31.12.13
De Negro Vestida _
leitura ingénua
"Não
cristalize o leitor esta imagem que tem agora da nobre e
lutadora Maria de Lurdes." De Negro Vestida, pág. 104.
Meu Caro João Paulo
Videira, espero não cristalizar, pois o autor mostra saber criar
pontes que, mais cedo ou mais tarde, se vão revelar significativas para a
construção da narrativa, para o desenho da intriga de suspense. Por
outro lado, o romance começa a assumir um ponto de vista que nem sequer a
mulher-autor costuma defender com tanta galhardia... Até ao momento, o narrador
privilegia o conhecimento do feminino, bestializando o homem, deixando-o às
voltas com a sua inconstância e falta de rigor...
Entretanto, como leitor
sem diploma que o certifique, se tivesse de reescrever o romance como aconteceu
com Eça de Queiroz, por exemplo, no caso do Crime do Padre Amaro,
não sei se não eliminaria algumas considerações de ordem estilística e,
sobretudo, algumas passagens que expõem a dificuldade em "recriar"
cenas de sexo... São pequenos capítulos que me parecem desnecessários ou, pelo
menos, que exigem uma subtileza estilística difícil de alcançar...
Bem sei que o erotismo é
coisa antiga, exige outros sabores e perfumes, mas à medida que ia lendo, e
sabendo que o autor procura um leitor, comecei a interrogar-me: - Quem é que o
autor idealiza como seu leitor?
Meu caro João Paulo
Videira, estarei certamente a ser injusto! Mas como o autor exige que o leitor
seja autêntico, aí ficam algumas considerações que se me vão colocando neste
atribulado final de 2013.
P.S. Com tanta viagem ao
Hospital de S. José, dei conta que nas "rotinas" da família de Maria
de Lurdes não há doença do corpo que a ataque!
30.12.13
Meu caro João Paulo
Videira, como facilmente compreenderás, a minha odisseia no hospital de S. José
não me permite ainda decifrar o título. Na verdade, só li 34 páginas! Como
neste tipo de narrativas, eu costumo aconselhar os alunos a ler atentamente o
primeiro capítulo e, no caso de fadiga intelectual, a ler de imediato o último,
fica desde já registado que o texto flui como o Almonda natal do outro José, o
Saramago, e por isso não sinto qualquer vontade de ir ler os últimos
parágrafos... (com a vantagem de não obrigar a exercícios de retroação por
causa da maligna pontuação!)
Repara tu na
coincidência, o Saramago da Azinhaga, tão perto de Alcanena e longe da Selva,
parece que trabalhou neste hospital, de S. José, que me vai impedindo de
continuar a leitura..., mas não posso esconder que a narrativa da doméstica
Maria de Lurdes, entrecruzada com a narrativa da Criação do Mundo, ambas
sobrevoadas por um narrador guloso e travesso, me trouxeram de imediato um
outro memorial distante da Serra de Aires...
Meu caro João Paulo
Videira, vais ter paciência, mas este "esgaravunha" vai necessitar de
mais leitura para poder continuar este cavaco, embora comece a ter pena da
Maria de Lurdes, pois nos tempos que correm ou ela muda de vida, de Carlos Manuel,
de família... ou acabará por morrer na miséria, pois os passos que nos governam
nem uma Maria de Lurdes tiveram na vida. Ou será que têm?
29.12.13
Nas urgências do
Hospital de S. José
Apesar das loas ao
Serviço Nacional de Saúde e ao atual ministro, Paulo Macedo, o que pude
observar hoje no Hospital de S. José confirma que as pessoas idosas neste país
não passam de "objetos" sem qualquer valor.
Em termos organizativos,
apercebi-me que os idosos não beneficiam de qualquer prioridade, ficando mais
de uma dúzia de horas à espera dos exames clínicos, mais quatro ou cinco horas
à espera dos resultados e, sabe-se-lá, quantas à espera da decisão clínica...
que tanto pode ser o internamento como o reenvio para casa...
E não estou a especular:
a esta hora, um familiar com mais de 91 anos está entregue à rotina, à
morosidade de um sistema burocrático e desumano. E este familiar não está só;
muitos outros idosos esperam anestesiados, uns, revoltados, outros....
Quanto aos restantes, às
21 horas havia pacientes que esperavam desde as 11 horas pela primeira
consulta!
A desculpa para a
concentração das urgências num único hospital é sempre a mesma: a crise
financeira e a inevitável austeridade! Parece-me, no entanto, que não há
desculpa para o desrespeito pelas pessoas...
A propósito de
João Paulo Videira
De regresso a Lisboa – o
lançamento muito concorrido foi em Torres Novas – vim pensando na sentença do
novel autor, para concluir que a ambição do grande escritor é apagar toda a
referência, erguendo-se como marco ou como o farol da Barra – alusão só entendida
para quem compreenda a geografia do prefaciador: Alexandre Ventura.
Entretanto, irei ler o
romance para lhe apreciar a estrutura, a coabitação da linguagem crua com a
poética, o dizer simples e avesso à critica…
Esta noite sonhei com a
cerimónia de posse de um novo governo! Estranhei que, entre os novos
governantes, não houvesse qualquer político português... Eram todos
funcionários europeus, altos, esgrouviados, cinquentões... Ainda fixei a vista,
mas nem uma cara conhecida. Perturbado, acordei...
Esta tarde, soube que, em
Ancara, é mais difícil obter uma autorização de residência do que perder o
emprego em Portugal. Há lá uma embaixada portuguesa que, de momento, nada pode
fazer. Talvez, à última hora, escreva uma carta a explicar à autoridade
policial local a situação do súbdito português. Por outro lado, parece haver
uma solução para permanecer em solo turco: pagar uma multa de 6 euros diários.
E para quem pensa que o inglês é uma língua universal, esqueça! O melhor é
começar a aprender turco... lá tudo é turco e em turco... também há curdos
turcos...
Agora que escrevo este
apontamento, recordo que alguém me disse que há por aí muitos fura-vidas
capazes das maiores tropelias para conseguir um minuto de glória. Quanto a mim,
continuo encalhado na mesma linha em que me encontrava ontem.
Há, no entanto, uma
pequena diferença! Tenho avançado na leitura de um estranho livro de Manuel
Tavares Teles, Os Manuscritos de Gertrudes ... diário íntimo e cartas
de amor de Gertrudes da Costa Lobo a Camilo Castelo Branco.
Interessante livro sobre
o pedantismo, sobre a mulher e a literatura, sobre os preconceitos da sociedade
portuense de meados do século XIX, sobre a capacidade de Camilo de fazer pastiche de
qualquer registo escrito, sobre o seu conservadorismo: «Quem é o parvo
que esposar-se queira / com literata alambicada e
chocha?»
O Governo deverá
cumprir a meta do défice orçamental para este ano e conseguir uma 'folga' até
500 milhões de euros, que poderá ajudar a compensar eventuais chumbos do
Tribunal Constitucional (TC) ou deslizes nas contas do Estado em 2014.
Ao contrário do Governo
não consigo qualquer folga! Há uma série de questões que tento resolver, mas
acabo sempre encalhado! Ando às voltas com um balanço e não avanço porque,
procurando o rigor, perco-me na repetição e multiplicidade de ficheiros, mas, sobretudo,
perco-me no tempo, na incapacidade de a memória lidar com o excesso de
informação. No fundo, é a dispersão que me encalha!
Bem sei que eu pouco
conto e que deveria aplaudir o Governo, pois, de manhã cedo, fui a uma USF -
Unidade de Saúde Familiar - e ainda não tinha terminado o pagamento da taxa, e
já a médica de família por mim chamava. A consulta decorria cordialmente, não
fosse o nível elevado de colesterol, até que solicitei que, nas análises que
certamente me iria prescrever, me incluísse a verificação da tiroide... Aí a
simpática doutora disse-me que análises só para o ano! Marcou-me consulta para
março de 2014, e nessa data prescrever-me-á as necessárias análises.
- Porquê? - Até 31 de dezembro, pelo menos, há congelamento da despesa!
Se olhar à minha volta,
vejo muita gente com o emprego congelado, com o salário congelado, com a pensão
congelada... tudo por causa da FOLGA na meta do déficit!
25.12.13
Veio o lenhador e cortou o pinheiro!
Veio o paisagista e plantou uma árvore exótica de
súbito crescimento!
Veio o vento e deitou ao chão a árvore exótica!
No lugar da caruma, costuma estar um automóvel que,
desta vez, rumara à província…
Por perto, dois moldavos olham os beirais…
Um pouco mais longe, cinco chineses seguem
indiferentes à palmeira prestes a cair…
E eu sinto-me vítima do Deus que misturou as línguas,
tornando-nos inexoravelmente estranhos…
24.12.13
Natal sem
pinheiro... só caruma!
Natal, natalidade, nasce-se pouco em Portugal...
Mortalidade, em dezembro,
parece que se morre mais em Portugal: no mar, nas estradas, à lareira. Não sei
se, também, se morre mais nos hospitais! A estatística, tão rigorosa noutras
matérias, é omissa ou lenta no que se reporta à mortalidade... Oficialmente, os
encargos com os reformados e pensionistas aumentam diariamente! De qualquer
modo, desconfio que estamos a ser enganados! É um pouco como com os
empréstimos, ninguém lhes conhece as verdadeiras datas. Convencionou-se que a
culpa é do governo anterior... e ficamos satisfeitos!
No que me diz respeito,
os meus simpáticos leitores já devem estar a interrogar-se quando é que lhes
desejo BOAS FESTAS. Está feito: BOAS FESTAS a todos os que "pisam" a
CARUMA! Sei que o fazem por razões diversas, mas a todas entendo e aceito...
Em termos pessoais, o
Natal é cada vez menos (re)nascimento! Este ano, Natal é distância e sobretudo
AUSÊNCIA. Uma ausência insanável! Umas Boas Festas, também, para todos os que
partiram!
23.12.13
Desempenho
docente e arbitrariedade avaliativa
Será que o atual modelo
de avaliação se justifica quando a progressão na carreira continua congelada?
Neste contexto, qual é a verdadeira duração de um ciclo avaliativo?
As respostas são da DGAE.
Questão:
Como operacionalizar o aproveitamento da observação de aulas em modelos
avaliativos anteriores, face à obrigação de apresentação do requerimento
previsto no n.º 2 do artigo 10.º do Despacho Normativo n.º 24/2012, de 26 de
outubro?
Resposta:
Os docentes que, para efeitos da sua avaliação do desempenho, pretendam
recuperar a classificação da observação de aulas obtida em modelos de avaliação
do desempenho anteriores deverão manifestar essa intenção ao diretor da escola
onde se encontram a exercer funções, até ao fim do seu ciclo avaliativo.
Nova questão: Será
possível, dentro do mesmo ciclo avaliativo, recuperar várias vezes a avaliação
de modelos anteriores, com a agravante, de não haver observação de aulas?
Questão:
Considerando que a progressão na carreira está congelada desde 01/01/2011
e estará, pelo menos, até 31/12/2013, para saber quando o docente deve ter
observação de aulas bastará ir ao tempo de serviço para progressão que o
docente tinha em 31/12/2010 e continuar a contagem a partir de
01/01/2014. Este entendimento é correto?
Resposta: Sim.
Tal interpretação encontra-se em consonância com os nºs 4 e 5 do artigo 18.º do
Decreto- Regulamentar nº 26/2012, de 21 de fevereiro, bem como com a nota
informativa publicitada pelo MEC em 3 de dezembro de 2012, nomeadamente os seus
pontos 2 e 4.
Nova Questão: O
congelamento progressão termina mesmo a 31 de Dezembro de 2013?
Questão:
Os docentes posicionados nos 6.º, 8.º e 9.º escalões, que aguardam
reposicionamento por força do disposto no Decreto-Lei n.º 75/2010, nos termos
previstos, respetivamente, nos artigos 8.º, 9.º e 10º do citado normativo
legal, têm de ser avaliados de novo no escalão em que se encontram ou aguardam
apenas o decurso de tempo necessário à progressão?
Resposta:
Quanto aos docentes integrados no 8.º escalão, a norma esgotou os seus
efeitos até ao final do ano civil de 2011, pelo que estes docentes já não
poderão beneficiar do regime transitório de progressão consagrado naquele
normativo. No que concerne aos docentes integrados nos 6.º e 9.º escalões,
também não poderão usufruir daquele regime enquanto vigorarem as
disposições legais que temporariamente impedem a progressão na
carreira
Nova questão: Quem
é que desbloqueia estes impasses?
Comentário: Considerando
a ausência de supervisão dos procedimentos, a aplicação arbitrária do
decreto-regulamentar nº 26/2012, de 21 de fevereiro, com o consequente aumento
exponencial de recursos, está à vista mais um ano de enorme instabilidade nas
escolas.
22.12.13
Em 9 de Março de 1916, a
Alemanha declarou guerra a Portugal. Interessavam-lhe as colónias! Perdeu a
guerra, mas nunca se esqueceu de nós. Entretanto, nós vamos celebrando a
liberdade, em tempo de ditadura financeira e política.
Na verdade, apesar da
euforia de Abril, a maioria dos portugueses desconhece o que é a liberdade.
Quantos são os portugueses que podem fazer compras na Avenida da Liberdade? Até
os vestidos de noiva são expostos em manequins pretos! As malas mais parecem
cofres prontos a transportar diamantes, numerário, estupefacientes!
A Avenida da Liberdade
veste-se de tíbias luzes ao anoitecer, e os ratos vão saindo do subsolo à
espera dos incautos…
A estátua surge
decapitada, não por ação de algum vândalo, mas porque o combatente, para além
de ter sido humilhado, é cada vez mais raro. O louro murchou e a granada, por
falta de utilização, tornou-se obsoleta...
21.12.13
Expresso
21.12.2013: Quem é o matilheiro-mor?
Hoje, o Expresso publica
um artigo de opinião, de Martim Avillez Figueiredo, intitulado
"A MATILHA DAS ESCOLAS" que me está a dar que pensar.
Creio que o bolseiro da
Gulbenkian aprendeu, em seu tempo, a distinguir a linguagem denotativa da conotativa.
Amicíssimo de Nuno Crato, para quem essa distinção é fundamental, como acaba de
se verificar na primeira "prova de avaliação de conhecimentos e
competências", creio que M.A.F. terá conhecimento quanto baste para não
cair na baixeza de chamar cães aos professores ou, pelo menos,
aos candidatos a tal profissão: «mas antes é preciso não esquecer
essa matilha que instruí professores a rasgar enunciados e que os incita a não
respeitar ordens do tribunal.» Na verdade, o enunciado aponta, sem peias,
para os instrutores - os matilheiros - e, em particular, para
«o tenebroso Mário Nogueira».
Apesar de não gostar do
comportamento de muitos dos envolvidos no triste episódio de 18.12.2013, não
posso deixar de condenar o ataque mesquinho feito à escola e
aos professores e, sobretudo, de me interrogar sobre quem é o
matilheiro-mor?
Não esqueçamos que um
artigo de opinião tem um sempre um objetivo. Neste caso, defender
a política do amigo Nuno Crato! E, sobretudo, aumentar a matilha...
- matilha - conjunto de cães que se
levam à caça.
20.12.13
I - Nestes dias, apesar
de todos os indicadores recomendarem contenção nas despesas, o que vemos é
consumismo desenfreado - gasta-se o que se tem e o que se não tem!
Estou incapaz de
compreender o motivo da azáfama, do esbanjamento, da gula, do EXCESSO. O Natal
nada tem a ver com este comportamento. Pelo contrário, o frio, a fome, a guerra
exigem outra atitude.
O mediador deixou-se
crucificar para nos mostrar o caminho, no entanto, o exemplo de nada serviu.
E eu vejo-me arrastado
nesta euforia postiça. Esgota-se-me a paciência e o apetite!
II - Quanto ao Tribunal
Constitucional, parece que fechou a porta ao ladrão, mas escancarou-lhe a
janela!
19.12.13
Nenhum português
pode estar sossegado!
«Não há nenhum pai
deste país que possa ficar sossegado se achar que alguma daquelas pessoas, com
as cenas que assistimos ontem na televisão, possa ser professor de um filho
seu.», afirmou hoje o ministro da Presidência no final da habitual reunião
de Conselho de Ministros.
Humilhados, os
profissionais de ensino em início de carreira ou, formalmente, precários,
dividiram-se entre os que quiseram realizar a PAAC e os que quiseram mostrar a
sua revolta. O espetáculo não foi educativo! E os mass media não
perderam a oportunidade de explorar os excessos e os dramas!
Mas quem é que prefere
humilhar a educar? Quem é que prefere penalizar as vítimas a retirar o alvará a
instituições que não revelam competência para formar professores? Quem é que
manda fazer avaliações externas viciadas? Quem é que criou um Instituto de
Avaliação, usurpando competências das Universidades?
A resposta é dada por
vozes ministeriais que desrespeitam a sintaxe elementar e que classificam os
professores como «aquelas pessoas». Vozes ministeriais que ignoram o
significado das palavras que proferem, que, em vez de «servirem», humilham.
Vozes ministeriais cujo juízo se baseia em imagens televisivas...
Estas vozes ministeriais
têm um único fito: o confronto. De preferência, entre pares!
18.12.13
PACC: uma proposta
desigual e inconsequente!
«A escola de hoje é infinitamente
melhor do que a escola de ontem...» António da Nóvoa (1954)
- Escreva um
texto em que exponha a sua opinião sobre a perspetiva expressa por este autor,
fundamentando-a através de uma linha argumentativa coerente. (PACC)
Eis uma proposta de argumentação desigual e inconsequente! Partindo do
princípio de que o avaliado decide apoiar ou rejeitar a tese, quem é que ele
quererá persuadir? O avaliador? O ministro da educação? Ao começar por examinar
os termos do enunciado, cedo verificará que este é hiperbólico - infinitamente!
Palavra vazia e florentina... A seleção de argumentos fica condicionada pela
retórica... Por outro lado, a referência a uma "escola de ontem"
introduz generalização e vacuidade, pois objetivamente não há qualquer
delimitação do tempo.
Só a experiência (a
vivência) poderá ajudar a construir um juízo consistente, assente na
comparação.
Para António Nóvoa, nascido em 1954, "ontem" é o tempo em que ele se
fez homem na escola do Estado Novo. E "hoje" é o tempo democrático, o
tempo de Abril, em que chegou a reitor, protagonista da mudança, do
"infinitamente"...Ora se a vivência é o filtro que permite determinar
os argumentos e selecionar os exemplos de forma coerente e legitimadora do
presente, apesar da desconfiança quanto ao rumo que está a ser seguido, apesar
do receio de que o futuro possa voltar-se contra a escola "infinitamente
melhor de hoje", o candidato, forçado a expor uma «opinião», irá acabar
por construir um texto inócuo...
Infelizmente, a escola que propõe este tipo de itens não é melhor do que
a escola de ontem!
17.12.13
« Pas de messianisme, parce que pas de médiation entre l'homme et Dieu.» Olivier
Carré, L'Islan Laïque ou le retour à La Grande Tradition, 1993,
Armand Colin
Na cultura
judaico-cristã, a ideia de mediação é essencial. Os judeus
vivem na esperança da chegada do Messias. Os cristãos encontraram o mediador na
figura de Jesus.
Nas duas civilizações, o
Messias liga o homem a Deus.
No Islão, a relação do
homem com Deus é direta.
Agora que o Natal se
aproxima seria bom que levássemos em conta que uma parte do mundo não vê
qualquer razão para se associar ao consumo desenfreado que caracteriza a época
natalícia.
E como bem sabemos, o
consumo é também ele resultado de uma relação de mediação estabelecida pelo
comerciante entre o produtor e o consumidor... sempre com vantagem para o
mediador!
16.12.13
Em Gramática das
Civilizações (1963/1987), Fernand Braudel escreveu: «Como
todas as sociedades, a muçulmana tem os seus privilegiados, pouco numerosos,
por isso mais poderosos.» Para, ao referir-se à sociedade turca, registar a
ação de Mustafá Kemal, autor de um «teste brutal e genial que soube abrir
brechas num bom número de pretensos tabus da civilização muçulmana».
Em poucas palavras, o que
estava (e está) em causa é «a emancipação da mulher, o desaparecimento da
poligamia, as limitações ao repúdio unilateral pelo marido, a supressão do véu,
o acesso às universidades e à cultura, aos empregos, ao direito de voto...» (pág.108,
ed. Teorema, 1989)
Em 2013, o que procuro
conhecer é em que fase se encontra a Turquia, de modo a entender quais são os
obstáculos (endógenos e exógenos) à sua integração nas «civilizações europeias»
e, simultaneamente, na União europeia...
Num mundo em que as
comunicações são cada vez mais fáceis, esta minha pergunta indireta resulta de
ter recebido o seguinte esclarecimento, a propósito da utilização de um
telemóvel levado de Portugal: «na Turquia és obrigado a comprar um
telemóvel turco, por causa das redes e taxas, coisas estranhas...»
15.12.13
Educação:
36.801,87 €; Justiça: 87,1 milhões de euros
Não era preciso
distribuir tão mal o dinheiro!…
No mesmo bairro, no mesmo
enfiamento, no mesmo país, como diria Cesário Verde:
«E eu sonho o Cólera,
imagino a Febre, / Nesta acumulação de corpos enfezados;
/ Sombrios e espectrais recolhem os soldados; Inflama-se um
palácio em face de um casebre.», in Noite Fechada, O
Sentimento dum Ocidental.
14.12.13
«- Se já sou
civilizado, então o teatro só pode servir para me divertir.»
Leio e volto a ler e nem sei se hei de pegar pelo "civilizado", se
pelo "teatro", se pelo "divertimento".
Vou começar pelo Orgulho
que me esclarece que não necessito de educação. Já nasci sabedor e educado! Há
uns tantos seres inferiores, que esses, sim, por mais educação que recebam, por
mais formação que obtenham, jamais beneficiarão dos prazeres da civilização...
Lá no fundo, repudio o
Teatro porque, desde a origem, ele quis que os seres inferiores transpusessem o
fosso que os separa dos civilizados. A teoria da catarse terá sido inventada
por um rebelde que, ao contemplar a serenidade do seu Senhor, acreditou que
havia uma porta - do terror e da compaixão - que levaria o escravo à superação
da bestialidade, fazendo-o participar no banquete da luxúria e da soberba...
No meu Teatro não há dor
nem trabalho, não há fado nem superação! Apenas divertimento, puro jogo, puro
gozo, porque do meu Teatro eu contemplo o mundo inferior...
(Nunca pensei que
tivesse nascido civilizado, nunca pensei que o Teatro fosse outra coisa que os
olhos do mundo e, sobretudo, nunca pensei que ele se esgotasse no puro gozo do
aviltamento do Outro..., mas há cada vez mais indícios do contrário!)
13.12.13
Nunca é tarde para
enriquecer a identidade!
Com a bênção do menino
Jesus, e por ação do sapientíssimo governo passei a viver na freguesia de
Moscavide e Portela… Eu que nasci relutantemente na freguesia de S. Pedro,
cresci na freguesia de Assentiz, me transferi por uns anos para a freguesia de
S. Salvador, regressei à freguesia de Assentiz… para terminar a adolescência na
freguesia de S. João Baptista. Um pouco antes da instauração do regime
democrático, vivi transitoriamente na freguesia de Nossa Senhora de Fátima,
saltitando com Abril, entre a freguesia da Reboleira e a de S. João da
Pedreira, para depois me instalar duradouramente na freguesia de Algueirão-Mem
Martins… Só que o destino não quis que ficasse por lá e acabei por me mudar
para a freguesia da Portela… agora, por decisão do sapientíssimo governo,
Moscavide e Portela…
No meio de tanta
freguesia, há um dado curioso: tenho vivido mais tempo em freguesias profanas!
Boas Festas!
12.12.13
A ordem dos termos não
será aleatória!
Confesso que me choca que
a classe política não dê conta de como a realidade económica e social do país é
permanentemente distorcida. Os governantes parecem viver numa redoma, imunes à
permanente manipulação da verdadeira situação financeira. Multimilionários
afirmam que o «país está teso». Na verdade, os cofres do Estado podem estar
vazios, mas os bolsos deles estão cheios!
A distorção,
alimentada por fundações, grandes empregadores, órgãos de propaganda de
interesses empresariais, políticos internos e externos, lança diariamente o
anátema sobre os funcionários do Estado e sobre os pensionistas e reformados,
reduzindo-lhes a capacidade de cumprir os compromissos que, ao longo da vida,
foram assumindo...
Ao lado, milhões
continuam as suas vidinhas como se nada estivesse a acontecer - banqueiros,
fidalgotes, clérigos, empreendedores dúbios, especuladores e apostadores,
usurários, desempregados, herdeiros, proxenetas, euroburocratas, mercenários de
toda a espécie...
São milhares de milhões
de euros que se escondem e se mostram sem que o Estado se preocupe com a sua
origem e com o seu destino!
Perante o desleixo, a
impostura e a interesseira distorção, o Governo, através do
Orçamento, lança da mão da EXTORSÃO contra os do costume: funcionários
públicos, pensionistas, reformados e mais carenciados...
Como se sabe, o argumento
é pobre porque falta a coragem (não faltam os cientistas políticos, os
sociólogos, os economistas, os gestores, os comentadores e os comendadores!) de
avaliar a distribuição da riqueza, começando por distinguir o necessário do
desnecessário, o razoável do desmesurado, o produtivo do supérfluo...
11.12.13
(Sigo os radares à
espera de que Ancara te deixe dormir duas ou três horas antes que o Sol caia
sobre a cidade.)
Apesar de tanta
tecnologia, as viagens continuam condicionadas pelas intempéries... ficamos
suspensos... e o futuro deixa de ser perscrutado no voo das aves.
Em terra, a linearidade
do dia esfuma-se e as horas correm ansiosas... Na espera, os minutos
arrastam-se, prolongam-se deixando que a duração nos asfixie...
10.12.13
Este dia alongou-se na
chuva que terá aberto as portas do céu a Mandela, apesar da sua luta
privilegiar o fim do apartheid na terra. À medida que a auréola cresce, os devotos
abdicam da luz e mergulham no nevoeiro de um tempo que, ainda há pouco, era
promissor...
Um aperto de mão por
encenar repete o do milénio... o arame farpado ignora a auréola e o gesto...
Longe da arena, abafo o
medo da diferença e, sobretudo, debato-me com a inconsistência das
aprendizagens: em Ourique, em Aljubarrota, no Magreb, no Indico, o bravo e não
facundo Nuno, aureolado, levanta a Excalibur ao serviço de Hollywood.
9.12.13
Eu
não britei pedra com Mandela!
Eu não britei pedra com Mandela
... vivia num enorme corredor, ladeado de azulejos fuzilados por baionetas
francesas!
Eu não gritei por Mandela
... orava para que a senhora de Fátima nos livrasse dos vermelhos, para que a
guerra acabasse e angola fosse nossa!
Eu não me vesti de negro
por Mandela ... redimia-me dos pecados que cometera contra Deus e os seus
imaculados representantes na Terra!
Eu não chamei por
Mandela... preferia ler elegias distantes e subservientes!
Eu não visitei Mandela
... percorria os lugares desertos e as metrópoles estonteantes!
Eu não li com Mandela ...
perdia-me em guerras de alecrim e manjerona!
Eu não morri com
Mandela... estou refém no meu próprio labirinto!
8.12.13
Para sacudir o frio e o
rosário de respostas quase iguais - triste exemplo de sucesso escolar -, subi A
MONTANHA da ÁGUA LILÁS, de Pepetela, e por um tempo breve instalei-me na sua
encosta, como se de regresso ao Calpe primordial.
A fábula, repartida por
16 "jornadas", situa-se num Morro de Poesia, habitado por «uns
estranhos seres cor de laranja, diferentes de todos os outros da Terra».
Repartiam-se por «cambutinhas do tamanho de coelhos», e «Lupis» que tinham a
particularidade de «lupilar», isto é, expressavam o contentamento ou a tristeza
através do grito «lupi-lupi-lupi» ...
(...)
Pelo que se vê, os Lupi
ainda estão entre nós, embora a sua história se tenha revelado
inútil, tudo porque a «água lilás», apesar de lhes matar as carraças e de lhes
alegrar os humores, se esgotou depois de ter sido objeto de longa disputa entre
Jaculapis, Lupões e os animais da planície ( rinocerontes, leões, onças,
hienas, lagartos, cobras...)
«E como toda a estória
tem um fim», «a montanha de repente ficara seca de água lilás. Só os tanques
vazios e um vago perfume que neles ficou mostrava que um dia, tinha existido
ali.»
Desse tempo fabuloso,
apenas restam o lupi-poeta e lupi-pensador que continuam «a lupilar, todos
contentes com a alegria que dá aspirar o perfume da água lilás.
Só que ainda é cedo para
a fazer sair!
7.12.13
Ultimamente, o Governo
tudo tem feito para desqualificar a Universidade. Redução dos orçamentos,
ostracização dos diplomados e, sobretudo, menorização da formação científica e
pedagógica ministrada nas diversas Faculdades...
Hoje, o exemplo vem de
cima! O Presidente da República decidiu avançar nova lição, a modo de ajuste de
contas: - "Eles falam de cátedra", mas quem tem o conhecimento
sou eu...
(A História das
relações entre os povos e do papel dos seus governantes passou a ser escrita na
rua...)
E nem vale a pena referir
os relvas para quem é perfeitamente normal concluir cadeiras sem as ter
frequentado...
6.12.13
Durante todo o dia, os
presos de Robben Island sentavam-se em filas no pátio e partiam pedras, para as
transformarem em gravilha. Entre eles, Nelson
Mandela: de 1964 a 1990.
Este Homem partiu a pedra
e com a gravilha foi construindo uma nação, uniu os homens que outros homens
tinham separado...
Nestes dias em que a
rocha se transforma novamente em gravilha, bom seria que os colaboracionistas
reconhecessem, finalmente, que estavam do lado errado ou, pelo menos, que
ficassem em casa à lareira... pois o que possam dizer em louvor do Homem não
apaga o que ficou por fazer nem exorciza os crimes que continuam a cometer!
Rolihlahla (18.07.1918-05.12.2013) Que a árvore de onde se
soltou o possa acolher enquanto os homens a não desenraizarem!
5.12.13
Segundo o aviso do
Ministério da Educação e Ciência, os candidatos inscritos para a prova
de avaliação de conhecimentos e capacidades, com "cinco ou mais anos de
serviço docente" que não a queiram realizar, devem
manifestar essa pretensão no portal http://pacc.gave.min-edu.pt, a partir de
sexta-feira e até às 18:00 de segunda-feira.
Depois de um secretário
de estado da educação ter afirmado que o Governo conta com os professores e que
tudo faz para os dignificar, depois de ter ouvido uma vice-presidente pedir às
autoridades que auxiliassem os cidadãos a evacuar a galeria, isto sem falar da
advertência da senhora presidente de que a manifestação no interior da
Assembleia da República é CRIME... fico-me pelo registo de uma anedota que
qualquer um pode ler no MUNDO DO FIM DO MUNDO, de Luis Sepúlveda.
«Um bom amigo meu, um
marítimo chilote que merece o título de lobo do mar, trabalhou durante muitos
anos como patrão de alto mar no Estreito de Magalhães. O homem pegava no leme
de qualquer barco e conduzia-o sem problemas para o Pacífico ou para o Atlântico.
Mas o meu amigo tinha o pecado de nunca ter estudado numa escola naval e, para
cúmulo dos seus males, era socialista. Quando veio o golpe militar de 73 e os
tropas se apoderaram de tudo, a governação marítima de Punta Arenas notificou-o
para fazer um exame antes de lhe renovar a licença de patrão de alto mar. Pois
muito bem, o meu amigo César Acosta e os seus quarenta anos de experiência
sentaram-se diante de um imbecil com o posto de tenente da Marinha. O
oficialzito estendeu uma carta marítima do estreito e disse-lhe: «Indique-me
onde estão os bancos de areia mais perigosos.» O meu amigo coçou a barba e
respondeu-lhe: «Se o senhor sabe onde estão, felicito-o. A mim, para navegar,
basta-me saber onde não estão.» (Traduzido do espanhol - Chile - por
Pedro Tamen)
PS. E depois das provas
ou do perdão das provas, segue-se o período probatório, em que se
pode ser novamente desabilitado...
4.12.13
Determinado o
cluster educativo
Por tudo e por nada
avalia-se! Houve um tempo em que nada era avaliado. Como diria o paspalho: -
Não há fome que não dê em fartura!
A moda está em enviar uma
brigada, vulgo troika, "junto de uma unidade orgânica" e submetê-la
ao teste da eficácia educativa, isto é, à avaliação dos resultados
académicos...
Determinado o cluster educativo,
três dias é quanto basta para que três avaliadores oiçam em múltiplos de três
os agentes e os pacientes da ação educativa... Aos últimos compete fornecer os
dados que legitimem a bandeirinha colocada em montes de reduzido, fácil, médio
e elevado acesso. (Espero que não deixem de fora o Monte da Lua!)
No final, a brigada
voltará com um plano de melhoria para que os resultados académicos possam
superar os anteriores e, assim, colocar a unidade orgânica na Montanha da
Água Lilás...
« A montanha tinha dois cumes principais: O cume Lupi, o mais alto,
onde nascia o rio do mesmo nome, e o cume do Sol, no extremo oposto. No meio
dos dois cumes, havia um morrozito com pedras, sem plantas nem árvores, apenas
capim baixo. Era o sítio mais calmo e perfumado da montanha e dali se podia ver
melhor o luar de Lua cheia; por isso era o Morro da Poesia.» Pepetela
Para o caso de a brigada
me querer ouvir, aviso que estarei à espera no morrozito com pedras, aquele em
que os resultados cedem o lugar às pessoas, mesmo que sejam os espinhos do
caminho...
3.12.13
Um destes dias, dei conta
que há verbos pouco afortunados. Por exemplo: tributar, endividar-se, falir.
E quando tal acontece,
preferimos abrir falência ou, melhor ainda, decretar falência, pois a
responsabilidade deixa de ser nossa, tal como preferimos atribuir a dívida a
outrem, em vez de reconhecer que passamos as horas a endividarmo-nos e sempre
com a desculpa da tributação, outrora da corte, atualmente dos credores...
Não sei se chegámos ao
sétimo dia da criação da dívida, mas consta que hoje é dia folgar:
o governo conseguir negociar o adiamento do pagamento da dívida, aumentando o
endividamento do país. Neste cenário, seria de esperar que o povo também pudesse
viver com maior desafogo em 2014 e 2015... Mas não! Os cortes
já estão inscritos no OGE... e a folga vai servir para
alimentar o foguetório eleitoral que se aproxima.
Depois, em 2016,
ergue-se a forca. Só resta saber quem será o enforcado!
Pode ser que, não tendo o povo folgado, o feitiço acabe por se voltar contra o
feiticeiro.
E como não gosto de
surpresas, proponho, desde já ao ministro Crato, a abertura de um curso
profissionalizante de carrasco cujas habilidades tanto podem
ser colocadas ao serviço do ministério da justiça como do ministério da
agricultura (exemplo de ensino dual, em que eu me encarregarei de
explicar a riqueza semântica do carrasco e seus derivados...)
2.12.13
Já
não se trata da opus dei, mas da obra de Crato
Nuno Crato: - "É
nossa intenção que cerca de 50% por jovens do ensino secundário possam estar
numa formação profissionalizante e temos aqui um bom exemplo de como os jovens
podem sair com boas aptidões para entrarem no mercado profissional de trabalho
ou prosseguirem com os seus estudos." (SOL)
Crato quer, o
empreendedor sonha, a obra nasce.
Que o ministro queira, eu
ainda entendo. Agora que o empreendedor sonhe, duvido. Talvez haja uns tantos a
esfregar as mãos de contentamento: a mão-de-obra barata sempre dá
jeito... Quanto à obra, teremos de esperar, pois já não se trata
da opus dei, mas da obra de Crato. Felizmente que temos um ministro
que leva o nome a sério. Não lhe faltem o querer, a espada e a auréola! E
talvez valha a pena lembrar ao senhor ministro que para que Portugal se cumpra,
não é necessário importar o modelo chinês, alemão ou, mesmo, indiano.
PS. Com os meus agradecimentos ao senhor Fernando Pessoa...
1.12.13
Programa
de Português do ensino secundário em discussão pública
Acordei e fui ler uma
segunda vez a Introdução do Programa e Metas Curriculares de Português -
um pouco à maneira de Aquilino Ribeiro: ALCANÇA QUEM NÃO CANSA!
Ora na página 6, em
tradução livre, os autores do documento citam Shanahan, 2012 - "A
recompensa resulta da capacidade de perseverar".
Estou completamente de
acordo, só tenho pena que o Aquilino Ribeiro fique de fora. Também ele
condenava o facilitismo e, sobretudo, porque mostrou
ser capaz de estabelecer conexões que fazem das suas
obras exemplo de TEXTO COMPLEXO.
(Por outro lado, estou em
desacordo porque não creio que sob a citação deva aproveitar-se para criticar o
Programa anterior e os seus gestores - os professores.)
Retomando a noção
de texto complexo e a defesa da sua centralidade no
novo Programa, registo que os autores reconhecem que ele exige: «vontade de
experimentar e compreender»; «existência de poucas interrupções»; recetividade
para aprofundar o pensamento». Qual é a novidade? A ideia de que o
texto literário se situa no leque dos textos complexos?
No essencial, estou de
acordo, mas será que o MEC tenciona disponibilizar as horas letivas
suficientes para compensar «a falta de experiência de leitura»,
para proporcionar o «trabalho mais lento» necessário à chamada «compreensão
inferencial»?
Há ainda um outro detalhe
em que vale a pena refletir. A complexidade do texto resulta apenas da sua
especificidade ou depende em muito da maturidade do aluno? Para um aluno do 10º
ano, a leitura de uma cantiga de amor será menos complexa do que a de um poema
de Fernando Pessoa?
No atual contexto
ideológico, a disciplina de Português não deveria envolver-se em qualquer
projeto de educação literária. A educação é um problema dos
pais ou, pelo menos, parece ser. Os pais é que a escolhem a escola! Há
que combater o eduquês! Isto é, o professor só deve preocupar-se em
estimular a concentração e a lentidão da
aprendizagem.
Eu, no lugar dos pais,
exigia educação artística, científica e humanística!
E mais não quero dizer
porque ao fazê-lo num blogue, pratico um mau exemplo de texto complexo!
Falta-me a visão global... em pedaços me dissolvo ou, talvez, em fragmentos…
(À parte) O último parágrafo da página 9 faz-me lembrar outros
tempos: «Em suma, defende-se uma perspetiva integradora do ensino do
Português, que valoriza as suas dimensões cultural, literária e linguística...»
Só falta a dimensão discursiva!
Finalmente que Projeto
de leitura é este que se limita à escolha anual de uma ou
duas obras em que os autores portugueses ficam excluídos, em particular, os
VIVOS?
PS. Já me esquecia de aplicar a minha capacidade (ou será
competência?) inferencial: «Como lembra Bauerlein (2011, 29), os
textos complexos podem ir desde "uma decisão do Supremo Tribunal a
um poema épico ou a um tratado de ética"... (Programa,
6) Os sublinhados são meus...
30.11.13
Vou ao mercado e compro
um pé de porco. De seguida, compro duas latas de feijão branco... e vou
pensando "um indivíduo da minha idade condenado a mais sete anos de
magistério, se come esta chispalhada, acaba mal, ainda por cima diante de
jovens que não veem razão para aturar uma múmia…»
Na verdade, aquele
pensamento era desnecessário porque há muito que ando arredado de tais
comezainas. Bem sei que a vida são dois dias, embora o governo diga que são
três, e que o melhor é aviar-se em terra antes que a pensão falte...
De qualquer modo, o pé de
porco está a dar-me trabalho, pois não lhe tendo tirado as medidas, ele
recusa-se a acomodar-se na panela de pressão. Pacientemente, vou o
desossificando, mas a tarefa é árdua...
Quase tão árdua, como
amortizar a dívida e, simultaneamente, classificar três turmas que, perante a
tese de que o endividamento nacional terá começado com a necessidade de pagar à
Europa, em especiarias, o empréstimo contraído para a
construção da armada de Vasco da Gama, trocam a ordem das respostas deixando-me
à deriva entre uma arca frigorífica que demora a descongelar e um osso barato,
mas arrenegado...
Felizmente que uma boa
parte destes jovens alunos percebeu que a causa da dívida também era endógena.
De facto, os europeus, já no século XVI, fixavam o preço! Só que, por seu
turno, a Corte evitava o pé de porco, preferindo outras iguarias, outros luxos...
deixando, como hoje, o povo na miséria.
29.11.13
Em sete meses, Crato quer
alterar "os cursos de Educação":
“Serão as escolas a
decidir-se. Depois de o decreto-lei ser aprovado, depende da data exata da
promulgação, mas as escolas que não quiserem fazer este ano terão oportunidade
de o fazer para o outro ano.”
“Ninguém vai fazer
estas mudanças com pressa, vamos fazê-las com calma e de maneira sólida”,
assegura.
Crato tem pressa, mas o
"democrata" transige. As escolas é que sabem!
O discurso ministerial é
gramatical e semanticamente eloquente: Serão as escolas a decidir-se;
mas as escolas que não quiserem fazer este ano terão
oportunidade de o fazer para o outro ano; ninguém vai fazer estas
mudanças com pressa, vamos fazê-las com
calma e de maneira sólida...
Eu estou consciente de
que é preciso mudar a formação, mas ninguém me pediu uma ideia.
No entanto, o IAVE
solicitou-me que classificasse 100 textos, de tipo expositivo-argumentativo, e,
em consciência, recusei, porque sei que os avaliados, sem adequada preparação,
irão produzir um discurso idêntico ao do senhor ministro da educação e ciência...
Como classificador, não
gosto do papel de carrasco!
28.11.13
Não me apetece escrever
porque 4 portugueses são donos de 9,6 mil milhões de euros...
Não me apetece escrever
porque, de manhã, não pude folhear o CM, vendo-me obrigado a comprar o i,
e este não me trouxe a notícia que ansiava - ela passava, fugaz, na primeira
página do DN. Só mais tarde, percebi que, não sendo bordadeira nem carpideira,
para mim, era NÃO-NOTÍCIA...
Não me apetece escrever
porque não quero "autossuicidar-me" às 8 horas da manhã num banco de
escola diante meia dúzia de plátanos chorões...
Não me apetece escrever
porque o metro fechou as portas e os de sempre ficaram à lareira, com ou sem
teste.
Não me apetece escrever
porque não sei utilizar "palavras fortes", isto é, desconheço o que é
o calão, pois há muito tempo que não viajo para as Mercês ou para Rio de Mouro.
Se por lá andasse, arriscava-me a escrever um romance cheio de "palavras
fortes". Supostamente, aquelas gentes não conhecem outro registo de
língua, tal como há quem desconheça que possa existir a localidade "Rio de
Mouro".
Não me apetece escrever
porque Gabriel García Marquez inventou "Cem Anos de Solidão" para que
um qualquer genealogista elaborasse uma árvore que desprezava os avisos...
Não me apetece escrever
porque o Moita Flores prometeu que ia desvendar o assassinato do Presidente
Sidónio e, afinal, ficou-se pelo título porque o processo consultado não dava
para mais.
Não me apetece escrever
porque Ulisses queixou-se da perfeição e preferiu voltar para
Ítaca.
Não me apetece escrever
porque, nas palavras de um esclarecido discípulo, o mesmo Ulisses foi
substituído por um excêntrico boneco japonês, frustrando o Eça...
Não me apetece escrever porque a TAP está tentar vender-me um bilhete de
regresso da Turquia sem que eu sequer tenha partido... Não me apetece escrever
porque na Universidade Nova, os gabinetes de trabalho fazem lembrar os gavetões
do cemitério de São Marçal... Não me apetece escrever porque Portugal, aconteça
o que acontecer aos portugueses, não vai parar.
Só a imperfeição me faz
regressar...
27.11.13
No ar, o desânimo, a descrença.
Se a crença delega na intervenção externa, a descrença
mina a vontade.
Entre ambas já não há fronteira: não há esperança!
Por enquanto a casa é lareira,
embora não se saiba durante quanto tempo...
Só por cegueira se fica até mais tarde...
A linha (in)visível deslocou-se sem que a vela se
deslocasse.
Já não há arvoredo nem flores nem aves
Só a mentira beija o frio dos teus lábios...
26.11.13
Há sempre quem acredite
numa intervenção externa!
O Tribunal Constitucional
virou lugar de peregrinação. São 13 os apóstolos da fé, pelo menos, foi o que
entendi logo de manhã: 7 votaram pelo horário semanal de 40 horas para os
funcionários públicos; os restantes votaram contra.
Argumento,
em registo familiar: os funcionários públicos não devem beneficiar de um
estatuto privilegiado em relação aos funcionários privados ou até por conta
própria, se esta categoria pode ser considerada.
O orçamento geral do
estado acaba de ser aprovado pela maioria parlamentar, e logo, em coro, se roga
ao Tribunal Constitucional que intervenha, que defenda a Constituição. O
problema é que esta não proíbe os cortes nem nada determina sobre a aplicação
do princípio da retroatividade. Os legisladores eram homens sérios e,
como tal, pensaram o texto constitucional como suporte do regime democrático,
não imaginando que uma maioria eleita democraticamente pudesse fazer tábua rasa
de princípios fundamentais...
Nesta situação, o pior
inimigo do cidadão é a crença. Acreditar que os juízes irão fazer frente ao
governo é o mesmo que pensar que, no Estado Novo, os tribunais plenários eram
imparciais. Os juízes são homens e mulheres, têm família, amigos, partido e igreja,
e acabarão por claudicar...
A crença atual não é
diferente da crença messiânica ou sebástica! Ela existe sempre como forma de
compensar a inação, de manter o statu quo por muito
precário que ele possa ser...
Por outro lado, é bom não
esquecer que a maioria parlamentar é suportada, em grande parte, por um grupo
significativo de cidadãos que continua a enriquecer, sem que os seus
rendimentos sejam molestados... e desta vez não parece que eles façam parte do
funcionalismo público.
25.11.13
«A experiência é o
terreno de prova.», Harold Pinter, Os ANÕES
Esta velha ideia já não encontra
seguidores.
Hoje, somos governados
por homens e mulheres sem conhecimento e sem experiência. Estes governantes
desprezam a experiência e, sobretudo, são um péssimo exemplo para as novas
gerações...
Se os governantes
maltratam os juízes, os professores, os médicos, os idosos, os doentes, os
deficientes, o que é que poderemos exigir aos mais jovens? O que é que
poderemos exigir às famílias?
O que é que poderemos
exigir...
A resposta surge sob a
forma de notícia de:
a) polícias que
desrespeitam os pilares da democracia;
b) homens que agridem as
mulheres até à morte;
c) assédio sexual e
violação de menores e de idosos;
d) crimes de sangue por
dá aquela palha;
e) assaltos, sequestros e
vandalismo um pouco por toda a parte;
f) desfalques e
tributação abusiva;
g) usura e tortura;
h) tráfico e consumo de
droga a céu aberto e a coberto de opulentas mansões...
A notícia até tem jornal
e TV para a amplificar, de preferência em direto!
(Na sala de aula, um
professor não fala dos governantes sem conhecimento e experiência, não fala da
notícia em direto! O professor procura que os alunos compreendam o pensamento
de Vicente, Camões, Vieira, Garrett, Pessoa, Saramago..., mas eles chegam
naturalmente atrasados, sorridentes, pedem desculpa e sentam-se tranquilos como
se fossem pedir uma cerveja ou charro, e ficam ali a desfiar um rosário de
sensações, à espera do toque de uma campainha que, também, ela desistiu da sua
função...)
«Se realmente sou um
deus, sou o deus da futilidade e do remorso.»
Dito de outro modo, o herói já
não é o Nuno de Camões nem de Pessoa, nem o deus de Harold Pinter, que esse
ainda conhecia o remorso.
24.11.13
OS ANÕES. Não vale
a pena querer recontar...
Não vale a pena querer
recontar o romance "OS ANÕES" de Harold Pinter, porque falta a
intriga ou, no mínimo, pode dizer-se que faltam as peripécias.
Quatro personagens - LEN,
MARK, PETE e VIRGINIA - circulam num espaço fechado, discorrendo sobre comportamentos,
em que a amizade e o amor mais não são do que um lugar de traição, de sadismo e
de exibicionismo... As personagens, na verdade, não dialogam: acusam-se por
vezes, bajulam-se outras...
Neste romance, a ação é
puramente verbal: paroles, paroles, paroles...
Parece haver nele um desafio ao leitor, como se este, ao ler, recriasse à mesa,
na cama, à janela, na rua, num ou noutro bar, com os amigos, uma vida absurda,
limitada à bebida, ao sexo, ao palavrear... tudo em discurso direto.
No essencial, estamos
perante romance do absurdo em que todos queremos ser heróis ou deuses: «Se
realmente sou um deus, sou o deus da futilidade e do remorso. Nunca fiz nada
por ti. Gostaria de o ter feito.»
Neste romance, a
fronteira que o separa do drama é muito ténue, talvez, apenas, uma convenção de
época - 1952 -1956.
Confesso que li Os ANÕES
até ao fim, não porque esperasse um qualquer desfecho, mas porque nasci no
tempo da escrita, e as minhas memórias mais antigas situam-se também elas num
espaço fechado em que as palavras teciam os seus próprios muros...
23.11.13
«Em virtude do Rei, da pátria mesta,
Da lealdade já por vós negada,
Vencerei não só estes adversários,
Mas quantos a meu Rei forem contrários!»
Os Lusíadas, Canto IV, estância 19
Este Nuno Álvares, que
não tem dúvidas sobre qual deve ser o seu papel no combate aos inimigos
externos e internos, em nada se assemelha a Nuno Crato que serve a todo o tempo
interesses privados, sejam nacionais ou internacionais. Claro que Crato também serve
o seu rei, vassalo da Troika!
Triste tempo, em que, não
sendo mais possível nem aconselhável erguer a Excalibur, insistimos em jogos de
poder, em vez de desenhar uma estratégia de unidade que nos permita senão
superar pelo menos imitar a Irlanda.
'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!
Mensagem,
Nun'Álvares Pereira
22.11.13
PACC - modelo -
componente comum. Um incidente crítico?
Fui ler a Prova modelo e fiquei esclarecido.
O objetivo é afastar,
numa 1ª fase, todos aqueles que ainda encaram a escola como um lugar de
aprendizagem responsável e que pensam que podem construir o ensino, tendo como
âncoras não só o conhecimento atualizado, as novas tecnologias e, sobretudo, o
aluno e as suas circunstâncias...
Há muito que defendo que
a orientação do ensino está entregue a burocratas de gabinete partidário ou, em
último caso, a arrivistas que desprezam tudo o que não tem origem nos modelos
pavlovianos mais retrógrados. Só assim se justifica que o "modelo"
apresentado seja o mesmo que já é aplicado tanto ao 4º ano como ao 12º ano de
escolaridade. A matriz é a mesma!
O que mais inquieta é não
se saber qual é o organismo (o IAVE.I. P?) que decide quais são «os
conhecimentos e capacidades considerados essenciais para a docência». Qual
é o papel das universidades? Qual é o papel das unidades orgânicas que se
dedicam às ciências da educação?
Quanto ao objeto da
prova, a sua especificação é vaga, citando os tradicionais estereótipos. Quem espera uma orientação, o melhor é
começar a procurar um explicador formatado numa academia maoísta, se ainda
existe alguma...
Há ali, no entanto, uma
locução reveladora da doutrina subjacente: «um pensamento crítico orientado».
Alguém deveria ter informado o relator que "pensar" sem capacidade de
discriminar e valorar é absurdo. Pensar pressupõe orientação e capacidade
crítica. Sem elas, caímos na fantasia ou, pior, no despotismo. De nada serve
acrescentar adjetivos ao pensamento...
Os itens de escolha
múltipla apresentados só podem ser pasto de humoristas pouco inspirados!
E quanto ao item de
resposta extensa, se quisessem abordar o tema da tolerância em contexto
escolar, então teriam escolhido um «incidente crítico"...
«Em 1959, data do
início da correspondência, já Miguéis era tido como um autor consagrado,
recebendo nesse ano o prestigioso prémio Camilo Castelo Branco pela publicação
de Léah e Outras Histórias, para não falarmos no prémio da Casa da Imprensa
atribuído a Páscoa Feliz, cuja 1ª edição remonta a 1932, ou Onde a Noite se
Acaba (contos, 1946) ...» José Albino Pereira (organização e notas), José
Rodrigues Miguéis - correspondência 1959 - 1971 - José Saramago, Caminho,
2010
Entre 1959-1971, Saramago
desempenhou funções de «diretor literário» na Editorial Estúdios Cor, Lda que
publicou a maioria das obras de Miguéis em Portugal.
Saramago
"obrigado" a ler as obras do seu exigente amigo Miguéis, desse longo
convívio terá certamente recebido alguma influência. Veja-se, a propósito, A
VIAGEM DO ELEFANTE (2008), em que o autor se interroga sobre «umas pequenas
esculturas de madeira posta em fila» alusivas à viagem do elefante que em 1551
foi levado de Lisboa para Viena, e agradece a Gilda Lopes Encarnação, leitora
de Português na Universidade de Salzburgo, o convite que lhe fizera...
O que Saramago não refere
é que o seu amigo Miguéis já nos tinha presenteado, no conto ENIGMA, que
integra a obra ONDE A NOITE SE ACABA, com um elefante e
respetivo cornaca.
«Aquela noite não foi,
porém, tranquila. Ch. Brown sonhou, coisa inquietante, embora nem tudo fosse
propriamente sinistro nos seus sonhos. Sentiu-se a dada altura deliciosamente
balouçado, quase com suspeita volúpia, no fofo palanquim dum elefante em
marcha. (...) De repente, a um grito do cornaca - mongol de olhinhos pequenos,
irónicos e vivos, no qual reconhecia disfarçado, o antiquário Fishbein - o
elefante estacava, punha o joelho em terra, e o professor pulava com ligeireza
no chão macio, encantado com o passeio.»
Elefantes e cornacas
fervilham nas Mil e Uma Noites, por isso o melhor é seguir-lhes o
rasto...
De facto, o mais fácil é
omitir e, em Portugal, esquece-se com facilidade a obra de José Rodrigues
Miguéis! Na última semana, e sem pensar no assunto, dei conta de pelo menos
três omissões... Em matéria de educação literária, não colhe esquecer Miguéis, um
homem formado em pedagogia, mas que se viu impedido de a aplicar no seu país,
tendo, contudo, votado a vida a escrever histórias de «exemplo e proveito»
Ultimamente, os sinais
são todos antipedagógicos! Basta ler a proposta de Metas e de Programa da
disciplina de Português para o ensino secundário, sem esquecer a Prova de
Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, que, por si só, destrói qualquer
intuito pedagógico... O elefante e o cornaca eram bem mais inteligentes!
21.11.13
I - Em dia de protestos,
passada a euforia do apuramento para o mundial e da divinização do CR7,
promovido a comandante boliviano, Mário Soares regressa à Aula Magna para
defender a violência como solução.
No entanto, Soares
deveria saber que a solução não passa pela violência, mas, sim, pela união das
forças políticas, até porque a adesão à União europeia por ele conduzida é
causa direta da atual situação, pois os dirigentes da época não souberam gerir
a riqueza que, entretanto, inundou o país.
A apropriação dessa
riqueza pela nova classe política e financeira não escandalizou os sucessivos
governos que, preocupados com a conservação do poder, foram alargando as
desigualdades, deixando-se corromper pelo ouro europeu que iam trocando pelo
desmantelamento dos sectores produtivos.
Habituado ao
endeusamento, Mário Soares cavalga a onda do descontentamento, imaginando que
ainda vai a tempo de reescrever a História que lhe ditou a derrota perante o
seu inimigo maior - Cavaco Silva - político medíocre e medroso, o que não abona
nada a seu favor.
II - As polícias,
provavelmente ao subirem as escadarias da Assembleia da República, não estariam
conscientes de que, no mesmo momento, estavam ser "utilizadas" na
Aula Magna por alguém que nem sempre as respeitou.
III - De Seguro, não se
conhece o paradeiro. Vai, contudo, ter que se o mover. Se o não fizer, acabará
na voragem...
20.11.13
Há dias que não se sabe
quando começam e muitos menos quando acabam! Dias preenchidos por uma sucessão
de atos, uns domésticos outros públicos, que, de comum, têm a noção do dever,
apesar da exaustão e da incompreensão...
Insiste-se num caminho de
rigor e de seriedade, mas, como contrapartida, recebemos gestos de enfado e de
abandalhamento.
Apesar de ainda
encontrarmos almas cândidas, tudo não passa de um jogo de silêncios e de
palavras comprometidas...
As horas esgotam-se, a
vista cada vez mais turva, a língua presa, tudo letras de uma partitura
inacabada...
19.11.13
Apesar das horas agitadas
que passei esta tarde, agora que o silêncio impera, recordo a colega que me
abordou durante a manhã, perguntando-me, de chofre, o que eu pensava sobre a
situação. Abri os olhos, surpreendido, pensando que estava de regresso ao Estado
Novo.
Na verdade, a colega
queria que lhe dissesse o que pensava sobre a nova PACC - Prova de
Avaliação de Conhecimentos e Capacidades. De súbito, compreendi que aquela
senhora com cerca de 40 anos se via obrigada a prestar uma prova sobre matérias
indefinidas e de resposta unívoca. Conheço-a há anos, tendo como função
acompanhar alunos com dificuldades específicas de aprendizagem... Durante todo
esse tempo entregaram ao seu cuidado alunos com todo o tipo de problemas,
mantendo-a como contratada, condenando-a à precariedade e, sobretudo, pondo em
questão todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos.
Quando a colega me
interpelou, encontrava-me a analisar a legislação que, entre outros efeitos,
altera o Estatuto da Carreira Docente, abrindo a porta à arbitrariedade. De
futuro, é possível sujeitar todos os docentes a este tipo de prova, facilitando
o despedimento, fundamentado numa avaliação episódica de conhecimentos e de
capacidades...
E duas questões se me
colocavam:
- Qual foi a autoridade
científica e pedagógica que certificou o IAE.IP?
- Como é que se explica a
ordem dos termos na sigla PACC? Primeiro, Conhecimentos e depois Capacidades?
Finalmente, o que é
feito da autonomia científica e pedagógica das Universidades que formam
milhares e milhares de docentes? Como é que se explica o silêncio dos conselhos
científicos?
18.11.13
Não sei se indique
primeiro o lugar se a hora, nem sei se isso importa. O facto é que às 7h30 já
estava sentado na mesa do canto do Nortex. Ou será Nortada? Com a idade, vou
deixando de ter certezas, para gáudio dos meus alunos, esses, sim, sempre
seguros, pois na memória deles há sempre um professor - verdade, uma espécie de
crato dos tempos modernos.
Lembro que, por hábito,
me sento mais perto da porta de saída. Ou será de entrada? Mas hoje a mesa
estava ocupada, o que não me incomoda, ao contrário de um ilustre antecessor
que tinha sofá reservado no velho Liceu Camões. Esta ideia de reservar lugar já
lhe era habitual, pois em Évora, também tinha uma mesa do canto para si, à
semelhança dos latifundiários que assentavam arraiais no Arcada...
(Esta última
referência cai aqui porque, na última terça-feira, o existencial fantasma
sentou-se não numa cadeira ou num sofá, mas num canapé em pleno Coliseu
lisboeta. Curiosamente, nessa noite assisti, divertido, a um jogo de cadeiras e
carteiras que me deu que pensar: saídas das salas, vi-as nas galerias, nos
pátios... cheguei a pensar que o Ionesco teria assaltado o Camões, não o que
não tinha onde cair morto, mas o outro, em E, por enquanto
aberto... as vogais portuguesas são, como a mãe, traiçoeiras! Boa pergunta!
Quem será a mãe destas caprichosas vogais?)
De regresso ao lugar de
partida e respeitando a ordem dos acontecimentos, ainda sem o inspirador
Correio da Manhã, dei comigo (com quem havia de ser?) a olhar televisivamente
para "treze toneladas de agricultura biológica" colocadas em pontos de
venda, semanalmente, e pensei que a agricultura está cada vez mais pesada. Diz
a cristas que a agricultura tem cada vez mais peso na produção nacional! Talvez
por isso apeteceu-me sair dali e ir comprar uma dúzia de galinhas poedeiras e
dedicar-me à produção de ovos biológicos...
Claro que ainda não é
desta, pois comecei a pensar no escoamento dos ovos, se haveria ovos
sintéticos; comecei a pensar nas velhas lagartas biológicas da minha infância
que me davam cabo da horta.
Sim, porque, antes do
horto e da vinha do senhor, os meus dias eram passados a mondar e a regar a
horta... Dias salpicados pelo mafarrico!
17.11.13
Bendita
austeridade, benditos credores
Não sei o que se passa no
país! Da última vez que liguei a televisão apercebi-me que a capital se mudara
para Cantanhede (?)... O Passos dirigia-se a um auditório invisível que, creio,
ser o povo de Cantanhede, ameaçando-o com mais austeridade. Lembrou-me o Seguro
que passa o tempo na província, ao rabisco...
Entretanto, enquanto me
dirigia à Rua da Quintinha, mesmo ao lado de São Bento, acabei por ouvir, na
rádio, o ministro Branco, inebriado com a receção que lhe estão a fazer nos
Emirados Árabes. Parece que os anfitriões lhe abrem as portas, sem nada lhe perguntar
sobre a crise... Apesar dos simpáticos emires estarem dispostos a comprar o CR
7, o pobre do ministro da defesa compreendeu tudo ao contrário. Pensa ele que
vai fazer negócio com os credores! Ou será ao contrário?
Considerados os exemplos,
só nos resta servir o capital ou sermos contratados pelo Durão, pelos serviços
prestados. O Gaspar já deixou a quarentena no Banco de Portugal, indo a caminho
de Bruxelas! Bendita austeridade!
Falta explicar o motivo
desta minha desinformação. Há dois dias que ando a inventar um teste que avalie
a capacidade argumentativa e interpretativa dos meus alunos, sabendo, de
antemão, que eles preferem que lhes faça perguntas de gramática, que isto de argumentar
e de interpretar nada tem a ver com o conhecimento da língua. Basta ter
opinião!
Por exemplo, se lerem
este texto e encontrarem o termo "anfitrião", passam à frente! Para
quê saber o significado? Deve ser qualquer coisa como porteiro! Afinal, quem é
que está encarregue de abrir as portas e de carregar as bagagens?
Como lhes vou fazer a
vontade, lá terei de rogar que identifiquem e classifiquem o(s) sujeito(s) na
frase: Parece que os anfitriões lhe abrem as portas...
Quem souber que responda!
16.11.13
O feiticeiro, o
amigo e o carrasco
Por mais que eu explique
que a frase e o enunciado são coisa distinta,
que a primeira pode ser autopsiada, classificada, desmembrada, sem
incomodar o locutor, e que este será fortemente afetado
se submetido a tais tratos, há sempre quem faça orelha mouca...
Vem isto a propósito de
uma noticiada e citada «frase enigmática» proferida, em 1998, no
Congresso do CDS, por Maria José Nogueira Pinto tendo António Lobo Xavier como
interlocutor: «O senhor sabe que eu sei que o senhor sabe que eu sei»
(...) As reticências escondem a forçada cumplicidade dos interlocutores que só
um enunciado pode abrigar.
O referente desta nova
cumplicidade era Paulo Portas ou a natureza da ação do amigo
de António Lobo Xavier.
De lá para cá, o
segredo ficou esquecido, mas a frase reaparece, sobretudo, no discurso
político, com uma carga enunciativa de desafio, de ameaça.
- E afinal se não venho
revelar o segredo de Paulo Portas, com que objetivo é que desenterro o
enunciado?
- Simplesmente, porque ao
ler OS ANÕES, de Harold Pinter, descobri a fonte onde, provavelmente, Maria
José Nogueira Pinto bebera:
- Quem é o Pete?
- Um amigo meu.
- Um membro do teu clã?
- Membro? Ele é o
feiticeiro.
- E tu quem és?
- O carrasco. Mas vai
haver nova eleição no Outono.
- A sério?
- E então - disse Mark -
quem sabe? Podemos ficar todos à procura de novo emprego.
- Ouve lá - disse Sónia -
queres dançar ou quê? Senão vou arranjar alguém que queira.
Eu sei que tu
sabes que sabes que eu sei.
edição D. Quixote,
pág.171-172.
15.11.13
Não sei o que dizer...
estou cansado. Ainda ouço o ministro, paladino do conhecimento... enquanto o
ex-ministro lastima a falta de ética daqueles que decidem sem qualquer pudor...
Lembro-me do Poeta que
criou uma epopeia para celebrar o tempo da glória (1498), mas que se viu
obrigado a escrevê-la em tempo de tristeza. Na verdade, a epopeia transforma-se
em elegia e ninguém ousa proclamá-lo. Uma triste epopeia guerreira!
Nesta terra, a simples
ideia que acabo de registar não vale um cêntimo, pois não se conforma com metas
e programas. É uma ideia inaceitável em termos de educação literária e,
sobretudo, antipatriótica.
Houve tempo em que do
outro lado da voz havia um ouvido atento, pronto a procurar na epopeia o
argumento de validação. Agora a voz, pela janela em frente, atravessa o coreto
por entre a peçonha que obnubila a mente.
Entretanto, ligo a
televisão e as vozes são de glória e sem qualquer pudor...
No rescaldo, via Facebook: Conceição Coelho: Mas a epopeia não serve
para que, em tempo de descrédito, as almas se elevem? Contudo, nas entrelinhas
interagem muitas ideias antagónicas... A educação literária tem de fazer ouvir
a voz dessas entrelinhas e ser ela própria um olhar transformador e crítico. Se
não o faz para que servirá?
"Cantando,
espalharei por toda a parte" a ALEGRIA e a GLÓRIA - pensava o Poeta no
início do projeto (ou cumpridor do protótipo?), mas o seu (nosso) TEMPO
TRAIU-O.
14.11.13
Não é fácil ouvir
o ministro da educação
Não é fácil ouvir o
ministro da educação!
Para este sofista, tudo
pode ser reajustado desde que seja ele a determinar a doutrina.
Eu até admito que o Estado necessite de reestruturar os equipamentos escolares
e de ajustar o ensino às necessidades do tempo que atravessamos, defendendo que
as estruturas pesadas e estáticas devem ser substituídas por unidades dinâmicas
e flexíveis.
O problema é que o atual ministro da educação está a executar um modelo que
visa desmantelar a escola republicana, entregando-a a uma rede de
"amigos" para quem a educação é uma negociata.
À medida que o ministro
Crato vai clarificando o seu pensamento, torna-se clara a matriz doutrinária
que formatou o Estado Novo: uma pátria miserabilista, uma família conservadora,
um isolamento altivo. Na base, a língua dos tempos de glória e o cálculo dos
onzeneiros!
E neste regresso ao
passado, só falta restaurar a filosofia do espírito... Por enquanto, temos
ideólogo!
13.11.13
Ao assistir à Gala
"Camões A Nossa Escola", ia-me dando conta da quantidade de vultos
que frequentaram o Liceu / Escola Secundária durante mais de um século e, ao
mesmo tempo, ia pensando no modo como se constrói / destrói uma instituição. Ou
seja, dei comigo a pensar nas omissões e nas promoções que voluntária ou
involuntariamente fazemos...
Em 100 anos, é fácil
destacar e esquecer! Em 100 anos, a opinião tende a ocupar o lugar dos factos e
quando isso acontece a referência dilui-se. Isto é, quando privilegiamos uma
época ou uma individualidade, estamos a criar as condições para a menorização
da instituição.
Em 100 anos, os
antagonismos tendem a ser duais, e mesmo que saibamos que uma oposição é
constituída por múltiplas expressões, acabamos por colocar do lado da
"liberdade" quem se digladiava, desde que fique clara a frente de
combate e, pelo caminho, vão ficando todos aqueles que, por convicção, não
colaboravam com qualquer das partes...
Em 100 anos, a
"liberdade" e a "opressão" tendem a cavar vias sinuosas, em
vez de deixar que as avenidas se encham de todos aqueles que cavaram a terra e seguraram
as escoras.
Quanto maior é o combate, maior é a necessidade de reunir todas as referências,
sem artificioso unanimismo.
A Grande Gala no Coliseu
correu bem!
Os convidados, os
professores e os alunos que participaram nos vários números foram inexcedíveis,
a começar pelo apresentador Júlio Isidro que deixou claro que o objetivo é
angariar 13 milhões de euros para recuperar o edifício da
Escola, símbolo da arquitetura escolar do início do século XX.
No geral, o espetáculo
foi sóbrio, sobretudo a primeira parte. A segunda parte acabou por se alongar
desnecessariamente, gerando alguma ambiguidade e alusões, na minha opinião,
desnecessárias.
O momento menos
conseguido terá sido o da entrevista simulada por dois conhecidos
apresentadores de televisão, em que, na verdade, terá faltado o entrevistador.
O diretor, os
professores, os alunos e os funcionários que com ele colaboraram estão de
parabéns.
Quanto a António Costa,
gostaria de conhecer o motivo que o impediu de dirigir duas palavras ao
público. Afinal, o arquiteto responsável pelo projeto de construção do Liceu
Camões, Ventura Terra, foi vereador da Câmara Municipal de Lisboa...
12.11.13
O eleito, mesmo que não
acredite em si, tem sempre quem acredite nele, quem o empurre ou quem espere
que ele seja capaz de resolver qualquer problema por muito grande que seja.
Em tempos, Camões,
descoroçoado, ungiu o Príncipe, já Rei, e prometeu-lhe:
«Só me falece ser a
vós aceito,
De quem virtude deve ser
prezada.
Se me isto o Céu concede,
e o vosso peito
Dina empresa tomar de ser
cantada,
Como a pressaga mente
vaticina
Olhando a vossa
inclinação divina,
Ou fazendo que, mais que
a de Medusa,
A vista vossa tema o
monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de
Ampelusa
Os muros de Marrocos e
Trudante,
A minha já estimada e
leda Musa
Fico que em todo o mundo
de vós cante,
De sorte que Alexandro em
vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter
enveja.»
Assim termina a EPOPEIA,
incentivando o Rei a partir para o norte de África, e contrariando todos
aqueles velhos do Restelo que, mais do que a Fama, a Glória, a Vaidade, a
Cobiça, estimavam a vida humana... E o Poeta acabou desempregado, embora por
pouco tempo...
Este desejado e ungido
Rei era, ainda, o guerreiro que sonhava apagar o nome de todos os Alexandros e
que esperava ser o herói de NOVA EPOPEIA. E foi esse sonho que
o matou, apesar do Super Poeta, séculos mais tarde, lhe profetizar o regresso,
depois do Nevoeiro, pois acreditava que o Mito era suficiente para despertar a
Alma de um Povo, não percebendo que este Povo deixara de acreditar no Senhor e
que, por mais que Ele quisesse, o sonho se desvanecera num fim de tarde...
PS. Dentro de momentos,
também eu partirei para o COLISEU! Mas não levo armadura nem cavalgadura...
11.11.13
Mais de dez mil pessoas
podem ter morrido nas Filipinas, mais de quatro milhões de crianças podem
correr risco de vida, de violação, de colheita de órgãos que, aqui, na Terra, o
importante é o resultado de um jogo de futebol, o novo gadget, a
cor dos olhos, a conversa safada...
Aqui, na Terra, pouco
interessa a fome, a violência doméstica, o despotismo dos credores e seus
apaniguados, a quotidiana lavagem ao cérebro, desde que possamos regressar a
casa em segurança, dormir na caminha sem pesadelos, e acordar, de preferência,
na 1ª página de um diário nacional ou na página central de um semanário, sem
falar na abertura do telejornal e no alinhamento contínuo do Face...
Aqui, na Terra, é dia de
festa! Não há tufão, nem terramoto, muito menos maremoto! Há quem diga que o
degelo ameaça a Cidade, mas que interessa! Enquanto ele não chega, as Filipinas
ficam longe, o Congo ninguém quer saber o que lá se passa, a Síria já não
existe, no Iraque a morte já não é surpresa... e no bairro vizinho alguém
deixou de lá morar... Mas que importa!
... E claro que há sempre
alguém que pergunta se eu ando a ler um livro de ficção! Porque, na verdade,
tudo passou a ser ficção! Tudo se passa antes ou depois e bem longe daqui.
Aqui, na Terra, é dia de festa...Até quando?
PS. Acabaram de me
oferecer 3€ por cada resposta de 250 a 350 palavras, com a garantia de
classificar 100 respostas. Não dizem qual é a parte do fisco! Sei, também, que
o autor da resposta irá pagar 20€ pela prova a que é obrigado... Tudo
devidamente supervisionado, não se sabe a que preço!
Aqui, na Terra, é dia de
festa! Lá longe morreram mais de 10.000 pessoas...
10.11.13
Este texto é dedicado a
um ministro que foi a Paris declarar que em Portugal ainda há muito por fazer
na área do ensino. Espero que ele não estivesse a pensar na
Educação!
Folha em branco... porque
um deus desconhecido (ignoto deo) se instalou no ecrã, impedindo-me de
qualquer gesto que não fosse autorizar a instalação do Internet Explorer 11.
Consciente do erro, o
deus desconhecido passou mais de 20 horas em processo de reversão, proibindo-me
de encerrar a atividade que, afinal, não podia iniciar.
O update
automático é tão voluntarioso que, apesar de o forçar, ele não desiste
da instalação e mesmo agora espreita no rodapé. Já tentei controlar-lhe o
automatismo, mas ele acusa-me de pôr em perigo a segurança da máquina...
A sorte deste Windows
update é que eu passei o dia em manobras que me levaram a Porto Alto. Lugar que
conheci há oito anos como início de um ciclo a que um deus desconhecido (ignoto
deo) insiste em pôr termo.
Bem! Neste último caso,
não se trata de um deus totalmente desconhecido, trata-se de um avatar
diabólico com pouca cabeça, mil patas e uma cauda serpenteada...
Pelo meio, ainda tive
tempo para registar uma oportuna reflexão de Harold Pinter sobre
a receção da poesia: «O problema com este tipo de pessoas é que quando lêem
um poema nunca abrem a porta e entram. Contentam-se em inclinar-se e espreitar
pela fechadura. Não fazem mais nada.» Os Anões, 1952-1956.
Esta ideia de só
espreitar pela fechadura traz-me, também, à lembrança os resultados dos exames
nacionais de uma certa escola secundária: Português - 10.43;
Matemática A: 10.46; Biologia e Geologia: 8.41; Física e Química A: 8.45; Todas
as 8 disciplinas: 10.13. Público, sábado 9 novembro 2013.
8.11.13
Um
funcionário público qualquer
Este texto é dedicado ao
ministro que, na Assembleia da República, me tratou como «um funcionário
público qualquer». A partir desta data, sempre que vir um agente da autoridade
irei lembrar-me que o meu corpo não tem nada de especial e
que a minha profissão, na atual república, é desprezível.
(...)
Deveria poder aceder
por uma de três portas. Mas não, só por uma, e de lado.
O automobilista é assim mesmo, não respeita a lei da boa
vizinhança. Não o faz por má vontade, porque esta não chega a ter tempo de
se pronunciar: o automobilista espreita o lugar, arruma o carro e vira as
costas sem olhar à esquerda ou à direita.
A porteira
chega a horas: abre a porta que dá para o pátio das traseiras, enche de
água um balde, mergulha o esfregão, e desaparece, deixando a vassoura
apoiada na ombreira... Talvez me tivesse emprestado o comando que abre o portão
que dá acesso à garagem! Só às 16h30 lhe vejo os olhos de quem por nunca os
despegar do trabalho parece numa infindável viagem.
Neste dia em que
decidi libertar a autocaravana do recheio, percebi que a
crise pode ser libertadora: liberta-nos de tudo o que fomos
acumulando, deixando-nos as pernas mais pesadas e as expectativas
goradas...
(No início da
frase, cheguei a escrever "minha autocaravana", mas desisti. Neste
país, nada é nosso, sobretudo se a posse resultar de demorado e
honesto trabalho.)
Quantos países
ficam por visitar e, sobretudo, os lagos cimeiros, os campos de lavanda,
as estepes russas e as chanas africanas...
Esta ideia do caminho que
fica por percorrer deixa-me, hoje, uma dor difusa, mas aguda.
E, principalmente, fica a certeza de que o esforço despendido é
inútil. Ou talvez mais não seja do que a expressão do meu tempo, pois, neste
caso, o único tempo que vivo é o meu...
Entretanto, sei que,
hoje, houve greve! Mas não sei o que se passa para lá da rua que percorro da
autocaravana à garagem, com uma breve deslocação à agência da Caixa Geral de
Depósitos, nos Olivais. Lá, as máquinas automáticas tinham secado! Penso,
todavia, que o facto nada teria a ver com a greve: Simplesmente, os reformados
e pensionistas acorreram ao banco, antes que o Governo lhes roubasse, em nome
da crise, as parcas mensalidades...
Agora já só ligo
a televisão na hora de adormecer. Até lá, estou a tentar perceber Os
Anões de Harold Pinter.
7.11.13
A onda não tem cor, mas
basta vestir uma camisola para ganhar coloração. E quando um grupo veste a
camisola, refulge a cor mesmo sem convicção.
O grupo serpenteia em
melopeia e a onda retrai-se em fímbrias de espanto...
Eu, cego e surdo, fico
indistinto no aroma do fado...
Nada mais posso
dizer que a onda já me leva
Que a onda já me leva
Indistinto no aroma do
fado...
6.11.13
Estou a preparar-me para
passar o resto dos meus dias a dialogar com o passado.
Um passado quase milenar que me permitirá revisitar as campas de trovadores de
partidas sem regresso e de jogos de sombras palacianas.
Um passado quase milenar
de clérigos goliardos, de déspotas régios e de ordens devassas.
Um passado ao serviço de
uma fé fundamentalista e argentária, de uma fé censória e inquisitorial.
Um passado de capitães aventureiros,
mercenários, traficantes e.… de Abril..., mas, agora, reparo que me
enganei nas campas.
Coitado de mim
que, impedido de dialogar com o presente, me enganei no cemitério.
5.11.13
Metas
curriculares de Português e educação literária
I - Aos quinze
anos, em termos de educação literária, o jovem deve:
a) Ler textos
literários portugueses dos séculos XII a XVI, de diferentes géneros.
b) Reconhecer os valores culturais, éticos e estéticos manifestados nos textos.
c) Contextualizar as
obras e os textos literários: por exemplo, época, autor, movimento
estético-literário (quando indicado no Programa).
Não sei se aplauda o
regresso ao passado! Já em 1970, era assim!
II - Ao ler o Programa
e Metas Curriculares de Português, em discussão pública, fico com a
sensação de que o interregno (1974-2013)
se tornou insuportável!
... e nem vale a pena
referir os autores rasurados, designadamente do séc. XX! Todos os
que se tenham evidenciado pelo espírito crítico: Raul Brandão,
Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Miguéis, Carlos de Oliveira, Miguel
Torga, José Gomes Ferreira, O'Neill, Sophia, Al Berto... e todos os
vivos, a começar pelo Lobo Antunes, Mário de Carvalho...
Em termos de educação
literária, estamos entendidos!
4.11.13
Não entendendo o
alarme noticioso que, na última semana, se instalou na comunicação social
em torno de um casal mediático, decidi dar-lhe alguma atenção.
Inicialmente, o caso
pareceu-me irrisório. No fundo, a desavença lembrava-me um reposição de
uma novela de Camilo, entre uma burguesa balzaquiana e um velho
da horta severo...
No entanto, a falta de
decoro e o excesso de linguagem revelados em monólogos claramente
encenados, acabaram por me conduzir a Kant... agora muito em moda na província
política e filosófica portuguesa:
«De tudo o que é
possível conceber no mundo e, mesmo em geral, fora do mundo, há somente uma
coisa que se pode considerar boa sem nenhuma reserva: uma
boa vontade. A inteligência, a argúcia, o juízo e os talentos do espírito
(...) são sem dúvida, coisas boas e desejáveis sob muitos aspetos; mas estes
dons da natureza podem tornar-se extremamente maus e perniciosos, quando a
vontade que se tem de usá-los, e cuja disposição própria se chama, por
isso mesmo, carácter, não é boa.» Kant, Fundamentos
da Metafísica dos Costumes.
Parece, assim, que
a única coisa verdadeiramente boa sem nenhuma reserva - a boa vontade -
anda muito arredia do carácter de certos portugueses, por muito inteligentes,
argutos e talentosos que pareçam ser...
Nem sempre, a Filosofia é
boa conselheira, mesmo se cultivada em Paris!
3.11.13
Há anúncios sobre tudo,
até sobre seguros. Mas não há seguros contra os riscos provocados pela leitura
de um livro triste.
Os livros do meu país são
tristes, todos! E querem que os jovens os leiam, eles que se acham alegres e
sedutores.
Os mais obedientes ainda
ousam iniciar a leitura, mas acabam por desistir porque não suportam a leitura
de livres tão tristes. Alguns confessam a desistência, e, pesarosos, procuram
uma explicação, mas a tristeza sufoca-lhes a palavra. São genuínos, estes
jovens, chegando a ter pena do professor...
Há muito que não encontro
um leitor que compreenda a tristeza que percorre os livros de Miranda, Camões,
Bernardim, Vieira, Garrett, Herculano, Nobre, Cesário, Camilo, Pessanha, Eça,
Aquilino, Pessoa, Brandão, Florbela, Almada, Miguéis, Sena, Rovisco, Belo,
Agustina, Al Berto, Saramago...
Há muito que não encontro
um leitor que compreenda que a tristeza não é uma propriedade dos livros. A tristeza
existe em nós, portugueses! Existe em nós desde que partimos... para a Índia.
A sorte destes jovens é
que ainda não descobriram que, também, eles são portugueses!
2.11.13
A "rotina" é a
expressão do hábito de seguir sempre o mesmo percurso. Na verdade, trata-se de uma
palavra proveniente da francesa "route". A estranheza inicial
desapareceu completamente e pode afirmar -se que, de certo modo, amamos a rotina.
Vem isto a propósito da motivação para a leitura, para a escolha de um livro
pelos alunos do ensino secundário.
Apesar do ministério da
Educação ter definido um corpus de leitura, constituído por obras
de referência, muitos alunos fogem dele como o diabo da cruz.
De preferência, não leem
e caso sejam "obrigados", procuram obras cujo mínimo que delas se
pode dizer é que são estranhas. Estranhas na língua, na distância
temática, geográfica e até temporal.
Em termos temáticos, a
maior estranheza é que não equacionam qualquer problema. Em termos geográficos,
raramente, a ação se situa na Europa. E quanto ao tempo, o preferido é o futuro
e, por vezes, um passado tão inverosímil que chego a pensar que a humanidade já
terá sido extinta...
E há ainda um aspecto que
não devo ocultar: as obras escolhidas vêm rotuladas de "best-seller"
e foram todas escritas em tempo recorde.
Para o caso de ainda
haver por aí um jovem que procure uma obra estranha na língua, na
distância temática, geográfica e até temporal, mas que o possa ajudar a
conhecer melhor a adolescência no mundo rural, as raízes do
Portugal provinciano e atual, a relação com a terra, a
pujança da língua, a seriedade do trabalho do escritor,
aconselho-o a ler Cinco Réis de Gente (1948), de Aquilino
Ribeiro.
1.11.13
Enquanto se orçamenta o
estado e se liquida a administração pública, eu, longe de São Bento, caminho
atento aos sinais de vitalidade económica. Em Sacavém, não preciso de alargar o
passo. De um lado da rua, a QUINTA DA VICTÓRIA, em ruínas; do outro lado, uma
igreja, ao abandono… Esquecida pelos fiéis, a igreja reconverteu-se! Em vez de
vitrais, uma pujante figueira debruça-se sobre os transeuntes, anunciando
suculentos figos para o próximo verão…
Desconfio, no entanto,
que, em conluio com São Bento, lá dentro não haverá nenhum enforcado…
31.10.13
Falha o metro e o atraso
fica garantido! Pior, muitos não chegam a aparecer...
A EPAL anuncia um corte
temporário de água, logo uns tantos ficam na expectativa de que a atividade
letiva seja suspensa.
O professor introduz a
obra, situando-a no contexto histórico - imagine-se o romantismo -, definindo
as relações do texto com a biografia pessoal do autor e, de imediato, alguém
clama que, agora, a "história" já não tem interesse.
A obra vive da
"história", cuja leitura é, entretanto, adiada, deixando o professor
à espera, qual Godot!
Que interessa o
problema colocado no palco? Que interessa se o argumento é
expressão duma intriga (pouco) exemplar de perda de identidade e de
soberania? Que interessa se hoje estamos a viver situação idêntica?
Lá vai o tempo em
que o objetivo era contribuir para a construção da identidade pessoal e
coletiva. Lá vai o tempo em que os românticos se propunham transformar súbditos
em cidadãos.
O que interessa é que o
metro faça greve, que o autocarro se atrase, que a "história" seja de
fantasia ou de alcova, que a água deixe de correr nas canalizações, que a
campainha nunca toque, que o professor não marque ou "retire" a
falta...
O que interessa, por
agora, é que a Troika se vá embora para que possamos dormir até mais tarde e,
se o sol ajudar, irmos até à praia ler uma "história" que não coloque
nenhum problema e cujo argumento escorra por entre a areia até se diluir nas
águas do oceano...
30.10.13
«Estejas sempre pronto
a dizer o que pensas, e o cobarde te evitará.» Provérbio do Inferno, tradução
de David Mourão-Ferreira.
Por deferência, deixo de
dizer o que penso. No entanto, vou cumprindo a liturgia, e faço-o com denodo,
embora não pareça que estou em dívida...
Uma dívida antiquíssima,
e à qual não quero fugir! Por deferência, sirvo zelosamente, e faço-o com
denodo, embora nenhum liame me prenda...
A única grilheta que me
tolhe, e à qual quero fugir, é a dissimulação! E essa, infelizmente, abunda nos
silêncios, nos gestos, nas omissões, nos olhares cúmplices, nos ombros
descaídos, nos risos escarninhos e não necessita de palavras...
Por deferência atravesso
a rua em silêncio em vez de dizer o que penso...
Por enquanto vou
escrevendo sem ouvir o guionista... Talvez amanhã tenha coragem!
29.10.13
Na hora em que a ministra
Cristas propôs a limitação do número de animais de companhia por apartamento,
logo surgiu o Coelho a exigir ao PS que apresentasse uma proposta de orçamento
alternativo, mais não fosse que «por uma questão de pergaminhos». Vê-se logo
que estes governantes nunca viram um pergaminho, a não ser que a ministra tenha
decidido aproveitar a pele dos animais abatidos para substituir a pasta de
papel...
O companheiro Almeida, em
vez de se preocupar com esta assunção do fascismo de tipo «higiénico», deveria
estar preocupado com o eugenismo em curso...
28.10.13
No
dia em que o alfanumérico Crato tirou um coelho da cartola
I - Ainda não é hoje que
deixo estes meus exercícios pouco espirituais!
Atarefado com letras
ilegíveis, vocábulos mágicos, frases ininteligíveis, parágrafos curvilíneos e
textos invertebrados, decidira nada escrever. Simplesmente, arrojar com a
tarefa de classificar umas soberbas provas juvenis.
No entanto, a meio da
tarde, um anónimo interlocutor, inesperado companheiro de "bica",
tinha-me confessado que não entendia porque é que tinham acabado com as provas
orais! As últimas a que fora submetido datavam de 1972, e ele lembrava-se, como
se fora hoje, daquele professor que, numa prova oral, lhe elogiara a clareza e
a concisão do discurso, profetizando, no entanto, que aquela qualidade, neste
país, não passava dum defeito. Sempre que o exame fosse escrito, ninguém
aplaudiria o sovina da palavra, a clareza da ideia! E por isso, ele acabou por
se refugiar na matemática - lugar límpido e secreto onde a redundância não tem lugar,
pois os símbolos são unívocos e inequívocos... Entretanto, despedimo-nos com
acenos de cortesia...
Três horas mais tarde,
entra-me o ministro da educação pela sala dentro. Perante uma plateia de
atordoados deputados, o alfanumérico Crato tirara mais um coelho da cartola: os
candidatos a uma licenciatura de ensino elementar vão ser obrigados a fazer exame
de 12º ano de Português e de Matemática.
É desta que o
analfabetismo irá ser erradicado! Embora, sem que alfanumérico o tenha
anunciado, percebi que vem aí nova revisão curricular...
Anuncia-se já o dia em
que todos os juízes do Tribunal Constitucional terão aprendido a calcular e que
não haverá mais lugar para símbolos que não sejam unívocos e inequívocos...
II - Dias mais tarde, o alfanumérico explica que só nos
libertaríamos da Troika se cada família trabalhasse mais de um ano de borla,
sem comer e sem gastar nada... (5.11.2013)
27.10.13
Não me levanto, não vou à
janela, não ligo a luz... Imóvel, oiço as vozes que se apoderam de mim e que
falam por mim.
Uma noites destas, já
sobre o amanhecer, percorria as galerias da escola à procura da sala de aula -
não consigo decorar o horário: muda todos os anos, tal como os alunos, há 39 anos!
- quando surge o ministro da educação a explicar-me que se me atraso, se não
cumpro as metas, se não acerto o passo pelos desejos dos meninos e dos papás, o
melhor é aproveitar o bónus e rescindir o contrato... Ainda pensei E
depois de consumido o bónus, o que é que me acontece, mas, adivinhando a
minha perplexidade, o ministro acrescentou: - Queria subsídio de desemprego?
Queria pré-reforma? Não seja calaceiro!
Já não sei se imóvel, se
espreitando para dentro das salas, ouvi-me discorrer longamente sobre os muitos
ministros e secretários da educação que tive que suportar, sobre as múltiplas
escolas que percorri à procura da sala de aula, sobre os milhares de alunos a
que procurei melhorar a voz, sobre os professores desassossegados
que encontrei... e continuei numa ladainha interminável até abrir os olhos e
compreender que à minha frente estava um fiscal das finanças a querer
eliminar-me da lista dos assalariados, da lista dos desempregados, da lista dos
aposentados...
Não me levanto, não vou à
janela, não ligo a luz... Imóvel, já não oiço as vozes, mas, desesperado,
continuo a percorrer as galerias, espreito as salas e lá dentro, no lugar dos
alunos, o vazio...
26.10.13
Eis uma expressão cuja
força ilocutória é perturbante!
Na verdade, esta locução
exprime despreocupação ou indiferença.
Quando analisamos a força
ilocutória do enunciado Que se lixe a troika...,
percebemos que a primeira parte (as 4 sílabas métricas) é um pouco lenta,
monótona e preguiçosa, sem convicção; só depois a entoação se eleva ao
pronunciar troi-ka, residindo nela a força...
Como palavra de ordem, o
enunciado Que se lixe a troika, em vez de corporizar o
combate, acaba por ser a expressão do desencanto de quem, ainda, ousa
proferi-lo...
Talvez seja esse o motivo
das vozes e dos ritmos plangentes que ecoaram com o cair da tarde...
25.10.13
A atual Escola Secundária
de Camões está alojada num edifício com mais de 100 anos, projetado pelo
arquiteto Ventura Terra no período de transição da Monarquia para a República.
Construção quase lacustre, tendo em conta os múltiplos arroios que correm para
o Tejo, e que jaz sobre terrenos, em parte arenosos. Esta singularidade deveria
trazer a quem se ocupa dos problemas de segurança particular atenção.
Como, infelizmente, quem
fotografa ou filma o estado de degradação de paredes, empenas, salas, janelas,
galerias, campos, não se interroga sobre os alicerces, o público continua a
ignorar a verdadeira extensão do problema.
E porque há um problema,
o Diretor, depois de todas as diligências efetuadas junto dos governantes
nacionais e locais, para que este fosse resolvido, decidiu promover uma
GRANDE GALA no Coliseu dos Recreios.
Esta iniciativa só terá
sucesso se, pelo seu impacto, for capaz, de uma vez por todas, levar as
autoridades, que têm o dever de zelar por pessoas e bens, a agir, garantindo a
segurança, preservando o património e melhorando as condições de trabalho de quem
continua a zelar, a administrar, a ensinar e a aprender neste centenário
edifício, verdadeiro símbolo das «grandezas e misérias dos príncipes de
Portugal», citando o supranumerário Aquilino Ribeiro, também ele professor
desta instituição, e cuja lição está expressa em todos os seus livros: Alcança
quem não cansa.
24.10.13
Na minha opinião ou opinião
pessoal são sintagmas nominais frequentes, mas que nada acrescentam à
compreensão das estratégias comunicacionais.
No presente, a
opinião é objeto de construção que, na maioria dos casos, gera
comportamentos emocionais, adesões irracionais.
Por exemplo, numa simples
apresentação de listas a uma associação de estudantes, a decisão resulta da
injeção de um conjunto de estímulos acrobáticos e ruidosos.
Ao contrário do que
muitos defendem, a opinião atual é esvaziada de qualquer juízo
de valor.
Numa eleição, as
ideologias, suportadas pelos grupos económicos e financeiros e das suas
extensões mediáticas e partidárias, injetam nas mentes fracas poderosos
estímulos que as convencem de que as suas escolhas são racionais e livres...
Na verdade,
raramente a opinião se revela capaz de identificar o problema
e, sobretudo, de discriminar as soluções apresentadas de modo a fazer a escolha
mais vantajosa para o conjunto da sociedade.
Sim, porque, na
história da construção da opinião, o critério que, outrora, validava a
decisão era o bem comum.
Presentemente, não há
jovem que não tenha a sua opinião, embora não consiga explicar a
sua origem.
23.10.13
Entretanto,
a chuva verdasca as vidraças
Sorrisos cúmplices passam
altivos de um saber efémero. As palavras de ontem perdem-se em abundantes
gestos de surpresa e arrastam-se em círculos de pedra.
Os testemunhos viciados
respondem a um guião engenhoso ou, talvez, manhoso! As cadeiras esfíngicas
registam a pose, apenas temendo o caruncho das novas vaidades...
A chuva, entretanto,
verdasca as vidraças e amortalha o sol de verão, mas, infelizmente, não liberta
a memória do tempo em que as cadeiras eram de pedra e resistiam ao caruncho, à
pompa e à circunstância.
22.10.13
A
escola, lugar de indisciplina e de depressão
Paulatinamente, o
exercício da docência vai sendo condicionado e desvalorizado.
Na formação, a pedagogia
é substituída por uma didática definida por uma autoridade espúria.
Na sala de aula, a
parafernália imposta pelas editoras substitui o saber do professor,
transformando-o numa fonte secundária, ignorada ou facilmente questionada pelo
aluno desatento e desinteressado.
A desvalorização da
função docente cria o clima propício à reivindicação de saberes não
certificados, a não ser pela abscôndita superioridade social, cultural,
política e, por vezes, profissional.
Em certas disciplinas, o
professor mais não é do que um distribuidor de conteúdos dispersos por manuais,
cadernos de exercícios vários, e quando isso acontece a sala de aula vira lugar
de indisciplina.
A introdução de suportes
diferentes dos apresentados pelas editoras torna-se suspeita. A avaliação, com
recurso a testes não formatados pelo IAVE, é questionada por colegas, alunos e
encarregados de educação.
A aplicação de
conhecimentos em novas situações deixou de ser um objetivo. Procura-se, a todo
o custo, evitar a surpresa, porque esta provoca estados depressivos... e a
depressão é a explicação para todo e qualquer desajustamento...
A articulação da escola
com a comunidade é desejável, mas aquilo a que se assiste, neste domínio, é no
mínimo perturbador, porque, presentemente, o país não tem qualquer projeto
educativo fiável e duradouro.
21.10.13
Estou sem palavras desde
o final da manhã quando um jovem mais atrevido me exigiu que o não avaliasse
pelo sua cultura, mas, sim, pelo sua competência linguística. A exigência não
me deixou indiferente e expliquei-lhe que a língua e a cultura são
indissociáveis.
A explicação não terá
surtido efeito, mas fiquei a pensar no meu passado como professor de didática
de língua materna, quando exigia aos estagiários que planificassem, tendo em
conta uma rede de conteúdos assim distribuídos: linguísticos, discursivos e culturais.
E, por vezes, a rede era mais extensa!
Espero que esses
professores não me tenham amaldiçoado por lhes ter exigido tal esmiuçamento! Se
o fizeram, podem descansar, pois o vingador acabou de chegar…
20.10.13
Jorge
Silva Melo na terra do faz de conta
Ontem, assisti à última
representação da SALA VIP, de Jorge Silva Melo. Ainda não foi desta que o JSM
obteve os meios necessários à montagem de uma ópera! De qualquer modo, não
faltaram as árias nem o discurso sobre os limites da voz e a exuberância do corpo
masculino (efebo louro, genitália exposta, pronto a servir em troca do vil
metal). Por seu turno, as mulheres, secundarizadas, deixam-se possuir fria e
mecanicamente. Só a música da Terra latino-americana as traz de volta, à
origem… A espaços, o teatro (a música e o cinema) condenou a política
cultural, mas deixou-se arrastar por um atávico narcisismo cosmopolita,
acertando contas com a morte, uma morte travestida…, mas clara e operaticamente
exorcizada.
O resto são contrastes do
faz de conta reinante. Segundo as pitonisas da Hora, o novo OGE não é para
cumprir! Nem sequer pode ser discutido, pois ainda não está elaborado. A PEN
era a fingir! No entanto… os cortes são a sério!
Há flores que florescem
independentemente dos pomos que apodrecem. Há jardins que têm amigos que fecham
os portões aos mendigos que fenecem nos passeios das avenidas e nos recantos
das vielas…
19.10.13
Transitoriedade
ou o casulo da ilusão
Vou concatenando, sem me admirar...
Tantos cães com dono, tanta frustração!
Um gato que podia ser livre, mas não salta o muro...
As vegetais antenas
esverdeadas de um gafanhoto, talvez louva-a-deus ou tira-olhos; mas não, sou eu
que quero ver assim, ali só há o casulo da ilusão!
Em tempos, Mário
Sá-Carneiro terá vivido, numa quinta, chamada da Vitória. As crónicas situam-na
em Camarate, mas a que eu conheço é, hoje, da Derrota, e situo-a na freguesia
da Portela, agora Moscavide e Portela.
Não faço ideia se no
início do século XX, Camarate integrava a Portela. E também não estou seguro de
que a Vitória não resulte de alguma humilhação infligida ao exército
napoleónico. Só sei que a Quinta da Vitória, para mim, não passa de um bairro
de lata. Isto é, não passava. Agora, é só entulho! A comunidade foi
desaparecendo aos poucos. Não sei para onde. E ninguém explica! Para quê? O
objetivo era dispersar...
E quanto a Mário
Sá-Carneiro está quase a fazer 100 anos que se suicidou em Paris!
Em conclusão, a minha
definição de "transitoriedade" é bem diferente da que está a ser
enviada ao Tribunal Constitucional!
18.10.13
O
cuco, o parasita onomatopaico
Infelizmente, há uma
correlação entre o aumento do número de cucos e a densidade de pobres, o que me
leva a pensar que a política atual está ao serviço desse onomatopaico parasita.
O cuco necessita de bolsas de pobreza para se reproduzir. Sem elas, esse
melómano parasita extinguir-se-ia!
Só assim se compreende a
política de austeridade! Esta gera sucessivas bolsas de pobreza, ou seja, os
ninhos que lhes permitem reproduzir-se e, simultaneamente, eliminar as espécies
incumbentes...
17.10.13
Na situação atual, toda a
argumentação para satisfazer os credores incide em dois grupos de pessoas: os
pensionistas e os funcionários públicos.
Eliminar os funcionários,
reduzir-lhes as remunerações; hostilizar os pensionistas, cortar-lhes as
pensões! Eis a tática seguida por uma argumentação construída com base na
ignorância e ad ignorantiam (com apelo à ignorância).
É por isso que o governo
persiste em manter de pé a RTP, cobrando e agravando a taxa de audiovisual com
recurso à estratégia do cuco. A EDP é, como sabemos, o ninho em que vários
cucos vão chocando os ovos que minam a soberania e sabotam a economia... Na
verdade, a argumentação não pode subsistir sem canais domesticados...
O tipo de argumentação
dominante é perverso porque ignora ou esconde os virtuosos que comem à mesa do
orçamento, sem estatuto legal. Uma espécie de pessoal ad hoc, que
começa por servir e depois se apropria, tornando-se inamovível e, se
necessário, invisível.
16.10.13
Hoje,
o meu valor baixou no mercado
Olho à volta e verifico
que há tripés um pouco por todo lado. Moços e moças seguram folhas formato A4 à
escuta de antigas e nostálgicas novidades. Perfilados e de olhos fixos na lente
iluminada, figuras de outrora pronunciam-se sobre a eternidade das pedras
assentes em invisíveis e instáveis placas arenosas... Por debaixo, fogem os
líquidos arroios em direção ao Tejo...
Sabemos a origem da
ameaça, mas que importa? É no escudo que se concentra a atenção, é na fachada
que se prende o olhar!
E eu, mais velho, apenas
sombra, fujo da ficção, escondo-me da câmara à espera que a agitação passe e
que a zona de subdução localizada debaixo do Arco de Gibraltar não faça das
suas. Mas que importa? Se tal acontecer, não será apenas o meu valor a baixar
no mercado! Nem os licitadores escaparão...
15.10.13
A partir deste momento,
vou passar a estar atento ao meu «valor de mercado», embora me pareça que a
minha cotação está cada vez mais baixa. No economês dominante,
pouco faltará para ser classificado como "lixo".
Desta vez mereço o
secretário Rosalino, pois, neste último mês, tenho aturado desmandos, abusos,
incúrias, intrujices que, só por si, justificam a punição a que irei ser
submetido...
Deveria ter recorrido ao
fueiro! Ainda há poucos dias, explicava eu que a pessoa se
diferencia do indivíduo quando capaz de se reger por
princípios como a defesa da vida, o livre arbítrio, a
entreajuda, a fraternidade, e, agora, bastou-me escutar o
secretário Rosalino para compreender que acabo de ser contado, apenas, como
indivíduo sujeito às leis do mercado. Este é mais um dia de extraordinária
mediocridade... mascarado de transitoriedade, progressividade e equidade para
Tribunal Constitucional ver!
14.10.13
Depois da encenação do
sacrossanto Paulo Portas que passou a padroeiro das viúvas e dos viúvos deste
triste país, chegou a vez da ministra da fazenda afastar "o choque de
expectativas", pois Passos Coelho, em Maio, teria enviado uma carta à
TROIKA, assegurando que iria fazer um corte memorável nas remunerações dos
funcionários públicos.
Ontem, sobre o assunto,
Paulo Portas nada disse! Os seus paroquianos são outros e, na verdade, ele
ainda não percebeu qual é o significado da expressão "choque de
expectativas", mas sabe que, em termos eleitorais, 400.000 funcionários
públicos não contam, pelo menos, para o CDS... Ainda se fossem funcionários do
Banco de Portugal, da Caixa Geral de Depósitos, da TAP...
Tudo isto me leva a
pensar no tempo em que, nas Províncias Ultramarinas, havia portugueses de
primeira e portugueses de segunda - os primeiros nascidos na metrópole; os
segundos nascidos nas colónias...
(...)
Infelizmente, os
intrujões não estão todos no governo! Há muita boa gente a tratar da sua
vidinha como se nada se estivesse a passar.
Terceiro apontamento:
(D. Nicéforo) -
Diga-me, meu abade, conhece o programa do Partido Progressista?
O abade franziu os lábios
em esgar dubitativo.
- Conhece, ora se não
conhece! É o mesmo do Partido Regenerador. Um começa: Sua Majestade, o outro:
El-rei, nosso amo...Em doutrina social são igualmente respeitadores da família
e da religião. Em matéria financeira e política - dado que se preocupem com
isso - um propõe-se fechar o orçamento com um saldo de vinte e quatro vinténs,
o outro, com o saldo de um pinto.
Aquilino Ribeiro, Cinco
Réis de Gente, cap. XIV.
13.10.13
Falta-me a paciência para
intrujões!
Parece que, depois de uma
infinidade de cálculos, só 25.000 portugueses vão ser atingidos pelo corte na
pensão de viuvez! Claro que o saque não passa de uma gota de água face às
necessidades dos credores.
Salva a face do Poupa
Pensões, e a dois dias da entrega do OGE, o governo continua a estudar como e
onde cortar na despesa. A dois dias!?
Claro que todos sabemos
quem é o alvo privilegiado! Mas desse Paulo Portas nada diz. O ónus será do
"amigo" Passos Coelho.
Entretanto, recomendo a
Paulo Portas a leitura do XIII capítulo do romance "Cinco Réis de Gente",
de Aquilino Ribeiro.
Lá encontrará uma
brilhante paródia da "comédia eleitoral" no concelho de Sernancelhe.
Primeiro apontamento:
«Vai pedir-se o voto de porta em porta, como se pede para as almas, ou
chamam-se os eleitores à praça ou a uma casa, e prega-se-lhes um sermãozinho.
Um sermãozinho e as promessas da lei...»
Segundo apontamento:
«D. Nicéforo deu o recado, justificando a diligência com o propósito em que
estava o seu partido de promover uma reforma radical na vida da Nação: equilíbrio
da balança financeira; desenvolvimento da instrução pública; revisão tributária
no sentido de maior equidade; fomento agrícola e industrial; promulgação de
leis de família; em conclusão, o estado revolvido de alto a fundo.»
Pois é! Se Paulo Portas
tivesse lido os clássicos, provavelmente já teria concluído o tão anunciado
plano de reforma do estado!
12.10.13
Pode haver quem pense que
a axiologia não tem lugar numa aula de língua materna ou mesmo
de literatura. Por outro lado, quando lemos certos documentos, vemos que há
quem meta no mesmo saco - da sinonímia - comportamentos, atitudes e valores.
Para muitos, aprender a
ler ou a escrever mais não é do que a apropriação de uma técnica! E em geral,
conseguem transmitir essa ideia aos discípulos que, apesar de tudo, resistem
como podem ao formatado e preferem a digressão inconsequente...
Várias vezes, com
públicos escolares de distintos graus de ensino, fui confrontado com asserções
do tipo:
- Todos temos e nos
regemos por valores!
- Tanto é valor a
honestidade como a cobardia!
Quer a ideia de que os
valores são inatos quer a ideia de que não há qualquer fronteira entre o Bem e
o Mal provocam-me calafrios pelas consequências que arrastam...
E em ambas as situações
me vejo na necessidade de distinguir o comportamento dos indivíduos das
atitudes das pessoas, porque, no meu fraco entendimento, a fronteira é
delimitada pela presença dos valores.
Talvez tenha sido por
este motivo que ontem escrevi sobre o valor primordial, pois quero
crer que não estou sozinho! Acompanhar a argumentação do Velho do Restelo
ajuda-nos a separar o trigo do joio e ensina-nos a ler para além do discurso
neste tempo em que os valores deixaram de orientar as atitudes...
A cada passo, recebemos
notícia de comportamentos desvairados e insensatos que não estimam a vida de
quem a vida lhes deu.
11.10.13
Tudo vale a pena se a
alma não é pequena... (Fernando Pessoa) Nada vale
a pena se o valor primordial não for a defesa da vida: - Já que prezas
em tanta quantidade / O desprezo da vida que devia / De
ser sempre estimada... (Camões)
Em 23 de Janeiro de 1992,
um velho conde decidiu partir para os mares de Timor e da Indonésia, porque: «A
nossa soberania ainda não acabou. Esta é a última possível missão de soberania (...): o
de tentar dar àquele nosso território e sua nação a independência.» (Fernando
Campos, O Sonho)
Soltos vão os parágrafos,
mas o que os liga não são os articuladores do discurso, mas um valor: a defesa
da vida, da nossa vida, da vida daqueles por quem somos responsáveis, da
assunção plena da vida.
Na verdade, quem merece o
prémio Nobel da paz são os anciãos que, desde os primórdios da Grécia, clamam
contra a vaidade, contra a ambição, contra a guerra santa, contra a cobiça -
motores da ação humana.
Na cultura portuguesa,
ninguém melhor do que Camões deu voz a esse clamor, ainda hoje incompreendido.
O seu Velho, circunstancialmente (ou será obliquamente?) do Restelo, lança a
acusação, e, apenas cede na proximidade: Deixas criar às portas o
inimigo, / Por ires buscar outro de tão longe...
Mas este Velho nada tem a
ver com a Reforma e a Contra-Reforma que se digladiavam na procura de uma
hegemonia que, a cada passo, desprezava a vida.
De nada serve cotejar a
vida e a obra do Poeta com o ensinamento do Velho. Camões pela educação que
recebera, pela experiência que o calejou, pelo «fraudulento gosto» que o
cercava, arrancou o Velho das entranhas e colocou-o naquela e em todas as
partidas em que a Morte parte clandestinamente.
10.10.13
Em tempos, aprendi que
havia uma psicologia de grupo, que havia técnicas capazes de ajudar a sobrepor
o interesse coletivo ao individual.
Tendo gastado a vida a
participar em grupos, acabo por concluir que esse objetivo raramente é
atingido. Isto é, cada elemento age por conta própria, não se preocupando
sequer em acompanhar o curso da ação ou da palavra.
Em certos casos, a falta
de sincronismo é tal que A se sobrepõe a B e, por sua vez, C se encavalita nos
anteriores tornando a situação caótica e ininteligível.
Em qualquer grupo, do
governo ao parlamento, passando pelas reuniões de família, de condóminos, pela
sala de aula ou por todo o tipo de ações de formação, o que vemos e ouvimos é
um desencontro total...
Infelizmente, parece que
só quando o grupo é monolítico é que é possível alimentar uma expetativa
positiva. Mas nesses casos, o grupo obedece à batuta, ao pingalim, ao batuque,
à ordem unida...
9.10.13
Nem sempre é a mais
nobre, mas para tudo há uma razão. Se me despegasse do enunciado, poderia nele
encontrar uma catáfora, mas, à terminologia dos jogos sintáticos, prefiro
a sabedoria da cantiga popular:
Pilriteiro, dás pilritos
Por que não dás coisa
boa?
Cada qual dá o que tem,
Conforme a sua pessoa.
8.10.13
Quando a língua é
reduzida a um código, o professor mais não é do que um repetidor de regras que
o aluno deve conhecer para obter sucesso no exame final.
Deste modo, a escola
perde a sua dimensão pedagógica e formativa e facilmente acabará substituída
por um qualquer centro de instrução, cuja taxa de sucesso será medida pelo
número de aprovações no referido exame.
A Gramática passa a
protagonista, tal como acontecia no sistema de ensino construído pelo Estado
Novo. Só que, apesar de tudo, aquele regime valorizava a leitura e,
principalmente, a aprendizagem do léxico que considerava vector fundamental da
argumentação e, por inerência, da retórica em que a ideologia nacionalista se
apoiava.
Deste ponto de vista,
vamos assistindo a um empobrecimento lexical assustador que compromete a
interpretação de qualquer texto.
Hoje, a visão
utilitarista da língua reduz a visão do mundo do falante e destrói as pontes
que lhe permitiriam circular entre o passado e o presente. Isto é, esta visão
mata a cultura e inviabiliza o presente e o futuro, pois o pensamento torna-se
redundante e inócuo.
7.10.13
Em tempos de pobreza,
entornar o caldo é sinal não só de falta de cortesia, mas, sobretudo, de
desprezo pelo trabalho alheio!
Já o meu falecido pai,
pouco satisfeito com o curso dos acontecimentos, tinha o hábito de ameaçar: -
Ou comes o que tens à frente ou temos o caldo entornado!
Perante esta modalidade
deôntica, com valor de obrigação e inevitável tabefe (eufemismo!), eu punha-me
a pau e comia tudo. Tudo, também porque sempre gostei de caldo (verde,
galinha...).
Ao fim de tantos anos, já
perdoei a violência do discurso e do gesto, porque, cedo, compreendi que a
culpa era do curso dos acontecimentos.
Ora, nos últimos dias,
voltei a sentir-me sob ameaça! Uma ameaça inesperada, porque vinda de um homem
tão importante como o presidente Durão Barroso: - Se o Tribunal Constitucional
não fechar os olhos às diatribes do governo, teremos o caldo entornado!
Como está na moda a
aplicação retrospetiva de medidas, também eu deveria poder rever as
classificações dos meus alunos de 1975-78, isto é, entornar o caldo àqueles
jovens do MRPP que me entravam na sala de aula aos gritos recusando ler Os
Esteiros, A Abelha na Chuva, Os Gaibéus (dos
sequazes do «Barreirinhas Cunhal»!) ou até Os Lusíadas.
A rapaziada é a mesma só
que mais gorda, mais velha e néscia!
6.10.13
De notícias não tomei nota que a televisão só dá conta da prosápia de quem nos
desgoverna.
Às voltas com “coelho"
e coalho"*, sem entender o processo fonológico, como se nesta triste
língua fosse possível tal evolução. Eu, sem compreender que relação
estabelecer entre "coelho" e "coágulo", quando, de súbito,
descobri que um coelho pode ser o coágulo que nos causa fatal
apoplexia.
Esta minha fragilidade
linguística foi, por seu turno, causa de ter passado uma parte do dia a
sujeitar-me às exigências de comerciantes digitais (Porto editora e Microsoft,
respetivamente) que para uma aplicação exigem um browser (Google
Chrome) e para outras um outro (Internet Explorer), e que impõem ao utilizador,
para que possa aceder a um produto, que aniquile o inimigo...
No meio desta azáfama,
ainda tive de me perder no novo Dicionário Terminológico que é
um verdadeiro alfobre de preciosismos e que os nossos autodidatas seguem à
risca, lembrando aqueles escolásticos que durante séculos nos encheram o bucho
de fantásticos silogismos...
* Com tudo isto, acabei por perceber que neste país preferimos o
exemplo da dissimilação fonológica (ou será dissimulação), criando a cada passo
equívocos com que nos vamos entretendo.
5.10.13
Vale a pena não pagar a tempo e horas. Vale a pena deixar
afundar a Segurança Social! Vale a pena colocar o dinheiro em
paraísos fiscais!
Porque há sempre um
governo magnânimo, cristianíssimo, pronto a perdoar. E já nem é preciso esperar
pelo arrependimento quaresmal. De outubro a dezembro, o infrator sabe que não
irá preso, não pagará juros e, provavelmente, terá desconto...
Diz o governo que com
esta medida irá arrecadar 600 milhões de euros! E quanto arrecadaria se
deixasse prender os infratores e não lhes perdoasse a demora?
Deste modo se entende por
que motivo certos feriados foram extintos - 5 de outubro e 1 de dezembro. A sua
manutenção ainda poderia criar algum sobressalto patriótico que atirasse para
as masmorras o cristianíssimo governo e os seus compinchas.
Até já o anti-masoch camarada
presidente quer celebrar os valores de Abril! E percebe-se porquê!
"Valor" é um daqueles termos polissémicos que encheu os
bolsos dos compinchas de várias gerações.
4.10.13
I - Pobres crianças que
morreis afogadas nas águas de Lampedusa enquanto tu, que já sais de casa a
recitar o «Pai Nosso que estais nos céus», te diriges à igreja do Cristo Rei a
fazer prova do teu doutrinamento e, depois, já "noiva do senhor",
irás deglutir o bolo eucarístico, cerimoniosamente, preparado para celebrar
a vitória autárquica!
Pobres crianças que
morreis gaseadas no bairro de Quabun enquanto tu te diriges a Assis para te
encontrares com um Papa que convida os pobres a sofrerem a pobreza e pouco
incomoda os poderosos, mesmo que considere uma "vergonha" o que vai
acontecendo na Somália, na Eriteia, na Síria!
Pobres crianças!
II - Pobres
crianças migrantes! A neologia não deixa de
surpreender! Até há pouco, as migrações eram constituídas
por emigrantes e por imigrantes. Mas hoje a
notícia já designa como migrantes aqueles que, não sendo
ainda nómadas ou refugiados, se deslocam simplesmente à espera de um golpe de
sorte:
«Mais de uma centena
de migrantes africanos morreram quando o barco que os transportava
naufragou junto à ilha de Lampedusa. O Papa diz ter vergonha.» i,
4 de outubro 2013
3.10.13
Põem-se em bicos de pés e
clamam contra as contradições dos políticos do FMI. Esse clamor, no
entanto, é de quem prefere fechar os olhos e os ouvidos às exigências dos
credores.
Os jogos palacianos dos
políticos não interessam aos mercados. Os únicos jogos que
estes conhecem são os de casino.
Hoje, parece que os
técnicos da TROIKA puseram fim a este fase avaliativa. Mas é mentira!
Enquanto o OGE para 2014
não estiver promulgado e liberto da censura do Tribunal Constitucional, os
representantes dos credores continuarão em Lisboa. Nem poderia ser de outro
modo num protetorado político!
Infelizmente, os próximos
meses serão de pura demagogia e lá para o início da Primavera iremos novamente
a votos e estaremos mais pobres...
2.10.13
Acabo de vir (de um
postigo) de uma farmácia (de bairro), ondei comprei um medicamento no valor de
3,95 € e paguei 2,50 € de taxa de serviço noturno.
Que a Clara Ferreira
Alves me perdoe, mas, hoje, vou imitar o JRS: do
perfil do farmacêutico (ou seria empregado?) nada vou dizer, assim
como não vou descrever o enquadramento, ou melhor, o posicionamento da fila (ou
seria bicha?) diante do guiché - assim mesmo afrancesado, embora eu prefira o
postigo. Mas como não havia aldraba, deixo-me levar pela neologia, apesar de
aldrabado. Bem sei que era preferível ter antes usado o
termo galicismo.
- Usado,
porquê?
- O menino não sabe que
os sapatos é que são usados? Vá, deixe-se disso,
e diga comigo: «Era preferível ter utilizado o vocábulo galicismo...»
- Disso,
senhor professor, aqui no meu florilégio (ou será manual?), essa palavra tem
valor polissémico! Agora é que eu não percebo nada!
(Se quiserem, podem
imaginar o que eu estou a pensar de certos cientistas da linguagem e da
avaliação!)
Quando di-da-ti-ca-men-te
explico as formas de intertextualidade, enumero-as como o JRS. Abro o
catálogo. E lá vem ao lado da paródia, antes ou depois da citação e do plágio,
lá vem a ALUSÃO:
O GNOMO NO JARDIM. Que
belo título!
No Jardim (da Fundação
Calouste Gulbenkian), vão entrando os gnomos que aspiram a ombrear com o
Gigante, mas, pobres coitados, falta-lhes a estatura... e, ao contrário do JRS,
nem jeito têm para entreter...
1.10.13
Quando
alguma coisa corre mal...
Quando alguma coisa corre
mal, o caminho mais fácil é designar um bode expiatório.
O critério da escolha é
selecionar aquele que rejeita a subserviência e que obedece a um
imperativo emancipador.
Infelizmente, é mais
fácil alinhar pelo condicionamento do que exaltar quem trabalha em prol da
liberdade do ser, aprendendo por si a definir o seu caminho, partilhando com o
Outro o resultado do ato de pensar e de inventar. Na verdade, há quem prefira
copiar a inovar...
Vivemos num país que prefere a formatação à imaginação!
30.9.13
I - Quase metade dos
eleitores não cumpriu o dever de votar. Porquê? Já morreram? Quantos? A idade
limita-lhes a deslocação? Quantos?
Emigraram e ainda não
estão registados nos países de acolhimento? Quantos?
Delinquentes e vagabundos
perderam a noção do tempo? Quantos?
A crise política e
financeira não lhes diz respeito? Quantos? Do que é que vivem?
Há aqui uma incógnita por
explicar, apesar de tantos sociólogos desempregados! Esta incógnita adultera
certamente os resultados eleitorais...
No entanto, desta vez, a
votação daqueles que não desistiram revela um caminho claro: a vontade de
mudar. A vontade de afastar os autarcas saltimbancos, os autarcas
salteadores... Do Porto ao Funchal, sem esquecer Braga e Loures, os
eleitores decidiram arrepiar caminho, na esperança de que a crise não se
avolume.
Um sobressalto
democrático e patriótico manchado por aqueles que preferiram a abstenção.
II - O comentador de 2ª feira, Miguel Sousa Tavares, confessa que acabou de
votar e que por isso não quer saber do que pensa a TROIKA. Infelizmente, a
TROIKA já olhou para os resultados eleitorais e somou os votos da direita com a
abstenção!
29.9.13
Durante muitos anos, ouvi
os mais velhos (e não só!) acusarem o vizinho, o padre, o cabo de
esquadra e o amigo de serem “santos de pau carunchoso”. Em todo este
tempo, nunca consegui encontrar alguém a quem o epíteto assentasse que nem uma
luva. Havia sempre um senão! Uma virtude que me impedia de aplicar a referida
locução!
Até que, ao folhear o
Expresso de 27 de setembro, encontrei o “santinho” reverente, suplicante…
28.9.13
«Impossível não
ter comportamento: a minha ausência de comportamento é uma forma de
comportamento. É mesmo uma forma espetacular de comportamento.» Eduardo
Prado Coelho, Comunicação e Democracia.
Tanto refleti que concluí
o óbvio: Para grandes males, grandes remédios!
Perante a sobranceria dos
credores e dos seus agentes internacionais e nacionais, só nos resta mostrar,
de forma espetacular, que não atiramos a toalha ao chão.
Para o efeito, amanhã,
bem cedo, antes da abertura das urnas (que maravilha!), deveríamos tomar uma
decisão solidária: Votamos todos ou não vota ninguém!
Qualquer uma das opções
seria a expressão de um comportamento espetacular. Mais importante do que o
resultado seria a afirmação da rejeição do modo como se faz
política em Portugal.
27.9.13
Cachorros
fomos, cãezinhos semos...
«Ó meu santo Nicodemos,
Cachorros fomos, cãezinhos semos,
livrai-nos da esmola do Diabo
que é a pedra fora de mão,
jogada à tola, jogada ao rabo,
contra um cão.» Aquilino Ribeiro
Só os rafeiros é que
andam de pata estendida, sujeitando-se ao humor do dono!
Nas últimas semanas, a
caravana autárquica percorreu o país, repetindo um número patético: tambores,
cabeçudos e figurantes percorreram, apressados, as ruas e as praças,
vozeando, sem uma visão de como o poder local pode ajudar o poder central a
livrar-nos da esmola do Diabo...
Pelo contrário, parece
que, no próximo domingo, o eleitor vai ignorar os sicários da nação.
E atenção! A culpa não é
do Diabo!
Cachorros fomos,
cãezinhos semos!
25.9.13
Ultimamente, pareço
querer tudo compreender e, sobretudo, interpretar, e, não contente,
desatei a querer ensinar a compreender e a interpretar.
Recorro ao texto e ao
intertexto, ao tema e à isotopia, sem esquecer o sema, ponho em ordem a
cronologia, dando relevo à analogia, percorro o Parque Mayer, desço a
Avenida e, sem saber como, chego ao cais de Alcântara, com uma breve
passagem pelo Ralis.
Sonho com os mares de
Timor e tropeço na beatitude dos meus ouvintes que, respeitosamente, preguiçam
à espera do inexistente toque da campainha...
E
subitamente a VOZ do Além: - Ó homem, acorde! A sua Escola já não existe!
Foi extinta!
24.9.13
- De cada vez que o primeiro-ministro
sofre uma contrariedade lá vem a promessa de que irá rever a lei. A
oposição que se cuide! Vai ter de acompanhá-lo no ajustamento da Lei à sua
"realidade". No caso, o senhor não prescinde da televisão!
- Se bem percebi o fidalgo das
laranjeiras está contra os candidatos a autarcas que «não sejam de boas
contas ou não saibam fazer contas». Este mesmo fidalgote acaba de
recuperar o significado original do termo "freguês"- o habitante
da freguesia. Um contributo assinalável para a recuperação da língua
portuguesa!
- O ministro das piruetas acaba de
reconhecer que as crianças, afinal, devem ser iniciadas
na língua inglesa. Sem esquecer o ensino educacional! Parece que as
crianças que optem por este ensino serão mais felizes e mais educadas...
acabo de ouvir um jovem que deixou de «chamar nomes» aos professores e
sobretudo de faltar à escola. Os patrões poderão, assim, moldar os novos
operários e pagar-lhes o que bem entenderem. Um bom exemplo de
flexibilidade...
- Com tantos sinais de recuperação da
economia, não se percebe porque é que se continua a falar de
"resgate"!
- Com a natalidade a decrescer e a
mortalidade a crescer, hoje terá sido um dia triste para a Caixa Geral de
Aposentações e para a Segurança Social. Não consta que algum poeta tenha
morrido neste país onde a poesia vive de subsídios...
23.9.13
Entrega-se
como para morrer
mas não morre
É demasiado rígida
e não tem gretas
não estremece
Cai
vai caindo
sem atingir o repouso
sem oferecer o rosto
à terra
que ela chama
(JL, Ramos Rosa,
13.11.1990)
22.9.13
As
eleições de 29 de Setembro são cruciais
As eleições autárquicas
de 29 de Setembro são cruciais!
Chegou a hora de dizer
basta à coligação governamental, aos banqueiros e a todos os oportunistas
dispostos a continuar o esbulho.
Argumentar que estas
eleições são locais e que por isso não podem ter significado nacional é um
atentado contra a inteligência dos desempregados e dos espoliados. Se não
tivermos a coragem de dizer não à coligação governamental e ficarmos à espera
das eleições legislativas de 2015, cedo perceberemos que o abismo não tem
fundo.
Se a vontade popular se
exprime na mesa de voto, mesmo que não tenhamos nada a apontar ao autarca que
se recandidata ou que se candidata a nova autarquia, então há que não esquecer
que, na maioria dos casos, a conivência ideológica é causa do pântano em que
nos vamos atolando.
Apesar das manifestações
e das greves serem armas importantes no combate político, espero que saibamos
dignificar o voto como instrumento primordial na luta pela soberania e pela
sobrevivência.
21.9.13
Na infância «A minha
retina podia comparar-se, pela sensibilidade, à da película fotográfica, suscetível
de fixar imagens plurais. Impressionava-se, por conseguinte, de tudo o que se
lhe pospunha. (…) / Mas esta passividade viva perante os fenómenos não me
conferia o poder de admirar. Admirar é relacionar, operação que estava acima
dos meus recursos cerebrais.» Aquilino Ribeiro, Cinco Réis de
Gente, Círculo de Leitores, pág. 72.
Mas quem é que ainda tem
disponibilidade para relacionar? E como é que se relaciona se não houver
aproximação? Se hoje se admira tão pouco não é por causa desse tempo em que
tudo era poroso, em que tudo ficava na retina, mas porque, paradoxalmente,
vivemos distantes, apesar dos mil “likes” que insistimos em pospor…
Na Jardim da Estrela,
ainda há alguma proximidade. Se olharmos de perto, vemos uma multiplicidade de
grupos à procura do respetivo centro. Mas parece que todas estas pessoas fogem
da lavagem ao cérebro que se instalou nas aldeias e cidades deste triste país…
Na verdade, há muito poucos
candidatos autárquicos dignos de serem admirados! Com obra ou sem ela, a
maioria só busca a Fama, um lugar que lhes dê poder e os ponha bem longe da
pobreza.
Se soubéssemos
relacionar, no dia 29 de setembro, teríamos uma enorme dificuldade em votar!
20.9.13
«- Ainda
houve aquele revolucionário jurar de bandeira nos Ralis - retomo o fio
primeiro da conversa, nódoas como a da gravata do senhor conde até numa
revolução tão generosa -, a pilhagem da embaixada de Espanha, a agitação nas
ruas, a sublevação nas escolas e outros desmandos...», Fernando
Campos, O Sonho, edição Expresso 2003, Os Lusíadas,
canto IV, comentários de José Hermano Saraiva, ilustrações de Pedro Proença.
As imagens desaparecidas
de um acontecimento (21.11.1975) que, aqui, coloquei eram para que os
meus alunos pudessem interpretar o conto selecionado para dar início a este ano
letivo. Caso contrário, tal como o Parque Mayer não passa de uma misteriosa
referência, também os momentos de euforia nacional se terão esfumado
irremediavelmente. Há debates, que para serem encetados, exigem muito mais do
que ter opinião...
19.9.13
Na perspetiva dos jovens
lisboetas, nascidos em 1996, o Parque Mayer nunca existiu!
Mesmo os mais atentos
estão convencidos de que a referência - «O Mayer estava a morrer, deserto,
parque de estacionamento» -, no conto O Sonho, de
Fernando Campos, não passa de fantasia literária, até porque n'OS
MAIAS esse parque nunca é referido... (Paradoxalmente, o romance
queirosiano ganha estatuto de referência documental, perdendo, ao mesmo tempo,
valor literário.)
Para facilitar a
inteligibilidade do conto, registo que a inauguração deste Parque se
deu a 15 de Junho de 1922, sob a responsabilidade da Sociedade Avenida
Parque, impulsionada por Luís Galhardo, e que o repasto, em que o Conde
comunica que vai embarcar no Lusitânia Expresso com destino a Timor,
decorre pouco antes da partida - dia 23 de Janeiro de 1992. Uma
viagem interrompida pelas forças militares indonésias. Porquê?
O desconhecimento da
referência, seja ela temporal, espacial ou factual, afeta seriamente a
compreensão textual e inibe o prazer inerente, tornando a leitura
enfadonha, e a visão distorcida da chamada realidade.
De qualquer modo, há
solução para o desconhecimento da referência. Basta solicitar um novo
exame ao IAVE!
18.9.13
Maria
Luís Albuquerque e os swaps
Desconfiado, fui
consultar o Dicionário da Língua Portuguesa, à procura do verbete
"swap", mas nada encontrei, o que se aceita, pois, o termo é um
estrangeirismo utilizado por gente preguiçosa. Gente frouxa.
O recurso a
"swaps" suxa-nos (afrouxa) a vontade e empurra-nos para a ociosidade.
Se bem entendo a atual ministra das finanças, ela não se deixa suxar
facilmente. Como técnica, ela só se pronunciou sobre o financiamento das
empresas e dos empreendimentos e nunca se ocupou de empréstimos
linguísticos ou outros. O que era preciso é que os milhões de euros entrassem
nos cofres... De quem? Pouco importava? Era assunto que também não lhe ocupava
o pensamento...
A ministra não sabe o que
são "swaps" porque ela defende a língua portuguesa. Ainda se lhe
tivessem falado de "trocas", ela, talvez, tivesse avaliado os
prejuízos. Mas não! Maria Luís Albuquerque é uma purista que aprendeu, não se
sabe com quem, que os empréstimos linguísticos não solicitam autorização
para nos envenenar a língua e que nem sequer admitem "trocas", pois o
seu objetivo é embrutecer-nos. Por isso, ela jura que não pode ter mentido
sobre um termo que nem sequer é digno de figurar no Dicionário da Língua
Portuguesa.
17.9.13
(Lisboa, Rua Tomás
Ribeiro, nº 105 B, entre as 17h30 e as 18h20.)
Outrora, atirava-se milho
ou arroz aos pardais. Agora, dá-se restos de pão aos pombos... e vem um
gato e chamas-lhes um figo! Abocanha um e corre com ele para debaixo
de um automóvel estacionado sob o que antigamente era um plátano. (Banquete de
luxo, em frente do nº 15 da Rua Filipe Folque.)
Na esquina com a Tomás
Ribeiro, um mendigo idoso e uma jovem mendiga, acomodados, esperam os
sobejos do Pingo Doce. Falta-lhes a afouteza do felino para quem a rua é
território de caça, ao invés dos gatos de Pessoa...
Ainda na esplanada da
Cafetaria Duriense, diante de uma virtuosa superbock, arenga um velho
trabalhador: a educação já não é o que foi - os filhos desrespeitam os
pais, basta passar pelas telenovelas, portuguesas ou brasileira, ou
descer ao Parque...
(...) O novíssimo Plaza é
já uma sombra de si próprio, tal como o IMAVIS ou City Cine - parece que
acompanharam o vizinho Urbano! Até o Tomás Ribeiro mais não é do que uma placa
toponímica que desemboca na Praça José Fontana, vindo da Suíça com o desejo de
nos fazer sair do obscurantismo, e que se finou ainda antes que a sua Geração
(de 70) se desse por vencida...
O único vencedor parece
ser o gato que não brinca na rua, mas o mendigo, aqui mesmo ao meu lado... e
que não paga nada à EMEL, conta as moedas, quando o proprietário do café se aproxima,
e, antecipadamente, paga-lhe um café e um bagacinho - 1 euro e trinta e cinco
cêntimos. Imóvel, no passeio, o mendigo espera até que surge o empregado com
dois copinhos de plástico com o café e o bagaço... Sem pestanejar, o homem
volta para o seu canto, ali mesmo, junto ao semáforo...
(...) À
espera, ficou o artigo de Eduardo Prado Coelho, Comunicação e
Democracia. Que ele me perdoe!
16.9.13
I - A notícia vai
alastrando. Afinal, há atraso no arranque do ano escolar. O ministro da
educação e os seus apóstolos explicam que é assim todos os anos...
Na verdade, há cursos e
disciplinas que continuam por autorizar, apesar da procura. Há professores do
quadro que não sabem se a distribuição de serviço, que lhes atribuía esses
cursos e essas disciplinas, continua válida.
Há escolas que
não iniciam a atividade letiva por falta de professores, apesar
dos vários concursos já efetuados e dos milhares de desempregados...
Tempos houve que os
ministros da educação se esforçavam por otimizar o início do ano letivo.
II - As imagens da
degradação do edifício do "Liceu Camões", difundidas pela RTP,
surpreenderam muito boa gente. No entanto, não consta que o ministro da
educação tenha mexido uma palha. Incomodar-se para quê?
Por este andar, o feitiço
ainda vai voltar-se contra o feiticeiro! Em certos casos, as imagens, ao
ampliarem a realidade, subvertem-na...
15.9.13
Do atual ministro da
educação já só dou atenção à entoação.
Quando a pergunta é
desagradável, Crato não se irrita e responde
sempre, conseguindo modelar de tal modo a resposta que dela só
sobra o tom com sabor a melaço... O que se segue passa a ser um monólogo
enfadonho, assente na total ausência de rigor... Da estafada realidade
presente, nada conhece! Da futura, seraficamente, sabe que o sistema
educativo vai perder 40.000 alunos.
Por outro lado, o
discurso risonho de Crato acaba inevitavelmente com a ameaça de novo
exame. Apesar, de por vezes, o imaginar possuído pelo rigor dos
talibãs, creio que este fascínio pelos exames lhe foi incutido pela
Troika. Ou será ele o mentor?
Afinal, a Troika chega
amanhã para proceder à 8ª e à 9ª avaliação!
Diga-se, de passagem, que
não entendo muito bem como é que um mesmo aluno pode ser
submetido num curtíssimo espaço de tempo a duas avaliações.
Provavelmente, trata-se
de uma avaliação por módulos, em que o avaliador se limita a verificar a
consistência das cavilhas, quando as há...
14.9.13
Dona Dolores fez hoje 91
anos! O coração e a cabeça continuam a coadjuvar-se no combate à
porosidade óssea...
Esta longevidade não a
inibe de se mover num espaço fechado como se ele fosse uma miniatura do mundo:
no seu território, nada escapa ao seu olhar felino e, sobretudo, a um
amontoamento de memórias que lhe trazem de volta o passado sob a forma de
presente...
Ouvindo-a, rapidamente
sentimos que, a qualquer momento, da multiplicidade de molduras pode
libertar-se um espetro que retoma o lugar original... para ali ficar, sem se
queixar, à espera de louvor ou de censura...
E esse louvor ou censura
são condicionados pela resposta a uma simples questão: - aos 91 anos, ainda
estou jovem, não estou?
13.9.13
A globalização é, hoje, o
maior inimigo do estado-nação. No caso português, desde que as
várias fronteiras se extinguiram que a soberania se foi esfumando. Ora,
a perda de soberania carateriza-se pela morte da identidade -
um traço distintivo da pós-modernidade.
A expansão portuguesa
tinha dado um poderoso contributo para a afirmação da modernidade. Percebe-se
agora que o nosso ciclo se fechou com o fim da expansão, atirando-nos para
a situação de estado-minoritário que nem a adesão à união europeia conseguiu
disfarçar. Entrámos assim na pós-modernidade, ficando à mercê de modelos
globais cujo objetivo primeiro é desmantelar o que resta do estado-nação.
Infelizmente, há cada vez
mais gente conivente com este "ajustamento estrutural" que, no
que respeita à educação, começa na formatação de professores e alunos e
acaba na descaraterização da escola pública, tornando-a alforge de
descamisados.
O dia de
hoje foi penoso porque, em vários momentos, percebi que a formatação
vai, alegremente, cavando a sepultura da nação portuguesa. Por ventos e
marés, singramos na esperança de que os bem-aventurados chegarão a bom porto...
12.9.13
A esta hora já não me
apetece dizer mal de ninguém. Estou a pensar em mergulhar nas páginas do
Aquilino, com uma ideia atravessada: a Agustina Bessa-Luís terá roubado alguns
ambientes e, sobretudo, personagens femininas ao Aquilino. Mas se calhar estou
enganado! Tudo não passará de uma coincidência! Num país pobre, rural e
atrasado, é fácil que escritores diferentes se tenham entusiasmado com o mesmo
protótipo...
Por outro lado, escrever
neste setembro não faz qualquer sentido. De um lado, as ondas de calor; do
outro, a propaganda - uma onda que submerge a paisagem, embebendo as pessoas
num embuste inclassificável.
Há, no entanto, no meio
tudo isto, um homem fascinante. De seu nome, Rosalino! De calva luzidia,
angélico e sacerdotal, entra-nos pela casa dentro e não necessita de qualquer
arma para impor cortes, a torto e direito, e aos milhões. E fá-lo de forma risonha,
sem levantar qualquer tumulto!
Gosto do Rosalino! Tem
sempre uma explicação, ao contrário da professora (ou da sósia?) que, para
completar o vencimento, se expunha impudicamente na internet, ou daquele
outro professor que, para esconder o desemprego, vai assaltando umas agências bancárias
ou dos...
Estes não têm perdão!
Apanhados, são censurados e condenados... Quanto ao Rosalino (ou será
Rosalindo!), nada a dizer! Pelo contrário...
11.9.13
O
ator político e as pensões de sobrevivência
Poiares Maduro explicou:
- «Há muitas pessoas que julgam que as pensões de sobrevivência se referem a
pensões para proteger as pessoas em maior fragilidade, que são pensões para
garantir a sobrevivência. Não é isso a que se referem as pensões de
sobrevivência. A pensão de sobrevivência é a pensão de alguém que sobreviveu ao
cônjuge. Há pessoas que podem estar a ganhar 25 mil euros e que recebem uma
pensão de sobrevivência e, no entanto, neste país, faz-se um debate assente num
dado totalmente falso"...» (sic)
A Linguística costumava ensinar que a relação entre o significado e o
significante resulta de uma convenção duradoura, e que o sentido da
palavra só existe enquanto a comunidade respeitar essa convenção...
Não sei quem é que,
hoje, ocupa o lugar da Linguística, mas parece-me que, para Poiares
Maduro, esse papel cabe ao «ator político». O homem político perdeu o caráter e
colocou a máscara. Não uma, mas a que for mais conveniente...
No discurso de Poiares
Maduro, as convenções de sentido e os contratos dos cidadãos podem
simplesmente ser rasgados. No centro da vida política, apenas ele, o
iluminado, disserta sobre o significado da palavra
«sobrevivência». Se o Governo, de que PM é porta-voz, tivesse razão,
melhor seria que propusesse uma revisão da terminologia ou, em
alternativa, alterasse a Lei para que, apenas, beneficiassem da pensão de
sobrevivência aqueles que, por razões de defesa da dignidade humana, dela
necessitassem.
Não! O Governo prefere a chicana política e o corte indiscriminado!
Tudo não passa de uma questão de «aderência», como vem repetindo o nosso
linguista e ilustre primeiro-ministro.
10.9.13
Voluntária ou
involuntariamente, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e as televisões estão
ao serviço do Governo.
Quanto menor for a
cobertura das eleições autárquicas, menor será a erosão dos partidos do Governo.
Lá no fundo, ao poder
central, o que interessa é ocultar a trágica situação vivida pelas
populações, desviando, simultaneamente, a atenção para indicadores de
retoma económica claramente manipulados.
O rigorismo da CNE,
inspirado no tão criticado excesso de zelo doutrinário do Tribunal
Constitucional, é, afinal, um indício de que a mesma doutrina pode ser
utilizada com objetivos opostos.
9.9.13
Alexandre
Homem de Cristo: Do teu ombro direito vejo o mundo
Ao ler o artigo "Emendar
os erros", de Alexandre Homem Cristo (i, 9 setembro 2013), não
posso deixar de reparar que o título responde a um mote ou
a um modo de ver: "Do teu ombro vejo o mundo".
A subordinação parece-me
adequada, embora incompleta. O autor, tal como o governo, ainda está a tempo de
emendar o erro, acrescentando um simples, mas significativo adjetivo - Do
teu ombro direito vejo o mundo.
Estou a exagerar,
como bem se perceberá, pois a ideia de que um investigador só veja o
mundo do ombro direito enjoa-me.
No caso, o autor
está zangado com a falta de lucidez do governo, pois continua a
permitir que alguém, desajustado, envie para o Tribunal
Constitucional leis que visam emendar a realidade do país.
Depois de aturado estudo,
o investigador, não sei se sob a forma de tese de doutoramento, terá concluído
que a responsabilidade da crise é dos privilégios de que, desde o
Estado Novo, beneficiam os funcionários públicos, nomeadamente, os
professores, com o boicote à realização dos exames nacionais, pela
mão dos sindicatos dos professores, prejudicando pais e sistema
educativo...»
Gosto do exemplo, em
particular da parte sublinhada. Costumo explicar aos meus alunos que,
ao enumerarem, não devem misturar alhos com bugalhos - se apontam países
visitados, não os devem misturar com cidades. No entanto, este investigador
consegue meter no mesmo saco os pais e o sistema educativo.
Tal como não se importaria que, em nome do seu ombro direito, o
Tribunal Constitucional passasse a ignorar a Constituição!
Mas, no essencial, a
mensagem é outra: um governo avisado deveria ser capaz de rasgar
a Constituição ou, pelo menos, de a adaptar às necessidades reais do
país.
Afinal, a direita do
"investigador" Alexandre Homem Cristo começa a estar farta do Governo
de Passos Coelho, pois tem andado a perder tempo em vez de endireitar o
país...
8.9.13
Sempre que um pingo de
gordura cai sobre mim, vejo-o como uma nódoa pronta a desgraçar-me o
dia. Em regra, essa fatalidade tem origem na minha desatenção ou na minha falta
de preparação para lidar com a gulodice... Claro que há outros pingos mais
desagradáveis, como os que podem cair sobre a minha cabeça ao atravessar um
jardim, uma rua...
Em qualquer um destes
incidentes, a náusea é pessoal e, em princípio, não incomoda mais ninguém!
Há, todavia, outra
nódoa que contamina toda a gente, e que, pela sua
porosidade, nos enodoa.
Já não é a primeira vez
que me refiro ao nível de língua do primeiro-ministro, mas a sua insistência
na «esperteza saloia» dos outros leva-me a pensar que ele, ao
desconhecer o significado e a origem do termo «saloio», não vê que
está a adotar um discurso xenófobo e, sobretudo, a revelar que de
"esperto" nada tem.
Lembra-me sempre o
inquisidor-mor que insistia em salvar a alma dos infelizes que caíam sobre a
sua alçada, mesmo que para tal fosse necessário ordenar a execução pelo
fogo.
Tal como o Inquisidor,
Passos Coelho está convencido de que foi escolhido para cumprir uma missão
redentora e que os outros mais não são do que tristes saloios.
Este tipo de nódoa é
trágico pela razão já apontada - enodoa. Isto é, suja, desonra a quem ela
recorre. E mais grave, obriga o adversário a recorrer ao mesmo registo de
língua, contaminando toda a sociedade e, em particular, os jovens que acolhem
facilmente os maus exemplos.
7.9.13
Em
setembro, estamos mais pobres...
Em setembro, estamos mais
pobres do que em julho! Qualquer um o sabe, sobretudo se for funcionário
público, aposentado, reformado, pensionista... No entanto, surgem convites para
eventos de todos os lados.
Esta realidade
perturba-me porque não consigo encontrar uma explicação para tal contradição.
Talvez uns tantos não se importem porque estão habituados a que no
Outono as folhas caiam e por isso considerem que o empobrecimento é apenas
temporário, embora para outros ele seja definitivo. Mas esses já não contam!
Saem definitivamente da estatística...
Parece-me, contudo, que
os indiferentes ao acréscimo da pobreza não se veem apenas como
folhas outonais, pois de, algum modo, o empobrecimento alheio lhes traz
vantagens.
E também me
perturba que os que estão a ficar mais pobres tenham de esconder essa
realidade, fingindo que nada acontece.
Diz o MEC que, até 2017,
as escolas (quais?) vão perder 40.000 alunos! Porque será?
6.9.13
Há dias ficou-me na
retina um plano em que uma jornalista, dando conta do avanço de
um incêndio, se colocou na extremidade oposta de uma rua,
deixando-nos sob a ameaça de que o fogo iria avançar para dentro da aldeia,
destruindo-a, enquanto a equipa que filmava a tragédia iria certamente
recuando, como se a aldeia não necessitasse de ser defendida e as imagens
fossem mais importantes do que as vidas e as coisas...
Ontem, fui à Cinemateca
ver o filme Jane B. par Agnès V. /1988, e nele tudo se
passa de modo bem diferente: a cumplicidade entre a realizadora (Agnès Varda) e
a atriz (Jane Birkin) é tão forte que a câmara não só não recua, criando
distância, como, na verdade, envolve o corpo de tão perto que gera a
ilusão de o querer possuir - a ideia é a de que Varda possui
cinematograficamente Birkin, tendo, para o efeito, saído do papel de
realizadora para o de personagem, embora estática, e, de que, por seu turno, a
volúvel e insatisfeita Birkin, apesar de se sentir amedrontada pelo «olho» da
câmara, se deixa efetivamente possuir...
O cinema, neste caso,
devora os corpos para os preservar, imobilizar, retratar, mitificar. Pelo
contrário, a televisão ameaça-nos, enquanto deixa os corpos entregues
a si próprios.
5.9.13
A propósito da
"cinematografia" de Robert Bresson, Eduardo Prado Coelho
escreveu na crónica O Lado Mais Severo dos Incêndios: «Em
cada um dos seus filmes sentimos sempre o lado mais severo dos incêndios -
a austeridade da escrita, incandescência da verdade que dessa escrita emerge.»
Os incêndios não se
repetem! Não há um manual que ensine a combatê-los. Toda a aprendizagem
anterior pode desfazer-se numa faúlha. No terreno do incêndio, o que
conta é a acuidade interpretativa, pois à austeridade dos meios é preciso
opor uma decisão firme, mas humilde...
Ora, tal como suspeitava,
35.000 estudantes integram o corpo de voluntários dos bombeiros, sendo
atirados para a severidade do fogo... A muitos destes estudantes,
para além da reduzida formação, faltam a acuidade interpretativa e a humildade...e,
deste modo, são os primeiros a morrer.
Tal como os filmes não servem para reproduzir o que já
existe (lição de Robert Bresson), cada incêndio surge como um novo desafio para
o qual nunca estaremos preparados - razão suficiente para mudar completamente
de realizador... Um realizador que entenda que "não precisamos de mais
mártires"!
4.9.13
Quando as palavras se
levantam em gritos de otimismo, suspendo-me à espera... e, subitamente, as
aranhas desenrolam o fio, ainda, eufórico da duração...Fico sem nada poder
acrescentar, a não ser palavras de incentivo. Ah, quem me dera ser capaz de não
me conter!
Há esperanças que nos
protegem, mas que, simultaneamente, nos trazem mais dor. E a dor acrescida
poderia ter sido perfeitamente evitada se as palavras tivessem seguido o seu
caminho, se não tivessem sido retidas por um subconsciente castrador.
Agora, como esta
manhã, vou sair das palavras, vou a uma rua aonde atravessam pessoas e circulam
carros, vou lá e só encontro os fios da aranha...
3.9.13
Já cheguei a uma idade em
que me arrependo sempre que decido argumentar com alguém (contrariar) que
defende uma ideia nociva ao bem comum ou que revela uma interpretação
delirante da realidade ou que age com prejuízo manifesto para o Outro...
Sabendo que
rarissimamente da argumentação surge a luz e que o ato me afeta os
neurónios ao ponto de me sentir à deriva, prometo ficar em silêncio -
deixar o corpo no lugar - e partir... Infelizmente, nunca vou longe! As
vísceras contorcem-se, repetindo: - Quem cala consente!
Há quem viva assim, à
beira do precipício, de consciência pesada, pois não atalhou a tempo. E
porquê?
(Não dou
exemplos para não dar azo a que alguém queira responder, tirando-me, desse
modo, do silêncio em que vou caindo. A queda traz-me, no entanto, inquietação,
pois sei que por perto há um abismo pronto a libertar-me, em definitivo.)
2.9.13
Não
precisamos de mais mártires!
No combate aos
incêndios, vários jovens morreram ou encontram-se em estado crítico! Por
inexperiência? Por falta de preparação e de enquadramento? Por incumprimento
das ordens dos superiores? Por voluntarismo? De acordo com as notícias, alguns
desses jovens não têm mais do que 18 anos!
Ora, na minha perspetiva,
a sociedade atual, ao descurar a disciplina seja nas famílias, seja nas
escolas, seja nas ruas, acaba por gerar indivíduos que, apesar do espírito
abnegado e solidário, não estão preparados para combater em circunstâncias
que exigem obediência e cumprimento rigoroso dos procedimentos...
Ao ouvir as palavras
dos comandantes (?) dos bombeiros, fico frequentemente com a sensação
de que cada um dirige soberanamente um pelotão à distância,
ignorando os restantes pelotões que se movem no terreno... Estamos perante
unidades de combate que agem por conta própria ou à voz de um GPS incapaz de
interpretar o movimento dos homens, dos veículos, dos ventos e
das temperaturas... Não precisamos de mais mártires!
Entretanto (3.9.2013), morreu mais um bombeiro: um jovem de 19 anos!
1.9.13
A
centenária oliveira e uma figueira
Apetece-me preservar a
oliveira centenária e a figueira mediterrânica! O tempo e a cultura que delas
emanam deveriam ser aprofundados. Sei, todavia, que este meu desejo, na fase de
desgoverno em que vivemos, não faz sentido, até porque eu raramente como um
figo. Mas isso não importa! Preservar a oliveira significaria abrir caminhos,
limpar terrenos, podar árvores…
Curiosamente, esta
oliveira e esta figueira não me exigem que as regue! Apenas, me sugerem que
dava jeito algum desbaste das apressadas vergônteas… E, sobretudo, não querem
qualquer exclusivo. O que estas árvores pedem para si deveria ser extensivo a
todas as irmãs que as acompanham na roda do tempo.
O problema é que na
capital, há quem retire aos proprietários os meios necessários à limpeza do
terreno, à abertura dos caminhos, à poda das árvores. E quando estas árvores
forem devoradas pelo fogo, então, sem pudor, serão apontados os pirómanos:
alcoólicos, pastores, desempregados, maridos enganados…
Porém, se nos dessemos ao
trabalho de escutar a centenária oliveira, ouviríamos uma voz a apontar para a
capital, para o capital…
31.8.13
I - Com tanto reacendimento
das matas e dos matos deste país, é estranho que ninguém veja que não
basta despejar água sobre as labaredas quando o fogo lavra nas entranhas
das encostas e dos mandantes...
É estranho que ninguém
veja que a ferida é a expressão de um desregulamento celular, e que não basta
desinfetar ou cauterizar. De brecha em brecha, as escamas vão progredindo até
que a epiderme se incendeia...
É estranho que se queira
à força preservar a fachada, quando no interior alastra o bolor... É
mesmo estranho que se insista no corpo e se descure a alma!
Mas há razões para que
tal aconteça: a cobiça! a vaidade! o compadrio!
II - Na feira de artesanato do Estoril (50ª), o espaço continua o mesmo, o
nº de tendas diminuiu, o palco cresceu - ontem a plateia era insuficiente,
cantava a fadista Cuca Roseta -, o nº de restaurantes aumentou - ontem estavam
lotados -, o PS local coloria o local... Fiquei com a sensação de que não
estava num lugar, mas se estava, esse lugar era longínquo e anacrónico, mas à
sombra do Casino! Pode ser que na próxima edição também lá encontre uma
farmácia Rendeiro.
30.8.13
Se a leitura da Bíblia*, d'Os
Lusíadas, d' Os Maias e até do Memorial do
Convento, ainda, é vista como constituinte da identidade portuguesa,
não entendo por que motivo a leitura da Constituição da República não
é obrigatória, sendo ela o garante da nossa soberania.
Se tal tivesse acontecido
nos últimos anos, não teríamos de ouvir um primeiro-ministro afirmar que
vai estudar o acórdão do Tribunal Constitucional. Antes do acórdão deveria ter
estudado a Constituição!
Penso mesmo que o estudo
da Constituição deveria ser um pré-requisito para o exercício da atividade
política e que todos os políticos deveriam jurar cumprir o Tratado
constitucional enquanto não chegassem a entendimento sobre a revisão
dos aspetos que, por força das circunstâncias, estejam em desacordo com a
realidade.
Sei, todavia, que este
objetivo é difícil de cumprir. Basta pensar na quantidade de catecismos e
de sebentas que estão disponíveis para os preguiçosos e apressados, sem
falar nos explicadores que, agora, já dão explicações nas universidades de
verão.
Esta reorganização das
nossas leituras implicaria, por um lado, que a Constituição da República
passasse a integrar o Plano Nacional de Leitura, e, por outro lado, que a
TROIKA soubesse, de antemão, que, em Portugal, nos regemos pela Lei.
* Neste caso, estou
a forçar a nota. Na verdade, só o catecismo é memorizado por cerca de 50% da
população portuguesa. Das restantes obras, as sebentas selecionam alguns
episódios.
29.8.13
O
uso corriqueiro da linguagem
«A linguagem
aprende-se melhor, não através dos seus usos corriqueiros, mas através da sua
utilização máxima que é a literatura.» Roman Jakobson, Poesia
da gramática, gramática da poesia.
A democratização
dos discursos tem vindo a empobrecer o raciocínio, porque, sendo nós seres de
linguagem, em vez da leitura literária, preferimos a gíria e o calão, tão
comuns no quotidiano, no cinema e nas redes sociais.
Um destes dias, fui ver
esse sucesso de bilheteira que dá por nome " A Gaiola Dourada" e
fiquei esclarecido. Um conjunto de atores, de algum gabarito, dá expressão aos
estereótipos que nos inscrevem na Europa das migrações (e no mundo!) e, sobretudo,
a uma linguagem popularucha que faz sorrir gratuitamente. (Paguei bilhete para
ver a boçalidade da minha própria família!)
É certamente por isso
que a TROIKA encontra, entre nós, quem a acompanhe na
necessidade de baixar os salários, desclassificar os jovens, destruir a
classe média e eliminar os idosos.
Com a morte da
literatura, vamos deixando de ser capazes de enfrentar as forças que, no
essencial, procuram apoderar-se de um território, de preferência, liberto dos
seus habitantes, da sua língua, da sua história e da sua cultura.
(Tenho de confessar
que hoje me arrependo de ter abdicado de ensinar Literatura. Mas,
prometo aos meus alunos de Português que irei ser implacável na
perseguição dos «usos corriqueiros».)
28.8.13
Procuro a notícia, mas
ela indispõe-me: um governo fornece números errados para esconder despesas
inconfessáveis ou para legitimar soluções contra a dignidade da pessoa; uma
instituição internacional não verifica os dados que lhe são apresentados por um
governo indigente; um primeiro-ministro proclama que os bombeiros têm à
sua disposição todos os meios necessários para combater os incêndios,
apesar de só em agosto já terem morrido quatro operacionais; os fogos são
provocados por alcoólicos, desempregados e maridos enganados (curiosamente, não
há mulheres enganadas!) e agravados pela orografia e pelos ventos; a comunidade
internacional prepara-se para atacar a Síria, deixando o regime no
poder... quais serão os alvos, afinal? Jesus beijoqueiro acaba de resolver os
problemas que lhe minavam o rebanho, qual Judas!
Esta minha indisposição
não faz, no entanto, qualquer sentido e dá-me acabo do coração, embora neste
aspeto haja outros fautores que, neste contexto, nem vale a pena
revelar...
Por maior que seja a
enumeração de notícias, não me sinto mais esclarecido, isto é, não
me sinto mais capacitado para ajudar a explicar os comportamentos
subjacentes, porque, como dizia o bem documentado e sensato Eduardo Prado
Coelho:
«O conhecimento não se
reduz à informação; o pensamento não se reduz ao conhecimento; pensar não se
reduz a comunicar (...) a verdadeira comunicação e o pensamento autêntico não
são a regra, mas a excepção.» Eduardo Prado Coelho, Crónicas
no Fio do Horizonte, pp.169-170, edições Asa, 2004.
Chegado a este momento do
raciocínio, tudo pode parecer simples: há pouco a esperar de quem nos
governa ou de quem nos informa.
O problema são as
vítimas! Para os Governos e para a Sociedade de Informação, há
sempre alguém que pode ser eliminado e que rapidamente será
esquecido.
27.8.13
A
indigência é pobreza extrema
«-Temos um produto em
que ninguém nos bate: a preguiça.» Conto original de Fernando Campos, O
Sonho, in Os Lusíadas, de Luís de Camões, Canto IV, Edição
Expresso 2003
O hábito de desvalorizar
a ação do português leva a que uns tantos iluminados classifiquem os restantes
como indigentes. Ora a indigência é, na maioria dos casos, expressão de pobreza
extrema. Sabemos, também, que o estereótipo de povo preguiçoso se
nos colou à pele ao longo dos séculos, creio que para pôr em evidência a
superioridade, o mérito, dos tais iluminados (os heróis lusos).
Nenhum país parece
produzir tantos heróis, tantos homens de mérito, como Portugal. Infelizmente,
este esplendor gera uma enorme clivagem entre a minoria de heróis e a maioria
de preguiçosos, ora considerados indigentes.
Em política, houve (e há)
quem defenda que ao estado social não compete apoiar os indigentes, mas estes
políticos, que se creem superiores, não sabem que a indigência é a expressão da
pobreza extrema a que condenaram uma boa parte da população, pois diariamente
lhe retiram a dignidade.
O que é preciso
entender é que o povo não é preguiçoso! A preguiça, como muito bem mostrou Eça
de Queirós, embora sob a capa da ociosidade, é uma caraterística da classe dirigente
que, ao não se dar ao trabalho de olhar para as vítimas que vai produzindo,
gera a indigência. Esta é efeito e não uma causa, a não ser que passemos a
falar de políticos indigentes...
26.8.13
Indícios
de incompetência da Segurança Social
Uma senhora, a caminho
dos 91 anos, recebeu a seguinte carta da Segurança Social: «Informa-se V.
Exª. que é intenção do Centro Nacional de Pensões proceder à suspensão do
pagamento da sua pensão, a partir de 2013-11-01, por existirem indícios
da perda do direito à prestação que mensalmente que lhe tem sido paga.
A manutenção do pagamento da sua pensão está dependente da apresentação
a estes serviços de prova de vida...» (Documento assinado pela
Diretora da Segurança Social do CNP).
Lida a carta várias
vezes, só me vem à cabeça que a Segurança Social detém indícios de que a
senhora terá falecido. Então, escreveu-lhe para quê? E qual será a fonte de
tais indícios?
Bom seria que a SS
tivesse confirmado a suspeita de falecimento, em vez de desencadear um processo
que obriga o visado a deslocar-se à sua Junta de Freguesia, já que as
alternativas apresentadas para fazer a referida prova de vida podem ter um custo
de 161 € e alguns cêntimos - por exemplo, um atestado notarial, com visita
incluída ao pensionista...
Perante a ameaça, e
excluídas a hipóteses de a vida da dita senhora ser atestada pelos
filhos que com ela coabitam ou pela filha e pelo genro que residem na
freguesia vizinha, ou pela via notarial, lá fomos, como o caracol, à Junta
Freguesia, onde a senhora foi bem atendida, tendo, no entanto, de saber em
que mês e ano chegara ao lugar onde reside...
Uma atitude
inclassificável com uma cidadã cujo BI regista um nº situado entre o 650 e
o 700. Será que a metodologia deste serviço é suspeitar que
todos os portadores de BI até ao nº 1000 já faleceram»?
25.8.13
A Ericeira nunca chegou a
ser para mim um destino turístico. Tal não significa que não lhe tenha
percorrido as ruas e os pontos de interesse ocasional, sobretudo, Santa Marta,
quando as crianças se deixavam levar. Na verdade, a Ericeira começou por ser um
hotel e uma piscina... Depois, a Ericeira passou a ser um lugar - parque de
campismo -, onde nos instalávamos, primeiro numa tenda, depois numa roulotte e,
nos últimos anos, numa autocaravana. De comum, o vento, as rolas, os pinheiros,
a caruma, a água fria, os nevoeiros de julho e de agosto, o sol de setembro e
de outubro...
O clima é pouco
simpático, sobretudo, no verão! Mas, não sei porquê, este é o lugar onde sempre
voltamos, como se, nas palavras de Diderot, estivesse escrito lá no Alto...
Parece, no entanto, que o
ciclo está a acabar. Não é que o lugar, apesar da perda das falésias e da
areia, tenha perdido o encanto, mas o tempo, o nosso tempo, não se compadece de
nós...
Chegou a hora de dar mais
importância ao tempo, de fruir com menos encargos e, sobretudo, com maior
qualidade. Claro que a responsabilidade não é só do Tempo, há por aí muitos
responsáveis que continuam impunes...Neste como em todos os outros lugares, porque
quem faz o lugar somos nós!
24.8.13
A
Ericeira já foi mar das rascas
Ciberdúvidas: O
verbo desenrascar vem «de des- + enrascar»; enrascar deriva
«de en- + rasca + -ar»; e rasca é
«deriv[ação] regr[essiva] de rascar». Finalmente, rascar vem
«do lat[im] vulg[ar] rasicāre, de rasu-, part[icípio]
pass[ado] de radĕre, "raspar"».
Apesar da elaborada
explicação, parece-me que, em terra de navegadores e pescadores, será mais
apropriado pensar que tal tipo de embarcação - a rasca - não
seria assim tão segura, sobretudo quando se aventurava na rota do Brasil.
Um pouco de memória e
perceberíamos que muitas rascas não terão chegado a bom
porto! Os marinheiros embarcados (enrascados) que tinham a sorte de
sobreviver não deixariam de deitar culpas à rasca pela morte
dos companheiros!
Afinal, o problema era o
mesmo de sempre: a segurança era frequentemente descurada, pois a ganância era
lei.
Enrascados desde o berço,
tudo serve como desenrascanço desde que a pimenta, o ouro
ou o euro caiam nos bolsos...
E já nem vale a pena
referir a origem do termo gajeiro (e seu derivado - gajo)
que vigiava no cesto da gávea.
23.8.13
Ruidosa ou veladamente, o
homem mata. Tira a vida um pouco por toda a parte e fá-lo com recurso a todas
as ferramentas – das mãos aos robots, da pedra ao ferro, do fogo ao gás, da
água ao veneno, à droga, ao álcool, ao roubo, à insídia… As formas de matar
multiplicam-se dia a dia! Na esfera privada e na esfera pública...
Por seu turno,
silenciosamente, a Natureza gera vida coral, mineral, vegetal ou outra, mas
fá-lo, indiferente à nossa presença ou ausência, regendo-se por uma norma
que nos escapa ou que preferimos ignorar.
No meio, há sempre um
gato na espectativa de derribar três ou quatro rolas e estas, argutas, vão
saltitando de galho em galho à espera de o cansar.
Para além do pinhal, as
águas oceânicas da Ericeira vão engolindo a areia, desfazendo as
arribas e invadindo a terra que o homem tão orgulhosamente lhes
conquistara…(...)
Horas passadas, chega o
vento atlântico que arrefece o dia e sacode a poeira da terra, deixando
enrodilhados, pessoas e objetos. E ao longe nem uma rasca!
E nos intervalos, Crónicas
no Fio do Horizonte, de Eduardo Prado Coelho, em tempos lidas na espuma dos
jornais... O Eduardo que durante 30 anos se encontrou nas águas de S. Martinho
do Porto, mas que, já no fim, citando Joaquim Manuel Magalhães, acusava o
«país assassino» de ter destruído aquele, outrora, belíssimo lugar.
(...) Agora, o vento serenou. Apenas os cães dão conta de si, embalando-nos
numa acesa disputa.
22.8.13
Quando a cabeça já nos
confunde, exigimos ao corpo um esforço mais: privamo-lo da gordura, do açúcar e
do álcool, e obrigamo-lo a caminhar… E subimos e descemos, ao sol e à chuva, de
dia e de noite, em passo lento ou acelerado, no bosque ou à beira-mar…
E subitamente uma voz
interior convida-nos a penetrar no abismo, a desistir da caminhada, a não
regressar ao ponto de partida porque, na verdade, esse ponto ficou
irremediavelmente para trás.
As viagens são sem
regresso! Por enquanto, vão ficando de fora as que se limitam a gerar espaço,
mesmo que o tempo as dissolva…
21.8.13
Quando procuramos
elaborar um balanço, ou melhor, quando nos solicitam um balanço e a memória não
ajuda, regressamos às agendas e aos cadernos de notas ou de tarefas.
Se ainda os tivermos à
mão e não nos faltar a coragem de os decifrar, iremos pouco a pouco descobrir
que o que foi pensado para nos ajudar a agendar o presente e o futuro é,
afinal, um repositório de acontecimentos passados da mais desvairada
natureza.
Aos nossos olhos, surgem
os nossos doentes e os nossos mortos, as nossas viagens e as nossas despesas,
detalhadas até à ausência de sentido. Despesas que, frequentemente, nos são
impostas por sonhos e devaneios familiares, sem omitir as crescentes
obrigações fiscais e os cortes reiterados nos rendimentos...
Numa outra perspetiva,
estes registos indicam-nos onde estivemos ou, pelo menos, deveríamos ter
estado. E este dever não era nosso, era nos imposto pela profissão, pelos
cargos que desempenhámos.
E de repente, surge a
dúvida: Se num certo ano, estive envolvido em tantas tarefas, qual
terá sido a qualidade do trabalho desenvolvido?
Nesta perspetiva, o
caderno de notas é claro e, ao mesmo tempo, enigmático. Quem ali se inscreve
viveu um ano múltiplo, isto é, um ano em que a dispersão foi a regra, imposta
pela solicitação alheia. E o mais grave é que, no caderno de notas, nada existe
que diga qual das tarefas era a mais importante: se cuidar da mãe, se cuidar da
esposa, se cuidar da filha ou do filho, se cuidar dos alunos, se cuidar dos
colegas, se estar presente a toda a hora, se ser um funcionário zeloso...
Desta leitura resulta, no
entanto, uma lição: a minha próxima agenda vai ser constituída por folhas
soltas e, de preferência, em branco...
Muitos não
conseguem impedir-se de ter a impressão de que é o tempo que passa, quando, na
realidade, o sentimento de passagem refere-se ao curso da sua própria vida.
(registado no caderno de notas 2012)
20.8.13
A
verdade do papiro e da pedra
Creio que se pode viver
sem ler! Na verdade, durante muito tempo, o mundo singrou sem manuscritos.
Não havia necessidade de registar ou de procurar a verdade em qualquer pedra ou
códice, porque, simplesmente, ela não existia.
A verdade foi uma
invenção de faraós avarentos e megalómanos que aproveitaram o papiro
que o Nilo lhes ofertava. Diga-se, para que não se desvirtue o curso da
história, que o povo hebraico, não querendo ficar para trás, enviou o
pobre Moisés ao cimo do Sinai registar a lei (verdade) de Jeová nas tábuas
de pedra que a montanha lhe ofertava.
Em nome da verdade, se
ceifaram muitas vidas, de tal modo que foi necessário registar e
justificar a sua eliminação.
E como funcionamos em
circuito fechado, alguns homens consagraram o seu tempo aos
Livros de Horas, orando pelas vítimas dos faraós avarentos e sequiosos de
glória e de eternidade...
E assim continuamos, aqui
como na Síria, na Líbia, no Iraque, no México, na Colômbia, no
Congo ou no Egito! Tudo em nome de uma verdade que nenhum Livro
consegue legitimar...
Com uma pequeníssima
diferença: voltámos a viver e a morrer sem precisar de ler!
E porque a leitura, que a muitos importa, já não se ocupa da maçadora e
punitiva verdade, mas, sim, da fantasia - esse lugar situado
entre a verdade e a mentira - CARUMA está pronta a libertar-se das
hiperligações que desprezam a leitura... e a escrita. CARUMA passa a ser um
lugar de passagem ou, se se preferir um lugar de errância...
19.8.13
A decisão de ler, quando
não se é académico ou investigador literário, resulta de circunstâncias que não
controlamos. Há quem pense que a idade é um fator decisivo - talvez
haja um tempo certo para ler determinadas obras... Talvez, seja necessária
uma certa maturidade! Mas como é que se chega à maturidade sem ter lido o que
mais importante foi escrito para o entendimento da natureza humana?
Enquanto leitor, o mito
do "Fausto" não me era estranho e, normalmente, surgia na mesma
página, na mesma esquina, de outro famoso mito ocidental - "D.
Juan".
Em termos de padrões de
cultura, o Fausto do pacto com o diabo era me familiar desde o
berço - uma figura pouco recomendável que ousava infringir a todo o
momento a condição humana, desrespeitando a vontade divina.
Na literatura e na
filosofia, habituei-me a encontrar certos paladinos do «super-homem»,
designadamente, na cultura alemã, o que se de início me seduzia, com o
conhecimento dos "efeitos" da ideologia subjacente e da
consequente prática política, acabou por me afastar de uma abordagem
sistematizada da obra de Goethe, o que hoje lastimo...
Neste agosto, não resisti
a fazer duas leituras da obra em causa, tal é a intensidade (e por vezes, a
leveza) do pensamento dilemático de cada personagem e, sobretudo,
porque a religiosidade imanente não consegue estabelecer fronteiras
nítidas entre o Bem e o Mal, entre Deus e o Diabo.
Na visão romântica alemã,
o verdadeiro mundo estava plasmado no Cristianismo - um lugar em que Deus
desafiava Mefistófeles para que pusesse à prova a criatura humana (Fausto) e em
que o Diabo não desgostava do exercício, pois, afinal, lhe permitia entrar em
territórios de fantasia que lhe estavam vedados - o universo greco-romano -
porque anteriores à refundação da chamada civilização ocidental.
Ler o Fausto é,
para mim, uma viagem às zonas mais ocultas do cérebro humano, mas é também
revisitar os mitos que fundam a minha personalidade.
18.8.13
Não sei se será aceitável
misturar o Fausto de Goethe, tragédia escrita ao longo
de uma vida, e com antecedentes ilustres que remontam, pelo menos, aos séculos
XV e XVI, com os títeres que nos desgovernam neste século XXI.
Na verdade, o doutor
Fausto, cansado da ineficácia da ciência e da alquimia, por ação
de uma inebriante poção licorosa preparada por uma bruxa, a mando do
criado-e-senhor Mefistófeles, passou «a ver em cada mulher uma Helena», no caso
particular uma Margarida que, depois de seduzida e rejeitada, qual Eurídice,
resiste a sair da masmorra em que se encontra à espera do juízo final.
No caso português, creio
que o argumento será um pouco diferente: cansado do amor e da manta rota (que
diacho!), o nosso Fausto terá negociado com Mefistófeles o regresso à escola,
à procura da poção mágica que lhe permita ganhar as eleições - todas
as eleições!
Será por isso que acabo
de ouvir que, entre Agosto e Setembro, o nosso Fausto fará no mínimo três
«rentrées». Começou no calçadão do Pontal, vai passar pela Universidade de
Verão de Castelo de Vide (?) e quanto à 3ª «rentrée», não sei bem, mas sei que
já em 2012, ele também se tinha deslocado à universidade sénior da Portela...
Este não será o momento para me queixar, mas também não entendo a preferência
pela palavra «rentrée» num país que despreza oficialmente o ensino das línguas
estrangeiras, e, sobretudo, a aprendizagem do francês. Pelo desempenho
que já lhe ouvi, o nosso Fausto, mal sabe ler a língua de Molière e de
Racine.
Finalmente, é preciso ser
muito cábula e lento para no mesmo ano letivo fazer três «rentrées».
Melhor seria que o nosso Fausto tivesse seguido o exemplo do doutor Fausto...
Pelo menos, acabaríamos livres de Mefistófeles!
18.8.13
Nas festas de Viana,
as servas da Senhora da Agonia exibem milhões em
ouro. Noutras procissões, os andores carregam cachos de euros, a ver quem
dá mais. Por perto, os incêndios consomem bombeiros, matas e veículos... Os
candidatos a autarcas, aos milhares, procuram um lugar ao sol, derretendo
milhões de euros numa campanha inútil...
Entretanto, o subemprego
cresceu 139% nos salários abaixo dos 310 €.
No IC1, morreram, em 24 horas, 9 pessoas em ultrapassagens
proibidas - ao lado, na autoestrada, escasseiam os veículos.
Por seu turno, o Governo
de casino aposta mais de 4.000 milhões na banca do
Tribunal Constitucional. O próprio presidente da república, em vez de promulgar
ou vetar, arrisca na mesma banca. Hábitos antigos!
Lá fora, mais de 100.000 pessoas
já morreram na guerra da Síria. No Egito, numa semana, registaram-se 700 mortos,
e a procissão nem ao adro chegou.
17.8.13
Hoje é sábado, e o país
continua em festa!
Com um pouco de crédito
e de espírito e muito de deixa-andar, o povo percorre as romarias, os
festivais e as praias fluviais... O povo vive contente e sem preocupações...
Claro que a Troika vai
avisando que só regressa depois de o Tribunal Constitucional legitimar os
despedimentos desse mesmo povo que agora vai bailando...
E como a festa é
demasiado ruidosa, o povo ébrio vai liquidando o próprio sangue num golfejo de
notas soltas...
(Antes de ontem,
fora dia santo; ontem, um santo dia; amanhã, pouco interessa.)
16.8.13
Milhares de feridos e
mais de 600 mortos, igrejas coptas profanadas e incendiadas
nos últimos Dias! Porquê? Antes de mais, porque as religiões, em vez de
conciliarem, continuam a dividir, despertando os demónios dos primeiros
tempos...A ida a votos deu o poder à maioria muçulmana. Começava o jogo
democrático! Só que, no contexto regional e global, o novo poder não estava
preparado para lidar com as minorias religiosas, com o poder militar formado e
equipado pelos americanos, com o estado de Israel e, sobretudo, preparado para
satisfazer as reivindicações de uma enorme massa humana ávida de melhores
condições de vida. E quando assim é, a solução militar surge como forma, de
pela força e pelo medo, pôr na ordem a multiplicidade de desencantados, de
fundamentalistas e de oportunistas. Só que a solução militar não sabe dialogar,
conciliar. Apenas sabe aplicar a força de forma cega, à ordem de quem a suporta
financeiramente...
Portanto, a
irracionalidade egípcia não é apenas resultado da ação Irmandade Muçulmana!
(A propósito, Portugal
tem no Cairo um embaixador – o Sr. Tânger - que parece ter sobre os
acontecimentos uma visão bastante parcial... Não sei se a sua abordagem
coincide com a do Governo!)
14.8.13
Há luminárias que apontam
como causas da crise: o número excessivo: a) de funcionários
públicos; b) de idosos; c) de restaurantes; d) de boutiques,
sapatarias, mercearias...
E como solução primeira:
a redução drástica do número de funcionários do estado, a redução dos cuidados
de saúde, a redução dos salários, das reformas e das pensões, o encerramento de
restaurantes, pastelarias, cafés, lojas, boutiques, sapatarias, mercearias...
Em síntese:
desmantelamento do Estado, empobrecimento e fragilização das pessoas,
destruição das pequenas e médias empresas.
Os serviços prestados
pelo Estado no âmbito da saúde, da educação, da justiça, dos
transportes, no entendimento destas luminárias, devem ser entregues a novos empresários,
pois estes já serão capazes de viver sem o Estado.
Os indicadores económicos
publicados nos últimos dias mostrariam que, finalmente, estes empreendedores já
estariam a revitalizar a economia. Mas como?
Com uma lei dos
despedimentos selvagem, com remunerações mínimas e, sobretudo, com a eliminação
da concorrência...
Neste cenário radioso,
estas virtuosas luminárias querem-nos fazer acreditar que as únicas
funções de um Estado mínimo são cobrar impostos à novíssima economia e
redistribuir o bolo pelos desgraçados que, entretanto, foram
despedidos, espoliados das reformas, não conseguiram um primeiro emprego...
O equilíbrio das
contas não é difícil! Basta pensar no país de Salazar! Tinha sol e praias e até
uma guerra no ultramar. Só não tinha portugueses! Viviam aos milhões lá fora
para não morrer cá dentro...
Sem rede dissolveu-se
na Caruma
Mesmo sem balanço,
SEM REDE regressa em setembro, mas sob a máscara de CARUMA.
Há sempre um aluno atento
que procura partilhar nem que seja as suas hesitações ou, então, que
insiste para que eu esclareça os limites do "contrato de
leitura" - expressão que eu abomino!
Por essas e outras
razões, espero, a partir de setembro, dedicar, também, um tempo aos meus
alunos, criando, assim, um público diferenciado.
Isto se o MEC não me
sobrecarregar com tarefas gratuitas, no duplo sentido da palavra...
13.8.13
Os sindicatos acusam o
governo de lhes dar facadas nas costas. Pobrezinhos, sentem-se traídos! Afinal,
qual era o acordo que andavam a cozinhar nas costas dos trabalhadores?
Há muito que os
portugueses são traídos pelos seus governantes e representantes, sejam
deputados ou dirigentes sindicais e outros que tais, porque, até ao momento, o
que sempre lhes interessou foi partilhar o bolo.
O problema que eles
escondem da população, com a conivência da comunicação social, é que a decisão
já não mora aqui: já não está nem na mão do presidente, nem do governo, nem dos
partidos, nem dos sindicatos, nem dos autarcas, nem dos juízes...
A decisão é nos
imposta e obedece a um calendário e a um caderno de
encargos irrevogáveis!
Os sindicatos sentem-se
traídos porque começaram a perceber que são descartáveis e que por isso vão ter
de voltar ao trabalho...
12.8.13
Sem
o Anjo que nos afaste da queda...
O Senhor para Mefistófeles:
«Todo o homem que caminha pode perder-se.» (Goethe, 1749-1832)
Acantonados no espírito
da Reforma, habituámo-nos a ver o Senhor como a
representação do supremo Bem que combateria perpetuamente o Mal.
A cada ser competiria,
assim, percorrer o caminho da Luz, fugindo permanentemente das Trevas,
isto é, evitando perder-se ou evitando qualquer pacto com Mefistófeles. No
entanto, na lição de Goethe, o Senhor dá plena
liberdade a Mefistófeles para que este possa induzir Fausto em
tentação.
Estranhar-se-á este apontamento,
mas ele tem uma razão antiga. De todas as vezes que me "cruzei" com o
João da Ega n'Os Maias, ficou-me a dúvida sobre o satanismo queirosiano
ilustrado pelo Mefistófeles que animava os bailes de máscaras ...
E nesse aspeto, o Eça
europeu nunca se libertou da imagem do demónio que formatava a alma
lusa...
Eça reduzia tudo à
caricatura, tal como nós, hoje, o que nos torna incapazes de caminhar sem
o Anjo que nos afaste da queda...
11.8.13
«A inquietação
enfeita-se sempre com máscaras novas: tão depressa é uma casa, um pátio, como
uma mulher ou uma criança, ou ainda o fogo, a água, um punhal, um veneno...
Trememos diante de tudo o que não nos atingirá, e choramos incessantemente pelo
que não perdemos!» Goethe, Fausto.
Eu gostava de
subscrever plenamente esta "conclusão" de Fausto, mas a ideia do
"ornamento" e da "máscara" faz-me pensar num qualquer
desvio histriónico comportamental. Infelizmente, a inquietação tem uma origem
menos encenada.
Basta pensar naquele pai
que, perante a inevitabilidade da morte, não deixará de se sentir inquieto
(atormentado) quanto ao futuro do jovem filho, sobretudo quando a
sociedade se revela madrasta.
Basta pensar naqueles a
quem a morte não surpreende de forma súbita e que por isso têm tempo para
sofrer em silêncio a precariedade da vida dos que lhes são próximos. Quando
essa precaridade anda de braço dado com a ingenuidade de uns e a malvadez
de outros, a inquietação não desarma e mina as almas e os corpos...
Basta pensar na mentira
continuada que nos governa, essa, sim, enfeitada e sempre com novas máscaras,
para que o tempo seja desse tipo de inquietação que mata lentamente...
Podemos
disfarçar com o sol e a praia, a música e o teatro, o cinema e a ciência,
mas na inquietação a música é apenas um tique-taque acelerado, a ciência não
traz cura nem pão, a imagem não passa de ilusão, a praia deserta e o
sol eclipsa...
10.8.13
«Não é
tarefa fácil construirmos a nossa própria identidade confiando apenas nas
nossas intuições e pressentimentos, mas é também pouca a segurança que
poderemos extrair de uma identidade autoconstruída que não seja confirmada por
um poder mais forte e mais duradouro do que o seu construtor solitário.» Zygmunt
Bauman, A Vida Fragmentada, pág. 278.
João Tordo publicou
no início deste ano o romance O Ano Sabático. Considerando que o
autor nasceu em 1975, não deixa de ser uma experiência temporã. No
entanto, esta escolha tem explicação académica. Formado em Filosofia, João
Tordo procura responder à velha questão: Quem sou eu? Já
Fernando Pessoa construíra toda uma obra a responder à mesmíssima pergunta.
Temos, assim, que o romance é a resposta à eterna questão.
Uma resposta triste, pois
a ideia de incompletude que persegue Hugo (1ª parte) e Luís Stockman (2ª parte)
faz destas personagens "seres" descompensados, pois a cada momento se
sentem "roubados", procurando, um, de forma alienada, e o outro, de
forma racional, "encontrar" o quid que os limita.
Esta apropriação do
"eu" pelo "outro" (do mesmo sexo, mesmo que
haja ainda um "outro" do sexo feminino) é, afinal, a
matéria de que o romance se alimenta, e leva à aniquilação de
"ambos"; o primeiro, de modo prosaico num sótão da baixa
lisboeta e o segundo, de modo mais poético numa tempestade de neve nas
ruas de Montreal (Québec).
A alusão ao
"outro" feminino serve apenas para lançar a ideia de que neste
romance, embora "as mulheres" não surjam como acontece na tradição
literária e filosófica da "misoginia grega", este outro acaba
por não ser essencial para a resolução da resposta à questão
identitária - irmã, mãe, amantes, terapeutas, todas elas desempenham papéis
periféricos...
Do meu ponto de vista, o
mais interessante é que a obsessão do "eu" pelo
"outro" acaba por matar a capacidade criadora de Hugo e de Luís
Stockman: o 1º porque se sente roubado por uma "sombra real", o
segundo, porque, para adiar o reencontro com a "parte em falta",
desiste da composição musical... até que:
«Quando a neve já era
tanta que nada se via exceto o branco, tudo branco, o mundo uma composição em
branco, Stockman sentiu a alegria de uma perda irreparável e soube que era
demasiado tarde para voltar atrás.» (João Tordo, O Ano
Sabático, pág. 205)
No essencial, estamos
perante um romance bem construído, cujo fio condutor desloca a atenção do
leitor para as condicionantes da criação musical, mas que bem pode ser lido
como se todo ele fosse o resultado de um verdadeiro ano sabático dedicado aos
escolhos que a escrita levanta ao escritor.
9.8.13
Urbano
Tavares Rodrigues (1923 - 2013)
Sempre que alguém me
fala de Urbano Tavares Rodrigues, sorrio por instantes.
Sorrio da sua bondade, da
sua leveza, da sua crença na fraternidade e na solidariedade, e, sobretudo, do
modo como continua a alimentar essa Instituição que poderia ser a Literatura,
se esta não tivesse sido colonizada por uma casta de sacerdotes que, pouco a
pouco, nos afastam do gosto da leitura...
Pode não ser verdade,
mas, para mim, Urbano Tavares Rodrigues é um homem naïf que nunca me pediu
nada, e que os deuses decidiram premiar, deixando-o ficar um pouco mais para
que o sorriso não vire esgar. Caruma, 4.11.2008
8.8.13
«O que é natural
estende-se a toda a natureza, mas o produto da arte ocupa apenas um espaço
limitado.» (Goethe, Fausto)
O artista, apesar do
acrobático movimento, quase que não é visto pelos circundantes. Estes,
alinhados, esperam um brinde, qualquer coisa do género. Por mais que insistamos
em arrancar o homem à natureza, lá, no fundo, ele procura sempre um
benefício, uma recompensa...
7.8.13
A PREOCUPAÇÃO
(diante da casa de um rico): - Vós minhas irmãs (a FOME, a
DÍVIDA, a ANGÚSTIA) nada podeis e nada ousais. Só a
preocupação pode deslizar pelo buraco da fechadura. Goethe, Fausto (adaptado).
Na realidade, não sei se
a Preocupação consegue incomodar um rico. É um universo que não frequento! Sei,
todavia, que os ricos (e os seus servos) estão a gizar um caminho em que,
por mais que tentemos esquecer os problemas, viveremos em permanente
preocupação dia e noite.
E essa permanência da
preocupação, constantemente alimentada pela comunicação social, acabará por nos
impedir de dar um passo, de sonhar, de dormir.
Por este caminho,
acabaremos expulsos da categoria de contribuintes e de consumidores,
deixando objetivamente de contar...
Vai ser necessário que a
Preocupação destes novos párias comece a deslizar pelo buraco da fechadura
de quem nos desgoverna...
6.8.13
«A ação transporta-se
para uma corte imperial da Idade Média. (...) O general queixa-se das tropas e
dos oficiais que reclamam os soldos em atraso, e ameaçam a tranquilidade do
país. O tesoureiro responde-lhe que os cofres estão vazios, que cada qual vive
para si, e que a riqueza do império foi devorada pelas guerras e pelas divisões
dos partidos políticos. (...) No entanto o astrólogo fez observar que o
Carnaval estava próximo, e que convinha passá-lo com alegria. Bastava
ter fé no futuro e fazer uma última exibição de luxo e abundância pública.» Goethe, Fausto, Fausto
na Corte do Imperador.
Por maior que seja
a tragédia, há situações e comportamentos que se repetem: o
presidente da república, o primeiro-ministro, os deputados, os
banqueiros, os tribunais, todos de férias! Simultaneamente, os
mefistófeles engendram as extorsões que irão impor ao país...
«A partir de
quarta-feira de Cinzas... - decretou o imperador - começaremos o nosso
trabalho! Até lá vivamos alegremente!» Goethe, op.cit.
4.8.13
Há livros que devemos
ler, mas que podem ser lidos em qualquer altura, mas há outros que é
imperdoável não os ter lido no momento certo. No caso, é imperdoável que
aqueles que se preocupam com o governo da coisa pública não o tenham feito
à data da sua publicação - 1995. Estou a referir-me à obra de Zygmunt
Bauman " A Vida Fragmentada - Ensaios sobre a Moral
Pós-Moderna".
No essencial, os tempos
que vivemos são fruto da política de desmantelamento das instituições levada a
cabo por Thatcher (e por Reagan), uma política que, após a unificação da
Alemanha e o desmoronamento da URSS, passou a ser regulada pela finança supranacional.
A própria União europeia foi obrigada a trocar o princípio da subsidiariedade
pela «cultura de casino cósmico», em que tudo se calcula em termos de
«impacto máximo e obsolescência imediata» (op. cit., pág.269).
Passámos a existir
enquanto contribuintes e consumidores. Caso não consigamos manter esse
estatuto, deixamos de ser recicláveis e passamos à categoria de dispensáveis,
isto é, para os políticos somos "elimináveis", pois só assim as
economias poderão ser revitalizadas.
Os "elimináveis"
não passam de um produto tóxico, de "imparidades"... acabando como
arma de arremesso político entre os gestores do «casino cósmico» e aqueles que,
ainda, se consideram representantes de um pensamento de "esquerda".
Só que com o desmantelamento do Estado, a "esquerda" deixa de
existir, a não ser como entidade fragmentada e nostálgica que nada pode impor.
Em Portugal, nada do que
está a acontecer, em 2013, é novidade para Bauman, em 1995.
3.8.13
Partida: Parque de
Campismo do Pedrógão Grande. 1º alcatrão, depois terra batida, plana. A Ilha
expõe-se em forma de casco de embarcação e oferece descanso e a possibilidade
de merendar para quem se tenha aviado em terra.
Como não há ilha sem
encosta, os mais afoitos podem descer até à linha de água, desde que não
esqueçam que vão querer regressar...
Duração: duas horas, a
não ser que levem cana de pesca ou queiram mergulhar nas águas da albufeira.
2.8.13
Juntam-se as águas e
seguem o seu curso, alheias a hierarquias de estado ou de qualquer outra
espécie e, simultaneamente, as margens iluminam-se, gratas à conformidade que
assim as guia.
A cada passo, a natureza
dá o exemplo, mas nós preferimos ignorá-lo em nome de uma cultura que insiste
em defender uma identidade artificiosa, de uma soberania que já perdemos…
Ouvi há pouco que temos
mais um partido: o MAS – Movimento Alternativa Socialista. Um partido para o
futuro que quer voltar ao passado: ao escudo, à bancarrota, ao Estado-nação.
Mais um grupo de “intelectuais” que não entende o mundo em que vive…
31.7.13
O título pode não
corresponder, pois não é fácil chegar ao parque de campismo da Aldeia Foz de
Alge, sobretudo quando o GPS Sony não reconhece as novas vias, e acabamos por
enfrentar a íngreme subida que leva a AREGA. Aqui, não há sinalização, a não
ser o simpático indicador humano que lá mandou virar à esquerda e depois à
direita, atravessando a floresta de 3 km, e depois já haveria placas… Havia,
mas nenhuma que indicasse a estrada para o camping.
Acabei por atravessar a
Aldeia da Foz de Alge, com o credo na boca, pois quem desenhou as ruas nunca
imaginou que por ali viesse a passar uma autocaravana. Eu próprio ainda estou
sem saber como é consegui não derrubar nenhum beiral…
Enfim, cheguei a um
parque com uma receção acolhedora, bem situado junto ao Zêzere, com as cigarras
em plena cantoria. No entanto, a música de fundo bem alto – um misto etno-pimba
– não ajuda quem procura o parque para descansar!
(Tudo seria ainda mais
agradável se a Sony tivesse alguma consideração pelos utilizadores dos seus GPS
– caros e sem possibilidade razoável de atualizar o software, e se os
Institutos que tutelam as estradas e o turismo se preocupassem em sinalizar
devidamente as estradas, os locais de interesse e os respetivos acessos…)
30.7.13
O que é que nos
interessa? De forma seca, interessa-nos a comodidade e, sobretudo, que não nos
incomodem.
A comodidade assegura-se
com património, um bom salário, a sorte grande, um corpo jovem e em forma. Tudo
o que se oponha é já um incómodo!
A crise é um incómodo,
mas que só incomoda, por enquanto, uma minoria. Enquanto houver sol e praia,
subsídio, mesada, cartão de crédito, saúde, a maioria segue incólume.
Pode-se até pensar que a
cobertura de viaduto, um banco de jardim, uma cela são abrigo suficiente para
que não nos incomodemos...
Claro que continua a
haver aqueles que, incomodados, partem! Tal como no passado, sempre houve
homens e mulheres que rejeitaram o fado e reconstruiram as suas vidas noutras
latitudes...
Por cá continuam as
moções de censura e de confiança, sem que seja possível romper com o comodismo
das nossas posições.
29.7.13
Carris
desrespeita os utentes do 783
O utente chega à paragem,
olha o painel informativo e percebe que daí 14 minutos tem um autocarro
para a Portela, no caso, o 783. Poderia, entretanto, ter aproveitado o 783 para
o Prior Velho, mas com o inconveniente de ficar apeado antes de chegar ao
destino.
Decidira esperar. O tempo
escorre até que, subitamente, passam a faltar 34 minutos. Porquê? Ninguém sabe!
O painel informativo nada explica.
Pacientemente, o utente
da Portela rende-se à espera de novo 783 para o Prior Velho, mesmo ficando
apeado...
Surpreendentemente, às 12h38, na Praça do
Saldanha, o 783 passa vazio...RESERVADO... e o utente continua à espera
sem qualquer explicação...
28.7.13
Ser
/ estar na notícia sem mestre de cerimónia
- O que fazem três
milhões de indivíduos na praia de Copacabana?
Os crentes dizem que
estão lá para estar próximo do Papa Francisco. A verdade parece, no
entanto, ser outra: estão lá para estar na notícia, para fazer parte da
notícia. Ainda assim, há muitos, crentes ou não, que se deslocaram para
"ser notícia". E, para o efeito, vale tudo: banho na onda
alterosa, protesto contra o governador, revolta contra a hipocrisia da
Igreja Católica...
O próprio Papa
franciscano procura, sob o olhar das câmaras fugazes, não ser ocultado
pelo movimento das ondas humanas.
Uma das lições que,
provavelmente, este Papa poderá extrair do evento é que não lhe basta ser
notícia para existir, pois a sua ação poderá reacender não só a fé, mas,
sobretudo, antigos demónios que durante séculos devastaram a terra em nome de
uma Ideia que se queria única e verdadeira.
Paradoxalmente, perto de
Santiago de Compostela, um pequeno burgo abandonou tudo o que estava a
fazer para socorrer as vítimas de um infausto acidente ferroviário, sem
quererem ser /estar na notícia... Esses, sim, existem!
Existem sem encenações
nem mestres de cerimónia!
27.7.13
Sou noticiado, logo
existo. (...) Disparo, logo existo. Zygmunt Bauman, A Vida
Fragmentada
O homem já não necessita
de cogitar, já não necessita de procurar o deserto para se afastar da turba
ameaçadora. Pelo contrário, agora, procura o ruído da multidão, procura um
palco onde possa ser visto e ouvido, busca sensações narcísicas e, para atingir
tal objetivo, tudo lhe é permitido.
Este homem não se
preocupa com as consequências da imoralidade da sua ação. Uma ação
naturalmente violenta, uma ação cada vez mais violenta. Face à
efemeridade das reações do Outro, os estímulos crescem de intensidade e de
frequência até a um ponto de não retorno. O Outro ou foi abatido ou colocou-se
no lugar do sujeito, emulando-o até cair na não-existência...
E é essa não-existência
que alimenta a violência «faça-você-mesmo.» A guerra deixou de ser um ajuste de
contas, uma luta corpo-a-corpo. Este tipo de violência da notícia, do
paparazzi, da rede social mais não é do que uma execução, em
que nos apresentamos como carrascos...
(Quanto às vítimas,
elas não passam de inexistências, mesmo que ainda guardem a vontade de pensar!)
O problema surge
quando se pergunta qual é o futuro destes «carrascos», pois, hoje, sabemos que,
para se manterem vivos, eles necessitam do reforço da força do choque, o que
significa que de nada serve ficarmos à espera de mudança: ou morrem e são substituídos
ou, simplesmente, continuam a infernizar-nos a vida... Por outras palavras, de
nada serve esperar que o menino traquinas subitamente abdique de o ser...
Quem espera outro Paulo Portas, não percebe que para ele só importa: «Sou
noticiado, logo existo»!
26.7.13
"Malfeitoria"
é a única palavra capaz de exprimir o meu sentimento em relação aos
efeitos do desgoverno em que vivemos. Em termos simplistas, se há malfeitoria é
porque há "malfeitores", e, em regra, ficamos satisfeitos sempre que
um deles é identificado, mesmo que não seja responsabilizado. Por vezes,
chegamos a ter inveja desses "novos heróis"...
Esta abordagem oculta, no
entanto, uma realidade mais sinistra: a "malfeitoria" pressupõe um
atentado contra a "feitoria", em que o "feitor" lesa a
propriedade pública...
Em Portugal, os
feitores apropriam-se dos bens públicos, organizando-se para o efeito, em
redes de banqueiros, de procuradores, de juízes, de funcionários, de
autarcas, de construtores civis, médicos, farmacêuticos...
Quando olhamos
para o governo, para os partidos, para os sindicatos, para as
associações, para as corporações, vemos que a sua constituição reflete as
tribos transversais que se vão constituindo na sociedade portuguesa...
Por exemplo, esperar-se
que o governo fosse um órgão solidário com o objetivo de servir o país,
mas a sua constituição reflete a existência de vários tribos ao serviço
de interesses divergentes...
25.7.13
Sob um tempo abafado e
certo desapontamento, há quem só pense em férias, indiferente ao que,
entretanto, vai acontecendo.
Há dias, um ex-ministro
socialista pedia ao governo que acalmasse e nos deixasse ir de férias. Achei o
pedido estranho porque estava convencido de que aquele ilustre sociólogo
estivesse de férias desde 2011 e, por outro lado, custou-me ouvi-lo falar de ir a
banhos como se essa possibilidade não tivesse sido cortada a muitas
centenas de milhares de portugueses.
Este tempo húmido talvez
justifique a morosidade e a perversão das decisões, mas só sinto
desapontamento ao observar a ação política: o ministro crato continua a sua
cruzada contra os professores; o primeiro-ministro escolhe para o seu governo
homens e mulheres comprometidos com decisões prejudiciais ao interesse público;
o vice-primeiro, em vez de se ocupar da reforma do estado, refunda-se a si
próprio...
Hoje, ao passar
quase duas horas na PT, no Parque das Nações, à espera que me resolvessem um
pequeno problema, tive oportunidade de tomar conhecimento de um expediente
que nunca me passara pela cabeça. Lá para os lados da Amadora, há mais de
10 anos, alguém imaginou uma (?) declaração, em que dois
proprietários prometiam ceder um terço dos lucros de investimentos urbanísticos
a um beneficiário cujo nome não constava no documento, ou, afinal, constava de
forma "encriptada": O nome da pessoa que, não sendo sócia da empresa,
iria alegadamente ter direito a 33% dos lucros está lá invisível, isto é, os
caracteres do nome tinham sido escritos em letra branca, razão pela qual eram
indecifráveis na folha da mesma cor. Foi preciso alterar a cor de letra do
ficheiro para descobrir que afinal havia um visado naquele documento... (fonte:
jornal i, 25 julho 2013)
No próximo ano letivo,
irei estar mais atento às folhas em branco não vá algum raposão mudar a cor à
letra...
24.7.13
No ministério da
educação, à medida que se despreza ou mercantiliza a formação, cresce o crivo
avaliativo.
Entregue
a departamentos universitários sem recursos e, sobretudo, vivendo longe do
terreno, a formação inicial dos mestrandos de Bolonha acaba por enganar os
candidatos ao ensino, atirando-os para a precariedade. Apesar disso, em
regra, os que conseguem uma colocação como contratados cumprem com
zelo e submetem-se, anualmente, à avaliação interna, revelando empenho e
profissionalismo. É-lhes, no entanto, proibido candidatarem-se à avaliação
externa.
Todas as equipas
ministeriais têm recorrido ao crivo avaliativo para atingir objetivos que não
prezam a melhoria da qualidade de ensino, nem a redução do insucesso
escolar. Apesar dos recursos mobilizados em tecnologia e em formação de
formadores de curta duração, a realidade mostra que o crivo avaliativo só
serve para nivelar por baixo, para desclassificar profissionalmente, para
excluir e, sobretudo, para impedir a progressão dos docentes, humilhando-os com
tarefas inúteis, e reduzindo-lhes o vencimento...
Na vida de um docente,
milhares e milhares de horas são gastas, por imposição do ministério, em
atividades não letivas. Curiosamente, ninguém estranha tanta hora não letiva!
Tanto desperdício! Basta ler o LAL 2013-2014 para perceber a ineficácia do
sistema educativo...
Agora, chegados a Julho,
o ministério ameaça com exames em Janeiro, elaborados pelo GAVE (será IAVE?). E
as vítimas serão, de início, os candidatos ao ensino, mesmo se formalmente
diplomados e considerados aptos para a profissão, e os contratados. Mais tarde,
será a vez de avaliar os empurrados para a mobilidade.
Entretanto, as escolas
superiores de educação, os institutos politécnicos, as universidades com ou sem
via de ensino vão ficando para trás. Porquê? Será para desmantelar o
que resta das orientações do professor Mariano Gago?
Em Portugal, há quem diga
que a culpa é do sistema! Mas, em Portugal, não há sistema! Em Portugal,
vive-se em permanente ocupação. É o chega para lá!
23.7.13
Não sei se o ribatejano
José Saramago algum dia se terá postado ante portas do senhor
Mário Dias dos Ramos (Maia,1935), mas a leitura da crónica "O
potencial ditador" publicada pelo jornal i (23 Julho
2013) deixou-me a pensar que o filho da Azinhaga (Golegã) mais não seria
que um desses bárbaros modernos assim enxovalhado por uma serôdia cruzada
cultural, em nome da civilidade...
É, pois, em nome da
civilidade que o senhor Mário Dias dos Ramos se atreve a comparar o realizador
Manuel de Oliveira com o escritor José Saramago, embora me pareça que, no
essencial, os argumentos favoráveis ou desfavoráveis não se dirigem à obra
realizada, mas, sim, ad hominem.
No caso de Manuel de
Oliveira, este é retratado como um aristocrata simples e humilde, de
renome mundial. Quanto ao «jubilado pelo Nobel», o colorido é bem
diferente: trata-se de «um homenzinho insignificante com cara de
lobisomem e de poucos amigos, a quem a glória subiu à cabeça».
E não posso deixar de
citar um parágrafo bem revelador da natureza de quem se viu excluído do círculo
de Saramago: «O contraste entre o homem bom e simples que, no cinema, tem
sabido retratar, implacavelmente, esta sociedade agridoce que somos todos nós,
e o homem que jamais pôde fugir a si próprio, ao seu destino duro, arrogante,
impante de sobranceria, irritabilidade e agressividade, aquele ar persecutório
de inquisidor-mor do mundo e dos homens.»
Se entendi bem o
pensamento do cronista, ao citar, de forma descontextualizada,
Saramago -«em cada democrata existe um potencial ditador»
- o despotismo faz parte da natureza dos bárbaros, dos plebeus... e só
preocupa, só suscita medo quando se aproxima demasiado da porta dos
aristocratas...
Apesar de tudo, quero
acreditar que este enxovalho nada terá a ver com Manuel de Oliveira e, também,
quero acreditar que o diretor do i, senhor
Eduardo Oliveira e Silva, não terá estado atento à composição da página
13, à relação subliminar entre texto e foto.
22.7.13
Podemos olhar de frente e não ver o problema.
Podemos querer uma solução sem ver que o problema tem muitas incógnitas.
Podemos olhar para as incógnitas e não ver a rede que as suporta.
Podemos destruir a rede e não ver a solução.
Até agora, embora conheçamos o problema e a rede que o
gera, ainda não encontrámos a solução, porque nós somos uma das
incógnitas.
Somos parte da rede!
No discurso do portuguesinho, a fonte do problema é
sempre o outro, o maldito!
Fotografar exige o olhar,
mas olhar não é ver. No fotografar, o instantâneo é um disparo. (Fonte:
Erich Fromm, The Anatomy of Human Destructiveness, 1974)
Nestes últimos dias, só
disparei uma vez! Fixei-me na curva apertada que abre para o horizonte sadino.
Quando olhei, procurei a linha de água e o resto da muralha do castelo, e a
maior parte dos indicadores desprenderam-se dos olhos, talvez, para que mais
tarde eu pudesse analisar cada um deles. E com tempo, porque sem ele não é
possível destrinçar os elementos, observar-lhe a posição, a cor, o volume:
devolver-lhe o espaço engolido pela pressa.
Ver exige paciência,
concentração, interesse, abertura interior. Ora, antes de disparar, gastei umas
tantas horas a classificar provas de exame, para concluir que poucos são os
alunos que veem. Basta relembrar que encontrei cavaleiros medievais,
sentados em esplanadas de café, a contemplar ociosas donzelas que passavam sem
lhes dar atenção, ou que no conto “A Importância da Risca do Cabelo”, de
José Rodrigues Miguéis ninguém identificou um pingo de IRONIA ao retratar
o Mansinho. Repito: o Mansinho!
Na verdade, o mais fácil
é disparar!
21.7.13
De nada serviu Cavaco ter
subido ao planalto da Selvagem! Moisés subira à montanha e trouxera as tábuas
da lei que durante séculos orientaram o povo hebraico. Cavaco não só não
trouxe nova lei como não conseguiu sequer caçar novo coelho!
Hoje, ao 9º minuto da sua
preleção, voltou a servir-nos coelho requentado.
Consta, entretanto, que a
crise custou 6 milhões de euros. Gosto da precisão, mas não entendo como é que,
sendo tão rigorosos, não conseguimos identificar os fautores e
responsabilizá-los.
(...)
Neste fim de semana, no
que me diz respeito, ocupei o tempo de crise, como muitos outros professores, a
classificar provas de exame, sem esperar qualquer gratificação. Já lá vai o
tempo!
E claro, estive atento ao
comentário do diretor do GAVE que, sem pudor, atacou a Associação de
Professores de Geografia, acusando-a de esgrimir argumentos sem o «mínimo de
rigor», porque esta pusera em causa a formulação de vários itens da prova da 1ª
fase. O douto diretor, em vez de mandar analisar os ditos itens, disparou
contra os alunos, pois, nos últimos anos, de acordo com a análise estatística
(a safada!), estes continuam a mostrar dificuldades «na leitura
inferencial, na capacidade de escrita, em particular na capacidade para a
produção de discursos estruturados, coerentes...»
Onde é que já vimos este
argumento? O senhor diretor já deveria ter compreendido que o problema não
é de natureza geográfica. Apesar de transversal, a escrita, nas atuais
condições, acaba por ser diminuída nas aulas de Português, nos testes de Português, nos
exames de Português...
Chegados aqui, o problema
já não pode ser resolvido pelo diretor do GAVE. Compete ao Ministro da Educação
ordenar um inquérito aos exames nacionais e tirar as devidas ilações...
20.7.13
Escrever um pouco mais,
mas para quê? As epístolas só interessam a anacoretas! As cartas não resistem à
busca absoluta e volátil de sensações... a poesia nem digestivo consegue
ser! E quando a arte morre, o romance espera a sua vez: abre-se o
contentor e, sem aviso, lá vai lixo, em bruto!
Claro que ainda sobram
uns tantos vagabundos de sensações, mas estes não trocam o
esgotamento pelo portátil...
É como se o presente
fosse apenas duração: O presidente dirige-se ao país amanhã! E
porque não hoje? Ficamos à espera da palavra redentora que já sabemos que não
existe... em vez da epístola sagrada, da carta de amor ou de desagravo, do ópio
da poesia, da plasticidade romanesca, suspensos, estamos à espera de
que o presidente puxe a cavilha à granada.
Poder-se-ia escrever
sobre a causa da crise, mas ninguém quer assumir a
responsabilidade, porém ela é de todos!
E se alguém escreve e eu
não o confesso, não é porque queira faltar à verdade, nem porque Deus
tenha deixado de contar comigo para seu porta-voz, mas porque me afastei para
longe das cartas que circulam um pouco por toda a parte a confessar a culpa alheia.
Entretanto, vou esperar pelo próximo prefácio do presidente para saber se,
afinal, a culpa da crise é, apenas, minha.
PS. Decidi mudar o título
"Um presidente sem presente" porque o presidente tem presente,
nós é que não. Na verdade, o presidente subiu ao planalto da Selvagem para se
distanciar de nós, para se ausentar de nós. Quando o presidente se nos dirige é
da "ilha afortunada" onde passou a viver, apesar do tom plangente, de
facto, distante...
19.7.13
Já várias vezes, aqui,
referi que os tempos são de incerteza e que por isso ela tornou-se um lugar-comum.
Por outro lado, também, aqui, escrevi, que, desde 2011, o Governo vem
espalhando a incerteza sem que tal sementeira o incomode por aí além. Pelo
contrário, o medo resultante da incerteza tornou-se numa forma cómoda de
domesticar a revolta.
Entretanto, o inefável
Passos Coelho vem agora acusar o presidente da república de atiçar a incerteza
ao anunciar eleições legislativas a partir de junho de 2014. Num improviso
néscio, Passos consegue mesmo afirmar que não há nada mais incerto do
que o resultado de umas eleições...
O argumento mostra como o
senhor primeiro-ministro não sabe qual é o efeito de não encontrar emprego, de
perder o emprego, não sabe qual é o efeito do desmantelamento das poucas
certezas que restavam aos aposentados, reformados e pensionistas, aos funcionários
públicos e trabalhadores em geral.
18.7.13
No tempo pós-moderno, o
conceito "insuficiência" serve para albergar uma grande variedade de
medos. Deixando de parte a enumeração desses medos, vale a pena, no entanto,
pensar nas causas desse estado de insuficiência em que vamos mergulhando.
Na minha opinião, a causa
primeira está no tipo de homem que hoje nos governa e que me atrevo a designar
como homem de plástico.
Como material, o plástico
pode, de forma mais económica, substituir todos os outros materiais, mas revela
um enorme defeito, é altamente nocivo, pois a sua lenta dissolução só traz
prejuízo. Por outro lado, no interior do plástico esconde-se o vazio,
o isolamento, o medo, o que lhe traz uma falsa segurança, uma falsa
certeza...
Hoje, ouvi vários
políticos de renome, alguns já insuflados, colocarem os interesses dos partidos
à frente do bem comum. E fiquei a pensar se a matéria de que eram feitos os
fundadores da democracia não terá sida enxertada com algum garfo de plástico.
17.7.13
Nos nossos círculos, não
faltam pessoas a quem é negada a possibilidade de ganhar um euro por dia! Um
euro por dia!
Entretanto, há quem diga
que o presidente da república vai gastar 150.000 euros na deslocação às
Selvagens. 150.000€ por um dia e meio!
Por outro lado, consta
que, amanhã, os diretores das escolas públicas deste país vão deslocar-se
a Torres Novas para visionarem um power point sobre a
organização do próximo ano letivo. Quanto custará este evento ao erário
público? Será que não é possível enviar o «power point» por correio
eletrónico?
Nos nossos círculos, já
deixou de fazer sentido debater o corte de 4800 milhões de euros, pois, a cada
dia que passa, o desperdício cresce. Basta observar os mercedes que circulam
entre as sedes partidárias a procurar acordo sobre o modo como implementar
o corte de 4800 milhões de euros imposto pela Troika, e não pelo PSD ou pelo
CDS.
E de nada serve ao PS
acusar a coligação de querer impor o corte, pois a culpa é, em primeiro lugar,
"socialista"...
E quanto ao corte, não
creio que seja difícil fazê-lo. Basta que os governantes prescindam de férias,
de ajudas de custo, de automóveis topo de gama, de deslocações
desnecessárias, das frívolas comodidades, e passem a utilizar os escassos
recursos com parcimónia.
Se houvesse um sinal, o
caminho seria menos difícil e menos demorado!
16.7.13
Exame
de Português: "O país sonhado" por D. Miguel Forjaz
Em nome do ARDOR
PATRIÓTICO, «ameaçado pelos inimigos de dentro», D. Miguel quer «os sinos das
aldeias a tocar a rebate, os tambores em fanfarra, nas paradas dos quartéis, os
frades aos gritos nos púlpitos, uma bandeira na mão de cada aldeão.»
Para o «consciencioso
governador do reino»: «Portugueses: A hora não é para contemplações!
Sacrifiquemos tudo, mesmo as nossas consciências, no altar da Pátria.»
E na perspetiva de Miguel
Forjaz, o país atingirá o clímax quando «Lisboa (...) cheirar toda a noite
a carne assada (...) e o cheiro ficar na memória durante muito anos (...) Felizmente
há luar...
Sempre que pensarmos em
discutir as ordens dos conscienciosos governadores, lembrar-nos-emos do cheiro
da carne do General...
Infelizmente, há
sonhadores que transformam a nossa vida num pesadelo!
15.7.13
Os tempos são de
incerteza! Os dispositivos de controlo vêm sendo desmantelados um a um e
substituídos pela crença de que a certeza poderá regressar, apesar
da capacidade para repor ou aniquilar a certeza ter origem
externa.
Nos últimos dias, o
presidente da república, em nome do interesse externo, voltou-se para o arco da
governação e exigiu acordo sobre "três pilares". O edifício
pareceu-me coxo! Sempre ouvira falar dos 4 doutores latinos da Igreja e
até dos 4 doutores gregos da Igreja. E mais recentemente, lembro-me que, na
China, "o bando dos 4" teve um papel importante na radicalização do
maoísmo, espalhando, no entanto, a incerteza.
A ideia de construir um
acordo sobre um tripé é certamente uma forma de dar expressão à incerteza. Mas
tudo isto só pode resultar do contágio dos três pilares que constituem a Troika
que, como todos sabemos, se encarregou de destruir todas as nossas certezas.
Curiosamente, a
"incerteza", com as suas quatro sílabas é muito mais sólida, mais
românica do que a gótica "certeza".
Entretanto, o nosso
presidente da república, nestes tempos de incerteza, vai acompanhar uma missão
científica, em pleno Atlântico, regressando na sexta-feira com a
certeza de que, afinal, lhe faltava o pilar da lucidez. Se tal tiver
acontecido, em vez de marcar eleições legislativas, anunciará eleições
presidenciais. E já para setembro!
13.7.13
Os
resultados dos exames nacionais
Os resultados dos exames
nacionais são medíocres e só podem espantar quem anda distraído do
desmantelamento a que o sistema educativo tem sido submetido.
a) O GAVE iniciou, na
última década, um processo de condicionamento da metodologia de ensino
cujo resultado mais evidente é a regulação do raciocínio com a
inevitável eliminação da criatividade: professores e manuais submetem-se
incondicionalmente à formatação do avaliador. Por exemplo, para que é que
servem os Testes intermédios? No entendimento do GAVE, o sucesso
escolar depende do treino, sem perceber que este não é suficiente para
resolver problemas surgidos em novas situações...
b) Na mesma linha, o
Ministro da Educação aposta no reforço da carga letiva, com o claro
objetivo de dar mais tempo de treino aos alunos. Por exemplo, qual foi o efeito
da atribuição de mais 45 minutos à disciplina de Português no presente ano
letivo? A média nacional, para além de ser negativa, ainda baixou!
c) Quando se analisa com
seriedade o problema, é bem visível que a formação e a atualização dos
professores sofreram um sério revés nos últimos anos. A maior parte da formação
disponível não passa de um negócio que os professores estão obrigados a pagar
em troca de uns míseros créditos que não servem para coisa nenhuma.
d) A mudança dos modelos
de avaliação dos docentes, em nome de uma melhoria da qualidade da prática
letiva, resulta mais da necessidade de dar ocupação a novas clientelas
partidárias geradas nas universidades privadas do que de uma verdadeira estratégia para
melhorar a qualidade do ensino. Enquanto os novos "doutores" não se
instalam na engrenagem, o MEC força os professores a desempenharem tarefas de
avaliação interna e externa para as quais não têm formação. A atribuição da
coordenação da avaliação docente simultaneamente a diretores de escolas e
a coordenadores de centros de formação em nada contribui para a uniformização
de procedimentos, sem falar na DGAE que nem uma base de dados consegue
incrementar para gerir todo o processo.
e) É bom de ver que, no
que fica dito, há um conjunto de fatores de dispersão incompatíveis com a
gestão de 4 ou 5 turmas, a 28/30 alunos. E não é apenas o MEC que gera
dispersão, o Plano Anual de Atividades é, em muitas
escolas, obstáculo ao sucesso do ensino e da aprendizagem.
f) A aposta na
aposentação precoce de milhares de professores, para além de os enganar
pois lhes frusta as expetativas de vida mais ou menos desafogada, provoca uma
verdadeira "descapitalização docente" nas escolas. A experiência
de muitos anos e a disponibilidade (art. º79) permitiam recuperar muitos alunos
que, de outro modo, estavam condenados ao insucesso.
g) Na verdade, desde
2005, os sucessivos governos, ao contrário do que proclamavam, apostaram: na
degradação da imagem do professor junto da opinião pública; na degradação
salarial, porque, para além de congelarem as progressões, submeteram os
vencimentos a sucessivos cortes; na degradação do mérito e da
experiência... Por outro lado, a política de agregação e de agrupamento de
escolas trouxe maior dispersão e, sobretudo, maior animosidade entre
docentes, funcionários, alunos, pais e encarregados de educação...
h) Portanto, desta
vez, o insucesso não deve ser atribuído, em primeiro lugar, aos alunos,
pois a causa está do lado da política educativa ou da falta
dela.
12.7.13
As cobras podem mudar de
pele de dois em dois meses. Se a cobra estiver ferida poderá acelerar essa
mudança para reparar os "danos".
O discurso
político surge de tal modo repleto de contradições, de
inverdades e/ou mentiras, de palhaços sem máscara, de lapsos,
redundantemente, involuntários, de zangas de ocasião que ficamos sem saber se o
locutor de hoje ainda é o mesmo ontem.
Ao contrário do que se
possa pensar, apesar do tempo ser de empobrecimento, chegou a
vez da classe política ser pós-moderna, abrindo mão da construção da
identidade pessoal, da identidade nacional e transnacional.
Esta opção tem efeitos
desestruturantes que desmantelam os indivíduos, as famílias, as nações... Por
isso é fácil encontrar quem não se importe que ponham a causa a sua reputação -
Paulo Portas, exemplo do momento.
Ora quem proclama
que não se importa de hipotecar a sua reputação é quem procura livrar-se da
respetiva identidade, pois a pedra de toque da vida pós-moderna não
é a construção da identidade, mas a prevenção da fixação. (Zygmunt
Bauman)
O político da moda mais
não faz do que imitar a cobra ao desfazer-se da pele. Só que ele não procura
sarar os "danos", porque ele tem horror à fixação que o espelho
insiste em devolver-lhe... Espelho meu, haverá alguém mais horrendo
do que eu?
11.7.13
I - Consta que a média
nacional do exame de Literatura Portuguesa foi 10,5. Os meus alunos, pouco
vocacionados para a Leitura e, consequentemente, para a
Literatura, obtiveram uma média de 11,95. Pode parecer um bom resultado,
mas, para mim, é um indicador de mediocridade e que legitima a decisão de não
voltar a lecionar esta disciplina no ensino secundário.
E se este argumento não
fosse suficiente, acabo de encontrar dois outros que, talvez, justifiquem
o desencanto dos jovens desenraizados: «O tempo já não é um rio, mas uma
coleção de pântanos e tanques de água.» E esta ideia é suportada por
uma reflexão de George Steiner sobre os valores a admirar e a visar
ativamente num mundo em que se procura «o impacto máximo e a
obsolescência imediata.»
A Literatura é uma forma
de enraizamento, de perenidade, de identidade, e não subsiste sem a
duração, sem a história da duração, sem o rio em que a avezinha se
despenha para ser arrastada para a foz ou alapada nalgum
escolho.
Perante isto, tomo,
agora, consciência de que se quisesse continuar a ensinar Literatura
teria de passar a visitar os pântanos, ciente de que a experiência seria
nauseabunda, embora passageira, pois essa visita estaria condicionada por um
mecanismo que a tornaria anacrónica, disfórica e inútil.
II - Andando o ministro
da educação tão preocupado com as disciplinas estruturantes, como é que se
explica que a média nacional da disciplina de Português (12º ano) tenha
baixado precisamente no ano em que a carga horária foi aumentada em 45 minutos?
10.7.13
Num
estado democrático sitiado
Em 5 de Julho de
2013 escrevi: «Insisto que de nada serve viver no «mundo dos
acontecimentos ocorridos». O tom era de crítica a quem permanentemente se
alimenta do passado. O que eu não esperava era que o presidente da república se
dispusesse a aceitar essa ideia.
Hoje, na sua comunicação
à nação, o professor Cavaco nada disse sobre as causas e os efeitos da
desagregação da coligação, das manobras de Gaspar, de Passos e de Portas.
Limitou-se a referir a legitimidade da coligação para nos governar, não
interessa se bem se mal, até Junho de 2014.
Em tom magistral,
Cavaco falou do futuro, e fê-lo em tais termos que, a partir de agora,
ficamos reduzidos a um bloco central de três partidos. Os restantes podem ir de
férias... E quanto ao PS, ou Seguro revoga as suas exigências de dissolução
imediata ou vem dizer-nos que, afinal, era em Junho de 2014 que pensava quando
pedia eleições antecipadas...
Vivemos, assim, num
estado democrático sitiado. E quando o presidente marcar as eleições, o melhor
é a nação faltar à chamada...
Só não entendo por que
motivo, o presidente levou tanto tempo a iluminar-nos o futuro, se já há muito
o tinham desenhado - ele e os seus amigos da troika e da sociedade lusa de
negócios.
9.7.13
Dizem os peritos que a
canícula baixa a produtividade em 9%. Num país onde não há trabalho e,
tradicionalmente, a vontade de trabalhar é reduzida, este calor abrasivo é
mais um impedimento ao cumprimento do memorando assinado com a troika.
Curiosamente, o FMI veio
dizer que o dia em que sair da Troika será de grande felicidade. Será que a
culpa também é da canícula e consequente baixa de produtividade? No que me diz
respeito, não me falta trabalho. Falta-me, sim, a remuneração
correspondente!
O meu patrão entende
que simultaneamente posso ser avaliador interno, avaliador
externo, coordenador de departamento, membro do conselho pedagógico, membro da
SAD, professor na sala de aula, em casa, virtual, organizador
de visitas de estudo, classificador de provas, formando, relator
... e gastar horas e horas em reuniões, em deslocações, em
balanços, a construir ferramentas múltiplas...
O meu patrão entende que
devo estar sempre disponível... e que, mesmo assim, essa minha disponibilidade
não preenche as 40 horas semanais... Por vezes, o meu patrão ainda me olha de
viés porque não digo que sim a todos os devaneios que lhe passam pela cabeça:
cada escola um projeto educativo, cada escola um plano anual de atividades,
cada escola um regulamento interno, cada escola um contrato de
autonomia, cada ano um plano, cada turma um plano... E há
ainda heterónimos do patrão que inventam novos projetos que se
sobrepõem aos anteriores a que devo dar o meu contributo, isto é, o meu
tempo...
Ora, no dia que passa, ao
serviço do patrão, já fui à escola Marquesa de Alorna, à escola secundária de
Camões e à escola Padre António Vieira. Sempre em transporte público sem ar
condicionado, deixado à sorte na paragem sob um calor abrasador...
E ao olhar para
trás, embora não veja o patrão, veja um número interminável de tarefas a que
terei de dar seguimento célere, porque o patrão se está nas tintas para a
canícula e para o empregado.
E depois, assim como quem
não quer a coisa, o patrão, que ignora olimpicamente as condições de trabalho,
ainda tem o topete de me considerar um privilegiado e deixar que a
opinião pública me acuse de viver num regime de exceção.
Se o patrão tem ao
seu serviço trabalhadores que não trabalham há mais de vinte anos,
trabalhadores foragidos, trabalhadores madraços, então, despeça-os, e, não
me obrigue, a distribuir-lhes serviço, conhecendo de antemão o prejuízo,
e, sobretudo, forçando "horários-zero", antecâmera da famigerada
mobilidade de pessoas que, se não trabalham 40 horas, é porque o patrão prefere
olhar para o lado.
8.7.13
Pode-se trabalhar um dia
inteiro e chegar ao fim do dia com a noção de que o esforço
despendido foi inútil. E as causas dessa inutilidade são as de
sempre: desorganização, desaproveitamento e desperdício de recursos,
megalomania e irrealismo, vitimização e narcisismo, faciosismo e
verborreia, propaganda e manipulação...
Num mundo de regresso à
luta pela sobrevivência, estes comportamentos são indicadores de que a
luta pela qualidade de vida, pelo bem-estar, foi lançada em bases erradas.
Ora, presentemente,
habituados à sociedade do bem-estar, deixámos de nos interrogar sobre a nossa
responsabilidade no agravamento da precariedade...
Preferimos alienar essa
responsabilidade, atirando-a para os ombros de um outro, cuja função é resolver
cada um dos nossos problemas ou assumir cada um dos nossos erros.
Acontece que este outro
mais não é do que um feitiço cujos poderes são convocados por cada uma das
tribos que se vão multiplicando um pouco por toda a parte.
Estou cansado dos
tribalistas e dos seus feitiços!
7.7.13
Nesta rua, o calor seca
as esplanadas, os restaurantes perdem o vigor; o vento deixou de soprar… Uma
cor refulge, no entanto, a lembrar que a importação pode alegrar o olhar, mas
acaba por destruir a genuinidade.
Deslumbrados com as
soluções externas, perdemos o vigor e a cor, e deixamos que o calor nos seque
as fontes…
6.7.13
Há dois anos,
Sócrates, tendo ao lado Teixeira dos Santos em
constrangido silêncio, anunciava que deixara de ter condições para
governar...
Hoje, Passos Coelho,
tendo ao lado Paulo Portas em constrangido silêncio, anuncia que volta a ter
condições para governar...
Apesar da esperança do
último tandem, a imagem não engana: a vitória será efémera, mesmo que, nos
próximos dias, o presidente da república lhes estenda a passadeira laranja...
O mais grave é que a cena
repete-se há uma década e já nos habituámos a viver assim, não percebendo que
cada desistência, que cada demissão, que cada fuga, que cada cambalhota
arruínam irremediavelmente o país.
E este laxismo vai
alastrando. Na hora de legitimar a solução, o presidente da
república atrasa-a...
5.7.13
Apesar do tema interessar
a pouca gente, insisto que de nada serve viver no «mundo dos acontecimentos
ocorridos». O sucesso dos folhetins (das narrativas em geral) resulta de um
acerto e/ou branqueamento de contas desnecessário.
Ultimamente, a
narrativa política, sob a forma epistolar, radiofónica e televisiva, passou a
estar na moda. De repente, todos sentem necessidade de reescrever a
História para que ela, de tão desacreditada, não se esqueça deles.
E esta tendência para nos
deixarmos prender "aos acontecimentos passados" (M.
Bakhtine) resulta de uma má gestão do tempo pessoal e político.
Acabo de ouvir que os
partidos da coligação já entregaram ao presidente da república a solução
para os problemas que até há dias não queriam enfrentar ou que preferiam
adiar. Em princípio essa solução só pode estar orientada para o futuro e,
em particular, para o atalhar da penalização que nos é aplicada pelos
mercados... Em termos de presente e de futuro, o que deveria estar a acontecer
era a remodelação do governo, com a tomada de posse dos novos ministros ou, em
alternativa, a dissolução da assembleia da república...
Mas não! Amanhã, os
partidos irão a banhos de manhã e ao fim da tarde dirigir-se-ão à nação. Para
quê? Para nos apresentar a narrativa dos "acontecimentos passados",
para justificarem o injustificável. Quanto ao presidente da república, esse vai
esperar por 3ª feira para ouvir de viva-voz a narrativa dos partidos...
Como já referi noutros
"exercícios", a classe política tem uma perceção do tempo
completamente desfocada e quando isso acontece a ação política torna-se
criminosa. Parafraseando um ex-político: «Tenham paciência, a política é a
política!»
4.7.13
Nestes últimos
dias, a gestão do tempo político revelou-se completamente inadequada
à realidade dos mercados, isto é, ao tempo da especulação financeira.
Qualquer hesitação dos
agentes políticos é, de imediato, aproveitada nas bolsas, deitando a
perder o duro trabalho de empreendedores e trabalhadores.
A decisão não se
compadece com delongas; ela exige clareza, concertação e celeridade.
Em Portugal, a resolução
da crise não obedece a nenhum destes critérios: o primeiro-ministro coloca uma
"fórmula" de solução nas mãos do presidente da república, à 5ª
feira, sabendo que, na 6ª feira, os mercados não perdoarão a falta de
clarificação; o presidente vai reunir com os partidos na próxima semana,
sabendo que os mercados continuarão a abrir na ignorância da falta de
concertação...
Num estado moderno, a
decisão política não pode estar à espera da realização de um congresso
partidário!
Estes políticos, todos,
vivem num tempo anterior à queda do Muro de Berlim!
3.7.13
Em termos semânticos, o
título deste "post" coloca-me algumas dúvidas.
Em primeiro lugar, o
termo "classe" não designa adequadamente o conjunto de indivíduos
que, supostamente, se ocupam do destino do país. Provavelmente, o termo
"bando" cumpriria melhor a função. Em seguida, aplicar o adjetivo
"política" a este conjunto de indivíduos não faz sentido, já
que estes apenas se ocupam de interesses individuais, familiares, tribais,
partidários; o país é o terreno onde caçam, saqueiam...
Historicamente, Abril
soçobrou na construção de uma classe política responsável ou, pelo menos,
deixámos que, aos poucos, ela se fosse desmantelando, de modo a permitir o
aniquilamento inequívoco do estado democrático.
Sem classe
política responsável não há democracia e, também, não há democracia na
rua.
Aquilo a que se assiste
é a um enquistamento de posições à cabeceira de um povo moribundo, quando
se esperaria uma conjugação imediata de esforços para evitar a queda no
abismo.
Entretanto, os abutres já
estão a postos!
2.7.13
«O reino do
inter-humano excede em muito o da simpatia... A única coisa que importa é que,
para cada um dos dois homens, o outro aconteça como outro particular, que cada
um deles se torne consciente do outro e assim entre em relação com ele de tal
modo que o não olhe nem use como seu objeto, mas seu parceiro num acontecimento
vivo...» Martin Buber, The Knowledge of Man: Selected
Essays (1965)
Ontem e hoje, a
factologia política trouxe uma imagem do reino inter-humano totalmente
contrária à defendida por Martin Buber - cada um dos protagonistas vê o outro
como «seu objeto». E só essa visão objetificadora do outro nos pode
justificar o estado de desnorte a que estamos a ser conduzidos.
Infelizmente, em
Portugal, apesar de se discutir diariamente a formação
académica, de se defender a avaliação de todo o tipo de instrução, descura-se
a educação.
Sem educação, não há
parceiros! E também é por isso que a política de austeridade não consegue
resolver qualquer problema...
A resistência à
objetificação é de tal modo frágil que um primeiro-ministro
decide publicamente "sequestrar" o chefe do parceiro de coligação sem
que se assista a uma revolta imediata do partido ofendido.
1.7.13
- Chegou o tempo das cigarras! Com a
queda de Gaspar, não há quem queira faltar às exéquias da formiga que tudo
fez para nos espoliar ao serviço dos banqueiros internos e da troika.
Creio, no entanto, que, a partir de 15 de Julho, não haverá mais espaço
para cigarras.
- Nem eu sei por que motivo ainda fixo
o nome de certos fantoches, sobretudo, quando, ao lidar com turmas de
27 alunos, tenho dificuldade em distinguir todos aqueles jovens que
esperam que eu saiba reconhecer e premiar o respetivo esforço. Há quem
diga que a memória é seletiva, capaz de privilegiar os afetos, as paixões...,
todavia, no meu caso, a seleção parece ser de tipo masoquista...
- Dando expressão a um ato ilocutório
compromissivo, prometo que, em nome da saúde mental, me irei abster de
nomear certos fantoches...
30.6.13
A
coexistência declarada num estado amordaçado
«Há uma
coexistência declarada na manifestação de protesto (...)
- uma forma de coexistência que assume a instrumentalidade como uma
máscara: a razão exterior invocada só como pretexto ou apelo à comparência é
necessária, uma vez que esta forma de coexistência é o seu próprio objetivo e
fim principal. Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada (1995)
Só num
Estado amordaçado é possível cercar uma manifestação de protesto sob
o pretexto da razão exterior, do toque a reunir. Cercear um apelo à
coexistência é não entender a necessidade de combater a política que isola
o indivíduo, lhe corta os laços que o podem dignificar, tornando-o
essencial ao bem comum.
O grupo é a
expressão ativa da soma das vontades individuais de coexistência. Num
Estado amordaçado, a alternativa à coexistência declarada é a ação
direta - a anarquia.
Dentro de dias, iremos
ficar a saber até onde este Estado quer chegar: se aceita a
coexistência declarada ou se prefere o gesto anárquico.
No tribunal decidir-se-á
quão próximos ou distantes estaremos da solução fascista.
29.6.13
Peniche,
caminho sobre o pontão
Caminho sobre o pontão,
e, durante alguns minutos, penso que não terei de voltar para trás e,
sobretudo, penso que já escrevi que não posso regredir.
Mas não é verdade!
Esgotado o betão, e não me atrevendo a lançar-me à água, olho o azul do mar dos
evadidos Álvaro Cunhal e camaradas, e regresso sobre mim, contrariado, pois
pressinto a traição da caminhada: um cansaço indizível apodera-se de mim e as
palavras enredam-se esverdeadas num cercado abandonado…
28.6.13
O mais fácil é remeter-me
ao silêncio, engolir em seco, emudecer. No entanto, a luta pela sobrevivência
exige que nos enraizemos nas areias movediças e que sigamos em frente.
Se os espinhos surgem no
caminho é porque a esterilidade do solo assim o determina. Ao ouvir certos
governantes, parece que os rebeldes germinam maleficamente de per si, e que bastará
cercá-los durante horas, conduzi-los ao campus justitiae para que,
humilhados, desistam de lutar pela sua própria vida.
Os transportes aéreos e
terrestres podem ser paralisados durante dias; os hospitais podem deixar os
doentes à porta e as cirurgias podem ser adiadas; os estivadores podem
suspender o movimento de carga e descarga durante meses; os banqueiros podem
deixar ocupar os seus próprios bancos por todo o tipo de escrocs;
os governantes podem despudoradamente servir interesses ocultos…
…todas estas ações estão
legitimadas, independentemente dos prejuízos…
…só três centenas de
manifestantes não têm o direito a fazer um corte temporário de estrada se esse
era, de verdade, o seu objetivo.
A igualdade é, afinal,
bem desigual!
27.6.13
«De maneira que
Rossélio não se admirou quando percebeu que nunca alcançariam o Maria
Speranza, nem Shandenoor, nem regressariam a Carvangel, e também não se
importou.» Mário de Carvalho, O Varandim seguido de Ocaso
em Carvangel, 2012
N'O Varandim,
o espaço fechado é arrasado pela dinamite anarquista depois de uma
longa disputa sobre como assegurar o melhor lugar para assistir ao
enforcamento de alguns relapsos. O acontecimento leva a uma longa transformação
da casa fronteira - ao negócio das vaidades sociais...
Em Carvangel,
a sociedade move-se em torno de um desmesurado canhão e
na obrigatoriedade de embarcar no Maria Speranza, não
como imposição, mas como desejo coletivo ou, talvez, inevitabilidade.
À medida que a narrativa
avança, a neologia cresce designando espaços e até iguarias
fictícias; as próprias personagens mais não são do que reflexos ou
complementos... Rossélio, sem nunca se adaptar aos jogos locais, acaba por
abdicar do sentido dos atos e das coisas, percebendo, todavia, que de nada
serve procurar saída ou tentar regressar.
Já nem os anarquistas
conseguem combater o estado concentracionário!
26.6.13
Ainda decorre a
entrevista ao ex-ministro das finanças, Teixeira dos Santos, e já os
mabecos correm para a antena. A publicidade prolonga-se
enquanto lhes aparam as garras e as sobrancelhas.
O fio condutor já tinha
sido estabelecido pela Judite Sousa: Teixeira dos Santos viu-se obrigado a
enfrentar a teimosia de Sócrates; no calor da contenda, cortaram relações; a
degradação financeira mais não seria que o resultado da teimosia e da cegueira
do primeiro-ministro e do partido socialista; o colapso pouco teria a ver
com a traição dos mercados e da política da união europeia...
(Já passaram 15
minutos, e os mabecos nos bastidores. A publicidade continua...)
Quanto à cronologia dos
acontecimentos, a jornalista desvaloriza-a; interessa-lhe apenas o guião da
traição e do sangue; para a análise do presente, reserva dois minutos,
entrecortados por várias perguntas, sobressaindo a preocupação do guionista em
relação ao futuro político do entrevistado...
(A publicidade
continua, dos mabecos ainda não se avistam as orelhas, devem estar sintonizados
com os diretórios políticos!)
Afinal, parece que os
mabecos já estão na antena ... eu é que tenho estado no
"big brother" e não sabia... Ainda não percebi bem para que é que
servem estas entrevistas!
25.6.13
A única expressão que me
vem à cabeça ao escutar governantes, comentadores e sindicatos da
educação é que estamos perante uma «vitória de Pirro». Com o
"entendimento" obtido, mas sem "acordo", as tropas
desbaratadas regressam ao trabalho. No entanto, daqui a um mês, já será
possível perceber que faltarão milhares de horas para cumprir as promessas
de hoje.
E nada disto faz sentido
quando a notícia é que o deficit, no 1º trimestre, ultrapassou os 10%.
Vivemos em tempo de
promessas e não faltam por aí fervorosos crentes...
24.6.13
Silva
Carvalho e Mário de Carvalho
«O real não é uma
manifestação da matéria. / O real é a matéria de onde irrompem as coisas.» Silva
Carvalho, Logo, Só Há História, 2013
Silva Carvalho é
um escultor da palavra que nos pode deslumbrar se tivermos
tempo para nos fixar nessa casca rude da matéria de que irrompemos. Como ele há
muito poucos! Presentemente, vou lendo Mário de Carvalho (O Varandim / Ocaso
em Carvangel, 2012), para quem a reconstituição de léxicos específicos
é um modo de reconstituir atividades extintas e/ou longínquas.
Não sei se estes dois
escritores se frequentam, mas creio que ambos, cada um à sua maneira,
vivem obsessivamente a captura do real, da matéria na sua extensão e duração.
De momento, não me sinto
autorizado a ensaiar um comentário mais aprofundado. Mas sinto que ambos
merecem ser lidos atentamente, apesar de saber que os leitores preferem uma
língua simplificada, esburgada de referencialidade.
Na verdade, vivemos num
tempo formatado, que, apesar da globalização, ignora a duração (História)
e prefere o GPS.
23.6.13
Ontem, o Governo reuniu
no Mosteiro de Alcobaça para fazer o balanço dos dois últimos anos. Ainda não
percebi se houve balanço, mas penso que o objetivo real seria sublinhar o
contributo da Ordem de Cister para o incremento da Agricultura.
A propaganda da
ministra Cristas tem, de facto, dado expressão à ideia de que a refundação
de Portugal já se está a processar nas bases sólidas e líquidas
que tanto agradavam aos cistercienses que se instalaram entre o Coa e o Baça.
Na minha modesta opinião,
apesar do atraso do ministro Crato (explicado pela inépcia da atual cavalaria -
Ordem dos hospitalários), o objetivo oculto de ontem era promover a
refundação de Portugal e da ginja de Alcobaça.
Infelizmente, os nossos
comentadores políticos e facebookianos não entendem
que a informalidade do porte governativo esconde uma rara e
madura subtileza de pensamento estratégico.
Por outro lado, o Governo
do Passos Coelho(s) também pode ter querido dar um sinal de
inteligência um pouco mais tétrica. A exemplo de D. Pedro I, pode ter
decidido simular a sua própria trasladação para Alcobaça.
Afinal, parece que há por
lá o petróleo necessário à iluminação do grandioso traslado que não
deixará de ocorrer logo que haja novo rei e já agora novos comentadores.
22.6.13
«As consequências de
uma escolha, de um modo geral, duram mais tempo do que a autoridade que
aconselhou a fazê-la...» Zigmunt Bauman, A Vida Fragmentada
- Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna, 1995.
Não sei se é verdade, mas
consta que a greve às avaliações irá continuar, pois os sindicatos terão
consultado 10.000 professores que se terão pronunciado favoravelmente. Desses
10.000, não sei quantos têm classificações por atribuir e, sobretudo, não
sei quantos dos que não foram consultados se apresentarão, 2ª feira, nas
escolas, com vontade de concluir o processo avaliativo. Sei, no entanto, que
muitos dos que ficaram por ouvir se irão sentir pressionados e
defraudados.
Claro que, nestas
matérias como noutras, há sempre o argumento de "quem cala consente".
Mas será mesmo assim? Será que um dia destes o "feitiço não se irá voltar
contra o feiticeiro"?
A cultura popular é, por
natureza, ambígua e pouco rigorosa. À sua maneira, também aprecia a
estatística!
21.6.13
Se deixássemos de pensar
seríamos inevitavelmente felizes. A teoria é de Pessoa "pensar
incomoda..." Os heterónimos pessoanos foram inventados para nos dizer que
'há demasiados argumentos para cada facto' ou que, em Portugal, 'não há
pobres', apenas 'alguns necessitados, mas com capacidade de poupança'...
Há mesmo um bispo (das
forças armadas) que nos quer convencer que Salazar não diria melhor! Pobre
bispo ou talvez não, pois o seu bispado ainda não foi extinto. Pensa o senhor
bispo que os governantes se escandalizariam com a comparação, mas engana-se.
Eles apreciam o pensamento integralista.
Se deixássemos de pensar,
o mundo estaria mais harmonioso: não haveria guerra na Síria, conflitos na
Palestina, fome em África, revolta nas avenidas das grandes cidades do
Brasil e da Turquia, monções catastróficas na Índia...
...até o vento teria
deixado de soprar!
20.6.13
Estranho
o rigor ou a falta dele
Numa época em que o MEC
privilegia a dimensão científica, não deixa de ser estranho que, no Grupo I da
Prova de Literatura Portuguesa (1ª fase, 2013), o aluno não seja inquirido
sobre o HIBRIDISMO da cantiga de amor de D. Dinis: «Senhor, eu vivo coitada
/ vida...».
Se eu, avaliador
externo, observasse uma aula em que a referida cantiga de amor fosse objeto de
trabalho, não deixaria de estar atento à ciência do professor quanto à
descrição da poética de Dinis, designadamente à "contaminação" da
cantiga de origem provençal pela cantiga de amigo...
Quem se der ao trabalho
de ler o "cenário de resposta", verificará que nada é apontado sobre
a presença do refrão, da finda, da organização, da métrica... e estou
convencido, embora ainda não tenha lido qualquer resposta que os alunos
acabarão por ser prejudicados pelo modo como este problema é descurado na
abordagem desta composição.
19.6.13
«Enquanto nada ou
ninguém nos impede de fazermos «como de costume», poderemos continuar assim
indefinidamente.» Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada
Na Rua dos Actores,
Portela LRS, parece haver quem queira contrariar a rotina. Resta saber porquê.
E já, agora, conhecer o desenvolvimento que dificilmente trará a felicidade,
como nos quiseram convencer todos aqueles que nos inundaram de fórmulas mágicas
como a História e a Razão: «a Razão da História, ou a História como obra da
Razão, da Razão que chegava a si própria através da História.» Op.cit.
As fórmulas mágicas da
modernidade capitularam diante da lei inscrita no sistema
competitivo da economia global: maximizar os benefícios económicos.
De acordo com esta lei, o
que os filósofos, os historiadores, os professores e os pregadores dizem pouco
conta, por mais que estejam convencidos do contrário.
Começo a ficar convencido
que este meu vizinho também decidiu mandar às urtigas a ética, rompendo com o
«costume», ao estacionar a viatura no meio da rua, dificultando a tarefa aos
restantes automobilistas e, sobretudo, bloqueando a saída vá lá saber-se de
quem! Mas ele sabe…
18.6.13
As
consequências de uma escolha
«As consequências de
uma escolha, de um modo geral, duram mais tempo do que a autoridade que
aconselhou a fazê-la...» Zigmunt Bauman, A Vida Fragmentada
- Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna, 1995.
Na vida pública, a
autoridade faz, em nosso nome ou por capricho, escolhas que, no momento,
parecem auspiciosas, mas que se revelam fatais. Entretanto, o decisor põe-se a
milhas e nós ficamos irremediavelmente reféns do nosso deslumbramento inicial.
A assunção da
responsabilidade deixa de se colocar, pois, afinal, a autoridade beneficiou da
nossa cumplicidade. E como tememos o Caos, delegamos a resolução do problema
em nova autoridade que, não se fazendo rogada, nos cobra os desmandos da
autoridade anterior...
E tudo como observava, em
1982, Cornelius Castoriadis: «Os seres humanos não são capazes de
reconhecer o Caos, não são capazes de se confrontar de pé com o Abismo.»
Isto é, o ser humano prefere a cartilha, a Ordem!
Nos últimos dias, em
Portugal, o combate, em nome da designada 'escola pública', fez-se em nome
da Ordem, ou melhor, a batalha colocou frente a frente duas ordens de
interesses que pecam por não assumir a responsabilidade de escolhas que,
com o tempo, se revelaram fatais para as gerações atuais e futuras.
17.6.13
Lê-se a Prova 639 / 1ª
fase, e fica-se com a ideia de que ela só pode ter sido elaborada por uma
mente urbana e caprichosa.
Fernando Pessoa vale 100
pontos! Como diria David Mourão-Ferreira: «Tanto Pessoa já enjoa!» Na verdade,
quem melhor do que o heterónimo Ricardo Reis para nos ajudar a vencer a
crise! E, sobretudo, parece não restar qualquer dúvida de que o grande tema de
Alberto Caeiro seria a Natureza! Pessoa bem tinha avisado, no
poema "Autopsicografia", que o leitor tende a cair no vazio e na
idiotia.
Será certamente pelo
mesmo motivo que António Lobo Antunes diz (Grupo II): «Quem tiver olhos que
leia, quem não conseguir ler, desista.»
E de facto utilizar a
"crónica" desta autor para elaborar um medíocre questionário de
escolha múltipla só pode ser sinal de falta de olhos, de cegueira! Há por
aí tantos textos informativos disponíveis para esse exercício!
Já no Estado Novo se
aproveitava a epopeia "Os Lusíadas" para testar o conhecimento
de Gramática, em particular da Sintaxe, porque isto de explorar o sentido
do texto pode ser subversivo...
E quanto ao III Grupo,
vai ser muito interessante avaliar o espírito crítico e transformador
da sociedade na perspetiva dos jovens que, hoje, realizaram esta
prova, quando muitos outros o não puderam fazer!
E como diz o ministro
Crato, no dia 2 de Julho haverá mais. Vamos ver se Pessoa continuará a valer
100 pontos ou se os irá partilhar com Camões... A fórmula do GAVE
manter-se-á, não tenho dúvida!
16.6.13
Não
vá o coração estoirar de cansado
Com tanto saber, tanta convicção
e certeza à minha volta, mais vale ficar calado não vá o coração estoirar de
cansado.
Entretanto, apoquenta-me
que um ministro, na véspera de uma greve nacional, não seja capaz de sentar
todos os sindicatos à volta da mesma mesa, preferindo esticar a corda na
expectativa de sair vencedor de um jogo em que, na verdade, quem perde são os
alunos...
(...)
As
conversações deixaram de ter fio condutor, ou, em alternativa, cada
interlocutor segue o seu. Que sentido faz haver, pelo menos, nove sindicatos
para representar os professores? Basta olhar para a forma para perceber a
ineficácia organizacional!
Por outro lado, o
silêncio dos alunos também me incomoda! Tão ávidos dos seus direitos, desta vez
parece que abdicaram de erguer a voz... e não me venham dizer que este tipo de
silêncio é solidário.
(...)
O ponto em que nos
encontramos mais não é do que o indicador da degradação do sistema
educativo que paulatinamente foi destruindo e/ou marginalizando a
inteligência.
15.6.13
Contra
o dictat de um iluminado
Milhares de professores
desceram do Marquês de Pombal à Praça dos Restauradores, vindos de todo o país
para dizer NÃO! Fizeram-no a um sábado depois de terem passado uma semana à
espera de que o ministro Crato decidisse dar início a um diálogo rigoroso e
sério – adiaram as reuniões de avaliação dos seus alunos, cientes do prejuízo
para a comunidade educativa, e preparam-se para fazer greve aos exames no dia
17. No íntimo, nenhum destes professores quererá fazer esta greve! No entanto,
muitos acreditam que este é o caminho para fazer estancar a política de terra
queimada em curso…
(Infelizmente, eu temo
que o problema seja mais profundo e mais global: o neoliberalismo vai lançando
um pouco por toda a parte as sementes que conduzirão a uma guerra sem quartel.
O que, no meu entendimento, nos obriga a procurar outras armas – as da inteligência
– para desmontar o discurso obscurantista dominante. Por isso, não estou tão
seguro de que a greve aos exames seja o argumento mais lúcido no combate que
nos espera…)
Entretanto, seria bom que
o ministro Crato abandonasse a estratégia divisionista que tem seguido até ao
momento. Em matéria de educação, desde o início da legislatura, que temos
assistido ao dictat de um iluminado que faz tábua rasa da
experiência acumulada. É como se antes de ele nada mais houvesse do que o caos!
14.6.13
Sobre a greve aos exames,
Passos Coelho dixit: Muda-se a lei e o problema fica resolvido!
Os tiques de
autoritarismo do governante deveriam ser combatidos com um simples
slogan: Muda-se o Passos e o problema fica resolvido! Mas não!
Sobre o assunto, o Seguro não se pronuncia, limita-se a apelar ao consenso.
Contra o autoritarismo e
o oportunismo, irei participar na manifestação de amanhã, 15 de Junho. Será a
2ª vez que o faço desde abril de 1974. Em 1974, o motivo da minha participação
foi de aplauso, amanhã será de rejeição.
A partir de 2ª feira,
deixarei de fazer greve, e tomo esta decisão porque não possa pactuar com a
vacuidade das ideias (das soluções) ou com qualquer forma de messianismo,
seja ele de direita ou de esquerda.
13.6.13
Gosto do cartaz! O futuro
ex-presidente, entroncado e pujante, faz avançar o delfim, um pouco mais magro,
mas que já partilha a gravata e o alfaiate…Um dia partilhará a gordura, mas sem
sinal de colesterol ou de triglicerídeos. É uma gordura fina, porcina…, mas
nobre!
E não posso deixar de me
sentir confiante: nenhum deles passou fome até ao momento! Eu aprecio um
autarca rotundo à entrada de uma qualquer rotunda. É sinal de prosperidade!
Entretanto, quando olho
para o Borges, para o Passos, para o António Saraiva…, preocupa-me aquela
magreza. Será da dedicação à causa pública? Estarão doentes? Ou também haverá
uma magreza fina!
E, finalmente, não
consigo enquadrar nem o Cavaco nem o Gaspar! Lembram-me o Salazar! Chova ou
faça sol, estão sempre na mesma…
12.6.13
Hoje bem poderia ficar em
silêncio! No entanto, vou dar conta de situações que me
perturbam:
a) Na Grécia, o Governo
manda encerrar o serviço público de televisão e de rádio porque custaria
100 milhões de euros aos contribuintes. A Comissão europeia, entretanto, sacode
a água do capote, mas a Troika está no terreno. Em Portugal, o ministro
Maduro esclarece que, quanto à rádio e televisão públicas, não corremos
qualquer risco. Que se saiba a Troika chega mais tarde a Portugal!
b) Em Estrasburgo, o
Presidente Cavaco disserta sobre a situação portuguesa com clareza, mas também
com a certeza de que o nosso destino está nas mãos da Alemanha. Ali, em
Estrasburgo, os motores da economia deixaram de ser a agricultura e o
turismo.
c) Em Santarém,
deliciados com as primícias, os bovinos, os caprinos, sem esquecer os ovídeos,
os láparos e os porcinos, Coelho e Cristas percorrem a Feira da
Agricultura. Algo assombrava, contudo, o primeiro-ministro: uma
qualquer comissão arbitral ousou contrariar a vontade do ministro Crato.
d) Um Despacho normativo
sobre a organização escolar 2013-2014 continua à espera de publicação oficial.
É constituído por 29 páginas. Há lá matéria que vale a pena ser debatida e
considerada, mas ninguém quer saber disso!
e) Em matéria de
avaliação externa, há tal confusão que os Diretores de certos
Agrupamentos de escolas se permitem fazer tábua rasa de procedimentos
e de prazos definidos em decretos regulamentares.
(...)
11.6.13
Como o governo neoliberal
do senhor Borges tudo quer privatizar em troca de empréstimos que só servem
para destruir os povos, vejo-me obrigado a entrar em greve.
Não sou daqueles que
pensam que a culpa é do Sócrates, do Cavaco, do Coelho ou do Gaspar. Eu
penso que a responsabilidade é da doutrina neoliberal que, depois de ter
destruído a América Latina e a Europa Central e do Leste, decidiu destruir
parte da Europa Ocidental.
Custa-me até aceitar
que, neste contexto de greve às avaliações, haja dirigentes que
olhem esperançadamente para S. Bento ou para Belém. Esses dirigentes sabem
perfeitamente que os Passos e os Cavacos por mais promessas que façam estão de
mão atadas, tal como todos nós!
Eu, por exemplo, estou em
greve e, ao mesmo tempo, passei todas estas horas a preencher o
anexo II da avaliação externa de dois docentes. Isto é, estou em greve e ao
mesmo tempo ao serviço de um patrão que aluga gratuitamente os meus serviços,
porque sabe que nunca os pagará.
Esta é
a essência do neoliberalismo que, caso os meus serviços valessem alguma
coisa, estaria disposto a vendê-los a um país "amigo".
No final, estaremos
todos mais pobres e os "amigos" bastante mais
ricos!
10.6.13
Este é o dia em que não
citarei Camões nem qualquer outro poeta ou prosador. 'Citação' e 'situação'
confundem-se e estão nas praças para celebrar um outro povo que
não este!
Este é o dia em que
poderosos e incógnitos assessores percorrem à pressa as estantes à procura
dos versos que melhor dão conta da glória passada e da prosápia presente.
Este é o dia em que
o presidente não deixará de citar os ilustres e
incógnitos assessores porque a legitimação da situação assim lhe
convém.
9.6.13
Duas
instalações na Gulbenkian
Hoje fui à Gulbenkian! Ao
atravessar o jardim, deparei com uma “instalação” em construção. Um projeto de
cabana para dar conta da nossa imagem de África. Só faltam os nativos!
Lá dentro, uma outra
“instalação” CLARICE LISPECTOR – A HORA DA ESTRELA. A leitura reduzida a
enunciados murais destacados das obras. Uma entrevista à autora, em monólogo
interior, sobre estados de alma em torno da transparência vs. hermetismo do
discurso.
Mais do que o
conhecimento da obra, o que ganha monumentalidade é o enorme gaveteiro que o
visitante pode abrir para observar obras e manuscritos vários da
correspondência da autora.
Em comum às duas
“instalações” a preocupação em despertar o deslumbramento visual!
Quando a pobreza cresce,
o barroco ganha terreno…
8.6.13
«Perguntam-me qual é o
fio condutor da narrativa. Não há. Nem na vida, quanto mais no sonho.» Manuel
Alegre, Tudo É e Não É, pág. 83.
A encenação atravessa
todo o romance: o autor, ao querer inscrever-se na História
(op.cit.74 - eu sou um homem de esquerda, sou português, chamo-me
António Valadares), não descura o leitor, manipulando-o.
Apesar de o leitor
saber perfeitamente que não controla o fio da vida e que, ainda, não
consegue interpretar cabalmente o sonho, mesmo que, para isso, se socorra da
psicanálise, o autor deliberadamente caricatura o amigo Miguel Varela,
psiquiatra amigo... textualmente, mais psicanalista do que psiquiatra. (O autor
finge não saber que os domínios e as terapêuticas são distintas)!
Dizer que não há fio
condutor para esta narrativa é um logro! Não há narrativa sem fio
condutor! No caso há vários, mesmo que seja necessário recorrer a Ariadne.
Um dos fios tem
como ponto de partida o inimigo invisível (op.cit.
28) cuja ação se alarga, a cada capítulo, por efeito da mão
invisível:
a) «Ninguém sabe. E
por isso todos somos perseguidos, atacados, cercados sem saber por quem,
inimigos desconhecidos, mão invisível.» (op.cit. 61)
b) «A mão invisível
está a destruir a harmonia do homem com o homem.» (op.cit. 76)
c) «Há momentos
em que a cidade se confunde com os rostos das pessoas. (Mas não só no sonho.)
Nem o sol de Lisboa as ilumina. A mão invisível parece ter cortado a cor e a
luz. Como combater este invasor sem legitimidade e sem rosto?» (op.cit.
114)
d) «A mão invisível
aboliu a honra, aboliu a alegria, está a abolir a vida.» (op. cit.115)
e) «E o Mão
Invisível, que se mostra pouco, mas está por detrás das novas formas de
investida, na rádio, na imprensa, na televisão, nos cortes, não apenas dos
salários, mas do sossego em que as pessoas estavam postas. E da esperança,
palavra tantas vezes repetida, dia a dia assassinada.» (op. cit. 187)
Não há narrativa sem fio
e consequente ponto de partida. Nesta, o longínquo inimigo invisível da
partida acaba como Mão Invisível, mas bem próximo, pronto a assassinar a
esperança.
6.6.13
Hoje não vou dissecar o
último romance de Manuel Alegre "Tudo é e não é " até
porque já é difícil interpretar os sonhos quanto mais esquematizar uma
narrativa que, aparentemente, procura reproduzir uma sintaxe onírica.
O título é adequado não
só à ambiguidade da linguagem dos sonhos, mas sobretudo ao momento que vivemos,
em que nada é seguro, tudo muda sem regresso. E nesse aspeto, o título promete,
porém, a leitura desarma, pois as referências ao presente são subtis,
apesar de alguns enunciados parecerem revelar o contrário:
«O Medo.
Sim. O Medo, com maiúscula. O Medo desconhecido, do inimigo invisível, do
não saber para onde se vai nem o que pode acontecer.»
O protagonista
António Valadares, a espaços, expõe o pensamento do Autor. Mas fá-lo de
forma tímida e estereotipada:
«Ultimamente
tenho criticado os mercados, as agências de rating, os fundos de investimento,
os especuladores e os poderes ilegítimos que se sobrepõem à democracia e à
soberania dos Estados.»
Embora possa estar errado
na análise da narrativa, uma das linhas de força deste romance é a ação
política, mas como é comum em Manuel Alegre, ele prefere o passado ao presente,
prefere inscrever-se na história, chegando ao ponto de semear farpas como acontece
no seguinte caso:
«No uso da
palavra está um dos meus piores inimigos políticos, do meu próprio partido,
claro...»
E em matéria de
linhas de força, há que estar atento à literatura e ao cinema com o constante
recurso à citação e ao intertexto.
Por hoje, mais não
acrescento, mas prometo regressar ao fascínio do autor pela literatura, pelo
cinema e, também, pela música, sem esquecer a caça e o desnecessário
marialvismo que lhe estraga o bom gosto.
Em síntese, creio
que esta narrativa dos sonhos poderia ter explorado com mais profundidade o
MEDO que cresce a cada momento...
5.6.13
Depois do ministro
Crato ter afirmado que detesta tomar decisões para a vida,
hoje o primeiro-ministro veio dizer-nos que não tem medo de nada!
Não sei se o cidadão
Passos Coelho concordará com o primeiro-ministro...
No dia em que o cidadão
Passos se vir afastado do poder, talvez acabe por
descobrir a angústia de ter perdido os amigos, os padrinhos, os compadres
e quem sabe se não acaba por descobrir a angústia daqueles que vão caindo
dia a dia no desemprego.
Ao contrário do primeiro-ministro,
há cada vez mais portugueses angustiados e com medo. É, também, por isso
que os professores decidem fazer greve aos exames, pois há muito que estão
angustiados e com medo. A ideia de que os professores estejam divididos
não passa de um fantasma de quem teme que os professores acabem por
descobrir que não examinaram com o rigor necessário a geração
parasita que hoje nos governa.
4.6.13
«E com a inteligência
como uma antena que fazeis vibrar!» Álvaro de Campos
Oiço o ministro da
educação e interrogo-me sobre a qualidade da sua argumentação e apetece-me
desligar da antena. Porquê?
Porque um homem que está
disposto a negociar com os sindicatos, um homem que acredita que muitos
professores estão divididos, um homem para quem o mais importante é não
defraudar os alunos e as famílias, esse homem deveria estar a esta hora a
discutir uma proposta escrita, devidamente fundamentada, com os
professores... Mas não, prefere a vacuidade, falar de tudo e de nada...
Qualquer estudo de
conteúdo da entrevista que está a dar na tvi24 mostrará
que, no estilo "toca e foge", este ministro se revela incapaz
de desenvolver uma única ideia ... e lá vai insistindo na
"divisão", na "angústia" dos professores...
Pelo menos, fica a
garantia de que o ministério está a poupar na água, na luz, nos edifícios, nos
transportes, nos professores, nos auxiliares, nos administrativos, na
escola pública...
Desisto
do mais e do
menos, do olhe-se, do estamos a trabalhar, do
olhe como a escola está decorrer, da outra ordem de problemas, dos
dramas - tudo foram dramas! da média, de 28
para 30 foi 2... do não quero falar sobre isso, da
correlação... dos professores que tiveram de se fazer... às vezes,
falo muito, mas gostaria de terminar uma ideia... se há um problema, lá vem o
telejornal...
E como o senhor
ministro detesta tomar decisões para a vida, amanhã tudo poderá
ser diferente! Até porque o senhor ministro já não quer implodir
o ministério...
3.6.13
De repente, a notícia dá
conta da proliferação de vacas: umas, sagradas, outras, gordas e outras, ainda,
magras. Os bezerros desataram à marrada na esperança de desalojar os velhos
sacerdotes do templo democrático.
Compreende-se! Com a
chegada do verão, o pasto vai secando e minguando.
Ainda pensei que seria
mais adequado intitular este post “No estábulo democrático”,
mas lembrei-me que deixaria de fora os coelhos, as doninhas e os ratos de
cidade…
2.6.13
Rari quippe boni... Juvenal,
Sátira III
Só posso concordar com Juvenal:
As gentes de bem são raras!
(Estação do Oriente,
Autocarro 728. Destino: Portela)
O autocarro, vazio, entra
ao serviço. 7 passageiros dispersam-se. No fundo do articulado, 20 lugares
vazios. Só um lugar, junto à porta, é ocupado por uma rapariga entretida
com o smartphone...
Entretanto, um sujeito,
atarracado, cabelo cortado à escovinha, aproxima-se da jovem e senta-se ao
seu lado. Procura o contacto e simula
uma desculpa. A perna esquerda balança sempre na mesma direção, os
olhos sorridentes perscrutam o ecrã e, subitamente, os olhos
dela interrogam-se, e ele desfaz-se num largo sorriso desdentado -
faltam-lhe dois dentes!
A jovem refugia-se mais
uma vez no smartphone, a perna esquerda procura o encosto, o braço
esquerdo passa repetidamente a mão pelo que sobra do cabelo, os olhos gulosos
somem-se na passageira.
Percurso terminado, o
passageiro contrariado sai, não sem antes se voltar num gesto obsceno.
1.6.13
Se olharmos bem, veremos
que a Igreja se preocupa com a solidez da Cruz, não vá ela desabar sobre os fiéis!
Sem a cruz o que seria de nós!
Se olharmos bem a
toponímia deste país, veremos que a visão bipolar é antiga. Tem, no entanto, um
mérito: diz-nos que o sacrifício é rapidamente esquecido.
31.5.13
Nestes dias em que as
ideias se repetem, espanta-me que, num mundo tão vasto e com tantas mentes, não
surjam soluções para os problemas que nos ocupam. E o que mais me admira é a
visão bipolar que nos carateriza.
Ou estamos a favor ou
estamos contra! Quando posicionados, levamos a fé (a convicção) até aos
limites, sem percebermos que o fundamentalismo mais não é do que a base
da guerra santa.
Como deveríamos saber, a
morte das sociedades é o efeito maior de qualquer guerra
santa.
Nos últimos dias, os
sinos têm repicado a apelar à guerra santa. Compreendo que o Dr.
Mário Soares procure levantar o povo contra o governo e contra o presidente da
república, mas não entendo que as vozes que o acompanham não apresentem de
imediato um programa de ação a ser amplamente debatido.
Aparentemente, ainda há
mentes capazes de investigar rigorosamente o passado, apontando os erros. Mas
essas mentes afastam-se da luz quando se trata de pensar o presente e o futuro.
Entrincheiram-se ao longo da linha maginot.
E esperam pelo Redentor!
Para o Dr. Mário Soares já é tarde! A não ser que ele seja o novo S. João
Batista! E nem lhe falta o cordeiro...
30.5.13
Vivemos sob ameaça!
O Governo ameaça atirar
para o desemprego e para a miséria uma boa parte da população e encontra
justificação na necessidade de prestar contas a quem nos empurrou para a
presente situação... Ameaça deixar morrer os doentes e acelerar a morte dos
idosos porque mais não são do que uma fardo para a comunidade... Ameaça baixar
os níveis de instrução e de cultura, empurrando os jovens para a
delinquência... O Governo diz que reduzidos os postos de trabalho e os
vencimentos, mortos os doentes e os idosos, alienados os jovens... teremos
um país refundado!
Do outro lado da
barricada, a oposição pede a demissão do Governo, mas não diz como é que
vai resolver os problemas criados ao longo das últimas décadas...
E os sindicatos estão
felizes, cada vez mais unidos, preparam-se para ajudar o governo a poupar uns
milhões de euros, e para deixar o país ainda mais destroçado. Por
exemplo, quem é que ganha com a greve do METRO de hoje? Os
trabalhadores? A empresa? Os passageiros? A economia?
Infelizmente, há
perguntas a que ninguém quer responder! Há responsabilidades que ninguém quer
apurar?
Um destes dias, damos as
mãos e inventamos novas caravelas que nos levem de vez à Ilha Perdida...
29.5.13
Há muito que a décima me surge
associada à extraordinária meditação de Camões:
Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
(...)
Claro que a polissemia da
palavra já me tinha confrontado com outros significados: Já os meus avós,
que da Babilónia e de Sião só conheciam a lição bíblica, se queixavam da
obrigação de pagar a décima. E depois havia a décima parte de
qualquer coisa...
Hoje, no entanto,
despertei para a décima do Dr. Gaspar, que, asnaticamente, nos
vai explicando que a projeção da OCDE, superior em três décimas à
do Governo, é irrelevante.
Os interlocutores ouvem,
registam e replicam os sofismas ministeriais sem se interrogarem sobre os
efeitos de cada décima em termos do aumento do número de desempregados e do
empobrecimento do país.
Bom seria que o Dr.
Gaspar fosse capaz de quantificar a décima!
UMA DÉCIMA = +
50.000 desempregados(?)
UMA DÉCIMA = + 100.000
pobres (?)
28.5.13
(Na hora em que as
palavras tecidas de luz são já a noite.)
Ainda há quem pense que o
encanamento das águas é a melhor forma de controlar os aluviões, mas estes,
resolutos, rompem os diques e arrastam tudo à sua volta…
Por tudo isto entendo que
há momentos em que mais não devemos fazer do que ouvir o rumor das águas
porque, ao fazê-lo, adiaremos a chegada à foz.
No caso dos rios, de nada
serve a estratégia do contrafogo! Aos rios há que deixá-los fluir livremente…
As águas misturam-se e
num caudal único correm para a foz. A junção dos rios contorna a sedimentação
externa e não exige qualquer tipo de mediação.
O Centro de Estudos de
História Religiosa da Universidade Católica realizou, ontem, a apresentação da
obra O Caso de Barbacena: um pároco de aldeia entre a Monarquia e a
República da autoria de Margarida Sérvulo Correia.
Na perspetiva do prof.
João B. Serra, esta obra deve ser classificada como um ensaio
biográfico sobre a vida do Cónego João Neves Correia, mas
que abre caminho a uma melhor compreensão do modo como a Igreja Católica
intervinha nas questões que opunham o povo, na defesa do direito ao uso
comunitário do solo, aos interesses dos latifundiários que se iam apropriando
das terras, condenando a população à fome ou à emigração.
Desde já agradeço à
professora, investigadora e amiga Margarida Sérvulo Correia o convite que
me fez para estar presente na apresentação da sua nova obra, convencido que, em
tempo oportuno, voltarei a referir-me ao seu contributo para um melhor
esclarecimento de questões que, se bem analisadas, poderão ajudar a melhor
compreender as desigualdades que ainda hoje minam a sociedade portuguesa.
26.5.13
Nem
sombra de areia na Praia do Matadouro - Ericeira
Nem sombra de areia na
praia do matadouro. Só vento frio! A situação pode parecer ocasional, mas
duvido.
O parque de campismo da
Ericeira está quase vazio, o percurso pedonal ao abandono. Na autoestrada,
Ericeira – Lisboa e vice-versa, quase ninguém: um ou outro veículo com marcas
de final de taça (de Portugal? da Liga?) ventosa lá para o Jamor!
Um regresso antecipado,
mas tranquilo! Ruas desertas, o quiosque dos jornais vazio, só na boutique do
pão, a fila cresce desmesuradamente, talvez, porque já só sobra para enganar o
estômago.
Enquanto isso, vou lendo
os títulos da imprensa online. A maioria vai dizendo que os portugueses estão
no bom caminho! Só se for o dos defuntos!
25.5.13
Aqui chegado, de pouco me
serve a revolta ou o compromisso.
O caminho que me falta
percorrer exige que olhe atentamente o solo onde coloco pés e que não
desperdice energia, pois o vento se encarregará de aproveitar qualquer
distração.
É mais fácil lançar-se ao
mar do que regressar!
24.5.13
No caso de morar ali
alguém será por pouco tempo. Todavia uma coisa o desalojado terá assegurada: um
banco vegetal! Pode parecer pouco, mas tem assento e espaldar para poder
descansar e, se quiser dormir, a enxerga é de relva aparada.
E como há quem diga que o
futuro a deus pertence, fico-me pelo presente!
24.5.13
7 não rima com 17! Uma
greve no dia 7 de junho em vez do dia 17 não tem qualquer impacto. Será
compensação pela redução do raio da mobilidade? Mobilidade que não pode ultrapassar
os 65 quilómetros, grande vitória!
Parece-me, até pelos
ilustres antecedentes, que alguém irá ser nomeado brevemente para um dos anexos
do poder. Resta saber, quem e para onde!
23.5.13
Há quem, preocupado com o
futuro da língua portuguesa, organize um «encontro
mundial» em Paris. Estranha escolha! A velha Sorbonne continua a
cativar paisanos deslumbrados com a cidade da luz...
O "futuro da língua
portuguesa" é um tema promissor, mas, no meu entender, melhor seria que se
olhasse para o presente da língua nos lugares onde ela se realiza, no
significado das variedades do português e no modo como estas consolidam ou
inviabilizam a construção de identidades culturais.
Basta entrar numa sala de
aula para perceber que a língua está reduzida a uma película muito fina
que nada conserva da sua génese, da sobranceria do colonizador, da revolta
do colonizado e das tentativas de diálogo entre grupos de matrizes bem distintas.
A dimensão histórica da língua é ignorada a cada passo e esta não passa de
um tolo catavento.
Se não arrepiarmos
caminho, a "língua portuguesa" não terá qualquer futuro, a
literatura tornar-se-á incompreensível, ficando apenas ao alcance de uma
minoria, as pontes de diálogo quebrar-se-ão.
Não se trata já de saber
se continuaremos a falar a mesma língua, mas se nas últimas décadas
não matámos a língua portuguesa, pelo menos na variedade europeia.
A escolha de Paris para
realizar o "encontro mundial" é já um indicador
seguro da competência de quem gere a política da língua portuguesa.
Mas compreende-se! Haverá
sempre quem prefira Paris, Berlim, Londres, Nova Iorque, Camberra, Pequim,
Tóquio...
22.5.13
Quatro tempos! Do
fontanário monumental ao pink! No intervalo, o pragmatismo de
Ventura Terra, já distante do espiritualismo, mas ao serviço da res
publica. Entretanto, houve tempos em que no templo se defendiam ideias
semelhantes às do falanstério socialista.
Hoje, o rosa alastra, só
o consumo interessa! No entanto, às 14 horas, as ruas da cidade estão quase
desertas…
21.5.13
Irrequietos, olham para
trás, galhofam baboseiras e soltam risinhos cúmplices, senhores de um saber
temporão.
Sem pudor, desaproveitam
as palavras da experiência e da ciência, preferindo exibir
a brutalidade e a boçalidade de ações, cujas consequências, por
princípio, nunca aceitam.
Apressados, olham as
horas como se elas lhes fossem mais favoráveis no pátio ou na mortalha de um
cigarro.
Quando chamados ao palco,
repetem receitas apressadas ou, simplesmente, emudecem, incapazes de ter e
desenvolver uma ideia.
"Copiam" e
"colam". Vivem em rebanho, não precisam de pastor!
20.5.13
Passamos, mas não vemos;
sobrevoamos, mas não vemos! É aqui ao lado!
O tijolo e o zinco a
descoberto esperam novos moradores. Há até um cadeirão para os mais snobs ou
para os mais cansados.
Os governadores em ano de
eleições mandam pintar as fachadas. A faixa da Gebalis já está a ficar
vermelha… e mais perto do Tejo, lá para Belém, os conselheiros irão ver e ouvir
tachos e panelas! Ou talvez não!
Os vidros começaram por
ser blindados e agora são, também, esfumados…
19.5.13
(Para a Teresa Belo e
para os meus alunos de Literatura)
Já sabíamos que havia um
deus desconhecido (Ignoto Deo) na poesia de Almeida Garrett e de Antero de
Quental, hoje encontrei-o em ÚLTIMA VONTADE de Ruy Belo:
Quando a
sereia se ouvir
no coração
desolado como uma cidade
recorda que te
procurámos através das árvores
E tu escondias-te
por trás dos frutos
e recolhíamos as
mãos
cheias apenas de
tempo
Sempre brincaste
connosco
desde os dias da
nossa juventude
Puseste-nos nos
olhos
estação sobre
estação e a vida dava as mãos
de árvore para
árvore à volta da terra
Ia de ramo morto
para ramo vivo
como um pássaro
mais e nós ríamos
na tua
transparência
Fechem-se-te agora
os lábios
sobre a palavra
que somos
Perdoa se algum
dia
errámos com o
coração
Não nos deixes
morrer longe de Jerusalém
Leio e no lugar da sereia vejo
a harpia! Mas o Poeta prefere a sedução mesmo
quando a desolação lhe enche o coração perdido
na cidade (a triste cidade humana nunca será capaz
de substituir a natureza celestial!).
E deus está lá desde
sempre, nos frutos, no tempo... escondido, invisível e, indiferente à
fraternidade dos homens, brinca com eles, estende-lhes os dias até...
E o Poeta descobre o jogo
do deus desconhecido, vê-o nas palavras e com elas suplica que, apesar da
eventual falta de comunhão, não nos deixe morrer longe das portas de
Jerusalém, da terra prometida...
O deus escondido mora nas
estações, nos ramos das árvores, nos frutos, no tempo... e não precisa de
qualquer templo!
18.5.13
A casa da cidade lembra a
do campo, abandonada pelo homem. Sempre que tal acontece, a natureza retoma o
que era seu.
As torres crescem ao
fundo, indiferentes ao passado das fábricas de tijolo e de telha. Os arquitetos
deixaram de percorrer os caminhos e vivem em redomas translúcidas.
Apesar da falta de
planeamento, a oliveira e a nespereira insistem em crescer na cidade.
Como de nada serve rir ou
chorar, hoje, decidi apenas caminhar pela cosmopolita cidade de Lisboa e o
que vi, ou quis ver, foram sinais de subdesenvolvimento e de ruralidade. Uma
cidade indecisa que acolhe a flor da oliveira, mas que, lá no fundo, a
escorraça para a periferia.
Apontamento:
Se me estivesse a confessar, diria que Montaigne nada tem que ver com as
minhas caminhadas, mas, na verdade, desde ontem que ele me recorda que podemos
chorar de alegria e rir de tristeza. O homem tem necessidade de esconder os
seus verdadeiros sentimentos. Por outro lado, também Fernão Mendes Pinto (ou
melhor António José Saraiva) insiste em lembrar-me que o exotismo pode ser
um sinal de complexo de superioridade ou de inferioridade. Na verdade,
estas últimas palavras são de Freud! O que António José Saraiva diz é que em
F.M.P. convivem um exotismo «crítico» com um
exotismo «simpático». Tudo muito diferente do que viria a
acontecer com o exotismo romântico. E por razões que só alguns poderão
compreender, reli o exótico Camilo Pessanha e do seu Oriente só encontrei o
Ocidente. Saí. E ao voltar, surgiu-me o Ruy Belo com o seu PERCURSO DIÁRIO:
Eu vou por este
sol além
e ele é quotidiano
até ao fim
como se até hoje
ninguém
tivesse no sol e
fora do sol também
morrido a morte
por mim
(A ordem das fotos
respeita a sequência da caminhada. E esta só pode ocorrer em maio, mas
não, obrigatoriamente, no dia treze...)
17.5.13
- Para o CDS «a greve dos
professores é um golpe baixo». E eu estou de acordo, pois o PP já percebeu
que a sua defesa intransigente dos aposentados e pensionistas está a ser
posta em causa. Assim, não irá ser possível sacrificar uns milhares de professores
para assegurar uns milhões de votos.
- De qualquer modo, em matéria de
«golpes baixos», o CDS não está sozinho. Sempre que o vento sopra de
feição, os sindicatos não descansam enquanto não deitam o porta-aviões ao
fundo. A decisão de fazer greve começou por não ser abrangente: há
sindicatos que ainda vão pensar, isto é, vão escutar os diretórios
políticos. Outros, que ainda vivem no tempo da fava rica, analisada a
situação, resolveram marcar não um dia de greve aos exames nacionais,
mas 4 ou cinco, para além de uma manifestação. Não há fome que não dê
em fartura!
- Olhando a estratégia, não se percebe
a qualidade do raciocínio sindical. Os sindicatos deveriam saber que, sem
afixação das classificações do 3º período, não poderá haver exames no
dia 17 de Junho. Deste modo, não faz qualquer sentido convocar uma greve
para as avaliações e uma outra para o primeiro dia de exames. Basta olhar
para o calendário! Esta estratégia acaba por ser contra os
professores que, mal remunerados e sobrecarregados com trabalho, acabarão
por se alhear da defesa da escola pública.
- E claro, nesta situação, já começam a
levantar-se as vozes contra os professores: os madraços não querem saber
dos alunos, as verdadeiras vítimas...
- É tudo tão primário e previsível
neste país!
16.5.13
Para quem
governa, a profissão de um militar ou de um polícia impõe um desgaste físico e
psíquico acelerado. Pelo contrário, o professor não passa de um
madraço que se limita a debitar uma bolorenta sebenta a meia dúzia
de meninos bem-comportados.
O militar e
o polícia correm permanentemente riscos ao enfrentarem o inimigo
(muitas vezes, imaginário!) e, pelo facto, merecem passar à reserva,
aposentar-se ou reformar-se mais cedo do que outros grupos profissionais.
Na formação de
professores, enquanto teve algum espaço, o aperfeiçoamento
da capacidade relacional era fundamental. O papel do professor ia muito
para além da função transmissiva de conhecimento, pois era sabido que a
aprendizagem dependia fundamentalmente da interação professor - aluno, e
não de regulamentos impostos por palmatórias ou seus ersatz.
Só uma visão míope do ato
pedagógico pode impor uma carreira docente que, um dias destes, poderá
estender-se por cinquenta anos, enquanto os jovens deixam de ter
acesso a esta profissão.
Tal como o Poeta
confessava a D. José I, estou a pensar em «co'a palmatória / cavar num
canto da aula a sepultura.»
De bolorentos livros rodeado,
Moro, Senhor, nesta fatal cadeira:
De quinze anos a voraz carreira
Me tem no mesmo posto sempre achado.
Longo tempo em pedir tenho gastado,
E gastarei talvez a vida inteira;
O ponto está em que quem pode queira,
Que tudo o mais é trabalhar errado.
Príncipe augusto, seja vossa a glória,
Fazei que este infeliz ache ventura,
Ajuntai mais um fato à vossa história;
Mas se inda aqui me segue a desventura,
Cedo ao meu fado e vou co'a palmatória
Cavar num canto da aula a sepultura.
Nicolau Tolentino
(1740-1811)
15.5.13
O Governo aproveita
todas as oportunidades para mover a opinião pública contra os professores
lançando para o ar argumentos insuficientemente fundamentados. Por exemplo, são
necessários menos professores e menos escolas porque a população escolar está a
diminuir! E simultaneamente omite as medidas que quer implementar e que
têm como consequência a redução do número de docentes. No dia 15 de Maio, o
ministério da educação e ciência já deveria ter explicitado as instruções
necessárias à organização do próximo ano letivo, mas não, prefere
esperar pela anestesia da opinião pública.
As medidas contra os
professores não são alheias à encenação de que é possível não sobretaxar
pensionistas e reformados. Se estivermos atentos às linhas dominantes do
discurso político, verificaremos que professores, por um lado, pensionistas e
reformado, por outro, surgem interdependentes. Quanto mais o estado poupar com
a redução do número de professores, maior será a possibilidade de
preservar as reformas e pensões recebidas por quem descontou e,
sobretudo, por todos os privilegiados que não o fizeram...
Curiosamente, os
ministros das várias pastas vão subindo ao palco para declarar que os
funcionários que tutelam não irão ser abrangidos pelas medidas enunciadas:
juízes, polícias, militares, diplomatas, médicos, enfermeiros,
pensionistas, reformados... O que se subentende é que os professores passaram a
ser o bombo da festa. A esta hora, dezenas de milhar de professores não fazem a
menor ideia do que os espera no próximo ano letivo só porque, repentinamente,
há menos alunos...
A encenação é rigorosa:
não há meninos em idade escolar; os professores são todos iguais em idade e em
serviço prestado à comunidade (argumento que irá justificar o nivelamento dos
salários e o aumento do número de horas de trabalho letivo); o sucesso escolar
tanto pode ser obtido com turmas de 22 alunos como de 30 alunos; o sucesso
escolar pode ser obtido com dois blocos semanais de 90 minutos,
independentemente da idade ou da especificidade das disciplinas; as
aprendizagens informais têm o mesmo peso das aprendizagens
formais; as escolas têm autonomia pedagógica ( para fazer o quê?); as
escolas públicas, se comparadas com as privadas e confessionais, têm menos
sucesso e são mais caras...
Com esta encenação do
governo e seus tentáculos, vamos assistir a tentativas de resistência local,
fragmentada e inconsequente, como, por exemplo, fazer greve à avaliação do 3º
Período...
Creio, no entanto, que
chegou a hora dos professores e restantes funcionários da escola pública
dizerem: BASTA!
É a hora de iniciar um
movimento de base que tenha o seu corolário na manhã do dia 17 de Junho: GREVE
aos exames marcados para esse dia.
Neste momento, não é hora
de olhar para o passado! O estatuto da carreira docente já foi rasgado...
14.5.13
Não sei o que é feito do
Dr. António Costa, presidente da câmara municipal de Lisboa, mas há qualquer
coisa de muito errado na capital que ele governa!
Basta observar a porta ao
lado para ver a degradação da paisagem e, sobretudo, para entender que quem ali
se esconde está muito longe dos costas, dos passos e dos portas deste país…
13.5.13
Vou ficar a olhar para a
multiplicidade dos matizes. Sei que não os consigo diferenciar a todos, mesmo
ampliando a imagem… e enquanto o faço deixo de pensar nos jogos malabares dos
corifeus que nos desgovernam.
Há, no entanto, uma
pergunta que me atormenta: – Quem é que nos garante que o rosário de contas que
nos desfiam não é falso?
12.5.13
Se Alberto Caeiro aqui
tivesse posto os olhos
ninguém lhos arrancaria
dali!
As cores das flores e das
borboletas não o deixariam partir
os zumbidos dos besouros
e das abelhas seriam a música de todos os dias.
Pelo menos até que a
Primavera se despedisse…
ou os frutos maduros o
inebriassem…
11.5.13
O texto dramático "Leandro,
Rei da Helíria", de Alice Vieira, escrito em 1991 para o Teatro
Experimental de Cascais, surge, neste fim de semana, transformado num
novo texto cénico, em que o rei cede o lugar à rainha Leandra por ação do
Grupo de Teatro da Escola Secundária de Camões, dirigido por Maria Clara.
A transformação terá
causas diversas, talvez sobrepostas: a) entre 1991-2013, as mulheres lutam
pelo poder em condições de igualdade com os homens; a educação dos filhos
(e dos alunos) continua, em grande parte, em mãos femininas; c) as mulheres,
em contexto escolar, manifestam mais apetência pelas artes da
representação; o impacto da atual realidade revela os mecanismos
narcisistas, trazendo à luz a crueldade da condição humana, mesmo quando nos
esforçamos por ignorá-los.
Ao contrário da
maioria das histórias tradicionais, O Rei da Helíria não assegura
a continuidade do seu reino, e irá "morrer" num palco que, apenas
serve, para expor os seus erros como educador. De nada serve culpar a
desumanidade das filhas. Elas são a expressão da cegueira paterna/materna.
Só a assunção da cegueira permite ver o quanto iludidos vamos
vivendo.
No palco, todos se
movimentaram a contento, uns com maior desenvoltura, outros de forma mais
inibida. Para além da consagrada Graça Gomes (uma atriz cada vez mais
versátil!), há que seguir com atenção os novos atores (Daniela Lopes, João
Silva, Rita Júlio, Teresa Schiappa, João Figueira, Clara Mendes, Marta
Fernandes). A cenografia de Mário Rita cativa pelo seu simbolismo e pela
modo como regula os espaços. Adereços, figurinos, som, luzes
harmonizam e dão força às palavras...
(Se não me
pronuncio sobre outros atores que participam na construção desta peça é porque
só hoje assisti ao espetáculo. Resta-me dar os parabéns a todos, sem esquecer a
presença e as corteses palavras de Alice Vieira.)
10.5.13
Nesta
fúria de convergência...
Pessoalmente, nada tenho
contra a convergência desde que o rumo não seja o da mediocridade e / ou
o do pé descalço!
No caso da
convergência das reformas, a desonestidade quer tornar igual o que é
desigual, por exemplo, nos descontos para a CGA e para a CNP /SS. Os
funcionários do estado descontam o que lhes é imposto, à exceção de todos os
que beneficiaram de privilégios resultantes de compadrio e caciquismo
políticos.
Sobre os PRIVILÉGIOS cai
uma cortina de fumo que asfixia tudo à sua volta. Os mais altos dignatários do
estado recebem não a remuneração compatível com a função exercida, mas
pensões de reforma, tornando-se indignos dignatários...
Por outro lado, é sabido
que na CNP muitas pensões são baixas porque se optou por ocultar as verdadeiras
remunerações: há, ainda hoje, uma lista enorme de benefícios e gratificações
que não são tidas em conta para estabelecer os descontos...
Basta olhar à volta e ver
quantos não pagam transporte, quantos utilizam carros das empresas e do estado,
quantos utilizam cartões de crédito de que não prestam contas!
Nesta fúria de
convergência, quem é que identifica os titulares de pensões e de vencimentos
que nunca trabalharam ou que não o chegaram a fazer durante mais de 10 anos?
Nesta fúria de
convergência, quem é que identifica os falsos doentes que conseguiram
reformar-se com pensões muito superiores às daqueles que trabalharam mais de
36, 40, 45 anos?
Sejamos sérios! É
tempo de ajudar os políticos, da direita à esquerda, a rever os comportamentos!
A realidade é bem mais complexa do que a que nos é espelhada diariamente
pelo governo e seus apaniguados. Mas a realidade também é muito menos
simples do que aquela que nos é prometida pela várias forças de
oposição.
9.5.13
Ainda comemos o pão, mas
ignoramos o caminho: a semente, a planta, a espiga, o grão, o moleiro, a mó, a
farinha, o farelo...
Vem isto a propósito do
dia da espiga e respetivo simbolismo. No cesto, não vi a espiga nem a
videira, apesar do malmequer, da papoila, da oliveira e do alecrim... Na
realidade, faltava o essencial: o pão e o vinho, mas o cesto e o
ramo estavam à venda.
Não obstante, o que mais
me preocupa é a ignorância do caminho, é perceber que o
ensino vai matando a referência, esmiolando o pão, incapaz de alargar
a alma e de ir além do Bojador, pois não compreende que dobrar não é
vergar, mas contornar, de modo que o cabo submarino não
nos faça encalhar...
Mais do que o significado,
interessa conhecer o referente ( a realidade) e não a referência ou o
referencial, tudo significantes utilizados por quem há muito fugiu aos trilhos
e vive em circuito fechado, longe dos homens, dos campos e dos rios...
8.5.13
I - Nos últimos dias,
Passos e Portas experimentaram um tipo de encenação que visa iludir o cidadão
português e o credor estrangeiro. O efeito é duplo: desorientação do povo
e desconfiança do credor. A política torna-se, assim, num espaço de intrujice.
II - Depois do
revés da última 2ª feira, Jorge Jesus antecipa, no tapete vermelho que lhe
é servido pelos «media», uma vitória no terreno do adversário, evitando a todo
custo proferir a dolorosa elocução: - «Pai! Afasta de mim esse cálice!»
III - Hoje, o Clube Ler
para Viver e o Museu da Escola Secundária de Camões apresentaram na Biblioteca
Central uma encenação feliz. A Biologia, a Literatura, a Música e a Expressão
Visual aliaram-se e criaram um espaço dinâmico, onde os jovens leitores representaram
4 personagens femininas à procura de uma identidade que, no entanto, soçobra
num universo predominantemente masculino.
Nas palavras encenadas
sentiu-se, bastas vezes, a vingança das heroínas oitocentistas,
a alegria dos jovens intérpretes e a angústia da encenadora.
(Os clássicos do
Camões já estão alinhados para subir ao palco! Hoje, por detrás das grades das
altas estantes, enxerguei os faunos de Aquilino...)
7.5.13
Era uma vez um menino que
nunca saíra da Aldeia do Bispo, a sete quilómetros de
Penamacor. Conhecedor deste triste isolamento, o ministro Crato não
descansou enquanto não acabou com a discriminação que condenava a pobre criança
à boçalidade da parvónia.
Às oito horas em ponto,
um autocarro recolheu o menino ensonado, levando-o à sede do
agrupamento escolar "Ribeiro Sanches" - distinto enciclopedista do
século XVIII...
E qual Ribeiro Sanches,
em 90 palavras, o menino dissertou sobre as proezas de uma gaivota que, do
rio Pônsul, raptou uma sereia, levando-a em visita ao Palácio das
Laranjeiras do ministro Crato.
A esta hora, o menino da
Aldeia do Bispo, atormentado, não consegue adormecer: nunca ninguém lhe falara
da sereia do rio Pônsul e sobretudo, de gaivotas. E ele bem queria estar à
altura do desafio! Ainda se a sereia tivesse sido raptada por uma pega rabuda!
6.5.13
Acordei ainda o sol não
despontara, e logo me veio à cabeça que o dia iria ser longo e sombrio.
Paulo Portas
assombrara-me o sono, pois na véspera dera a entender que
combinara com Passos Coelho uma estratégia para aterrorizar a população,
surgindo, depois, como o redentor da franja grisalha... Esta
parelha, sem vergonha, brinca com o povo como o D. João V saramaguiano se
divertia a armar semanalmente a miniatura da basílica de S. Pedro.
Funcionário público
zeloso lá apanhei o 783 para o Saldanha e, de imediato, percebi que a luz
solar brincava comigo ao desconsiderar a minha degenerescência macular da idade
(DMI): as letras e os rostos insistiam em surgir distorcidos, e os neurónios, cansados
de tantas desconexões, arrastavam-me para um refúgio que deveria
situar-se longe da luz e do ruído...
Mas o que me esperava era
bem diferente! Corrigir e classificar dezenas de testes e, sobretudo, viajar
até ao Bairro Azul (escola Marquesa de Alorna) para cumprir a missão de
avaliador externo.
Claro que a
parelha desenvergonhada me perseguiu todo o dia, o silêncio deu lugar
a gritos frenéticos; só o sol acabou por me fazer o favor de, aos poucos, se
esconder, talvez, envergonhado do que ia iluminando cá em baixo.
5.5.13
Fica a sugestão de saída,
mas a realidade é bem distinta. Ao invés de antanho, escasseiam os meios.
Nenhuma Ordem de Cristo dispõe da verba necessária para que este povo se mude
para novo continente, nova ilha afortunada.
Na água boiam os anseios
de um povo prestes a submergir às mãos de corsários e de piratas. Os anseios de
um povo esmagado pela propaganda de um diretório prestamista sem rosto.
(Ontem, a propósito do
significado do exame da 4ª classe referi que a aprovação significava a abertura
do caminho que permitia a mobilidade social; hoje, acrescento que um diploma de
estudos superiores abre o caminho de retorno à miséria… tudo isto, num tempo,
em que o ministro da educação não passa de um ajudante do ministro das finanças
ao serviço do diretório prestamista sem rosto.)
4.5.13
Do
rigor do exame do 4º ano...
Em 1965, fui à sede do
concelho prestar provas do exame da 4ª classe. Provas escritas e orais.
Ato solene perante júri desconhecido. Nunca soube o custo, mas lembro que o meu
pai fora obrigado a emigrar e que a minha deslocação implicou pagar a carreira,
sapatos novos, roupa nova... As provas tinham um peso de 100% e distinguiam o
sucesso do insucesso escolar. Reprovar era uma vergonha para o candidato, para
a família e para a comunidade.
Ser aprovado era o 1º
passo da mobilidade social para muitos portugueses dessa época.
Dentro de dias, regressa
o exame do 4º ano. Ato administrativo perante funcionários anónimos. De acordo
com um secretário de estado da educação, o custo do exame nacional acrescenta
600.000€ ao custo das desprezíveis provas de aferição, não esclarecendo
qual era o custo destas últimas. Para ele trata-se de uma
insignificância. Acontece, no entanto, que muitos dos pais e dos
irmãos dos jovens examinandos estão desempregados ou já partiram à procura
de trabalho fora desta bendita terra.
Agora, o peso do exame é
de 25% e, caso, o aluno não fique, de imediato, aprovado, os desprezíveis
professores vão ser obrigados a recuperá-lo para novo exame, cujo custo o
senhor secretário de estado ignora. Reprovar será uma exceção e nada dirá sobre
a qualidade das aprendizagens... e quanto à mobilidade social, o que pensar de
um regime que promove a mediocridade na educação, desprezando os agentes que a
deveriam promover?
O anunciado rigor dos
estadistas do passado e do presente em pouco diverge: no passado, abria as
portas do escol que haveria de guiar a nação nos seus messiânicos
objetivos; no presente, nivela por baixo, abrindo as portas à escumalha que,
inevitavelmente, conduzirá ao fim da nação.
3.5.13
Desta vez, fiz o percurso
a pé. Quis comprovar se, depois das cheias, o Tejo continuava transbordante.
Afinal, está assoreado! Tal como no último Verão!
Triste indicador! A ponte
cumpre a sua função, ao contrário da ministra Cristas que, ainda, não percebeu
que o desperdício de água se paga caro… e, em maio, o Tejo vai morrendo aos
poucos...
2.5.13
Ciente de que a burrice
me consome o tempo que me resta, insisto, todavia, em explicar que não há
conteúdo sem continente, que não há compreensão sem expressão, que a imaginação
verbal pode ajudar a diminuir a cerração...
De momento esta
explicação, devidamente exemplificada - a bolsa, o baú, o copo, a ânfora,
a mochila, o contentor, a jarra, a mala, o táxi, o avião, o país, a urna, a
europa, a ásia... - interessa a muito pouca gente.
Talvez porque, para me
contrariar, uma boa parte da humanidade também insista em explicar-me que não
tem conteúdo, e assim, vai ocupando o tempo que lhe sobra a bater com a
cabeça na parede em frente até que o coma advenha ou, em alternativa, a pisar a
cabeça de todos os que se vão pondo a jeito.
1.5.13
(A cabeça já circunda
os Restauradores enquanto a cauda se arrasta 500 metros atrás; o
tronco, esse, serpenteia ao longo da Avenida; os "língua" apelam à
revolta no eco das lagartas das chaimites... É ainda a ideia de
que o futuro pode ser mobilizado pelo passado!)
Eu não estou lá, mas é
como se estivesse! Bastou-me estar lá na alvorada para perceber que a repetição
me incomoda, me atrasa e me surripia a matéria de que sou feito. Eles ainda têm
alma! Eu nunca a tive, pelo menos, nunca tive uma alma encenada que, em certos
dias, salta dos bastidores e ocupa o proscénio...
Por isso, hoje, trabalho
todo o dia em múltiplas tarefas, ciente de que me estou a atrasar e de que a
matéria de que sou feito se está a esgotar! Ciente de que todo este trabalho em
nada diminui a dívida! Ciente de que tudo isto (e aquilo) é triste e reconhecendo,
finalmente, que escrever só pode ser triste.
Por isso vou agora sair
para apenas caminhar durante uma hora, não na Avenida, mas nas ruelas desta
freguesia (e talvez da vizinha). Vou sozinho..., mas regresso (espero!) menos
só!
30.4.13
A sociedade de
informação, que se revela incapaz de investigar a extensão e a
constituição da dívida pública, como se esta fosse segredo de
estado, não tem qualquer pejo em desvirtuar «os limites externos à
liberdade de informação».
No dia a dia, em nome da
democracia, a sociedade de informação despreza a vida privada e familiar, os
dados pessoais informatizados, a confidencialidade da situação tributária dos
contribuintes, o segredo de justiça. E fá-lo com a conivência ou, mesmo, instigada
pelo Estado.
Na verdade, a comunicação
social sente-se autorizada a, por todos os meios, inquirir o cidadão, expondo-o
na praça pública, linchando-o sem apelo nem agravo.
Por outro lado, esta
prática alastrou ao mundo empresarial. Qualquer empresa dispõe, hoje, de
uma base de dados e de um call center prontos a manipular o
cidadão-consumidor.
E curiosamente, a
sociedade de informação, apesar dos seus múltiplos tentáculos, não avança um
passo no sentido de esclarecer o contribuinte sobre a dívida pública.
Sobre a sua história, sobre a história dos empréstimos pedidos pelo estado português
e pela banca portuguesa ao longo do século XX e nestes últimos trezes anos.
Valeria a pena saber se, na verdade, o empréstimo a 99 anos para amortizar a
dívida acumulada em 1902, na sequência da bancarrota de 1892-93, foi saldado em
2001. Ou se antes, quando e como?
Por enquanto parece ser
mais simples reduzir tudo a uma mesquinha luta político-partidária... e
mais tarde não me venham dizer que eu não avisei! (A.C.S. - o
homem que melhor conhece os segredos do estado português, depois
do inamovível Dr. Oliveira Salazar!)
28.4.13
Podia tentar escrever
sobre o congresso do PS, mas não entendo nada do que lá se passa! Parece que o
José Seguro se imagina o novo homem providencial, capaz de solucionar o que o
próprio partido construiu e destruiu, sem nunca assumir a responsabilidade da
falência em que o país se encontra. O PS continua a viver no oásis!
Podia escrever sobre um
Governo que passa os dias em conselho extraordinário, mas não entendo o que lá
se passa! Parece que o Portas insiste em contrariar o Gaspar, incapaz de impor
aos restantes ministros um programa que combata o despesismo do Estado...
Podia escrever sobre os
portugueses que, supostamente, viveram acima das suas possibilidades, mas, a
cada dia que passa, todos os indicadores apontam para erros graves de um
conjunto de decisores que, na maioria, continuam em lugares de relevo, em vez
de estarem presos.
Chegado aqui, não apetece
escrever, pois os únicos que acabarão por cair são todos aqueles que insistiram
(e insistem) em eleger quem os não representa e se aproveita para
delapidar o país e, simultaneamente, encher os bolsos...
Em alternativa, posso
escrever sobre o vento frio de abril, sobre as flores de abril, sobre as
colmeias de abril, sobre os formigueiros de abril, sobre os velhos de
abril, sobre os jovens de abril... sobre a miséria de abril!
27.4.13
O vento frio pôs cobro à
aventura em Escaroupim. Dias antes, explicara que a relação sinestésica despertada
pelo vento era, primeiramente, táctil, e só depois, por exemplo, auditiva: «eu
escutava (…) os relinchos vítreos do vento…» V.F., Manhã
Submersa
Desta vez, não foi
necessário soltar os cavalos; o balanço dos pinheiros foi um indicador
suficiente para afugentar os mais friorentos.
De qualquer modo, ainda
fui a tempo de revisitar a aldeia e, sobretudo, de espreitar a Ilha das
Garças. Aos milhares, esvoaçavam para quem as quisesse ver.
26.4.13
Ali perto do Tejo, uma
dezena de cortiços! As abelhas pressurosas contrastam com 4 trabalhadores florestais
que, encostados à furgoneta, esperam pela hora de almoço.
Não esperem que eu
coloque aqui uma foto desses jornaleiros, pois não quero denunciá-los à
entidade patronal. Pareceu-me até que a imobilidade das 11h30 resultava de se
terem de tal modo aplicado que o combustível que lhes alimentava as
ferramentas de trabalho se esgotara.
25.4.13
Uma hora de caminhada.
Duas furgonetas em sentido contrário. Numa delas, um casal e, certamente, uma
história. Uma história deles que fica por contar por ser só deles. Um
motociclista lento dos atalhos e um ciclista que saúda, apressado…
Eu, a pé, desperto para a
novidade que, afinal, é apenas mudança cíclica ou sinal de morte prematura. As
flores de abril cumprem a função de nutrir as abelhas… e as formigas de abril,
indiferentes aos pés que as podem calcar, transportam o pão para galerias que
só a elas dizem respeito…
E eu que sei que abril
divide, caminho para o rio oculto até que o caudal barrento começa a espreitar
por entre um arvoredo sequioso e impenitente…
Na outra margem, um
trator cumpre a função de preparar o terreno para nova colheita, e as aves,
intermitentemente, transportam-me para a foz…
24.4.13
Em 24 de
fevereiro de 2010, no Auditório Camões, Vasco Graça Moura convidou-nos
a ouvir, memorizar e recitar os versos do poeta David Mourão-Ferreira,
porque em cada verso escorre o agora, nas suas dimensões de
passado, presente e futuro… E esse é o território da poesia, do ser… e sempre
que ela acontece, o paraíso ganha corpo.
Hoje, 24 de abril
de 2013, na Biblioteca central, Vasco Graça Moura, num esforço
admirável, surge para entregar a cada um dos alunos o livrinho que
reúne "O olhar dos Jovens sobre o Amor de Perdição - As Cartas de
Perdição". E mais uma vez, o homem de cultura deu conta da
necessidade de envolver os jovens na criação a partir da leitura dos
«clássicos», incentivando-os a efabular sem constrangimentos, pois só
o tempo dirá se também eles, um dia, poderão engrossar a galeria dos
clássicos.
Para mim, no
entanto, mais importante do que disponibilizar o Centro Cultural de Belém
para apoiar e editar novos projetos de leitura e de escrita, foi a
oferta à BECRE da Obra Completa de Ruy Belo, foi o apontar do caminho...
Em tempo de parcos
recursos, a leitura individual e partilhada pode muito bem ser o caminho!
Nesse sentido, só posso
aplaudir as iniciativas do CLUBE LER PARA VIVER.
(Os meus
agradecimentos aos 22 alunos, aos professores e a todos aqueles que, de
algum modo, contribuíram para que a exposição CARTAS DE PERDIÇÃO fosse
possível.)
E já agora um outro
caminho possível:
«dizem que vais
nascer; que há métodos de
determinar-te o sexo. que
a tua mãe deseja
respirar o teu sopro, tua
mobilidade,
teu mamar; tirar o teu
retrato.
para quê prever-te
o nome ou preparar
roupas rendadas? ninguém
há-de cumprir-te
que te cumpras. e
tentarão salvar-te a alma
com água e óleo e
sal.»
Vasco Graça Moura, da
vida humana 1
23.4.13
Ele
mora num campo rubro de papoilas
1913-2013 - Cem anos!
O Estado Novo. Para mim,
um quarto longe da luz, a disciplina cega; para ele, a masmorra junto ao
mar, a disciplina libertadora; certo dia, saí do quarto escuro, e só encontrei
sombras; ele fugiu da masmorra para a terra prometida - eu era apenas uma
ovelha tresmalhada; ele era o pastor de um novo rebanho...
(e aqui começa a
divergência: eu deixara de estar disponível para integrar qualquer rebanho;
ele, ortodoxo, disciplinava; eu, heterodoxo, indisciplinava.)
O cravo desabrochou em
Abril, e ele regressou para impor a disciplina dos cravos. E eu, olhava à
volta, e só via papoilas!
(E a divergência
cresceu: o país das rosas de Isabel e das muralhas fortificadas era então o
país dos cravos e das muralhas de aço e das rosas templárias. E eu, olhava à
volta, e só via papoilas!)
Hoje, atravesso as
mesmas galerias que ele calcou, entro na sala 44 e, de
súbito, oiço-o, a ler atentamente Raúl Brandão e não a bíblia
marxista-leninista-estalinista. Para mim, ele mora num campo rubro de papoilas!
22.4.13
50.000
alunos já viram Felizmente Há Luar!
Mais de 50.000 alunos
assistiram à representação de Felizmente Há Luar! pelo grupo
dramático A Barraca. A declaração é de Maria do Céu Guerra que,
hoje, se revelou feliz com o comportamento dos alunos. Sala lotada,
telemóveis desligados, quase todos! Silêncio, quase sempre!
Resta saber se os
mesmos 50.000 alunos leram o texto dramático de Luís Sttau Monteiro, se
conhecem minimamente a ação do dramaturgo, e se seguem com alguma atenção o
desempenho da "alma" da companhia. À entrada, alguém me perguntou qual
era o "assunto". Lá fui dizendo que após as invasões francesas, por
cá ficaram os ingleses com a missão de criar um exército português... Sempre os
estrangeiros a libertarem-nos de outros estrangeiros e a tirar vantagem do
negócio. O Marechal B. repetiu-o bastas vezes... e claro desviei para o general
Gomes Freire, mas era tempo de subir a escada apertada até à sala 2...
Não sei quantas vezes já
estive naquela sala, mas sempre que lá vou sinto-a acanhada e perigosa. O texto
de Sttau Monteiro tem sido depurado, diria mitificado, de tal modo que, por
vezes, fico com a sensação de que algumas personagens ganharam um ar burlesco,
apesar da seriedade, mas também do tom patético, infantil e quase alienado de
Matilde, como se o mundo que a cerca só existisse para lhe salvar o
marido.
Quanto à regência, desta
vez, evitou as alusões ao Estado Novo e à Troika.
Enfim, só não percebi (ou
evito saber) por que motivo o luar (projetado) passou de amarelo a vermelho.
Parece que a lua se transforma em sol, em promessa
de derradeira libertação!
Em termos didáticos, urge
que os alunos não se fiquem por aqui, pelo espetáculo. Por vezes, a vida
está no texto!
21.4.13
Manhã
Submersa, um olhar demorado
A linguagem dos
elementos, em Vergílio Ferreira, é, por vezes, aterradora.
O VENTO bestializado, qual lobo da montanha, surge luminoso e
furtivo, prestes a devorar o rebanho de Deus. Nem a montanha nem o rebanho
de Deus são explicitados, mas os termos selecionados para
caracterizar a fome do vento apontam na sua direção.
«O vento árido de
fevereiro trazia sempre ao Seminário doenças e mau agoiro. Era um vento esguio
e furtivo, de pelo no ar, rebrilhante e facetado muitas vezes de um sol frio de
vidro. Recordo muito bem as suas unhas de arame, a sua presença nítida,
escanhoada em azul, pura no esquadriado das arestas. Branco e arguto das
geadas, tinha uma astúcia fina, penetrando, por qualquer fresta, nos compridos
corredores e salões.»
Por outro lado, a recusa
das «palavras cunhadas» fá-lo personificar as DUAS LAMPARINAS. Elas
ocupam o espaço habitual das «devotas» ou, no melhor dos casos, dos
piedosos pastores do rebanho de Deus.
«Duas
lamparinas, aos cantos da camarata, oravam recolhidas, de contas na mão, à
anunciação da morte.»
Finalmente, o
pavor do adolescente cresce no SILÊNCIO, também ele bestializado,
talvez morcego, à medida que o VENTO, agora, equídeo, se solta contra as
vidraças da camarata.
«Um silêncio ofegante,
pesado de suor, inchava ao comprido do salão, subindo pelas colunas até às
nervuras do teto. Amedrontado, eu escutava ansiosamente todos os rumores da
noite, o arfar da doença à minha volta, os passos nos corredores, os relinchos
vítreos do vento...» Manhã Submersa, 1954
Na verdade, o equídeo mais não é do que o «corcel negro»
que vinha buscar o Gaudêncio, a mando daquele Deus, que ele ousara
desafiar ao questionar a sua existência, libertando António Lopes da incómoda
questão, e deixando-o livre para se entregar à incessante busca do que em si se
perdera ao entrar no seminário - a MULHER.
Há certamente um tempo
anterior às palavras!
Envoltos no esgrimir de
ideias intangíveis, aceleramos e quando damos conta já não podemos voltar ao
ponto de partida. As palavras já não representam o que pensamos, mas o que
os outros delas compreenderam. E como não temos o dom da heteronímia, de
repente percebemos que a comunicação se tornou equívoca ou, mesmo, absurda.
E é nesse momento que
gostaríamos que o tempo se despojasse da palavra.
(Não se trata,
aqui, de arrependimento, mas do reconhecimento de que quando os pontos de
partida são difusos, o comboio raramente para na nossa estação... Corremos em
linhas paralelas, intangíveis, para um ponto inexistente. Espero que
perdoem a anfibologia!)
20.4.13
Ainda adolescente, alguém
terá pensado que a minha educação passaria por servir a «Conferência de S.
Vicente de Paulo». Não me lembro de me terem explicado como é que a «sociedade»
funcionava. Lembro, no entanto, que, num determinado dia de cada mês,
me deslocava a uma casa dos arredores de Santarém, onde deixava um saco de
arroz, bacalhau, batatas e farinha, aos pés da cama de um moribundo. Não
sei se alguma vez lhe conheci o nome, mas recordo para sempre que o
homem padecia de um indescritível e doloroso cancro do esófago, o que
o impedia de falar e de respirar. E continuava a fumar! À volta,
os sinais eram de abandono e de medo. Não sei bem por que motivo este
meu voluntariado involuntário cessou. À distância, a única explicação que
encontro resulta da minha súbita mudança de rumo... (Hoje o cheiro do tabaco
atordoa-me.)
Anos mais tarde,
vi-me na situação de acompanhar (e de financiar) novas formas de
voluntariado que continuavam a aproveitar o espírito solidário dos jovens.
Fi-lo sempre com alguma reserva, pois tinha a sensação de que as ONGs se
dividiam em «voluntários profissionais» e em «voluntários
amadores». Frequentemente, os projetos dinamizados eram fruto da
abnegação e da energia criativa dos tais jovens solidários. (E nesse
contexto, passei a viver à força nos bastidores!)
Atualmente, a
maioria dos jovens voluntários não encontra emprego ou pura e simplesmente
perdeu-o. De pouco lhes serviu a abnegação, a criatividade, o sacrifício!
Quanto a mim, é cada vez
mais claro que a caridade e o assistencialismo não passam formas encapotadas de
exploração não só dos mais necessitados como dos voluntários genuínos.
19.4.13
Há pessoas cuja presença,
por si só, incomoda!
Há outras cujas palavras
desconexas aborrecem!
Outras ainda irritam
pelas palavras sabujas!
Há ainda as
palavras dos catecúmenos, dos pioneiros, dos correligionários, dos fãs!
Palavras sujas, gastas,
repetidas!
Há também as palavras
pífias!
Hoje, subitamente, a
Assembleia da República desatou, em uníssono, a namorar! Parecia o Dia dos
Namorados! Não sei se ofereceram flores, se se oscularam, mas desconfio
que, ao regressarem a casa, só encontraram o silêncio dos traídos...
Ultimamente, as palavras têm
ganho a espessura e a forma da gelatina!
Será certamente essa uma das razões por que a memória me devolve a
incómoda presença de Vergílio Ferreira:
«Nada mais há na
vida do que o sentir original, aí onde mal se instalam as palavras, como
cinturões de ferro, aonde não chega o comércio das ideias cunhadas que
circulam, se guardam nas algibeiras.» Vergílio Ferreira, Aparição
Ora, só há vida se o
sentir for original!
18.4.13
Com tantos Camões a
limpar a fachada, a disfarçar as rachas das paredes, a varrer o pólen dos
plátanos, amanhã, a escola vai estar um brinquinho!
Mesmo que as cartas
náuticas tenham sido recolhidas, nenhum aluno, émulo do Poeta, chegará atrasado
e deixará de catrapiscar a colega do lado. E, sobretudo, nenhum perderá a
oportunidade de ser feliz!
E nem a Troika nos fará
desistir da cousa começada!
Há sempre uma solução nas
trovas do Poeta.
A segunda,
a D. Francisco de Almeida
Heliogábalo zombava
Das pessoas convidadas,
E de sorte as enganava,
Que as iguarias que dava
Vinham nos pratos
pintadas.
Não temais tal
travessura,
Pois já não pode ser
nova;
Que a ceia está mui
segura
De vos não vir em
pintura,
Mas há-de vir toda em
trova.
A terceira,
a Heitor da Silveira
Ceia não a papareis;
Contudo, por que não
minta,
Pera beber achareis,
Não Caparica, mas tinta,
E mil coisas que papeis.
E torceis o focinho
Com esta anfibologia?
Pois sabei que a Poesia
Vós dá aqui tinta por
vinho
E papéis por iguaria.
Banquete dado na Índia a
fidalgos seus amigos
17.4.13
«Eu queria ser simples naturalmente
sem o propósito de ser simples.
Saberia assim sofrer com mais calma
rir com mais graça.
E saberia amar sem precipitações.
Nas minhas ironias haveria generosidade.
Nas minhas amarguras
haveria conformação e paciência.
(...)
Eu queria ser simples naturalmente
sem saber que existia a simplicidade.
JORGE BARBOSA, Claridade, Janeiro 1947
Não peço nada de
extraordinário! Não peço riqueza! Não peço «a perfeição das coisas»! Nem ir
além da Taprobana! Nem quero desistir da cousa começada! Peço apenas que
me deixem sumir naturalmente... Se estiverem de acordo, prometo não me
intrometer em nada que não seja natural!
16.4.13
A natureza, em
si, simplesmente não existe neste romance ou, por outras palavras, ela
mais não é do que a projeção do estado de espírito do protagonista (e de
certo modo do narrador/autor):
A - «Pelas portas das
janelas sem vidros, eu via os campos enrodilhados de fúria, aguentando
no dorso a praga de calor. Um olho ingente baixava do céu, fitava os
campos, um silêncio rígido vibrava verticalmente como corda retesa.»
B - «Longo tempo uma
ave negra pairou sobre nós, unindo-nos com as suas asas compridas.»
C - «Saí. Um rumor
larvar alastrava pelos campos já um pouco desafrontados pelo calor. Um
vento largo de céu e de montanha erguia-se do fundo do tempo, curvava com o
azul e caía longe, para lá da noite que viria.»
D - «Um sol
avermelhado rasava as árvores do jardim, coroava em silêncio a
cabeça dos montes. No ar fresco de brisas, as pancadas do tanoeiro
subiam para o céu, de grandes braços abertos. Num instante parei frente à
janela a olhar tudo isso, banhado de súplica sem esperança.»
Quatro exemplos e em
nenhum deles, a natureza tem autonomia ou contraria o EU.
Ela, apenas, reflete a revolta, a condição, o desespero, o destino do
sujeito, o desejo de que a morte o liberte da prisão materna, da prisão
pequeno-burguesa, da prisão do seminário...
A miséria, a fome, a
ignorância, a submissão impõem a António Santos Lopes um caminho sem
retorno!
15.4.13
Leio e releio Manhã
Submersa, de Vergílio Ferreira, e só encontro silêncio, solidão, ocultação,
noite, medo, pavor, pesadelo, inferno, demónios (solitário e carnal), censura,
crime (pecado), castigo (físico e psicológico), castração, amputação, MORTE.
As estações estão lá, mas
anoitecidas, pavorosas, como se fossem pedregulhos prontos a esmagar os
Gaudêncios, os Gamas e os Lopes. A natureza é um lugar horrendo (locus
horrendus): «O vulto grande das árvores crescia na escuridão, como faces
lôbregas que avançassem aos urros para mim. Mas eu corria sempre, tropeçando
nos canteiros, tropeçando no meu horror, até que finalmente me atirei para um
banco junto a um tanque de águas mortas.»
As árvores, as águas, o
silêncio, a noite, as vozes são a expressão da morte lenta de jovens que, no
íntimo, apesar de não terem projeto de vida, a única vocação que
pressentiam era a do sangue, da seiva, da libertação…
A outra vocação era lhes
imposta pela origem humilde, pelo «ódio infeliz de uma fome que não se
cumpriu».
Por instantes deixo-me
surpreender pela placidez da natureza de maio: «No pequeno jardim do
Seminário rescendiam as violetas, os campos em redor estavam verdes de
promessa, e no ar cálido, ao escurecer, ecoava brandamente a memória breve do
dia. À noite fazia-se a devoção do mês de Maria com flores, luzes e cânticos.
Era uma devoção bonita, literária como o Natal e cuja unção nós explorávamos
frequentemente nos exercícios de Português.»
Afinal, maio era uma
devoção literária!
14.4.13
No intervalo, a polémica
sobre os direitos! Vamos ver qual será o resultado…
Pelo menos, o
estacionamento deixará de olhar o mar! E tudo, à volta, fica com um ar mais
limpo!
Esperemos que a
modernização dos equipamentos não esconda qualquer favorecimento e consequente
enriquecimento ilícito…
13.4.13
Estas flores foram
colhidas hoje. Fruto genuíno deste Abril, elas rivalizam com muitas outras que
aqui não registo, mas que guardo no meu álbum.
Deixo-as aqui para todos
os que nos últimos anos vêm insistindo no cravo e na rosa, que não compreendem
a sua caducidade, e que ignoram que, depois das chuvas, a natureza resplandece
em novidade e cor.
E que sem esse esplendor
não há futuro!
12.4.13
Ninguém sabe quanto vale
o património português na Balança da Europa.
De tempos a tempos,
regresso ao Convento de Cristo, em Tomar, e saio de lá com a sensação de que
nem tudo é feito para lhe devolver a dignidade que ele merece como monumento
representativo da identidade portuguesa.
Portugueses e
estrangeiros continuam a deparar-se com a fachada degradada, apesar do restauro
que tem sido feito no interior.
Se o problema é de
financiamento, parece-me que o melhor seria onerar um pouco mais o preço do
bilhete de entrada, reservando essa receita para o restauro e conservação do
edifício.
Portugal tem, em muitos
casos, um património mais antigo e mais valioso do que outros povos europeus,
que continuam a ver-nos como se fossemos os cafres oriundos da África
equatorial.
Para combater o
estereótipo, há que apostar na limpeza!
11.4.13
Depois de no Convento de
Cristo terem sido armados novos cavaleiros da Ordem de Cristo, rumámos a
Constância. Aos poucos, o sol instalou-se no Horto do Poeta… e eu fui
esquecendo que deveria estar a participar num fórum sobre construção de itens
de resposta restrita ou a responder às questões que me iam caindo no telemóvel
sobre a avaliação externa.
Cheguei mesmo a esquecer
a notícia de que a reforma só aos 67 anos de idade!
10.4.13
Hoje, são filtros! Ontem,
era a censura! Outrora, a consciência!
Na
minha adolescência, o exame da consciência era diário e tinha hora
marcada. Cedo, percebi que esse exercício me trazia prejuízo - sentimento de
culpa. Mais tarde, entendi que esse era o objetivo: a responsabilidade era
individual - o mal estava do meu lado, e por isso o inferno era o meu destino.
Ao sair da adolescência,
Freud convenceu-me que a consciência não passava do parente pobre do meu
psiquismo, pois ela mais não era que os olhos cegos do
poderoso subconsciente. Lá se acoitavam os padrões de cultura - começava a
compreender que a responsabilidade me era imposta, apesar da minha margem de
revolta ser limitada. E Sartre passou a acolitar Freud com a famigerada ideia
de que l'enfer ce sont les autres! De qualquer modo, o que mais me
seduziu foi o ignoto deo freudiano - o inconsciente (o ID)! De
súbito, mergulhei no fascínio de que a censura, imposta pelo
consciente e pelo subconsciente, se diluísse numa escrita dadaísta /
surrealista! Havia por ali uma líbido insaciável que subjugava tudo -
o prazer deixara de suportar qualquer tipo de censura; a arte deixara de
suportar qualquer tipo de censura; a ideologia, em nome do
inconsciente coletivo, desprezava de tal forma a censura que ressuscitou a
antiga CENSURA... e o genocídio dos outros!
Agora, começo a
persuadir-me que o tempo mais não é que uma série de filtros! E
relembro a velha mula a quem o cabresto reservava duas belas palas que lhe
restringiam a visão lateral! A realidade está de tal
maneira secionada que deixei de ter hora marcada para o velho exame
de consciência e, ao passar na Avenida do Brasil, chego a pensar que os
seguidores do ignoto deo freudiano enriqueceram a vender
todo o tipo de filtros...
E mais não acrescento,
porque já estou a pensar que a pala (o filtro) não passa de uma
máscara. E eu não sou assim tão antigo! Ou serei?
9.4.13
No Auditório da Escola
Secundária Luís de Camões, João Tordo, 37 anos de idade, explicou o que entende
ser o ofício de escritor a uma plateia de cerca de 200 alunos e
professores.
Através de um discurso
provocatório e num registo familiar a roçar o non-sense,
interpelou os jovens que dão mais atenção ao marketing do que ao
trabalho, preferindo ler José Rodrigues dos Santos, Fátima Lopes ou Júlia
Pinheiro e quejandos, àqueles que se aplicam arduamente no exercício da
escrita.
Para João Tordo, o ato de
escrever, mais do que compilação de informação, exige uma imaginação narrativa
que seja capaz de inventar uma história a partir de motivos reais, mas
intangíveis, como se corressem lado a lado, impossibilitados de se tocarem.
A arte do narrador existe
quando consegue dar verosimilhança a essas linhas soltas e
descontínuas do real.
Finalmente, não querendo
desobedecer à proibição de o citar nas redes sociais e blogues, registo
para a pequena história que João Tordo vive incomodado com um dos vizinhos
da Travessa do Possolo e que deixou de pisar a relva, pois teme cair
nalgum inferno onde a leitura e a escrita tenham sido abolidas.
(Organização do evento:
António Souto com a prestimosa ajuda de Maria Teresa Saborida)
8.4.13
Sem precisar as medidas
que poderão vir a recair sobre a pasta que tutela, Crato disse apenas que é
necessário “evitar uma série de gastos”, que têm de ser reduzidos por parte da
despesa.
Antes de ser ministro,
Nuno Crato tinha ideias concretas sobre as áreas em que era necessário
cortar na despesa.
Chegado ao MEC,
esqueceu-se dessas áreas (desses lobbies)! Esperemos, entretanto,
que Mnemosine o inspire desta vez, e que não se limite à receita de mandar os
professores para o desemprego e de reduzir salários.
Finalmente, sei bem que
Nuno Crato não acabará com a renda que paga ao ensino privado e confessional,
poderia, todavia, encerrar e vender uma boa parte dos edifícios que acoitam uma
multiplicidade de serviços supérfluos e dados a experimentalismos bacocos.
7.4.13
Voltamos ao Plano A!
Passos Coelho assegura que tudo fará para destruir o Estado. Compromete-se a
reduzir a despesa nas áreas sociais, atirando para a miséria a maioria da
população...
Infelizmente, António
José Seguro não revela qualquer capacidade de apresentar alternativas
concretas e viáveis. Acaba de adiar a sua reação à comunicação do primeiro-ministro!
No que me diz respeito,
se é necessário cortar nas despesas da educação, proponho, desde já, a extinção
do GAVE e do programa de Avaliação externa dos docentes. Neste fim de
semana, gastei 4 horas a construir itens de resposta restrita, a pretexto
da formação de professores classificadores. E também despendi 3 horas a
elaborar um instrumento da Observação da Dimensão Científica e Pedagógica no
âmbito da avaliação externa. E para quê? E, a propósito, qual é o custo dos
exames promovidos pelo GAVE?
É, no entanto, mais fácil
degradar a educação, despedindo professores, do que extinguir organismos, na
circunstância, supérfluos.
6.4.13
Apesar do governo
insistir que não há um plano B, eu estou convencido que existe. E que ele está
nas mãos do presidente da República.
No essencial, resume-se à
revisão da Constituição, com a consequente redefinição das funções do
Estado.
O plano A já pressupunha
a revisão da Constituição, mas faltou o engenho para unir o PSD, o PS e o CDS
em torno desse objetivo.
Por isso encaminhamo-nos
para eleições autárquicas sem que a reforma dos municípios tenha sido feita.
Por isso continuamos a
sustentar empresas públicas extremamente endividadas.
Nem vale a pena referir
os desfalques que ocorreram e vão ocorrendo um pouco por todo o país!
E tudo impunemente!
Entretanto, o Dr.
António José Seguro, revelando fina argúcia, vem dizer-nos que quem fez os
estragos que os resolva, e que está pronto a substituir o Dr. Passos Coelho!
Parece assim que, para
que o plano B possa avançar, vai ser necessário que o PS pense
seriamente em redefinir a sua estratégia e, consequentemente, mude de
secretário-geral.
5.4.13
«Porque, enfim, tudo passa;
Não sabe o Tempo ter firmeza em nada;
E nossa vida escassa
Foge tão apressada
Que quando se começa é acabada.»
Luís de Camões, excerto de Ode IX
Depois de um Camões
"alegre", chegou a vez da "liberdade em Camões". Tudo à
maneira romântica! Sem tempo nem paciência para ler a obra, respiga-se meia
dúzia de versos e solta-se a voz...
No que à liberdade
respeita, para além de enaltecer a competência real de assegurar a «nossa
liberdade», a liberdade pátria, o Poeta vassalo é parco em referências à
liberdade, pois a sua condição surge permanentemente determinada pela (má)
Fortuna e pelo Amor. Sem falar nos erros...
Por vezes, atreve-se a
falar do alvedrio, do livre-arbítrio, mas não lho deram. E
sobretudo, na sua poesia, as esperanças transformam-se
repetidamente em desenganos e em mágoas.
A vida é de mudança e
de dor, e mesmos essas sujeitas ao inexorável Tempo!
Que não se queira
ou possa ler, entende-se! Que se deturpe, magoa...
4.4.13
Gabinete de Avaliação
Educacional
Tipologia de itens
«Os itens de resposta
restrita e de resposta extensa favorecem os alunos com facilidade de
expressão, mesmo quando não é apenas esse o objetivo da avaliação.»
Não creio que haja alunos
com facilidade de expressão! Há alunos que se exprimem com maior ou menor
facilidade de expressão.
O que interessaria
avaliar, externamente, é se os alunos são submetidos ao mesmo
treino verbal ou se, simplesmente, ficam entregues à circunstância de terem
crescido em ambiente socioeconómico e cultural favorável ou desfavorável.
A avaliação externa, seja
de alunos seja de docentes, continua incapaz de definir objetivos que
visem melhorar o sistema educativo.
Em Portugal, este tipo de
avaliação consagra a mediocridade!
Se houvesse dúvidas,
bastaria avaliar o perfil do ministro que acaba de ser demitido – Miguel
Relvas. Neste caso, a avaliação externa acabou por dar frutos...
Haja esperança!
3.4.13
Semen, seminis...
Se ontem me referi à
função do seminário para a igreja católica, hoje quero acrescentar que à Semente e
ao Sémen é necessário adicionar o Sema. E,
assim, o padre evangelista saía a lançar à terra o sema (a palavra), que não o
sémen ou a semente... o primeiro porque convinha que fosse recalcado
(sublimado), o segundo porque só deveria ser entendido enquanto metáfora
inicial de uma alegoria adequada à ruralidade daqueles tempos...
Ao encurtar a palavra,
regressamos à Grécia, ao radical sem- (...) à
confluência da vida vegetal, animal e humana com a linguagem. Há
algures um ponto seminal em que tudo começa a reproduzir-se e a fazer
sentido...
E as limitações começaram
com os sacerdotes!
2.4.13
Há quem tenha vivido no
seminário, como eu! Há quem tenha participado em seminários, como eu! Há quem
tenha dirigido seminários, como eu! Há quem tenha lido o Sermão da
Sexagésima, como eu!
Há quem não tenha feito
nada disto! E alguns, só partilharam uma ou outra experiência... Mas só, hoje,
compreendi a razão de ser do seminário.
No Sermão da Sexagésima,
o Padre António Vieira acusa a cobardia dos pregadores que preferiam o paço aos passos,
e explica com clareza que a missão do padre é sair a semear (seminare)
a palavra de Deus, que não a deles... a lançar a semente à terra, que não
o sémen...
Deste modo se pode
compreender que o seminário seja para a igreja católica um espaço
regulador e castrador, cujo objetivo essencial é transformar o sémen em
semente. Como diria Freud, o objetivo é sublimar a líbido em energia
espiritual.
É precisamente
essa transformação do sémen em semente (palavra de Deus) que António
Santos Lopes (Manhã Submersa, de Vergílio Ferreira) nunca conseguiu
aceitar, vendo no seminário um lugar crepuscular, onde o SILÊNCIO surge como
regra disciplinadora e não como caminho de descoberto do EU absoluto,
divino...
1.4.13
Vej’eu as gentes andar revolvendo,
e mudando aginha os corações
do que põen antre si as nações;
e já m’eu aquesto vou aprendendo
e ora cedo mais aprenderei:
a quen poser preito, mentir-lho-ei,
e assi irei melhor guarecendo.
Pero
Mafaldo (excerto de serventês moral)
A tradição avaliza a
mentira, dando ao indivíduo um meio de combater a impostura coletiva…
Recentemente, a mentira,
que, tempos atrás, era designada de “não verdade” ou de “inverdade” ganhou nova
roupagem: o embuste. Termo de origem obscura, bem mais disfemístico
do que os anteriores.
Curiosamente, o
vocábulo embuste é, sobretudo, utilizado por quem se habituou
a viver de ardis e não tem medo de mentir porque sabe que lida com
trambiqueiros.
Para evitar a
multiplicação dos trapaceiros, melhor seria que apostássemos permanentemente na
procura da verdade. E, consequentemente, na denúncia sistemática da
mentira, do embuste, da trapaça, do logro, da intrujice, da peta, da patranha,
da aldrabice…
31.3.13
A deusa grega da memória
é anterior à invenção do alfabeto e da escrita. Nessa época, Mnemosine era
extremamente poderosa, pois sem ela não havia aprendizagem e, com um pouco de
boa vontade, evolução.
E como, apesar de deusa,
a memória de Mnemosine não era infinita, vimo-la, desde o início do seu
reinado, proteger a música e a poesia, artes primordiais para a celebração
da descoberta e preservação do nome dos heróis fundadores.
Com a invenção da
escrita, Mnemosine entrou em decadência tal como o cérebro humano! Se
indagarmos com um pouco de atenção, perceberemos que o homem tudo tem feito
para expulsar a memória para fora de si...
Hoje, os discos de
memória são maioritariamente externos, assemelhando-se a memória humana à da
lesma.
Creio que essa (a
rejeição de Mnemosine) é a primeira causa de sermos governados por folhas
de cálculo, dominados pela estatística, devorados pela imagem...
Esta evocação de
Mnemosine resulta da leitura de um conto de Lídia Jorge, Invocação a
Calíope, onde, a linhas tantas, refere: "Sim, consta que teria sido
durante esse sol-posto arábico que Luís Vaz teria escrito numa folha de papel -
«Agora tu, Calíope, me ensina o que contou ao Rei o ilustre Gama...» E nesse
ponto havia interrompido a escrita, à espera que a filha de Mnemosise,
a deusa da memória, lhe trouxesse à lembrança tudo o que havia lido..."
Na citação,
sublinhei Mnemosise porque não consegui encontrar o termo.
Penso que se trata de uma gralha da edição Expresso. Mas gostei que Lídia Jorge
se tenha lembrado dele, pois revela ter uma memória mais apurada do que a
minha. Só, recentemente, me apercebi do dom profético da autora, quando uma
ex-colega do Liceu de Tomar me trouxe à memória que ela fora nossa professora
de Língua Portuguesa em 1972/73. Da professora, cujo nome olvidara até
porque ela desapareceu no 3º período desse ano, apenas recordava que certo dia
me terá dito que a minha sensibilidade poética era reduzida, apesar de ter
algum jeito ensaístico. Se havia algum caminho a seguir, seria o dos hidrocarbonetos.
Por outro lado, a citação
também serve para explicar a familiaridade com o Poeta. Afinal, a ideia de
"Um dia com Luís Vaz", não é original! Tem como antecedente, «o
sol-posto arábico (em) que Luís Vaz" solicitou a ajuda de Calíope, filha
de Mnemosine...
30.3.13
Ao avistar uns ténis
pendurados numa árvore da praça José Fontana, não posso deixar de pensar na
irreverência da juventude. E associo os ténis, ali, suspensos, a uma vocação
irremediavelmente perdida! A irreverência também pode causar danos!
E já agora aproveito para
notar que a peça “Isto é que me dói!”, de Paulo Pontes, Teatro Villaret,
também denota a presença da irreverência do “doente” José Raposo num hospital
em que os regulamentos são, afinal, mais importantes do que os pacientes…
Apesar da brejeirice de
certas situações e das alusões fáceis aos atuais governantes, a peça não deixa
de ridicularizar um modelo hospitalar, em que o diretor do hospital pede
autógrafos ao doente famoso, o chefe clínico adia tragicamente a intervenção cirúrgica,
e os enfermeiros vivem fechados nas respetivas taras... (três estereótipos) …
Tudo, ou quase, em
família raposo!
/
29.3.13
- RES NON VERBA. A divisa da PSP
preocupa-me porque salta à vista sempre que decido encaminhar-me para o
Tejo. Temo que o meu passeio possa ser interpretado como um desafio à
autoridade, uma marca de clandestinidade ou de vagabundagem. E se assim
for, corro o risco sério de ser algemado ou pior, sem ter o direito de me
explicar. Vou ter de alterar a rota… (fobia, certamente)
- Um painel japonês ali colocado desde
1998, presumo. E eu que nunca tinha reparado nele! Mesmo agora, são tantos
os triângulos que os motivos me escapam… (eurocentrismo, evidentemente)
- Depois há um canavial. Dele apenas a
reflexão sobre a cor, barrenta, acastanhada… e a ideia de que na ausência
do sol, a cor permanece ou ganha outro tom que nós não queremos ver.
E à volta, o verde, vigoroso, quase artificial, abre o caminho para o rio,
também ele convulso e enlodado… Ainda pensei começar (Depois havia um
canavial…, mas não faz sentido, ele continua lá!)
- E para terminar a curva, só visível
se não ajustar, endireitar, a foto! A curva que ladeia o charco; a vida
vegetal, indiferente à extensão e duas canas, vindas de outro canavial
mais distante, mas não menos real… (Só que eu não o procurei!)
- Afinal, a vida tem cor! Eu, a
palavra! E a PSP, o cacete!
28.3.13
O passado é inútil como
um trapo
Dentro de ti
não há nada que me peça
água.
O passado é inútil como
um trapo.
Eugénio de Andrade, Adeus
As últimas vinte e quatro
horas vieram confirmar que o passado só atrapalha! Nem serve para limpar a
imundície que, ilusoriamente, confundimos com a riqueza, a beleza ou o amor. O
passado, qual romeiro, só traz o caos!
(As árvores não se
preocupam com o passado e por isso continuam a florir!)
26.3.13
A leitura das «mortais contradições
«de Antero traz a cada passo o desfasamento entre o IDEAL do autor e a
acentuada decadência de uma nação desprezada pelas potências europeias
emergentes. Paradoxalmente, a geração, dita de 70, sonhava com a Europa sem
perceber que esta estava a traçar o aniquilamento de Portugal.
Essa estratégia está
quase concluída. E nós continuamos sem perceber! A vitória de Aljubarrota teve
o sabor amargo de fazer compreender que o destino português se escrevia fora,
contra a Europa. E assim foi, nos séculos XIV e XV!
O sonho da Europa acabou
sempre em pesadelo. E desta vez não será diferente...
Embora Antero tenha
sabido enunciar as causas da decadência próxima, acabou por aristocraticamente
desdenhar o novo mundo para, irremediavelmente, mergulhar em si próprio, na
loucura e no suicídio.
«Enlouquecer é
em geral a via de escape mais segura e eficaz dos que rompem consigo próprios
após (…) uma penosa luta.»
«E os psiquiatras que
fazem eles? Procuram exasperadamente curá-lo de si mesmo, reduzi-lo ao
lugar-comum do homem «normal», social, sociável, conformista inconformado,
fraterno-sectário – que é justamente o que ele não quer ser, voltar a ser!» José
Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 45
Hoje, farto de
diretores espirituais, psicanalistas, psicólogos, psicoterapeutas e de
psiquiatras, decidi abandonar a Europa, sem dela sair... vou apenas seguir
o meu caminho até que todas as folhas se libertem de mim...
25.3.13
Posicionado a meio da
encosta, observo o porto de abrigo. Formas e cores tomam conta do meu olhar,
incapaz de se fixar no pormenor de cada obra que a máquina consegue capturar.
A foto pouco diz sobre o
«fotógrafo». Esta revela, no entanto, múltiplas “obras” cujos autores se
apagaram. Só o narcisismo pode fazer crer que a obra é a expressão imediata,
primária e sincera do seu autor.
Neste sentido, a leitura
do texto literário como expressão primária do autor é deformadora e, sobretudo,
geradora de desnecessária alienação e, frequentemente, de emulação.
24.3.13
Talvez possa apagar o
prédio da foto, mas ele continuará lá para me coartar a visão. Por outro lado,
se atravessar a ponte, o obstáculo desaparecerá do meu olhar, apesar do prédio
continuar no mesmo lugar.
Assim, temos, por um
lado, o ponto de vista e, por outro lado, o prédio e a ponte, insensíveis a
qualquer subjetividade.
A própria ponte, de
acordo com certos pontes de vista, também ali não deveria estar. O rio, só,
correria para o mar… ou será ao contrário?
O rio, a ponte, o prédio
estão para ficar! Eu passo, a olhar e, impreciso, percebo que a decisão é
avançar mesmo que tenha de ajustar o ponto de vista.
Em conclusão, de nada
serve apagar o prédio da foto ou crucificar o arquiteto, pois a dívida
continuará a crescer!
23.3.13
«Claro que há
escritores que são homens de acção ou profissão intervalar: amorosos,
caçadores, guerreiros, aventureiros, políticos, homens de negócios e/ou
trapaças, etc., que agem sobretudo para ter o de que escrever, para rememorar
gostosamente, íntima e demoradamente as acções que praticaram ou exerceram. A
acção, neles, não é tanto um fim em si, como a escorva, espoleta ou detonante,
o estímulo e nutriente da obra, que é, esta, o seu gozo secreto, autista, de
evocação, contemplação e projeção au ralenti. A sua estesia suprema
reside menos no agir do que no rememorar-escrever, no retrospeto e na análise,
na digestão, ruminação ou solitária exploração das emoções…» José Rodrigues
Miguéis, Programação do Caos, nº 33
A reflexão de José
Rodrigues Miguéis é cativante, mas difícil de aceitar, pois, como diria
Paul Ricoeur, in do texto à ação, «agir significa, acima de
tudo, operar uma mudança no mundo».
Para JRM, certos
escritores envolver-se-iam na "vida" como «ação de base» para mais
tarde terem o de que escrever, dando à estampa a expressão de uma sensibilidade
assente no real, mas liberta das poeiras do caminho.
Ora, como «agir é
fazer sempre alguma coisa de modo que aconteça qualquer outra coisa no
mundo» (P. Ricoeur, op.cit), o homem de ação corre inevitavelmente
riscos (mesmo, de vida) que não pode antecipar. Assim, não faz qualquer
sentido, por exemplo, participar na guerra de libertação ou desertar
das fileiras do exército colonial, como aconteceu, respetivamente com Pepetela
e Manuel Alegre, para mais tarde poder construir uma obra literária que lhes
traga gozos privados ou os faça perdurar além morte.
Outra ideia que
decorre do pensamento de JRM é que haverá escritores que não são «homens de
acção». Homens e mulheres que poderão escrever as suas obras, longe da
vida. Homens e mulheres que conseguem escrever sem terem experiência da vida. E
esse é outro problema!
22.3.13
(Breve apontamento)
Óscar Lopes (Nasceu
a 2 de Outubro de 1917, em Leça da Palmeira numa família de músicos. Faleceu,
hoje, 22 de Março de 2013). Irmão de Mécia, mulher de Jorge de Sena. Professor
na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Linguista, Historiador de
Literatura. Membro do Comité Central do Partido Comunista Português, a que
aderiu em 1945. Esteve ligado a todos os movimentos de resistência ilegal ou
semilegal desde 1942. Foi companheiro de prisão de Agostinho Neto (A). Na
Faculdade, teve colegas como Baltasar Lopes (CV).
Entre 1951 e 1957, fez
crítica literária n’O Comércio do Porto. Em 1958 e 1959, não pôde usar o seu
nome, por ordem da Censura. Passou a assinar «Luso de Freitas».
Entre 1974 e 1976, foi diretor
da Faculdade de Letras do Porto, chegou mesmo a reitor, em regime de
interinato, por ausência do reitor, prof. Ruy Luís Gomes.
Foi promovido a professor
de catedrático, apesar de não ter um doutoramento formal, mediante o parecer de
Vitorino Nemésio e de Jacinto Prado Coelho.
Comecei a conhecê-lo, a
ele e a António José Saraiva, em 1971-72, através da História da
Literatura Portuguesa. Nunca lhe perdi a vasta obra, sobretudo, a
ensaística, com a qual aprendi a saber ler os sinais e os sentidos.
E não só!
Parte mais um ilustre
português cujo verticalidade nunca foi devidamente reconhecida.
21.3.13
Comprometer-me, eu!?
- Cada macaco no seu galho!
- Senhora doutora, eu não quero saber de nada!
- A minha preocupação é evitar o ruído!
- É necessário simplificar!
- Eu não quero é que haja recursos!
- Eu sou uma pessoa cautelosa! Sempre fui assim!
- Agora estou aqui, amanhã posso estar aí!
- A sério, o que é preciso é conhecer o decreto regulamentar...
Sala polivalente, em
anfiteatro, aberta sobre a cidade. Os olhos perdem-se longamente no
casario que vai crescendo em direção à linha do horizonte, de forma que a
serra e o mar se esfumam.
Os edifícios
dispõem-se em pesados volumes horizontais, para, depois, se elevarem
verticalmente como se quisessem fugir para o cinzento do céu.
Telhados e terraços
escondem vidas sempre distantes e, aqui e acolá, um cedro sombrio, um abeto
esbracejante e um pinheiro altivo assinalam outros tempos,
outras gentes mais próximas do que estas, minhas irmãs, que insistem num
diálogo impossível...
De tal modo, o
olhar procurou o arquiteto que desenhou esta dimensão-duração que percebi
que também estava em deformação.
20.3.13
O
blogueiro também é um Fala-Só!
O título é emprestado e
serve para resumir o que acontece a quem escreve neste blogue - um
Fala-Só. Mas nem sempre se está só. Quero acreditar que os
verdadeiros escritores, mais do que narcisos comunicantes, são seres que
se habituaram a dialogar silenciosamente com as vozes do quotidiano. Só
que essas vozes ora lhe estão próximas ora distantes.
Os blogueiros não são, em
regra, escritores, mas encaixam bem nas motivações e nos objetivos
definidos por José Rodrigues Miguéis - blogueiro avant la lettre.
«O homem que escreve
por imperiosa necessidade (…) é o que fala primariamente consigo e para si
próprio, um Fala-Só, embora, com maior ou menor consciência disso, o faça para
os outros também: a fim de se conhecer, revelar, surpreender, compreender,
exprimir e comunicar, objetivar-se e justificar-se, supor-se ou confessar-se,
disfarçar, mentir a si mesmo e aos outros (sobretudo), e enfim para convencer,
mobilizar, catequizar ou proselitar os seus hipotéticos leitores. Quantas
vezes, mesmo, simplesmente para gozar – ou sofrer!...
(…) É, pois, um
narciso comunicante ou comungante a mirar-se nos outros: convive-a sós. Porque
escrever é, antes de tudo, um acto de intimismo, de intimidade e confiança com
e em si mesmo, de confidência: como o sonho e a quimera. Quem não tiver essa
auto-intimidade, poderá escrever montanhas, que nunca será escritor!» José
Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 31, Do homem no escritor (e
vice-versa)
19.3.13
Dissonâncias
ambientais e resiliência
Ao ouvir um programa
radiofónico (TSF) sobre o Parque Natural do Alvão não pude deixar de me
surpreender com a repetição da expressão «dissonâncias ambientais».
Inicialmente, pensei que a invernia estivesse a afetar o canto das aves.
Mas, não!
O entrevistado explicou
que encontrar um frigorífico no leito de um rio é um exemplo de
«dissonância ambiental». O mesmo se poderá dizer de todo o tipo de entulho
lançado para a floresta ou para o espaço... Compreendi a ideia e fiquei a
pensar na expressão.
Na mesma entrevista, fui
surpreendido por outro significante - «naturalizar». No caso, como o
agente é a Natureza, é-me mais fácil aceitar a inovação linguística: esta
não só é capaz de integrar «as dissonâncias ambientais» como as transforma em
novas formas de vida.
De qualquer modo, fiquei
sensibilizado com as iniciativas que visam uma educação ambiental
capaz de pôr cobro às «dissonâncias ambientais».
Não posso, no entanto,
deixar de pensar noutras «dissonâncias», como a troika, a classe política
europeia e nacional. E espero que não sejamos tão resilientes como
a Natureza, até porque nos falta o tempo humano.
No que me diz respeito,
sou totalmente contra a «naturalização» destas dissonâncias predadoras.
PS. Já andava há
uns dias a querer utilizar o termo resiliência. Foi desta!
Lembro que é um termo que todos deveríamos banalizar, pois explica a política
do governo: propriedade de um corpo (um país) de
recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação (memorando)...
18.3.13
Diz Álvaro Siza Vieira: «Desenhar
é um vício desde menino (...) porque permite o lançamento de hipóteses de uma
forma muito expedita e muito maleável (...) porque passou a fazer parte de um
método de trabalho e de um hábito mental que depende muito desta relação entre
as mãos e a mente.» Expresso, 16.03.2013
Nunca consegui desenhar
nada que se aproveite, embora, a espaços, tenha tentado. Sempre me
considerei desajeitado, mas nunca pensei seriamente na relação entre as
mãos e a mente, embora as veja como um prolongamento dependente do
olhar.
À medida que envelheço, vou tomando consciência de que o desajustamento
desta tríade - mente, olhos, mãos - me condiciona diariamente a ação, e
creio, agora, que sempre me condicionou.
E como não acredito no inatismo, sou levado a pensar que conheço a
causa, embora a não confesse. Porquê? Porque não faz sentido ajustar contas com
o passado. No entanto, o recalcamento é o pior inimigo da harmonia necessária à
coordenação da ´tríade - mente, olhos, mãos - e do desenvolvimento de
automatismos mentais capazes de acrescentar e melhorar a realidade.
O tempo corre, e o
desenho não surge. Agora, a tríade é outra: mente, ouvidos, pernas...
Hospital de S. José,
Lisboa
(Dezenas de doentes
esperam pacientemente, e não é por Godot!)
Chegada às 18 horas.
Atendimento às 23 horas.
Duração da consulta: 40
minutos. Sempre a registar os sintomas declarados pelo paciente. Fica-se sem
saber se o médico tem acesso ao longo historial do paciente no sistema nacional
de saúde e, sobretudo, naquele hospital.
Os dados dos doentes
estão ou não disponíveis numa base de dados nacional? Se estivessem a triagem
decorreria obrigatoriamente de outro modo e o tempo de espera e de atendimento
seria bem menor...
Conclusão: Não necessita
de mais exames de diagnóstico, para além da incidência na tensão arterial
e na reflexologia.
Taxa: 20 euros e 60
cêntimos!
Afinal, o que é que
poderá ter levado o paciente à urgência? Certamente que não terá sido a vontade
de pagar 20,60€, mais 6,75€ de estacionamento no ‘bem frequentado’ parque do
Martim Moniz.
À meia-noite, a praça
está entregue a si própria! As arcadas do Centro Comercial completamente
lotadas de sem-abrigo, com a curiosidade de alguém ali ter instalado uma tenda
de campismo!
Parece-me uma boa ideia!
O António Costa ainda está a tempo de ali mandar instalar um parque de
campismo, até porque o hospital de campanha já lá está...
Em síntese, os amadores
continuam a dar cartas e a desperdiçar os escassos recursos do país!
16.3.13
«À extensão-duração ou
dimensão-tempo de cada ser ou coisa corresponde um padrão, uma noção própria,
subjetiva, da amplitude do seu movimento, ritmo ou duração. À chacun
son temps! O universo transborda de «tempos» ou medidas de tempo as
mais variadas. “José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 27
A pequenez do homem
resulta não só da sua incapacidade de compreender a multiplicidade de
«tempos» que constituem o universo, mas, sobretudo, da insistência de uma
minoria em subjugar milhões de outros homens.
A liquidação do trabalho
é provavelmente o meio mais eficaz para alienar o homem, para lhe reduzir o
tempo de vida, isto é, a sua «extensão-duração».
O homem sem trabalho
torna-se indigente, misantropo, egoísta e tendencialmente suicida. Se
consciente, acabará por mergulhar na depressão, procurando sumir-se.
A pobreza intelectual da
atual classe política está a ser utilizada pelos grandes predadores para levar
a cabo a programação do caos.
15.3.13
Canção gitana
Le dijo el Tiempo al
queré:/ Esa soberbia que tiene / Yo te la quitaré!
- José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 26: O Tempo
disse ao Amor:/ essa soberba que tens / eu ta hei de tirar!)
JRM também refere que «o
tempo humano, a nossa cronometria, é a nossa própria vida em curso
medida ou contada em latejos cardíacos, a transformação contínua ou progressiva
da espécie e do seu mundo.»
Os resultados da 7ª
avaliação são claros quanto ao desprezo do tempo humano, dos latejos cardíacos
de milhões de portugueses, como se o tempo absoluto os quisesse devorar, dando
expressão ao mito de cronos, ou, melhor, espelhando a ação dos nossos
irredutíveis credores.
No entanto, ao contrário
da lição gitana, os latejos cardíacos, mais cedo ou mais tarde, hão de pôr
termo à usura.
14.3.13
Además de haberse hecho
cómplice de la dictadura, Bergoglio denunció como subversivos a dos sacerdotes
jesuitas, Orlando Yorio y Francisco Jalics, que creían en vivir una vida
humilde junto con la gente pobre de Argentina y predicarles a los pobres el evangelio.
Como resultado, los sacerdotes fueron secuestrados, torturados y finalmente
exiliados por la dictadura.
Ainda antes de saber quem
era o eleito para a cadeira de S. Pedro, considerei, aqui, que os 115
cardeais, estavam prestes a (re)definir a natureza do pecado.
E parece não haver dúvida
em certos sectores do povo argentino: o conclave, num
gesto único, decidiu a favor de Deus contra o Homem. Sobretudo,
porque o eleito parece ter as mãos sujas do sangue derramado, não
por Cristo, mas pelo povo durante a ditadura argentina.
Doravante, a Igreja
combaterá redobradamente o pecado contra Deus, fechando os olhos ao pecado
contra o Homem.
Entretanto, não posso
deixar de assinalar o modo como a escolha do nome mágico FRANCISCO trouxe,
de imediato, à superfície a construção de uma imagem de despojamento, de
entrega à pobreza e à simplicidade sem que os jornalistas tivessem verificado a
natureza do homem, os compromissos assumidos anteriormente em Itália e na
Argentina: não frequenta restaurantes, anda de bicicleta e de autocarro, lava
os pés aos pobres e aos doentes; só depois de estudar Química, descobriu a
vocação; aos 22 anos perdeu meio pulmão; levanta-se às 4h30 todos os dias. Só
lhe faltam as asas!
13.3.13
«E eu senti, como não
sei explicar, que o tanoeiro, e o sol, e tudo o que era do mundo, tinham um
vício secreto, uma sujidade intrínseca do pecado.» Vergílio Ferreira, Manhã
Submersa
Cercados, seguimos
voluntariamente, ou não, o caminho que nos pode libertar da condição
original. Órfãos, somos levados para espaços distantes e, lá, precisamos
de subir a escada da adaptação. Bravios, preferimos o assobio do tanoeiro,
o largo da aldeia e a ternura da alvorada... e o desvio torna-se pecado,
não contra Deus, mas contra nós próprios.
A ciência está em
saber compreender o que distingue o pecado contra Deus do pecado contra o
Homem.
O pecado contra Deus
submete, aliena.
O pecado contra o Homem
compromete o futuro do próprio homem. Torna-o refém da sua condição
de bicho vil e pequeno.
Hoje, dia em que 115
cardeais escolheram o novo Papa, eles também decidiram da natureza do
pecado.
12.3.13
Aquilo que nos motiva é
frequentemente inexplicável!
Com o «discurso do
pastel de nata» pensava atrair uns tantos gulosos para o problema do
amadorismo que faz de nós palhaços de um psicodrama coletivo.
Afinal, vejo-me na mesma
situação que o ministro Álvaro quando nos convidou a exportar pastéis de
nata...
Errei a aposta. Deveria
ter preferido o bacalhau com natas! Há, no entanto, um problema. Esta opção
agrava o deficit. Creio ter referido noutro «post» que, nos anos 30 do
século passado, a importação de bacalhau já era um pesado encargo para o erário
público.
Do mesmo modo, considero
que a importação da avaliação externa dos professores, para além
de sobrecarregar o contribuinte, mais não é do que um
decalque do tipo de avaliação praticado pela Troika em estreita
articulação com o avaliador interno...
Só falta que os
professores passem a ser avaliados trimestralmente!
(...)
Em alternativa ao
«discurso do pastel de nata», poderia ter dissertado sobre a «programação do
caos» de José Rodrigues Miguéis que, nos anos 70, alertava para o perigo de
ignorarmos que a qualidade da visão externa é muito diferente da
visão interna, pois a velocidade de processamento é distinta, porque
a primeira é gulosa, apressada, e a segunda é sóbria e metódica.
E também poderia ter
seguido o raciocínio daquela aluna que censurou o professor quando
este, na aula de língua materna, a propósito do poema Amor, de
Miguel Torga, se referiu à consciência moral. Esse conceito só poderia ser
objeto da aula de Filosofia. Aliás, acabava de ser objeto de teste! O que
é que um Poeta, acolitado por um triste professor de Português, pode ensinar
sobre o despertar da consciência? Sobre a passagem da inocência à consciência?
Sobre a descoberta do Amor? Sobre a paixão e a dor?
É tudo tão fútil quando a
visão externa aniquila a visão interna!
A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre
a virgindade;
Olha e não olha, como a
mocidade;
E um jovem deus pressente
aquela graça.
Depois, a vide do
desejo enlaça
Numa só volta a dupla
divindade;
E os jovens deuses
abrem-se à verdade,
Sedentos de beber na
mesma taça.
É um vinho amargo que
lhes cresta a boca;
Um condão vago que os
desperta e toca
De humana e dolorosa
consciência.
E abraçam-se de novo, já
sem asas.
Homens apenas. Vivos como
brasas,
A queimar o que resta da
inocência.
Miguel Torga, in
'Libertação'
11.3.13
«-Temos aqui a
nata!»
O enunciado pretende
adular o interlocutor. Colocá-lo, de imediato, num espaço de ocupação
de tempo, responsabilizá-lo pelo insucesso da formação.
Hoje, foram 6 horas!
Tenho aqui ao lado a declaração de que estive presente na
sessão de formação sobre avaliação externa da dimensão científica e
pedagógica...
Como pastel de nata, fui
mais uma vez adulado e devorado!
Há mais de 30 anos que
recebo declarações deste teor, em que sou submetido a uma metodologia de
disparo aos tordos e saio mais confuso do que entrei...
A formação é
entendida como psicodrama: cada um improvisa em torno de um tema que nunca
chega a ser conceptualizado. O tema do encontro era a "avaliação
externa"!
Supostamente, este tipo
de avaliação visa uma observação limpa de cumplicidades, ódios, intrigas.
Mas rapidamente, contrariando o decreto regulamentar, surgiram despachos e
circulares a impor a ARTICULAÇÃO entre avaliador externo
e avaliador interno. (...) Isto, sem falar, no artigo 21º, nº4, que reza:
«A secção de avaliação do desempenho docente do conselho pedagógico atribui
a classificação final, após analisar e HARMONIZAR as propostas dos avaliadores,
garantindo a aplicação das percentagens de diferenciação dos desempenhos
previstos.» Decreto Regulamentar 26/ 2012, de 21 de
fevereiro.
Neste psicodrama, o
«coordenador da bolsa», por entre palavras de fraternidade, bem
queria o seu prolongamento para uniformizar procedimentos em relação à
observação dos avaliados.
Em 2013, a avaliação de
docentes traz-nos, assim, novas figuras: formador de avaliadores externos;
coordenador da «bolsa» dos natas (diretor do centro de formação); avaliador
interno; avaliado em regime duplo... algures a DGAE...
Vale a pena lembrar
que os "nata", também, são professores que, entretanto, deixam
os seus alunos sem aulas para passarem a figurantes de absurdos psicodramas.
Já é tempo de acabar com o alijamento de responsabilidades, com estes
psicodramas inócuos! Não basta sair à rua! Há um desperdício de recursos
humanos e financeiros insuportável. Talvez a Troika possa um dia destes pôr
termo ao discurso do pastel de nata.
10.3.13
Os não inscritos, na
língua do filósofo José Gil, vivem, pela primeira vez, o drama de não terem nem
passado nem futuro, pois o Governo lhes rouba o presente.
Sem
imaginário, estes milhões de portugueses manifestam-se, esfíngicos,
num grito surdo que, subitamente, pode desencadear energias incontroláveis...
Sem ideologia ou,
seguindo o exemplo de José Gil, revendo-se numa esquerda sem rosto
e incapaz de definir uma alternativa, a procura de inscrição pelas vítimas
desagua na nulidade.
Assim sendo, os caminhos
estão traçados: ou as vítimas se insurgem e derrubam os muros que as
cercam, ou, uma a uma, encontram forma de se libertar da nulidade em que o
poder as afoga.
Sem imaginário
possível, os não inscritos caminham, ainda não sabem é para onde! E nesse
aspeto diferenciam-se da abulia que caracterizou as gerações anteriores.
(Texto inspirado na
entrevista radiofónica feita a José Gil, e transmitida pela TSF entre
as 11 e as 12 horas deste domingo.)
9.3.13
A
Cinemateca em tarde de Mikio Naruse
Hoje, regressei à
Cinemateca. Não sei o que lá se passa, mas parece que alguém terá feito uma
viagem ao sótão ou às arrecadações. As galerias estão cheias de velharias
colocadas aleatoriamente. Ou será uma instalação? O restaurante, encerrado. A
livraria deserta...
Na Sala Félix Ribeiro,
ONNA GA KAIDAN O AGARU TOKI (Quando uma Mulher Sobe as Escadas /
1960). Filme do japonês MIKIO NARUSE!
Apesar de Mikio Naruse,
1955, ter afirmado que nos seus filmes «se passa pouca coisa» pois «terminam
sem se concluírem, como a vida», a intriga centrada em Keiko é extremamente
interessante, pois retrata a luta de uma mulher que procura um lugar ao sol num
mundo de homens, aparentemente, bem-sucedidos - uma luta diária em aberto, no
caso de Keiko, mas fechada para muitas outras, como a de Yuri, a antiga
empregada.
No essencial, Mikio
Naruse assume a luta das mulheres, mostrando-as a subir repetidamente as
escadas, mas sem fechar a história, porque na vida só a morte a encerra
definitivamente.
8.3.13
Carreira
contributiva e contrato social
Em Portugal, há um
equívoco no que respeita ao cálculo das pensões, porque não se distinguem
as situações de quem trabalhou 38-40 anos, fazendo os descontos exigidos,
daqueles que, por razões várias, descontaram muito menos.
O cálculo da pensão
de reforma deve incidir sempre, e apenas, nos valores cativos ao
longo da carreira contributiva.
As restantes situações
deveriam ser vistas à luz do contrato social que o país, a cada momento, puder
sustentar.
É necessário distinguir o
direito à reforma do direito a outros subsídios como, por
exemplo, os de sobrevivência, de invalidez, de reinserção...
Não é por acaso que a
Troika vem exigindo a redução das pensões. Em termos globais, a exigência faz
sentido. O que ninguém lhe explica é como é que se chegou aqui. E
sobretudo o governo não quer encarar o problema de modo diferente, porque dá
trabalho e deixaria a nu a quantidade de gente que vive à custa do trabalho
alheio.
Este é um exemplo de reforma estrutural que continua por fazer: separar as
águas, começando por distinguir a carreira contributiva do contrato
social e modos de financiamento deste último.
7.3.13
Porque nasci durante o
Estado Novo, não me custa compreender o atual objetivo de baixar os
salários.
Salazar desenhava e
controlava o orçamento do estado com mão de ferro. O equilíbrio das contas
era assegurado da forma mais primária: grande parte da população era
esquecida; vivia isolada; emigrava clandestinamente... O povo mais não era do
que bala para canhão...
Salazar tinha o seu
galinheiro privativo e não consta que apreciasse as importações.
Na verdade, Coelho,
Gaspar, Borges e Moedas não pensam de modo diferente: reduzir e congelar
salários e pensões é a forma mais simples de contentar os credores, sem
olhar aos efeitos.
E ainda há quem
defenda que vivemos em democracia. Triste democracia! O pensamento é o de
Salazar e não consta que ele apreciasse a democracia...
6.3.13
Tribunal
arbitral decide serviços mínimos
Amanhã,
07.03.2013, deverão ocorrer perturbações nos autocarros, em Lisboa, já que
foi convocada uma greve na Carris, entre as 8h e as 16h. Neste caso, o tribunal
arbitral definiu como serviços mínimos a realização integral de 11 carreiras
(703, 735, 736, 738, 742, 744, 751, 758, 759, 760 e 767).
Seria bom que o Tribunal
arbitral esclarecesse o critério para definir os serviços mínimos na greve da
Carris.
Por exemplo, amanhã, os
habitantes da Portela (Lisboa Norte) deslocar-se-ão para a Lisboa: a pé,
em veículo de duas rodas, ou de automóvel.
A bem da higiene e
da poluição!
5.3.13
Se pudesse apagar-me...
sinal seria de que a minha presença tacitamente se
esbateria
deixaria de responder à vaidade matinal e à soberba
crepuscular
Esconderia o olhar
escutaria as vozes límpidas
... mesmo se uma parte dos fonemas se esbatesse no ar
Constrangem-me a vaidade e a soberba
a responder à soberba matinal e à
vaidade crepuscular
Se pudesse apagar-me...
... mesmo se uma parte dos fonemas se esbatesse no ar
4.3.13
Hoje, o Governo continuou
na toca à espera que a trovoada passasse. Talvez lá para a Primavera o tenhamos
de regresso e nos venha dizer que a intempérie passou…
Com um pouco de sorte, o
céu poderá regressar ao azul, o sol poderá voltar a incendiar os corpos, e, aí,
os portugueses avançarão pelo oceano sem regresso.
3.3.13
Em tempo de aluvião, há
quem não pense duas vezes. Abre-se a vala e depois logo se
verá... O coveiro já desistiu de olhar para o Céu! O Grande Arquiteto
parece ter abandonado a Obra..., Mas há, em Portugal, decisores capazes de
atribuir oito euros e noventa cêntimos (8,90 €) de rendimento social
de inserção.
Abra-se a vala!
2.3.13
Finalmente, o nevoeiro
desapareceu dos céus de PEQUIM! A capital está, a partir de agora, coberta
por "matéria de partículas finas" (PM 2,5) ...
Para a criação da nova
palavra «xikeliwu», foi necessário o contributo de meteorologistas,
ambientalistas e linguistas.
Finalmente o
nevoeiro desapareceu, mas continua a morrer-se da mesma
causa...
O que me faz lembrar o
sonho acalentado por grande parte dos portugueses, governo inclusive: Abaixo
a Troika!
Desaparecida a Troika, o
país continuará literalmente coberto pela atávica «matéria de partículas
finas».
XIKELIWU! Com passo ou
sem passo!
1.3.13
E o Céu vai-se cobrindo
de cinza fria!
Talvez, amanhã, o sol
brilhe por um instante!
Claro que os
fiéis respiram esperança e a Grândola irá cumprir a sua função,
mas, ao cair da noite, o «clássico» impor-se-á...
De qualquer modo, com
passo ou sem passo, o Céu cobrir-se-á de cinza fria para as vítimas.
Só que elas ainda não
sabem...
28.2.13
Há termos que, embora
possíveis, não merecem registo nos dicionários. É o caso de
"fracionante"!
Apesar disso, creio que,
em Portugal, o presidente da República e o primeiro-ministro, aparentemente
distantes, têm vindo a convergir ao promoverem encontros com juventudes
profissionais e partidárias.
Ambos procuram a
cumplicidade da juventude, mas apenas de uma parte. A restante é indolente e
arruaceira.
Esta indolente e
arruaceira juventude é da mesma estirpe dos velhos que, supostamente, não
compreendem os sacrifícios que lhes são impostos.
Cada iniciativa revela a
vontade de fraturar, colocando a parte contra o todo, multiplicando as
partes, erigindo falsas elites, guardas imediatas de
uma ideologia fraturante capaz de destruir os valores da solidariedade e
da justiça.
27.2.13
(emérito - que tem
prestado longos e bons serviços; jubilado; aposentado...)
Sua Santidade, papa emérito! *
Fascinados, repetimos
ritualmente a palavra "emérito", reconhecendo a natureza excecional
do homem que orgulhosamente deixa, por vontade própria, de ser a VOZ de
Deus e, ao mesmo tempo, deixamos humilhar todos aqueles eméritos que,
nos seus ofícios, prestaram longos e bons serviços...
Ao contrário de Sua
Santidade, milhões de reformados (aposentados, jubilados) esperam ansiosamente
pelo resultado da 7ª Avaliação, sabendo, de antemão, que, antes da foice os
ceifar, o cristianíssimo e emérito Governo os depenará.
* E talvez valha a pena
pensar na origem do termo emeritum: o prémio, ou dinheiro, que se
dava aos soldados acabado o tempo da milícia.
26.2.13
Um toque de campainha
dobrou-nos pelos joelhos. E foi assim, vencido, cortado pelo meio, que eu
fiquei a recordar-me para a minha vida inteira…
Vergílio Ferreira, Manhã Submersa
Talvez ainda não
caminhemos, cortados pelo meio, mas, depois da 7ª avaliação,
estaremos mais perto!
Há quem viva a ilusão de
que caminha de cabeça erguida, de que basta o toque a reunir para que o povo se
levante e expulse o estrangeiro.
O problema é que o
fantasma é interior e alimenta-se do comodismo e da inércia!
Há muito que o desafio
interior soçobrou! E já não há sineta que nos desperte ou nos acorrente...
A TROIKA apenas encontrou
aqui o pasto de que os lobos vorazes se nutrem.
25.2.13
«Fui subindo a larga
escadaria em cujo topo um padre quieto, de mãos escondidas nas mangas do viatório,
ia separando as Divisões para as respetivas camaratas.» Vergílio
Ferreira, Manhã Submersa, cap. II
Viatório
1.Relativo a via, a caminho.
2. Peça de vestuário usada pelos padres.
A primeira aceção
vem registada em todos os dicionários. A segunda em nenhum. Nem no
Aurélio! A partir de hoje, passa a estar registada em http://www.dicionarioinformal.com.br/
Curiosamente, ainda
retenho de antanho essas mangas de sotaina donde as mãos
eclesiásticas podiam subitamente sair para esbofetear o incauto.
Claro que os tempos não
vão de feição a aprofundar tais catacreses, mas a inteligibilidade de certos
textos continua a depender da consulta dos dicionários que, no caso, deixam
muito a desejar.
Se consultarmos um
dicionário latino-português, perceberemos que o viatorius é o
que serve para a jornada..., portanto, o viatório de
Vergílio Ferreira parece ser uma daquelas peças que esconde outras peças mais
íntimas do pó da estrada ou do contacto mundano...
e que curiosamente
poderiam ser constituídas por 33 botões, de alto a baixo, representando a idade
de Cristo, e ainda 5 botões em cada pulso, representando as chagas de
Cristo.
E assim o viatório podia
simultaneamente esconder uma ameaça e dificultar o inevitável assédio nas
praças castrenses que eram os seminários.
23.2.13
Para o conselheiro
Borges, há por aí uns tantos portugueses acomodados que vão
resistindo à mudança! Fica-se, no entanto, sem saber a quem é que o senhor
conselheiro se refere: Serão aqueles que não abrem mão da
riqueza? Ou os que não abrem mão do emprego? Ou os que entendem que
não devem abrir mão da pensão de reforma? Ou os que pura e simplesmente
resistem à morte?
Para o senhor
conselheiro, o ideal é que todos abram mão do que é suposto
pertencer-lhes. Esse gesto magnânimo libertar-nos-ia aos olhos de Deus e dos
Iscariotes.
O que não sabemos é se o
senhor conselheiro já abriu mão de alguma coisa! E também não sabemos de
quem foi a ideia de o nomear conselheiro e, provas dadas, de lhe renovar o
mandato. Sabemos, no entanto, quem lhe paga os pérfidos conselhos: o povo português.
22.2.13
«Os eunucos devoram-se a si mesmos
Não mudam de uniforme, são venais
E quando os mais são feitos em torresmos
Defendem os tiranos contra os pais»
José Afonso, Cantar de Novo
Se houvesse menos validos
neste país, os tiranos estariam a acabar! O problema é que eles são aos
milhares!
Basta ler as primeiras
páginas dos jornais, dar atenção aos noticiários das rádios e das
televisões, espreitar os púlpitos das igrejas e dos ministérios, para perceber
por que motivo não se procede à reforma das instituições.
Não é só o Estado que
necessita de ser repensado. São, também, todas as corporações que o
Estado Novo nos legou e o 25 de Abril acrescentou!
Enquanto isso não
acontece, vamos assistindo à dança das cadeiras na Igreja Católica, nas Forças
Armadas, na Justiça, na Saúde, nas Autarquias, no Futebol... por isso
estes validos quando os mais são feitos em torresmos / Defendem os tiranos
contra os pais.
E até os tiranos já sabem
tirar proveito de Grândola, Vila Morena, pois sabem que têm «em
cada esquina um amigo», isto é, um valido...
20.2.13
Ferreira
Leite e a espiral recessiva
«Só tenho dúvidas e
fico à espera de que alguém me explique sobre o que é uma
espiral recessiva.» Expresso, 16 de fevereiro de 2013
Embora estranhando que a
doutora não tenha pedido esclarecimento ao economista Cavaco Silva, gostaria de
esclarecer que não haverá espiral recessiva sem
que haja espiral dominante, isto é, em regra, o pensamento da
maioria tende a ocultar o pensamento da minoria que, no entanto, pode começar
a alastrar subterraneamente, ameaçando a democracia formal.
O político Cavaco
Silva já percebeu que o seu poder pode ruir por força da espiral
recessiva.
Quanto à doutora Ferreira
Leite, o que ela quer saber é se, involuntariamente, já saiu da espiral
dominante, passando a fazer parte da espiral recessiva.
Há, contudo, um dado que
eu posso confirmar: o modo como introduziu a preposição sobre no
seu enunciado é uma prova de que a doutora já cavalga
a onda da espiral recessiva.
20.2.13
19.2.13
«Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...»
Inscriptio,
de Camilo Pessanha
Ontem como hoje, a
partida é silenciosa e envergonhada, não porque a alma se tenha deixado dominar
pela volúpia e pela abulia, mas porque neste país falido a luz cedeu o lugar às
trevas...
As trevas cercam-nos
despudoradamente!
Também eu vi a luz num
país perdido! E fiquei, ao contrário de Pessanha que preferiu perder-se no
Oriente.
18.2.13
«O direito deve ser
não um instrumento de força de alguns, mas a expressão do interesse comum
a todos.» Joseph Ratzinger, 2004
I - Em Portugal, em nome
do direito, os governantes recorrem às armas do terror, desrespeitando
completamente o interesse comum. Dia após dia, aumenta a instabilidade, levando
a gestos insanos. Infelizmente, ninguém os contabiliza!
Paradoxalmente, estes
governantes dizem-se concordantes com a doutrina social da Igreja e não se
inibem de exibir o currículo, onde, salvo raras exceções, se regista que a
maioria foi formada pela Universidade Católica Portuguesa.
(...)
II - Em nome do
direito, tomei, hoje, conhecimento do seguinte esclarecimento feito por um
Centro de Formação de Professores:
Relativamente ao
requerimento apresentado pelo ..., informo que de acordo com o nº 5, do artº
10º artigo, do despacho normativo nº 24/2012, “a desistência da observação de
aulas por parte de um docente que apresentou o requerimento previsto no nº 2,
determina a obtenção de uma classificação máxima de Bom no respetivo ciclo
avaliativo."
«Mais informo que esta
informação deverá ficar registada no processo individual do referido docente.»
Esta nota pode parecer
insólita, mas serve como sanção por ter desistido de ser avaliado externamente,
lembrando ao docente que, em 2015, no final do ciclo avaliativo, não
poderá obter uma avaliação superior a BOM.
No entanto, não deixa de
ser estranho que o mesmo docente seja obrigado a fazer parte da comissão de
avaliação interna da escola a que pertence e, sobretudo, que seja obrigado
a desempenhar o papel de avaliador externo para que já está designado.
Em consciência, não se
entende como é que o mesmo docente poderá estar disponível para atribuir
menções de excelente e de muito bom! O melhor seria excluí-lo de vez!
17.2.13
Quando as frases se
prolongam em espiral, as vírgulas acompanham a preguiça do raciocínio; os
planos misturam-se inadvertidamente, causando uma
inevitável catástrofe comunicacional...
... Por isso não é
de estranhar que os hipónimos acompanhem os hiperónimos.
Exemplo: Mário Sá-Carneiro,
famoso poeta e escritor português...
Apesar da regra impor que
os poetas são todos escritores e de clarificar que nem todos os escritores são
poetas, a preguiça de raciocínio subverte naturalmente o princípio adquirido.
E também deixou de ser
estranho que se possa amalgamar os pronomes complemento "o" e
"lhe".
Exemplo: «Quando
chegou lhe levaram a um homem de nome Peter Mendo.»
Na verdade, é mais
cansativo dizer: Quando chegou levaram-no a um homem de
nome...»
E para não me tornar
cansativo, acrescento apenas mais um exemplo de incorreta utilização da
preposição.
Exemplo: «Quatro anos
após o regresso para Inglaterra...», em vez de «a
Inglaterra»
Bem pode o professor
insistir na necessidade de rever os textos! Só que a revisão exige tempo e
força de vontade!
16.2.13
Depois de ler
a tradução de um debate entre Habermas e Joseph Ratzinger (2004), começo a
perceber o motivo da resignação de Sua Santidade: a dúvida. Se Ratzinger
tivesse passado pelo Tribunal do Santo Ofício teria sido queimado.
Lá, no fundo, o
cardeal teólogo, à época, era um fervoroso racionalista que, apesar de bem
saber que a Razão produziu a bomba atómica e que, ao mesmo
tempo, começou a procurar fabricar um novo homem no
laboratório, via as religiões como imagens do mundo, quase
sempre fundamentalistas e, assim, desrespeitadoras dos direitos do
homem e da natureza (jus natural).
Dir-se-ia que a Fé de
Ratzinger não era (não é?) inabalável e por isso o caminho que a Razão lhe
impunha era o do ecumenismo ou, ainda menos, ambíguo - o caminho da
interculturalidade.
Deste modo, Ratzinger,
como Papa, esteve à frente de uma poderosa instituição de cultura assente no
princípio de uma FÉ que para si nunca fora inabalável.
Dir-se-ia que a vida
deste Papa é uma vida de tormento interior e, sem dúvida, objeto de
suspeição permanente.
Espero, assim, que,
depois de 28 de fevereiro, Sua Santidade ainda encontre tempo para
confessar o que se passou verdadeiramente na sua consciência durante
os anos de papado.
15.2.13
Prisioneiros, rodamos
sobre nós próprios, à espera de que o maná caia do céu. Estamos há demasiado
tempo à espera!
O Governo espera que a
austeridade nos ensine as virtudes da precariedade. A oposição espera que o
Governo se demita de vez. Os credores esperam que nos imolemos na ara do
capital.
Ultimamente, até os
meteoritos e os asteroides se tornaram objeto da nossa espera, sem esquecer
que, no íntimo, também esperamos que o novo Papa venha a ser português ou, pelo
menos, lusófono.
Claro que, também, há
quem espere que o Sporting seja despromovido!
Desde Alcácer
Quibir que esperamos!
Eu, por mim, também
espero, não sei é por quanto tempo!
14.2.13
O Papa retira-se
cerimoniosamente e promete remeter-se ao silêncio.
O ajudante
Viegas, secretário de estado da cultura, retirara-se titubeantemente...
Esperar-se-ia uma longa convalescença! Mas não, os literatos não resistem:
Eis em que pára
a Antiga Academia,
Depois que a mãe Sandice
o cu tanchara
Nas cristalinas águas do
Mondego,
Transformado o museu num
cagatório,
E mudado o anatómico
escalpelo
Em pena gazetal, que
asneiras verte.
José Agostinho de Macedo
(1761-1831), excerto de OS BURROS
13.2.13
Nota deixada no Facebook:
Durante a Quaresma,
prometo abster-me de referências à classe política e aos madraços que crescem
um pouco por toda a parte. Fiel à caruma, vou procurar os pinhais e meditar no
voo dos pássaros.
Explicação:
O Facebook é o exemplos
dos excessos que é preciso evitar nesta época austera em que até o Papa decidiu
retirar-se. Só é pena que os apóstolos sejam tão poucos!
Eu por mim, em tempo de
cinza, tudo farei para me tornar invisível, para eliminar a minha pegada.
12.2.13
Tudo mortifica!
O Papa que se sente cansado e o País que não sai da cepa torta...
Uns sem trabalho e outros
condenados a trabalhos forçados!
Uns tantos que insistem
em não assumir responsabilidades e vivem sem dar conta dos penados...
Outros há muito
encalhados, mas convencidos de que a Loba faminta os evita...
Claro que há ainda o
Carnaval!
Milhões contorcem-se nas
ruas à espera de não acordar num tempo de cinza...
11.2.13
A
resignação com hora marcada de Benedictus PP. XVI
« (...) C’est pourquoi, bien conscient de la gravité de cet acte,
en pleine liberté, je déclare renoncer au ministère d’Evêque de Rome,
Successeur de saint Pierre, qui m’a été confié par les mains des cardinaux le
19 avril 2005, de telle sorte que, à partir du 28 février 2013 à vingt heures,
le Siège de Rome, le Siège de saint Pierre, sera vacant et le conclave pour
l’élection du nouveau Souverain Pontife devra être convoqué par ceux à qui il
appartient de le faire. »
O que mais aprecio na
declaração de resignação de Sua Santidade é a marcação da data
(A-M-D-H). É finalmente uma prova da infalibilidade papal!
Não posso deixar de
apreciar o gesto de Sua Santidade, mas não sei bem a que verbo devo
futuramente recorrer para designar o actus: RESIGNAR,
RENUNCIAR ou DEMITIR-SE?
Na hora da decisão,
continuo indeciso: a fé continua a faltar-me. Porque será, IGNOTO DEO?
Nota: Peço desculpa pela citação em francês, mas nesta matéria, não tendo tido
acesso à "declaração" em Latim, prefiro a tradução em francês.
Documento de Coimbra
Afinal, o slogan PORTUGAL
PRIMEIRO acabou por ser substituído pelo título DOCUMENTO DE
COIMBRA. De acordo com o próprio, DOCUMENTO de António José Seguro! E,
deste modo, fica explicado o plágio inicial e cimentado o currículo académico
do seu autor.
Não sei quem terá
descoberto o plágio, mas o rumo de Seguro fica traçado. De cada vez que se
deslocar a uma nova localidade, Seguro fica obrigado a produzir novo documento.
Consta, no entanto, que
para evitar tarefa tão laboriosa, Seguro está já a pensar em marcar
os próximos encontros para Coimbra, pois nada terá a acrescentar às teses
já enunciadas para libertar Portugal das forças obscuras que o governam.
Entretanto, António Costa
regressou ao seu Castelo, à espera que a sua corte cresça e que o país
apodreça...
10.2.13
«Querer assacar a
qualquer Governo a responsabilidade pela crise não é sério. Justo será
reconhecer que todos os Governos tiveram a sua responsabilidade na situação do
país. O PS assume por inteiro todas as suas responsabilidades passadas e
presentes.»
António Costa e os amigos
de Sócrates podem estar descansados: Seguro, em nome do PS, não os irá
responsabilizar pelo estado de falência a que o país chegou!
As duas últimas semanas
de agitação socialista ficam, assim, sintetizadas em 3 linhas de um
documento de 27 de páginas a levar a Coimbra neste carnavalesco domingo.
Nas 27 páginas de
PORTUGAL PRIMEIRO só vislumbro lugares-comuns. Quanto ao incremento das
medidas do memorando que o PS assinou com a Troika, nada é dito.
Apenas exigências, como se o PS tivesse sido sempre um partido da oposição.
E já agora proponho
a reformulação do slogan: PORTUGUESES PRIMEIRO!
9.2.13
Não posso deixar de
admirar a tenacidade da Pluma Caprichosa ao infiltrar-se na
final do Super Bowl para poder desferir um golpe certeiro no
candidato - COSTA SENTADO NO BANCO. No entanto, é bom não esquecer que o artigo
saiu no mesmo semanário que é dirigido pelo meio-irmão COSTA e quando, segundo as
benditas sondagens, o povo, incluindo o socialista, prefere o COSTA ao SEGURO!
De qualquer modo, não
creio que fosse necessário recorrer ao futebol americano para definir a ação do
florentino COSTA. Basta pensar num espremer de azeitona, em que os RAPAZES,
desagradados com a saloiada dos RAPAZOLAS de SEGURO, decidiram espremer o líder
para lhe avaliar a consistência.
E como sempre, nestas
guerras de rapazes e rapazolas, quem está no BANCO é o MAIORAL que os vai
atiçando até que deles nem o caroço se aproveite, exceto para um algum
coelho que ande por perto.
PS. Recomendo à
Clara Ferreira Alves que, após sumária análise etimológica do termo
"caprichos", se liberte deles antes que algum humorista mais atento
se aproveite...
7.2.13
«E escrever é
sempre para mim causa de esforço.» Antero de Quental, Carta a Joaquim
de Araújo (1886)
É impossível aceitar
que a escrita seja expressão IMEDIATA da razão ou da sensação, mesmo nos
casos em que os escritores se dizem "inspirados".
Dos neurónios à pedra
vai um tempo de composição que determina o sentido da expressão. E por
isso o escritor sente que, ao escolher as palavras, a
única verdade está no prazer de compor um novo objeto que se
autonomize do criador.
Só o medo do fracasso
criativo gera o adiamento da ação... e, no meu entender, há que fazer um
esforço para não cair em artificiosos biografismos que ofendem a inteligência
dos biografados.
5.2.13
Quando o sentido se dilui
e a luz se torna difusa, sinto o alastrar da hesitação e o eco
quebrado da palavra. Deixo de confiar na vontade e passo a vigiar as
sílabas, forçando-as a um regresso inusitado.
E de súbito,
apercebo-me que no pronome demonstrativo AQUELA mora o pronome
pessoal ELA e, deslocando-me verticalmente, encontro-a a ELA - três vezes
repetida: duas, só, e outra sozinha - testemunha única: ELA (SÓ) VIU... e não
posso deixar de pensar no que ELA, privilegiada, terá visto naquela madrugada
que não é de Abril...
Aquela madrugada
é muito mais antiga, vem do tempo das Albas, provençais ou não... Se
triste e leda, pouco importa! O que realmente interessa é que NAQUELA mora ELA,
a privilegiada, que viu o fogo tornar-se frio e o rio encher-se de mágoas.
4.2.13
Nada muda!
Despertamos e o arruído
fere-nos os tímpanos. Ontem e hoje, comenta-se o currículo de Franquelim Alves
ou, melhor, a alínea omissa BPN.
Do ponto de vista da sua
nomeação para secretário de estado (vulgo, ajudante), quero acreditar que o
critério não foi político. Não vejo qualquer vantagem na decisão, a não ser que
sejamos governados por um bando de mafiosos...
Por isso penso que a
justificação para a escolha deve ser procurada no círculo virtuoso dos amigos
pouco habituados a ler currículos, mas que, em regra, sabem que um o
currículo sólido é mau conselheiro.
Finalmente, se Franquelim
Alves continua na berlinda é porque o seu currículo é pouco sólido. O resto é
arruaça!
Triste povo!
3.2.13
«O futuro é a aurora
do passado.» Teixeira de Pascoaes.
Os poetas messiânicos têm
destas coisas: querem-nos fazer crer que o tempo re-ilumina o passado,
sobretudo em períodos de decadência. Apesar da beleza da expressão, a
ideia é perigosa.
Os mortos da Grande
Guerra ou da Guerra Colonial perderam tudo, mesmo que o futuro tenha sido
radioso para uns tantos.
Os cravos de Abril foram
aurora, construída a partir da fome, da ignorância e da morte de um
povo.
Hoje, há quem nos prometa
um país autossustentável à custa da ignorância, da fome e da morte de um
povo.
Há quem insista que temos
futuro! Mesmo que reduzidos à condição de sem-abrigo! (Banqueiro Fernando
Ulrich dixit.)
Comunicar pressupõe um
emissor e um recetor ou, por outras palavras, um locutor e um interlocutor.
Comunicar impõe, assim,
uma relação de interlocução.
Pode parecer óbvio, mas,
na realidade, no último teste, houve boa gente que falhou ao identificar as
marcas do interlocutor.
A razão parece estar na
desatenção do interlocutor que deixou de levar a sério o locutor, na situação
"sala de aula"...
O insucesso não seria
muito grave se o efeito não implicasse dislates na interpretação do soneto
"Senhora minha, se de pura inveja..."
2.2.13
Ontem, o Presidente deu
posse a mais 7 "ajudantes", dando corpo ao cavo pensamento político
que vem impondo ao país e ao mundo há largos anos. E, ao contrário, de muitos
outros, compreendo que não se tenha dado ao trabalho de passar cavaco ao currículo
de tais servos. A eles, não lhes compete ter ideias, servem apenas como
paquetes das sociedades mais ou menos lusas que nos exploram sem dó nem
piedade!
31.1.13
Contra acessos febris,
uma mistura de gordura de cobra com azeite; contra a tosse, chá de pele de
cobra; contra o reumatismo, sopa de cobra... À exceção do veneno de cobra,
nenhuma destas mezinhas surte efeito. No entanto, a magia da palavra
da cobra é tão empolgante que até as tristes maçãs se viram
envolvidas no desterro dos pais fundadores...
(...) Houve tempos em que
o caixeiro (viajante) chegava ao Largo e, qual tenor, vendia pilhas
de colchas, cobertores, tachos, panelas, unguentos, tudo pelo preço
da uva mijona... Era tudo tão barato e fácil que ninguém resistia à inesperada
necessidade. Depois faltava o dinheiro para o petróleo, para o azeite e até
para o pão de milho - a broa.
De qualquer modo, o
comprador compulsivo, de regresso ao tugúrio, sabia bem que acabara de ser
ludibriado pelo vendedor de banha da cobra.
Mais tarde, na defunta
Feira, vi acumularem-se os caixeiros e as quinquilharias, sem nunca ter
percebido bem o que havia de tão fascinante em regressar a casa carregado
de bugigangas inúteis... Até que mortos o Largo e a Feira, os vendedores de
banha da cobra passaram a entrar pelas casas dentro, ocuparam as mochilas e os
bolsos e, agora, nos cegam os olhos e destrambelham os neurónios...
Até agora, a ironia
ajudou-me a resistir aos caixeiros e às suas cobras, mas parece-me que vou
acabar por soçobrar: os láparos reproduzem-se com tal facilidade que nem as
cobras conseguem dar conta deles... Hoje, 27 de fevereiro de 2013, surgiu um
láparo esfolado à entrada da Faculdade de Direito! Sinal de que os estudantes
já abriram a época da caça...
30.1.13
Infographie "Le Monde" | Ipsos : Rarement la défiance envers
l'islam aura été aussi clairement exprimée par la population française.
74 % des personnes interrogées par Ipsos estiment que l'islam est une
religion "intolérante", incompatible avec les valeurs de la société
française. Chiffre plus radical encore, 8 Français sur 10 jugent que la
religion musulmane cherche "à imposer son mode de
fonctionnement aux autres".
Os franceses acreditam que
os muçulmanos lhes querem impor o seu modo de vida. Apesar de se
dizerem cartesianos, os franceses facilmente se deixam mover pelas emoções e
abdicam do raciocínio para acusarem o outro daquilo que eles
próprios praticam, tal como a maioria dos "cristãos" ocidentais,
sejam ortodoxos, católicos ou reformistas.
Em Portugal, não
precisamos de lançar a suspeita sobre os muçulmanos. Ensinaram-nos, desde o
berço, que eles são o inimigo: os cristãos conquistaram-lhes os castelos e
sobre as mesquitas edificaram igrejas. N'Os
Lusíadas, os mouros continuam a ser o inimigo!
Em Portugal, os
muçulmanos dissolveram-se na paisagem humana. Em França, vivem entre
barreiras... e as fronteiras sempre travaram o diálogo.
29.1.13
Olhando as páginas dos
jornais, mesmo que de viés, percebo que por falta de fé, perdi inúmeras
oportunidades. Houve um tempo em que poderia ter caído nos braços da «opus
dei», mas a obstinação de tudo querer compreender expulsou-me por tempo
indeterminado do caminho divino...
O caminho terreno
tornou-se espinhoso, mas, por um bambúrrio dos capitães de abril, deixei de
pisar uma mina em solo africano. Fiquei por cá, incapaz de me alistar em uma
qualquer confraria, com ou sem avental. A porta secreta esteve sempre
aberta, mas nunca entrei...
Tendo desistido de
ser pastor, nunca aceitei ser ovelha! E, assim, por falta de fé, continuo a
tentar compreender se, na verdade, há algum caminho ou se tudo não passa
de uma impercetível variação na (in)suportável repetição da
condição humana.
E de súbito, da desmória
dos caminhos, surge Pascal:
L’homme n’est qu’un roseau, le plus faible de la nature ;
mais c’est un roseau pensant. Il ne faut pas que l’univers entier s’arme pour
l’écraser : une vapeur, une goutte d’eau, suffit pour le tuer. (fragmento 397)
28.1.13
As palavras não me eram
dirigidas, mas não pude deixar de as ouvir. Eram palavras de pesar! Morrera o
professor José Viana!
Quem dele falava,
conhecera-o na Escola Secundária de Camões. Mas eu que não soube, a tempo, da
sua última viagem, também fui seu colega na referida escola, mas, na
verdade, o nosso conhecimento era mais antigo. Remontava ao ano letivo de
1977/1978!
Nesse ano, fiquei a
dever-lhe muitas viagens a Mafra, com paragem nas "trouxas" da
Malveira... Foi na Escola Secundária de Mafra que o conheci, sempre afável,
sempre prestável.
Espero que a
sua última viagem tenha sido tão tranquila como todas aquelas
que partilhámos no longínquo ano de 1977/78!
25.1.13
«A democracia é
uma inundação de vulgaridade, e é necessário uma fé robusta,
no futuro da sua evolução, para a não amaldiçoar...» Antero de Quental,
Carta de 1888
Com o regresso ao
mercados, somos inundados por enunciados patéticos, como o do conselheiro Borges
para quem a austeridade terá acabado.
O regime democrático
permite que o iluminado Borges nos insulte diariamente, permite que políticos
vulgares brilhem lá fora à custa de medidas que condenam à miséria milhões de
portugueses.
O regime democrático
permite que opositores irresponsáveis comam à mesa do orçamento, sem se
preocuparem em apresentar argumentos e medidas que desmontem a propaganda que
nos torna insanos.
Muitos são aqueles que
começam a amaldiçoar a democracia, não porque lhes falta fé, mas porque nos
contentamos com a mediocridade.
23.1.13
Como a batalha verbal já
está no terreno, vou aproveitar para deixar aqui o meu critério para avaliar
o alcance da operação e este consubstancia-se numa pergunta primária:
- No final da operação, a dívida dos portugueses aumentou ou diminuiu?
No que me diz respeito,
todos os dados de que disponho me indicam que a minha dívida ficou maior.
Mas, provavelmente, a responsabilidade é minha, pois não sou nem banqueiro nem
credor nem político nem sábio!
Em rodapé, não posso
deixar de estar preocupado com a ética dos sábios que
elaboraram o último relatório do FMI sobre as medidas que Portugal deve
aplicar para cortar permanentemente 4 mil milhões de euros.
«Carlos Mulas,
director de la Fundación Ideas, tiene registrados el nombre y el logo de una
falsa columnista llamada Amy Martin. Cobraba hasta 3.000 euros por
cada artículo que sólo se publicaban en la web.»
«El creador de Amy
Martin aseguraba que para combatir la corrupción la clave era 'reducir los
espacios' de oportunidad para que se produzca»
22.1.13
O regresso aos mercados,
acertado entre banqueiros e credores, está a gerar uma onda vergonhosa de
aplausos e de vaias.
Onde uns enxergam
sucesso, outros enxergam impotência. Uns e outros, no entanto, ganham com o
aumento do endividamento. Já lá vão 200 mil milhões de euros! Ou será mais?
Como amortizar tanto dislate?
Como diria o japonês,
isto só lá vai se deixarmos morrer os velhos! Segundo a notícia, o limite de
idade começa aos 60 anos, apesar dos esquecidos protestos de Vitorino Nemésio:
- «É bom não pôr
limites à Misericórdia divina»
Disse um Papa velhinho
A quem exígua prece
Votava uns anos mais
Como é próprio da Caixa
de Descontos
Dos pequenos mortais.
(18.7.1971)
21.1.13
Político em ascensão:
'Quando eu disse "acabar" com a ADSE estava a querer dizer
"integrar"... Um raciocínio coerente, pois quando a morte chega e
acaba com o ser, ela mais não faz do que integrá-lo no cosmos.
Na verdade, o temporal
deste fim de semana apenas quis acabar com os privilégios de uns milhares
de árvores de grande porte, que insistiam, contraventos e marés, em altear-se
nos areais de Leiria, nas serras de Sintra e do Buçaco... Havia mesmo um cedro
que resistia há 370 anos!
O temporal nivela, torna
igual o que é diferente e cresce à custa dos suculentos cactos que irrompem das
encostas plebeias.
Já andávamos
esquecidos que no dicionário prático da língua portuguesa, "integrar"
significou quase sempre "tomar pela força", sem com isso acabar com
as nativas. Pelo contrário, paladinos da integração (da miscigenação), demos novos
brasis ao mundo.
20.1.13
Ontem, referia que, sem
complacência, o governo corta a torto e a direito e nós, complacentes,
deixamos fazer. Pensava eu que esta resignação se ficaria a dever a falta de
ferramenta democrática, quando, subitamente, dou de caras com a Vassouraria da
Esperança (em tempos, propriedade do pai do Raul Solnado!). Fechada como
milhares de outros pequenos estabelecimentos!?
Mas não! O atual
proprietário teve o bom senso de mudar a Vassouraria para a Rua da Memória.
Haja esperança! A memória acabará por nos ajudar a separar o trigo do joio e a
varrer os cavacos, os relvas, os gaspares, os salgados, os loureiros, os
coelhos e os selassiés deste mundo, sem ofensa para todos aqueles que continuam
a merecer maiúscula…
19.1.13
O Senhor Selassié diz ao
governo português que «não é tempo de complacência». E talvez tenha razão!
Os 82 mil milhões são para ser devolvidos com juros leoninos, sem cairmos na
tentação de imitar os Gregos!
Por isso, sem
complacência, o governo condena as empresas à falência, os empregados ao
desemprego e à fome, corta nos vencimentos e nas pensões. Sem
complacência, esvazia as universidades e os hospitais, e prepara-se para
cortar 100.000 funcionários públicos - desde 2005, já saíram 166.000,
e a Caixa Geral de Aposentações tem 34.000 em lista de espera!
Toda esta gente que sai
da fábrica, da empresa, do hospital (no caso de ter tido a sorte de ter entrado
e de ter sido bem tratada!), da universidade, da repartição, é atirada para uma
terra de ninguém, à espera de que a morte a liberte...
Sem complacência,
o governo, às ordens do senhor Selassié, prepara-se para anunciar, em
fevereiro, mais um conjunto de cortes, e, nós, complacentes,
deixamos. Parecemos os judeus ordeiros a caminho do forno crematório
alemão!
A diferença é que os
judeus eram uma minoria... e nós somos a maioria!
18.1.13
A memória era feita de
tabuleiros ao sol de verão. Secavam-se as uvas e os figos! Por vezes, era o
milho que esperava que o descamisassem…
Entretanto, a eira
iniciou o retorno à origem… tal como a memória! Tudo naturalmente, com ou sem
flores de alecrim.
17.1.13
Não sei se é impressão
minha, mas continuo a ver muitos jovens alheados dos problemas que assolam a
maioria dos portugueses. Acreditam que o dia de amanhã lhes sorrirá
como até aqui!
Claro, há sempre
exceções! Ainda, hoje, uma jovem aluna apresentou oralmente a peça de
teatro DEUS LHE PAGUE, de Joracy Camargo, mostrando, de forma
singela, a sua surpresa face ao modo como o dramaturgo desmonta os
preconceitos que ofuscam as ideias que devem mobilizar a atenção de cada um de nós.
Mendigo: Na
sua opinião. O que o povo quer é a coisa mais simples deste mundo.
Péricles: Qual
é?
Mendigo: A
supressão de uma palavra do dicionário.
Péricles: Qual?
Mendigo: Miséria!
Péricles: Só
isso?
Mendigo: Só
Não basta suprimir a
palavra do dicionário! Vamos ter de fazer mais alguma coisa. Nem que seja
aprender com Joracy Camargo.
(Aqui fica uma sugestão
de leitura, lusófona, e bem adequada ao momento que atravessamos!)
16.1.13
Nestes dias, já não sei
se hei de rir ou de chorar! Falar deles começa a tornar-se uma maçada. Uma
ENORME maçada!
Pelo que observo nas
redes sociais, a maioria prefere rir. No entanto, vale a pena refletir sobre os
efeitos do RISO.
Dizia Antero de Quental,
em carta de 1879, ao amigo Guilherme de Azevedo:
O riso amolece, relaxa e
acaba por tornar imbecis aqueles mesmos que o empregam contra a imbecilidade
alheia. É uma arma perigosa, de dois gumes, uma arma má.
A ética anteriana
impunha-lhe a condenação do riso, até porque o mal-estar psicológico minou-o
desde muito jovem, tornando-o indeciso e, sobretudo, criando nele uma
culpabilidade verdadeiramente inibidora da ação. (Na realidade, só o elevado
sentido de humor de Eça foi capaz de nos convencer da santidade do suicida
açoriano!)
Eça ria ou, no mínimo,
troçava de uma nação inteira, e a sua leitura ensina-nos a rir da imbecilidade
do outro.
Hoje, começo a acreditar
que o riso nos está a envenenar a alma e a inibir-nos a ação. A ação direta!
15.1.13
Dois ou três
estrangeirados decidiram refundar Portugal. Um deles, o secretário Moedas,
declara não querer ouvir palavras de aplauso e que espera que as
intervenções sejam de confronto - palavras capazes de pôr em causa as suas
divinas certezas.
Concluído o introito,
começou a garraiada, à porta fechada!
Amanhã, ao
entardecer, o primeiro coelho anunciará o desfecho da faena.
Em 48 horas, o
relatório do FMI terá sido transformado em ouro!
14.1.13
O Partido Socialista está
convencido que estão criadas as condições para voltar ao poder. Para o efeito,
terá criado grupos de trabalho cujo objetivo será apresentar ideias
que, simultaneamente, possam ser alternativa ao desconchavo governativo e,
sobretudo, ajudar o país a sair do protetorado em que se afundou.
Ora, quando um desses
chefes de missão decide dar uma entrevista a explicar que o serviço nacional de
saúde (?) só poderá sobreviver se, de uma vez por todas, se puser termo aos
sistemas corporativos de saúde, logo o porta-voz de serviço veio desautorizar
o grupo de trabalho que terá proposto a extinção da ADSE.
Este é apenas um mau
exemplo do modo como os partidos silenciam aqueles que arriscam
fazer propostas que questionam o conservadorismo vigente.
Se o Partido Socialista
quer ser uma verdadeira alternativa de poder, terá de mudar de rumo. Deste
modo, mais não será do que o reverso da atual coligação, e sem maioria
parlamentar!
Para bem do país, o
atual secretário-geral (ou o próximo, se for caso disso) vai necessitar de
se rodear de mulheres e de homens que conheçam o país e os seus problemas
e que apresentem soluções capazes de nos libertar da canga externa e interna.
Assim não vamos lá!
13.1.13
A Casa Secreta de
José Eduardo Agualusa é uma narrativa gnoseológica ou, talvez, arqueológica,
pois reinventa a Casa Lusófona, numa viagem do Brasil ao Quénia, na
companhia de Richard Francis Burton.
O explorador,
involuntariamente, surge como guia do Autor pelo simples facto de se ter
interessado pela epopeia - OS LUSÍADAS.
A Casa Lusófona
enraíza-se, assim, na «E da casa marítima secreta / lhe estava o
Deus nocturno a porta abrindo / Quando as infidas gentes se chegaram / Às
naus, que pouco havia que ancoraram.» Canto II, est. 1
A leitura atenta da narrativa
dá conta do modo como a viagem do autor ao Quénia se organiza a partir de
Vila da Barra do Rio Grande pelo simples facto de, um dia, Domingos da
Paixão Neto lhe ter devolvido a epopeia que deixara cair ao chão...
Uma narrativa secreta,
onde o interdito se torna divisa, a carta se torna mediadora, a espada se torna
identidade, e um diário se perde na magia do sagrado... e as referências se vão
perdendo...
Um autarca termina o
mandato no final de 2013 e já não se pode recandidatar. Como o legislador
pressupõe que o eleitor é estúpido, proíbe o autarca de se candidatar a
um 4º mandato no mesmo município.
O autarca, candidato
ao desemprego, perante o interdito e não querendo impor-se na casa vizinha,
olha para a Lei e descobre que esta o autoriza a pedir a reforma. E é o que
faz!
(No caso publicitado,
a autarca reformada, a partir de 1 de fevereiro, deveria cessar funções e
evitar expedientes que lhe maculam o carácter...)
Até aqui quase tudo bem!
Mas. de imediato, surgem os argumentos "ad hominem" suportados pela
atávica inveja.
Se a situação, num
momento de empobrecimento colectivo, parece abusiva não é certamente
porque o cidadão recorre à Lei, mas porque o Legislador a não revê,
impedindo que, no futuro, se mantenham situações de privilégio e de desigualdade.
E vale a
pena acrescentar que a maioria dos pedidos de antecipação de reformas
resulta do Estado não ser pessoa de bem ou, melhor, de os governantes
não respeitarem a palavra dada, pois persistem no princípio da retroatividade,
cortando a torto e a direito, gerando assim um mal-estar colectivo
propício ao desenvolvimento do sentimento de inveja e, mais cedo ou mais
tarde, a desmandos de todo o tipo.
11.1.13
Há uns dias, referi-me ao
"tom seráfico" do secretário Moedas, mas reconheço, agora que lhe
investiguei o CV, que a escolha do adjetivo foi preconceituosa e precipitada. A
não ser que se trate de um daqueles serafins que vive a coberto da mão esquerda
de Deus!
Foi a proximidade do
secretário Moedas com o ministro Gaspar que me fez pensar que ele também teria
sido doutrinado pelo cardeal Policarpo. Nada mais errado!
Na verdade, o homem
nasceu na planície alentejana e, à falta de ar condicionado, arranjou forma de
ir trabalhar para o Banco de Investimento Goldman Sachs, na área de
fusões e aquisições.
Proponho, em abono da
verdade, a seguinte redação: «Num tom mesquinho, veio o
secretário Moedas explicar o seu apreço pelo relatório FMI - um relatório
extenso e, sobretudo, quantificado.» (...)
10.1.13
Corta tudo o que for
inútil! - divisa dos árcades do século XVIII.
O Governo está pronto
para aplicar o conselho arcádico! Deverá, no entanto, começar por explicar o
que considera ser "inútil"...
Desconfio que, para a
TROIKA, "inútil" significa tudo o que não dá "lucro", à boa
maneira reformista e liberal. E o Governo, como aluno sabujo, está pronto para
aplicar a receita. Por isso mais do que refundar o Estado, é necessário começar
por cortar no Governo, o mesmo que vai procedendo à nomeação de boys e girls para
a Secretaria de Estado da Cultura, e que finge extinguir organismos para, na
verdade, criar estruturas intermédias para acoitar os serviçais, a peso de
euros...
9.1.13
Num tom seráfico, veio o
secretário Moedas explicar o seu apreço pelo relatório FMI - um relatório
extenso e, sobretudo, quantificado.
Custa-me a acreditar que
o FMI não tenha redigido uma extensa monografia sobre a situação das finanças
públicas, sector a sector, propondo simultaneamente intervenções cirúrgicas
para cada um deles. Creio mesmo que o FMI, ao olhar para o resultado da
avaliação, terá pensado que o melhor seria eliminar uns tantos sectores, de
modo que, finalmente, pudessem ser levadas a cabo as famigeradas reformas
estruturais...
E tenho quase a certeza de
que a monografia do FMI também contém um capítulo confidencial sobre a
capacidade dos governantes, primeiro, compreenderem o que são reformas
estruturais, e, depois, implementá-las sem cederem aos interesses instalados.
Chegados aqui, os
técnicos do FMI terão concluído que o melhor seria elaborar um relatório com
umas tantas medidas quantificadas, que, de antemão, sabem que os políticos
mandarão aplicar aos sabujos que os acolitam.
O problema do secretário Moedas
é que não sabendo ler monografias, encomenda relatórios, de preferência,
quantificados e curtos.
Hoje, o seráfico Moedas
surgiu melancólico porque o relatório que recebeu às 12 horas era extenso,
embora visivelmente satisfeito com a precisão dos números...
Daqui até fevereiro, o
governo já tem pouco para fazer! Basta aplicar a receita, mesmo que isso
signifique ler apenas a conclusão do relatório.
O secretário moedas
lembra-me aqueles "catedráticos" que nada conhecendo das matérias se
sentam diariamente nas cátedras, à espera que os alunos façam de conta que
leram a bibliografia e que apresentem uns "papéis" que eles possam
aproveitar para publicar em revistas científicas dirigidas por correligionários
da mesma estirpe!
7.1.13
Ubi sunt qui ante nos
fuerunt?
O sol parece desiludido.
As sombras povoam os dias. O ouro perdeu o fulgor e os ventres começam a inchar
de míngua. As palavras magoadas arrastam-se sem eco. O sagrado invadiu as ruas
e perdeu-se em beijos promíscuos... Os mendigos e os vagabundos
montam, agora, sentinela aos despojos.
(Este Janeiro convida à
meditação.)
Por este caminhar, mesmo
os mais distraídos acabarão por, infelizmente, compreender os versos elegíacos
de Antero de Quental: Daquela primavera venturosa / Não
resta uma flor só, uma só rosa... / Tudo o vento varreu,
queimou o gelo!
Só que a responsabilidade
não é do "vento" nem do "gelo" de Janeiro! E também já não
o era no tempo de Antero: Outros me causam mais cruel tormento / Que
a saudade dos mortos... que eu invejo.../
6.1.13
A neologia raramente é
uma necessidade. Ela nasce de uma deriva, da preguiça ou do esquecimento. Claro
que o engenho humano necessita de novos termos para os novos brinquedos que
vão substituindo os antigos!
Quanto ao esquecimento,
basta uma geração para que o que era moda desapareça definitivamente. Há na
literatura um número significativo de autores esquecidos, fruto da migração
para as cidades e da desertificação do interior. Com eles morreram a língua e os
valores ancestrais!
Quanto à preguiça, a
falta de tempo para a comunicação presencial e à distância conduz a registos
lexicais minimalistas e a um empobrecimento do léxico, arrasadores dos modos de
raciocinar e, sobretudo, de argumentar.
Finalmente, a deriva é um
mecanismo mais profundo que arrasa a visão do mundo. Por exemplo, na costa do
Índico, situa-se Moçambique, antiga colónia / província portuguesa, mas poucos
sabem que, anteriormente, essa região se chamaria Ma Sambuco (aglomeração de
navios). Aquela costa nunca deixou de seduzir os povos: chineses, fenícios,
árabes, indianos, portugueses, ingleses...
Todo este argumentário
para quê? Simplesmente para lembrar que o neologismo "eurismo" é
fruto da deriva de um povo que se esqueceu, por preguiça, da sua origem portuária,
preferindo passar a periferia da Europa do capital.
4.1.13
A política, ao contrário
da poesia que acrescenta, só restringe!
Tendo uma origem comum,
poesia e política seguem caminhos opostos.
No início, os políticos
eram poetas cujas palavras defendiam o reconhecimento do trabalho (ação) da
maioria. Hoje, os políticos defendem abertamente o empobrecimento da maioria.
Hoje, há uma linha que
separa nitidamente a poesia (a arte, a ciência, a filosofia, a religião), da
política (o eurismo*).
E se isto acontece é
porque o sistema educativo deixou de se nortear por valores humanistas e
ecológicos! Hoje, o discurso político faz tábua rasa de todo e qualquer
valor porque serve apenas o euro!
Os próprios ministros não
se diferenciam: ou não têm a voz ou vociferam contra a maioria em
nome do euro.
* Eurismo: forma regional
do capitalismo mundial.
3.1.13
Hoje, não resisto a
perguntar ao ministro Crato se, de futuro, a poesia será excluída dos programas
de Português, pois o ato poético - o ato de fazer - é anterior aos atos de
informar e de opinar.
O ato poético é
primordial e está intimamente associado à perceção da realidade, ao modo como o
poeta aborda sensorialmente o mundo das coisas e dos seres, e essa captura é
individual e necessariamente incómoda, pois cabe-lhe, ao moldar a matéria de
que se tece, dizer / fazer o que ainda não foi dito / feito...
A poesia acrescenta, não
se limita a opinar ou a informar ou a espelhar sentimentos. A poesia foge dos
círculos viciosos e virtuosos! E foge do biografismo! De nada serve mergulhar
nas suas malhas à procura do sujeito... este serve a expansão do mundo e só é
feliz quando o poema se emancipa, e imanente sobrevive à literatura.
Há mais de 2500 anos que
a poesia recria o mundo, ora gerando fronteiras ora diluindo-as, pois, cada
poeta reivindica para si a liberdade de ver, ouvir, cheirar, degustar, tactear,
e que nenhum pensamento geométrico poderá estorvar.
2.1.13
Bem sei que para o
ministro Crato, compreender o simbolismo deixou de ser uma das metas da
disciplina de Português. Basta saber distinguir o ato opinativo do ato
informativo!
Para mim, no entanto, o
espelho quebra-se não apenas quando o feio esmaga o belo - a morte substitui a
vida -, mas também quando a Assembleia da República não espelha o país.
No atual quadro
parlamentar não enxergo representantes dos desempregados, dos reformados e
aposentados, dos jovens à procura de emprego; da oliveira, do sobreiro e da
vinha; da restauração, do calçado, do artesanato; das artes e da economia
paralela... Só professores e juristas e uns tantos videirinhos vindos do
inefável poder local, distrital...
1.1.13
No atual quadro
parlamentar, encontramos 65 professores. Somados a 57 advogados e a 27
juristas, temos um total de 149 personagens de papel, num universo
de 230 parlamentares.
Estes personagens
encontraram na Assembleia da República a escada para a ascensão social que, de
outro modo, lhes estaria vedada.
Não sabemos se foram (ou
são?) excelentes professores, advogados ou juristas, mas são zelosos
cumpridores da disciplina partidária. Talvez seja esse o motivo por que no
jornal i, página 15, Margarida Bon de Sousa escreve: «Ter uma licenciatura
em Direito ou ser professor, mesmo de uma escola primária, parece ser uma
vantagem comparativa na altura de os
partidos constituírem as suas listas.»
Quanto ao governo de
Portugal, ele é constituído por: quatro professores, quatro advogados, um
jornalista, dois gestores e um administrador.
E na Presidência, mora um
distinto de professor!
O espelho quebrado!