos torna incapazes de caminhar sem o Anjo que nos afaste da queda... 

 

 

 

 

11.8.13

Inquietação

«A inquietação enfeita-se sempre com máscaras novas: tão depressa é uma casa, um pátio, como uma mulher ou uma criança, ou ainda o fogo, a água, um punhal, um veneno... Trememos diante de tudo o que não nos atingirá, e choramos incessantemente pelo que não perdemos!» Goethe, Fausto.

 Eu gostava de subscrever plenamente esta "conclusão" de Fausto, mas a ideia do "ornamento" e da "máscara" faz-me pensar num qualquer desvio histriónico comportamental. Infelizmente, a inquietação tem uma origem menos encenada.

Basta pensar naquele pai que, perante a inevitabilidade da morte, não deixará de se sentir inquieto (atormentado) quanto ao futuro do jovem filho, sobretudo quando a sociedade se revela madrasta.

Basta pensar naqueles a quem a morte não surpreende de forma súbita e que por isso têm tempo para sofrer em silêncio a precariedade da vida dos que lhes são próximos. Quando essa precaridade anda de braço dado com a ingenuidade de uns e a malvadez de outros, a inquietação não desarma e mina as almas e os corpos...

Basta pensar na mentira continuada que nos governa, essa, sim, enfeitada e sempre com novas máscaras, para que o tempo seja desse tipo de inquietação que mata lentamente...

Podemos disfarçar com o sol e a praia, a música e o teatro, o cinema e a ciência, mas na inquietação a música é apenas um tique-taque acelerado, a ciência não traz cura nem pão, a imagem não passa de ilusão, a praia deserta e o sol eclipsa... 

 

10.8.13

O Ano Sabático (João Tordo)

«Não é tarefa fácil construirmos a nossa própria identidade confiando apenas nas nossas intuições e pressentimentos, mas é também pouca a segurança que poderemos extrair de uma identidade autoconstruída que não seja confirmada por um poder mais forte e mais duradouro do que o seu construtor solitário.» Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada, pág. 278.

 João Tordo publicou no início deste ano o romance O Ano Sabático. Considerando que o autor nasceu em 1975, não deixa de ser uma experiência temporã. No entanto, esta escolha tem explicação académica. Formado em Filosofia, João Tordo procura responder à velha questão: Quem sou eu? Já Fernando Pessoa construíra toda uma obra a responder à mesmíssima pergunta. Temos, assim, que o romance é a resposta à eterna questão.

Uma resposta triste, pois a ideia de incompletude que persegue Hugo (1ª parte) e Luís Stockman (2ª parte) faz destas personagens "seres" descompensados, pois a cada momento se sentem "roubados", procurando, um, de forma alienada, e o outro, de forma racional, "encontrar" o quid que os limita.

Esta apropriação do "eu" pelo "outro" (do mesmo sexo, mesmo que haja ainda um "outro" do sexo feminino) é, afinal, a matéria de que o romance se alimenta, e leva à aniquilação de "ambos"; o primeiro, de modo prosaico num sótão da baixa lisboeta e o segundo, de modo mais poético numa tempestade de neve nas ruas de Montreal (Québec).

A alusão ao "outro" feminino serve apenas para lançar a ideia de que neste romance, embora "as mulheres" não surjam como acontece na tradição literária e filosófica da "misoginia grega", este outro acaba por não ser essencial para a resolução da resposta à questão identitária - irmã, mãe, amantes, terapeutas, todas elas desempenham papéis periféricos...

Do meu ponto de vista, o mais interessante é que a obsessão do "eu" pelo "outro" acaba por matar a capacidade criadora de Hugo e de Luís Stockman: o 1º porque se sente roubado por uma "sombra real", o segundo, porque, para adiar o reencontro com a "parte em falta", desiste da composição musical... até que:

«Quando a neve já era tanta que nada se via exceto o branco, tudo branco, o mundo uma composição em branco, Stockman sentiu a alegria de uma perda irreparável e soube que era demasiado tarde para voltar atrás.» (João Tordo, O Ano Sabático, pág. 205)

No essencial, estamos perante um romance bem construído, cujo fio condutor desloca a atenção do leitor para as condicionantes da criação musical, mas que bem pode ser lido como se todo ele fosse o resultado de um verdadeiro ano sabático dedicado aos escolhos que a escrita levanta ao escritor.

 

9.8.13

Urbano Tavares Rodrigues (1923 - 2013)

Sempre que alguém me fala de Urbano Tavares Rodrigues, sorrio por instantes.

Sorrio da sua bondade, da sua leveza, da sua crença na fraternidade e na solidariedade, e, sobretudo, do modo como continua a alimentar essa Instituição que poderia ser a Literatura, se esta não tivesse sido colonizada por uma casta de sacerdotes que, pouco a pouco, nos afastam do gosto da leitura...

Pode não ser verdade, mas, para mim, Urbano Tavares Rodrigues é um homem naïf que nunca me pediu nada, e que os deuses decidiram premiar, deixando-o ficar um pouco mais para que o sorriso não vire esgar. Caruma, 4.11.2008

 

8.8.13

O que é (pouco) natural...

«O que é natural estende-se a toda a natureza, mas o produto da arte ocupa apenas um espaço limitado.» (Goethe, Fausto)

O artista, apesar do acrobático movimento, quase que não é visto pelos circundantes. Estes, alinhados, esperam um brinde, qualquer coisa do género. Por mais que insistamos em arrancar o homem à natureza, lá, no fundo, ele procura sempre um benefício, uma recompensa... 

 

7.8.13

Preocupação

A PREOCUPAÇÃO (diante da casa de um rico): - Vós minhas irmãs (a FOME, a DÍVIDA, a ANGÚSTIA) nada podeis e nada ousaisSó a preocupação pode deslizar pelo buraco da fechadura. Goethe, Fausto (adaptado).

Na realidade, não sei se a Preocupação consegue incomodar um rico. É um universo que não frequento! Sei, todavia, que os ricos (e os seus servos) estão a gizar um caminho em que, por mais que tentemos esquecer os problemas, viveremos em permanente preocupação dia e noite.

E essa permanência da preocupação, constantemente alimentada pela comunicação social, acabará por nos impedir de dar um passo, de sonhar, de dormir.

Por este caminho, acabaremos expulsos da categoria de contribuintes e de consumidores, deixando objetivamente de contar...

Vai ser necessário que a Preocupação destes novos párias comece a deslizar pelo buraco da fechadura de quem nos desgoverna... 

 

6.8.13

Vivamos alegremente!

«A ação transporta-se para uma corte imperial da Idade Média. (...) O general queixa-se das tropas e dos oficiais que reclamam os soldos em atraso, e ameaçam a tranquilidade do país. O tesoureiro responde-lhe que os cofres estão vazios, que cada qual vive para si, e que a riqueza do império foi devorada pelas guerras e pelas divisões dos partidos políticos. (...) No entanto o astrólogo fez observar que o Carnaval estava próximo, e que convinha passá-lo com alegria. Bastava ter fé no futuro e fazer uma última exibição de luxo e abundância pública.» Goethe, FaustoFausto na Corte do Imperador.

 Por maior que seja a tragédia, há situações e comportamentos que se repetem: o presidente da república, o primeiro-ministro, os deputados, os banqueiros, os tribunais, todos de férias! Simultaneamente, os mefistófeles engendram as extorsões que irão impor ao país...

 «A partir de quarta-feira de Cinzas... - decretou o imperador - começaremos o nosso trabalho! Até lá vivamos alegremente!» Goethe, op.cit.

  

 

 

4.8.13

Um livro imperdível

Há livros que devemos ler, mas que podem ser lidos em qualquer altura, mas há outros que é imperdoável não os ter lido no momento certo. No caso, é imperdoável que aqueles que se preocupam com o governo da coisa pública não o tenham feito à data da sua publicação - 1995. Estou a referir-me à obra de Zygmunt Bauman " A Vida Fragmentada - Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna".

No essencial, os tempos que vivemos são fruto da política de desmantelamento das instituições levada a cabo por Thatcher (e por Reagan), uma política que, após a unificação da Alemanha e o desmoronamento da URSS, passou a ser regulada pela finança supranacional. A própria União europeia foi obrigada a trocar o princípio da subsidiariedade pela «cultura de casino cósmico», em que tudo se calcula em termos de «impacto máximo e obsolescência imediata» (op. cit., pág.269).

Passámos a existir enquanto contribuintes e consumidores. Caso não consigamos manter esse estatuto, deixamos de ser recicláveis e passamos à categoria de dispensáveis, isto é, para os políticos somos "elimináveis", pois só assim as economias poderão ser revitalizadas.

Os "elimináveis" não passam de um produto tóxico, de "imparidades"... acabando como arma de arremesso político entre os gestores do «casino cósmico» e aqueles que, ainda, se consideram representantes de um pensamento de "esquerda". Só que com o desmantelamento do Estado, a "esquerda" deixa de existir, a não ser como entidade fragmentada e nostálgica que nada pode impor.

Em Portugal, nada do que está a acontecer, em 2013, é novidade para Bauman, em 1995.

 

3.8.13

Albufeira do Cabril

Partida: Parque de Campismo do Pedrógão Grande. 1º alcatrão, depois terra batida, plana. A Ilha expõe-se em forma de casco de embarcação e oferece descanso e a possibilidade de merendar para quem se tenha aviado em terra.

Como não há ilha sem encosta, os mais afoitos podem descer até à linha de água, desde que não esqueçam que vão querer regressar...

Duração: duas horas, a não ser que levem cana de pesca ou queiram mergulhar nas águas da albufeira.

 

 

 

 

2.8.13

Confluir

Juntam-se as águas e seguem o seu curso, alheias a hierarquias de estado ou de qualquer outra espécie e, simultaneamente, as margens iluminam-se, gratas à conformidade que assim as guia.

A cada passo, a natureza dá o exemplo, mas nós preferimos ignorá-lo em nome de uma cultura que insiste em defender uma identidade artificiosa, de uma soberania que já perdemos…

Ouvi há pouco que temos mais um partido: o MAS – Movimento Alternativa Socialista. Um partido para o futuro que quer voltar ao passado: ao escudo, à bancarrota, ao Estado-nação. Mais um grupo de “intelectuais” que não entende o mundo em que vive…  

 

31.7.13

Na Foz do Alge

O título pode não corresponder, pois não é fácil chegar ao parque de campismo da Aldeia Foz de Alge, sobretudo quando o GPS Sony não reconhece as novas vias, e acabamos por enfrentar a íngreme subida que leva a AREGA. Aqui, não há sinalização, a não ser o simpático indicador humano que lá mandou virar à esquerda e depois à direita, atravessando a floresta de 3 km, e depois já haveria placas… Havia, mas nenhuma que indicasse a estrada para o camping.

Acabei por atravessar a Aldeia da Foz de Alge, com o credo na boca, pois quem desenhou as ruas nunca imaginou que por ali viesse a passar uma autocaravana. Eu próprio ainda estou sem saber como é consegui não derrubar nenhum beiral…

Enfim, cheguei a um parque com uma receção acolhedora, bem situado junto ao Zêzere, com as cigarras em plena cantoria. No entanto, a música de fundo bem alto – um misto etno-pimba – não ajuda quem procura o parque para descansar!

(Tudo seria ainda mais agradável se a Sony tivesse alguma consideração pelos utilizadores dos seus GPS – caros e sem possibilidade razoável de atualizar o software, e se os Institutos que tutelam as estradas e o turismo se preocupassem em sinalizar devidamente as estradas, os locais de interesse e os respetivos acessos…)

 

30.7.13

O nosso interesse

O que é que nos interessa? De forma seca, interessa-nos a comodidade e, sobretudo, que não nos incomodem.

A comodidade assegura-se com património, um bom salário, a sorte grande, um corpo jovem e em forma. Tudo o que se oponha é já um incómodo!

A crise é um incómodo, mas que só incomoda, por enquanto, uma minoria. Enquanto houver sol e praia, subsídio, mesada, cartão de crédito, saúde, a maioria segue incólume.

Pode-se até pensar que a cobertura de viaduto, um banco de jardim, uma cela são abrigo suficiente para que não nos incomodemos...

Claro que continua a haver aqueles que, incomodados, partem! Tal como no passado, sempre houve homens e mulheres que rejeitaram o fado e reconstruiram as suas vidas noutras latitudes...

Por cá continuam as moções de censura e de confiança, sem que seja possível romper com o comodismo das nossas posições.

 

29.7.13

Carris desrespeita os utentes do 783

O utente chega à paragem, olha o painel informativo e percebe que daí 14 minutos tem um autocarro para a Portela, no caso, o 783. Poderia, entretanto, ter aproveitado o 783 para o Prior Velho, mas com o inconveniente de ficar apeado antes de chegar ao destino.

Decidira esperar. O tempo escorre até que, subitamente, passam a faltar 34 minutos. Porquê? Ninguém sabe! O painel informativo nada explica.

Pacientemente, o utente da Portela rende-se à espera de novo 783 para o Prior Velho, mesmo ficando apeado...

Surpreendentemente, às 12h38, na Praça do Saldanha, o 783 passa vazio...RESERVADO... e o utente continua à espera sem qualquer explicação...

 

28.7.13

Ser / estar na notícia sem mestre de cerimónia

- O que fazem três milhões de indivíduos na praia de Copacabana?

Os crentes dizem que estão lá para estar próximo do Papa Francisco. A verdade parece, no entanto, ser outra: estão lá para estar na notícia, para fazer parte da notícia. Ainda assim, há muitos, crentes ou não, que se deslocaram para "ser notícia". E, para o efeito, vale tudo: banho na onda alterosa, protesto contra o governador, revolta contra a hipocrisia da Igreja Católica...

O próprio Papa franciscano procura, sob o olhar das câmaras fugazes, não ser ocultado pelo movimento das ondas humanas.

Uma das lições que, provavelmente, este Papa poderá extrair do evento é que não lhe basta ser notícia para existir, pois a sua ação poderá reacender não só a fé, mas, sobretudo, antigos demónios que durante séculos devastaram a terra em nome de uma Ideia que se queria única e verdadeira.

Paradoxalmente, perto de Santiago de Compostela, um pequeno burgo abandonou tudo o que estava a fazer para socorrer as vítimas de um infausto acidente ferroviário, sem quererem ser /estar na notícia... Esses, sim, existem!

Existem sem encenações nem mestres de cerimónia! 

 

27.7.13

«Sou noticiado, logo existo»!

Sou noticiado, logo existo. (...) Disparo, logo existo. Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada

O homem já não necessita de cogitar, já não necessita de procurar o deserto para se afastar da turba ameaçadora. Pelo contrário, agora, procura o ruído da multidão, procura um palco onde possa ser visto e ouvido, busca sensações narcísicas e, para atingir tal objetivo, tudo lhe é permitido.

Este homem não se preocupa com as consequências da imoralidade da sua ação. Uma ação naturalmente violenta, uma ação cada vez mais violenta. Face à efemeridade das reações do Outro, os estímulos crescem de intensidade e de frequência até a um ponto de não retorno. O Outro ou foi abatido ou colocou-se no lugar do sujeito, emulando-o até cair na não-existência...

E é essa não-existência que alimenta a violência «faça-você-mesmo.» A guerra deixou de ser um ajuste de contas, uma luta corpo-a-corpo. Este tipo de violência da notícia, do paparazzi, da rede social mais não é do que uma execução, em que nos apresentamos como carrascos...

(Quanto às vítimas, elas não passam de inexistências, mesmo que ainda guardem a vontade de pensar!)

O problema surge quando se pergunta qual é o futuro destes «carrascos», pois, hoje, sabemos que, para se manterem vivos, eles necessitam do reforço da força do choque, o que significa que de nada serve ficarmos à espera de mudança: ou morrem e são substituídos ou, simplesmente, continuam a infernizar-nos a vida... Por outras palavras, de nada serve esperar que o menino traquinas subitamente abdique de o ser...
Quem espera outro Paulo Portas, não percebe que para ele só importa: «Sou noticiado, logo existo»!   


26.7.13

Um país de malfeitores

"Malfeitoria" é a única palavra capaz de exprimir o meu sentimento em relação aos efeitos do desgoverno em que vivemos. Em termos simplistas, se há malfeitoria é porque há "malfeitores", e, em regra, ficamos satisfeitos sempre que um deles é identificado, mesmo que não seja responsabilizado. Por vezes, chegamos a ter inveja desses "novos heróis"...

Esta abordagem oculta, no entanto, uma realidade mais sinistra: a "malfeitoria" pressupõe um atentado contra a "feitoria", em que o "feitor" lesa a propriedade pública...

Em Portugal, os feitores apropriam-se dos bens públicos, organizando-se para o efeito, em redes de banqueiros, de procuradores, de juízes, de funcionários, de autarcas, de construtores civis, médicos, farmacêuticos...

Quando olhamos para o governo, para os partidos, para os sindicatos, para as associações, para as corporações, vemos que a sua constituição reflete as tribos transversais que se vão constituindo na sociedade portuguesa... 

Por exemplo, esperar-se que o governo fosse um órgão solidário com o objetivo de servir o país, mas a sua constituição reflete a existência de vários tribos ao serviço de interesses divergentes...

 

25.7.13

Em letra branca

Sob um tempo abafado e certo desapontamento, há quem só pense em férias, indiferente ao que, entretanto, vai acontecendo.

Há dias, um ex-ministro socialista pedia ao governo que acalmasse e nos deixasse ir de férias. Achei o pedido estranho porque estava convencido de que aquele ilustre sociólogo estivesse de férias desde 2011 e, por outro lado, custou-me ouvi-lo falar de ir a banhos como se essa possibilidade não tivesse sido cortada a muitas centenas de milhares de portugueses.

Este tempo húmido talvez justifique a morosidade e a perversão das decisões, mas só sinto desapontamento ao observar a ação política: o ministro crato continua a sua cruzada contra os professores; o primeiro-ministro escolhe para o seu governo homens e mulheres comprometidos com decisões prejudiciais ao interesse público; o vice-primeiro, em vez de se ocupar da reforma do estado, refunda-se a si próprio...

Hoje, ao passar quase duas horas na PT, no Parque das Nações, à espera que me resolvessem um pequeno problema, tive oportunidade de tomar conhecimento de um expediente que nunca me passara pela cabeça. Lá para os lados da Amadora, há mais de 10 anos, alguém imaginou uma (?) declaração, em que dois proprietários prometiam ceder um terço dos lucros de investimentos urbanísticos a um beneficiário cujo nome não constava no documento, ou, afinal, constava de forma "encriptada": O nome da pessoa que, não sendo sócia da empresa, iria alegadamente ter direito a 33% dos lucros está lá invisível, isto é, os caracteres do nome tinham sido escritos em letra branca, razão pela qual eram indecifráveis na folha da mesma cor. Foi preciso alterar a cor de letra do ficheiro para descobrir que afinal havia um visado naquele documento... (fonte: jornal i, 25 julho 2013)

No próximo ano letivo, irei estar mais atento às folhas em branco não vá algum raposão mudar a cor à letra...  

 

24.7.13

O crivo avaliativo

No ministério da educação, à medida que se despreza ou mercantiliza a formação, cresce o crivo avaliativo.

Entregue a departamentos universitários sem recursos e, sobretudo, vivendo longe do terreno, a formação inicial dos mestrandos de Bolonha acaba por enganar os candidatos ao ensino, atirando-os para a precariedade. Apesar disso, em regra, os que conseguem uma colocação como contratados cumprem com zelo e submetem-se, anualmente, à avaliação interna, revelando empenho e profissionalismo. É-lhes, no entanto, proibido candidatarem-se à avaliação externa.

Todas as equipas ministeriais têm recorrido ao crivo avaliativo para atingir objetivos que não prezam a melhoria da qualidade de ensino, nem a redução do insucesso escolar. Apesar dos recursos mobilizados em tecnologia e em formação de formadores de curta duração, a realidade mostra que o crivo avaliativo só serve para nivelar por baixo, para desclassificar profissionalmente, para excluir e, sobretudo, para impedir a progressão dos docentes, humilhando-os com tarefas inúteis, e reduzindo-lhes o vencimento...

Na vida de um docente, milhares e milhares de horas são gastas, por imposição do ministério, em atividades não letivas. Curiosamente, ninguém estranha tanta hora não letiva! Tanto desperdício! Basta ler o LAL 2013-2014 para perceber a ineficácia do sistema educativo...

Agora, chegados a Julho, o ministério ameaça com exames em Janeiro, elaborados pelo GAVE (será IAVE?). E as vítimas serão, de início, os candidatos ao ensino, mesmo se formalmente diplomados e considerados aptos para a profissão, e os contratados. Mais tarde, será a vez de avaliar os empurrados para a mobilidade.

Entretanto, as escolas superiores de educação, os institutos politécnicos, as universidades com ou sem via de ensino vão ficando para trás. Porquê? Será para desmantelar o que resta das orientações do professor Mariano Gago?

Em Portugal, há quem diga que a culpa é do sistema! Mas, em Portugal, não há sistema! Em Portugal, vive-se em permanente ocupação. É o chega para lá!

 

23.7.13

Saramago enxovalhado

Não sei se o ribatejano José Saramago algum dia se terá postado ante portas do senhor Mário Dias dos Ramos (Maia,1935), mas a leitura da crónica "O potencial ditador" publicada pelo jornal i (23 Julho 2013) deixou-me a pensar que o filho da Azinhaga (Golegã) mais não seria que um desses bárbaros modernos assim enxovalhado por uma serôdia cruzada cultural, em nome da civilidade...

É, pois, em nome da civilidade que o senhor Mário Dias dos Ramos se atreve a comparar o realizador Manuel de Oliveira com o escritor José Saramago, embora me pareça que, no essencial, os argumentos favoráveis ou desfavoráveis não se dirigem à obra realizada, mas, sim, ad hominem.

No caso de Manuel de Oliveira, este é retratado como um aristocrata simples e humilde, de renome mundial. Quanto ao «jubilado pelo Nobel», o colorido é bem diferente: trata-se de «um homenzinho insignificante com cara de lobisomem e de poucos amigos, a quem a glória subiu à cabeça».

E não posso deixar de citar um parágrafo bem revelador da natureza de quem se viu excluído do círculo de Saramago: «O contraste entre o homem bom e simples que, no cinema, tem sabido retratar, implacavelmente, esta sociedade agridoce que somos todos nós, e o homem que jamais pôde fugir a si próprio, ao seu destino duro, arrogante, impante de sobranceria, irritabilidade e agressividade, aquele ar persecutório de inquisidor-mor do mundo e dos homens.» 

Se entendi bem o pensamento do cronista, ao citar, de forma descontextualizada, Saramago -«em cada democrata existe um potencial ditador» - o despotismo faz parte da natureza dos bárbaros, dos plebeus... e só preocupa, só suscita medo quando se aproxima demasiado da porta dos aristocratas...

Apesar de tudo, quero acreditar que este enxovalho nada terá a ver com Manuel de Oliveira e, também, quero acreditar que o diretor do i, senhor Eduardo Oliveira e Silva, não terá estado atento à composição da página 13, à relação subliminar entre texto e foto.

 

22.7.13

Até agora

Podemos olhar de frente e não ver o problema.
Podemos querer uma solução sem ver que o problema tem muitas incógnitas.
Podemos olhar para as incógnitas e não ver a rede que as suporta.
Podemos destruir a rede e não ver a solução.

Até agora, embora conheçamos o problema e a rede que o gera, ainda não encontrámos a solução, porque nós somos uma das incógnitas.

Somos parte da rede!

No discurso do portuguesinho, a fonte do problema é sempre o outro, o maldito!

 

Fotografar é disparar

Fotografar exige o olhar, mas olhar não é ver. No fotografar, o instantâneo é um disparo. (Fonte: Erich Fromm, The Anatomy of Human Destructiveness, 1974)

Nestes últimos dias, só disparei uma vez! Fixei-me na curva apertada que abre para o horizonte sadino. Quando olhei, procurei a linha de água e o resto da muralha do castelo, e a maior parte dos indicadores desprenderam-se dos olhos, talvez, para que mais tarde eu pudesse analisar cada um deles. E com tempo, porque sem ele não é possível destrinçar os elementos, observar-lhe a posição, a cor, o volume: devolver-lhe o espaço engolido pela pressa.

Ver exige paciência, concentração, interesse, abertura interior. Ora, antes de disparar, gastei umas tantas horas a classificar provas de exame, para concluir que poucos são os alunos que veem. Basta relembrar que encontrei cavaleiros medievais, sentados em esplanadas de café, a contemplar ociosas donzelas que passavam sem lhes dar atenção, ou que no conto “A Importância da Risca do Cabelo”, de José Rodrigues Miguéis ninguém identificou um pingo de IRONIA ao retratar o Mansinho. Repito: o Mansinho!

Na verdade, o mais fácil é disparar! 

 

21.7.13

O planalto pariu um coelho

De nada serviu Cavaco ter subido ao planalto da Selvagem! Moisés subira à montanha e trouxera as tábuas da lei que durante séculos orientaram o povo hebraico. Cavaco não só não trouxe nova lei como não conseguiu sequer caçar novo coelho!

Hoje, ao 9º minuto da sua preleção, voltou a servir-nos coelho requentado.

Consta, entretanto, que a crise custou 6 milhões de euros. Gosto da precisão, mas não entendo como é que, sendo tão rigorosos, não conseguimos identificar os fautores e responsabilizá-los.

(...)

Neste fim de semana, no que me diz respeito, ocupei o tempo de crise, como muitos outros professores, a classificar provas de exame, sem esperar qualquer gratificação. Já lá vai o tempo!

E claro, estive atento ao comentário do diretor do GAVE que, sem pudor, atacou a Associação de Professores de Geografia, acusando-a de esgrimir argumentos sem o «mínimo de rigor», porque esta pusera em causa a formulação de vários itens da prova da 1ª fase. O douto diretor, em vez de mandar analisar os ditos itens, disparou contra os alunos, pois, nos últimos anos, de acordo com a análise estatística (a safada!), estes continuam a mostrar dificuldades «na leitura inferencial, na capacidade de escrita, em particular na capacidade para a produção de discursos estruturados, coerentes...» 

Onde é que já vimos este argumento? O senhor diretor já deveria ter compreendido que o problema não é de natureza geográfica. Apesar de transversal, a escrita, nas atuais condições, acaba por ser diminuída nas aulas de Português, nos testes de Português, nos exames de Português...

Chegados aqui, o problema já não pode ser resolvido pelo diretor do GAVE. Compete ao Ministro da Educação ordenar um inquérito aos exames nacionais e tirar as devidas ilações...

 

 

20.7.13

Um presidente ausente

Escrever um pouco mais, mas para quê? As epístolas só interessam a anacoretas! As cartas não resistem à busca absoluta e volátil de sensações... a poesia nem digestivo consegue ser! E quando a arte morre, o romance espera a sua vez: abre-se o contentor e, sem aviso, lá vai lixo, em bruto!

Claro que ainda sobram uns tantos vagabundos de sensações, mas estes não trocam o esgotamento pelo portátil...

É como se o presente fosse apenas duração: O presidente dirige-se ao país amanhã! E porque não hoje? Ficamos à espera da palavra redentora que já sabemos que não existe... em vez da epístola sagrada, da carta de amor ou de desagravo, do ópio da poesia, da plasticidade romanesca, suspensos, estamos à espera de que o presidente puxe a cavilha à granada.

Poder-se-ia escrever sobre a causa da crise, mas ninguém quer assumir a responsabilidade, porém ela é de todos!

E se alguém escreve e eu não o confesso, não é porque queira faltar à verdade, nem porque Deus tenha deixado de contar comigo para seu porta-voz, mas porque me afastei para longe das cartas que circulam um pouco por toda a parte a confessar a culpa alheia. Entretanto, vou esperar pelo próximo prefácio do presidente para saber se, afinal, a culpa da crise é, apenas, minha.

PS. Decidi mudar o título "Um presidente sem presente" porque o presidente tem presente, nós é que não. Na verdade, o presidente subiu ao planalto da Selvagem para se distanciar de nós, para se ausentar de nós. Quando o presidente se nos dirige é da "ilha afortunada" onde passou a viver, apesar do tom plangente, de facto, distante...

  

 19.7.13

A inconveniente incerteza

Já várias vezes, aqui, referi que os tempos são de incerteza e que por isso ela tornou-se um lugar-comum. Por outro lado, também, aqui, escrevi, que, desde 2011, o Governo vem espalhando a incerteza sem que tal sementeira o incomode por aí além. Pelo contrário, o medo resultante da incerteza tornou-se numa forma cómoda de domesticar a revolta. 

Entretanto, o inefável Passos Coelho vem agora acusar o presidente da república de atiçar a incerteza ao anunciar eleições legislativas a partir de junho de 2014. Num improviso néscio, Passos consegue mesmo afirmar que não há nada mais incerto do que o resultado de umas eleições...

O argumento mostra como o senhor primeiro-ministro não sabe qual é o efeito de não encontrar emprego, de perder o emprego, não sabe qual é o efeito do desmantelamento das poucas certezas que restavam aos aposentados, reformados e pensionistas, aos funcionários públicos e trabalhadores em geral.

18.7.13

A insuficiência

No tempo pós-moderno, o conceito "insuficiência" serve para albergar uma grande variedade de medos. Deixando de parte a enumeração desses medos, vale a pena, no entanto, pensar nas causas desse estado de insuficiência em que vamos mergulhando.

Na minha opinião, a causa primeira está no tipo de homem que hoje nos governa e que me atrevo a designar como homem de plástico.

Como material, o plástico pode, de forma mais económica, substituir todos os outros materiais, mas revela um enorme defeito, é altamente nocivo, pois a sua lenta dissolução só traz prejuízo. Por outro lado, no interior do plástico esconde-se o vazio, o isolamento, o medo, o que lhe traz uma falsa segurança, uma falsa certeza...

Hoje, ouvi vários políticos de renome, alguns já insuflados, colocarem os interesses dos partidos à frente do bem comum. E fiquei a pensar se a matéria de que eram feitos os fundadores da democracia não terá sida enxertada com algum garfo de plástico.

 

17.7.13

Nos nossos círculos

Nos nossos círculos, não faltam pessoas a quem é negada a possibilidade de ganhar um euro por dia! Um euro por dia!

Entretanto, há quem diga que o presidente da república vai gastar 150.000 euros na deslocação às Selvagens. 150.000€ por um dia e meio!

Por outro lado, consta que, amanhã, os diretores das escolas públicas deste país vão deslocar-se a Torres Novas para visionarem um power point sobre a organização do próximo ano letivo. Quanto custará este evento ao erário público? Será que não é possível enviar o «power point» por correio eletrónico?

Nos nossos círculos, já deixou de fazer sentido debater o corte de 4800 milhões de euros, pois, a cada dia que passa, o desperdício cresce. Basta observar os mercedes que circulam entre as sedes partidárias a procurar acordo sobre o modo como implementar o corte de 4800 milhões de euros imposto pela Troika, e não pelo PSD ou pelo CDS.

E de nada serve ao PS acusar a coligação de querer impor o corte, pois a culpa é, em primeiro lugar, "socialista"...

E quanto ao corte, não creio que seja difícil fazê-lo. Basta que os governantes prescindam de férias, de ajudas de custo, de automóveis topo de gama, de deslocações desnecessárias, das frívolas comodidades, e passem a utilizar os escassos recursos com parcimónia.

Se houvesse um sinal, o caminho seria menos difícil e menos demorado!

 

 

16.7.13

Exame de Português: "O país sonhado" por D. Miguel Forjaz

Em nome do ARDOR PATRIÓTICO, «ameaçado pelos inimigos de dentro», D. Miguel quer «os sinos das aldeias a tocar a rebate, os tambores em fanfarra, nas paradas dos quartéis, os frades aos gritos nos púlpitos, uma bandeira na mão de cada aldeão.»

Para o «consciencioso governador do reino»: «Portugueses: A hora não é para contemplações! Sacrifiquemos tudo, mesmo as nossas consciências, no altar da Pátria.»

E na perspetiva de Miguel Forjaz, o país atingirá o clímax quando «Lisboa (...) cheirar toda a noite a carne assada (...) e o cheiro ficar na memória durante muito anos (...) Felizmente há luar...

Sempre que pensarmos em discutir as ordens dos conscienciosos governadores, lembrar-nos-emos do cheiro da carne do General...

Infelizmente, há sonhadores que transformam a nossa vida num pesadelo!

 

15.7.13

Da certeza à incerteza

Os tempos são de incerteza! Os dispositivos de controlo vêm sendo desmantelados um a um e substituídos pela crença de que a certeza poderá regressar, apesar da capacidade para repor ou aniquilar a certeza ter origem externa.

Nos últimos dias, o presidente da república, em nome do interesse externo, voltou-se para o arco da governação e exigiu acordo sobre "três pilares". O edifício pareceu-me coxo! Sempre ouvira falar dos 4 doutores latinos da Igreja e até dos 4 doutores gregos da Igreja. E mais recentemente, lembro-me que, na China, "o bando dos 4" teve um papel importante na radicalização do maoísmo, espalhando, no entanto, a incerteza.

A ideia de construir um acordo sobre um tripé é certamente uma forma de dar expressão à incerteza. Mas tudo isto só pode resultar do contágio dos três pilares que constituem a Troika que, como todos sabemos, se encarregou de destruir todas as nossas certezas.

Curiosamente, a "incerteza", com as suas quatro sílabas é muito mais sólida, mais românica do que a gótica "certeza". 

Entretanto, o nosso presidente da república, nestes tempos de incerteza, vai acompanhar uma missão científica, em pleno Atlântico, regressando na sexta-feira com a certeza de que, afinal, lhe faltava o pilar da lucidez. Se tal tiver acontecido, em vez de marcar eleições legislativas, anunciará eleições presidenciais. E já para setembro! 

 

 

 

 

13.7.13

Os resultados dos exames nacionais

Os resultados dos exames nacionais são medíocres e só podem espantar quem anda distraído do desmantelamento a que o sistema educativo tem sido submetido.

a) O GAVE iniciou, na última década, um processo de condicionamento da metodologia de ensino cujo resultado mais evidente é a regulação do raciocínio com a inevitável eliminação da criatividade: professores e manuais submetem-se incondicionalmente à formatação do avaliador. Por exemplo, para que é que servem os Testes intermédios? No entendimento do GAVE, o sucesso escolar depende do treino, sem perceber que este não é suficiente para resolver problemas surgidos em novas situações...

b) Na mesma linha, o Ministro da Educação aposta no reforço da carga letiva, com o claro objetivo de dar mais tempo de treino aos alunos. Por exemplo, qual foi o efeito da atribuição de mais 45 minutos à disciplina de Português no presente ano letivo? A média nacional, para além de ser negativa, ainda baixou!

c) Quando se analisa com seriedade o problema, é bem visível que a formação e a atualização dos professores sofreram um sério revés nos últimos anos. A maior parte da formação disponível não passa de um negócio que os professores estão obrigados a pagar em troca de uns míseros créditos que não servem para coisa nenhuma.

d) A mudança dos modelos de avaliação dos docentes, em nome de uma melhoria da qualidade da prática letiva, resulta mais da necessidade de dar ocupação a novas clientelas partidárias geradas nas universidades privadas do que de uma verdadeira estratégia para melhorar a qualidade do ensino. Enquanto os novos "doutores" não se instalam na engrenagem, o MEC força os professores a desempenharem tarefas de avaliação interna e externa para as quais não têm formação. A atribuição da coordenação da avaliação docente simultaneamente a diretores de escolas e a coordenadores de centros de formação em nada contribui para a uniformização de procedimentos, sem falar na DGAE que nem uma base de dados consegue incrementar para gerir todo o processo.

e) É bom de ver que, no que fica dito, há um conjunto de fatores de dispersão incompatíveis com a gestão de 4 ou 5 turmas, a 28/30 alunos. E não é apenas o MEC que gera dispersão, o Plano Anual de Atividades é, em muitas escolas, obstáculo ao sucesso do ensino e da aprendizagem. 

f) A aposta na aposentação precoce de milhares de professores, para além de os enganar pois lhes frusta as expetativas de vida mais ou menos desafogada, provoca uma verdadeira "descapitalização docente" nas escolas. A experiência de muitos anos e a disponibilidade (art. º79) permitiam recuperar muitos alunos que, de outro modo, estavam condenados ao insucesso.

g) Na verdade, desde 2005, os sucessivos governos, ao contrário do que proclamavam, apostaram: na degradação da imagem do professor junto da opinião pública; na degradação salarial, porque, para além de congelarem as progressões, submeteram os vencimentos a sucessivos cortes; na degradação do mérito e da experiência... Por outro lado, a política de agregação e de agrupamento de escolas trouxe maior dispersão e, sobretudo, maior animosidade entre docentes, funcionários, alunos, pais e encarregados de educação...

h) Portanto, desta vez, o insucesso não deve ser atribuído, em primeiro lugar, aos alunos, pois a causa está do lado da política educativa ou da falta dela.    

 

12.7.13

A cobra e o espelho

As cobras podem mudar de pele de dois em dois meses. Se a cobra estiver ferida poderá acelerar essa mudança para reparar os "danos".

 

O discurso político surge de tal modo repleto de contradições, de inverdades e/ou mentiras, de palhaços sem máscara, de lapsos, redundantemente, involuntários, de zangas de ocasião que ficamos sem saber se o locutor de hoje ainda é o mesmo ontem.

Ao contrário do que se possa pensar, apesar do tempo ser de empobrecimento, chegou a vez da classe política ser pós-moderna, abrindo mão da construção da identidade pessoal, da identidade nacional e transnacional. 

Esta opção tem efeitos desestruturantes que desmantelam os indivíduos, as famílias, as nações... Por isso é fácil encontrar quem não se importe que ponham a causa a sua reputação - Paulo Portas, exemplo do momento.

Ora quem proclama que não se importa de hipotecar a sua reputação é quem procura livrar-se da respetiva identidade, pois a pedra de toque da vida pós-moderna não é a construção da identidade, mas a prevenção da fixação. (Zygmunt Bauman)

O político da moda mais não faz do que imitar a cobra ao desfazer-se da pele. Só que ele não procura sarar os "danos", porque ele tem horror à fixação que o espelho insiste em devolver-lhe... Espelho meu, haverá alguém mais horrendo do que eu?

 

11.7.13

O tempo já não é um rio...

I - Consta que a média nacional do exame de Literatura Portuguesa foi 10,5. Os meus alunos, pouco vocacionados para a Leitura e, consequentemente, para a Literatura, obtiveram uma média de 11,95. Pode parecer um bom resultado, mas, para mim, é um indicador de mediocridade e que legitima a decisão de não voltar a lecionar esta disciplina no ensino secundário.

E se este argumento não fosse suficiente, acabo de encontrar dois outros que, talvez, justifiquem o desencanto dos jovens desenraizados: «O tempo já não é um rio, mas uma coleção de pântanos e tanques de água.» E esta ideia é suportada por uma reflexão de George Steiner sobre os valores a admirar e a visar ativamente num mundo em que se procura «o impacto máximo e a obsolescência imediata

A Literatura é uma forma de enraizamento, de perenidade, de identidade, e não subsiste sem a duração, sem a história da duração, sem o rio em que a avezinha se despenha para ser arrastada para a foz ou alapada nalgum escolho. 

Perante isto, tomo, agora, consciência de que se quisesse continuar a ensinar Literatura teria de passar a visitar os pântanos, ciente de que a experiência seria nauseabunda, embora passageira, pois essa visita estaria condicionada por um mecanismo que a tornaria anacrónica, disfórica e inútil.

II - Andando o ministro da educação tão preocupado com as disciplinas estruturantes, como é que se explica que a média nacional da disciplina de Português (12º ano) tenha baixado precisamente no ano em que a carga horária foi aumentada em 45 minutos?

 

 10.7.13

Num estado democrático sitiado

Em 5 de Julho de 2013 escrevi: «Insisto que de nada serve viver no «mundo dos acontecimentos ocorridos». O tom era de crítica a quem permanentemente se alimenta do passado. O que eu não esperava era que o presidente da república se dispusesse a aceitar essa ideia.

Hoje, na sua comunicação à nação, o professor Cavaco nada disse sobre as causas e os efeitos da desagregação da coligação, das manobras de Gaspar, de Passos e de Portas. Limitou-se a referir a legitimidade da coligação para nos governar, não interessa se bem se mal, até Junho de 2014.

Em tom magistral, Cavaco falou do futuro, e fê-lo em tais termos que, a partir de agora, ficamos reduzidos a um bloco central de três partidos. Os restantes podem ir de férias... E quanto ao PS, ou Seguro revoga as suas exigências de dissolução imediata ou vem dizer-nos que, afinal, era em Junho de 2014 que pensava quando pedia eleições antecipadas...

Vivemos, assim, num estado democrático sitiado. E quando o presidente marcar as eleições, o melhor é a nação faltar à chamada...

Só não entendo por que motivo, o presidente levou tanto tempo a iluminar-nos o futuro, se já há muito o tinham desenhado - ele e os seus amigos da troika e da sociedade lusa de negócios.   

  

9.7.13

O meu patrão

Dizem os peritos que a canícula baixa a produtividade em 9%. Num país onde não há trabalho e, tradicionalmente, a vontade de trabalhar é reduzida, este calor abrasivo é mais um impedimento ao cumprimento do memorando assinado com a troika.

Curiosamente, o FMI veio dizer que o dia em que sair da Troika será de grande felicidade. Será que a culpa também é da canícula e consequente baixa de produtividade? No que me diz respeito, não me falta trabalho. Falta-me, sim, a remuneração correspondente!

O meu patrão entende que simultaneamente posso ser avaliador interno, avaliador externo, coordenador de departamento, membro do conselho pedagógico, membro da SAD, professor na sala de aula, em casa, virtual, organizador de visitas de estudo, classificador de provas, formando, relator ... e gastar horas e horas em reuniões, em deslocações, em balanços, a construir ferramentas múltiplas...   

O meu patrão entende que devo estar sempre disponível... e que, mesmo assim, essa minha disponibilidade não preenche as 40 horas semanais... Por vezes, o meu patrão ainda me olha de viés porque não digo que sim a todos os devaneios que lhe passam pela cabeça: cada escola um projeto educativo, cada escola um plano anual de atividades, cada escola um regulamento interno, cada escola um contrato de autonomia, cada ano um plano, cada turma um plano... E há ainda heterónimos do patrão que inventam novos projetos que se sobrepõem aos anteriores a que devo dar o meu contributo, isto é, o meu tempo...

Ora, no dia que passa, ao serviço do patrão, já fui à escola Marquesa de Alorna, à escola secundária de Camões e à escola Padre António Vieira. Sempre em transporte público sem ar condicionado, deixado à sorte na paragem sob um calor abrasador...

E ao olhar para trás, embora não veja o patrão, veja um número interminável de tarefas a que terei de dar seguimento célere, porque o patrão se está nas tintas para a canícula e para o empregado.

E depois, assim como quem não quer a coisa, o patrão, que ignora olimpicamente as condições de trabalho, ainda tem o topete de me considerar um privilegiado e deixar que a opinião pública me acuse de viver num regime de exceção.

Se o patrão tem ao seu serviço trabalhadores que não trabalham há mais de vinte anos, trabalhadores foragidos, trabalhadores madraços, então, despeça-os, e, não me obrigue, a distribuir-lhes serviço, conhecendo de antemão o prejuízo, e, sobretudo, forçando "horários-zero", antecâmera da famigerada mobilidade de pessoas que, se não trabalham 40 horas, é porque o patrão prefere olhar para o lado. 

 

8.7.13

Estou cansado...

Pode-se trabalhar um dia inteiro e chegar ao fim do dia com a noção de que o esforço despendido foi inútil. E as causas dessa inutilidade são as de sempre: desorganização, desaproveitamento e desperdício de recursos, megalomania e irrealismo, vitimização e narcisismo, faciosismo e verborreia, propaganda e manipulação...

Num mundo de regresso à luta pela sobrevivência, estes comportamentos são indicadores de que a luta pela qualidade de vida, pelo bem-estar, foi lançada em bases erradas.

Ora, presentemente, habituados à sociedade do bem-estar, deixámos de nos interrogar sobre a nossa responsabilidade no agravamento da precariedade...

Preferimos alienar essa responsabilidade, atirando-a para os ombros de um outro, cuja função é resolver cada um dos nossos problemas ou assumir cada um dos nossos erros. 

Acontece que este outro mais não é do que um feitiço cujos poderes são convocados por cada uma das tribos que se vão multiplicando um pouco por toda a parte.

Estou cansado dos tribalistas e dos seus feitiços!

 

7.7.13

Deslumbrados

Nesta rua, o calor seca as esplanadas, os restaurantes perdem o vigor; o vento deixou de soprar… Uma cor refulge, no entanto, a lembrar que a importação pode alegrar o olhar, mas acaba por destruir a genuinidade.

Deslumbrados com as soluções externas, perdemos o vigor e a cor, e deixamos que o calor nos seque as fontes…

 

6.7.13

A cena repete-se

Há dois anos, Sócrates, tendo ao lado Teixeira dos Santos em constrangido silêncio, anunciava que deixara de ter condições para governar...

Hoje, Passos Coelho, tendo ao lado Paulo Portas em constrangido silêncio, anuncia que volta a ter condições para governar...

Apesar da esperança do último tandem, a imagem não engana: a vitória será efémera, mesmo que, nos próximos dias, o presidente da república lhes estenda a passadeira laranja...

O mais grave é que a cena repete-se há uma década e já nos habituámos a viver assim, não percebendo que cada desistência, que cada demissão, que cada fuga, que cada cambalhota arruínam irremediavelmente o país.

E este laxismo vai alastrando. Na hora de legitimar a solução, o presidente da república atrasa-a...

 

  5.7.13

Sem futuro...

Apesar do tema interessar a pouca gente, insisto que de nada serve viver no «mundo dos acontecimentos ocorridos». O sucesso dos folhetins (das narrativas em geral) resulta de um acerto e/ou branqueamento de contas desnecessário.

Ultimamente, a narrativa política, sob a forma epistolar, radiofónica e televisiva, passou a estar na moda. De repente, todos sentem necessidade de reescrever a História para que ela, de tão desacreditada, não se esqueça deles.

E esta tendência para nos deixarmos prender "aos acontecimentos passados" (M. Bakhtine) resulta de uma má gestão do tempo pessoal e político.

Acabo de ouvir que os partidos da coligação já entregaram ao presidente da república a solução para os problemas que até há dias não queriam enfrentar ou que preferiam adiar. Em princípio essa solução só pode estar orientada para o futuro e, em particular, para o atalhar da penalização que nos é aplicada pelos mercados... Em termos de presente e de futuro, o que deveria estar a acontecer era a remodelação do governo, com a tomada de posse dos novos ministros ou, em alternativa, a dissolução da assembleia da república...

Mas não! Amanhã, os partidos irão a banhos de manhã e ao fim da tarde dirigir-se-ão à nação. Para quê? Para nos apresentar a narrativa dos "acontecimentos passados", para justificarem o injustificável. Quanto ao presidente da república, esse vai esperar por 3ª feira para ouvir de viva-voz a narrativa dos partidos...

Como já referi noutros "exercícios", a classe política tem uma perceção do tempo completamente desfocada e quando isso acontece a ação política torna-se criminosa. Parafraseando um ex-político: «Tenham paciência, a política é a política!»

  

4.7.13

Da gestão do tempo político

Nestes últimos dias, a gestão do tempo político revelou-se completamente inadequada à realidade dos mercados, isto é, ao tempo da especulação financeira.

Qualquer hesitação dos agentes políticos é, de imediato, aproveitada nas bolsas, deitando a perder o duro trabalho de empreendedores e trabalhadores. 

A decisão não se compadece com delongas; ela exige clareza, concertação e celeridade.

Em Portugal, a resolução da crise não obedece a nenhum destes critérios: o primeiro-ministro coloca uma "fórmula" de solução nas mãos do presidente da república, à 5ª feira, sabendo que, na 6ª feira, os mercados não perdoarão a falta de clarificação; o presidente vai reunir com os partidos na próxima semana, sabendo que os mercados continuarão a abrir na ignorância da falta de concertação...

Num estado moderno, a decisão política não pode estar à espera da realização de um congresso partidário!

Estes políticos, todos, vivem num tempo anterior à queda do Muro de Berlim!  

 

 

 

3.7.13

Da classe política

Em termos semânticos, o título deste "post" coloca-me algumas dúvidas.

Em primeiro lugar, o termo "classe" não designa adequadamente o conjunto de indivíduos que, supostamente, se ocupam do destino do país. Provavelmente, o termo "bando" cumpriria melhor a função. Em seguida, aplicar o adjetivo "política" a este conjunto de indivíduos não faz sentido, já que estes apenas se ocupam de interesses individuais, familiares, tribais, partidários; o país é o terreno onde caçam, saqueiam...

Historicamente, Abril soçobrou na construção de uma classe política responsável ou, pelo menos, deixámos que, aos poucos, ela se fosse desmantelando, de modo a permitir o aniquilamento inequívoco do estado democrático.

Sem classe política responsável não há democracia e, também, não há democracia na rua.

Aquilo a que se assiste é a um enquistamento de posições à cabeceira de um povo moribundo, quando se esperaria uma conjugação imediata de esforços para evitar a queda no abismo.

Entretanto, os abutres já estão a postos! 

 

2.7.13

Sequestro político

«O reino do inter-humano excede em muito o da simpatia... A única coisa que importa é que, para cada um dos dois homens, o outro aconteça como outro particular, que cada um deles se torne consciente do outro e assim entre em relação com ele de tal modo que o não olhe nem use como seu objeto, mas seu parceiro num acontecimento vivo...» Martin Buber, The Knowledge of ManSelected Essays (1965)

Ontem e hoje, a factologia política trouxe uma imagem do reino inter-humano totalmente contrária à defendida por Martin Buber - cada um dos protagonistas vê o outro como «seu objeto». E só essa visão objetificadora do outro nos pode justificar o estado de desnorte a que estamos a ser conduzidos.

Infelizmente, em Portugal, apesar de se discutir diariamente a formação académica, de se defender a avaliação de todo o tipo de instrução, descura-se a educação.

Sem educação, não há parceiros! E também é por isso que a política de austeridade não consegue resolver qualquer problema...

A resistência à objetificação é de tal modo frágil que um primeiro-ministro decide publicamente "sequestrar" o chefe do parceiro de coligação sem que se assista a uma revolta imediata do partido ofendido.

 

 

1.7.13

Cegarrega

  1. Chegou o tempo das cigarras! Com a queda de Gaspar, não há quem queira faltar às exéquias da formiga que tudo fez para nos espoliar ao serviço dos banqueiros internos e da troika. Creio, no entanto, que, a partir de 15 de Julho, não haverá mais espaço para cigarras.
  2. Nem eu sei por que motivo ainda fixo o nome de certos fantoches, sobretudo, quando, ao lidar com turmas de 27 alunos, tenho dificuldade em distinguir todos aqueles jovens que esperam que eu saiba reconhecer e premiar o respetivo esforço. Há quem diga que a memória é seletiva, capaz de privilegiar os afetos, as paixões..., todavia, no meu caso, a seleção parece ser de tipo masoquista...
  3. Dando expressão a um ato ilocutório compromissivo, prometo que, em nome da saúde mental, me irei abster de nomear certos fantoches...

 

30.6.13

A coexistência declarada num estado amordaçado

«Há uma coexistência declarada na manifestação de protesto (...) - uma forma de coexistência que assume a instrumentalidade como uma máscara: a razão exterior invocada só como pretexto ou apelo à comparência é necessária, uma vez que esta forma de coexistência é o seu próprio objetivo e fim principal. Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada (1995)

 

Só num Estado amordaçado é possível cercar uma manifestação de protesto sob o pretexto da razão exterior, do toque a reunir. Cercear um apelo à coexistência é não entender a necessidade de combater a política que isola o indivíduo, lhe corta os laços que o podem dignificar, tornando-o essencial ao bem comum.

O grupo é a expressão ativa da soma das vontades individuais de coexistência. Num Estado amordaçado, a alternativa à coexistência declarada é a ação direta - a anarquia.

Dentro de dias, iremos ficar a saber até onde este Estado quer chegar: se aceita a coexistência declarada ou se prefere o gesto anárquico.

No tribunal decidir-se-á quão próximos ou distantes estaremos da solução fascista.
 

 

 

 

 

 

29.6.13

Peniche, caminho sobre o pontão

Caminho sobre o pontão, e, durante alguns minutos, penso que não terei de voltar para trás e, sobretudo, penso que já escrevi que não posso regredir.

Mas não é verdade! Esgotado o betão, e não me atrevendo a lançar-me à água, olho o azul do mar dos evadidos Álvaro Cunhal e camaradas, e regresso sobre mim, contrariado, pois pressinto a traição da caminhada: um cansaço indizível apodera-se de mim e as palavras enredam-se esverdeadas num cercado abandonado…

 

28.6.13

O cerco

O mais fácil é remeter-me ao silêncio, engolir em seco, emudecer. No entanto, a luta pela sobrevivência exige que nos enraizemos nas areias movediças e que sigamos em frente.

Se os espinhos surgem no caminho é porque a esterilidade do solo assim o determina. Ao ouvir certos governantes, parece que os rebeldes germinam maleficamente de per si, e que bastará cercá-los durante horas, conduzi-los ao campus justitiae para que, humilhados, desistam de lutar pela sua própria vida.

Os transportes aéreos e terrestres podem ser paralisados durante dias; os hospitais podem deixar os doentes à porta e as cirurgias podem ser adiadas; os estivadores podem suspender o movimento de carga e descarga durante meses; os banqueiros podem deixar ocupar os seus próprios bancos por todo o tipo de escrocs; os governantes podem despudoradamente servir interesses ocultos…

…todas estas ações estão legitimadas, independentemente dos prejuízos…

…só três centenas de manifestantes não têm o direito a fazer um corte temporário de estrada se esse era, de verdade, o seu objetivo.

A igualdade é, afinal, bem desigual!

 

27.6.13

Jogos verbais

«De maneira que Rossélio não se admirou quando percebeu que nunca alcançariam o Maria Speranza, nem Shandenoor, nem regressariam a Carvangel, e também não se importou.» Mário de Carvalho, O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel, 2012 

 N'O Varandim, o espaço fechado é arrasado pela dinamite anarquista depois de uma longa disputa sobre como assegurar o melhor lugar para assistir ao enforcamento de alguns relapsos. O acontecimento leva a uma longa transformação da casa fronteira - ao negócio das vaidades sociais...

 

Em Carvangel, a sociedade move-se em torno de um desmesurado canhão e na obrigatoriedade de embarcar no Maria Speranza, não como imposição, mas como desejo coletivo ou, talvez, inevitabilidade.

À medida que a narrativa avança, a neologia cresce designando espaços e até iguarias fictícias; as próprias personagens mais não são do que reflexos ou complementos... Rossélio, sem nunca se adaptar aos jogos locais, acaba por abdicar do sentido dos atos e das coisas, percebendo, todavia, que de nada serve procurar saída ou tentar regressar.

Já nem os anarquistas conseguem combater o estado concentracionário!

 

26.6.13

Os mabecos

Ainda decorre a entrevista ao ex-ministro das finanças, Teixeira dos Santos, e já os mabecos correm para a antena. A publicidade prolonga-se enquanto lhes aparam as garras e as sobrancelhas.

O fio condutor já tinha sido estabelecido pela Judite Sousa: Teixeira dos Santos viu-se obrigado a enfrentar a teimosia de Sócrates; no calor da contenda, cortaram relações; a degradação financeira mais não seria que o resultado da teimosia e da cegueira do primeiro-ministro e do partido socialista; o colapso pouco teria a ver com a traição dos mercados e da política da união europeia...

(Já passaram 15 minutos, e os mabecos nos bastidores. A publicidade continua...)  

Quanto à cronologia dos acontecimentos, a jornalista desvaloriza-a; interessa-lhe apenas o guião da traição e do sangue; para a análise do presente, reserva dois minutos, entrecortados por várias perguntas, sobressaindo a preocupação do guionista em relação ao futuro político do entrevistado...

(A publicidade continua, dos mabecos ainda não se avistam as orelhas, devem estar sintonizados com os diretórios políticos!)

Afinal, parece que os mabecos já estão na antena ... eu é que tenho estado no "big brother" e não sabia... Ainda não percebi bem para que é que servem estas entrevistas!

 

25.6.13

Vitória de Pirro

A única expressão que me vem à cabeça ao escutar governantes, comentadores e sindicatos da educação é que estamos perante uma «vitória de Pirro». Com o "entendimento" obtido, mas sem "acordo", as tropas desbaratadas regressam ao trabalho. No entanto, daqui a um mês, já será possível perceber que faltarão milhares de horas para cumprir as promessas de hoje.

E nada disto faz sentido quando a notícia é que o deficit, no 1º trimestre, ultrapassou os 10%.

Vivemos em tempo de promessas e não faltam por aí fervorosos crentes...

 

24.6.13

Silva Carvalho e Mário de Carvalho

«O real não é uma manifestação da matéria. / O real é a matéria de onde irrompem as coisas.» Silva Carvalho, LogoSó Há História, 2013

 Silva Carvalho é um escultor da palavra que nos pode deslumbrar se tivermos tempo para nos fixar nessa casca rude da matéria de que irrompemos. Como ele há muito poucos! Presentemente, vou lendo Mário de Carvalho (O Varandim / Ocaso em Carvangel, 2012), para quem a reconstituição de léxicos específicos é um modo de reconstituir atividades extintas e/ou longínquas.

Não sei se estes dois escritores se frequentam, mas creio que ambos, cada um à sua maneira, vivem obsessivamente a captura do real, da matéria na sua extensão e duração.

De momento, não me sinto autorizado a ensaiar um comentário mais aprofundado. Mas sinto que ambos merecem ser lidos atentamente, apesar de saber que os leitores preferem uma língua simplificada, esburgada de referencialidade.

Na verdade, vivemos num tempo formatado, que, apesar da globalização, ignora a duração (História) e prefere o GPS.  

 

23.6.13

Uma rara e madura subtileza

Ontem, o Governo reuniu no Mosteiro de Alcobaça para fazer o balanço dos dois últimos anos. Ainda não percebi se houve balanço, mas penso que o objetivo real seria sublinhar o contributo da Ordem de Cister para o incremento da Agricultura. 

A propaganda da ministra Cristas tem, de facto, dado expressão à ideia de que a refundação de Portugal já se está a processar nas bases sólidas e líquidas que tanto agradavam aos cistercienses que se instalaram entre o Coa e o Baça.

Na minha modesta opinião, apesar do atraso do ministro Crato (explicado pela inépcia da atual cavalaria - Ordem dos hospitalários), o objetivo oculto de ontem era promover a refundação de Portugal e da ginja de Alcobaça.

Infelizmente, os nossos comentadores políticos e facebookianos não entendem que a informalidade do porte governativo esconde uma rara e madura subtileza de pensamento estratégico. 

Por outro lado, o Governo do Passos Coelho(s) também pode ter querido dar um sinal de inteligência um pouco mais tétrica. A exemplo de D. Pedro I, pode ter decidido simular a sua própria trasladação para Alcobaça.

Afinal, parece que há por lá o petróleo necessário à iluminação do grandioso traslado que não deixará de ocorrer logo que haja novo rei e já agora novos comentadores. 

 

22.6.13

Da falta de rigor...

«As consequências de uma escolha, de um modo geral, duram mais tempo do que a autoridade que aconselhou a fazê-la...» Zigmunt BaumanA Vida Fragmentada - Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna, 1995.

 

Não sei se é verdade, mas consta que a greve às avaliações irá continuar, pois os sindicatos terão consultado 10.000 professores que se terão pronunciado favoravelmente. Desses 10.000, não sei quantos têm classificações por atribuir e, sobretudo, não sei quantos dos que não foram consultados se apresentarão, 2ª feira, nas escolas, com vontade de concluir o processo avaliativo. Sei, no entanto, que muitos dos que ficaram por ouvir se irão sentir pressionados e defraudados.

Claro que, nestas matérias como noutras, há sempre o argumento de "quem cala consente". Mas será mesmo assim? Será que um dia destes o "feitiço não se irá voltar contra o feiticeiro"?

A cultura popular é, por natureza, ambígua e pouco rigorosa. À sua maneira, também aprecia a estatística!

 

21.6.13

E se deixássemos de pensar?

Se deixássemos de pensar seríamos inevitavelmente felizes. A teoria é de Pessoa "pensar incomoda..." Os heterónimos pessoanos foram inventados para nos dizer que 'há demasiados argumentos para cada facto' ou que, em Portugal, 'não há pobres', apenas 'alguns necessitados, mas com capacidade de poupança'...

Há mesmo um bispo (das forças armadas) que nos quer convencer que Salazar não diria melhor! Pobre bispo ou talvez não, pois o seu bispado ainda não foi extinto. Pensa o senhor bispo que os governantes se escandalizariam com a comparação, mas engana-se. Eles apreciam o pensamento integralista.

Se deixássemos de pensar, o mundo estaria mais harmonioso: não haveria guerra na Síria, conflitos na Palestina, fome em África, revolta nas avenidas das grandes cidades do Brasil e da Turquia, monções catastróficas na Índia...

...até o vento teria deixado de soprar!

 

  

20.6.13

Estranho o rigor ou a falta dele

Numa época em que o MEC privilegia a dimensão científica, não deixa de ser estranho que, no Grupo I da Prova de Literatura Portuguesa (1ª fase, 2013), o aluno não seja inquirido sobre o HIBRIDISMO da cantiga de amor de D. Dinis: «Senhor, eu vivo coitada / vida...».

Se eu, avaliador externo, observasse uma aula em que a referida cantiga de amor fosse objeto de trabalho, não deixaria de estar atento à ciência do professor quanto à descrição da poética de Dinis, designadamente à "contaminação" da cantiga de origem provençal pela cantiga de amigo...

Quem se der ao trabalho de ler o "cenário de resposta", verificará que nada é apontado sobre a presença do refrão, da finda, da organização, da métrica... e estou convencido, embora ainda não tenha lido qualquer resposta que os alunos acabarão por ser prejudicados pelo modo como este problema é descurado na abordagem desta composição.

 

19.6.13

«Como de costume»

«Enquanto nada ou ninguém nos impede de fazermos «como de costume», poderemos continuar assim indefinidamente.» Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada

Na Rua dos Actores, Portela LRS, parece haver quem queira contrariar a rotina. Resta saber porquê. E já, agora, conhecer o desenvolvimento que dificilmente trará a felicidade, como nos quiseram convencer todos aqueles que nos inundaram de fórmulas mágicas como a História e a Razão: «a Razão da História, ou a História como obra da Razão, da Razão que chegava a si própria através da História.» Op.cit.

As fórmulas mágicas da modernidade capitularam diante da lei inscrita no sistema competitivo da economia global: maximizar os benefícios económicos.

De acordo com esta lei, o que os filósofos, os historiadores, os professores e os pregadores dizem pouco conta, por mais que estejam convencidos do contrário.

Começo a ficar convencido que este meu vizinho também decidiu mandar às urtigas a ética, rompendo com o «costume», ao estacionar a viatura no meio da rua, dificultando a tarefa aos restantes automobilistas e, sobretudo, bloqueando a saída vá lá saber-se de quem! Mas ele sabe…   

 

 

 

 

18.6.13

As consequências de uma escolha

«As consequências de uma escolha, de um modo geral, duram mais tempo do que a autoridade que aconselhou a fazê-la...» Zigmunt BaumanA Vida Fragmentada - Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna, 1995.

Na vida pública, a autoridade faz, em nosso nome ou por capricho, escolhas que, no momento, parecem auspiciosas, mas que se revelam fatais. Entretanto, o decisor põe-se a milhas e nós ficamos irremediavelmente reféns do nosso deslumbramento inicial.

A assunção da responsabilidade deixa de se colocar, pois, afinal, a autoridade beneficiou da nossa cumplicidade. E como tememos o Caos, delegamos a resolução do problema em nova autoridade que, não se fazendo rogada, nos cobra os desmandos da autoridade anterior...

E tudo como observava, em 1982, Cornelius Castoriadis: «Os seres humanos não são capazes de reconhecer o Caos, não são capazes de se confrontar de pé com o Abismo.» Isto é, o ser humano prefere a cartilha, a Ordem!

Nos últimos dias, em Portugal, o combate, em nome da designada 'escola pública', fez-se em nome da Ordem, ou melhor, a batalha colocou frente a frente duas ordens de interesses que pecam por não assumir a responsabilidade de escolhas que, com o tempo, se revelaram fatais para as gerações atuais e futuras.  

 

17.6.13

Prova de Português 12º Ano

Lê-se a Prova 639 / 1ª fase, e fica-se com a ideia de que ela só pode ter sido elaborada por uma mente urbana e caprichosa.

Fernando Pessoa vale 100 pontos! Como diria David Mourão-Ferreira: «Tanto Pessoa já enjoa!» Na verdade, quem melhor do que o heterónimo Ricardo Reis para nos ajudar a vencer a crise! E, sobretudo, parece não restar qualquer dúvida de que o grande tema de Alberto Caeiro seria a Natureza! Pessoa bem tinha avisado, no poema "Autopsicografia", que o leitor tende a cair no vazio e na idiotia.

Será certamente pelo mesmo motivo que António Lobo Antunes diz (Grupo II): «Quem tiver olhos que leia, quem não conseguir ler, desista.»

E de facto utilizar a "crónica" desta autor para elaborar um medíocre questionário de escolha múltipla só pode ser sinal de falta de olhos, de cegueira! Há por aí tantos textos informativos disponíveis para esse exercício!

Já no Estado Novo se aproveitava a epopeia "Os Lusíadas" para testar o conhecimento de Gramática, em particular da Sintaxe, porque isto de explorar o sentido do texto pode ser subversivo...

E quanto ao III Grupo, vai ser muito interessante avaliar o espírito crítico e transformador da sociedade na perspetiva dos jovens que, hoje, realizaram esta prova, quando muitos outros o não puderam fazer!

E como diz o ministro Crato, no dia 2 de Julho haverá mais. Vamos ver se Pessoa continuará a valer 100 pontos ou se os irá partilhar com Camões... A fórmula do GAVE manter-se-á, não tenho dúvida!

 

16.6.13

Não vá o coração estoirar de cansado

Com tanto saber, tanta convicção e certeza à minha volta, mais vale ficar calado não vá o coração estoirar de cansado.

Entretanto, apoquenta-me que um ministro, na véspera de uma greve nacional, não seja capaz de sentar todos os sindicatos à volta da mesma mesa, preferindo esticar a corda na expectativa de sair vencedor de um jogo em que, na verdade, quem perde são os alunos...

(...)

As conversações deixaram de ter fio condutor, ou, em alternativa, cada interlocutor segue o seu. Que sentido faz haver, pelo menos, nove sindicatos para representar os professores? Basta olhar para a forma para perceber a ineficácia organizacional!

Por outro lado, o silêncio dos alunos também me incomoda! Tão ávidos dos seus direitos, desta vez parece que abdicaram de erguer a voz... e não me venham dizer que este tipo de silêncio é solidário.

(...)

O ponto em que nos encontramos mais não é do que o indicador da degradação do sistema educativo que paulatinamente foi destruindo e/ou marginalizando a inteligência.

 

15.6.13

Contra o dictat de um iluminado

Milhares de professores desceram do Marquês de Pombal à Praça dos Restauradores, vindos de todo o país para dizer NÃO! Fizeram-no a um sábado depois de terem passado uma semana à espera de que o ministro Crato decidisse dar início a um diálogo rigoroso e sério – adiaram as reuniões de avaliação dos seus alunos, cientes do prejuízo para a comunidade educativa, e preparam-se para fazer greve aos exames no dia 17. No íntimo, nenhum destes professores quererá fazer esta greve! No entanto, muitos acreditam que este é o caminho para fazer estancar a política de terra queimada em curso…

(Infelizmente, eu temo que o problema seja mais profundo e mais global: o neoliberalismo vai lançando um pouco por toda a parte as sementes que conduzirão a uma guerra sem quartel. O que, no meu entendimento, nos obriga a procurar outras armas – as da inteligência – para desmontar o discurso obscurantista dominante. Por isso, não estou tão seguro de que a greve aos exames seja o argumento mais lúcido no combate que nos espera…)

Entretanto, seria bom que o ministro Crato abandonasse a estratégia divisionista que tem seguido até ao momento. Em matéria de educação, desde o início da legislatura, que temos assistido ao dictat de um iluminado que faz tábua rasa da experiência acumulada. É como se antes de ele nada mais houvesse do que o caos!

 

14.6.13

Muda-se a lei...

Sobre a greve aos exames, Passos Coelho dixit: Muda-se a lei e o problema fica resolvido!

Os tiques de autoritarismo do governante deveriam ser combatidos com um simples slogan: Muda-se o Passos e o problema fica resolvido! Mas não! Sobre o assunto, o Seguro não se pronuncia, limita-se a apelar ao consenso.

Contra o autoritarismo e o oportunismo, irei participar na manifestação de amanhã, 15 de Junho. Será a 2ª vez que o faço desde abril de 1974. Em 1974, o motivo da minha participação foi de aplauso, amanhã será de rejeição. 

A partir de 2ª feira, deixarei de fazer greve, e tomo esta decisão porque não possa pactuar com a vacuidade das ideias (das soluções) ou com qualquer forma de messianismo, seja ele de direita ou de esquerda.  

   

13.6.13

A dieta e a política

Gosto do cartaz! O futuro ex-presidente, entroncado e pujante, faz avançar o delfim, um pouco mais magro, mas que já partilha a gravata e o alfaiate…Um dia partilhará a gordura, mas sem sinal de colesterol ou de triglicerídeos. É uma gordura fina, porcina…, mas nobre!

E não posso deixar de me sentir confiante: nenhum deles passou fome até ao momento! Eu aprecio um autarca rotundo à entrada de uma qualquer rotunda. É sinal de prosperidade!

Entretanto, quando olho para o Borges, para o Passos, para o António Saraiva…, preocupa-me aquela magreza. Será da dedicação à causa pública? Estarão doentes? Ou também haverá uma magreza fina!  

E, finalmente, não consigo enquadrar nem o Cavaco nem o Gaspar! Lembram-me o Salazar! Chova ou faça sol, estão sempre na mesma…

 

 

 

12.6.13

Sobressaltos

Hoje bem poderia ficar em silêncio! No entanto, vou dar conta de situações que me perturbam:

a) Na Grécia, o Governo manda encerrar o serviço público de televisão e de rádio porque custaria 100 milhões de euros aos contribuintes. A Comissão europeia, entretanto, sacode a água do capote, mas a Troika está no terreno. Em Portugal, o ministro Maduro esclarece que, quanto à rádio e televisão públicas, não corremos qualquer risco. Que se saiba a Troika chega mais tarde a Portugal!

b) Em Estrasburgo, o Presidente Cavaco disserta sobre a situação portuguesa com clareza, mas também com a certeza de que o nosso destino está nas mãos da Alemanha. Ali, em Estrasburgo, os motores da economia deixaram de ser a agricultura e o turismo.

c) Em Santarém, deliciados com as primícias, os bovinos, os caprinos, sem esquecer os ovídeos, os láparos e os porcinos, Coelho e Cristas percorrem a Feira da Agricultura.  Algo assombrava, contudo, o primeiro-ministro: uma qualquer comissão arbitral ousou contrariar a vontade do ministro Crato.

d) Um Despacho normativo sobre a organização escolar 2013-2014 continua à espera de publicação oficial. É constituído por 29 páginas. Há lá matéria que vale a pena ser debatida e considerada, mas ninguém quer saber disso!

e) Em matéria de avaliação externa, há tal confusão que os Diretores de certos Agrupamentos de escolas se permitem fazer tábua rasa de procedimentos e de prazos definidos em decretos regulamentares.

(...)

 

11.6.13

Em greve...

Como o governo neoliberal do senhor Borges tudo quer privatizar em troca de empréstimos que só servem para destruir os povos, vejo-me obrigado a entrar em greve.

Não sou daqueles que pensam que a culpa é do Sócrates, do Cavaco, do Coelho ou do Gaspar. Eu penso que a responsabilidade é da doutrina neoliberal que, depois de ter destruído a América Latina e a Europa Central e do Leste, decidiu destruir parte da Europa Ocidental.

Custa-me até aceitar que, neste contexto de greve às avaliações, haja dirigentes que olhem esperançadamente para S. Bento ou para Belém. Esses dirigentes sabem perfeitamente que os Passos e os Cavacos por mais promessas que façam estão de mão atadas, tal como todos nós!

Eu, por exemplo, estou em greve e, ao mesmo tempo, passei todas estas horas a preencher o anexo II da avaliação externa de dois docentes. Isto é, estou em greve e ao mesmo tempo ao serviço de um patrão que aluga gratuitamente os meus serviços, porque sabe que nunca os pagará.

Esta é a essência do neoliberalismo que, caso os meus serviços valessem alguma coisa, estaria disposto a vendê-los a um país "amigo".

No final, estaremos todos mais pobres e os "amigos" bastante mais ricos!   

 

10.6.13

Este é o dia da situação

Este é o dia em que não citarei Camões nem qualquer outro poeta ou prosador. 'Citação' e 'situação' confundem-se e estão nas praças para celebrar um outro povo que não este!

Este é o dia em que poderosos e incógnitos assessores percorrem à pressa as estantes à procura dos versos que melhor dão conta da glória passada e da prosápia presente.

Este é o dia em que o presidente não deixará de citar os ilustres e incógnitos assessores porque a legitimação da situação assim lhe convém. 

 

9.6.13

Duas instalações na Gulbenkian

Hoje fui à Gulbenkian! Ao atravessar o jardim, deparei com uma “instalação” em construção. Um projeto de cabana para dar conta da nossa imagem de África. Só faltam os nativos!

Lá dentro, uma outra “instalação” CLARICE LISPECTOR – A HORA DA ESTRELA. A leitura reduzida a enunciados murais destacados das obras. Uma entrevista à autora, em monólogo interior, sobre estados de alma em torno da transparência vs. hermetismo do discurso.

Mais do que o conhecimento da obra, o que ganha monumentalidade é o enorme gaveteiro que o visitante pode abrir para observar obras e manuscritos vários da correspondência da autora.

Em comum às duas “instalações” a preocupação em despertar o deslumbramento visual!

Quando a pobreza cresce, o barroco ganha terreno…

 

8.6.13

O inimigo invisível

«Perguntam-me qual é o fio condutor da narrativa. Não há. Nem na vida, quanto mais no sonho.» Manuel Alegre, Tudo É e Não É, pág. 83.

 

A encenação atravessa todo o romance: o autor, ao querer inscrever-se na História (op.cit.74 - eu sou um homem de esquerda, sou português, chamo-me António Valadares), não descura o leitor, manipulando-o.

Apesar de o leitor saber perfeitamente que não controla o fio da vida e que, ainda, não consegue interpretar cabalmente o sonho, mesmo que, para isso, se socorra da psicanálise, o autor deliberadamente caricatura o amigo Miguel Varela, psiquiatra amigo... textualmente, mais psicanalista do que psiquiatra. (O autor finge não saber que os domínios e as terapêuticas são distintas)!

Dizer que não há fio condutor para esta narrativa é um logro! Não há narrativa sem fio condutor! No caso há vários, mesmo que seja necessário recorrer a Ariadne.

 Um dos fios tem como ponto de partida o inimigo invisível (op.cit. 28) cuja ação se alarga, a cada capítulo, por efeito da mão invisível:

a) «Ninguém sabe. E por isso todos somos perseguidos, atacados, cercados sem saber por quem, inimigos desconhecidos, mão invisível.» (op.cit. 61)

b) «A mão invisível está a destruir a harmonia do homem com o homem.» (op.cit. 76)

c) «Há momentos em que a cidade se confunde com os rostos das pessoas. (Mas não só no sonho.) Nem o sol de Lisboa as ilumina. A mão invisível parece ter cortado a cor e a luz. Como combater este invasor sem legitimidade e sem rosto?» (op.cit. 114)

d) «A mão invisível aboliu a honra, aboliu a alegria, está a abolir a vida.» (op. cit.115)

e) «E o Mão Invisível, que se mostra pouco, mas está por detrás das novas formas de investida, na rádio, na imprensa, na televisão, nos cortes, não apenas dos salários, mas do sossego em que as pessoas estavam postas. E da esperança, palavra tantas vezes repetida, dia a dia assassinada.» (op. cit. 187)

Não há narrativa sem fio e consequente ponto de partida. Nesta, o longínquo inimigo invisível da partida acaba como Mão Invisível, mas bem próximo, pronto a assassinar a esperança.

 

6.6.13

Tudo é...

Hoje não vou dissecar o último romance de Manuel Alegre "Tudo é e não é " até porque já é difícil interpretar os sonhos quanto mais esquematizar uma narrativa que, aparentemente, procura reproduzir uma sintaxe onírica.

O título é adequado não só à ambiguidade da linguagem dos sonhos, mas sobretudo ao momento que vivemos, em que nada é seguro, tudo muda sem regresso. E nesse aspeto, o título promete, porém, a leitura desarma, pois as referências ao presente são subtis, apesar de alguns enunciados parecerem revelar o contrário:

 

«O Medo. Sim. O Medo, com maiúscula. O Medo desconhecido, do inimigo invisível, do não saber para onde se vai nem o que pode acontecer.» 

 O protagonista António Valadares, a espaços, expõe o pensamento do Autor. Mas fá-lo de forma tímida e estereotipada:

 «Ultimamente tenho criticado os mercados, as agências de rating, os fundos de investimento, os especuladores e os poderes ilegítimos que se sobrepõem à democracia e à soberania dos Estados

Embora possa estar errado na análise da narrativa, uma das linhas de força deste romance é a ação política, mas como é comum em Manuel Alegre, ele prefere o passado ao presente, prefere inscrever-se na história, chegando ao ponto de semear farpas como acontece no seguinte caso:

 «No uso da palavra está um dos meus piores inimigos políticos, do meu próprio partido, claro...»

 E em matéria de linhas de força, há que estar atento à literatura e ao cinema com o constante recurso à citação e ao intertexto.

Por hoje, mais não acrescento, mas prometo regressar ao fascínio do autor pela literatura, pelo cinema e, também, pela música, sem esquecer a caça e o desnecessário marialvismo que lhe estraga o bom gosto.  

 Em síntese, creio que esta narrativa dos sonhos poderia ter explorado com mais profundidade o MEDO que cresce a cada momento...

 

5.6.13

O medo e a angústia

Depois do ministro Crato ter afirmado que detesta tomar decisões para a vida, hoje o primeiro-ministro veio dizer-nos que não tem medo de nada!

Não sei se o cidadão Passos Coelho concordará com o primeiro-ministro...

No dia em que o cidadão Passos se vir afastado do poder, talvez acabe por descobrir a angústia de ter perdido os amigos, os padrinhos, os compadres e quem sabe se não acaba por descobrir a angústia daqueles que vão caindo dia a dia no desemprego.

Ao contrário do primeiro-ministro, há cada vez mais portugueses angustiados e com medo. É, também, por isso que os professores decidem fazer greve aos exames, pois há muito que estão angustiados e com medo. A ideia de que os professores estejam divididos não passa de um fantasma de quem teme que os professores acabem por descobrir que não examinaram com o rigor necessário a geração parasita que hoje nos governa. 

 

 

 

4.6.13

Crato na antena

«E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!» Álvaro de Campos

Oiço o ministro da educação e interrogo-me sobre a qualidade da sua argumentação e apetece-me desligar da antena. Porquê?

Porque um homem que está disposto a negociar com os sindicatos, um homem que acredita que muitos professores estão divididos, um homem para quem o mais importante é não defraudar os alunos e as famílias, esse homem deveria estar a esta hora a discutir uma proposta escrita, devidamente fundamentada, com os professores... Mas não, prefere a vacuidade, falar de tudo e de nada...

Qualquer estudo de conteúdo da entrevista que está a dar na tvi24 mostrará que, no estilo "toca e foge", este ministro se revela incapaz de desenvolver uma única ideia ... e lá vai insistindo na "divisão", na "angústia" dos professores...

 Pelo menos, fica a garantia de que o ministério está a poupar na água, na luz, nos edifícios, nos transportes, nos professores, nos auxiliares, nos administrativos, na escola pública...

Desisto

 do mais e do menosdo olhe-sedo estamos a trabalhardo olhe como a escola está decorrerda outra ordem de problemasdos dramas - tudo foram dramas! da média, de 28 para 30 foi 2... do não quero falar sobre issoda correlação... dos professores que tiveram de se fazer... às vezes, falo muito, mas gostaria de terminar uma ideia... se há um problema, lá vem o telejornal...

 E como o senhor ministro detesta tomar decisões para a vida, amanhã tudo poderá ser diferente! Até porque o senhor ministro já não quer implodir o ministério...

 

 3.6.13

Na quinta democrática

De repente, a notícia dá conta da proliferação de vacas: umas, sagradas, outras, gordas e outras, ainda, magras. Os bezerros desataram à marrada na esperança de desalojar os velhos sacerdotes do templo democrático.

Compreende-se! Com a chegada do verão, o pasto vai secando e minguando.

Ainda pensei que seria mais adequado intitular este post “No estábulo democrático”, mas lembrei-me que deixaria de fora os coelhos, as doninhas e os ratos de cidade…

 

 

 

2.6.13

Um sorriso desdentado

Rari quippe boni... Juvenal, Sátira III

Só posso concordar com Juvenal: As gentes de bem são raras!

(Estação do Oriente, Autocarro 728. Destino: Portela)

O autocarro, vazio, entra ao serviço. 7 passageiros dispersam-se. No fundo do articulado, 20 lugares vazios. Só um lugar, junto à porta, é ocupado por uma rapariga entretida com o smartphone... 

Entretanto, um sujeito, atarracado, cabelo cortado à escovinha, aproxima-se da jovem e senta-se ao seu lado. Procura o contacto e simula uma desculpa. A perna esquerda balança sempre na mesma direção, os olhos sorridentes perscrutam o ecrã e, subitamente, os olhos dela interrogam-se, e ele desfaz-se num largo sorriso desdentado - faltam-lhe dois dentes!

A jovem refugia-se mais uma vez no smartphone, a perna esquerda procura o encosto, o braço esquerdo passa repetidamente a mão pelo que sobra do cabelo, os olhos gulosos somem-se na passageira. 

Percurso terminado, o passageiro contrariado sai, não sem antes se voltar num gesto obsceno. 

 

1.6.13

Se olharmos bem…

Se olharmos bem, veremos que a Igreja se preocupa com a solidez da Cruz, não vá ela desabar sobre os fiéis! Sem a cruz o que seria de nós!

Se olharmos bem a toponímia deste país, veremos que a visão bipolar é antiga. Tem, no entanto, um mérito: diz-nos que o sacrifício é rapidamente esquecido.

 

31.5.13

Visão bipolar

Nestes dias em que as ideias se repetem, espanta-me que, num mundo tão vasto e com tantas mentes, não surjam soluções para os problemas que nos ocupam. E o que mais me admira é a visão bipolar que nos carateriza.

Ou estamos a favor ou estamos contra! Quando posicionados, levamos a fé (a convicção) até aos limites, sem percebermos que o fundamentalismo mais não é do que a base da guerra santa.

Como deveríamos saber, a morte das sociedades é o efeito maior de qualquer guerra santa.

 

Nos últimos dias, os sinos têm repicado a apelar à guerra santa. Compreendo que o Dr. Mário Soares procure levantar o povo contra o governo e contra o presidente da república, mas não entendo que as vozes que o acompanham não apresentem de imediato um programa de ação a ser amplamente debatido.

Aparentemente, ainda há mentes capazes de investigar rigorosamente o passado, apontando os erros. Mas essas mentes afastam-se da luz quando se trata de pensar o presente e o futuro. Entrincheiram-se ao longo da linha maginot.

E esperam pelo Redentor! Para o Dr. Mário Soares já é tarde! A não ser que ele seja o novo S. João Batista! E nem lhe falta o cordeiro...

 

30.5.13

Sob ameaça...

Vivemos sob ameaça!

O Governo ameaça atirar para o desemprego e para a miséria uma boa parte da população e encontra justificação na necessidade de prestar contas a quem nos empurrou para a presente situação... Ameaça deixar morrer os doentes e acelerar a morte dos idosos porque mais não são do que uma fardo para a comunidade... Ameaça baixar os níveis de instrução e de cultura, empurrando os jovens para a delinquência... O Governo diz que reduzidos os postos de trabalho e os vencimentos, mortos os doentes e os idosos, alienados os jovens... teremos um país refundado!

Do outro lado da barricada, a oposição pede a demissão do Governo, mas não diz como é que vai resolver os problemas criados ao longo das últimas décadas...

E os sindicatos estão felizes, cada vez mais unidos, preparam-se para ajudar o governo a poupar uns milhões de euros, e para deixar o país ainda mais destroçado. Por exemplo, quem é que ganha com a greve do METRO de hoje? Os trabalhadores? A empresa? Os passageiros? A economia?

Infelizmente, há perguntas a que ninguém quer responder! Há responsabilidades que ninguém quer apurar? 

Um destes dias, damos as mãos e inventamos novas caravelas que nos levem de vez à Ilha Perdida...

 

29.5.13

A décima irrelevante

Há muito que a décima me surge associada à extraordinária meditação de Camões:
Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
(...)

Claro que a polissemia da palavra já me tinha confrontado com outros significados: Já os meus avós, que da Babilónia e de Sião só conheciam a lição bíblica, se queixavam da obrigação de pagar a décima. E depois havia a décima parte de qualquer coisa...

 Hoje, no entanto, despertei para a décima do Dr. Gaspar, que, asnaticamente, nos vai explicando que a projeção da OCDE, superior em três décimas à do Governo, é irrelevante.

Os interlocutores ouvem, registam e replicam os sofismas ministeriais sem se interrogarem sobre os efeitos de cada décima em termos do aumento do número de desempregados e do empobrecimento do país.

Bom seria que o Dr. Gaspar fosse capaz de quantificar a décima!

 UMA DÉCIMA = + 50.000 desempregados(?)

UMA DÉCIMA = + 100.000 pobres (?)

 

28.5.13

O rumor das águas

(Na hora em que as palavras tecidas de luz são já a noite.)

Ainda há quem pense que o encanamento das águas é a melhor forma de controlar os aluviões, mas estes, resolutos, rompem os diques e arrastam tudo à sua volta…

Por tudo isto entendo que há momentos em que mais não devemos fazer do que ouvir o rumor das águas porque, ao fazê-lo, adiaremos a chegada à foz.

No caso dos rios, de nada serve a estratégia do contrafogo! Aos rios há que deixá-los fluir livremente…

As águas misturam-se e num caudal único correm para a foz. A junção dos rios contorna a sedimentação externa e não exige qualquer tipo de mediação.

O Caso de Barbacena

O Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica realizou, ontem, a apresentação da obra O Caso de Barbacena: um pároco de aldeia entre a Monarquia e a República da autoria de Margarida Sérvulo Correia.

Na perspetiva do prof. João B. Serra, esta obra deve ser classificada como um ensaio biográfico sobre a vida do Cónego João Neves Correia, mas que abre caminho a uma melhor compreensão do modo como a Igreja Católica intervinha nas questões que opunham o povo, na defesa do direito ao uso comunitário do solo, aos interesses dos latifundiários que se iam apropriando das terras, condenando a população à fome ou à emigração.

Desde já agradeço à professora, investigadora e amiga Margarida Sérvulo Correia o convite que me fez para estar presente na apresentação da sua nova obra, convencido que, em tempo oportuno, voltarei a referir-me ao seu contributo para um melhor esclarecimento de questões que, se bem analisadas, poderão ajudar a melhor compreender as desigualdades que ainda hoje minam a sociedade portuguesa.

 

26.5.13

Nem sombra de areia na Praia do Matadouro - Ericeira

Nem sombra de areia na praia do matadouro. Só vento frio! A situação pode parecer ocasional, mas duvido.

O parque de campismo da Ericeira está quase vazio, o percurso pedonal ao abandono. Na autoestrada, Ericeira – Lisboa e vice-versa, quase ninguém: um ou outro veículo com marcas de final de taça (de Portugal? da Liga?) ventosa lá para o Jamor!

Um regresso antecipado, mas tranquilo! Ruas desertas, o quiosque dos jornais vazio, só na boutique do pão, a fila cresce desmesuradamente, talvez, porque já só sobra para enganar o estômago.

Enquanto isso, vou lendo os títulos da imprensa online. A maioria vai dizendo que os portugueses estão no bom caminho! Só se for o dos defuntos!  

 

25.5.13

Aqui chegado…

Aqui chegado, de pouco me serve a revolta ou o compromisso.

O caminho que me falta percorrer exige que olhe atentamente o solo onde coloco pés e que não desperdice energia, pois o vento se encarregará de aproveitar qualquer distração.

É mais fácil lançar-se ao mar do que regressar!

 

24.5.13

Um banco vegetal

No caso de morar ali alguém será por pouco tempo. Todavia uma coisa o desalojado terá assegurada: um banco vegetal! Pode parecer pouco, mas tem assento e espaldar para poder descansar e, se quiser dormir, a enxerga é de relva aparada.

E como há quem diga que o futuro a deus pertence, fico-me pelo presente!

 

24.5.13

7 não rima com 17!

7 não rima com 17! Uma greve no dia 7 de junho em vez do dia 17 não tem qualquer impacto. Será compensação pela redução do raio da mobilidade? Mobilidade que não pode ultrapassar os 65 quilómetros, grande vitória!

Parece-me, até pelos ilustres antecedentes, que alguém irá ser nomeado brevemente para um dos anexos do poder. Resta saber, quem e para onde!

 

23.5.13

Uma película muito fina...

Há quem, preocupado com o futuro da língua portuguesa, organize um «encontro mundial» em Paris. Estranha escolha! A velha Sorbonne continua a cativar paisanos deslumbrados com a cidade da luz...

O "futuro da língua portuguesa" é um tema promissor, mas, no meu entender, melhor seria que se olhasse para o presente da língua nos lugares onde ela se realiza, no significado das variedades do português e no modo como estas consolidam ou inviabilizam a construção de identidades culturais.

Basta entrar numa sala de aula para perceber que a língua está reduzida a uma película muito fina que nada conserva da sua génese, da sobranceria do colonizador, da revolta do colonizado e das tentativas de diálogo entre grupos de matrizes bem distintas. A dimensão histórica da língua é ignorada a cada passo e esta não passa de um tolo catavento.

Se não arrepiarmos caminho, a "língua portuguesa" não terá qualquer futuro, a literatura tornar-se-á incompreensível, ficando apenas ao alcance de uma minoria, as pontes de diálogo quebrar-se-ão.

Não se trata já de saber se continuaremos a falar a mesma língua, mas se nas últimas décadas não matámos a língua portuguesa, pelo menos na variedade europeia.

A escolha de Paris para realizar o "encontro mundial" é já um indicador seguro da competência de quem gere a política da língua portuguesa.

Mas compreende-se! Haverá sempre quem prefira Paris, Berlim, Londres, Nova Iorque, Camberra, Pequim, Tóquio...  

 

 

 

 

22.5.13

Lisboa, às 14 horas…

Quatro tempos! Do fontanário monumental ao pink! No intervalo, o pragmatismo de Ventura Terra, já distante do espiritualismo, mas ao serviço da res publica. Entretanto, houve tempos em que no templo se defendiam ideias semelhantes às do falanstério socialista.

Hoje, o rosa alastra, só o consumo interessa! No entanto, às 14 horas, as ruas da cidade estão quase desertas…

 

21.5.13

Misérias

Irrequietos, olham para trás, galhofam baboseiras e soltam risinhos cúmplices, senhores de um saber temporão.

Sem pudor, desaproveitam as palavras da experiência e da ciência, preferindo exibir a brutalidade e a boçalidade de ações, cujas consequências, por princípio, nunca aceitam.

Apressados, olham as horas como se elas lhes fossem mais favoráveis no pátio ou na mortalha de um cigarro.

Quando chamados ao palco, repetem receitas apressadas ou, simplesmente, emudecem, incapazes de ter e desenvolver uma ideia.

"Copiam" e "colam". Vivem em rebanho, não precisam de pastor!

 

20.5.13

Vidros esfumados

Passamos, mas não vemos; sobrevoamos, mas não vemos! É aqui ao lado!

O tijolo e o zinco a descoberto esperam novos moradores. Há até um cadeirão para os mais snobs ou para os mais cansados.

Os governadores em ano de eleições mandam pintar as fachadas. A faixa da Gebalis já está a ficar vermelha… e mais perto do Tejo, lá para Belém, os conselheiros irão ver e ouvir tachos e panelas! Ou talvez não!

Os vidros começaram por ser blindados e agora são, também, esfumados…

 

 

 

 

19.5.13

"Última Vontade" de Ruy Belo

(Para a Teresa Belo e para os meus alunos de Literatura)

Já sabíamos que havia um deus desconhecido (Ignoto Deo) na poesia de Almeida Garrett e de Antero de Quental, hoje encontrei-o em ÚLTIMA VONTADE de Ruy Belo:

 Quando a sereia se ouvir

no coração desolado como uma cidade

recorda que te procurámos através das árvores

E tu escondias-te por trás dos frutos

e recolhíamos as mãos

cheias apenas de tempo

Sempre brincaste connosco

desde os dias da nossa juventude

Puseste-nos nos olhos

estação sobre estação e a vida dava as mãos

de árvore para árvore à volta da terra

Ia de ramo morto para ramo vivo

como um pássaro mais e nós ríamos

na tua transparência

 

Fechem-se-te agora os lábios

sobre a palavra que somos

Perdoa se algum dia

errámos com o coração

Não nos deixes morrer longe de Jerusalém

 

Leio e no lugar da sereia vejo a harpia! Mas o Poeta prefere a sedução mesmo quando a desolação lhe enche o coração perdido na cidade (a triste cidade humana nunca será capaz de substituir a natureza celestial!).

E deus está lá desde sempre, nos frutos, no tempo... escondido, invisível e, indiferente à fraternidade dos homens, brinca com eles, estende-lhes os dias até...

E o Poeta descobre o jogo do deus desconhecido, vê-o nas palavras e com elas suplica que, apesar da eventual falta de comunhão, não nos deixe morrer longe das portas de Jerusalém, da terra prometida...

O deus escondido mora nas estações, nos ramos das árvores, nos frutos, no tempo... e não precisa de qualquer templo! 

 

18.5.13

Na cidade

A casa da cidade lembra a do campo, abandonada pelo homem. Sempre que tal acontece, a natureza retoma o que era seu.

As torres crescem ao fundo, indiferentes ao passado das fábricas de tijolo e de telha. Os arquitetos deixaram de percorrer os caminhos e vivem em redomas translúcidas.

 Apesar da falta de planeamento, a oliveira e a nespereira insistem em crescer na cidade.

Como de nada serve rir ou chorar, hoje, decidi apenas caminhar pela cosmopolita cidade de Lisboa e o que vi, ou quis ver, foram sinais de subdesenvolvimento e de ruralidade. Uma cidade indecisa que acolhe a flor da oliveira, mas que, lá no fundo, a escorraça para a periferia.

Apontamento: Se me estivesse a confessar, diria que Montaigne nada tem que ver com as minhas caminhadas, mas, na verdade, desde ontem que ele me recorda que podemos chorar de alegria e rir de tristeza. O homem tem necessidade de esconder os seus verdadeiros sentimentos. Por outro lado, também Fernão Mendes Pinto (ou melhor António José Saraiva) insiste em lembrar-me que o exotismo pode ser um sinal de complexo de superioridade ou de inferioridade. Na verdade, estas últimas palavras são de Freud! O que António José Saraiva diz é que em F.M.P. convivem um exotismo «crítico» com um exotismo «simpático». Tudo muito diferente do que viria a acontecer com o exotismo romântico. E por razões que só alguns poderão compreender, reli o exótico Camilo Pessanha e do seu Oriente só encontrei o Ocidente. Saí. E ao voltar, surgiu-me o Ruy Belo com o seu PERCURSO DIÁRIO:

Eu vou por este sol além

e ele é quotidiano até ao fim

como se até hoje ninguém

tivesse no sol e fora do sol também

morrido a morte por mim     

(A ordem das fotos respeita a sequência da caminhada. E esta só pode ocorrer em maio, mas não, obrigatoriamente, no dia treze...)  

 

 

17.5.13

Golpes baixos

  1. Para o CDS «a greve dos professores é um golpe baixo». E eu estou de acordo, pois o PP já percebeu que a sua defesa intransigente dos aposentados e pensionistas está a ser posta em causa. Assim, não irá ser possível sacrificar uns milhares de professores para assegurar uns milhões de votos.
  2. De qualquer modo, em matéria de «golpes baixos», o CDS não está sozinho. Sempre que o vento sopra de feição, os sindicatos não descansam enquanto não deitam o porta-aviões ao fundo. A decisão de fazer greve começou por não ser abrangente: há sindicatos que ainda vão pensar, isto é, vão escutar os diretórios políticos. Outros, que ainda vivem no tempo da fava rica, analisada a situação, resolveram marcar não um dia de greve aos exames nacionais, mas 4 ou cinco, para além de uma manifestação. Não há fome que não dê em fartura!
  3. Olhando a estratégia, não se percebe a qualidade do raciocínio sindical. Os sindicatos deveriam saber que, sem afixação das classificações do 3º período, não poderá haver exames no dia 17 de Junho. Deste modo, não faz qualquer sentido convocar uma greve para as avaliações e uma outra para o primeiro dia de exames. Basta olhar para o calendário! Esta estratégia acaba por ser contra os professores que, mal remunerados e sobrecarregados com trabalho, acabarão por se alhear da defesa da escola pública.
  4. E claro, nesta situação, já começam a levantar-se as vozes contra os professores: os madraços não querem saber dos alunos, as verdadeiras vítimas...
  5. É tudo tão primário e previsível neste país!

 

16.5.13

Co'a palmatória

Uma imagem com ferramenta, colher, martelo, interior

Os conteúdos gerados por IA podem estar incorretos.Para quem governa, a profissão de um militar ou de um polícia impõe um desgaste físico e psíquico acelerado. Pelo contrário, o professor não passa de um madraço que se limita a debitar uma bolorenta sebenta a meia dúzia de meninos bem-comportados.

O militar e o polícia correm permanentemente riscos ao enfrentarem o inimigo (muitas vezes, imaginário!) e, pelo facto, merecem passar à reserva, aposentar-se ou reformar-se mais cedo do que outros grupos profissionais.

Na formação de professores, enquanto teve algum espaço, o aperfeiçoamento da capacidade relacional era fundamental. O papel do professor ia muito para além da função transmissiva de conhecimento, pois era sabido que a aprendizagem dependia fundamentalmente da interação professor - aluno, e não de regulamentos impostos por palmatórias ou seus ersatz.

Só uma visão míope do ato pedagógico pode impor uma carreira docente que, um dias destes, poderá estender-se por cinquenta anos, enquanto os jovens deixam de ter acesso a esta profissão.

Tal como o Poeta confessava a D. José I, estou a pensar em «co'a palmatória / cavar num canto da aula a sepultura.» 


De bolorentos livros rodeado,
Moro, Senhor, nesta fatal cadeira:
De quinze anos a voraz carreira
Me tem no mesmo posto sempre achado.

Longo tempo em pedir tenho gastado,
E gastarei talvez a vida inteira;
O ponto está em que quem pode queira,
Que tudo o mais é trabalhar errado.

Príncipe augusto, seja vossa a glória,
Fazei que este infeliz ache ventura,
Ajuntai mais um fato à vossa história;

Mas se inda aqui me segue a desventura,
Cedo ao meu fado e vou co'a palmatória
Cavar num canto da aula a sepultura.

      Nicolau Tolentino (1740-1811)

 

15.5.13

Contra os professores

O Governo aproveita todas as oportunidades para mover a opinião pública contra os professores lançando para o ar argumentos insuficientemente fundamentados. Por exemplo, são necessários menos professores e menos escolas porque a população escolar está a diminuir! E simultaneamente omite as medidas que quer implementar e que têm como consequência a redução do número de docentes. No dia 15 de Maio, o ministério da educação e ciência já deveria ter explicitado as instruções necessárias à organização do próximo ano letivo, mas não, prefere esperar pela anestesia da opinião pública.

As medidas contra os professores não são alheias à encenação de que é possível não sobretaxar pensionistas e reformados. Se estivermos atentos às linhas dominantes do discurso político, verificaremos que professores, por um lado, pensionistas e reformado, por outro, surgem interdependentes. Quanto mais o estado poupar com a redução do número de professores, maior será a possibilidade de preservar as reformas e pensões recebidas por quem descontou e, sobretudo, por todos os privilegiados que não o fizeram...

Curiosamente, os ministros das várias pastas vão subindo ao palco para declarar que os funcionários que tutelam não irão ser abrangidos pelas medidas enunciadas: juízes, polícias, militares, diplomatas, médicos, enfermeiros, pensionistas, reformados... O que se subentende é que os professores passaram a ser o bombo da festa. A esta hora, dezenas de milhar de professores não fazem a menor ideia do que os espera no próximo ano letivo só porque, repentinamente, há menos alunos...

A encenação é rigorosa: não há meninos em idade escolar; os professores são todos iguais em idade e em serviço prestado à comunidade (argumento que irá justificar o nivelamento dos salários e o aumento do número de horas de trabalho letivo); o sucesso escolar tanto pode ser obtido com turmas de 22 alunos como de 30 alunos; o sucesso escolar  pode ser obtido com dois blocos semanais de 90 minutos, independentemente da idade ou da especificidade das disciplinas; as aprendizagens informais têm o mesmo peso das aprendizagens formais; as escolas têm autonomia pedagógica ( para fazer o quê?); as escolas públicas, se comparadas com as privadas e confessionais, têm menos sucesso e são mais caras...

Com esta encenação do governo e seus tentáculos, vamos assistir a tentativas de resistência local, fragmentada e inconsequente, como, por exemplo, fazer greve à avaliação do 3º Período...

Creio, no entanto, que chegou a hora dos professores e restantes funcionários da escola pública dizerem: BASTA!

É a hora de iniciar um movimento de base que tenha o seu corolário na manhã do dia 17 de Junho: GREVE aos exames marcados para esse dia.

Neste momento, não é hora de olhar para o passado! O estatuto da carreira docente já foi rasgado...

 

14.5.13

Lisboa, a porta da Europa

Não sei o que é feito do Dr. António Costa, presidente da câmara municipal de Lisboa, mas há qualquer coisa de muito errado na capital que ele governa!

Basta observar a porta ao lado para ver a degradação da paisagem e, sobretudo, para entender que quem ali se esconde está muito longe dos costas, dos passos e dos portas deste país…

 

13.5.13

Matizes

Vou ficar a olhar para a multiplicidade dos matizes. Sei que não os consigo diferenciar a todos, mesmo ampliando a imagem… e enquanto o faço deixo de pensar nos jogos malabares dos corifeus que nos desgovernam.

Há, no entanto, uma pergunta que me atormenta: – Quem é que nos garante que o rosário de contas que nos desfiam não é falso?

 

12.5.13

Se Alberto Caeiro…

 

Se Alberto Caeiro aqui tivesse posto os olhos

ninguém lhos arrancaria dali!

As cores das flores e das borboletas não o deixariam partir

os zumbidos dos besouros e das abelhas seriam a música de todos os dias.

Pelo menos até que a Primavera se despedisse…

ou os frutos maduros o inebriassem…

 

11.5.13

O Rei da Helíria

O texto dramático "Leandro, Rei da Helíria", de Alice Vieira, escrito em 1991 para o Teatro Experimental de Cascais, surge, neste fim de semana, transformado num novo texto cénico, em que o rei cede o lugar à rainha Leandra por ação do Grupo de Teatro da Escola Secundária de Camões, dirigido por Maria Clara.

A transformação terá causas diversas, talvez sobrepostas: a) entre 1991-2013, as mulheres lutam pelo poder em condições de igualdade com os homens; a educação dos filhos (e dos alunos) continua, em grande parte, em mãos femininas; c) as mulheres, em contexto escolar, manifestam mais apetência pelas artes da representação; o impacto da atual realidade revela os mecanismos narcisistas, trazendo à luz a crueldade da condição humana, mesmo quando nos esforçamos por ignorá-los.

Ao contrário da maioria das histórias tradicionais, O Rei da Helíria não assegura a continuidade do seu reino, e irá "morrer" num palco que, apenas serve, para expor os seus erros como educador. De nada serve culpar a desumanidade das filhas. Elas são a expressão da cegueira paterna/materna. Só a assunção da cegueira permite ver o quanto iludidos vamos vivendo.  

 

No palco, todos se movimentaram a contento, uns com maior desenvoltura, outros de forma mais inibida. Para além da consagrada Graça Gomes (uma atriz cada vez mais versátil!), há que seguir com atenção os novos atores (Daniela Lopes, João Silva, Rita Júlio, Teresa Schiappa, João Figueira, Clara Mendes, Marta Fernandes). A cenografia de Mário Rita cativa pelo seu simbolismo e pela modo como regula os espaços. Adereços, figurinos, som, luzes harmonizam e dão força às palavras...

 (Se não me pronuncio sobre outros atores que participam na construção desta peça é porque só hoje assisti ao espetáculo. Resta-me dar os parabéns a todos, sem esquecer a presença e as corteses palavras de Alice Vieira.

 

10.5.13

Nesta fúria de convergência...

Pessoalmente, nada tenho contra a convergência desde que o rumo não seja o da mediocridade e / ou o do pé descalço!

 No caso da convergência das reformas, a desonestidade quer tornar igual o que é desigual, por exemplo, nos descontos para a CGA e para a CNP /SS. Os funcionários do estado descontam o que lhes é imposto, à exceção de todos os que beneficiaram de privilégios resultantes de compadrio e caciquismo políticos.

Sobre os PRIVILÉGIOS cai uma cortina de fumo que asfixia tudo à sua volta. Os mais altos dignatários do estado recebem não a remuneração compatível com a função exercida, mas pensões de reforma, tornando-se indignos dignatários...

Por outro lado, é sabido que na CNP muitas pensões são baixas porque se optou por ocultar as verdadeiras remunerações: há, ainda hoje, uma lista enorme de benefícios e gratificações que não são tidas em conta para estabelecer os descontos...

Basta olhar à volta e ver quantos não pagam transporte, quantos utilizam carros das empresas e do estado, quantos utilizam cartões de crédito de que não prestam contas!

Nesta fúria de convergência, quem é que identifica os titulares de pensões e de vencimentos que nunca trabalharam ou que não o chegaram a fazer durante mais de 10 anos?

Nesta fúria de convergência, quem é que identifica os falsos doentes que conseguiram reformar-se com pensões muito superiores às daqueles que trabalharam mais de 36, 40, 45 anos?

 Sejamos sérios! É tempo de ajudar os políticos, da direita à esquerda, a rever os comportamentos! A realidade é bem mais complexa do que a que nos é espelhada diariamente pelo governo e seus apaniguados. Mas a realidade também é muito menos simples do que aquela que nos é prometida pela várias forças de oposição.

 

 

 

9.5.13

Na ausência do referente

Ainda comemos o pão, mas ignoramos o caminho: a semente, a planta, a espiga, o grão, o moleiro, a mó, a farinha, o farelo...

Vem isto a propósito do dia da espiga e respetivo simbolismo. No cesto, não vi a espiga nem a videira, apesar do malmequer, da papoila, da oliveira e do alecrim... Na realidade, faltava o essencial: o pão e o vinho, mas o cesto e o ramo estavam à venda.

Não obstante, o que mais me preocupa é a ignorância do caminho, é perceber que o ensino vai matando a referência, esmiolando o pão, incapaz de alargar a alma e de ir além do Bojador, pois não compreende que dobrar não é vergar, mas contornar, de modo que o cabo submarino não nos faça encalhar...

Mais do que o significado, interessa conhecer o referente ( a realidade) e não a referência ou o referencial, tudo significantes utilizados por quem há muito fugiu aos trilhos e vive em circuito fechado, longe dos homens, dos campos e dos rios...

 

8.5.13

Encenações

I - Nos últimos dias, Passos e Portas experimentaram um tipo de encenação que visa iludir o cidadão português e o credor estrangeiro. O efeito é duplo: desorientação do povo e desconfiança do credor. A política torna-se, assim, num espaço de intrujice.

 II - Depois do revés da última 2ª feira, Jorge Jesus antecipa, no tapete vermelho que lhe é servido pelos «media», uma vitória no terreno do adversário, evitando a todo custo proferir a dolorosa elocução: - «Pai! Afasta de mim esse cálice!»

III - Hoje, o Clube Ler para Viver e o Museu da Escola Secundária de Camões apresentaram na Biblioteca Central uma encenação feliz. A Biologia, a Literatura, a Música e a Expressão Visual aliaram-se e criaram um espaço dinâmico, onde os jovens leitores representaram 4 personagens femininas à procura de uma identidade que, no entanto, soçobra num universo predominantemente masculino.

Nas palavras encenadas sentiu-se, bastas vezes, a vingança das heroínas oitocentistas, a alegria dos jovens intérpretes e a angústia da encenadora.

 (Os clássicos do Camões já estão alinhados para subir ao palco! Hoje, por detrás das grades das altas estantes, enxerguei os faunos de Aquilino...)

 

 

 

 

 

7.5.13

A gaivota e a sereia

Era uma vez um menino que nunca saíra da Aldeia do Bispo, a sete quilómetros de Penamacor. Conhecedor deste triste isolamento, o ministro Crato não descansou enquanto não acabou com a discriminação que condenava a pobre criança à boçalidade da parvónia.

Às oito horas em ponto, um autocarro recolheu o menino ensonado, levando-o à sede do agrupamento escolar "Ribeiro Sanches" - distinto enciclopedista do século XVIII...

E qual Ribeiro Sanches, em 90 palavras, o menino dissertou sobre as proezas de uma gaivota que, do rio Pônsul, raptou uma sereia, levando-a em visita ao Palácio das Laranjeiras do ministro Crato.

A esta hora, o menino da Aldeia do Bispo, atormentado, não consegue adormecer: nunca ninguém lhe falara da sereia do rio Pônsul e sobretudo, de gaivotas. E ele bem queria estar à altura do desafio! Ainda se a sereia tivesse sido raptada por uma pega rabuda!

 

6.5.13

Um dia sombrio

Acordei ainda o sol não despontara, e logo me veio à cabeça que o dia iria ser longo e sombrio.

Paulo Portas assombrara-me o sono, pois na véspera dera a entender que combinara com Passos Coelho uma estratégia para aterrorizar a população, surgindo, depois, como o redentor da franja grisalha... Esta parelha, sem vergonha, brinca com o povo como o D. João V saramaguiano se divertia a armar semanalmente a miniatura da basílica de S. Pedro.

Funcionário público zeloso lá apanhei o 783 para o Saldanha e, de imediato, percebi que a luz solar brincava comigo ao desconsiderar a minha degenerescência macular da idade (DMI): as letras e os rostos insistiam em surgir distorcidos, e os neurónios, cansados de tantas desconexões, arrastavam-me para um refúgio que deveria situar-se longe da luz e do ruído...

Mas o que me esperava era bem diferente! Corrigir e classificar dezenas de testes e, sobretudo, viajar até ao Bairro Azul (escola Marquesa de Alorna) para cumprir a missão de avaliador externo.

Claro que a parelha desenvergonhada me perseguiu todo o dia, o silêncio deu lugar a gritos frenéticos; só o sol acabou por me fazer o favor de, aos poucos, se esconder, talvez, envergonhado do que ia iluminando cá em baixo.

 

 

 

5.5.13

O retorno à miséria

Fica a sugestão de saída, mas a realidade é bem distinta. Ao invés de antanho, escasseiam os meios. Nenhuma Ordem de Cristo dispõe da verba necessária para que este povo se mude para novo continente, nova ilha afortunada.

Na água boiam os anseios de um povo prestes a submergir às mãos de corsários e de piratas. Os anseios de um povo esmagado pela propaganda de um diretório prestamista sem rosto.

(Ontem, a propósito do significado do exame da 4ª classe referi que a aprovação significava a abertura do caminho que permitia a mobilidade social; hoje, acrescento que um diploma de estudos superiores abre o caminho de retorno à miséria… tudo isto, num tempo, em que o ministro da educação não passa de um ajudante do ministro das finanças ao serviço do diretório prestamista sem rosto.)

 

4.5.13

Do rigor do exame do 4º ano...

Em 1965, fui à sede do concelho prestar provas do exame da 4ª classe. Provas escritas e orais. Ato solene perante júri desconhecido. Nunca soube o custo, mas lembro que o meu pai fora obrigado a emigrar e que a minha deslocação implicou pagar a carreira, sapatos novos, roupa nova... As provas tinham um peso de 100% e distinguiam o sucesso do insucesso escolar. Reprovar era uma vergonha para o candidato, para a família e para a comunidade.

Ser aprovado era o 1º passo da mobilidade social para muitos portugueses dessa época.

Dentro de dias, regressa o exame do 4º ano. Ato administrativo perante funcionários anónimos. De acordo com um secretário de estado da educação, o custo do exame nacional acrescenta 600.000€ ao custo das desprezíveis provas de aferição, não esclarecendo qual era o custo destas últimas. Para ele trata-se de uma insignificância. Acontece, no entanto, que muitos dos pais e dos irmãos dos jovens examinandos estão desempregados ou já partiram à procura de trabalho fora desta bendita terra.

Agora, o peso do exame é de 25% e, caso, o aluno não fique, de imediato, aprovado, os desprezíveis professores vão ser obrigados a recuperá-lo para novo exame, cujo custo o senhor secretário de estado ignora. Reprovar será uma exceção e nada dirá sobre a qualidade das aprendizagens... e quanto à mobilidade social, o que pensar de um regime que promove a mediocridade na educação, desprezando os agentes que a deveriam promover?

O anunciado rigor dos estadistas do passado e do presente em pouco diverge: no passado, abria as portas do escol que haveria de guiar a nação nos seus messiânicos objetivos; no presente, nivela por baixo, abrindo as portas à escumalha que, inevitavelmente, conduzirá ao fim da nação.  

 

3.5.13

O Tejo assoreado

Desta vez, fiz o percurso a pé. Quis comprovar se, depois das cheias, o Tejo continuava transbordante. Afinal, está assoreado! Tal como no último Verão!

Triste indicador! A ponte cumpre a sua função, ao contrário da ministra Cristas que, ainda, não percebeu que o desperdício de água se paga caro… e, em maio, o Tejo vai morrendo aos poucos...

 

2.5.13

Para me contrariar

Ciente de que a burrice me consome o tempo que me resta, insisto, todavia, em explicar que não há conteúdo sem continente, que não há compreensão sem expressão, que a imaginação verbal pode ajudar a diminuir a cerração...

De momento esta explicação, devidamente exemplificada - a bolsa, o baú, o copo, a ânfora, a mochila, o contentor, a jarra, a mala, o táxi, o avião, o país, a urna, a europa, a ásia... - interessa a muito pouca gente.

Talvez porque, para me contrariar, uma boa parte da humanidade também insista em explicar-me que não tem conteúdo, e assim, vai ocupando o tempo que lhe sobra a bater com a cabeça na parede em frente até que o coma advenha ou, em alternativa, a pisar a cabeça de todos os que se vão pondo a jeito. 

 

1.5.13

No 1º de Maio

(A cabeça já circunda os Restauradores enquanto a cauda se arrasta 500 metros atrás; o tronco, esse, serpenteia ao longo da Avenida; os "língua" apelam à revolta no eco das lagartas das chaimites... É ainda a ideia de que o futuro pode ser mobilizado pelo passado!)

Eu não estou lá, mas é como se estivesse! Bastou-me estar lá na alvorada para perceber que a repetição me incomoda, me atrasa e me surripia a matéria de que sou feito. Eles ainda têm alma! Eu nunca a tive, pelo menos, nunca tive uma alma encenada que, em certos dias, salta dos bastidores e ocupa o proscénio...

Por isso, hoje, trabalho todo o dia em múltiplas tarefas, ciente de que me estou a atrasar e de que a matéria de que sou feito se está a esgotar! Ciente de que todo este trabalho em nada diminui a dívida! Ciente de que tudo isto (e aquilo) é triste e reconhecendo, finalmente, que escrever só pode ser triste.

 

Por isso vou agora sair para apenas caminhar durante uma hora, não na Avenida, mas nas ruelas desta freguesia (e talvez da vizinha). Vou sozinho..., mas regresso (espero!) menos só!

 

30.4.13

A sociedade de informação

A sociedade de informação, que se revela incapaz de investigar a extensão e a constituição da dívida pública, como se esta fosse segredo de estado, não tem qualquer pejo em desvirtuar «os limites externos à liberdade de informação».

No dia a dia, em nome da democracia, a sociedade de informação despreza a vida privada e familiar, os dados pessoais informatizados, a confidencialidade da situação tributária dos contribuintes, o segredo de justiça. E fá-lo com a conivência ou, mesmo, instigada pelo Estado.

Na verdade, a comunicação social sente-se autorizada a, por todos os meios, inquirir o cidadão, expondo-o na praça pública, linchando-o sem apelo nem agravo.

Por outro lado, esta prática alastrou ao mundo empresarial. Qualquer empresa dispõe, hoje, de uma base de dados e de um call center prontos a manipular o cidadão-consumidor.

E curiosamente, a sociedade de informação, apesar dos seus múltiplos tentáculos, não avança um passo no sentido de esclarecer o contribuinte sobre a dívida pública. Sobre a sua história, sobre a história dos empréstimos pedidos pelo estado português e pela banca portuguesa ao longo do século XX e nestes últimos trezes anos.
Valeria a pena saber se, na verdade, o empréstimo a 99 anos para amortizar a dívida acumulada em 1902, na sequência da bancarrota de 1892-93, foi saldado em 2001. Ou se antes, quando e como?

Por enquanto parece ser mais simples reduzir tudo a uma mesquinha luta político-partidária... e mais tarde não me venham dizer que eu não avisei! (A.C.S. - o homem que melhor conhece os segredos do estado português, depois do inamovível Dr. Oliveira Salazar!)

 

28.4.13

Escrever sobre...

Podia tentar escrever sobre o congresso do PS, mas não entendo nada do que lá se passa! Parece que o José Seguro se imagina o novo homem providencial, capaz de solucionar o que o próprio partido construiu e destruiu, sem nunca assumir a responsabilidade da falência em que o país se encontra. O PS continua a viver no oásis!

Podia escrever sobre um Governo que passa os dias em conselho extraordinário, mas não entendo o que lá se passa! Parece que o Portas insiste em contrariar o Gaspar, incapaz de impor aos restantes ministros um programa que combata o despesismo do Estado...

Podia escrever sobre os portugueses que, supostamente, viveram acima das suas possibilidades, mas, a cada dia que passa, todos os indicadores apontam para erros graves de um conjunto de decisores que, na maioria, continuam em lugares de relevo, em vez de estarem presos.

Chegado aqui, não apetece escrever, pois os únicos que acabarão por cair são todos aqueles que insistiram (e insistem) em eleger quem os não representa e se aproveita para delapidar o país e, simultaneamente, encher os bolsos...

Em alternativa, posso escrever sobre o vento frio de abril, sobre as flores de abril, sobre as colmeias de abril, sobre os formigueiros de abril, sobre os velhos de abril, sobre os jovens de abril... sobre a miséria de abril! 

 

27.4.13

O vento frio

O vento frio pôs cobro à aventura em Escaroupim. Dias antes, explicara que a relação sinestésica despertada pelo vento era, primeiramente, táctil, e só depois, por exemplo, auditiva: «eu escutava (…) os relinchos vítreos do vento…» V.F., Manhã Submersa

Desta vez, não foi necessário soltar os cavalos; o balanço dos pinheiros foi um indicador suficiente para afugentar os mais friorentos.

De qualquer modo, ainda fui a tempo de revisitar a aldeia e, sobretudo, de espreitar a Ilha das Garças. Aos milhares, esvoaçavam para quem as quisesse ver.

 

26.4.13

Ali perto, os jornaleiros

Ali perto do Tejo, uma dezena de cortiços! As abelhas pressurosas contrastam com 4 trabalhadores florestais que, encostados à furgoneta, esperam pela hora de almoço.

Não esperem que eu coloque aqui uma foto desses jornaleiros, pois não quero denunciá-los à entidade patronal. Pareceu-me até que a imobilidade das 11h30 resultava de se terem de tal modo aplicado que o combustível que lhes alimentava as ferramentas de trabalho se esgotara.

 

25.4.13

Numa hora…

Uma hora de caminhada. Duas furgonetas em sentido contrário. Numa delas, um casal e, certamente, uma história. Uma história deles que fica por contar por ser só deles. Um motociclista lento dos atalhos e um ciclista que saúda, apressado…

Eu, a pé, desperto para a novidade que, afinal, é apenas mudança cíclica ou sinal de morte prematura. As flores de abril cumprem a função de nutrir as abelhas… e as formigas de abril, indiferentes aos pés que as podem calcar, transportam o pão para galerias que só a elas dizem respeito…

E eu que sei que abril divide, caminho para o rio oculto até que o caudal barrento começa a espreitar por entre um arvoredo sequioso e impenitente…

Na outra margem, um trator cumpre a função de preparar o terreno para nova colheita, e as aves, intermitentemente, transportam-me para a foz…

 

24.4.13

Hoje, na Biblioteca central

Em 24 de fevereiro de 2010, no Auditório Camões, Vasco Graça Moura convidou-nos a ouvir, memorizar e recitar os versos do poeta David Mourão-Ferreira, porque em cada verso escorre o agora, nas suas dimensões de passado, presente e futuro… E esse é o território da poesia, do ser… e sempre que ela acontece, o paraíso ganha corpo.

Hoje, 24 de abril de 2013, na Biblioteca central, Vasco Graça Moura, num esforço admirável, surge para entregar a cada um dos alunos o livrinho que reúne "O olhar dos Jovens sobre o Amor de Perdição - As Cartas de Perdição". E mais uma vez, o homem de cultura deu conta da necessidade de envolver os jovens na criação a partir da leitura dos «clássicos», incentivando-os a efabular sem constrangimentos, pois só o tempo dirá se também eles, um dia, poderão engrossar a galeria dos clássicos.

Para mim, no entanto, mais importante do que disponibilizar o Centro Cultural de Belém para apoiar e editar novos projetos de leitura e de escrita, foi a oferta à BECRE da Obra Completa de Ruy Belo, foi o apontar do caminho...

Em tempo de parcos recursos, a leitura individual e partilhada pode muito bem ser o caminho!

Nesse sentido, só posso aplaudir as iniciativas do CLUBE LER PARA VIVER.

(Os meus agradecimentos aos 22 alunos, aos professores e a todos aqueles que, de algum modo, contribuíram para que a exposição CARTAS DE PERDIÇÃO fosse possível.)

 E já agora um outro caminho possível:

 «dizem que vais nascer; que há métodos de

determinar-te o sexo. que a tua mãe deseja

respirar o teu sopro, tua mobilidade,

teu mamar; tirar o teu retrato.

 para quê prever-te o nome ou preparar

roupas rendadas? ninguém há-de cumprir-te

que te cumpras. e tentarão salvar-te a alma

com água e óleo e sal.»

Vasco Graça Moura, da vida humana 1

 

23.4.13

Ele mora num campo rubro de papoilas

1913-2013 - Cem anos!

O Estado Novo. Para mim, um quarto longe da luz, a disciplina cega; para ele, a masmorra junto ao mar, a disciplina libertadora; certo dia, saí do quarto escuro, e só encontrei sombras; ele fugiu da masmorra para a terra prometida - eu era apenas uma ovelha tresmalhada; ele era o pastor de um novo rebanho...

(e aqui começa a divergência: eu deixara de estar disponível para integrar qualquer rebanho; ele, ortodoxo, disciplinava; eu, heterodoxo, indisciplinava.)

O cravo desabrochou em Abril, e ele regressou para impor a disciplina dos cravos. E eu, olhava à volta, e só via papoilas!

(E a divergência cresceu: o país das rosas de Isabel e das muralhas fortificadas era então o país dos cravos e das muralhas de aço e das rosas templárias. E eu, olhava à volta, e só via papoilas!)

Hoje, atravesso as mesmas galerias que ele calcou, entro na sala 44 e, de súbito, oiço-o, a ler atentamente Raúl Brandão e não a bíblia marxista-leninista-estalinista. Para mim, ele mora num campo rubro de papoilas!

 

22.4.13

50.000 alunos já viram Felizmente Há Luar!

Mais de 50.000 alunos assistiram à representação de Felizmente Há Luar! pelo grupo dramático A Barraca. A declaração é de Maria do Céu Guerra que, hoje, se revelou feliz com o comportamento dos alunos. Sala lotada, telemóveis desligados, quase todos! Silêncio, quase sempre!

 Resta saber se os mesmos 50.000 alunos leram o texto dramático de Luís Sttau Monteiro, se conhecem minimamente a ação do dramaturgo, e se seguem com alguma atenção o desempenho da "alma" da companhia. À entrada, alguém me perguntou qual era o "assunto". Lá fui dizendo que após as invasões francesas, por cá ficaram os ingleses com a missão de criar um exército português... Sempre os estrangeiros a libertarem-nos de outros estrangeiros e a tirar vantagem do negócio. O Marechal B. repetiu-o bastas vezes... e claro desviei para o general Gomes Freire, mas era tempo de subir a escada apertada até à sala 2...

 

Não sei quantas vezes já estive naquela sala, mas sempre que lá vou sinto-a acanhada e perigosa. O texto de Sttau Monteiro tem sido depurado, diria mitificado, de tal modo que, por vezes, fico com a sensação de que algumas personagens ganharam um ar burlesco, apesar da seriedade, mas também do tom patético, infantil e quase alienado de Matilde, como se o mundo que a cerca só existisse para lhe salvar o marido.

Quanto à regência, desta vez, evitou as alusões ao Estado Novo e à Troika.

Enfim, só não percebi (ou evito saber) por que motivo o luar (projetado) passou de amarelo a vermelho. Parece que a lua se transforma em sol, em promessa de derradeira libertação! 

Em termos didáticos, urge que os alunos não se fiquem por aqui, pelo espetáculo. Por vezes, a vida está no texto!

 

21.4.13

Manhã Submersa, um olhar demorado

A linguagem dos elementos, em Vergílio Ferreira, é, por vezes, aterradora. O VENTO bestializado, qual lobo da montanha, surge luminoso e furtivo, prestes a devorar o rebanho de Deus. Nem a montanha nem o rebanho de Deus são explicitados, mas os termos selecionados para caracterizar a fome do vento apontam na sua direção.

«O vento árido de fevereiro trazia sempre ao Seminário doenças e mau agoiro. Era um vento esguio e furtivo, de pelo no ar, rebrilhante e facetado muitas vezes de um sol frio de vidro. Recordo muito bem as suas unhas de arame, a sua presença nítida, escanhoada em azul, pura no esquadriado das arestas. Branco e arguto das geadas, tinha uma astúcia fina, penetrando, por qualquer fresta, nos compridos corredores e salões.»

Por outro lado, a recusa das «palavras cunhadas» fá-lo personificar as DUAS LAMPARINAS. Elas ocupam o espaço habitual das «devotas» ou, no melhor dos casos, dos piedosos pastores do rebanho de Deus. 

 «Duas lamparinas, aos cantos da camarata, oravam recolhidas, de contas na mão, à anunciação da morte.»

 Finalmente, o pavor do adolescente cresce no SILÊNCIO, também ele bestializado, talvez morcego, à medida que o VENTO, agora, equídeo, se solta contra as vidraças da camarata.

«Um silêncio ofegante, pesado de suor, inchava ao comprido do salão, subindo pelas colunas até às nervuras do teto. Amedrontado, eu escutava ansiosamente todos os rumores da noite, o arfar da doença à minha volta, os passos nos corredores, os relinchos vítreos do vento...» Manhã Submersa, 1954


Na verdade, o equídeo mais não é do que o «corcel negro» que vinha buscar o Gaudêncio, a mando daquele Deus, que ele ousara desafiar ao questionar a sua existência, libertando António Lopes da incómoda questão, e deixando-o livre para se entregar à incessante busca do que em si se perdera ao entrar no seminário - a MULHER.

 

Tempo primordial

Há certamente um tempo anterior às palavras!

Envoltos no esgrimir de ideias intangíveis, aceleramos e quando damos conta já não podemos voltar ao ponto de partida. As palavras já não representam o que pensamos, mas o que os outros delas compreenderam. E como não temos o dom da heteronímia, de repente percebemos que a comunicação se tornou equívoca ou, mesmo, absurda.

E é nesse momento que gostaríamos que o tempo se despojasse da palavra.

 (Não se trata, aqui, de arrependimento, mas do reconhecimento de que quando os pontos de partida são difusos, o comboio raramente para na nossa estação... Corremos em linhas paralelas, intangíveis, para um ponto inexistente. Espero que perdoem a anfibologia!)

 

20.4.13

Ser voluntário

Ainda adolescente, alguém terá pensado que a minha educação passaria por servir a «Conferência de S. Vicente de Paulo». Não me lembro de me terem explicado como é que a «sociedade» funcionava. Lembro, no entanto, que, num determinado dia de cada mês, me deslocava a uma casa dos arredores de Santarém, onde deixava um saco de arroz, bacalhau, batatas e farinha, aos pés da cama de um moribundo. Não sei se alguma vez lhe conheci o nome, mas recordo para sempre que o homem padecia de um indescritível e doloroso cancro do esófago, o que o impedia de falar e de respirar. E continuava a fumar! À volta, os sinais eram de abandono e de medo. Não sei bem por que motivo este meu voluntariado involuntário cessou. À distância, a única explicação que encontro resulta da minha súbita mudança de rumo... (Hoje o cheiro do tabaco atordoa-me.)

 Anos mais tarde, vi-me na situação de acompanhar (e de financiar) novas formas de voluntariado que continuavam a aproveitar o espírito solidário dos jovens. Fi-lo sempre com alguma reserva, pois tinha a sensação de que as ONGs se dividiam em «voluntários profissionais» e em «voluntários amadores». Frequentemente, os projetos dinamizados eram fruto da abnegação e da energia criativa dos tais jovens solidários. (E nesse contexto, passei a viver à força nos bastidores!)

Atualmente, a maioria dos jovens voluntários não encontra emprego ou pura e simplesmente perdeu-o. De pouco lhes serviu a abnegação, a criatividade, o sacrifício!

Quanto a mim, é cada vez mais claro que a caridade e o assistencialismo não passam formas encapotadas de exploração não só dos mais necessitados como dos voluntários genuínos. 

 

 

19.4.13

Palavras cunhadas

Há pessoas cuja presença, por si só, incomoda!

Há outras cujas palavras desconexas aborrecem!

Outras ainda irritam pelas palavras sabujas!

 Há ainda as palavras dos catecúmenos, dos pioneiros, dos correligionários, dos fãs!

Palavras sujas, gastas, repetidas!

Há também as palavras pífias!

Hoje, subitamente, a Assembleia da República desatou, em uníssono, a namorar! Parecia o Dia dos Namorados! Não sei se ofereceram flores, se se oscularam, mas desconfio que, ao regressarem a casa, só encontraram o silêncio dos traídos...

Ultimamente, as palavras têm ganho a espessura e a forma da gelatina!
Será certamente essa uma das razões por que a memória me devolve a incómoda presença de Vergílio Ferreira:

«Nada mais há na vida do que o sentir original, aí onde mal se instalam as palavras, como cinturões de ferro, aonde não chega o comércio das ideias cunhadas que circulam, se guardam nas algibeiras.» Vergílio Ferreira, Aparição

Ora, só há vida se o sentir for original!

 

18.4.13

Um dia com Luís Vaz…

Com tantos Camões a limpar a fachada, a disfarçar as rachas das paredes, a varrer o pólen dos plátanos, amanhã, a escola vai estar um brinquinho!

Mesmo que as cartas náuticas tenham sido recolhidas, nenhum aluno, émulo do Poeta, chegará atrasado e deixará de catrapiscar a colega do lado. E, sobretudo, nenhum perderá a oportunidade de ser feliz!

E nem a Troika nos fará desistir da cousa começada!

Há sempre uma solução nas trovas do Poeta.

A segunda, a D. Francisco de Almeida

Heliogábalo zombava

Das pessoas convidadas,

E de sorte as enganava,

Que as iguarias que dava

Vinham nos pratos pintadas.

Não temais tal travessura,

Pois já não pode ser nova;

Que a ceia está mui segura

De vos não vir em pintura,

Mas há-de vir toda em trova.

A terceira, a Heitor da Silveira

Ceia não a papareis;

Contudo, por que não minta,

Pera beber achareis,

Não Caparica, mas tinta,

E mil coisas que papeis.

E torceis o focinho

Com esta anfibologia?

Pois sabei que a Poesia

Vós dá aqui tinta por vinho

E papéis por iguaria.

Banquete dado na Índia a fidalgos seus amigos

 

17.4.13

Prece

«Eu queria ser simples naturalmente
sem o propósito de ser simples.
Saberia assim sofrer com mais calma
rir com mais graça.
E saberia amar sem precipitações.
Nas minhas ironias haveria generosidade.
Nas minhas amarguras
haveria conformação e paciência.
(...)
Eu queria ser simples naturalmente
sem saber que existia a simplicidade.
JORGE BARBOSA, Claridade, Janeiro 1947

Não peço nada de extraordinário! Não peço riqueza! Não peço «a perfeição das coisas»! Nem ir além da Taprobana! Nem quero desistir da cousa começada! Peço apenas que me deixem sumir naturalmente... Se estiverem de acordo, prometo não me intrometer em nada que não seja natural!

 

16.4.13

A Natureza em Manhã Submersa

naturezaem si, simplesmente não existe neste romance ou, por outras palavras, ela mais não é do que a projeção do estado de espírito do protagonista (e de certo modo do narrador/autor):

A - «Pelas portas das janelas sem vidros, eu via os campos enrodilhados de fúriaaguentando no dorso a praga de calor. Um olho ingente baixava do céu, fitava os campos, um silêncio rígido vibrava verticalmente como corda retesa.»

B - «Longo tempo uma ave negra pairou sobre nós, unindo-nos com as suas asas compridas

C - «Saí. Um rumor larvar alastrava pelos campos já um pouco desafrontados pelo calor. Um vento largo de céu e de montanha erguia-se do fundo do tempo, curvava com o azul e caía longe, para lá da noite que viria.»

D - «Um sol avermelhado rasava as árvores do jardim, coroava em silêncio a cabeça dos montes. No ar fresco de brisas, as pancadas do tanoeiro subiam para o céu, de grandes braços abertos. Num instante parei frente à janela a olhar tudo isso, banhado de súplica sem esperança.»

Quatro exemplos e em nenhum deles, a natureza tem autonomia ou contraria o EU. Ela, apenas, reflete a revolta, a condição, o desespero, o destino do sujeito, o desejo de que a morte o liberte da prisão materna, da prisão pequeno-burguesa, da prisão do seminário... 

A miséria, a fome, a ignorância, a submissão impõem a António Santos Lopes um caminho sem retorno!  

 

15.4.13

Manhã Submersa

Leio e releio Manhã Submersa, de Vergílio Ferreira, e só encontro silêncio, solidão, ocultação, noite, medo, pavor, pesadelo, inferno, demónios (solitário e carnal), censura, crime (pecado), castigo (físico e psicológico), castração, amputação, MORTE.

As estações estão lá, mas anoitecidas, pavorosas, como se fossem pedregulhos prontos a esmagar os Gaudêncios, os Gamas e os Lopes. A natureza é um lugar horrendo (locus horrendus): «O vulto grande das árvores crescia na escuridão, como faces lôbregas que avançassem aos urros para mim. Mas eu corria sempre, tropeçando nos canteiros, tropeçando no meu horror, até que finalmente me atirei para um banco junto a um tanque de águas mortas.»

As árvores, as águas, o silêncio, a noite, as vozes são a expressão da morte lenta de jovens que, no íntimo, apesar de não terem projeto de vida, a única vocação que pressentiam era a do sangue, da seiva, da libertação…

A outra vocação era lhes imposta pela origem humilde, pelo «ódio infeliz de uma fome que não se cumpriu».

Por instantes deixo-me surpreender pela placidez da natureza de maio: «No pequeno jardim do Seminário rescendiam as violetas, os campos em redor estavam verdes de promessa, e no ar cálido, ao escurecer, ecoava brandamente a memória breve do dia. À noite fazia-se a devoção do mês de Maria com flores, luzes e cânticos. Era uma devoção bonita, literária como o Natal e cuja unção nós explorávamos frequentemente nos exercícios de Português.»

Afinal, maio era uma devoção literária!

 

14.4.13

Mil Regos, ontem e hoje

No intervalo, a polémica sobre os direitos! Vamos ver qual será o resultado…

Pelo menos, o estacionamento deixará de olhar o mar! E tudo, à volta, fica com um ar mais limpo!

Esperemos que a modernização dos equipamentos não esconda qualquer favorecimento e consequente enriquecimento ilícito…

 

13.4.13

Flores deste Abril

Estas flores foram colhidas hoje. Fruto genuíno deste Abril, elas rivalizam com muitas outras que aqui não registo, mas que guardo no meu álbum.

Deixo-as aqui para todos os que nos últimos anos vêm insistindo no cravo e na rosa, que não compreendem a sua caducidade, e que ignoram que, depois das chuvas, a natureza resplandece em novidade e cor.

E que sem esse esplendor não há futuro!

 

12.4.13

Património desvalorizado

Ninguém sabe quanto vale o património português na Balança da Europa.

De tempos a tempos, regresso ao Convento de Cristo, em Tomar, e saio de lá com a sensação de que nem tudo é feito para lhe devolver a dignidade que ele merece como monumento representativo da identidade portuguesa.

Portugueses e estrangeiros continuam a deparar-se com a fachada degradada, apesar do restauro que tem sido feito no interior.

Se o problema é de financiamento, parece-me que o melhor seria onerar um pouco mais o preço do bilhete de entrada, reservando essa receita para o restauro e conservação do edifício.

Portugal tem, em muitos casos, um património mais antigo e mais valioso do que outros povos europeus, que continuam a ver-nos como se fossemos os cafres oriundos da África equatorial.

Para combater o estereótipo, há que apostar na limpeza!

 

11.4.13

Em Constância a lenda perdura

Depois de no Convento de Cristo terem sido armados novos cavaleiros da Ordem de Cristo, rumámos a Constância. Aos poucos, o sol instalou-se no Horto do Poeta… e eu fui esquecendo que deveria estar a participar num fórum sobre construção de itens de resposta restrita ou a responder às questões que me iam caindo no telemóvel sobre a avaliação externa.

Cheguei mesmo a esquecer a notícia de que a reforma só aos 67 anos de idade!

 

10.4.13

Filtros

Hoje, são filtros! Ontem, era a censura! Outrora, a consciência!

Na minha adolescência, o exame da consciência era diário e tinha hora marcada. Cedo, percebi que esse exercício me trazia prejuízo - sentimento de culpa. Mais tarde, entendi que esse era o objetivo: a responsabilidade era individual - o mal estava do meu lado, e por isso o inferno era o meu destino.

Ao sair da adolescência, Freud convenceu-me que a consciência não passava do parente pobre do meu psiquismo, pois ela mais não era que os olhos cegos do poderoso subconsciente. Lá se acoitavam os padrões de cultura - começava a compreender que a responsabilidade me era imposta, apesar da minha margem de revolta ser limitada. E Sartre passou a acolitar Freud com a famigerada ideia de que l'enfer ce sont les autres! De qualquer modo, o que mais me seduziu foi o ignoto deo freudiano - o inconsciente (o ID)! De súbito, mergulhei no fascínio de que a censura, imposta pelo consciente e pelo subconsciente, se diluísse numa escrita dadaísta / surrealista! Havia por ali uma líbido insaciável que subjugava tudo - o prazer deixara de suportar qualquer tipo de censura; a arte deixara de suportar qualquer tipo de censura; a ideologia, em nome do inconsciente coletivo, desprezava de tal forma a censura que ressuscitou a antiga CENSURA... e o genocídio dos outros!

Agora, começo a persuadir-me que o tempo mais não é que uma série de filtros! E relembro a velha mula a quem o cabresto reservava duas belas palas que lhe restringiam a visão lateral! A realidade está de tal maneira secionada que deixei de ter hora marcada para o velho exame de consciência e, ao passar na Avenida do Brasil, chego a pensar que os seguidores do ignoto deo freudiano enriqueceram a vender todo o tipo de filtros... 

E mais não acrescento, porque já estou a pensar que a pala (o filtro) não passa de uma máscara. E eu não sou assim tão antigo! Ou serei?   

 

9.4.13

Encontro com João Tordo

No Auditório da Escola Secundária Luís de Camões, João Tordo, 37 anos de idade, explicou o que entende ser o ofício de escritor a uma plateia de cerca de 200 alunos e professores.

Através de um discurso provocatório e num registo familiar a roçar o non-sense, interpelou os jovens que dão mais atenção ao marketing do que ao trabalho, preferindo ler José Rodrigues dos Santos, Fátima Lopes ou Júlia Pinheiro e quejandos, àqueles que se aplicam arduamente no exercício da escrita.

Para João Tordo, o ato de escrever, mais do que compilação de informação, exige uma imaginação narrativa que seja capaz de inventar uma história a partir de motivos reais, mas intangíveis, como se corressem lado a lado, impossibilitados de se tocarem.

A arte do narrador existe quando consegue dar verosimilhança a essas linhas soltas e descontínuas do real.

Finalmente, não querendo desobedecer à proibição de o citar nas redes sociais e blogues, registo para a pequena história que João Tordo vive incomodado com um dos vizinhos da Travessa do Possolo e que deixou de pisar a relva, pois teme cair nalgum inferno onde a leitura e a escrita tenham sido abolidas.

(Organização do evento: António Souto com a prestimosa ajuda de Maria Teresa Saborida)

 

8.4.13

A amnésia de Nuno Crato

Sem precisar as medidas que poderão vir a recair sobre a pasta que tutela, Crato disse apenas que é necessário “evitar uma série de gastos”, que têm de ser reduzidos por parte da despesa.

 

Antes de ser ministro, Nuno Crato tinha ideias concretas sobre as áreas em que era necessário cortar na despesa.

Chegado ao MEC, esqueceu-se dessas áreas (desses lobbies)! Esperemos, entretanto, que Mnemosine o inspire desta vez, e que não se limite à receita de mandar os professores para o desemprego e de reduzir salários.

Finalmente, sei bem que Nuno Crato não acabará com a renda que paga ao ensino privado e confessional, poderia, todavia, encerrar e vender uma boa parte dos edifícios que acoitam uma multiplicidade de serviços supérfluos e dados a experimentalismos bacocos.

 

7.4.13

O Plano A

Voltamos ao Plano A! Passos Coelho assegura que tudo fará para destruir o Estado. Compromete-se a reduzir a despesa nas áreas sociais, atirando para a miséria a maioria da população... 

Infelizmente, António José Seguro não revela qualquer capacidade de apresentar alternativas concretas e viáveis. Acaba de adiar a sua reação à comunicação do primeiro-ministro!

No que me diz respeito, se é necessário cortar nas despesas da educação, proponho, desde já, a extinção do GAVE e do programa de Avaliação externa dos docentes. Neste fim de semana, gastei 4 horas a construir itens de resposta restrita, a pretexto da formação de professores classificadores. E também despendi 3 horas a elaborar um instrumento da Observação da Dimensão Científica e Pedagógica no âmbito da avaliação externa. E para quê? E, a propósito, qual é o custo dos exames promovidos pelo GAVE?

É, no entanto, mais fácil degradar a educação, despedindo professores, do que extinguir organismos, na circunstância, supérfluos.

 

6.4.13

O plano B

Apesar do governo insistir que não há um plano B, eu estou convencido que existe. E que ele está nas mãos do presidente da República.

No essencial, resume-se à revisão da Constituição, com a consequente redefinição das funções do Estado.

O plano A já pressupunha a revisão da Constituição, mas faltou o engenho para unir o PSD, o PS e o CDS em torno desse objetivo.

Por isso encaminhamo-nos para eleições autárquicas sem que a reforma dos municípios tenha sido feita.

Por isso continuamos a sustentar empresas públicas extremamente endividadas.

Nem vale a pena referir os desfalques que ocorreram e vão ocorrendo um pouco por todo o país!

E tudo impunemente!

 Entretanto, o Dr. António José Seguro, revelando fina argúcia, vem dizer-nos que quem fez os estragos que os resolva, e que está pronto a substituir o Dr. Passos Coelho!

Parece assim que, para que o plano B possa avançar, vai ser necessário que o PS pense seriamente em redefinir a sua estratégia e, consequentemente, mude de secretário-geral.

  

5.4.13

Enfim, tudo passa...

«Porque, enfim, tudo passa;
Não sabe o Tempo ter firmeza em nada;
E nossa vida escassa
Foge tão apressada
Que quando se começa é acabada.»
Luís de Camões, excerto de Ode IX

Depois de um Camões "alegre", chegou a vez da "liberdade em Camões". Tudo à maneira romântica! Sem tempo nem paciência para ler a obra, respiga-se meia dúzia de versos e solta-se a voz...

No que à liberdade respeita, para além de enaltecer a competência real de assegurar a «nossa liberdade», a liberdade pátria, o Poeta vassalo é parco em referências à liberdade, pois a sua condição surge permanentemente determinada pela (má) Fortuna e pelo Amor. Sem falar nos erros...

Por vezes, atreve-se a falar do alvedrio, do livre-arbítrio, mas não lho deram. E sobretudo, na sua poesia, as esperanças transformam-se repetidamente em desenganos e em mágoas.

A vida é de mudança e de dor, e mesmos essas sujeitas ao inexorável Tempo!  

 Que não se queira ou possa ler, entende-se! Que se deturpe, magoa...

 

4.4.13

A avaliação externa

Gabinete de Avaliação Educacional

Tipologia de itens

«Os itens de resposta restrita e de resposta extensa favorecem os alunos com facilidade de expressão, mesmo quando não é apenas esse o objetivo da avaliação.»

Não creio que haja alunos com facilidade de expressão! Há alunos que se exprimem com maior ou menor facilidade de expressão.

O que interessaria avaliar, externamente, é se os alunos são submetidos ao mesmo treino verbal ou se, simplesmente, ficam entregues à circunstância de terem crescido em ambiente socioeconómico e cultural favorável ou desfavorável.

A avaliação externa, seja de alunos seja de docentes, continua incapaz de definir objetivos que visem melhorar o sistema educativo.

Em Portugal, este tipo de avaliação consagra a mediocridade!

Se houvesse dúvidas, bastaria avaliar o perfil do ministro que acaba de ser demitido – Miguel Relvas. Neste caso, a avaliação externa acabou por dar frutos...

Haja esperança!

 

3.4.13

Seminal

Semenseminis...

Se ontem me referi à função do seminário para a igreja católica, hoje quero acrescentar que à Semente e ao Sémen é necessário adicionar o Sema. E, assim, o padre evangelista saía a lançar à terra o sema (a palavra), que não o sémen ou a semente... o primeiro porque convinha que fosse recalcado (sublimado), o segundo porque só deveria ser entendido enquanto metáfora inicial de uma alegoria adequada à ruralidade daqueles tempos...

Ao encurtar a palavra, regressamos à Grécia, ao radical sem- (...) à confluência da vida vegetal, animal e humana com a linguagem. Há algures um ponto seminal em que tudo começa a reproduzir-se e a fazer sentido...

E as limitações começaram com os sacerdotes! 

 

2.4.13

O seminário

Há quem tenha vivido no seminário, como eu! Há quem tenha participado em seminários, como eu! Há quem tenha dirigido seminários, como eu! Há quem tenha lido o Sermão da Sexagésima, como eu! 

Há quem não tenha feito nada disto! E alguns, só partilharam uma ou outra experiência... Mas só, hoje, compreendi a razão de ser do seminário.

No Sermão da Sexagésima, o Padre António Vieira acusa a cobardia dos pregadores que preferiam o paço aos passos, e explica com clareza que a missão do padre é sair a semear (seminare) a palavra de Deus, que não a deles... a lançar a semente à terra, que não o sémen...

 

Deste modo se pode compreender que o seminário seja para a igreja católica um espaço regulador e castrador, cujo objetivo essencial é transformar o sémen em semente. Como diria Freud, o objetivo é sublimar a líbido em energia espiritual.

É precisamente essa transformação do sémen em semente (palavra de Deus) que António Santos Lopes (Manhã Submersa, de Vergílio Ferreira) nunca conseguiu aceitar, vendo no seminário um lugar crepuscular, onde o SILÊNCIO surge como regra disciplinadora e não como caminho de descoberto do EU absoluto, divino... 

 

1.4.13

O embuste

Vej’eu as gentes andar revolvendo,
e mudando aginha os corações
do que põen antre si as nações;
e já m’eu aquesto vou aprendendo
e ora cedo mais aprenderei:
a quen poser preito, mentir-lho-ei,
e assi irei melhor guarecendo.

Pero Mafaldo (excerto de serventês moral)

A tradição avaliza a mentira, dando ao indivíduo um meio de combater a impostura coletiva…

Recentemente, a mentira, que, tempos atrás, era designada de “não verdade” ou de “inverdade” ganhou nova roupagem: o embuste. Termo de origem obscura, bem mais disfemístico do que os anteriores.

Curiosamente, o vocábulo embuste é, sobretudo, utilizado por quem se habituou a viver de ardis e não tem medo de mentir porque sabe que lida com trambiqueiros.

Para evitar a multiplicação dos trapaceiros, melhor seria que apostássemos permanentemente na procura da verdade. E, consequentemente, na denúncia sistemática da mentira, do embuste, da trapaça, do logro, da intrujice, da peta, da patranha, da aldrabice…

 

31.3.13

Mnemosine

A deusa grega da memória é anterior à invenção do alfabeto e da escrita. Nessa época, Mnemosine era extremamente poderosa, pois sem ela não havia aprendizagem e, com um pouco de boa vontade, evolução.

E como, apesar de deusa, a memória de Mnemosine não era infinita, vimo-la, desde o início do seu reinado, proteger a música e a poesia, artes primordiais para a celebração da descoberta e preservação do nome dos heróis fundadores.

Com a invenção da escrita, Mnemosine entrou em decadência tal como o cérebro humano! Se indagarmos com um pouco de atenção, perceberemos que o homem tudo tem feito para expulsar a memória para fora de si...

Hoje, os discos de memória são maioritariamente externos, assemelhando-se a memória humana à da lesma.

Creio que essa (a rejeição de Mnemosine) é a primeira causa de sermos governados por folhas de cálculo, dominados pela estatística, devorados pela imagem...

 Esta evocação de Mnemosine resulta da leitura de um conto de Lídia Jorge, Invocação a Calíope, onde, a linhas tantas, refere: "Sim, consta que teria sido durante esse sol-posto arábico que Luís Vaz teria escrito numa folha de papel - «Agora tu, Calíope, me ensina o que contou ao Rei o ilustre Gama...» E nesse ponto havia interrompido a escrita, à espera que a filha de Mnemosise, a deusa da memória, lhe trouxesse à lembrança tudo o que havia lido..." 

Na citação, sublinhei Mnemosise porque não consegui encontrar o termo. Penso que se trata de uma gralha da edição Expresso. Mas gostei que Lídia Jorge se tenha lembrado dele, pois revela ter uma memória mais apurada do que a minha. Só, recentemente, me apercebi do dom profético da autora, quando uma ex-colega do Liceu de Tomar me trouxe à memória que ela fora nossa professora de Língua Portuguesa em 1972/73. Da professora, cujo nome olvidara até porque ela desapareceu no 3º período desse ano, apenas recordava que certo dia me terá dito que a minha sensibilidade poética era reduzida, apesar de ter algum jeito ensaístico. Se havia algum caminho a seguir, seria o dos hidrocarbonetos.

Por outro lado, a citação também serve para explicar a familiaridade com o Poeta. Afinal, a ideia de "Um dia com Luís Vaz", não é original! Tem como antecedente, «o sol-posto arábico (em) que Luís Vaz" solicitou a ajuda de Calíope, filha de Mnemosine...

 

 30.3.13

Irreverências

Ao avistar uns ténis pendurados numa árvore da praça José Fontana, não posso deixar de pensar na irreverência da juventude. E associo os ténis, ali, suspensos, a uma vocação irremediavelmente perdida! A irreverência também pode causar danos!

E já agora aproveito para notar que a peça “Isto é que me dói!”, de Paulo Pontes, Teatro Villaret, também denota a presença da irreverência do “doente” José Raposo num hospital em que os regulamentos são, afinal, mais importantes do que os pacientes…

Apesar da brejeirice de certas situações e das alusões fáceis aos atuais governantes, a peça não deixa de ridicularizar um modelo hospitalar, em que o diretor do hospital pede autógrafos ao doente famoso, o chefe clínico adia tragicamente a intervenção cirúrgica, e os enfermeiros vivem fechados nas respetivas taras... (três estereótipos) …

Tudo, ou quase, em família raposo!

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29.3.13

Res non verba!

  1. RES NON VERBA. A divisa da PSP preocupa-me porque salta à vista sempre que decido encaminhar-me para o Tejo. Temo que o meu passeio possa ser interpretado como um desafio à autoridade, uma marca de clandestinidade ou de vagabundagem. E se assim for, corro o risco sério de ser algemado ou pior, sem ter o direito de me explicar. Vou ter de alterar a rota… (fobia, certamente)
  2. Um painel japonês ali colocado desde 1998, presumo. E eu que nunca tinha reparado nele! Mesmo agora, são tantos os triângulos que os motivos me escapam… (eurocentrismo, evidentemente)
  3. Depois há um canavial. Dele apenas a reflexão sobre a cor, barrenta, acastanhada… e a ideia de que na ausência do sol, a cor permanece ou ganha outro tom que nós não queremos ver. E à volta, o verde, vigoroso, quase artificial, abre o caminho para o rio, também ele convulso e enlodado… Ainda pensei começar (Depois havia um canavial…, mas não faz sentido, ele continua lá!)
  4. E para terminar a curva, só visível se não ajustar, endireitar, a foto! A curva que ladeia o charco; a vida vegetal, indiferente à extensão e duas canas, vindas de outro canavial mais distante, mas não menos real… (Só que eu não o procurei!)
  5. Afinal, a vida tem cor! Eu, a palavra! E a PSP, o cacete!  

 

28.3.13

Eugénio de Andrade 

O passado é inútil como um trapo

Dentro de ti

não há nada que me peça água.

O passado é inútil como um trapo.

Eugénio de Andrade, Adeus

As últimas vinte e quatro horas vieram confirmar que o passado só atrapalha! Nem serve para limpar a imundície que, ilusoriamente, confundimos com a riqueza, a beleza ou o amor. O passado, qual romeiro, só traz o caos!

(As árvores não se preocupam com o passado e por isso continuam a florir!)

 

26.3.13

Contra os gestores de almas

A leitura das «mortais contradições «de Antero traz a cada passo o desfasamento entre o IDEAL do autor e a acentuada decadência de uma nação desprezada pelas potências europeias emergentes. Paradoxalmente, a geração, dita de 70, sonhava com a Europa sem perceber que esta estava a traçar o aniquilamento de Portugal.

Essa estratégia está quase concluída. E nós continuamos sem perceber! A vitória de Aljubarrota teve o sabor amargo de fazer compreender que o destino português se escrevia fora, contra a Europa. E assim foi, nos séculos XIV e XV!

O sonho da Europa acabou sempre em pesadelo. E desta vez não será diferente...

Embora Antero tenha sabido enunciar as causas da decadência próxima, acabou por aristocraticamente desdenhar o novo mundo para, irremediavelmente, mergulhar em si próprio, na loucura e no suicídio.

 «Enlouquecer é em geral a via de escape mais segura e eficaz dos que rompem consigo próprios após (…) uma penosa luta.»

«E os psiquiatras que fazem eles? Procuram exasperadamente curá-lo de si mesmo, reduzi-lo ao lugar-comum do homem «normal», social, sociável, conformista inconformado, fraterno-sectário – que é justamente o que ele não quer ser, voltar a ser!» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 45

 Hoje, farto de diretores espirituais, psicanalistas, psicólogos, psicoterapeutas e de psiquiatras, decidi abandonar a Europa, sem dela sair... vou apenas seguir o meu caminho até que todas as folhas se libertem de mim... 

 

25.3.13

A obra não é o homem

Posicionado a meio da encosta, observo o porto de abrigo. Formas e cores tomam conta do meu olhar, incapaz de se fixar no pormenor de cada obra que a máquina consegue capturar.

A foto pouco diz sobre o «fotógrafo». Esta revela, no entanto, múltiplas “obras” cujos autores se apagaram. Só o narcisismo pode fazer crer que a obra é a expressão imediata, primária e sincera do seu autor.

Neste sentido, a leitura do texto literário como expressão primária do autor é deformadora e, sobretudo, geradora de desnecessária alienação e, frequentemente, de emulação.

 

 

 

24.3.13

O prédio, a ponte, o rio

Talvez possa apagar o prédio da foto, mas ele continuará lá para me coartar a visão. Por outro lado, se atravessar a ponte, o obstáculo desaparecerá do meu olhar, apesar do prédio continuar no mesmo lugar.

Assim, temos, por um lado, o ponto de vista e, por outro lado, o prédio e a ponte, insensíveis a qualquer subjetividade.

A própria ponte, de acordo com certos pontes de vista, também ali não deveria estar. O rio, só, correria para o mar… ou será ao contrário?

O rio, a ponte, o prédio estão para ficar! Eu passo, a olhar e, impreciso, percebo que a decisão é avançar mesmo que tenha de ajustar o ponto de vista.

Em conclusão, de nada serve apagar o prédio da foto ou crucificar o arquiteto, pois a dívida continuará a crescer!

 

23.3.13

Ação e estesia

«Claro que há escritores que são homens de acção ou profissão intervalar: amorosos, caçadores, guerreiros, aventureiros, políticos, homens de negócios e/ou trapaças, etc., que agem sobretudo para ter o de que escrever, para rememorar gostosamente, íntima e demoradamente as acções que praticaram ou exerceram. A acção, neles, não é tanto um fim em si, como a escorva, espoleta ou detonante, o estímulo e nutriente da obra, que é, esta, o seu gozo secreto, autista, de evocação, contemplação e projeção au ralenti. A sua estesia suprema reside menos no agir do que no rememorar-escrever, no retrospeto e na análise, na digestão, ruminação ou solitária exploração das emoções…» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 33

A reflexão de José Rodrigues Miguéis é cativante, mas difícil de aceitar, pois, como diria Paul Ricoeur, in do texto à ação, «agir significa, acima de tudo, operar uma mudança no mundo».

Para JRM, certos escritores envolver-se-iam na "vida" como «ação de base» para mais tarde terem o de que escrever, dando à estampa a expressão de uma sensibilidade assente no real, mas liberta das poeiras do caminho.

Ora, como «agir é fazer sempre alguma coisa de modo que aconteça qualquer outra coisa no mundo» (P. Ricoeur, op.cit), o homem de ação corre inevitavelmente riscos (mesmo, de vida) que não pode antecipar. Assim, não faz qualquer sentido, por exemplo, participar na guerra de libertação ou desertar das fileiras do exército colonial, como aconteceu, respetivamente com Pepetela e Manuel Alegre, para mais tarde poder construir uma obra literária que lhes traga gozos privados ou os faça perdurar além morte.

 

Outra ideia que decorre do pensamento de JRM é que haverá escritores que não são «homens de acção». Homens e mulheres que poderão escrever as suas obras, longe da vida. Homens e mulheres que conseguem escrever sem terem experiência da vida. E esse é outro problema! 

 

 22.3.13

Óscar Lopes

(Breve apontamento)

Óscar Lopes (Nasceu a 2 de Outubro de 1917, em Leça da Palmeira numa família de músicos. Faleceu, hoje, 22 de Março de 2013). Irmão de Mécia, mulher de Jorge de Sena. Professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Linguista, Historiador de Literatura. Membro do Comité Central do Partido Comunista Português, a que aderiu em 1945. Esteve ligado a todos os movimentos de resistência ilegal ou semilegal desde 1942. Foi companheiro de prisão de Agostinho Neto (A). Na Faculdade, teve colegas como Baltasar Lopes (CV).

Entre 1951 e 1957, fez crítica literária n’O Comércio do Porto. Em 1958 e 1959, não pôde usar o seu nome, por ordem da Censura. Passou a assinar «Luso de Freitas».

Entre 1974 e 1976, foi diretor da Faculdade de Letras do Porto, chegou mesmo a reitor, em regime de interinato, por ausência do reitor, prof. Ruy Luís Gomes.

Foi promovido a professor de catedrático, apesar de não ter um doutoramento formal, mediante o parecer de Vitorino Nemésio e de Jacinto Prado Coelho.

Comecei a conhecê-lo, a ele e a António José Saraiva, em 1971-72, através da História da Literatura Portuguesa. Nunca lhe perdi a vasta obra, sobretudo, a ensaística, com a qual aprendi a saber ler os sinais e os sentidos. E não só!

Parte mais um ilustre português cujo verticalidade nunca foi devidamente reconhecida.  

21.3.13

Em deformação

Comprometer-me, eu!?
- Cada macaco no seu galho!
- Senhora doutora, eu não quero saber de nada!
- A minha preocupação é evitar o ruído!
- É necessário simplificar!
- Eu não quero é que haja recursos!
- Eu sou uma pessoa cautelosa! Sempre fui assim!
- Agora estou aqui, amanhã posso estar aí!
- A sério, o que é preciso é conhecer o decreto regulamentar...

Sala polivalente, em anfiteatro, aberta sobre a cidade. Os olhos perdem-se longamente no casario que vai crescendo em direção à linha do horizonte, de forma que a serra e o mar se esfumam.

Os edifícios dispõem-se em pesados volumes horizontais, para, depois, se elevarem verticalmente como se quisessem fugir para o cinzento do céu.

Telhados e terraços escondem vidas sempre distantes e, aqui e acolá, um cedro sombrio, um abeto esbracejante e um pinheiro altivo assinalam outros tempos, outras gentes mais próximas do que estas, minhas irmãs, que insistem num diálogo impossível...

De tal modo, o olhar procurou o arquiteto que desenhou esta dimensão-duração que percebi que também estava em deformação.  

 

20.3.13

O blogueiro também é um Fala-Só!

O título é emprestado e serve para resumir o que acontece a quem escreve neste blogue - um Fala-Só. Mas nem sempre se está só. Quero acreditar que os verdadeiros escritores, mais do que narcisos comunicantes, são seres que se habituaram a dialogar silenciosamente com as vozes do quotidiano. Só que essas vozes ora lhe estão próximas ora distantes.

Os blogueiros não são, em regra, escritores, mas encaixam bem nas motivações e nos objetivos definidos por José Rodrigues Miguéis - blogueiro avant la lettre.   

«O homem que escreve por imperiosa necessidade (…) é o que fala primariamente consigo e para si próprio, um Fala-Só, embora, com maior ou menor consciência disso, o faça para os outros também: a fim de se conhecer, revelar, surpreender, compreender, exprimir e comunicar, objetivar-se e justificar-se, supor-se ou confessar-se, disfarçar, mentir a si mesmo e aos outros (sobretudo), e enfim para convencer, mobilizar, catequizar ou proselitar os seus hipotéticos leitores. Quantas vezes, mesmo, simplesmente para gozar – ou sofrer!...

(…) É, pois, um narciso comunicante ou comungante a mirar-se nos outros: convive-a sós. Porque escrever é, antes de tudo, um acto de intimismo, de intimidade e confiança com e em si mesmo, de confidência: como o sonho e a quimera. Quem não tiver essa auto-intimidade, poderá escrever montanhas, que nunca será escritor!» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 31, Do homem no escritor (e vice-versa)

 

19.3.13

Dissonâncias ambientais e resiliência

Ao ouvir um programa radiofónico (TSF) sobre o Parque Natural do Alvão não pude deixar de me surpreender com a repetição da expressão «dissonâncias ambientais». Inicialmente, pensei que a invernia estivesse a afetar o canto das aves. Mas, não!

O entrevistado explicou que encontrar um frigorífico no leito de um rio é um exemplo de «dissonância ambiental». O mesmo se poderá dizer de todo o tipo de entulho lançado para a floresta ou para o espaço... Compreendi a ideia e fiquei a pensar na expressão.

Na mesma entrevista, fui surpreendido por outro significante - «naturalizar». No caso, como o agente é a Natureza, é-me mais fácil aceitar a inovação linguística: esta não só é capaz de integrar «as dissonâncias ambientais» como as transforma em novas formas de vida. 

De qualquer modo, fiquei sensibilizado com as iniciativas que visam uma educação ambiental capaz de pôr cobro às «dissonâncias ambientais».  

Não posso, no entanto, deixar de pensar noutras «dissonâncias», como a troika, a classe política europeia e nacional. E espero que não sejamos tão resilientes como a Natureza, até porque nos falta o tempo humano.

No que me diz respeito, sou totalmente contra a «naturalização» destas dissonâncias predadoras.

 PS. Já andava há uns dias a querer utilizar o termo resiliência. Foi desta! Lembro que é um termo que todos deveríamos banalizar, pois explica a política do governo: propriedade de um corpo (um país) de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação (memorando)...

 

18.3.13

Desenhar...

Diz Álvaro Siza Vieira: «Desenhar é um vício desde menino (...) porque permite o lançamento de hipóteses de uma forma muito expedita e muito maleável (...) porque passou a fazer parte de um método de trabalho e de um hábito mental que depende muito desta relação entre as mãos e a mente.» Expresso, 16.03.2013

Nunca consegui desenhar nada que se aproveite, embora, a espaços, tenha tentado. Sempre me considerei desajeitado, mas nunca pensei seriamente na relação entre as mãos e a mente, embora as veja como um prolongamento dependente do olhar.
À medida que envelheço, vou tomando consciência de que o desajustamento desta tríade - mente, olhos, mãos - me condiciona diariamente a ação, e creio, agora, que sempre me condicionou.
E como não acredito no inatismo, sou levado a pensar que conheço a causa, embora a não confesse. Porquê? Porque não faz sentido ajustar contas com o passado. No entanto, o recalcamento é o pior inimigo da harmonia necessária à coordenação da ´tríade - mente, olhos, mãos - e do desenvolvimento de automatismos mentais capazes de acrescentar e melhorar a realidade.

O tempo corre, e o desenho não surge. Agora, a tríade é outra: mente, ouvidos, pernas...

 

Urgências

Hospital de S. José, Lisboa

(Dezenas de doentes esperam pacientemente, e não é por Godot!)

 

Chegada às 18 horas.

Atendimento às 23 horas.

Duração da consulta: 40 minutos. Sempre a registar os sintomas declarados pelo paciente. Fica-se sem saber se o médico tem acesso ao longo historial do paciente no sistema nacional de saúde e, sobretudo, naquele hospital.

Os dados dos doentes estão ou não disponíveis numa base de dados nacional? Se estivessem a triagem decorreria obrigatoriamente de outro modo e o tempo de espera e de atendimento seria bem menor...

Conclusão: Não necessita de mais exames de diagnóstico, para além da incidência na tensão arterial e na reflexologia.

Taxa: 20 euros e 60 cêntimos!

Afinal, o que é que poderá ter levado o paciente à urgência? Certamente que não terá sido a vontade de pagar 20,60€, mais 6,75€ de estacionamento no ‘bem frequentado’ parque do Martim Moniz.

À meia-noite, a praça está entregue a si própria! As arcadas do Centro Comercial completamente lotadas de sem-abrigo, com a curiosidade de alguém ali ter instalado uma tenda de campismo!

Parece-me uma boa ideia! O António Costa ainda está a tempo de ali mandar instalar um parque de campismo, até porque o hospital de campanha já lá está...

Em síntese, os amadores continuam a dar cartas e a desperdiçar os escassos recursos do país!

 

16.3.13

Programação do caos

«À extensão-duração ou dimensão-tempo de cada ser ou coisa corresponde um padrão, uma noção própria, subjetiva, da amplitude do seu movimento, ritmo ou duração. À chacun son temps! O universo transborda de «tempos» ou medidas de tempo as mais variadas. “José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 27

A pequenez do homem resulta não só da sua incapacidade de compreender a multiplicidade de «tempos» que constituem o universo, mas, sobretudo, da insistência de uma minoria em subjugar milhões de outros homens.

A liquidação do trabalho é provavelmente o meio mais eficaz para alienar o homem, para lhe reduzir o tempo de vida, isto é, a sua «extensão-duração».

O homem sem trabalho torna-se indigente, misantropo, egoísta e tendencialmente suicida. Se consciente, acabará por mergulhar na depressão, procurando sumir-se.

A pobreza intelectual da atual classe política está a ser utilizada pelos grandes predadores para levar a cabo a programação do caos.

 

15.3.13

O tempo humano

Canção gitana

Le dijo el Tiempo al queré:/ Esa soberbia que tiene / Yo te la quitaré! -  José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 26: O Tempo disse ao Amor:/ essa soberba que tens / eu ta hei de tirar!)

JRM também refere que «o tempo humano, a nossa cronometria, é a nossa própria vida em curso medida ou contada em latejos cardíacos, a transformação contínua ou progressiva da espécie e do seu mundo.»

Os resultados da 7ª avaliação são claros quanto ao desprezo do tempo humano, dos latejos cardíacos de milhões de portugueses, como se o tempo absoluto os quisesse devorar, dando expressão ao mito de cronos, ou, melhor, espelhando a ação dos nossos irredutíveis credores.

No entanto, ao contrário da lição gitana, os latejos cardíacos, mais cedo ou mais tarde, hão de pôr termo à usura.

 

 

14.3.13

Mãos sujas

Además de haberse hecho cómplice de la dictadura, Bergoglio denunció como subversivos a dos sacerdotes jesuitas, Orlando Yorio y Francisco Jalics, que creían en vivir una vida humilde junto con la gente pobre de Argentina y predicarles a los pobres el evangelio. Como resultado, los sacerdotes fueron secuestrados, torturados y finalmente exiliados por la dictadura.

Ainda antes de saber quem era o eleito para a cadeira de S. Pedro, considerei, aqui, que os 115 cardeais, estavam prestes a (re)definir a natureza do pecado.

E parece não haver dúvida em certos sectores do povo argentino: o conclave, num gesto único, decidiu a favor de Deus contra o Homem. Sobretudo, porque o eleito parece ter as mãos sujas do sangue derramado, não por Cristo, mas pelo povo durante a ditadura argentina. 

Doravante, a Igreja combaterá redobradamente o pecado contra Deus, fechando os olhos ao pecado contra o Homem.

 

Entretanto, não posso deixar de assinalar o modo como a escolha do nome mágico FRANCISCO trouxe, de imediato, à superfície a construção de uma imagem de despojamento, de entrega à pobreza e à simplicidade sem que os jornalistas tivessem verificado a natureza do homem, os compromissos assumidos anteriormente em Itália e na Argentina: não frequenta restaurantes, anda de bicicleta e de autocarro, lava os pés aos pobres e aos doentes; só depois de estudar Química, descobriu a vocação; aos 22 anos perdeu meio pulmão; levanta-se às 4h30 todos os dias. Só lhe faltam as asas!

 

13.3.13

A natureza do pecado

«E eu senti, como não sei explicar, que o tanoeiro, e o sol, e tudo o que era do mundo, tinham um vício secreto, uma sujidade intrínseca do pecado.» Vergílio Ferreira, Manhã Submersa

Cercados, seguimos voluntariamente, ou não, o caminho que nos pode libertar da condição original. Órfãos, somos levados para espaços distantes e, lá, precisamos de subir a escada da adaptação. Bravios, preferimos o assobio do tanoeiro, o largo da aldeia e a ternura da alvorada... e o desvio torna-se pecado, não contra Deus, mas contra nós próprios.

A ciência está em saber compreender o que distingue o pecado contra Deus do pecado contra o Homem.

O pecado contra Deus submete, aliena.

O pecado contra o Homem compromete o futuro do próprio homem. Torna-o refém da sua condição de bicho vil e pequeno.

Hoje, dia em que 115 cardeais escolheram o novo Papa, eles também decidiram da natureza do pecado.    

 

12.3.13

Aquilo que nos motiva...

Aquilo que nos motiva é frequentemente inexplicável! 

Com o «discurso do pastel de nata» pensava atrair uns tantos gulosos para o problema do amadorismo que faz de nós palhaços de um psicodrama coletivo.

Afinal, vejo-me na mesma situação que o ministro Álvaro quando nos convidou a exportar pastéis de nata...

Errei a aposta. Deveria ter preferido o bacalhau com natas! Há, no entanto, um problema. Esta opção agrava o deficit. Creio ter referido noutro «post» que, nos anos 30 do século passado, a importação de bacalhau já era um pesado encargo para o erário público.

Do mesmo modo, considero que a importação da avaliação externa dos professores, para além de sobrecarregar o contribuinte, mais não é do que um decalque do tipo de avaliação praticado pela Troika em estreita articulação com o avaliador interno...

Só falta que os professores passem a ser avaliados trimestralmente!

(...)

Em alternativa ao «discurso do pastel de nata», poderia ter dissertado sobre a «programação do caos» de José Rodrigues Miguéis que, nos anos 70, alertava para o perigo de ignorarmos que a qualidade da visão externa é muito diferente da visão interna, pois a velocidade de processamento é distinta, porque a primeira é gulosa, apressada, e a segunda é sóbria e metódica.

E também poderia ter seguido o raciocínio daquela aluna que censurou o professor quando este, na aula de língua materna, a propósito do poema Amor, de Miguel Torga, se referiu à consciência moral. Esse conceito só poderia ser objeto da aula de Filosofia. Aliás, acabava de ser objeto de teste! O que é que um Poeta, acolitado por um triste professor de Português, pode ensinar sobre o despertar da consciência? Sobre a passagem da inocência à consciência? Sobre a descoberta do Amor? Sobre a paixão e a dor?  

É tudo tão fútil quando a visão externa aniquila a visão interna!

A jovem deusa passa

Com véus discretos sobre a virgindade;

Olha e não olha, como a mocidade;

E um jovem deus pressente aquela graça.

 Depois, a vide do desejo enlaça

Numa só volta a dupla divindade;

E os jovens deuses abrem-se à verdade,

Sedentos de beber na mesma taça.

É um vinho amargo que lhes cresta a boca;

Um condão vago que os desperta e toca

De humana e dolorosa consciência.

E abraçam-se de novo, já sem asas.

Homens apenas. Vivos como brasas,

A queimar o que resta da inocência.

Miguel Torga, in 'Libertação'

    

 

11.3.13

O discurso do pastel de nata

«-Temos aqui a nata!»

O enunciado pretende adular o interlocutor. Colocá-lo, de imediato, num espaço de ocupação de tempo, responsabilizá-lo pelo insucesso da formação.

Hoje, foram 6 horas! Tenho aqui ao lado a declaração de que estive presente na sessão de formação sobre avaliação externa da dimensão científica e pedagógica...

Como pastel de nata, fui mais uma vez adulado e devorado!

Há mais de 30 anos que recebo declarações deste teor, em que sou submetido a uma metodologia de disparo aos tordos e saio mais confuso do que entrei...

A formação é entendida como psicodrama: cada um improvisa em torno de um tema que nunca chega a ser conceptualizado. O tema do encontro era a "avaliação externa"!

Supostamente, este tipo de avaliação visa uma observação limpa de cumplicidades, ódios, intrigas. Mas rapidamente, contrariando o decreto regulamentar, surgiram despachos e circulares a impor a ARTICULAÇÃO entre avaliador externo e avaliador interno. (...) Isto, sem falar, no artigo 21º, nº4, que reza: «A secção de avaliação do desempenho docente do conselho pedagógico atribui a classificação final, após analisar e HARMONIZAR as propostas dos avaliadores, garantindo a aplicação das percentagens de diferenciação dos desempenhos previstos.» Decreto Regulamentar 26/ 2012, de 21 de fevereiro.   

Neste psicodrama, o «coordenador da bolsa», por entre palavras de fraternidade, bem queria o seu prolongamento para uniformizar procedimentos em relação à observação dos avaliados. 

Em 2013, a avaliação de docentes traz-nos, assim, novas figuras: formador de avaliadores externos; coordenador da «bolsa» dos natas (diretor do centro de formação); avaliador interno; avaliado em regime duplo... algures a DGAE...

Vale a pena lembrar que os "nata", também, são professores que, entretanto, deixam os seus alunos sem aulas para passarem a figurantes de absurdos psicodramas.
Já é tempo de acabar com o alijamento de responsabilidades, com estes psicodramas inócuos! Não basta sair à rua! Há um desperdício de recursos humanos e financeiros insuportável. Talvez a Troika possa um dia destes pôr termo ao discurso do pastel de nata.

 

10.3.13

Sem imaginário possível

Os não inscritos, na língua do filósofo José Gil, vivem, pela primeira vez, o drama de não terem nem passado nem futuro, pois o Governo lhes rouba o presente.

Sem imaginário, estes milhões de portugueses manifestam-se, esfíngicos, num grito surdo que, subitamente, pode desencadear energias incontroláveis...

Sem ideologia ou, seguindo o exemplo de José Gil, revendo-se numa esquerda sem rosto e incapaz de definir uma alternativa, a procura de inscrição pelas vítimas desagua na nulidade.

Assim sendo, os caminhos estão traçados: ou as vítimas se insurgem e derrubam os muros que as cercam, ou, uma a uma, encontram forma de se libertar da nulidade em que o poder as afoga.

Sem imaginário possível, os não inscritos caminham, ainda não sabem é para onde! E nesse aspeto diferenciam-se da abulia que caracterizou as gerações anteriores.

(Texto inspirado na entrevista radiofónica feita a José Gil, e transmitida pela TSF entre as 11 e as 12 horas deste domingo.)

 

9.3.13

A Cinemateca em tarde de Mikio Naruse

Hoje, regressei à Cinemateca. Não sei o que lá se passa, mas parece que alguém terá feito uma viagem ao sótão ou às arrecadações. As galerias estão cheias de velharias colocadas aleatoriamente. Ou será uma instalação? O restaurante, encerrado. A livraria deserta...

Na Sala Félix Ribeiro, ONNA GA KAIDAN O AGARU TOKI (Quando uma Mulher Sobe as Escadas / 1960). Filme do japonês MIKIO NARUSE!

Apesar de Mikio Naruse, 1955, ter afirmado que nos seus filmes «se passa pouca coisa» pois «terminam sem se concluírem, como a vida», a intriga centrada em Keiko é extremamente interessante, pois retrata a luta de uma mulher que procura um lugar ao sol num mundo de homens, aparentemente, bem-sucedidos - uma luta diária em aberto, no caso de Keiko, mas fechada para muitas outras, como a de Yuri, a antiga empregada.

No essencial, Mikio Naruse assume a luta das mulheres, mostrando-as a subir repetidamente as escadas, mas sem fechar a história, porque na vida só a morte a encerra definitivamente.

 

8.3.13

Carreira contributiva e contrato social

Em Portugal, há um equívoco no que respeita ao cálculo das pensões, porque não se distinguem as situações de quem trabalhou 38-40 anos, fazendo os descontos exigidos, daqueles que, por razões várias, descontaram muito menos.

O cálculo da pensão de reforma deve incidir sempre, e apenas, nos valores cativos ao longo  da carreira contributiva.

As restantes situações deveriam ser vistas à luz do contrato social que o país, a cada momento, puder sustentar.

É necessário distinguir o direito à reforma do direito a outros subsídios como, por exemplo, os de sobrevivência, de invalidez, de reinserção...

Não é por acaso que a Troika vem exigindo a redução das pensões. Em termos globais, a exigência faz sentido. O que ninguém lhe explica é como é que se chegou aqui. E sobretudo o governo não quer encarar o problema de modo diferente, porque dá trabalho e deixaria a nu a quantidade de gente que vive à custa do trabalho alheio.
Este é um exemplo de reforma estrutural que continua por fazer: separar as águas, começando por distinguir a carreira contributiva do contrato social e modos de financiamento deste último.

 

7.3.13

O regresso de Salazar

Porque nasci durante o Estado Novo, não me custa compreender o atual objetivo de baixar os salários. 

Salazar desenhava e controlava o orçamento do estado com mão de ferro. O equilíbrio das contas era assegurado da forma mais primária: grande parte da população era esquecida; vivia isolada; emigrava clandestinamente... O povo mais não era do que bala para canhão...

Salazar tinha o seu galinheiro privativo e não consta que apreciasse as importações.

Na verdade, Coelho, Gaspar, Borges e Moedas não pensam de modo diferente: reduzir e congelar salários e pensões é a forma mais simples de contentar os credores, sem olhar aos efeitos.

E ainda há quem defenda que vivemos em democracia. Triste democracia! O pensamento é o de Salazar e não consta que ele apreciasse a democracia...

 

6.3.13

Tribunal arbitral decide serviços mínimos

Amanhã, 07.03.2013, deverão ocorrer perturbações nos autocarros, em Lisboa, já que foi convocada uma greve na Carris, entre as 8h e as 16h. Neste caso, o tribunal arbitral definiu como serviços mínimos a realização integral de 11 carreiras (703, 735, 736, 738, 742, 744, 751, 758, 759, 760 e 767).

Seria bom que o Tribunal arbitral esclarecesse o critério para definir os serviços mínimos na greve da Carris.

Por exemplo, amanhã, os habitantes da Portela (Lisboa Norte) deslocar-se-ão para a Lisboa: a pé, em veículo de duas rodas, ou de automóvel.

 A bem da higiene e da poluição!

 

5.3.13

Enfado

Se pudesse apagar-me...
    sinal seria de que a minha presença tacitamente se esbateria
    deixaria de responder à vaidade matinal e à soberba crepuscular

Esconderia o olhar
    escutaria as vozes límpidas
... mesmo se uma parte dos fonemas se esbatesse no ar

Constrangem-me a vaidade e a soberba
    a responder à soberba matinal e à vaidade crepuscular

Se pudesse apagar-me...
... mesmo se uma parte dos fonemas se esbatesse no ar

 

4.3.13

Na Toca

Hoje, o Governo continuou na toca à espera que a trovoada passasse. Talvez lá para a Primavera o tenhamos de regresso e nos venha dizer que a intempérie passou…

Com um pouco de sorte, o céu poderá regressar ao azul, o sol poderá voltar a incendiar os corpos, e, aí, os portugueses avançarão pelo oceano sem regresso.

 

3.3.13

Abra-se a vala!

Em tempo de aluvião, há quem não pense duas vezes. Abre-se a vala e depois logo se verá... O coveiro já desistiu de olhar para o Céu! O Grande Arquiteto parece ter abandonado a Obra..., Mas há, em Portugal, decisores capazes de atribuir oito euros e noventa cêntimos (8,90 €) de rendimento social de inserção.

Abra-se a vala!

 

 

 

 

 

 

2.3.13

Xikeliwu 细颗粒物

Finalmente, o nevoeiro desapareceu dos céus de PEQUIM!  A capital está, a partir de agora, coberta por "matéria de partículas finas" (PM 2,5) ...

Para a criação da nova palavra «xikeliwu», foi necessário o contributo de meteorologistas, ambientalistas e linguistas.

Finalmente o nevoeiro desapareceu, mas continua a morrer-se da mesma causa... 

O que me faz lembrar o sonho acalentado por grande parte dos portugueses, governo inclusive: Abaixo a Troika!

Desaparecida a Troika, o país continuará literalmente coberto pela atávica «matéria de partículas finas».

XIKELIWU! Com passo ou sem passo!

 

1.3.13

Com passo ou sem passo...

E o Céu vai-se cobrindo de cinza fria!

Talvez, amanhã, o sol brilhe por um instante!

Claro que os fiéis respiram esperança e a Grândola irá cumprir a sua função, mas, ao cair da noite, o «clássico» impor-se-á...

De qualquer modo, com passo ou sem passo, o Céu cobrir-se-á de cinza fria para as vítimas.

Só que elas ainda não sabem...

 

28.2.13

Ideologia fracionante

Há termos que, embora possíveis, não merecem registo nos dicionários. É o caso de "fracionante"!

Apesar disso, creio que, em Portugal, o presidente da República e o primeiro-ministro, aparentemente distantes, têm vindo a convergir ao promoverem encontros com juventudes profissionais e partidárias. 

Ambos procuram a cumplicidade da juventude, mas apenas de uma parte. A restante é indolente e arruaceira.

Esta indolente e arruaceira juventude é da mesma estirpe dos velhos que, supostamente, não compreendem os sacrifícios que lhes são impostos.

Cada iniciativa revela a vontade de fraturar, colocando a parte contra o todo, multiplicando as partes, erigindo falsas elites, guardas imediatas de uma ideologia fraturante capaz de destruir os valores da solidariedade e da justiça.

 

27.2.13

Nada eméritos

(emérito - que tem prestado longos e bons serviços; jubilado; aposentado...)
Sua Santidade, papa emérito! *

Fascinados, repetimos ritualmente a palavra "emérito", reconhecendo a natureza excecional do homem que orgulhosamente deixa, por vontade própria, de ser a VOZ de Deus e, ao mesmo tempo, deixamos humilhar todos aqueles eméritos que, nos seus ofícios, prestaram longos e bons serviços...

Ao contrário de Sua Santidade, milhões de reformados (aposentados, jubilados) esperam ansiosamente pelo resultado da 7ª Avaliação, sabendo, de antemão, que, antes da foice os ceifar, o cristianíssimo e emérito Governo os depenará. 

* E talvez valha a pena pensar na origem do termo emeritum: o prémio, ou dinheiro, que se dava aos soldados acabado o tempo da milícia.

 

26.2.13

Cortados pelo meio

Um toque de campainha dobrou-nos pelos joelhos. E foi assim, vencido, cortado pelo meio, que eu fiquei a recordar-me para a minha vida inteira… Vergílio Ferreira, Manhã Submersa

 Talvez ainda não caminhemos, cortados pelo meio, mas, depois da 7ª avaliação, estaremos mais perto! 

Há quem viva a ilusão de que caminha de cabeça erguida, de que basta o toque a reunir para que o povo se levante e expulse o estrangeiro.

O problema é que o fantasma é interior e alimenta-se do comodismo e da inércia!

Há muito que o desafio interior soçobrou! E já não há sineta que nos desperte ou nos acorrente...

A TROIKA apenas encontrou aqui o pasto de que os lobos vorazes se nutrem.

 

 

 

25.2.13

Nas mangas do viatório

«Fui subindo a larga escadaria em cujo topo um padre quieto, de mãos escondidas nas mangas do viatório, ia separando as Divisões para as respetivas camaratas.» Vergílio Ferreira, Manhã Submersa, cap. II

 Viatório
1.Relativo a via, a caminho.
2. Peça de vestuário usada pelos padres.

A primeira aceção vem registada em todos os dicionários. A segunda em nenhum. Nem no Aurélio! A partir de hoje, passa a estar registada em http://www.dicionarioinformal.com.br/

Curiosamente, ainda retenho de antanho essas mangas de sotaina donde as mãos eclesiásticas podiam subitamente sair para esbofetear o incauto.

Claro que os tempos não vão de feição a aprofundar tais catacreses, mas a inteligibilidade de certos textos continua a depender da consulta dos dicionários que, no caso, deixam muito a desejar.

Se consultarmos um dicionário latino-português, perceberemos que o viatorius é o que serve para a jornada..., portanto, o viatório de Vergílio Ferreira parece ser uma daquelas peças que esconde outras peças mais íntimas do pó da estrada ou do contacto mundano...

e que curiosamente poderiam ser constituídas por 33 botões, de alto a baixo, representando a idade de Cristo, e ainda 5 botões em cada pulso, representando as chagas de Cristo. 

E assim o viatório podia simultaneamente esconder uma ameaça e dificultar o inevitável assédio nas praças castrenses que eram os seminários.

 

23.2.13

O conselheiro Borges

Para o conselheiro Borges, há por aí uns tantos portugueses acomodados que vão resistindo à mudança! Fica-se, no entanto, sem saber a quem é que o senhor conselheiro se refere: Serão aqueles que não abrem mão da riqueza? Ou os que não abrem mão do emprego? Ou os que entendem que não devem abrir mão da pensão de reforma? Ou os que pura e simplesmente resistem à morte?

Para o senhor conselheiro, o ideal é que todos abram mão do que é suposto pertencer-lhes. Esse gesto magnânimo libertar-nos-ia aos olhos de Deus e dos Iscariotes.

O que não sabemos é se o senhor conselheiro já abriu mão de alguma coisa! E também não sabemos de quem foi a ideia de o nomear conselheiro e, provas dadas, de lhe renovar o mandato. Sabemos, no entanto, quem lhe paga os pérfidos conselhos: o povo português. 

 

 

22.2.13

Em cada esquina um valido

«Os eunucos devoram-se a si mesmos
Não mudam de uniforme, são venais
E quando os mais são feitos em torresmos
Defendem os tiranos contra os pais»
      José Afonso, Cantar de Novo

Se houvesse menos validos neste país, os tiranos estariam a acabar! O problema é que eles são aos milhares!

Basta ler as primeiras páginas dos jornais, dar atenção aos noticiários das rádios e das televisões, espreitar os púlpitos das igrejas e dos ministérios, para perceber por que motivo não se procede à reforma das instituições.

Não é só o Estado que necessita de ser repensado. São, também, todas as corporações que o Estado Novo nos legou e o 25 de Abril acrescentou!

Enquanto isso não acontece, vamos assistindo à dança das cadeiras na Igreja Católica, nas Forças Armadas, na Justiça, na Saúde, nas Autarquias, no Futebol... por isso estes validos quando os mais são feitos em torresmos / Defendem os tiranos contra os pais.

E até os tiranos já sabem tirar proveito de Grândola, Vila Morena, pois sabem que têm «em cada esquina um amigo», isto é, um valido...

 

  20.2.13

Ferreira Leite e a espiral recessiva

«Só tenho dúvidas e fico à espera de que alguém me explique sobre o que é uma espiral recessiva.» Expresso, 16 de fevereiro de 2013 

Embora estranhando que a doutora não tenha pedido esclarecimento ao economista Cavaco Silva, gostaria de esclarecer que não haverá espiral recessiva sem que haja espiral dominante, isto é, em regra, o pensamento da maioria tende a ocultar o pensamento da minoria que, no entanto, pode começar a alastrar subterraneamente, ameaçando a democracia formal.

O político Cavaco Silva já percebeu que o seu poder pode ruir por força da espiral recessiva.

Quanto à doutora Ferreira Leite, o que ela quer saber é se, involuntariamente, já saiu da espiral dominante, passando a fazer parte da espiral recessiva.

Há, contudo, um dado que eu posso confirmar: o modo como introduziu a preposição sobre no seu enunciado é uma prova de que a doutora já cavalga a onda da espiral recessiva.

 

20.2.13

Será a espiral recessiva?

Uma imagem com círculo, diagrama, file

Os conteúdos gerados por IA podem estar incorretos.

 

19.2.13

Num país perdido

«Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...»
             Inscriptio, de Camilo Pessanha

Ontem como hoje, a partida é silenciosa e envergonhada, não porque a alma se tenha deixado dominar pela volúpia e pela abulia, mas porque neste país falido a luz cedeu o lugar às trevas...

As trevas cercam-nos despudoradamente!

 

Também eu vi a luz num país perdido! E fiquei, ao contrário de Pessanha que preferiu perder-se no Oriente.

 

 18.2.13

O direito

«O direito deve ser não um instrumento de força de alguns, mas a expressão do interesse comum a todos.» Joseph Ratzinger, 2004

I - Em Portugal, em nome do direito, os governantes recorrem às armas do terror, desrespeitando completamente o interesse comum. Dia após dia, aumenta a instabilidade, levando a gestos insanos. Infelizmente, ninguém os contabiliza!

Paradoxalmente, estes governantes dizem-se concordantes com a doutrina social da Igreja e não se inibem de exibir o currículo, onde, salvo raras exceções, se regista que a maioria foi formada pela Universidade Católica Portuguesa.

(...)

 II - Em nome do direito, tomei, hoje, conhecimento do seguinte esclarecimento feito por um Centro de Formação de Professores:

Relativamente ao requerimento apresentado pelo ..., informo que de acordo com o nº 5, do artº 10º artigo, do despacho normativo nº 24/2012, “a desistência da observação de aulas por parte de um docente que apresentou o requerimento previsto no nº 2, determina a obtenção de uma classificação máxima de Bom no respetivo ciclo avaliativo."

«Mais informo que esta informação deverá ficar registada no processo individual do referido docente.»

Esta nota pode parecer insólita, mas serve como sanção por ter desistido de ser avaliado externamente, lembrando ao docente que, em 2015, no final do ciclo avaliativo, não poderá obter uma avaliação superior a BOM.

No entanto, não deixa de ser estranho que o mesmo docente seja obrigado a fazer parte da comissão de avaliação interna da escola a que pertence e, sobretudo, que seja obrigado a desempenhar o papel de avaliador externo para que já está designado.

Em consciência, não se entende como é que o mesmo docente poderá estar disponível para atribuir menções de excelente e de muito bom! O melhor seria excluí-lo de vez!

 

 

 

 

 

17.2.13

Frases em espiral

Quando as frases se prolongam em espiral, as vírgulas acompanham a preguiça do raciocínio; os planos misturam-se inadvertidamente, causando uma inevitável catástrofe comunicacional...

 ... Por isso não é de estranhar que os hipónimos acompanhem os hiperónimos.

Exemplo: Mário Sá-Carneiro, famoso poeta e escritor português...

Apesar da regra impor que os poetas são todos escritores e de clarificar que nem todos os escritores são poetas, a preguiça de raciocínio subverte naturalmente o princípio adquirido.

E também deixou de ser estranho que se possa amalgamar os pronomes complemento "o" e "lhe".

Exemplo: «Quando chegou lhe levaram a um homem de nome Peter Mendo.»

Na verdade, é mais cansativo dizer: Quando chegou levaram-no a um homem de nome...»  

E para não me tornar cansativo, acrescento apenas mais um exemplo de incorreta utilização da preposição.

Exemplo: «Quatro anos após o regresso para Inglaterra...», em vez de «a Inglaterra»

Bem pode o professor insistir na necessidade de rever os textos! Só que a revisão exige tempo e força de vontade!

 

16.2.13

A dúvida de Ratzinger

Depois de ler a tradução de um debate entre Habermas e Joseph Ratzinger (2004), começo a perceber o motivo da resignação de Sua Santidade: a dúvida. Se Ratzinger tivesse passado pelo Tribunal do Santo Ofício teria sido queimado.

Lá, no fundo, o cardeal teólogo, à época, era um fervoroso racionalista que, apesar de bem saber que a Razão produziu a bomba atómica e que, ao mesmo tempo, começou a procurar fabricar um novo homem no laboratório, via as religiões como imagens do mundo, quase sempre fundamentalistas e, assim, desrespeitadoras dos direitos do homem e da natureza (jus natural).

Dir-se-ia que a Fé de Ratzinger não era (não é?) inabalável e por isso o caminho que a Razão lhe impunha era o do ecumenismo ou, ainda menos, ambíguo - o caminho da interculturalidade.

Deste modo, Ratzinger, como Papa, esteve à frente de uma poderosa instituição de cultura assente no princípio de uma FÉ que para si nunca fora inabalável.

Dir-se-ia que a vida deste Papa é uma vida de tormento interior e, sem dúvida, objeto de suspeição permanente.

Espero, assim, que, depois de 28 de fevereiro, Sua Santidade ainda encontre tempo para confessar o que se passou verdadeiramente na sua consciência durante os anos de papado.

  

15.2.13

À espera

Prisioneiros, rodamos sobre nós próprios, à espera de que o maná caia do céu. Estamos há demasiado tempo à espera!

O Governo espera que a austeridade nos ensine as virtudes da precariedade. A oposição espera que o Governo se demita de vez. Os credores esperam que nos imolemos na ara do capital.

Ultimamente, até os meteoritos e os asteroides se tornaram objeto da nossa espera, sem esquecer que, no íntimo, também esperamos que o novo Papa venha a ser português ou, pelo menos, lusófono.

Claro que, também, há quem espere que o Sporting seja despromovido!

Desde Alcácer Quibir que esperamos!

Eu, por mim, também espero, não sei é por quanto tempo!

 

 14.2.13

A origem da espécie

O Papa retira-se cerimoniosamente e promete remeter-se ao silêncio.

O ajudante Viegas, secretário de estado da cultura, retirara-se titubeantemente... Esperar-se-ia uma longa convalescença! Mas não, os literatos não resistem:

 Eis em que pára a Antiga Academia,

Depois que a mãe Sandice o cu tanchara

Nas cristalinas águas do Mondego,

Transformado o museu num cagatório,

E mudado o anatómico escalpelo

Em pena gazetal, que asneiras verte.

José Agostinho de Macedo (1761-1831), excerto de OS BURROS

 

 

13.2.13

Durante a Quaresma

Nota deixada no Facebook:

Durante a Quaresma, prometo abster-me de referências à classe política e aos madraços que crescem um pouco por toda a parte. Fiel à caruma, vou procurar os pinhais e meditar no voo dos pássaros.

Explicação:

O Facebook é o exemplos dos excessos que é preciso evitar nesta época austera em que até o Papa decidiu retirar-se. Só é pena que os apóstolos sejam tão poucos!

Eu por mim, em tempo de cinza, tudo farei para me tornar invisível, para eliminar a minha pegada.

 

12.2.13

Tempo de cinza

Tudo mortifica!
O Papa que se sente cansado e o País que não sai da cepa torta...

Uns sem trabalho e outros condenados a trabalhos forçados!

Uns tantos que insistem em não assumir responsabilidades e vivem sem dar conta dos penados...

Outros há muito encalhados, mas convencidos de que a Loba faminta os evita...

Claro que há ainda o Carnaval!

Milhões contorcem-se nas ruas à espera de não acordar num tempo de cinza...  

 

11.2.13

A resignação com hora marcada de Benedictus PP. XVI

« (...) C’est pourquoi, bien conscient de la gravité de cet acte, en pleine liberté, je déclare renoncer au ministère d’Evêque de Rome, Successeur de saint Pierre, qui m’a été confié par les mains des cardinaux le 19 avril 2005, de telle sorte que, à partir du 28 février 2013 à vingt heures, le Siège de Rome, le Siège de saint Pierre, sera vacant et le conclave pour l’élection du nouveau Souverain Pontife devra être convoqué par ceux à qui il appartient de le faire. »

O que mais aprecio na declaração de resignação de Sua Santidade é a marcação da data (A-M-D-H). É finalmente uma prova da infalibilidade papal!

Não posso deixar de apreciar o gesto de Sua Santidade, mas não sei bem a que verbo devo futuramente recorrer para designar o actus: RESIGNAR, RENUNCIAR ou DEMITIR-SE?

Na hora da decisão, continuo indeciso: a fé continua a faltar-me. Porque será, IGNOTO DEO?

Nota: Peço desculpa pela citação em francês, mas nesta matéria, não tendo tido acesso à "declaração" em Latim, prefiro a tradução em francês. 

 

Documento de Coimbra

Afinal, o slogan PORTUGAL PRIMEIRO acabou por ser substituído pelo título DOCUMENTO DE COIMBRA. De acordo com o próprio, DOCUMENTO de António José Seguro! E, deste modo, fica explicado o plágio inicial e cimentado o currículo académico do seu autor.

Não sei quem terá descoberto o plágio, mas o rumo de Seguro fica traçado. De cada vez que se deslocar a uma nova localidade, Seguro fica obrigado a produzir novo documento.

Consta, no entanto, que para evitar tarefa tão laboriosa, Seguro está já a pensar em marcar os próximos encontros para Coimbra, pois nada terá a acrescentar às teses já enunciadas para libertar Portugal das forças obscuras que o governam.

Entretanto, António Costa regressou ao seu Castelo, à espera que a sua corte cresça e que o país apodreça...

 

10.2.13

PORTUGAL PRIMEIRO

«Querer assacar a qualquer Governo a responsabilidade pela crise não é sério. Justo será reconhecer que todos os Governos tiveram a sua responsabilidade na situação do país. O PS assume por inteiro todas as suas responsabilidades passadas e presentes.»

António Costa e os amigos de Sócrates podem estar descansados: Seguro, em nome do PS, não os irá responsabilizar pelo estado de falência a que o país chegou!

As duas últimas semanas de agitação socialista ficam, assim, sintetizadas em 3 linhas de um documento de 27 de páginas a levar a Coimbra neste carnavalesco domingo.

Nas 27 páginas de PORTUGAL PRIMEIRO só vislumbro lugares-comuns. Quanto ao incremento das medidas do memorando que o PS assinou com a Troika, nada é dito. Apenas exigências, como se o PS tivesse sido sempre um partido da oposição.

E já agora proponho a reformulação do slogan: PORTUGUESES PRIMEIRO!     

 

 

9.2.13

Caprichos da Pluma

Não posso deixar de admirar a tenacidade da Pluma Caprichosa ao infiltrar-se na final do Super Bowl para poder desferir um golpe certeiro no candidato - COSTA SENTADO NO BANCO. No entanto, é bom não esquecer que o artigo saiu no mesmo semanário que é dirigido pelo meio-irmão COSTA e quando, segundo as benditas sondagens, o povo, incluindo o socialista, prefere o COSTA ao SEGURO!

De qualquer modo, não creio que fosse necessário recorrer ao futebol americano para definir a ação do florentino COSTA. Basta pensar num espremer de azeitona, em que os RAPAZES, desagradados com a saloiada dos RAPAZOLAS de SEGURO, decidiram espremer o líder para lhe avaliar a consistência.

E como sempre, nestas guerras de rapazes e rapazolas, quem está no BANCO é o MAIORAL que os vai atiçando até que deles nem o caroço se aproveite, exceto para um algum coelho que ande por perto.

 PS. Recomendo à Clara Ferreira Alves que, após sumária análise etimológica do termo "caprichos", se liberte deles antes que algum humorista mais atento se aproveite...

 

7.2.13

Dos neurónios à pedra...

«E escrever é sempre para mim causa de esforço.» Antero de Quental, Carta a Joaquim de Araújo (1886)

É impossível aceitar que a escrita seja expressão IMEDIATA da razão ou da sensação, mesmo nos casos em que os escritores se dizem "inspirados".

Dos neurónios à pedra vai um tempo de composição que determina o sentido da expressão. E por isso o escritor sente que, ao escolher as palavras, a única verdade está no prazer de compor um novo objeto que se autonomize do criador.

Só o medo do fracasso criativo gera o adiamento da ação... e, no meu entender, há que fazer um esforço para não cair em artificiosos biografismos que ofendem a inteligência dos biografados.

 

5.2.13

Aquela madrugada

Quando o sentido se dilui e a luz se torna difusa, sinto o alastrar da hesitação e o eco quebrado da palavra. Deixo de confiar na vontade e passo a vigiar as sílabas, forçando-as a um regresso inusitado.

E de súbito, apercebo-me que no pronome demonstrativo AQUELA mora o pronome pessoal ELA e, deslocando-me verticalmente, encontro-a a ELA -  três vezes repetida: duas, só, e outra sozinha - testemunha única: ELA (SÓ) VIU... e não posso deixar de pensar no que ELA, privilegiada, terá visto naquela madrugada que não é de Abril...

Aquela madrugada é muito mais antiga, vem do tempo das Albas, provençais ou não... Se triste e leda, pouco importa! O que realmente interessa é que NAQUELA mora ELA, a privilegiada, que viu o fogo tornar-se frio e o rio encher-se de mágoas.

 

4.2.13

Na berlinda

Nada muda!

Despertamos e o arruído fere-nos os tímpanos. Ontem e hoje, comenta-se o currículo de Franquelim Alves ou, melhor, a alínea omissa BPN.

Do ponto de vista da sua nomeação para secretário de estado (vulgo, ajudante), quero acreditar que o critério não foi político. Não vejo qualquer vantagem na decisão, a não ser que sejamos governados por um bando de mafiosos...

Por isso penso que a justificação para a escolha deve ser procurada no círculo virtuoso dos amigos pouco habituados a ler currículos, mas que, em regra, sabem que um o currículo sólido é mau conselheiro.

Finalmente, se Franquelim Alves continua na berlinda é porque o seu currículo é pouco sólido. O resto é arruaça!

Triste povo!

 

3.2.13

Sem-abrigo com futuro...

«O futuro é a aurora do passado.» Teixeira de Pascoaes.

Os poetas messiânicos têm destas coisas: querem-nos fazer crer que o tempo re-ilumina o passado, sobretudo em períodos de decadência. Apesar da beleza da expressão, a ideia é perigosa.

Os mortos da Grande Guerra ou da Guerra Colonial perderam tudo, mesmo que o futuro tenha sido radioso para uns tantos.

Os cravos de Abril foram aurora, construída a partir da fome, da ignorância e da morte de um povo. 

Hoje, há quem nos prometa um país autossustentável à custa da ignorância, da fome e da morte de um povo. 

Há quem insista que temos futuro! Mesmo que reduzidos à condição de sem-abrigo! (Banqueiro Fernando Ulrich dixit.)    

 

A interlocução

Comunicar pressupõe um emissor e um recetor ou, por outras palavras, um locutor e um interlocutor.

Comunicar impõe, assim, uma relação de interlocução.

Pode parecer óbvio, mas, na realidade, no último teste, houve boa gente que falhou ao identificar as marcas do interlocutor.

A razão parece estar na desatenção do interlocutor que deixou de levar a sério o locutor, na situação "sala de aula"...

O insucesso não seria muito grave se o efeito não implicasse dislates na interpretação do soneto "Senhora minha, se de pura inveja..."

 

2.2.13

Os ajudantes

Ontem, o Presidente deu posse a mais 7 "ajudantes", dando corpo ao cavo pensamento político que vem impondo ao país e ao mundo há largos anos. E, ao contrário, de muitos outros, compreendo que não se tenha dado ao trabalho de passar cavaco ao currículo de tais servos. A eles, não lhes compete ter ideias, servem apenas como paquetes das sociedades mais ou menos lusas que nos exploram sem dó nem piedade!

 

31.1.13

Os láparos e as cobras

Contra acessos febris, uma mistura de gordura de cobra com azeite; contra a tosse, chá de pele de cobra; contra o reumatismo, sopa de cobra... À exceção do veneno de cobra, nenhuma destas mezinhas surte efeito. No entanto, a magia da palavra da cobra é tão empolgante que até as tristes maçãs se viram envolvidas no desterro dos pais fundadores...

(...) Houve tempos em que o caixeiro (viajante) chegava ao Largo e, qual tenor, vendia pilhas de colchas, cobertores, tachos, panelas, unguentos, tudo pelo preço da uva mijona... Era tudo tão barato e fácil que ninguém resistia à inesperada necessidade. Depois faltava o dinheiro para o petróleo, para o azeite e até para o pão de milho - a broa.

De qualquer modo, o comprador compulsivo, de regresso ao tugúrio, sabia bem que acabara de ser ludibriado pelo vendedor de banha da cobra.

Mais tarde, na defunta Feira, vi acumularem-se os caixeiros e as quinquilharias, sem nunca ter percebido bem o que havia de tão fascinante em regressar a casa carregado de bugigangas inúteis... Até que mortos o Largo e a Feira, os vendedores de banha da cobra passaram a entrar pelas casas dentro, ocuparam as mochilas e os bolsos e, agora, nos cegam os olhos e destrambelham os neurónios...

Até agora, a ironia ajudou-me a resistir aos caixeiros e às suas cobras, mas parece-me que vou acabar por soçobrar: os láparos reproduzem-se com tal facilidade que nem as cobras conseguem dar conta deles... Hoje, 27 de fevereiro de 2013, surgiu um láparo esfolado à entrada da Faculdade de Direito! Sinal de que os estudantes já abriram a época da caça...

 

30.1.13

Culturas sem diálogo

Infographie "Le Monde" | Ipsos : Rarement la défiance envers l'islam aura été aussi clairement exprimée par la population française. 74 % des personnes interrogées par Ipsos estiment que l'islam est une religion "intolérante", incompatible avec les valeurs de la société française. Chiffre plus radical encore, 8 Français sur 10 jugent que la religion musulmane cherche "à imposer son mode de fonctionnement aux autres".

Os franceses acreditam que os muçulmanos lhes querem impor o seu modo de vida. Apesar de se dizerem cartesianos, os franceses facilmente se deixam mover pelas emoções e abdicam do raciocínio para acusarem o outro daquilo que eles próprios praticam, tal como a maioria dos "cristãos" ocidentais, sejam ortodoxos, católicos ou reformistas.

Em Portugal, não precisamos de lançar a suspeita sobre os muçulmanos. Ensinaram-nos, desde o berço, que eles são o inimigo: os cristãos conquistaram-lhes os castelos e sobre as mesquitas edificaram igrejas.  N'Os Lusíadas, os mouros continuam a ser o inimigo!

Em Portugal, os muçulmanos dissolveram-se na paisagem humana. Em França, vivem entre barreiras... e as fronteiras sempre travaram o diálogo.

 

29.1.13

Descaminhos

Olhando as páginas dos jornais, mesmo que de viés, percebo que por falta de fé, perdi inúmeras oportunidades. Houve um tempo em que poderia ter caído nos braços da «opus dei», mas a obstinação de tudo querer compreender expulsou-me por tempo indeterminado do caminho divino...

O caminho terreno tornou-se espinhoso, mas, por um bambúrrio dos capitães de abril, deixei de pisar uma mina em solo africano. Fiquei por cá, incapaz de me alistar em uma qualquer confraria, com ou sem avental. A porta secreta esteve sempre aberta, mas nunca entrei...

Tendo desistido de ser pastor, nunca aceitei ser ovelha! E, assim, por falta de fé, continuo a tentar compreender se, na verdade, há algum caminho ou se tudo não passa de uma impercetível variação na (in)suportável repetição da condição humana.

E de súbito, da desmória dos caminhos, surge Pascal:

L’homme n’est qu’un roseau, le plus faible de la nature ; mais c’est un roseau pensant. Il ne faut pas que l’univers entier s’arme pour l’écraser : une vapeur, une goutte d’eau, suffit pour le tuer. (fragmento 397)

   

28.1.13

Irremediavelmente atrasado!

As palavras não me eram dirigidas, mas não pude deixar de as ouvir. Eram palavras de pesar! Morrera o professor José Viana!

Quem dele falava, conhecera-o na Escola Secundária de Camões. Mas eu que não soube, a tempo, da sua última viagem, também fui seu colega na referida escola, mas, na verdade, o nosso conhecimento era mais antigo. Remontava ao ano letivo de 1977/1978!

Nesse ano, fiquei a dever-lhe muitas viagens a Mafra, com paragem nas "trouxas" da Malveira... Foi na Escola Secundária de Mafra que o conheci, sempre afável, sempre prestável.

Espero que a sua última viagem tenha sido tão tranquila como todas aquelas que partilhámos no longínquo ano de 1977/78! 

 

25.1.13

A vulgaridade democrática

«A democracia é uma inundação de vulgaridade, e é necessário uma fé robusta, no futuro da sua evolução, para a não amaldiçoar...» Antero de Quental, Carta de 1888

Com o regresso ao mercados, somos inundados por enunciados patéticos, como o do conselheiro Borges para quem a austeridade terá acabado. 

O regime democrático permite que o iluminado Borges nos insulte diariamente, permite que políticos vulgares brilhem lá fora à custa de medidas que condenam à miséria milhões de portugueses.

O regime democrático permite que opositores irresponsáveis comam à mesa do orçamento, sem se preocuparem em apresentar argumentos e medidas que desmontem a propaganda que nos torna insanos.

Muitos são aqueles que começam a amaldiçoar a democracia, não porque lhes falta fé, mas porque nos contentamos com a mediocridade. 

 

 

 

 

 

23.1.13

O regresso aos mercados

Como a batalha verbal já está no terreno, vou aproveitar para deixar aqui o meu critério para avaliar o alcance da operação e este consubstancia-se numa pergunta primária: - No final da operação, a dívida dos portugueses aumentou ou diminuiu?

No que me diz respeito, todos os dados de que disponho me indicam que a minha dívida ficou maior. Mas, provavelmente, a responsabilidade é minha, pois não sou nem banqueiro nem credor nem político nem sábio!

Em rodapé, não posso deixar de estar preocupado com a ética dos sábios que elaboraram o último relatório do FMI sobre as medidas que Portugal deve aplicar para cortar permanentemente 4 mil milhões de euros.

«Carlos Mulas, director de la Fundación Ideas, tiene registrados el nombre y el logo de una falsa columnista llamada Amy Martin. Cobraba hasta 3.000 euros por cada artículo que sólo se publicaban en la web.»

«El creador de Amy Martin aseguraba que para combatir la corrupción la clave era 'reducir los espacios' de oportunidad para que se produzca»

 

 22.1.13

Como diria o japonês

O regresso aos mercados, acertado entre banqueiros e credores, está a gerar uma onda vergonhosa de aplausos e de vaias.

Onde uns enxergam sucesso, outros enxergam impotência. Uns e outros, no entanto, ganham com o aumento do endividamento. Já lá vão 200 mil milhões de euros! Ou será mais? Como amortizar tanto dislate?

Como diria o japonês, isto só lá vai se deixarmos morrer os velhos! Segundo a notícia, o limite de idade começa aos 60 anos, apesar dos esquecidos protestos de Vitorino Nemésio:

- «É bom não pôr limites à Misericórdia divina»

Disse um Papa velhinho

A quem exígua prece

Votava uns anos mais

Como é próprio da Caixa de Descontos

Dos pequenos mortais.

(18.7.1971)

 

 

21.1.13

Acabar sinónimo de integrar?

Político em ascensão: 'Quando eu disse "acabar" com a ADSE estava a querer dizer "integrar"... Um raciocínio coerente, pois quando a morte chega e acaba com o ser, ela mais não faz do que integrá-lo no cosmos. 

Na verdade, o temporal deste fim de semana apenas quis acabar com os privilégios de  uns milhares de árvores de grande porte, que insistiam, contraventos e marés, em altear-se nos areais de Leiria, nas serras de Sintra e do Buçaco... Havia mesmo um cedro que resistia há 370 anos!

O temporal nivela, torna igual o que é diferente e cresce à custa dos suculentos cactos que irrompem das encostas plebeias. 

Já andávamos esquecidos que no dicionário prático da língua portuguesa, "integrar" significou quase sempre "tomar pela força", sem com isso acabar com as nativas. Pelo contrário, paladinos da integração (da miscigenação), demos novos brasis ao mundo.

 

20.1.13

Vassouraria da Esperança

Ontem, referia que, sem complacência, o governo corta a torto e a direito e nós, complacentes, deixamos fazer. Pensava eu que esta resignação se ficaria a dever a falta de ferramenta democrática, quando, subitamente, dou de caras com a Vassouraria da Esperança (em tempos, propriedade do pai do Raul Solnado!). Fechada como milhares de outros pequenos estabelecimentos!?

Mas não! O atual proprietário teve o bom senso de mudar a Vassouraria para a Rua da Memória. Haja esperança! A memória acabará por nos ajudar a separar o trigo do joio e a varrer os cavacos, os relvas, os gaspares, os salgados, os loureiros, os coelhos e os selassiés deste mundo, sem ofensa para todos aqueles que continuam a merecer maiúscula…

 

19.1.13

Sem complacência

O Senhor Selassié diz ao governo português que «não é tempo de complacência». E talvez tenha razão! Os 82 mil milhões são para ser devolvidos com juros leoninos, sem cairmos na tentação de imitar os Gregos!

Por isso, sem complacência, o governo condena as empresas à falência, os empregados ao desemprego e à fome, corta nos vencimentos e nas pensões. Sem complacência, esvazia as universidades e os hospitais, e prepara-se para cortar 100.000 funcionários públicos - desde 2005, já saíram 166.000, e a Caixa Geral de Aposentações tem 34.000 em lista de espera!

Toda esta gente que sai da fábrica, da empresa, do hospital (no caso de ter tido a sorte de ter entrado e de ter sido bem tratada!), da universidade, da repartição, é atirada para uma terra de ninguém, à espera de que a morte a liberte...

Sem complacência, o governo, às ordens do senhor Selassié, prepara-se para anunciar, em fevereiro, mais um conjunto de cortes, e, nós, complacentes, deixamos. Parecemos os judeus ordeiros a caminho do forno crematório alemão! 

A diferença é que os judeus eram uma minoria... e nós somos a maioria!

 

18.1.13

A eira

A memória era feita de tabuleiros ao sol de verão. Secavam-se as uvas e os figos! Por vezes, era o milho que esperava que o descamisassem…

Entretanto, a eira iniciou o retorno à origem… tal como a memória! Tudo naturalmente, com ou sem flores de alecrim.

 

17.1.13

Deus lhe pague

Não sei se é impressão minha, mas continuo a ver muitos jovens alheados dos problemas que assolam a maioria dos portugueses. Acreditam que o dia de amanhã lhes sorrirá como até aqui!

Claro, há sempre exceções! Ainda, hoje, uma jovem aluna apresentou oralmente a peça de teatro DEUS LHE PAGUE, de Joracy Camargo, mostrando, de forma singela, a sua surpresa face ao modo como o dramaturgo desmonta os preconceitos que ofuscam as ideias que devem mobilizar a atenção de cada um de nós. 

Mendigo: Na sua opinião. O que o povo quer é a coisa mais simples deste mundo.

Péricles: Qual é?

Mendigo: A supressão de uma palavra do dicionário.

Péricles: Qual?

Mendigo: Miséria!

Péricles: Só isso?

Mendigo: Só

Não basta suprimir a palavra do dicionário! Vamos ter de fazer mais alguma coisa. Nem que seja aprender com Joracy Camargo.

(Aqui fica uma sugestão de leitura, lusófona, e bem adequada ao momento que atravessamos!)

 

16.1.13

O riso e a ação direta

Nestes dias, já não sei se hei de rir ou de chorar! Falar deles começa a tornar-se uma maçada. Uma ENORME maçada!

Pelo que observo nas redes sociais, a maioria prefere rir. No entanto, vale a pena refletir sobre os efeitos do RISO.

Dizia Antero de Quental, em carta de 1879, ao amigo Guilherme de Azevedo:

O riso amolece, relaxa e acaba por tornar imbecis aqueles mesmos que o empregam contra a imbecilidade alheia. É uma arma perigosa, de dois gumesuma arma má.

A ética anteriana impunha-lhe a condenação do riso, até porque o mal-estar psicológico minou-o desde muito jovem, tornando-o indeciso e, sobretudo, criando nele uma culpabilidade verdadeiramente inibidora da ação. (Na realidade, só o elevado sentido de humor de Eça foi capaz de nos convencer da santidade do suicida açoriano!) 

Eça ria ou, no mínimo, troçava de uma nação inteira, e a sua leitura ensina-nos a rir da imbecilidade do outro.

Hoje, começo a acreditar que o riso nos está a envenenar a alma e a inibir-nos a ação. A ação direta!

 

15.1.13

Garraios

Dois ou três estrangeirados decidiram refundar Portugal. Um deles, o secretário Moedas, declara não querer ouvir palavras de aplauso e que espera que as intervenções sejam de confronto - palavras capazes de pôr em causa as suas divinas certezas.

Concluído o introito, começou a garraiada, à porta fechada!

Amanhã, ao entardecer, o primeiro coelho anunciará o desfecho da faena.

 Em 48 horas, o relatório do FMI terá sido transformado em ouro!

 

14.1.13

Assim não vamos lá!

O Partido Socialista está convencido que estão criadas as condições para voltar ao poder. Para o efeito, terá criado grupos de trabalho cujo objetivo será apresentar ideias que, simultaneamente, possam ser alternativa ao desconchavo governativo e, sobretudo, ajudar o país a sair do protetorado em que se afundou.

Ora, quando um desses chefes de missão decide dar uma entrevista a explicar que o serviço nacional de saúde (?) só poderá sobreviver se, de uma vez por todas, se puser termo aos sistemas corporativos de saúde, logo o porta-voz de serviço veio desautorizar o grupo de trabalho que terá proposto a extinção da ADSE.

Este é apenas um mau exemplo do modo como os partidos silenciam aqueles que arriscam   fazer propostas que questionam o conservadorismo vigente.

Se o Partido Socialista quer ser uma verdadeira alternativa de poder, terá de mudar de rumo. Deste modo, mais não será do que o reverso da atual coligação, e sem maioria parlamentar!

Para bem do país, o atual secretário-geral (ou o próximo, se for caso disso) vai necessitar de se rodear de mulheres e de homens que conheçam o país e os seus problemas e que apresentem soluções capazes de nos libertar da canga externa e interna.

Assim não vamos lá! 

 

13.1.13

A Casa Secreta

A Casa Secreta de José Eduardo Agualusa é uma narrativa gnoseológica ou, talvez, arqueológica, pois reinventa a Casa Lusófona, numa viagem do Brasil ao Quénia, na companhia de Richard Francis Burton.

O explorador, involuntariamente, surge como guia do Autor pelo simples facto de se ter interessado pela epopeia - OS LUSÍADAS.

A Casa Lusófona enraíza-se, assim, na «E da casa marítima secreta / lhe estava o Deus nocturno a porta abrindo / Quando as infidas gentes se chegaram / Às naus, que pouco havia que ancoraram.» Canto II, est. 1

A leitura atenta da narrativa dá conta do modo como a viagem do autor ao Quénia se organiza a partir de Vila da Barra do Rio Grande pelo simples facto de, um dia, Domingos da Paixão Neto lhe ter devolvido a epopeia que deixara cair ao chão...

Uma narrativa secreta, onde o interdito se torna divisa, a carta se torna mediadora, a espada se torna identidade, e um diário se perde na magia do sagrado... e as referências se vão perdendo... 

 

A lei e a inveja

Um autarca termina o mandato no final de 2013 e já não se pode recandidatar. Como o legislador pressupõe que o eleitor é estúpido, proíbe o autarca  de se candidatar a um 4º mandato no mesmo município.

O autarca, candidato ao desemprego, perante o interdito e não querendo impor-se na casa vizinha, olha para a Lei e descobre que esta o autoriza a pedir a reforma. E é o que faz!

(No caso publicitado, a autarca reformada, a partir de 1 de fevereiro, deveria cessar funções e evitar expedientes que lhe maculam o carácter...)

Até aqui quase tudo bem! Mas. de imediato, surgem os argumentos "ad hominem" suportados pela atávica inveja.

Se a situação, num momento de empobrecimento colectivo, parece abusiva não é certamente porque o cidadão recorre à Lei, mas porque o Legislador a não revê, impedindo que, no futuro, se mantenham situações de privilégio e de desigualdade.

E vale a pena acrescentar que a maioria dos pedidos de antecipação de reformas resulta do Estado não ser pessoa de bem ou, melhor, de os governantes não respeitarem a palavra dada, pois persistem no princípio da retroatividade, cortando a torto e a direito, gerando assim um mal-estar colectivo propício ao desenvolvimento do sentimento de inveja e, mais cedo ou mais tarde, a desmandos de todo o tipo.

 

11.1.13

A mão esquerda de Deus

Há uns dias, referi-me ao "tom seráfico" do secretário Moedas, mas reconheço, agora que lhe investiguei o CV, que a escolha do adjetivo foi preconceituosa e precipitada. A não ser que se trate de um daqueles serafins que vive a coberto da mão esquerda de Deus!

Foi a proximidade do secretário Moedas com o ministro Gaspar que me fez pensar que ele também teria sido doutrinado pelo cardeal Policarpo. Nada mais errado!

Na verdade, o homem nasceu na planície alentejana e, à falta de ar condicionado, arranjou forma de ir   trabalhar para o Banco de Investimento Goldman Sachs, na área de fusões e aquisições.

Proponho, em abono da verdade, a seguinte redação: «Num tom mesquinho, veio o secretário Moedas explicar o seu apreço pelo relatório FMI - um relatório extenso e, sobretudo, quantificado.» (...)

 

10.1.13

Inutilia truncat

Corta tudo o que for inútil! - divisa dos árcades do século XVIII.

O Governo está pronto para aplicar o conselho arcádico! Deverá, no entanto, começar por explicar o que considera ser "inútil"...

Desconfio que, para a TROIKA, "inútil" significa tudo o que não dá "lucro", à boa maneira reformista e liberal. E o Governo, como aluno sabujo, está pronto para aplicar a receita. Por isso mais do que refundar o Estado, é necessário começar por cortar no Governo, o mesmo que vai procedendo à nomeação de boys e girls para a Secretaria de Estado da Cultura, e que finge extinguir organismos para, na verdade, criar estruturas intermédias para acoitar os serviçais, a peso de euros...

 

 

9.1.13

O secretário Moedas

Num tom seráfico, veio o secretário Moedas explicar o seu apreço pelo relatório FMI - um relatório extenso e, sobretudo, quantificado.

Custa-me a acreditar que o FMI não tenha redigido uma extensa monografia sobre a situação das finanças públicas, sector a sector, propondo simultaneamente intervenções cirúrgicas para cada um deles. Creio mesmo que o FMI, ao olhar para o resultado da avaliação, terá pensado que o melhor seria eliminar uns tantos sectores, de modo que, finalmente, pudessem ser levadas a cabo as famigeradas reformas estruturais...

E tenho quase a certeza de que a monografia do FMI também contém um capítulo confidencial sobre a capacidade dos governantes, primeiro, compreenderem o que são reformas estruturais, e, depois, implementá-las sem cederem aos interesses instalados.

Chegados aqui, os técnicos do FMI terão concluído que o melhor seria elaborar um relatório com umas tantas medidas quantificadas, que, de antemão, sabem que os políticos mandarão aplicar aos sabujos que os acolitam.

O problema do secretário Moedas é que não sabendo ler monografias, encomenda relatórios, de preferência, quantificados e curtos. 

Hoje, o seráfico Moedas surgiu melancólico porque o relatório que recebeu às 12 horas era extenso, embora visivelmente satisfeito com a precisão dos números... 

Daqui até fevereiro, o governo já tem pouco para fazer! Basta aplicar a receita, mesmo que isso signifique ler apenas a conclusão do relatório.

O secretário moedas lembra-me aqueles "catedráticos" que nada conhecendo das matérias se sentam diariamente nas cátedras, à espera que os alunos façam de conta que leram a bibliografia e que apresentem uns "papéis" que eles possam aproveitar para publicar em revistas científicas dirigidas por correligionários da mesma estirpe!

 

7.1.13

Ubi sunt?

Ubi sunt qui ante nos fuerunt?

O sol parece desiludido. As sombras povoam os dias. O ouro perdeu o fulgor e os ventres começam a inchar de míngua. As palavras magoadas arrastam-se sem eco. O sagrado invadiu as ruas e perdeu-se em beijos promíscuos... Os mendigos e os vagabundos montam, agora, sentinela aos despojos.

(Este Janeiro convida à meditação.)

Por este caminhar, mesmo os mais distraídos acabarão por, infelizmente, compreender os versos elegíacos de Antero de Quental:  Daquela primavera venturosa / Não resta uma flor só, uma só rosa... / Tudo o vento varreu, queimou o gelo!

Só que a responsabilidade não é do "vento" nem do "gelo" de Janeiro! E também já não o era no tempo de Antero: Outros me causam mais cruel tormento / Que a saudade dos mortos... que eu invejo.../

 

6.1.13

A deriva neológica

A neologia raramente é uma necessidade. Ela nasce de uma deriva, da preguiça ou do esquecimento. Claro que o engenho humano necessita de novos termos para os novos brinquedos que vão substituindo os antigos!

Quanto ao esquecimento, basta uma geração para que o que era moda desapareça definitivamente. Há na literatura um número significativo de autores esquecidos, fruto da migração para as cidades e da desertificação do interior. Com eles morreram a língua e os valores ancestrais!

Quanto à preguiça, a falta de tempo para a comunicação presencial e à distância conduz a registos lexicais minimalistas e a um empobrecimento do léxico, arrasadores dos modos de raciocinar e, sobretudo, de argumentar.

Finalmente, a deriva é um mecanismo mais profundo que arrasa a visão do mundo. Por exemplo, na costa do Índico, situa-se Moçambique, antiga colónia / província portuguesa, mas poucos sabem que, anteriormente, essa região se chamaria Ma Sambuco (aglomeração de navios). Aquela costa nunca deixou de seduzir os povos: chineses, fenícios, árabes, indianos, portugueses, ingleses...

Todo este argumentário para quê? Simplesmente para lembrar que o neologismo "eurismo" é fruto da deriva de um povo que se esqueceu, por preguiça, da sua origem portuária, preferindo passar a periferia da Europa do capital.    

 

4.1.13

Eurismo

A política, ao contrário da poesia que acrescenta, só restringe!

Tendo uma origem comum, poesia e política seguem caminhos opostos. 

No início, os políticos eram poetas cujas palavras defendiam o reconhecimento do trabalho (ação) da maioria. Hoje, os políticos defendem abertamente o empobrecimento da maioria.

Hoje, há uma linha que separa nitidamente a poesia (a arte, a ciência, a filosofia, a religião), da política (o eurismo*).

E se isto acontece é porque o sistema educativo deixou de se nortear por valores humanistas e ecológicos! Hoje, o discurso político faz tábua rasa de todo e qualquer valor porque serve apenas o euro!

Os próprios ministros não se diferenciam: ou não têm a voz ou vociferam contra a maioria em nome do euro.

* Eurismo: forma regional do capitalismo mundial.

 

3.1.13

A poesia acrescenta...

Hoje, não resisto a perguntar ao ministro Crato se, de futuro, a poesia será excluída dos programas de Português, pois o ato poético - o ato de fazer - é anterior aos atos de informar e de opinar.

O ato poético é primordial e está intimamente associado à perceção da realidade, ao modo como o poeta aborda sensorialmente o mundo das coisas e dos seres, e essa captura é individual e necessariamente incómoda, pois cabe-lhe, ao moldar a matéria de que se tece, dizer / fazer o que ainda não foi dito / feito...

A poesia acrescenta, não se limita a opinar ou a informar ou a espelhar sentimentos. A poesia foge dos círculos viciosos e virtuosos! E foge do biografismo! De nada serve mergulhar nas suas malhas à procura do sujeito... este serve a expansão do mundo e só é feliz quando o poema se emancipa, e imanente sobrevive à literatura.  

Há mais de 2500 anos que a poesia recria o mundo, ora gerando fronteiras ora diluindo-as, pois, cada poeta reivindica para si a liberdade de ver, ouvir, cheirar, degustar, tactear, e que nenhum pensamento geométrico poderá estorvar.

 

2.1.13

Sobre o espelho quebrado...

Bem sei que para o ministro Crato, compreender o simbolismo deixou de ser uma das metas da disciplina de Português. Basta saber distinguir o ato opinativo do ato informativo!

Para mim, no entanto, o espelho quebra-se não apenas quando o feio esmaga o belo - a morte substitui a vida -, mas também quando a Assembleia da República não espelha o país.

No atual quadro parlamentar não enxergo representantes dos desempregados, dos reformados e aposentados, dos jovens à procura de emprego; da oliveira, do sobreiro e da vinha; da restauração, do calçado, do artesanato; das artes e da economia paralela... Só professores e juristas e uns tantos videirinhos vindos do inefável poder local, distrital... 

 

1.1.13

O espelho quebrado!

No atual quadro parlamentar, encontramos 65 professores. Somados a 57 advogados e a 27 juristas, temos um total de 149 personagens de papel, num universo de 230 parlamentares.

Estes personagens encontraram na Assembleia da República a escada para a ascensão social que, de outro modo, lhes estaria vedada.

Não sabemos se foram (ou são?) excelentes professores, advogados ou juristas, mas são zelosos cumpridores da disciplina partidária. Talvez seja esse o motivo por que no jornal i, página 15, Margarida Bon de Sousa escreve: «Ter uma licenciatura em Direito ou ser professor, mesmo de uma escola primária, parece ser uma vantagem comparativa na altura de os partidos constituírem as suas listas.» 

Quanto ao governo de Portugal, ele é constituído por: quatro professores, quatro advogados, um jornalista, dois gestores e um administrador.

E na Presidência, mora um distinto de professor!

O espelho quebrado!