31.12.12
«E
não falo das operações cerebrais: como seja ler, por exemplo: quando digo que o
olho vê - foca - um ponto de cada vez, quero dizer um ponto (extenso!!!) de
visão ótima, em torno do qual a visão, seja esta o que for, se esfuma, esbate
ou dissipa gradualmente. Vemos, de facto, um trecho de escrita, uma letra ou
sílaba no ponto de visão ótima da retina e algo mais que se dissipa em torno
dele. O hábito de ler também ajuda aqui: presumo, antecipo ou deduzo a palavra
ou frase que ainda não li ou nem chego a ler, ou só leio vagamente. Assim (e
isto o camarada tipógrafo deve procurar entendê-lo), quanto mais denso,
condensado ou apertado e mais negro ou visível é o tipo, mais depressa eu leio,
porque a cada olhada (-dela) abrange mais do material
impresso. Espacejar o texto, contra o que muitos supõem, e temos por hábito
fazer, é retardar e dificultar a leitura, é criar espaços vazios, brancos, em
que o olho é forçado a mover-se em vão, sem nada ler. (...) Por outro lado, os
grossos caracteres são bons para os quase «invisuais», como demos agora
pedanticamente, em chamar aos cegos, para os não ofender ou humilhar - tão
delicados somos de alma! Porque não chamar então impedestres aos
coxos?»
(...) José Rodrigues
Miguéis, Programação do Caos, nº 23
- Quantas ideias se vão
perdendo!?
O professor tem sido uma
escada por onde poucos subiram e muitos desceram! Infelizmente, a realidade só
confirma o balanço.
Esperar-se-ia que
tivessem sido mais os que subiram a escada do que os que a desceram nestes
últimos 38 anos, mas, na verdade, há muito que a descida aos infernos teve
início.
A escada quebrou
degraus, perdeu apoios, e flutua, agora, à deriva, pronta a extinguir-se.
(...) E o mais assustador
é quando um ministro, que nem a escada tentou subir ou, mesmo, descer, dá
lições sobre as qualidades dos outros ministros deste país!
30.12.12
Antes que
seja proibido, vamos lá encerrar 2012! Vamos arrumá-lo num baú, deitar a
chave fora, e pô-lo em órbita de um qualquer planeta distante.
Não vale a pena chorar
por 2012, pois é um daqueles anos em que a maioria dos portugueses foi
assaltada por desclassificados da pior espécie que continuam a ter a audácia de
arvorar em redentores incompreendidos.
E mesmo que voltemos a
encontrar a chave em 2013, o melhor é ter sempre presente os seguintes versos de
Pedro Mexia, in Menos por Menos:
Não deves abrir as
gavetas
fechadas: por alguma
razão as trancaram,
e teres descoberto agora
a chave é um acaso que
podes ignorar.
(...)
29.12.12
Em 2012, o Governo
autorizou 4700 promoções nas forças de segurança - GNR e PSP!
Afinal, o congelamento não é universal!
Em termos de balanço do
ano 2012, quantas promoções e progressões foram autorizadas no âmbito do
estado?
VIVA A EQUIDADE!
28.12.12
Pobre São Francisco! Apesar do voto de pobreza, viu-se
transformado em pousada e, sobretudo, despojado da alma. Fica um apelo - eterno
- à GREVE GERAL... e um poeta - Mário Beirão - agrilhoado a um torreão.
Sinais de que se pode ser, ao mesmo tempo, religioso e pouco católico!
(Inesperadamente, a visita ao casco de Beja foi conduzida pelo professor
doutor Jorge Castanho e esposa - filhos da terra.)
27.12.12
Em Beja, o que sobra da
calçada romana…Sem estradas não teria havido romanização! Nem Pax Julia!
Quem quer conquistar
território constrói vias de comunicação ou, em alternativa, compra-o em saldos.
Vide privatização da ANA…
Apesar de poder morrer à fome, ainda há quem fuja do cativeiro! - A cacatua...
26.12.12
Hoje, ao percorrer o IP
8, não pude deixar de dar conta de que os ricos do meu país, depois de terem
esbanjado milhões a expropriar propriedades, a esventrar e a terraplanar a
planície alentejana, a levantar viadutos, de um dia para o outro abandonaram impunemente
a obra...
O que sobra da A 26 é o
espelho da incompetência e da impunidade que grassa neste triste país! Ao
percorrer o IP 8, fico com a sensação de que o projeto de ligar Sines a Beja
não é tão insensato como se diz.
"Fraqueza / é
desistir-se da cousa começada." (Luís de Camões)
Este país já passou por muitas catástrofes, mas nunca teve governantes tão
fracos! Governantes que só sabem destruir!
25.12.12
José Matias, na
rua de São Bento
De relance, na rua de
São Bento, às 0h30 do dia de Natal, sobre o passeio da direita, cambaleia
uma figura esguia. Parece que vai cair, mas, a custo, contorce-se e vai ficando
para trás, sem que eu possa distinguir se é homem ou mulher, se o desequilíbrio
é apenas uma questão de bebedeira redentora...
Não é esse o caso de José
Matias que, durante três anos, noite fechada, se esconde num portal donde pode
avistar a sua divina Elisa no 214 da rua de São Bento, e colar-se diurnamente
ao amante, o apontador de Obras Públicas, para se assegurar fidelidade deste à
sua esposa celestial.
O José Matias ama
espiritualmente e, mesmo sabendo-se correspondido pela bela Elisa, foge dela,
do corpo dela, como o Diabo da Cruz. E esse é o mistério que Eça de Queiroz
oferece ao leitor guloso de paixões carnais e fatais.
Curiosamente, o narrador
entrelaça a história de José Matias e de Elisa com referências a estudos
maçadores de filosofia e de psicologia, sem qualquer alusão à religião.
Ou porque José Matias
sofreria de impotência - não há uma palavra que o explicite - ou porque Eça
tivesse decidido testar a primazia da amizade sobre o amor - Platão - ou,
finalmente, porque este José Matias não é mais do que um clone do carpinteiro
que toda a vida serviu desinteressadamente Maria, a verdade é que esta história
não parece encaixar no espírito de Natal...
Lido o conto José
Matias, estou agora convencido que a figura esguia que subia a rua de São
Bento era nem mais nem menos que a divina Elisa que continua à procura do seu
amante espiritual, há muito enterrado no Cemitério dos Prazeres...
24.12.12
«Queirólogos» de
serviço: José Hermano Saraiva; António Valdemar; Agustina Bessa-Luís; João
Gaspar Simões, José Régio, Maria Filomena Mónica - todos eles se servem de Eça
de Queiroz, revelando poucos escrúpulos e bastante ignorância, para não dizer má
vontade. A argumentação é inócua e, por vezes, ao sabor da época e reveladora
de traumas pessoais...»
Tudo isto é dito pelo bisneto, António Eça de Queiroz,
na obra Eça de Queiroz e os seus Clones, Guerra e Paz, 2006.
António Eça de Queiroz
procura rebater os argumentos dos detratores do ilustre escritor, no que
respeita ao seu nascimento, às relações familiares, às imaginadas taras e, até,
à suposta falta de originalidade.
Mesmo que, em alguns
casos, o objetivo não fosse diminuir a grandeza de Eça, o facto é que o
biografismo e a psicocrítica são métodos redutores.
Por outro lado, o
bisneto, António Eça de Queiroz, também, se insurge contra as várias
adaptações "mexicanas" a que a obra tem sido submetida, pois o
critério principal é satisfazer as taras do público e enriquecer à conta do
nome de Eça.
Uma leitura
descomprometida desta obra ajuda a compreender um pouco melhor a
"verdadeira " biografia de Eça, designadamente a partir do capítulo V
- Uma trisavó tremenda. Tal como ajuda a compreender a atmosfera
política, diplomática e cultural de boa parte do século XIX...
Eça de Queiroz e os seus
Clones é uma obra que os jovens estudantes, condenados
a ler OS MAIAS, deveriam conhecer:
«Ora o Eça do programa
- e o mesmo se passará com muitos autores - encontra-se desde tempos quase
imemoriais preso a OS MAIAS, como um velho brigue atascado no lodo duma
qualquer baía de mares desconhecidos.»
22.12.12
A dívida é deles e
nós é que pagamos!
Primeiro: Sócrates deu
cobertura aos interesses cavaquistas ao nacionalizar o Banco Português de Negócios
e, simultaneamente, os seus amigos ocuparam o BCP e a CGD...
Segundo: Coelho destituiu
Sócrates para salvar o bloco central de interesses, atirando a responsabilidade
para cima das funções sociais do estado, dos funcionários públicos e dos
aposentados...
Terceiro: Seguro, será
ele capaz de pôr de lado o bloco central de interesses?
Entretanto, os
responsáveis pelo descalabro das finanças e da economia continuam em liberdade
dourada.
Até quando?
A dívida é do bloco
central de interesses, nós calamos... e continuamos a celebrar o Natal!
21.12.12
A notícia não dá conta do
que Passos Coelho esteve a fazer durante duas horas na
"Universidade Sénior" da Portela, às portas de Lisboa.
As televisões, rádios e
jornais noticiam a decisão do ilustre visitante de percorrer vinte metros a pé
e de saudar a vintena de manifestantes que o insultavam.
Cercado de seguranças, o
primeiro-ministro selecionou um manifestante e desejou-lhe "Bom
Natal", pedindo-lhe que transmitisse o seu voto aos ruidosos correligionários.
Por seu turno, o interpelado aproveitou para solicitar "melhores
políticas".
Pobre jornalismo!
(Para a polícia foi um
dia de treino: chegou cedo; barrou o estacionamento; posicionou-se no terreno;
as forças de intervenção circularam discretamente. Eram mais os agentes do que
os manifestantes!)
20.12.12
Com tanta gente sensível,
é estranho que ainda se continue à espera do fim de mundo! Basta abrir os olhos
e os ouvidos para ver e ouvir o galopar da miséria.
Os passeios cobrem-se de
restos pestilentos e as mãos vasculham os sobejos de derradeiros banquetes dos
corvos que não os de São Vicente.
O fim do mundo não se
anuncia, não precisa nem de calendário nem de profeta!
Ele chega simplesmente na
fábrica que encerra, no negócio que falece, na prece muda de quem
anoitece...
19.12.12
De manhã, pareceu-me que
havia vida para além da minha rua, que o pensamento existia fora de mim e que
este se revelava na cor e no movimento de gulosos cisnes brancos. A certa
altura, desconfiei do meu pensamento e apeteceu-me dizer que os cisnes daquele
lago só lá estavam porque eu os estaria a ver. Pobres cisnes, ficavam à mercê
do meu olhar!
À tarde, fiquei absorto
no homem que falava 29 idiomas e vários dialectos, que foi pioneiro
dos estudos etnológicos e ainda teve tempo para se converter a vários credos, e
fazê-lo tão completamente que entrou e saiu de Meca sem perder a vida, e pelo
caminho subiu o Rio São Francisco e chegou ao lago Tanganica, sempre no meio de
escândalos e de violentas inimizades - um homem que traduziu o mundo, do Kama
Sutra às Mil e Uma Noites e conquistou o ouro necessário à
metamorfose de uma vida. Um homem que confrontou o puritanismo do seu tempo
- Richard Francis Burton (1821-1890).
E à noite, cheguei a
pensar em responder a vários pavões que ocuparam o Largo fronteiro, mas para
quê?
Há uma linha, com início
e fim, pensamos, mas, que, em certos momentos, desaparece. Sobra uma frincha de
passado sem futuro: as palavras entrelaçam-se viciosas ora de gáudio ora de
dor. Mas é a cor da miséria interior que se eleva até que o silêncio devastador
restabelece a linha.
Dois dedos sustentam a
fronte, os olhos à procura da ponte que separa o passado do futuro, e quase
estátua, o coração serena atapetando a frincha e soterrando as áspides diurnas.
A vantagem das áspides é
que não sabem que o coração pode juncar a frincha, pelo que não perdem tempo a
pensar nos efeitos do veneno que regurgitam, até porque as flores murcham cedo.
16.12.12
Se olhar atentamente as
imagens, vejo um rio que perdeu o valor económico que anteriormente o
dignificava. Dele só restam artefactos e símbolos sobre o solo que outrora
vivia submerso pelos esteiros.
Por detrás, esconde-se a
igreja que das dores fazia riqueza espiritual para todos e material para uns
tantos.
Embora não se oiça, sobre
todos paira um primeiro-ministro que ameaça cortar nas pensões de todos porque
uns tantos raramente trabalharam.
O problema é que a
maioria sempre trabalhou e se não descontou é porque os governantes deste país
pouco ou nada se preocuparam em reconhecer o valor do trabalho. E agora
queixam-se!
15.12.12
Quando a ordem da TROIKA
é cortar na despesa dos estados, estes voltam-se para os cidadãos e
esburgam-nos por inteiro. É simples e rápido!
Só não contam com a
resiliência dos indivíduos! Estes conseguem ir mais além: cortam até no próprio
osso, deixando os estados sem capacidade de cobrar qualquer receita e
afundando, em simultâneo, os malulos...
Claro, dos mortos, a
História nada dirá! E os indivíduos ver-se-ão obrigados a desenhar nova
cidadania.
14.12.12
(Não é fácil
compreender o leitor de blogues! No caso de caruma, há
posts que são frequentemente visitados e outros que raramente o são. A
atualidade da matéria parece não despertar mais interesse do que os registos de
ocorrências efémeras.
Por outro lado, também
não é fácil explicar o elevado número de visitas com origem, por exemplo, nos
Estados Unidos ou na Rússia. Parece haver algures motores de busca por arrasto!)
A incongruência de tudo
isto está no aparente desinteresse dos malulos por este meu
blogue! Esse povo intrépido que no início do século XX tudo fazia para se
apoderar da África austral! Esse povo tão matreiro que disputava com
a Grã-Bretanha a posse dos territórios reivindicados pela Coroa / República
portuguesa!
Há, no entanto, uma
diferença significativa: apesar dos malulos não se
interessarem pela caruma, eles interessam-se, de verdade, pelos
aeroportos portugueses, até porque o cipaio de serviço não para
de bajular os régulos alemães.
(Como todo o pensamento se constrói na linguagem, há ideias que só são
possíveis se revisitarmos os signos dos tempos que insistimos em ignorar. E
essa ignorância de nós faz escravos e cipaios!)
10.12.12
A Lua de Joana e a
responsabilidade da narrativa
I- Enfim, longe de querer
criticar a autora da LUA DE JOANA, pois a obra continua a ter boa receção, há,
todavia, uma constante que irrita: a responsabilidade é sempre dos
outros - dos pais excessivamente ocupados com o trabalho, dos
"dealers", das más companhias... Levando à letra o pensamento de
Sartre, l'enfer ce sont les autres!...
E quando se discute a
tendência, os argumentos dos jovens viram-se sempre contra as opções
dos pais - poderiam trabalhar menos horas, estar mais presentes, dialogar
mais. Será verdade? É fácil pensar que o conforto cai do céu! Que as palavras
seriam aceites! Que a simples proximidade é dissuasora!
E é este lado da
narrativa que é preocupante: os jovens morrem de overdose porque querem
experimentar o interdito ou porque se sentem desacompanhados? Os mesmos jovens
que argumentam que é possível experimentar o veneno de forma
controlada só para ver os caminhos trilhados pelos trágicos amigos...
Defendem a responsabilidade da iniciativa, mas atiram para o outro a
responsabilidade do desfecho... o pai, médico, que no fim lastima amargamente
não ter estado presente é, certamente, o mesmo que esteve à cabeceira de muitas
vítimas irresponsáveis! A narrativa que seduz pode ser um veneno que corrói a
mente das Luísas ou das Bovarys e dos adolescentes que, ano após ano, vão
balançando nas "Luas de Joana"...
(O discurso sobre a
responsabilidade deve libertar-se definitivamente do estigma da
culpa!)
II - Quem diria que Sócrates iria voltar precisamente por causa da
narrativa! E claro com a sua narrativa, contra a narrativa da direita: Cavaco,
à cabeça; Passos e Gaspar, a seguir; José Seguro, finalmente. Este último, por
omissão. O que significa que Sócrates nem sequer reconhece que Seguro tenha
narrativa...
9.12.12
Ao registar a morte de Garrett, em 9 de
dezembro de 1854, às 18:25 h:
(...) nessa
hora - nessa mesma hora fatal em que se extinguia o legítimo herdeiro da
lira de Camões - preparava-se talvez para ir despreocupadamente no
seu camarote de São Carlos assistir desdenhosa e risonha, com aquele garbo
senhoril que todos lhe reconheciam, assistir à representação de Sonnambula,
— ataviava-se com sedas e veludos, recamava-se com guipures e rendas de
Alençon, abrilhantava-se de adereços de pérolas e diamantes, envolvia-se
em perfumes de inebriante sedução, a formosíssima inspiradora das Folhas
Caídas, ingratamente esquecendo-se já do “divino” Poeta que nos seus amenos
versos a imortalizara! (Cunha, 1909: 71)
- Rosa Montufar
Barreiros era andaluza, de Cádiz, nascida em 1819, filha dos marqueses
de Selva Alegre e mulher do oficial do exército Joaquim António Velez
Barreiros. Este fez parte da expedição liberal que, vinda da ilha Terceira
(Açores), desembarcou no Mindelo. Homem de confiança do duque de Saldanha
e extremamente leal à rainha D. Maria II, recebeu o título de Barão de
Nossa Senhora da Luz em 23 de janeiro de 1847, por decreto de D. Maria II, e o
de Visconde em 16 de junho de 1854, por decreto do regente D. Fernando.
SÉRGIO NAZAR DAVID, GARRETT:
ENTRE A CRUZ DO DESEJO E A LUZ DO AMOR
A - Há muitos factores
que desmotivam quem quer trabalhar com um mínimo de seriedade.
E esses vêm de cima! A
instabilidade profissional tornou-se norma. O desrespeito pelo passado dos
funcionários é permanente. Faz-se tábua-rasa das aprendizagens e da
experiência. Não se aposta de forma estruturada na formação dos novos
professores. Não se reconhece o mérito e valoriza-se o oportunismo e a
ideologia.
B - A propósito da
leitura de O retorno, não me sai da cabeça que há uma ligação
estreita entre o que aconteceu com a descolonização e a situação atual. O
regresso precipitado, com uma mão à frente e outra atrás, deixou a necessidade
de, friamente, recuperar a riqueza perdida.
O enriquecimento súbito
de muitos e a frieza posta na aplicação do "castigo" são, afinal,
comportamentos esperados, pois a vingança serve-se fria.
C - As vítimas, como tem
acontecido nas últimas gerações, serão os carrascos do futuro! Nada de
surpreendente...
8.12.12
De regresso, para
explicar que a suspensão da escrita neste blogue não resulta de
qualquer falta de apreço pelo trabalho das turmas A e B e de alguns alunos da
turma J.
Pelo contrário, para além
das conversas privadas na sala de aula, típicas de uma sociedade
indisciplinada, quase tudo me convidaria a manter este registo.
Há, no entanto,
outros factores que desmotivam quem quer trabalhar com um mínimo de
seriedade.
E esses vêm de cima, da
tutela! A instabilidade profissional tornou-se norma. O desrespeito pelo
passado dos funcionários é permanente. Faz-se tábua-rasa das aprendizagens e da
experiência. Não se aposta de forma estruturada na formação dos novos professores.
Não se reconhece o mérito e valoriza-se o oportunismo e o carreirismo.
As vítimas, como tem
acontecido nas últimas gerações, serão os carrascos do futuro! Nada de
surpreendente...
7.12.12
O retorno,
de Dulce Maria Cardoso, Tinta-da-China, 2012
Este romance, narrado por
um adolescente nascido em Angola e obrigado a abandonar o território pouco
tempo antes do 11 de novembro de 1975, dá voz àqueles que, afinal, não
podem perdoar o modo como o 25 de Abril acelerou a independência das «províncias
ultramarinas».
De um lado, muitos
portugueses africanos, do outro lado, uma ideologia contrária ao
colonialismo, mas que atira os novos países para as mãos das novas
hegemonias - dos Estados Unidos à Rússia, passando pelo China.
Despojados dos bens,
esses «portugueses de segunda» desaparecem simplesmente às mãos da vendetta ou
acabam por ser colocados em Lisboa e entregues ao IARN que os encaminha para
pensões, hotéis, parques de campismo...
Neste romance, a família
do Rui é alojada no quarto 315 de um hotel de 5 estrelas no
Estoril, onde espera ansiosamente o retorno do Pai que ficara retido pelas
tropas de um dos movimentos de libertação. Dois adolescentes - um rapaz e uma
rapariga - vivem, cada um à sua maneira, os novos sinais de discriminação
na escola e no relacionamento social e, sobretudo, os efeitos do comportamento
depressivo da mãe.
O hotel, repleto de
retornados, é um espaço concentracionário, onde se vão revelando as
queixas e as taras de um povo pouco solidário consigo próprio. A maioria destes
«portugueses de segunda», em muitos casos, nada conhecia da metrópole. Uma
metrópole que não estava à altura de colónias como Angola e Moçambique, e
por isso o objetivo era partir para a América, sem acreditar que um
dia seria possível voltar a África!
4.12.12
Há anos passei por um
colégio prestigiado em que o diretor condicionava as classificações que os
professores atribuíam honestamente aos seus alunos. Esse diretor fazia
subir as notas, recorrendo a uma estratégia de natureza
pedagógico-didática. Para fundamentar a classificação atribuída, o
professor era obrigado a apresentar, em conselho de turma, os planos de
recuperação escritos... Caso o não pudesse fazer de imediato, a subida era
automática... Como último recurso, esse diretor recorria ao corte das horas
extraordinárias que, à época, eram fundamentais para completar o
sofrível vencimento de base.
Ontem, percebi que é
possível os diretores (proprietários) utilizarem os mesmos argumentos
para fazer descer as classificações, de modo a eliminar os
alunos com maiores dificuldades de aprendizagem.
Há, contudo, uma
diferença fundamental: no 1º caso, o colégio privado vivia das receitas
resultantes do pagamento feito pelos pais; no caso atual, estes colégios vivem
de receitas resultantes de transferências diretas do orçamento geral do
estado e competem diretamente com a escola pública, deixando-lhe as sobras... sem
esquecer que, pela amostra revelada na TVI, quem dirige estes
estabelecimentos aproveitou a passagem pelo poder para montar este negócio
fraudulento.
www.vidaslusofonas.pt/antero_de_quental.htm
Anoto este link, e
fico-me por aqui, num dia sem sol e sem mar, a recordar aquele orientador de
estágio, Alberto Sampaio, que, no início dos anos 80, teve a coragem de me
dizer que eu andava a «atirar pérolas a porcos» ao querer que os alunos dessa
época entendessem a poesia de Antero.
3.12.12
Sem tato, sem teto, entre ruínas, mas em contacto...
Este acordo é, para mim, um desatino!
Pior, no entanto, é o memorando!
Abjeto, execrando...
- A turma A fez teste.
Aparentemente, os alunos não tiveram grandes dificuldades em resolver a prova.
- A turma J recebeu os
testes classificados. A correção foi morosa. Primeiro: a maioria deixou o
enunciado em casa, no cacifo... Segundo: não vi dos que obtiveram resultados
mais fracos, qualquer preocupação em tirar notas.
A dispersão foi
regra. A sala de aula parece um espaço recreativo!
O melhor será seguir a
doutrina do Pregador e tornar-me o Clarão do Céu, porque
o mundo prefere os sentidos à razão, isto é, o grito ao
arrazoado, considerando os exemplos: Cristo, Batista, Pilatos
e Isaías.
2.12.12
Agora que entrámos em
Dezembro, espero ansiosamente que ele acabe! O 10º mês do Calendário Romano tem
a virtude de me fazer acreditar que o próximo mês será o de Março.
Nessa data já a TROIKA
terá feito mais uma avaliação, a primeira, verdadeiramente, positiva, pois,
entretanto, nada teremos gastado durante o hiato.
Nessa data, já o Governo
terá decidido o fim do serviço nacional de saúde, o fim da escola pública, o
fim dos pensionistas e reformados... e eu não terei de tomar qualquer decisão
sobre o meu futuro.
Nessa data, já não haverá
qualquer dúvida: estarei aposentado sem pensão ou, em alternativa,
continuarei empregado, mas sem escola...
Quanto aos alunos, se não
tiverem morrido à fome, deixarão, finalmente, de se preocupar em
fazer gazeta...
Serve a nota para dizer
que no segundo teste de Literatura o aproveitamento foi medíocre. A culpa
é certamente do docente!
Há, no entanto, aspetos
negativos que vale a pena destacar. Onze anos depois, certos alunos continuam
sem a noção do que significa compor um texto: faltam as noções de
introdução, desenvolvimento e conclusão; as conexões são aleatórias e as
conjunções utilizadas arbitrariamente; os sinais de pontuação, semeados ao
desbarato... Em termos de interpretação, há quem responda ignorando o
texto transcrito para análise. É como se ele lá não estivesse!
Por seu turno, a
superficialidade na abordagem dos textos (e dos temas) revela a atitude
perante a disciplina e, mais grave, perante a vida!
De qualquer modo, vou
continuar a remar! Ainda há por ali umas pepitas!
Quanto ao PIL, vamos ver
se a turma acorda. Apenas duas alunas fizeram a apresentação oral!
30.11.12
- É necessário diminuir o número de
funcionários públicos! (Nem vale a pena explicar porquê! Até porque não há
privado, desempregado ou precário que não esteja de acordo com o senhor primeiro-ministro!)
Hipóteses de resolução: -
Negociação da rescisão do contrato de trabalho e /ou aposentação
antecipada.
Ministro das Finanças:
- Não há dinheiro para pagar rescisões! Solução única: Aposentação
antecipada, mas só se requerida até 31 de dezembro de 2012.
Contabilista da TROIKA: -
O estado português paga em reformas um total de 23 MIL MILHÕES de
euros por ano.
Comentador: - Quantos são
os que beneficiam de tamanha generosidade? A resposta a esta
pergunta é fundamental para perceber quanto recebe, em média, cada reformado
(aposentado, reservista, incapacitado, político defenestrado...). De todos os
beneficiários quantos são os que, efetivamente, descontaram, pelo menos 36
anos?
Secretário de estado do
Tesouro: - Não há tempo para responder ao comentador nem os credores
pagam esses estudos...
Primeiro-ministro: - Vamos
lá! Façam o requerimento! Aposentem-se! Reformem-se! Emigrem!
Comunicação Social: -
Para quem se reformar em 2013, para além de todos os cortes inscritos nos
últimos orçamentos, pensionistas e reformados amigos, espera-vos mais um corte
de 5%...
(Como não tenho jeito
para desenho, deixo a ideia: devidamente aconselhado pelo governo amigo, o
cidadão atordoado escolhe a porta de saída. Ao chegar ao limiar, olha aliviado
para o céu e, no mesmo instante, o cutelo do Gaspar decepa-lhe a cabeça...
A ideia só não é boa porque, mais dia em menos dia, a esperança de vida
começava a baixar, obrigando o secretário do tesouro a refazer as contas, coisa
que ele detesta.)
29.11.12
Funções de estado
e pensões de aposentação
No discurso político
dominante, insiste-se em que as pensões de aposentação resultam de um
gesto generoso do estado e que, em tempo de crise, há que cortar na
generosidade.
No essencial, estou de
acordo. Há que cortar nas pensões ou eliminá-las, sempre que elas não
correspondam aos descontos efetuados.
Há que separar os que têm
longas carreiras contributivas daqueles cujas pensões são pagas pela Caixa
Geral de Aposentações sem ninguém saber porquê.
O critério
fundamental para o cálculo da pensão deveria ser o número de anos de contribuição
e não a idade.
Ao estado compete
devolver ao aposentado aquilo que este efetivamente deduziu. Ou seja, que este,
crédulo, entregou ao estado, sem esperar dele qualquer gesto de
generosidade...
A generosidade, a
existir, deve ser para aqueles que, não sendo contribuintes líquidos,
necessitam que os restantes contribuintes lhes acudam. Mas só a esses!
Há que separar as águas!
A - Contrato de
leitura. Alma, de Manuel Alegre. Ou a descoberta das
desigualdades! Mariana, de Maria Judite de Carvalho. Ou quando a
solidão e a incompreensão alastram num país pobre e governado por um déspota.
(Os jovens continuam com
dificuldade em entender uma escrita que denuncia desigualdades que oprimem os
seus semelhantes.)
B - Quando uma carta
privada, de Alexandre O'Neill, se transforma num documento literário e num
modelo de escrita clara, objetiva e afetuosa. Entre outras virtudes, a
carta do Xandinho é um modelo quanto: à redação de períodos e
parágrafos curtos; à utilização alternada de frases verbais, nominais e
parentéticas; à criteriosa escolha de adjetivos, recorrendo à sinonímia; ao
manuseamento dos sinais de pontuação (/:/ e /;/; à construção de comparações e
metáforas com objetos do quotidiano; à ao recurso à ironia
e ao humor...
ESCREVER pressupõe uma
leitura fina da realidade... Neste caso, o escritor parece ter
aprendido algumas das suas técnicas com o publicitário...
Quanto ao resto, não se
pode dizer que seja literatura!
28.11.12
O Ministério da Educação
e Ciência persiste na avaliação do desempenho docente sem qualquer proveito
para a educação e para o ensino. Propõe-se disponibilizar
recursos financeiros* com estruturas de acompanhamento, meios
tecnológicos, deslocações e horas extraordinárias para a execução de uma
farsa avaliativa que nem sequer terá efeitos na progressão dos docentes a
curto prazo. A haver qualquer benefício da avaliação, esta deveria ficar a
cargo do diretor de cada agregado, associação ou escola, pois ninguém tem
mais dados para reconhecer o mérito ou a insuficiência. Quanto ao diretor,
esse, sim, seria avaliado por quem o nomeou.
Não deixa de ser curioso
que no passado, internamente, as escolas tenham protestado contra a
avaliação pelos pares, qualificando-a, no mínimo, de melindrosa, enquanto, no
presente, o movimento de contestação à avaliação externa - por pares de escolas
vizinhas - mostra grande tibieza. Porquê? Quem é que, nomeado para avaliar um
candidato a excelente na escola vizinha, vai ter a coragem de dizer que o
rei vai nu?
(Estão abertas
as hostilidades tribais!)
* Estes recursos financeiros poderiam perfeitamente ser mobilizados
para ajudar os jovens que, diariamente, são forçados a abandonar a escola
por insuficiência económica familiar. O MEC só sabe
poupar à custa dos discentes e docentes!
PIL. A 2ª apresentação
fez-nos regressar a José Cardoso Pires - O Delfim. Foi
bastante maltratado. Vinha já requentado e registado num smartphone. Faltava a
obra e a memória era cinematográfica. O triângulo amoroso acabou por se tornar
no centro da apresentação, mas sem as devidas articulações. Na paisagem, ficou
um proprietário sem descendente, pouco produtivo e, na vox populi,
suspeito de ter assassinado os amantes. A maior parte turma estava, no lugar
dos peixes, a ouvir o Padre António Vieira no Maranhão, pois o teste de
português aproximava-se. O professor acabou convocado para explicar a
estratégia discursiva do Padre. Já é perseguição!
Salvou-se, por instantes,
um excerto de uma entrevista ao camoniano JCP, datada de 1987. As
palavras do entrevistado, sublinhadas pelo movimento do cigarro, eram
acompanhadas pela leitura profissional (João Pérry) de um excerto de O
Delfim - o lugar.
27.11.12
A - Contrato de leitura.
Três apresentações orais: Meu Pé de Laranja Lima, de José
Mauro de Vasconcelos; Sinto Muito, de Nuno Lobo Antunes; Alma, de
Manuel Alegre.
Na apresentação oral, muito por falta de guião, a tentação é apostar no reconto
linear, sem prévia identificação das linhas narrativas e dos acontecimentos
estruturantes e simbólicos. Esta (in)decisão arrasta a apresentação tornando-a
insignificante. Claro que há alunos mais organizados que outros e,
sobretudo, com uma atitude comunicacional mais desenvolta. Ver Português
10, páginas 40-41.
De vez em quando, a leitura faz sair para a vida e pode obrigar a refletir
sobre os caminhos que trilhamos.
O apresentador de Sinto
Muito acabou por confessar que a leitura contribuiu para uma decisão
inesperada: Medicina, não! Tudo por causa da dor. Dor
pessoal que não quer ter no exercício daquela profissão. Creio, no
entanto, que este jovem revelou o seu lado humano e por isso mesmo não
deverá desistir de tal desafio!
26.11.12
A - Contrato de leitura.
Das peripécias inverosímeis do Alquimista, de Paulo Coelho, a O
Retorno, de Dulce Maria Cardoso. Um retorno sofrido a um
tempo de verdadeira tragédia nacional - o pós 25 de Abril. Este romance destapa
um problema insanável que resulta de pontos de vista
inconciliáveis: em abril de 1974, aconteceu um golpe de estado ou um ato
revolucionário?
B - Ainda os poemas
"Quando eu sonhava" e "Os cinco sentidos". Este último
verdadeira obra-prima de Almeida Garrett! Nela anunciam-se mais de
100 anos de literatura. O lugar onde a razão cede o lugar aos sentidos.
O sonho na perspetiva
clássica e na perspetiva romântica. O sonho romântico mesmo que vago e fugidio
leva a melhor sobre a imagem fixa e concreta, porque esta transporta consigo
irremediável DOR. Sem memória do prazer, a ilusão onírica é VIDA. É Viver!
Razão
.................. SONHO
Razão -------------
SENTIDOS
Arte
..................... NATUREZA
Natureza
.............MULHER
25.11.12
A sinapse é zona de
contacto entre dois neurónios (axónio + dentrito), sem a qual o cérebro morre.
Na Gramática, essa zona
de contacto vem mudando de nome - "conjunção",
"conector", "articulador"... - mas, a sua função é
inalterável: permitir a transmissão do fluxo nervoso. Isto é, permitir que a
frase se torne enunciado e alimente a partilha.
Ao rever textos, na
maioria dos casos, vemos que não há irrigação suficiente; por vezes, o
fluxo fica à deriva, por uma unha negra...
E, na verdade, no atual
discurso estudantil, docente e político, não há zonas de contacto. Faltam
as sinapses! Faltam os mediadores!
Por isso, os dias que se
aproximam serão depressivos, porque o cacete e a palavra são de natureza bem
distinta!
Sharon E. Hutchinson (1996), na obra Nuer
Dilemmas: Coping with Money, War and the State, refere a dado momento um
método que utiliza para validar a sua interpretação nos estudos de campo e que
bem poderia ser aplicado neste blogue:
"Open note
taking."
O que implicaria
que o leitor, furtivo ou não, aqui deixasse, sobretudo, o seu desacordo,
complemento, interrogação, clarificação...
24.11.12
Sempre que um teste se
aproxima, surgem perguntas assustadoras! A última solicitava ao
"prof". de Literatura se ele não conhecia uma obra
que resumisse " As Folhas Caídas" de Almeida Garrett.
Esta ideia de resumir
poemas é recorrente e é um bom indicador do estado e da natureza da
receção da poesia neste país de poetas.
Não querendo defraudar o
inquiridor, registo aqui três enigmas que poderão ajudar a preparar o referido
teste (de Literatura!):
I - O que é a Beleza para
Garrett? E para os Românticos? Onde encontrá-la? E
para os Neoclássicos, qual seria a fonte da Beleza?
II - A defesa
da VOZ que brada (no púlpito ou no deserto): argumentos,
exemplos; razão e sentidos; a força das imagens.
III - Amor de Perdição -
personagem preferida.
23.11.12
" Em 2013, a idade
exigida para a aposentação no caso dos magistrados mantém-se nos 61 anos e 6
meses e só em 2020 atingirá os 65 anos, já que o regime em vigor - e que se irá
manter - prevê um crescimento de seis meses ao ano desde 2011.
(...) Também as forças de segurança (GNR, PSP, PJ, guardas prisionais) e
funcionários judiciais mantêm as actuais regras de aposentação.
Para os restantes
trabalhadores da administração pública, a idade da reforma
passa dos actuais 63 anos e seis meses para os 65 anos em 2013, quando estava
previsto que essa meta apenas acontecesse em 2015." (Diário Económico)
É disto que eu gosto! Eu
e mais uns tantos fazemos parte dos restantes. Dos descartáveis!
Continuam os regimes de
exceção!
22.11.12
A - À espera, na sala 22.
O assunto poderia ser: As arcádias e a estética neoclássica; A imitação dos
antigos... (Mas, não!)
B - O tempo é de contrato
de leitura! Dois blocos semanais são insuficientes para tanta leitura! Claro,
há sempre a exposição formatada ou, em alternativa, ao sabor do argumento...
Hoje subiram ao palco as
seguintes obras: O Meu Pé de Laranja Lima; Os Filhos da
Droga; Singularidades de Uma Rapariga Loura; Alquimista...
Na turma B, para além da
intriga, foi possível perceber que, num cenário de crise económica e social,
brasileira ou portuguesa, o problema é o modo como sofremos a mudança. Como
as imagens que nos domesticam nos podem arrastar para a construção ou para
a destruição. A obra, por mais simples ou complexa que se declare, acaba por
nos obrigar a seguir percursos de reformulação ou de degradação. A leitura é,
neste caso, um ato educativo dos interlocutores.
Na turma A, não foi
possível ir tão longe! Ficámos pelo questionamento e explicação da
SINGULARIDADE de Luísa - vaidosa, desonesta e desinteressada da cidadania vs. rigor
e honestidade de Macário. O resto já se prende com o modo de
esquematizar, localizar os acontecimentos na viagem do alquimista e, sobretudo,
interpretar o seu significado. Talvez, para a semana se entenda o
caminho!
21.11.12
A classe docente vai
experimentar uma nova modalidade de avaliação - agora, o avaliador será
externo!
Cada centro de formação
de professores disporá de uma bolsa de avaliadores (externos) administrativamente
habilitados e, face à procura, dispersá-los-á pelo respetivo território,
com o objetivo de se pronunciarem sobre a EXCELÊNCIA do ato docente.
Concluída a tarefa, o
resultado da avaliação será lançado numa nova base de bases.
E pronto! Tudo continuará
na mesma!
... No entanto, o país
ficará mais pobre... e uns tantos, que não os avaliadores e avaliados, um pouco
mais ricos!
1851 - Almeida Garrett
seleciona as folhas (os poemas) já a antecipar a imortalidade e
por isso queima umas e reúne, em coleção, aquelas que o aproximam do IDEAL
(IGNOTO DEO). Deixa de lado as composições que o mostravam no palco, diante de
um público inebriado pela vaidade. Esse era o tempo da juventude, o tempo
da Lírica de João Mínimo e das Flores sem Fruto!
As folhas que
iam dando forma ao «sonho de oiro do poeta» constituem um produto
diferente, porque gerado pela imaginação orientada
pelos valores da BELEZA, da LUZ, da VERDADE, afinal a essência desse
"deus desconhecido" / o IDEAL que o poeta pretende servir e que
ele bem sabe que só pode demandar longe das «vulgares turbas» e das «coisas
vãs e grosseiras». Ele o poeta que cultivou a cidadania como nenhum outro
em qualquer tempo português. Ele que anunciou Antero e Pessoa e ainda permitiu
que Nobre e Pascoaes dele se nutrissem.
«Deixai-o passar,
gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do mando, ou da glória. Ele não
entende bem d'isso, e vós não entendeis nada d'elle.»
ADVERTÊNCIA do
autor de FOLHAS CAÍDAS
(Irrita este tempo
da enunciação em que, paradoxalmente, o texto é despojado dos seus cotextos! Um
tempo antipedagógico! Um tempo que expulsa Garrett e quer cultuar Camilo!)
20.11.12
A - Atos ilocutórios.
A surpresa do conceito é suprida pela retoma dos conceitos de locução, locutor, interlocutor.
E voltamos à relação de interlocução. Ao afirmar "Nós não trabalhamos.",
o enunciado expõe um ato de fala em que o locutor envolve o
interlocutor na constatação de que a falha é coletiva (EU+TU). Ora este
enunciado é um exemplo claro de um ato ilocutório assertivo. O
mesmo enunciado pode transformar-se num ato ilocutório expressivo "Nós
não trabalhamos!" ou num ato ilocutório diretivo "Ponham-se
a trabalhar!" ou num ato ilocutório compromissivo " Prometemos
trabalhar."... Só falta o ato ilocutório declarativo!
Neste caso, surgiu
a dúvida se o ato assertivo não seria declarativo - dúvida inteligente,
resultante da tradicional tipologia da frase... Por outro lado, tornou-se
também necessário distinguir FRASE de ENUNCIADO. A metáfora de serviço foi a
seguinte: os ramos da árvore desenraizada correspondem à frase;
por seu turno, os ramos da árvore enraizada correspondem
ao enunciado. O que diferencia os ramos é a SEIVA (A VIDA). O
enunciado tem vida. Em resposta à pergunta: - Para que servem os atos
ilocutórios? A resposta saiu breve: PARA MUDAR O MUNDO. O enunciado pode mudar
o mundo, ao contrário da frase que só ganha importância numa gramática
descritiva e estéril.
B - Contrato de leitura.
Apresentação oral de A Casa na Duna, de Carlos de Oliveira. A jovem
aluna não teve qualquer pejo em declarar que não gosta da narrativa, mas,
surpresa, revelou ter lido com muita atenção o romance, e soube dar
conta dos aspetos mais importantes, selecionando excertos adequados.
C - Na aula de
Literatura, os poemas em análise: Gozo e Dor; Ignoto Deo.
E também excertos do poema em prosa SOLIDÃO e da ADVERTÊNCIA de FOLHAS CAÍDAS.
Em Gozo e Dor,
a estratégia discursiva assenta no recurso à dramatização argumentativa em que
à amorosa satisfação da mulher, o sujeito lírico discorda, não certamente porque
rejeite o "gozo", mas porque a plenitude arrasta a "dor" -
uma particular forma de alienação, de morte ou de loucura:
Sinto
que se exaure em mim / Ou a vida - ou a razão.
19.11.12
Decidi requerer a
aposentação. Sem titubear, peguei no impresso, preenchi-o e disse, para comigo,
já está! Mas porquê?
Manifestamente, porque há
anos que estou a ser roubado e, sobretudo, porque pressinto que nos próximos
anos serei espoliado quer esteja a trabalhar quer aposentado.
De quem é a culpa? Minha.
Porque era minha obrigação separar o trigo do joio. E não o fiz! Há anos que
somos governados por ervas daninhas...
Em nome da liberdade de
Abril, a minha escola, magnânima, acolheu todos, mas não soube gerar
competência honesta, trabalho abnegado. E eu estava lá!
Ouvi lamúrias, calei
desconchavos, suportei vaidades, pensei que era a adolescência da
democracia! Mas não!
Hoje, estou sem
paciência! E há alunos que não têm culpa de eu a ter perdido - ainda vejo
nos seus olhos o brilho da curiosidade.
Latentemente, a
culpa deste requerimento é daqueles que há anos separaram a língua
da literatura e que, agora, mediaticamente, regressam
a pretexto de uma comemoração e que, sem reconhecerem o erro,
anunciam que, afinal, vamos todos ler Camilo. O Camilo de Amor de
Perdição? E o outro Camilo, quem o lê?
«- Em que século
estamos nós nesta montanha? - tornou a dama do paço.»
«- Em que século?!
O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.»
«- Ah! sim? Cuidei
que o tempo parara aqui no século doze...»
(Redação de um conto)
A hipótese de adoção de
uma criança por um «casal de namorados» de um dia para o outro obriga a
novo esclarecimento terminológico e cultural. A hipótese narrativa é inverosímil,
pois socialmente os namorados não se podem candidatar à adoção...; por outro
lado, estes processos são demorados. Assim, foram explicadas as noções de verosimilhança e
de inverosimilhança como processos de validação do discurso,
deixando de lado as noções de verdade e de mentira (nos domínios: narrativa
literária / narrativa cinematográfica).
Por outro lado, o termo
"casal", também foi explicado em termos da formação CAS(A) + AL,
tendo o sufixo o valor de "conjunto de casas"-
aceção primeira; CASAR= CASA + AR, ação de juntar casas / património... o que
torna inadequado que se refira um "casal de namorados". Em
alternativa, teremos um " par de namorados", mas que não poderá candidatar-se
à adoção, entre outros motivos por que falta o património...
(Contrato de leitura: Em
causa a apreciação crítica da Viagem do Elefante)
O que é que se espera do
leitor? A atitude crítica pressupõe a capacidade de discriminar, de
separar linhas de força: por exemplo, o milagre de um elefante que
ajoelha ao passar defronte de uma igreja. Para o narrador, o gesto do
paquiderme foi cuidadosamente preparado pelo cornaca que,
posto à prova pelo clérigo, sabia que não podia falhar... E esse saber resulta de
a personagem ter sucessivamente atravessado diversas culturas, todas elas
assentes numa ideia de superioridade de raiz divina... Vejamos,
então, como é que o leitor reage a este tipo de personagem! Acompanha-a na
denúncia da manipulação a que igreja católica submete o povo - alienando-o...
Ou não pode fazê-lo porque a sua própria educação o confina a
visão miraculosa do seu mundo?
No essencial, a apreciação
crítica coloca em cena o leitor e a sua visão
do mundo, pelo que não se justifica qualquer importação do pensamento
alheio (por exemplo da contracapa ou da badana!).
De regresso às Folhas
Caídas, de Almeida Garrett, foram dois os textos em
análise; O Anjo Caído e Este Inferno de Amar.
Apesar de líricos, os dois poemas obedecem a técnica de composição
diferenciada: o primeiro de tipo narrativo; o segundo de modo dramático, senão
argumentativo. O hibridismo de género literário é um dos traços do romantismo.
No Outono da vida (Folhas
caídas), o sujeito lírico inesperadamente reencontra o
amor no «anjo sem luz» ou nuns «olhos ardentes». E os poemas são cenário da
divisão entre a consciência moral / o padrão cultural e o desejo, fruto do
momento fulgurante que desenterra o sujeito para a VIDA... Mesmo no Outono da
Vida, o amor é «esta chama que alenta e consome». Tudo
é prazer, tudo é alegria, mesmo que o amor seja efémero... Vale a pena comparar
a definição com a de Camões, traduzida de Petrarca: «o amor é fogo que arde sem
se ver!»
(Da
alegria no Outono da Vida - «Dava o Sol tanta
luz!»)
18.11.12
Quando a leitura da
narrativa de um acontecimento exige o conhecimento de um extenso referencial -
caso do regicídio de 1 de fevereiro de1908 - a legibilidade impõe um
esclarecimento detalhado das referências enunciadas, caso
contrário, arriscamo-nos a perder o leitor.
Veja-se o texto de Raul
Brandão (Manual Português 10, páginas 32-33). Em duas páginas, feito o
levantamento das referências topográficas e históricas, surgem as seguintes
zonas de penumbra: Livraria Ferreira; Fialho (de Almeida); Artur de Melo; Jorge
O'Neill; Rua da Mouraria; Praça da Figueira; Armando Navarro; Malaquias de
Lemos; Vila Viçosa; o Rei; o Príncipe; Ramalho (Ortigão); Duquesa de
Palmela; João Franco; São Carlos; Vasconcelos Porto; Arcada; Ministério do
Reino; Fazenda; Rua de S. Julião; Buiça; Alfredo Costa; Francisco Figueira;
Correia de Oliveira; Rainha...
Se o leitor for lisboeta,
talvez não se perca na topografia da cidade. Mas fora da capital tudo será
diferente!
Quanto ao conhecimento de
História, sendo cada vez mais desprezado, não se vê como é que a memória poderá
ajudar o leitor...
Bem sei que o texto foi
selecionado como exemplo de memória! Mas que memória procuramos
construir se deitarmos fora o autor, o leitor e o referencial que os
poderia alimentar?
16.11.12
O Presidente da Câmara
Municipal de Sintra, Fernando Seara, entregou, ao final da tarde na Casa de
Teatro - Chão de Oliva, a medalha de mérito de grau ouro ao Dr.
João de Mello Alvim. Esta distingue o jornalista, o professor e, sobretudo, o
dinamizador da arte dramática no concelho, no dia que assinala os 25 anos da
fundação da Associação Cultural CHÃO DE OLIVA.
A cerimónia foi singela e
constituída por quatro momentos de encómio: a narrativa de vida; o encontro com
a poesia dramática, mas, também, pessoal; a explanação formal dos
méritos do homenageado; o agradecimento informal em três
"parágrafos".
Do agradecimento, não
posso deixar de referir a evocação do professor José Luís Amaral.
(Caro João de Mello
Alvim, tudo o que ouvi nesta sessão reforça a ideia de que ainda há homens que
nasceram para servir a comunidade. Tu és um deles!)
15.11.12
«Se tudo são ramos,
não é um sermão, são maravalhas.» Padre António Vieira
I - Em certas afasias, as
referências (espaciais, temporais, interpessoais) vão-se extinguindo, deixando
os signos desorientados. Talvez por isso, os discursos de hoje pareçam bolhas
de sabão. Começam por enfunar para sorrateiramente desaparecer...
Um destes dias, alguém se
referiu à visita da chancelarina alemã. Que eu tenha
conhecimento, ninguém deu atenção ao termo! No entanto, como ele não me saía da
cabeça, fui pensando que a senhora teria perdido importância, um pouco
como a Chancelaria, lugar meu conhecido, sede de freguesia, situado
entre a Maçaroca e o Pafarrão. Desconheço qual terá sido o chanceler que
gerou tal topónimo, sabendo, contudo, que o termo tem mais proveito na Germânia
que na Ibéria...
Não sei se o criador
da chancelarina queria, na verdade, desvalorizar a
chanceler por correr o mujimbo que não tinha sido convidado para
nenhum dos encontros oficiais, mas pressinto que o facto de ser senhora
nascida na antiga República Democrática Alemã terá pesado na criação do
neologismo.
II - Afinal, este blogue
bem poderia ter como o título "Maravalhas"! Este termo estaria mais
de acordo com o seu verdadeiro conteúdo - aparas de madeira; acendalha; caruma;
bagatela... Tudo o que lenta, ou subitamente, perde importância e acaba por
desaparecer...
Contrato de leitura.
Obras apresentadas: Amor de Perdição; Queda dum Anjo; A
Viagem do Elefante. Camilo Castelo Branco e José Saramago. Estes alunos do
10º ano são audaciosos, apesar das dificuldades resultantes do desconhecimento
da História. Por outro lado, a apresentação oral nem sempre é eficaz, pois os
locutores continuam a ignorar os interlocutores - tom muito baixo; dicção
sofrível.
De regresso ao Sermão
da Sexagésima, hoje, o auditório foi constituído por 6 elementos. A sessão
foi de leitura:
a) da matéria do
sermão - da grande dúvida: «Pois se a palavra de Deus
é tão poderosa, se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, por que não
vemos nenhum fruto da palavra de Deus?»
b) da composição
do sermão: «o sermão há de ser de uma só cor, há de ter um só objecto, um só assunto, uma só
matéria»
A ÁRVORE é
o ponto de partida e o ponto de chegada do sermão. O discurso torna-se
progressivamente alegórico, chegando, no entanto, a momentos
de desconstrução da própria alegoria: «Se tudo são troncos,
não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravalhas. Se
tudo são folhas, não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é
feixe. Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode
ser; porque não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, a que podemos
chamar "árvore da vida"...»
(Sob o freio da razão, a
imaginação desfaz-se em preciosos conceitos, de tal modo que o auditório
anteporá o deleite à censura...)
14.11.12
Os alunos de Literatura
Portuguesa não chegaram a entrar na sala de aula, apesar de dois se encontrarem
no recinto escolar. (Não se pode dizer que tivessem feito greve, mas que a
ausência foi geral não há dúvida!) Esperemos que o tempo tenha sido aproveitado
para realizar o projeto individual de leitura.
13.11.12
«Ouvir e perceber
enquanto ouvia, mas apagar prontamente, era o traçado em que ele se movia.
Ouvir e apagar logo-logo.» José Cardoso Pires, DE PROFUNDIS, Valsa Lenta
Capaz de ouvir, perceber
e argumentar com acutilância, vive, no entanto, no limiar da afasia. Diante de
si, o pânico da deterioração da linguagem, da expressão desconexa, do registo
errado do termo, da hesitação. A cada passo, a hesitação! E o circunlóquio,
traiçoeiro, capaz de arruinar a comunicação...
Enquanto o acidente
vascular cerebral está a decorrer, sob a forma de lentíssima isquemia, ele
corre para a página em branco na esperança de ainda chegar a tempo de registar
aquele lampejo de felicidade que lhe sorri nas palavras encantadas do leitor do
dia, antes que tudo se apague irremediavelmente.
Ao contrário de José
Cardoso Pires, ele não espera pela consumação do AVC, pois sabe, de antemão,
que não lhe será concedido tempo para qualquer reconstituição feliz da
memória...
Para ele, o acidente
vascular cerebral está em curso, mesmo que, um dia, de forma brusca, se torne
oficial e sem regresso. Por agora, o mais difícil está em chegar a tempo e em
disfarçar a hesitação.
Por vezes, os dias são
enfadonhos! Hoje, no entanto, há acontecimento. Três alunos apresentaram
oralmente obras de épocas distintas, mas significativas: O Auto da Alma (1518),
de Gil Vicente; A Birra do Morto (1973), de Vicente
Sanches; De Profundis Valsa Lenta (1997), de José Cardoso Pires.
As duas primeiras no âmbito do contrato de leitura; a última no âmbito do
projeto individual de leitura.
Sem qualquer ajuste
prévio, as três tratam da vida e da morte, cada uma à sua maneira. Para a
primeira, alegórica, a morte feliz é um lugar que
deve ser metodicamente preparado, apoiando-se na Igreja e nos
seus Doutores (os pilares da estalagem); para a segunda, burlesca, a
morte deve ser evitada a todo o custo mesmo que os regulamentos sejam taxativos
quanto ao destino de quem, por erro, seja oficialmente declarado morto; para a
terceira, é possível regressar da morte e, sobretudo, através da escrita parece
possível reconstruir a memória de um tempo sem retorno... e esse renascimento é
de lenta aprendizagem...
(Os leitores - Eduardo,
João e Diana - estão de parabéns porque deram conta do prazer que a leitura
lhes despertou e porque conseguiram cativar os respetivos auditórios.)
12.11.12
I - A referência deítica.
Volta a ser necessário clarificar o significado de deítico como apontador, indicador para
o exterior da linguagem (do signo linguístico: significado+ significante) -
o referente. Também este último termo oferece resistência, embora o
princípio esteja no objeto, na coisa (res). Afinal, na família de
palavra, encontramos: referir, referir-se a referente, referência,
referencial... O jogo de palavra acabou por gerar uma comparação com docência,
docente / ensino, professor, ensinar... Falta, no entanto, o verbo docere!
II - Novo problema
terminológico: distinguir o valor deítico do valor
anafórico de certos termos. E abstive-me de problematizar o
significado do vocábulo valor. E a dificuldade começa com a
necessidade de recapitular o significado de anáfora (retórica, tropologia,
estilística) - figura de repetição de palavra ou expressão no início de verso
ou de frase...
III - Na Literatura, a
dificuldade resulta da falta de atenção, (alheamento quase involuntário, estado
de alma intermitente). Mas lá caminhámos lentamente do neoclassicismo das duas
arcádias (Arcádia Lusitana e Nova Arcádia) que apostavam no lema inutilia
truncat (objeto: barroco) para Almeida Garrett que, embora formado
como árcade, vai rompendo com o rigor da mimesis clássica para
um terreno mais popular, mais intuitivo e mais sensorial. Claro que foi
necessário regressar à educação de Garrett, mas também voltar a explicar a
importância ideológica e literária de um projeto como o Romanceiro. Esta
mistura do arcadismo com a oratura torna-se explosiva!
E por isso nos ficámos no
poema "Sine nomine corpus" / Corpo Despido. E também a
interpretação se torna penosa, fundamentalmente porque, em termos de
composição, Garrett apostou numa comparação, e o intérprete continua sem
perceber que a comparação supõe dois termos e que, neste caso, o primeiro termo
serve o segundo. O romântico fala da sua tristeza, da sua desilusão e para
melhor explicar como chegou a esse ponto recorre à comparação com a árvore
abrasada pelo fogo do estio, como se a intensidade da paixão acabasse por ser a
causa do seu apagamento... e por isso o poema começa por "Qual tronco
despido (...) Assim ao prazer, /À dor indif'rente, /Vão-me horas
de vida..."
Talvez amanhã enxerguemos
o árcade que habita nas Flores sem Fruto!
11.11.12
Duas ideias a
propósito do futuro
«Quando o passado foi
um pesadelo escuro / quem é fiel ao passado atraiçoa o futuro.» Os versos
são de Tomás Ribeiro Colaço (1899-1965), citado por Maria
Archer (1899-1982) num artigo intitulado A Gente Nova e a Emigração,
Cadernos Coloniais, nº 32.
A - O atual partido
socialista necessita de uma vez por todas, romper com o passado recente, mesmo
que pressinta / saiba que a situação que vivemos não resulta apenas de cegueira
ou excessivo optimismo de anteriores governantes. O PS não pode continuar a
viver na ambiguidade! Se este partido não separar as águas arrisca-se a ter o
destino do partido socialista grego... e o país ficará à deriva.
B - Quanto ao futuro da
gente nova, nas palavras esclarecidas de Maria Archer, só fará sentido emigrar
se levar consigo «mais do que braços obreiros e boca faminta». Pelo
menos, esta gente nova necessita de conhecimento e de técnica. «Quem
emigrar confiando apenas no arrimo dos braços procura o coval das suas
esperanças.»
Por razões que para o
caso pouco interessam, em 1998, interrompi uma linha de investigação que,
agora, retomo. Seguia à época um caminho de leitura centrado no continente
africano e, sobretudo, nas imagens construídas pelos africanos e pelos
europeus. Exercitava, então, um tipo de leitura que considerei imagológica.
Nos Cadernos
Coloniais, editorial Cosmos, Lisboa, 1936, é possível identificar muitas
dessas imagens que ajudaram a desenhar o imaginário do colonizador, mas
também o daqueles que, desde cedo, combateram o colonialismo.
O Caderno nº 31 é
constituído por um conjunto de artigos da responsabilidade do Padre Alves
Correia (1886-1951). Vale a pena, creio, indicar aqui os títulos: a)
Processos educativos, antigos e modernos, nas Missões religiosas portuguesas;
b) Na evangelização da África; c) Na Índia, Japão e China; d) Processos
peculiares em Solor e Timor; e) Brasil coroa do nosso apostolado; f) Nas
missões ressuscitadas / Processos Novos.
Fácil é perceber que os
agentes da missionação não aplicaram o mesmo modelo de educação /evangelização
no terreno e que a doutrina era condicionado pela imagem que
as ordens religiosas tinham do outro e, consequentemente, do
lugar que poderiam ocupar no futuro dos territórios.
E quanto à visão do outro
(do mundo) do Padre Alves Correia basta ler o seguinte excerto:
«Hoje está assente,
entre todos os missionários do mundo, que a civilização cristã deve
basear-se na organização do trabalho total do homem
evangelizado; que a catequese doutrinal é pouco menos que inútil, se
não se tiverem formado hábitos de trabalho nos catequizados; elevação
do nível da vida, necessidades morais provenientes desta elevação, meios de
satisfazer tais necessidades promovidos pelo exercício da atividade física e
desejo crescente de instrução, que leva o homem à educação da inteligência, do
coração, como do próprio corpo.»
Ora, parece que,
atualmente, os nossos governantes têm fraca imagem do trabalho! E
insistem em destruí-lo, sem perceber que é muito mais fácil destruir do que
construir.
I
a) Nós, hoje, estamos desconfiados dos
deíticos!
b) Eles desconfiam dos deíticos.
Em a) considerando que a
ação verbal decorre na sala de aula, o locutor envolve o
interlocutor numa atitude de desconfiança em relação ao objeto. A situação de
comunicação é partilhada devido à novidade e à utilidade do conceito.
Uma observação atenta do
enunciado a) cria nos interlocutores uma relação de cumplicidade muito
diferente da que é exposta em b) O facto só nos interessa em
termos de informação, não nos envolve.
Em termos esquemáticos, o
enunciado a) é constituído por dois deíticos temporais: "hoje"
/"estamos" advérbio - presente do indicativo, e por dois deíticos
pessoais "nós" e -mos" - pronome pessoal e morfema verbal.
II - Na aula de
Literatura (apoio), não houve qualquer cumplicidade: sem interlocutor.
III - A análise do
discurso da sala aula, se rigorosa, acaba por mostrar que em simultâneo com o
discurso institucional se desenvolvem discursos privados, sujeitos às mesmas
regras que, no entanto, mais não são que formas de "ruído".
7.11.12
I - No teste de
Literatura, para além da pouca leitura, surge o problema do incumprimento das
instruções. Não se trata de incompreensão, mas de desleixe.
II - Com metade da turma
em visita de estudo, os restantes foram confrontados com a biografia do autor,
de modo a procurar a presença da vida na obra. No caso, a
presença da mulher no poema " A Minha Rosa".
Na nota biográfica do
autor, é dito que, em 1846, Garrett conhece Rosa Montufar,
Viscondessa da Luz... (Será o poema A Minha Rosa anterior
ao conhecimento de Rosa Montufar?)
Por outro lado, a
nota biográfica regista a vida, a obra e faz alguma referência
ao romantismo (introdução)... o que permitiu atentar nos títulos, como, por
exemplo, Dona Branca (1826) e Romanceiro (1843/1851) ...
E ao fazê-lo, abriu-se a
porta à particularidade de o Romanceiro corresponder a um
projeto ideológico de fixação da oratura e da traditio,
mas que teve forte influência na técnica compositiva do autor. (Não sei
por que motivo se insiste em literatura oral ou tradicional em
vez de oratura!)
O século XIX,
romântico, acaba por simultaneamente valorizar os romanceiros e
redescobrir os cancioneiros, tudo em nome do génio popular!
A leitura, fragmentada,
da nota biográfica levou a que, sumariamente, fosse chamada a atenção para
outra mulher na vida do autor - Adelaide Pastor (1837 - 1841). Dessa relação
nasceu Maria Adelaide, que acabará por assombrar, por exemplo, Frei
Luís de Sousa (1843) - a infeliz Maria... Tudo porque, afinal,
Garrett, embora separado, ainda estaria casado com Luísa Midosi (1822) ...
6.11.12
I - Perceber que através
do discurso também se sai do pátio para a sala de aula - do registo
informal ao registo formal. Identificar "os ruídos" verbais (e não
só) que perturbam a eficácia comunicativa. A sala de aula exige formalidade no tratamento
e na interação comunicativa, tal como acontece num tribunal, no parlamento ou
numa igreja... E por isso os deíticos pessoais, temporais ou espaciais devem
ser utilizados com moderação, pois eles espelham o lugar em que os
interlocutores se situam na comunicação (no Manual, viajámos da página 29 à
página à página 242).
II - Entretanto, na
Literatura, confirmada a pouca leitura e a desmazelada escrita, passámos à
poesia de Almeida Garrett (A Minha Rosa, Não te Amo, Este
Inferno de Amar, Barca Bela).
A musicalidade dos
poemas. A tradição poética (Romanceiro). E a novíssima abordagem do amor.
Basta atentar nos três
círculos de A Minha Rosa que se combinam e se
sobrepõem não platonicamente, como a convenção impunha:
- A Rosa (a flor; hástia
mimosa; folha; cor; coroar; desabrochar)
- A Mulher (face tão bela
/ face linda; lábios; sorriso)
- O Paraíso / Céu
(estrela; rainha; luz; singeleza; beleza)
O Poeta, embora
consiga ascender ao céu, não deixa de ter uma ponta de ciúme, pois
a sua rosa não é muito diferente das outras flores...
5.11.12
(Não me apetece contribuir para a queda no
abismo.)
Forças sindicais,
políticos do centro-esquerda e da esquerda ortodoxa e heterodoxa desfilam
palavras de ordem contra o memorando, mas não se sentam em torno de uma mesa e
redigem um programa alternativo que permita ao Presidente destituir o governo e
convocar novas eleições legislativas...
Sem eleições devidamente
preparadas, resta a ditadura ou, simplesmente, a diluição da nação.
I - Formas de tratamento.
Cortesia. Registo formal e informal. Deíticos. Um percurso que, em comum, tem a
situação de enunciação e respetivos atores (locutor, interlocutor, espaço e
tempo).
Nada de extraordinário, a
não ser essa dificuldade em perceber que só podemos viver no presente e que o
discurso é uma forma de o capturar, de construir narrativas de maior ou menor
saudade ou de sonho. Ficamos, assim, entre o passado e o futuro, categorias do
discurso... Quanto ao presente..., esse lugar onde registamos a proximidade e a
distância, quer em termos espaciais quer hierárquicos ou, simplesmente,
nada..., sem âncoras, ficamos à deriva... O que acabou por conduzir à
necessidade de explicar as perífrases e as metáforas que se vão instalando num
discurso, ora feito de adiamentos ora de intuições fulgurantes, as
últimas porque o raciocínio se torna intuitivo sempre que o que há a dizer é
novidade... Mas esta imaginação verbal só singra se ancorada na experiência...
3.11.12
Gostei da
reconstituição em espaço fechado, gostei da representação, embora não
entenda tanta fungação. Já bastava que Doroteia passasse o tempo a cismar
e a chorar...
Não gostei nada da opção
pelo francês, embora perceba que os protagonistas pudessem ter dificuldade em
exprimir-se na língua de Raul Brandão.
E sobretudo não
compreendo a razão da supressão do Quarto Ato! Vê-se que o desfecho não
agradaria a Manuel de Oliveira. E porquê?
Talvez porque:
a) Sofia se tivesse visto
obrigada a trabalhar / a ser explorada numa fábrica,
b) «Odeio todos esses
ricos que me fazem bem e que me dão de comer. Eles dão-me de jantar, mas é por
vaidade» (Candidinha)
c) «Eu sacrificara-me,
para que os outros se rissem de mim.» (Gebo)
d) «A gente só se não
arrepende do mal que faz neste mundo.» (Gebo)
e) «Foi tudo inútil! Foi
tudo inútil!» (Sofia)
A opção de Manuel de
Oliveira não se abre ao exterior, encontra solução na moral católica
do cumprimento do dever, da obediência à lei... Na verdade, trai a solução
muito mais angustiada de Raul Brandão que, atento às leis da política,
da finança e da economia, se revolta...
C'est dommage!
Sala de aula - IX
«Não há rigor que não
dissimule angústia.» Hermann Broch
Eis o ponto de partida
para a rememoração ou criação de uma pequena história. O resultado é
perturbador.
As histórias põem em cena
a família e a escola. Previsível! Só não esperava encontrar tanta
psicologia de algibeira: as mães e os professores (as)
rigorosos (as) não passam de gente bem-intencionada, mas traumatizada.
E esses traumas
escondidos, mas que os rebentos antecipam facilmente, só servem para provocar
angústia nos infantes.
O esquema é elementar: a
angústia é filha do rigor; a autoconfiança dá-se bem com a orfandade...
Ao contrário de outras
gerações, esta parece caracterizar-se por uma certa precocidade que se revela
na procura de um palco que lhes estimule o vedetismo...
(Estes pensamentos são
necessariamente bem-educados!)
1.11.12
Tentando
não assombrar quem por aqui passe, deixei de falar de políticos, pois
sinto-os desenraizados, vendidos a interesses ou a doutrinas mal
assimiladas. Incapazes de pensar por si, vivem cercados de técnicos
nacionais e estrangeiros que, ignorantes do território e das gentes, cortam a
direito como já no século XIX as potências europeias tinham feito
com África...
De qualquer modo, esta
cegueira não afeta apenas os governantes. No geral, voltámos as costas ao
território e ao seus recursos, preferindo as soluções urbanas, em regra
importadas... Cidadãos do mundo, consumimos desenfreadamente e
perdemo-nos facilmente nas redes sociais e na delinquência, umas vezes
gratuita outras sanguinolenta... Temos as nossas próprias festas e, não
satisfeitos, adaptamos todas as alheias.
O espírito
dionisíaco esmaga o apolíneo, conduzindo inevitavelmente à
decadência, sob o guloso olhar calvinista.
Resta-me a consolação de
um território que entregue a si próprio vai impondo as suas próprias regras
como se há muito tivéssemos partido!
O Dia chega atrasado. A
escrita procura recuperar um tempo irremediavelmente perdido, tal como o
comprova aquele aluno que tem dúvidas sobre a matéria do teste, pois,
desesperadamente, foge da leitura de Um Auto de Gil Vicente e
de Amor de Perdição, como o diabo da Cruz, o que me dá o mote para,
aqui, relembrar a composição da personagem João da Cruz.
Apesar do manual
(Projectos de leitura I, páginas 221-222) convidar a um exercício de
caraterização do herói romântico, ontem armei-me de um Dicionário de Língua
Portuguesa, e todo o trabalho se centrou na leitura do excerto do capítulo VI.
Após leitura acompanhada da simples tarefa de identificar as palavras que
oferecessem resistência à compreensão (três!), o retorno à leitura dirigiu a
atenção para o significado literal e figurado das palavras, para o recurso a
processos de equivalência semântica (sinonímia), para a origem do léxico de
João da Cruz, para os registos de língua do narrador, de João da Cruz e de Simão
Botelho, como expressões da multiplicidade de recursos presentes na escrita
camiliana.
Vale a pena atentar na
quantidade de nomes comuns e de verbos transitivos ativos no diálogo (e
consequente significado literal e figurado): Este desalmado deixou
fugir o melro (...), mas o meu lá está a pernear (...)
Sempre lhe quero ver as trombas (...) o ferrador desceu
três socalcos da vinha (...) Alma de cântaro (...)
ou no discurso do narrador: João da Cruz, como galgo de fino olfato,
fitou a orelha e resmungou. A comparação como processo de caraterização, em que
a bestialização, agora positiva, é posta em evidência.
A bestialização com
recurso a nomes comuns: melro, trombas, galgo, porco do monte, javali, furão.
Fácil é perceber a simpatia do autor por esse universo campestre e efetivo
conhecimento do léxico adequado, chegando ao ponto de, para construir o
espaço que se torna de caça (ao homem), usar uma rica sinonímia que acaba por
confundir o leitor urbano: matagal, mato, rostilhada, moita, bouça...
De pouco servirá este
registo, mas este foi o caminho seguido na aula de ontem! Pobre herói
romântico! A atenção de Camilo estava toda centrada na força e na
inteligência do caçador e não na irrefletida mansidão de Simão... (Ao fim
da tarde, recebi um e-mail de quem esteve na sala de aula a perguntar qual era
a matéria...)
29.10.12
I - O apelo à descrição
do aparelho de pesca visa desenvolver a objetividade e o
espírito crítico, e, simultaneamente, alargar o léxico, no caso das
"artes de pesca", e a construção de texto. Hoje, para além
dos dicionários e glossários, há outras ferramentas, em particular, de
imagem que podem ser bons auxiliares de trabalho.
II - No que refere à
correção do teste (1a), foram detalhados os seguintes itens:
a) o retrato como meio
de imortalizar os que se distinguiram por ações em favor da humanidade, ou mais
comummente, de algum grupo (Agustina) ou, desde o romantismo, como forma de
subversão da referida ideia... até que a fotografia chegou...
b) o pretérito perfeito,
semanticamente exprime ações concluídas, sem impacto no momento da
enunciação (anterioridade);
c) o recurso à 3ª
pessoa na construção de um autorretrato (Manoel Bandeira) como forma de
distanciamento do sujeito de enunciação - o poeta desajeitado, provinciano e
sem espiritualidade terá ficado para trás...
d) a necessidade de
valorizar o vocabulário escolhido pelo autor, de modo a não cair em erros de
interpretação - «tísico profissional» ...
III - Excertos dos
capítulos IV e XIV de Amor de Perdição. O narrador caracteriza Teresa,
distanciando-se da heroína, pois esta era um produto de sociedade manhosa
e hipócrita, dominada pelas convenções... e neste caso, Teresa obedece ao
padrão literário da época - pronta a tudo sacrificar por amor (ou será por
desafio à autoridade paterna?). Por outro lado, no capítulo IV, o narrador adota
a 1ª pessoa, conduzindo um diálogo irónico com "os finos
entendedores" e chegando ao ponto de brincar com o leitor, embora espere a
sua cumplicidade: «Diz boa gente que não, e eu abundo
sempre no voto da gente boa.»
No XIV capítulo, a
narrativa recria um diálogo dramático entre pai e filha, em que a tensão
dramática vai crescendo... com vitória de Teresa, apesar de não devermos
esquecer as palavras do narrador: «os melhores fins se atingem por atalhos
onde não cabem a franqueza e a sinceridade.»
Em pano de fundo,
continua o diálogo inaugurado por Rousseau entre Natureza e Sociedade (o
mito do bom selvagem).
28.10.12
Às 15h50, deixei o parque
de Campismo FORTE DO CAVALO, em Sesimbra. Fui o último campista a
sair! E fiquei a pensar que há Câmaras Municipais que não têm jeito para o
negócio. Talvez, o presidente da Câmara de Sesimbra pudesse solicitar
uma ajuda ao de Mafra ou, pelo menos, talvez pudesse fazer uma visita ao parque
de MIL REGOS, Ericeira...
Forte do Cavalo,
Sesimbra.
O Sol brilha e o céu
continua azul. Lá em baixo, o porto de abrigo. À esquerda, o castelo
alcandorado.
O professor classifica
testes, com a preocupação de diagnosticar os níveis de compreensão
e de expressão. Tudo o resto se torna secundário.
Esgotada a primeira
turma, concluo que apenas dois alunos revelam compreensão e expressão
insuficientes, em 28.
Em síntese, a maioria dos
alunos surge preparada para as novas tarefas.
27.10.12
No último sábado de
outubro, o sol reapareceu e o calor tornou-se incandescente, matando a descida
ao porto de abrigo.
No Parque de Campismo
Forte do Cavalo, três autocaravanas, uma roulotte e uma tenda. No máximo, 10
pessoas!
Não é possível comprar
pão, tomar uma refeição, beber um café… A poupança, aqui, é total!
25.10.12
Não sei bem como explicar
as situações que vou testemunhando. Da senhora idosa que mostra
despreocupadamente o passe ao fiscal quando já não o carrega desde Março, ao
académico que acredita que na biografia das amigas de leite há
uma mariana à espera que uma qualquer teresa definhe definitivamente, sem
esquecer os ataques à troupe que eliminou os clássicos dos programas de
português, como se, à época, os virtuosos académicos tivessem sido todos
silenciados na cadeia da relação do Porto...
Há, na verdade, situações
que me exigem contenção verbal e não só, pois há sempre um virtuoso militante à
escuta (vigilante). Só recentemente me foi dado entender que as minha
preocupação com os efeitos morais da crise, com a necessidade de educar para a
superação da miséria em que vamos mergulhando, só fará sentido se a gritar bem
alto e, de preferência, de punho fechado...
O que me leva de
regresso a Camilo Castelo Branco e ao narrador de Amor de Perdição que,
não conseguindo identificar-se com nenhuma das suas
personagens, ora se distancia da nobreza provinciana
ora se distancia dos interesses da capital, caindo numa
aparente neutralidade que a violência do léxico, a ironia e a
caricatura desmentem a cada instante.
Um Camilo
romântico, maldito epíteto!
«Carlos deu com ela
pela manhã, no convés, por baixo da mezena. Leonor andava por ali, de braço
dado com a mãe, a passarinhar pela popa. “Tiago
Rebelo, Tempo dos Amores-Perfeitos.
Poderá o contrato de
leitura ser virtuoso? A tendência é para fugir ao "corpus" definido
no Programa. Hoje, as virtudes não foram muitas à exceção do domínio do
equipamento informático. Em menos de um minuto saiu um power point,
embora pobre! A leitura das notas (pobres) sobrepôs-se à exigida exposição
oral. A história de amor impossível em contexto colonial mais não foi do que
anunciada. E talvez tenha sido melhor assim, porque isto de ver mãe e
filha a passarinhar pela popa arrepia. Andariam as
pobres damas à caça? A turma revela, apesar de tudo, algum conhecimento
dos efeitos da Conferência de Berlim...
Texto diarístico.
Da forma privada, secreta do Diário à forma pública
e partilhada do Blogue. Dos perigos da exposição na blogosfera
(a postagem logo que partilhada deixa de ser recuperada...)
Sob a máxima de AMIEL " Chaque jour nous laissons une partie
de nous-mêmes en chemin. » (A cada dia que passa, um pouco de
nós fica pelo caminho) a explicação de que o Diário nos pode confortar da
perda e, talvez por isso, a aula decorreu sob o signo da leitura de excertos do
Diário XV de Miguel Torga e um dos textos ficou registado no caderno diário
para poder ser analisado com mais detalhe:
S. Martinho de Anta, 17
de Setembro de 1987
IDENTIFICAÇÃO
Desta terra sou feito.
Fragas são os meus ossos,
Húmus a minha carne.
Tenho rugas na alma
E correm-me nas veias
Rios impetuosos.
Dou poemas agrestes,
E fico também longe
No mapa da nação.
Longe e fora de mão...
Quanto ao Sermão da
Sexagésima hoje só teve um ouvinte. «Começou ele a semear (diz Cristo), mas
com pouca ventura.»
24.10.12
Ler Amor de
Perdição e escrever sobre o narrador. Selecionar 1, 2, 3
textos, e analisá-los de acordo com a seguinte estratégia: o narrador
identifica-se com alguma personagem ou espaço simbólico (capital / corte vs. província)?
o narrador distancia-se (através da ironia e do léxico) de uma das partes ou de
ambas? o narrador assume uma atitude de neutralidade?
A análise e
a resposta detalhada a estas questões permitem compreender o olhar
mordaz do autor sobre os excessos da proposta revolucionária importada (
revolução francesa) e simultaneamente perceber que o conservadorismo do
antigo regime se caracterizava por um atávico atraso provinciano e por uma
cabeça reinante (e respetiva corte) piegas, perdulária e postiça...Claro,
sobrava a paixão incompreendida!
A primeira tentativa de escrita é, no geral, frustrante... a segunda
será certamente melhor!
Fora da sala de aula, sob a coordenação do prof. Daniel Sampaio e em
associação com a Faculdade de Letras e o Plano Nacional de Leitura, decorreu a
celebração dos 150 anos de Amor de Perdição. Hoje foi dia de
apresentação das cartas de amor (e não só!) escritas
pelos alunos do Secundário no CCB, de Vasco Graça Moura. A participação da
Escola Secundária de Camões revelou qualidade acima da média. A
articulação da Escola com a Faculdade de Letras é da responsabilidade da
professora Cristina Duarte. O 11º J (Literatura), embora não tenha estado
presente, contribuiu com duas cartas (de Ana C. Guerra e Diana Francês).
Nesta iniciativa colaboraram também as professoras Alice Xavier, Maria Lurdes
Fernandes e Maria Teresa Saborida.
23.10.12
I -Teste. Uma memória
espacial temperada por uma memória literária, pessoana. POEMA PESSOAL, de
Agustina Bessa-Luís. Tema: A CASA. O enunciado da prova foi várias vezes questionado,
sobretudo no que respeita ao recurso à citação ou à resposta por palavras
próprias. O léxico não levantou grandes dúvidas, à exceção do verbo
"dissimular". O tempo revelou-se suficiente.
( A perceção de que
o texto podia oferecer alguma dificuldade desencadeou uma
aproximação faseada: a) leitura do texto pelo professor; b) nova leitura
individualizada, agora de cada aluno; c) entrega do questionário; d) leitura do
questionário pelo professor; e) início da resolução...
II - Apesar do fervor
ministerial (e não só!) pelo Amor de Perdição, a turma revela dificuldades que
exigem uma leitura atenta ao conteúdo linguístico (léxico), ao conteúdo
literário (metáforas de cunho telúrico) e ao conteúdo cultural (História
da 2ª metade do séc. XVIII e primeira década do séc. XX).
A narração da chegada de
Dona Rita a Vila Real revela bem a qualidade do escritor. No entanto, o aluno
urbano não consegue apreciar esse estilo, pois o léxico
torna-se obstáculo: légua, conterrâneo, liteira, librés, surradas, préstito, chiste, apear, rabicho, avoengo, asseverar, machos...
exemplos de meia página...
O problema é que o jovem
estudante não vê qualquer vantagem em aprender o significado destas palavras!
Na composição de Simão,
cap. II, Camilo refina o retrato do académico em Coimbra. E regressam as
dificuldades: "demagogo", "analogia de bossas"...
ou, por exemplo, « O discurso ia no mais acrisolado da ideia regicida quando
uma escolta de verdeais lhe aguou a escandecência.»
É todo um tratado de imaginação verbal! Passar do registo literário ao
registo corrente torna-se uma aventura! A defesa acalorada do assassinato
do rei é interrompida violentamente pela chegada da guarda da academia. Uma
academia que tinha polícia própria e cárcere... A ideia regicida de Simão que
já levara Fernão Botelho à cadeia... (estava-lhe no sangue / hereditariedade)
... Tudo consubstanciado no jacobino - outra dificuldade que
revela a falta de formação histórica e política! De qualquer modo, a escola
portuguesa vai toda ler Camilo (Prós e Contras). Será?
22.10.12
I - Teste. Um
autorretrato de Manoel Bandeira. Na 3ª pessoa. Uma forma de distanciamento
interessante: afinal, o poeta parece ter deixado de ser ruim -
"poeta ruim que na arte da prosa / envelheceu na infância
da arte"... Apesar de tudo, no II grupo, surgiu uma dificuldade,
quando Agustina refere: «Fazer um retrato é viajar no reino da solicitude.»
O termo "solicitude", apesar de confirmado em «com solícita e
maternal maneira» pareceu estranho à maioria, senão à totalidade dos
alunos.
II - Na leitura de Amor
de Perdição, o problema do conhecimento do léxico torna-se uma questão
central. A forma preguiçosa de evitar a dificuldade passa pela assimilação de
resumos da "história", deixando o texto imaculado. Neste caso, não
posso deixar de diferenciar a intriga (o argumento) da
História. Basta tentar ler o primeiro capítulo, para perceber que o
enredo tem os pés bem assentes na História - reinados de D. José e D. Maria I:
desde a participação de Fernão Botelho na tentativa regicida de 1758 até ao
desempenho artístico do "Brocas" (Domingos Botelho) na corte de D.
Maria I.
A leitura deste
capítulo exige curiosidade por um importante período da História de Portugal!
Mas nem a História nem a Língua despertam atenção. Basta analisar
atentamente o retrato de Domingos Botelho para dar conta do modo como Camilo
manipula os registos de língua... enfim, lá tive de explicar a composição
da ‘broa’ (Brocas) e o seu significado socioeconómico, pois parece que todo o
pão está reduzido a um elemento indiferenciado chamado "cereal".
Aveia, centeio, trigo, milho...
21.10.12
Sintomas
Ao disponibilizar uma
ficha de verificação de leitura (32 perguntas) de uma obra como Um
Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett, o professor quer garantir a
leitura da obra. Mas, a que preço?
O tempo de leitura (e de
revisão é lento) e, frequentemente, frustrante. Apesar do aluno poder gerir o
tempo de leitura, de pesquisa e de resposta, em demasiados casos:
a) não
aproveita a oportunidade para identificar problemas e procurar soluções nas
múltiplas fontes que o cercam - falta um mínimo de curiosidade;
b) dá respostas
completamente descabidas - falta de rigor;
c) recorre facilmente
ao colega que supostamente leu a obra - falta de brio;
d) entrega a folha de
resposta sem ter tido a preocupação de responder a todas as perguntas -
laxismo;
e) não cumpre o prazo e
não entrega - desinteresse;
f) espera que o trabalho
entregue fora de prazo não seja penalizado - oportunismo.
Poder-se-á pensar que o
tempo tudo curará, mas o que já está a caminho é um futuro sombrio.
20.10.12
O tempo é de elaboração
de testes.
Para que serve o teste
quando aplicado a uma disciplina como a de Português, língua
materna? E a ideia de disciplina persegue-me, sobretudo,
quando recebo e-mails a perguntar o que venho tentando explicar. Afinal, qual é
a matéria? A matéria da língua em que nos realizamos! Haverá fronteiras,
tabiques? Parece-me que se tem reduzido a língua a quase nada... isto é a discursos
jornalísticos que se sobrepuseram à multiplicidade de géneros,
considerados na genologia. A língua está cada vez mais pobre com a morte da
História, da Religião, da Geografia, da Filosofia e até com a sobrevalorização
da estatística nas outras fileiras...
De qualquer modo, nos e-mails,
tudo parece querer dizer que uma disciplina é constituída
por um conjunto de matéria? Ou será de madeira? Com a madeira constroem-se
casas, barcos... e com a matéria não sei muito bem! No primeiro caso,
surge um produto; no segundo, apenas destroços... quase sempre náufragos!
Claro que bem poderia
disciplinadamente regressar ao étimo, ao acusativo, à apócope do ‘m’ final,
à via erudita e à via popular, ao classicismo e ao romantismo - mas para quê?
E já poderia deliciar-me a distinguir o código oral do escrito, tudo isto,
indisciplinadamente...
Elas andam aí, as
formigas! As folhas de oliveira não lhes escapam, por muito distante que a
árvore pareça…
Consta que carregam
agências de comunicação, jornais, rádios e que, mais cedo ou mais tarde, a
televisão não lhes escapará. E nós, as cigarras, estamos, em grande algazarra,
a cair no desemprego.
Nada dista nos deveria
espantar, pois as formigas têm um rumo e conhecem bem o chão que calcam.
18.10.12
São 40.000 os
funcionários públicos que ficaram a saber pela comunicação social que vão pedir
a aposentação até 2014. Ou será 2015?
A maioria acredita que
mais vale fazer o pedido até 31 de Dezembro deste ano, pois ninguém explica
corretamente qual será o valor do vencimento a partir de 1 de Janeiro de 2013.
Mas, também, ninguém garante que as pensões não venham a sofrer cortes que
tornem a vida insustentável.
Uma decisão desta
natureza deve ser bem fundamentada. Mas em quê?
Falta uma estratégia
nacional que (re) defina as funções essenciais do Estado e que o liberte de
um extraordinário volume de despesas sumptuárias que visam servir
clientelas de toda a espécie.
Por exemplo, não há
qualquer motivo para que o orçamento alimente canais de televisão e de rádio,
subsidie fundações, isente de IMI milhares de instituições religiosas,
edifícios governamentais, autárquicos, sindicais, todo o tipo de
associações... Se há uma receita a obter através da taxação do património,
então nenhum edifício deve ser excluído!
O poder central e
autárquico não pode continuar a ser proprietário de centenas de milhar de
edifícios que só trazem prejuízo. Há custos que nunca são calculados! Há rendas
vitalícias que continuam a ser pagas mesmo que os serviços tenham sido desativados.
Voltando às fundações,
estas só devem ter esse estatuto se dispuserem de capitais próprios que lhes
assegurem o funcionamento e o cumprimento de objetivos em benefício da
comunidade. Caso contrário, devem ser liminarmente encerradas.
Como não há estratégia
nem de redução de despesa nem de investimento, assistimos, sem esperança, à degradação
física, moral e psíquica dos jovens adultos e de todos aqueles que, mais
velhos, trabalharam toda uma vida, cumprindo as suas obrigações, para, agora,
serem deixados à deriva...
Creio, no entanto, que
com tanto desempregado sem futuro e tanto reformado deprimido, o melhor seria
criar equipas mistas que passassem a pente fino o país de modo a identificar o
que há a INCENTIVAR, PRESERVAR e DEMOLIR.
I - Por uma questão de
rigor, continuo a explicar que a disciplina de língua materna não é apenas
constituída por «matéria» que se decompõe em fatias, se mastiga e deita fora.
Tudo é objeto, pois o falante expõe-se nela, isto é, todo o tipo de conhecimento
se constrói e se fixa na língua...
A questão do conhecimento
gramatical, quanto o teste se aproxima, torna-se dramática, embora não se saiba
que uma gramática é um conjunto de regras, e, consequentemente, que as
gramáticas são inúmeras! Tal como se ignora que a língua tem uma história, mais
importante do que as próprias regras, porque frequentemente ignora ou despreza
as regras, como forma de sobrevivência...
... e porque vivemos em
crise, a chuva se tornou tema, ainda antes que o autorretrato de Bocage
assentasse arraiais para nos dizer que, para além dos traços físicos e dos
psicológicos, existe a ação que pode resultar do modo como o Eu
interroga os grandes TEMAS: a guerra (furor) e a paz (a
ternura); a pureza e o pecado (a bebida); a distância (o platonismo e o
angelismo) e a proximidade (a o erotismo); a religião - era chegada
a hora de confinar o clero ao templo!
Pelo caminho, fomos
estando atentos aos modos de composição da caricatura física: o todo
(magro, altura, figura) e as partes (os olhos azuis, ao centro do carão
moreno, esmagados pelo nariz...), sem esquecer que a magreza escondeu o ventre,
deixando a descoberto a desmedida dos pés...
(O retrato como arte de
insubordinação!) Afinal, não foi a insubordinação que o levou à cadeia!?
Quanto à chuva, fica por
contar, ou melhor, fica a cargo de algum aluno intrometer-se no discurso e
narrar o que aconteceu na sala de aula porque hoje, finalmente, choveu! Dentro
e fora...
II - O tempo
literário, às quintas, é opcional e visa recuperar o tempo perdido. Para o
sermão da Sexagésima, só apareceu uma ouvinte que correspondeu, tendo ficado a
perceber como se constrói um texto alegórico e simultaneamente se desanca nos
pregadores que não saíam do paço (casa, nação) ou que saíam para rapidamente
voltar ao aconchego da corte («porque sair para tornar melhor é não
sair.» - Exiit seminare!
17.10.12
I - Quando a
História e a ideologia são a seiva da intriga... «Foi para a Índia em 17 de
Março de 1807.» Simão António Botelho partiu no início da
Primavera de 1807, quando no Outono do mesmo ano, Napoleão ordenava a
invasão do país e a corte se mudava (fugia) para o Brasil.
O primeiro capítulo
de Amor de Perdição faz nos recuar a 1779, para definitivamente nos
traçar o retrato de uma época que se situa entre 1767 e 1807.
Cá dentro, D. Maria I governa entre 1777 e 1816. Lá fora, a Revolução Francesa,
entre 5 de Maio de 1789 e 9 de novembro de 1799. Os ecos da Revolução chegavam
inevitavelmente a Portugal e, em particular, à academia de Coimbra. E
é em Coimbra que Camilo coloca, em 1801, os irmãos Botelho:
« Manuel (...) frequenta o segundo ano jurídico. Simão (...) estuda humanidades.»
Por esse tempo, Simão Botelho «defendia que Portugal devia regenerar-se num batismo
de sangue, para que a hidra dos tiranos não erguesse mais uma das mil cabeças
sob a clávula do Hércules popular.»
Considerando a inserção
na História, o leitor deverá procurar os sinais que ajudam à
construção do retrato de um narrador conservador e reacionário. A 21/01/1793,
Luís XVI foi executado pela guilhotina: «Os apóstolos da
revolução francesa não tinham podido fazer reboar o trovão dos seus clamores
neste canto do mundo; mas os livros dos enciclopedistas, as
fontes onde a geração bebera a peçonha que saiu do sangue de
noventa e três, não eram de todo ignorados. As doutrinas da regeneração social
pela guilhotina tinham alguns tímidos sectários em Portugal, e
esses de ver é que deviam pertencer à geração nova.»
16.10.12
I - a) Bocage deixou de
fazer parte da cultura juvenil. A turma ignora o homem, a obra e, sobretudo,
ignora a lenda. Apenas uma voz aventou a hipótese de se tratar de
alguém um pouco «marginal». Este dado permite lançar-nos no universo dos
botequins do século XVIII (cafés) como espaços de socialização. Corte / Salon
vs. botequim. Bocage, de fácil trato, anima as novas tertúlias, criando amigos
e inimigos. (Ver história do café Nicola, no Rossio, Lisboa.)
b) Clarificação do léxico
utilizado, designadamente de termos como conceito (definição) e noção.
Nesta disciplina, mais do que os conceitos interessam-nos
as noções.
c) Leitura do soneto
"Magro, de olhos azuis, carão moreno" - ver Sala de aula - XVII.
II - No que à Literatura
concerne, a passagem do primeiro para o segundo romantismo permite viajar entre
Garrett e Camilo, reforçando a perceção das personagens principais, em que a
idealização acaba derrotada pelo realismo. Beatriz vs. Paula Vicente / Teresa
vs. Mariana. As segundas são de carne e osso e sofrem na pele os efeitos da
condição de subalternidade...embora não se deixem submeter.
Em termos de PIL, foi
estabelecido um itinerário de leitura que inclui Júlio Dinis e Carlos de
Oliveira.
A biografia de Camilo é
toda ela um belo argumento cinematográfico em que o herói romântico se
transforma em trágico.
15.10.12
Gaspar
vive no círculo virtuoso
Gaspar, doutrinado na
Universidade Católica do cardeal Policarpo, vive no círculo virtuoso. Ainda não
se vê a auréola, mas por este andar lá chegará. É um homem suficientemente
paciente, que não se importa de repetir a receita, apenas com uma ligeira alteração
de tom.
No círculo virtuoso de
Gaspar só a credibilidade acrescida no seu Deus conta, mesmo que isso
signifique a eliminação do contribuinte.
Não se entende, todavia,
como é que o virtuoso Gaspar poderá sobreviver sem o contribuinte.
I - a) A leitura e a
aquisição de conhecimento. A obra organiza-se em torno de temas que, depois de identificados,
devem ser arrumados em categorias que possam ajudar a responder a perguntas
prévias ou despertadas pelo ato de ler.
b) Noção de autorreferência aplicada ao texto biográfico e autobiográfico. O
sujeito expõe-se, torna-se objeto textual. E esse ato pode ser revolucionário
se questionar a ordem estabelecida ou apenas narcísico.
c) Bocage no soneto " magro, de olhos azuis, carão
moreno" rompe com o retrato do «antigo regime», hagiográfico do rei,
do nobre, do papa, do santo... para se colocar no olho do texto, reivindicando
o privilégio de ser visto não como ídolo, mas como cidadão disforme,
contraditório, humano, capaz de criar, subvertendo os modelos e impondo uma
diferente visão do mundo... Para atingir tal desiderato, Bocage não teme
recorrer à ironia e à caricatura... e ao fazê-lo mistura magistralmente o
registo lexical e sintático alatinado com o registo familiar e corrente,
ocupando, deste modo, esse espaço novo que anunciava Herculano e Garrett...
II - Ato III de Um
Auto de Gil Vicente. Agora no galeão de Santa Catarina, o que se passa
entre pai e filha, entre rei e infanta / duquesa continua escondido, mas
resolve o problema do rei. Ao contrário de Afonso IV (tragédia Castro,
de António Ferreira), o rei D. Manuel I não necessita de mandar executar
Bernardim: bastam-lhe a obediência da filha e a distância cavada pela viagem
entre Lisboa e a Saboia! O palco acaba ocupado não pelo dilema, mas pela
controvérsia causada por Garcia de Resende que teima em desvalorizar o papel de
D. Manuel se comparado com D. João II. Este planificou e aquele colheu os
frutos que aplicou na construção de monumentos que acolhessem os seus restos e
eternizassem a sua glória. O povo fica esquecido e mais pobre. Dele não se fala
mais, embora não saia do pensamento do autor...
(Em rodapé, ficou a
bailar uma dúvida sobre o grau de absolutismo de João II.)
14.10.12
Pensando melhor: os
cardeais não ficam senis! Quando falam é porque querem lançar a semente à
terra.
No caso do cardeal
Policarpo, ao condenar a governação a partir da rua (as manifestações
organizadas e inorgânicas), ele estava a dar a mão aos discípulos que
determinam a política do governo.
Bastaria analisar o
currículo de governantes e respetivos assessores para perceber a ordem em
que foram educados. A maioria saiu da Universidade Católica e muitos lá esperam
voltar.
Esta universidade é um
porto seguro! Tem uma doutrina sólida, forjada, entre outros, pelo cardeal
Policarpo.
No essencial, apesar de
frequentemente debater a decisão democrática, a doutrina desta universidade
assenta na formação de um escol que conduza o povo ao redil, mesmo que seja
necessário sacrificar a turba.
A turba é o inimigo
natural e assim se explica que, à semelhança do que aconteceu quase há 100
anos, o cardeal tenha sentido necessidade de condenar as manifestações e,
simultaneamente, incentivar os discípulos a muscular a decisão política.
13.10.12
(Exiit seminare.)
Indiferentes às pouco
evangélicas palavras do cardeal Policarpo, procissões sindicais, tampas,
panelas e garrafões, empresários de farmácia (graúdos e minguados),
compositores, músicos, bailarinos, actores com e cem c, poetas e declamadores,
imitadores e palhaços (...) todos saem à rua.
E eu também saio, sem
nada querer semear, apenas observo. E o que vejo?
Duas lagartixas, por
entre pedras e espinhos, a lutar. A maior capturara uma minhoca, a
mais pequena tentava roubá-la sem êxito. Findo o combate, a primeira
estende-se a deglutir a presa; a segunda escondeu-se sob as pedras.
E o cardeal
Policarpo também saiu. O que é que terá ido fazer a Fátima?
Da Sexagésima (Padre
António Vieira) a Um Auto de Gil Vicente (Almeida Garrett), o
que mais me chama a atenção é a denúncia da ausência de
valores nobres - os pregadores preferem a comodidade do paço; o paço
vive da adulação dos grandes e da opressão dos pequenos.
O romântico Garrett
coloca nas vozes de Bernardim (Ribeiro) e de Paula Vicente a seguinte
questão:
«- Que mais é preciso
para ser nobre e grande - maior do que ninguém na tua terra?»
«- Adular os grandes e
oprimir os pequenos.»
Para Almeida Garrett (tal
como para o Padre António Vieira), o poder e a glória só podem ser resultado do
trabalho, do sacrifício, transformados em mérito. Estes valores não podem ser
herdados. (E nem vale a pena aqui registar o pensamento de Camões sobre
esta matéria!)
«Eu sou Bernardim
Ribeiro, o trovador, o poeta, que tenho maior coroa que a sua. O cetro com
que reino aqui, ganhei-o, não o herdei como eles - Beatriz é minha.»
O romantismo é afirmação de homens que rejeitam a herança (a
linhagem) como caminho. Homens que querem construir o próprio caminho.
E o mesmo se deve
passar na escola... na sala de aula! É preciso dizer basta às linhagens!
12.10.12
É extraordinário como a
governação (ou será governança?) se faz hoje na rua: nos diretos televisivos,
nas redes sociais, nas edições online, nas primeiras páginas dos jornais, nas
manifestações sindicais e inorgânicas... tudo no imediato! Avança-se e recua-se
conforme os ventos estão ou não de feição.
Esta nova arte de
governar decompõe, desagrega, deprime, furta, arruína até à
morte. À morte de cada cidadão e da coletividade. Há quem pense
que esconde um programa, mas não.
É a arte da preguiça, da
falta de conhecimento, da soberba e da indiferença. Nenhum valor nobre determina
a decisão.
E os maus exemplos surgem
de toda a parte...
11.10.12
I - (Bem
poderia começar com um exercício respiratório!)
Explicar o uso e a
especificidade do código oral e do código escrito traz de volta o
enunciado e a enunciação em todo o seu esplendor:
- O céu está azul.
- O céu está azul!
- O céu está azul?
- O céu está azul? - Não,
está negro!
Olho (não oiço!) e vejo
sinais que marcam não apenas o que é dito, mas a presença do locutor,
a distância do interlocutor e a recriação do momento
de enunciação. E os sinais gráficos surgem para apontar os caminhos
da interpretação (diferida, agendada, refletida).
Mas quando falo tudo
é diferente, os sinais gráficos ainda não chegaram. Falo sem rede!
Agora é a entoação, são as pausas, as interrupções que do ouvinte
(interlocutor) exigem atenção permanente. O locutor não pode apagar o que
é dito, pode reformular, lateralizar, mas não pode recuar, pois não tem
qualquer poder sobre o tempo. O discurso oral, porque feito de enunciados e não
de frases, necessita de ser um acontecimento. Se tal não acontecer, tudo
definha...
Pelos exemplos, se vê que
se pode informar, exprimir uma emoção, solicitar uma confirmação ou agitar as
consciências. Na enunciação não há tréguas!
De regresso à sebenta,
torna-se necessário voltar ao erro e ao desvio, para
logo explicar que estes conceitos só fazem sentido se estiverem indexados
à norma-padrão escrita, tornando a oralidade serva da escrita. E
esta subordinação é nefasta, porque mata a autenticidade e a dinâmica
comunicacionais.
Essa dinâmica que nos
permite elidir, suprimir, omitir, ocultar, furtar, roubar,
sempre com o olho no desvio sintático que alguém designou como elipse.
II- E como o discurso
oral necessita de ser acontecimento, volto agora (há umas horas!) ao Sermão
da Sexagésima. E só por instantes houve epifania! Ir ouvir
um sermão para de lá sair com um peso na consciência não deixa de ser um
indicador de masoquismo. Mas era esse o objetivo do Pregador evangélico: levar
os pregadores do paço a meter as mãos na consciência,
procurando as razões que impediam que a palavra de deus frutificasse. A crítica
de Vieira revela-se herdeira de Gil Vicente (Frei Paço) e não irá escapar
nem a Garrett nem a Eça...
O pregador dos
passos quer agitar as consciências dos pregadores da corte. No fim, o
número de inimigos terá certamente aumentado!
10.10.12
De Paula Vicente a Mariana,
um passo apenas! Ambas parecem desempenhar um papel secundário em
relação a Beatriz e a Teresa (as heroínas românticas). No entanto, é nelas que
os autores apostam, ao torná-las mais humanas, mais próximas do leitor, embora
o leitor urbano de hoje revele dificuldade em compreender os universos a que
cada uma pertence - o teatro (estatuto do dramaturgo e do
ator) e os ofícios (ferreiro). Na leitura, essa dificuldade
revela-se na incompreensão do vocabulário específico de cada domínio...
Como já foi referido (Dia
XIV), Mariana ganha relevo pela sua presença nos momentos de maior
dificuldade de Simão, sujeitando-se voluntariamente a papéis de
mensageira, de enfermeira, de confidente e de acompanhante, para ser vista
por Simão como simples irmã. Irmã no presente e no
eventual pós-degredo.
Em síntese, o desenho das
personagens é mais ou menos romântico / realista de acordo com o grau de
idealização.
9.10.12
(Partir? Quantos
milhões já o fizeram!? Ficar à espera?)
O sebastianismo coloca-nos
num estado de ansiedade que nos impede de agir. De vez em quando, saímos à rua,
agitamos cartazes e gritamos slogans contra o governo seja ele qual for, e
voltamos para casa, à espera de que o dia seguinte nos traga o emprego, o
salário que nos tire do aperto em que nos encontramos.
Já escolhemos o cordeiro,
mas hesitamos em imolá-lo, pois tudo pode não passar de uma prova a que estamos
a ser submetidos para experimentar a nossa lealdade.
Bons alunos, esperamos
que o professor seja magnânimo!
Convém, por outro lado,
esclarecer que o sebastianismo não é uma entidade exterior…
ele cimenta a nossa cultura e determina a educação. Bastaria analisar com algum
cuidado o cânone literário português para compreender tudo isto.
Fatalismo, imobilismo,
cansaço, pessimismo, evasão, saudade, riso alarve, tristeza, caricatura,
depressão, suicídio … o léxico da crise!
I - Inquérito sobre o
namoro, devidamente autorizado pelos pais (30 minutos). A experiência dos 15
anos! Resta saber se o instituto Nacional de Estatística autorizou. Os jovens
esforçaram-se!
II - No tempo que sobrou,
o valor semântico do sufixo -al, em palavras, como oral e moral,
com uma incursão pela etimologia (os, oris / boca;
mos, moris /costume). Do conteúdo linguístico ao conteúdo
cultural: a moral como expressão de cultura; cada cultura
a sua moral - o que obrigou a introduzir a ética, como fator
de harmonização da diversidade de cultural. O exemplo saído de Montaigne terá
sido um pouco insólito, pois a prática do canibalismo é inaceitável para muitas
culturas e aceitável para outras, e em casos excecionais tolerada (!!!)
III - E em termos de
conteúdos linguístico e cultural, proporcionou-se a explicação da formação
da palavra maçonaria assim como dos objetivos da
instituição, pois o texto biográfico sobre Mozart o apresenta
como tendo integrado uma loja maçónica, facto que aparentemente lhe trouxe
muitas inimizades e não o impediu de, para sempre, repousar na vala comum, não
se respeitando o princípio da fraternidade - com mais uma
incursão pela etimologia (frater /frade - irmão) e pela sinonímia
(irmandade)...
IV - Mais uma vez veio à
baila a leitura e o conhecimento, o alargamento linguístico,
discursivo e cultural das estrutura cognitiva de cada leitor...)
I - Na Literatura, os
fios conversacionais continuam a entrecruzar-se. Apesar de tudo, a Paula
Vicente revela-se, no seu egotismo, uma personagem romântica que
perde o galanteador, pois o seu próprio preconceito lhe provoca reserva mental (filha
de bobo não pode casar com cavaleiro). A sua aparente subalternidade (em
relação a Beatriz) acaba por introduzir o Amor de Perdição, em que a
subalterna Mariana (em relação a Teresa) não pode aspirar ao amor de
Simão.
II - Aqui chegados,
tornou-se necessário distinguir a visão do mundo trágica da visão
do mundo dramática (religiosa, romântica) ... Mariana subverte a
solução previsível de um reencontro de Simão e Teresa na outra vida, ao
colar-se ao corpo de Simão na morte (o génio de Camilo!) ... Deste modo escrever
uma carta em nome de Mariana obriga a que a declaração de amor
seja substituída pela enunciação da sua presença nos momentos de dor de Simão.
Mariana esteve sempre presente e Teresa sempre distante...
8.10.12
I - Foi necessário
explicar uma vez mais que a leitura contratualizada é uma opção do aluno
condicionada pelo «corpus» programático e que o professor prefere: a) que a
escolha recaia em autores lusófonos; b) que, em caso de escolha de autores
estrangeiros, o melhor é lê-los no original, e fazer a apresentação oral em
português; c) maldita exceção! a primeira escolha fica ao critério do
aluno, embora este deva informar-se sobre a qualidade da tradução... (Será
que me faço entender?)
II - A expressão da anterioridade,
na alternância do pretérito perfeito com o pretérito mais-que-perfeito; os
efeitos da opção pela forma simples ou composta dos referidos tempos...
Veja-se a diferença entre: «Cheguei atrasado» e «Tenho chegado atrasado».
III - Destaco hoje uma
pergunta aparentemente inócua: - Qual é a diferença entre utilizar
"ontem" ou "véspera"? O que nos permite clarificar o que se
entende por momento da enunciação: Ontem fui ao
Oceanário, porque na véspera lera que devia visitar uma
determinada exposição. (Em causa a noção de enunciado e de anterioridade.)
IV - O texto biográfico
"Mozart"...
V - De regresso à
Literatura, uma boa parte do tempo é gasto a mudar os meninos de lugar, a
verificar se têm manual, se o abrem na página certa, se a mente se concentra no
guião de leitura, se leem duas ou três réplicas, se produzem um enunciado
que vá além do monossílabo...
VI – Estava em causa
perceber a passagem da tragédia ao drama por
influência da nova mundividência romântica, nomeadamente pela conjugação do
medievalismo e do cristianismo, em que último não aceitava a morte, em palco ou
nos bastidores, como solução (catástrofe). Pelos cabelos, lá fui retomando a
"lei das três unidades", transgredida quando a ação se
transfere de Sintra para Lisboa... (espaço) ou quando o enredo admite no
seu interior excertos das Cortes de Júpiter e, em particular,
fios narrativos simultâneos: D. Manuel quer casar a filha Beatriz sem ter de
sacrificar Bernardim; Bernardim quer Beatriz; Beatriz quer Bernardim; Paula
Vicente quer Bernardim; Pedro Sáfio quer Paula Vicente (ação)... e quanto ao
tempo?
VII – Estava em causa
perceber o pensamento de Garrett sobre o estatuto do «comediante» e do
«dramaturgo», isto é, compreender que a corte desprezava o seu esforço
para refundar o teatro nacional (réplicas de Paula Vicente no II Ato) ... e estava
em causa identificar a intencionalidade da repetição de frases de tipo
exclamativo, de anáforas, de polissíndetos e de contrastes, depois de detetar
os recursos...
(Mas de que serve tudo
isto!?)
Aquilino
Ribeiro Machado, a mágoa
Do Aquilino Ribeiro
Machado fica-me a imagem de um filho que não conseguia compreender o
esquecimento a que seu pai foi lentamente condenado nas últimas décadas.
Por mais do que uma vez,
o engenheiro deslocou-se à Escola Secundária de Camões, onde seu pai
fora professor de Liceu, sempre com o objetivo de fomentar a
leitura da obra de Aquilino Ribeiro.
Nada mais o movia!
Percebia-se a mágoa, porque se um país esquece os seus filhos mais
ilustres é porque navega sem rumo.
7.10.12
Os valores dos tempos no
passado.
Escrever uma pequena
narrativa pressupõe a capacidade de distinguir a história /narração do discurso (momentos
de descrição e de comentário). Se o discurso do narrador se expõe no
pretérito imperfeito, a narração desenvolve-se na clara diferenciação dos
estados de anterioridade, simultaneidade e posterioridade.
Ora, uma das dificuldades
presentes nos textos que acabo de ler situa-se no registo da anterioridade:
a ordem temporal das ações no passado surge de
forma aleatória, porque ao escrevente falta distanciamento /
profundidade. Ontem é ainda hoje, nada existe para trás! O
mais-que-perfeito ainda surge na forma composta, mas raramente na forma
simples.
Mais do que uma
aprendizagem assente na repetição dos mecanismos linguísticos, o que importa é
desencadear estratégias que imponham distanciamento e principalmente
profundidade.
7.10.12
No Oceanário, o lixo
ganha forma e cor enquanto a noite não chega. Com um nada mais de atenção,
perceberemos que já falta pouco.
Entretanto, o Governo, em
sessão extraordinária, procura a melhor maneira de nos enterrar
definitivamente.
- E nós o que fazemos?
- Lixo.
6.10.12
Olha-se à volta, e os
homens são agora estátuas que sorriem conforme a moeda cai ou não.
Os que se movem são
estrangeiros surpreendidos pelo clima e pelos sinais de outro tempo. Sobem as
ruas, sentam-se nas esplanadas, tiram fotografias, mas não se sabe o que
pensam. São milhares que circulam, uns lentos, outros apressados, todos com
hora marcada, mas não se sabe se irão voltar.
Os interlocutores
estendem a mão à espera de que a moeda caia, mas não parece que saibam ir além
do murmurado obrigado se houver gorjeta.
Dos heróis e dos símbolos
sobram as praças quase vazias enquanto a noite as não cobre…
5.10.12
Ao
ministro da educação falta-lhe a ciência...
Não queria, mas lá vai...
acordei a pensar que, sendo este o dia em que se celebra pela última vez (?) a
instauração da república, deveria haver uma razão mais profunda... e aí
percebi que a decisão de suspender o feriado nada tem a ver com o
aumento da produtividade, mas, sim, com o reconhecimento de que não
passamos de um protetorado da popular TROIKA e deste modo não podemos
continuar uma soberania virtual. E é, também, por esse motivo que o presidente
da Junta Governativa decidiu estar ausente, sem falar do recato que as cerimónias
irão ter! Tudo, aparentemente, em nome da austeridade.
E como, matinalmente,
as palavras "crise" "austeridade",
"insolvência" "cortes"... não me saem da cabeça, dou
comigo a pensar que a Junta Governativa, em vez de saquear o cidadão cumpridor,
bem podia gizar um programa educativo que ajudasse os jovens e adultos a lidar
com o problema que nos assola. Mas não, prefere dar bicadas no povo, na
oposição e até nos membros da coligação sem descurar quem ainda mantém a
torneira aberta.
Por exemplo, ao
ministro da educação falta-lhe a ciência para perceber que dele se espera muito
mais do que a manipulação de números e de vidas, enganando simultaneamente
as finanças e as pessoas. Ainda não me apercebi que da parte do senhor Crato
(este apelido lembra-me outra triste crise com o desfecho que alguns ainda
conhecerão!) tenha surgido uma recomendação clara no que
respeita à educação das crianças, jovens e restantes funcionários nesta
circunstância. Tudo decorre como se a crise estivesse a acontecer lá longe,
quando um desafio desta natureza exige um agudo processo de
consciencialização (doutrinário?) e, sobretudo, obriga à implementação de
medidas que envolvam cada um na diminuição da despesa pública e privada.
4.10.12
I - Na verdade, a biografia
é incipiente... passa da frequência do curso de Direito em Coimbra à crise
académica não se sabe de que época, para repentinamente ser preso pela polícia
política em Angola. De regresso (forçado?) à Europa, sem passar por Paris,
aterra em Argel (essa terra de todos celebrada!), onde luta pela liberdade da
Pátria... para no pós-25 de abril ocupar o tempo como deputado...
Esta pressa de retratar
«o político e o escritor» talvez esconda uma produtiva atividade de
reconstituição das lacunas que, de qualquer modo, na minha metodologia poderá
ser solucionada pela aposta na leitura de múltiplos textos do autor
e dos autores da sua geração, ou daqueles com quem adivinhamos relações de
proximidade - de Manuel Alegre (de quem falamos) a Aquilino Ribeiro, passando
por Miguel Torga e Pepetela, já sem falar de Afonso Duarte, Henrique
Galvão, Zeca Afonso, José Gomes Ferreira, Assis Pacheco, Altino Tojal, Mário
Carvalho, Dinis Machado, Alexandre O'Neill, Sophia e Mário
Zambujal...
A lista é extensa para
contrariar todos aqueles que, no âmbito do contrato de leitura, insistem na
leitura de traduções de escritores anglo-saxónicos, geralmente mal traduzidos
e, sobretudo, que pouco contribuem para o reforço da identidade portuguesa...
(todos os dias me é perguntado se eu aceito a leitura de autores
estrangeiros... e acabo por responder, contrariado, que sim... Claro que
Aquilino, Torga ou Alegre podiam escrever sobre os «bichos» porque os
conheciam, porque palmilhavam o território...
(No entanto, o
interlocutor urbano também tem as suas razões!)
O resto, sempre
fragmentado, pôs em destaque a capa e a contracapa de Cão
Como Nós e, sobretudo, a badana - esse lugar oculto
amado por alguns editores - mas que, no caso, passara totalmente
despercebida. O cão que vira leão, sob o nome de Kurika, leitura
dos filhos do autor.
E chegado aqui, voltamos
a Henrique Galvão, ao paquete Santa Maria no Sul, tomado de assalto, em
protesto contra o sacrifício de gerações numa guerra longínqua... e a
incipiente biografia começava a ganhar corpo quando a campainha interrompeu o
esforço do domesticado leão, forçado a fazer pela vida...
E já no intervalo, dois
ou três alunos voltaram à carga, pois o que lhes apetecia era ler autores
americanos, australianos... e eu fiquei a pensar que estaria na hora de partir.
II - Depois, só, li a primeira parte do Sermão da Sexagésima, do
Padre António Vieira. A parábola do Semeador. E percebi que ela não se me
aplicava, pois não conseguia ver-me sob a capa nem do Pregador Evangélico nem
do Pregador do Paço.
Fora definitivamente
esquecido por aqueles que supostamente precisavam do minha
palavra.
3.10.12
«Enorme aumento de
impostos»!
Com tantos assessores, o
ministro Gaspar bem poderia ter aproveitado para explicar o verdadeiro sentido
do adjetivo «enorme», pois o cidadão sacrificado continua sem saber
quantos portugueses o acompanham no sacrifício.
De barato, o ministro vai
dizendo que o saque não atinge dois milhões de famílias pobres,
embora, amante da concessiva, ele omita o adjetivo «pobre», talvez porque,
entre tantos pobres, muitos não o sejam verdadeiramente. Quem sabe?
Por outro lado, parece
que ninguém sabe quantos ricos vivem entre nós e quanto pesam. É comum dizer-se
que esses ricos não têm escrúpulos e que engordam nas situações de crise. Hoje,
o ministro Gaspar recusou dizer qual é a percentagem de credores nacionais
que compram dívida pública, mas acentuou a ideia de que os credores olham com
bons olhos o modo como ele está a incrementar o famigerado
"memorando".
O que continua por
explicar é por que motivo tão poucos pagam tanto? E mesmo esses poucos não
sabemos quantos são... e por isso a enormidade ganha volume porque uma boa
parte não contribui, e porque o Estado mesmo que conseguisse sacar os 5
mil milhões de que diz necessitar, o monstro voraz continuará esfomeado...
Entretanto, ficámos
também a saber que a «enormidade» tem rosto: prestações sociais, educação e segurança (4
mil e tal milhões de euros a poupar!) ... Será que o ministro Gaspar se
esqueceu voluntariamente da Saúde?
Por este caminho, em
2015, o Estado terá sido desmantelado e já não necessitaremos de Governo.
Seraficamente, o ministro
Gaspar explicou o puzzle, mas, na verdade, até eu, que não entendo nada de
finanças, poderia ter apresentado a receita que nos irá liquidar.
«Literariamente é
possível definir o alter-ego como a identidade oculta de um
ser fictício ou como um artifício do autor de um livro para se revelar ao
leitor na pele de um personagem, de forma discreta e indireta. Em geral ele
apresenta muitas das características de seu criador, as quais podem ser
descobertas em uma análise mais profunda.» Ana Luciana Santana, http://www.infoescola.com/literatura/alter-ego/
Almeida Garrett
esconde-se sob a máscara de Bernardim Ribeiro (alter-ego),
enquanto crítico de uma corte prostituída: «Juntam-se as
cortes, falam muito, não fazem nada» e enquanto herói romântico para
quem a verdadeira vida se expressa na «sublime inspiração dos anjos, ardente
linguagem de querubins, vida, fogo, amor luz - cântico de serafins que amam e
adoram, divina poesia!»
Na corte, a poesia não
entra, só o riso alarve reina.
2.10.12
Em Um Auto de Gil
Vicente (1838), a representação da crença romântica na «liberdade
natural das almas» fica a cargo do tandem Bernardim - Pêro do Porto ou
Pêro Sáfio, em que o último põe a ridículo a seriedade do primeiro, isto é, o dramaturgo
Garrett assassina o que sobra do romântico poeta Garrett.
De pouco serve o
sentimento num «mundo de vaidades e fingimentos, um mundo árido e falso,
em que a fortuna cega, os sórdidos interesses, as imaginárias distinções
corrompem, quebram o coração...»
Na plateia, o espectador
acaba a rir do que há de mais puro no coração feminino ou / e na alma do poeta,
os dois únicos seres capazes de valorizar a «liberdade natural».
Almeida
Garrett, educado na visão do mundo greco-românica, optou pelo
programa medievo-romântico, sem, no entanto, perder a lucidez. Há nele uma
competência reflexiva de grau superior em que os modelos são
permanentemente ajustados à implacável realidade. O riso aberto e o
riso contido são, para ele, os modos de indagação.
(O dia vai lento,
atravessado por diálogos dispersos, como se no palco alguém pusesse em
cena múltiplas peças...)
1.10.12
Sob o título "A
educação dos professores", encontrei no i de 1
out.2012 as seguintes pérolas:
«Em média, são os mais
pobres, os menos cultos e os piores alunos que hoje escolhem a via de ensino. O
retrato é negro. E é o inverso do que acontece, por exemplo, na Finlândia, onde
só os melhores podem ser professores.»
«O facto é confirmado por um outro indicador: 41,4% dos alunos de
Educação tiveram bolsa de estudo no ano letivo 2010/2011.» (Expresso,
2.6.2012)
«E nós queremos os
melhores ou os piores nas escolas?»
Ao ler o artigo,
não pude deixar de ficar impressionado com a imparcialidade do seu autor! Deve
ser um investigador português que nunca beneficiou de nenhuma bolsa de
estudo, nascido em berço de oiro e, certamente, educado para combater as
doutrinas de esquerda e, em particular, o sindicalismo... Percebi, por outro
lado, que este cavo investigador crê piamente nas fontes
jornalísticas e que a Finlândia será o novo paraíso terreal.
Finalmente, não posso
deixar de me espantar com a profundidade do argumentário que implicitamente
explica a crise das finanças públicas:
«Vivemos hoje a
consequência do excesso de cursos superiores de educação e formação de
professores. Só entre 1995-1996 e 2010-2011, foram abertas, nessa área, 107341
vagas.»
Parece que o nosso
investigador se esqueceu de confirmar quantos daqueles pobres jovens concluíram
o mestrado na via de ensino. E principalmente, como investigador, deveria ter
aproveitado para averiguar se a universidade portuguesa contribuiu para ajudar
a sair da pobreza financeira e cultural aqueles párias que ousaram
delapidar os dinheiros públicos.
O idiotário português
enriquece a cada dia que passa...
I - (Finalmente, o fio
não quebrou, apesar dos esticões.)
As marcas de romantismo
começam a ganhar relevo no texto UM AUTO DE GIL VICENTE: o espaço escolhido
(Sintra /Cyntia), as fontes e os tanques, o crepúsculo da madrugada, a lua, a
serra, as mouras encantadas do Castelo; o Bernardim das Saudades (Menina
e Moça); o SENTIMENTO; a solidão e a fuga da corte (sociedade); o
teatral nacional; os romances; a língua vulgar; a arte de trovar e de prosear
na língua nacional...
Tudo se opõe a três
séculos de classicismo estrangeirado e elitista.
II - Da sala, onde, mais
uma vez, a leitura foi defendida como forma de conhecimento, e a
escrita examinada como expressão de um projeto bem definido, a turma
saiu à descoberta da BE/CRE. A professora bibliotecária apresentou
pacientemente o lugar e a função. (Tudo de forma ordenada...)
30.9.12
Escrever é uma forma de
nos expormos.
Nestes últimos dias, li
28 textos narrativos, subordinados ao tema «...pois é fraqueza /
Desistir de cousa começada.» (Camões, Os Lusíadas, Canto I,
estância 40)
(A instrução visa que
cada aluno aprenda a construir um conto.)
Pelo resultado, uma parte
seguiu a instrução; outra parte, descurou-a. Nesta última situação,
falta a planificação do texto, abunda o registo informal, e, por
vezes, uma tendência para uma linguagem desenraizada e maneirista.
Claro que, salvo raras
exceções, a maioria pensa que o conto é uma narrativa onde tudo cabe. Em vez da
forma simples, em que surge um acontecimento capaz de criar uma ordem, após a
resolução de um ou dois obstáculos, esta maioria prefere criar um
interminável folhetim, impossível de memorizar...
(Felizmente, ainda
estamos a tempo de aprender a escrever de forma simples, clara e concisa!)
29.9.12
Benefícios
fiscais e subsídios
Num país de
desempregados, de reformas de miséria, de congelamento e diminuição de
salários, a manutenção de benefícios fiscais e de subsídios é
vergonhosa.
Ao Estado não compete
premiar empresas, fundações ou institutos que se revelem incapazes de viver sem
benefícios e subsídios. O Estado, profilaticamente, deve impor o
encerramento de todos esses organismos parasitas.
Em situação de
insolvência, só começarei a acreditar num governo que seja capaz de eliminar as
exceções, os benefícios fiscais e os subsídios.
27.9.12
Quando se justifica a
decisão, argumentando que o momento que vivemos é de exceção, perde-se a
face ao aceitar exceções à regra.
Logo pela manhã, a
TSF anunciava que os cortes salariais em sede de IRS vão ser aplicados a
todos, à excepção dos trabalhadores da CGD, da TAP e de outras
corporações em que as progressões nas carreiras irão ser desbloqueadas,
designadamente certas categorias de docentes do ensino superior universitário.
Por outro lado,
objetivamente, ninguém sabe qual é a dimensão das exceções, o que
aumenta a frustração daqueles que se encontram sob a alçada da regra. E também
já se perdeu a noção do volume dos sacrifícios que estão a ser pedidos sempre
aos mesmos, assim como ninguém sabe ao certo qual é o peso da economia
paralela.
Um Estado, que não só não
controla estas variáveis como cria exceções que geram cada vez mais
desigualdades, é um estado falhado que nos reduz à categoria de bois mansos.
É hora de acabar com as
exceções!
I - O leitor
crédulo aceita facilmente como inquestionável o texto
(auto)biográfico. Regra geral, não filtra a «verdade», porque confia no sujeito
(eu), nas suas opções, dando expressão à ideia de que a escrita na 1ª
pessoa é mais sincera do que qualquer outra. Ora se o leitor se habituar a estender
a leitura ao CONTEXTO, entendido como descoberta de elos (ligações,
conexões) existentes entre os vários textos do autor e /ou da
mesma época, não só enriquecerá o seu conhecimento como passará a ser mais
exigente, um leitor crítico.
Entre a escrita e a
leitura, há um fosso difícil de ultrapassar, pois o escritor (escrevente,
escriba, secretário da puridade, escrivão, copista...) tem ao seu alcance meios
ilimitados que lhe possibilitam criar, em diferido, uma
verdade construída, mas que o leitor não vê como produto de uma
construção, mas, sim, como um acontecimento.
Estejamos a ler José Luís
Peixoto, Raduan Nassar ou António Vieira, o texto é sempre a expressão de uma
composição, de uma construção, por vezes, tão poderosa que ela pode moldar
irremediavelmente a verdade das nossas vidas.
É por tudo isso que
o CONTEXTO se torna muito mais importante do que as circunstâncias.
II - Fujamos do homem
moderno... pela palavra e pelo gesto.
III - Quando um padre
jesuíta se torna num homem de ação, num patriota que luta pela soberania do seu
país, acaba por gerar uma multiplicidade de inimigos de que dificilmente se
libertará, sobretudo combatendo-os pela ação verbal.
26.9.12
Não chove na praça neptuno
já choveu em sevilha zagreb santiago
Um dia irá chover na praça neptuno
resta saber de quem será o sangue
e voltará a chover na praça do império
Sala de aula - VII
(A dificuldade reside na
ausência de conhecimento sistematizado da História.)
Como explicar o rumo do escritor romântico, se o destinatário ignora que entre
o século XV e o século XIX a matriz foi, em geral, estrangeira - do
renascimento ao iluminismo - mesmo que cercados pelo Tribunal do Santo Ofício?
Até o protótipo do império era estrangeiro! A arte apresenta-se como reflexo de
uma cultura cujas raízes se encontram fora do solo pátrio. Será assim tão
difícil de entender a regra e aceder às exceções?
A ruptura romântica
inscreve-se num ato refundador da História e consequentemente de todos os ramos
que à sua sombra florescem: as artes, em particular...
E nesse movimento, o povo
eleva-se do solo e a sua memória passa a ser sondada como o adubo que pode
fortificar a seiva romântica.
Claro que com equívocos!
Os românticos, apressados, confundiram quase tudo. Sobretudo, exaltaram o
espírito criador coletivo, ao não distinguirem autoria de transmissão (tradição).
Quiseram convencer-nos que a criação individual fora inicialmente do grupo,
como se o romance transmitido oralmente não tivesse
sido criado por um indivíduo. Reservaram o génio individual para eles próprios,
os vates, os mensageiros de uma nova ordem gerada pelos enciclopedistas e
consagrada na execução dos reis (do antigo regime).
Está na hora de voltar
atrás e explicar o que significava "convocar e reunir cortes",
o que talvez ajude a perceber que o "concílio dos deuses" camoniano
já tinha raízes nas "Cortes de Júpiter" vicentinas. Claro que os
reis (absolutistas) já só convocavam as cortes em situações extremas. O ato
passara a ser encenação:
"Oh caso pera
espantar
que é isto Júpiter
a que nos mandais chamar
quer-se o orbe renovar
ou tornar-se o mundo a
fazer?"
(Vicente, Cortes...,
1521)
25.9.12
A voz inocente manhosa ergue-se na praça
a chuva sobre a terra seca
cresce involuntário o cerco
da pedra nada sobrará
A - «A literatura
dramática é, de todas, a mais ciosa da independência nacional.»
Esta literatura / género /
modo cresceu em torno do conflito / crise. Não há drama sem
crise, sem conflito entre vontades. E vem, pelo menos, da Grécia fundadora da
democracia provocada pele heresia das primeiras minorias.
Associar crise a
«independência» só pode fazer sentido, pois esta é afirmação e, ao mesmo tempo,
ruptura... em tempo de crise.
Se para Garrett, um
teatro nacional era uma necessidade absoluta, hoje, por maioria de razões,
existem as condições políticas, sociais e económicas para que os dramaturgos
apostem em temas nacionais... Só que ao Estado não interessa fomentar o género
literário que melhor pode espelhar o modo como equacionamos e solucionamos os
conflitos internos e externos.
(Esta linha de pensamento
parece não ter razão de ser. A crise não existe, a não ser na sala de aula, e a
minoria é representada pelo professor.)
B - José Luís Peixoto e o «Princípio dos primeiros dias» A redundância
aponta o encantamento pelo feminino no que ele tem de ligação à vida, de
presença (i)material.…A irmã não faz sombra à mãe, está é mais próxima...
na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
24.9.12
A - Ponto de partida:
apontar o que há de comum entre as palavras "autobiografia" e
"biografia". As respostas são de natureza especulativa. Ninguém
repara em "biografia" ou "bio" +´"grafia". Isto
é, a tendência é ignorar a "materialidade" das palavras, aquilo de
que são feitas, as palavras, os termos, os vocábulos... Ficou, assim, aberto o
caminho para a significância, parte quase invisível / inaudível do signo
linguístico. Claro que a maioria, apesar de tudo, conhece o significado dos
constituintes: auto+bio+grafia.
Por arrasto, surgiram as
noções de "significado", "referente", "imagem
acústica", "funções da língua", em particular, a "função
metalinguística"... (Surpresa: ninguém ouvira falar das referidas funções!
Parece que o Roman Jakobsom foi definitivamente enterrado...) O
extraordinário é que acabámos por chegar ao "património material" e
ao "património imaterial"! E na matéria foi possível revelar a
madeira, sem esquecer, afinal, que também podemos preservar a alma.
B - Quanto ao José Luís
Peixoto, o texto autobiográfico deixa-nos marcas de materialidade: o atraso
sistemático e a forma de tratamento "minha senhora", ao referir-se à
professora. Mas o que se evidência é saudade da irmã que o levava à escola, da
irmã entre as mães que atentamente escutavam a professora...
C- Ponto de partida: o
teatro pós-vicentino - o teatro estrangeirado (castelhano, italiano, francês) -
até que Almeida Garrett decidiu educar a nova classe - a burguesia.
Educar = Civilizar. Despertar para valores nacionais. Nos séculos XVII e
XVIII, na perspectiva de Garrett, só Correia Garção e António José da
Silva tinham condições para salvar o teatro nacional, mas o despotismo do
marquês e o povo ignaro liquidaram-nos.
(A vontade de aprender
pode brotar de um desejo ou de uma necessidade, o pior é quando não há nem
desejo nem necessidade.)
23.9.12
No âmbito do PIL, a
leitura de Cortes de Júpiter, de Gil Vicente, justifica-se como
estratégia para compreender o que significa «teatro dentro do teatro» e também
para observar o processo criativo de Almeida Garrett, o romântico que não
prescinde das fontes literárias: Bernardim, Vicente ou Camões.
Além disso, aquela
comédia «que Vicente faz representar em Agosto de 1521, pertence a uma série de
objetos de modelo circunstancial e alegórico em que o teatro celebra, articula,
(de)termina uma festa da corte. Desta vez, de despedidas que podem ser para
nunca mais. O teatro não se faz a contar uma narrativa, mas a descrever uma
sequência de homenagens.» Osório Mateus, Cortes
O ministro da
Administração Interna (MAI), Miguel Macedo, disse hoje em Campia, Vouzela, que
Portugal "não pode continuar um país de muitas cigarras e poucas
formigas", enquanto enaltecia o "esforço do povo" para
ultrapassar a crise. (Sapo)
O senhor ministro parece
ignorar que no outono as cigarras têm poucas hipóteses de vingar e que, por seu
turno, o povo que ele quis elogiar é constituído pelas ditas «formigas». Mas se
as formigas são tão escassas onde é que está esse povo a que ele se refere?
No que me diz respeito,
em matéria de insetos, hoje não escutei nenhuma cigarra e mesmo, em termos
figurados, as que vi eram estrangeiras - do norte da Europa. O que não deve ser
negativo para o turismo! Quanto às formigas, já não posso queixar-me, pois vi
literalmente centenas delas.
Todas ocupadíssimas, no
seu canto, ou melhor, na sua linha, cumprindo o desejo
do senhor Luís Portela: “não sei porque é que as pessoas saem para a rua a
fazer barulho. Acho que a solução que nós temos de procurar é uma solução
construtiva, de cada um, no seu cantinho, dar o seu melhor e procurar
soluções.”
22.9.12
Muda a estação. Há quem o
celebre e faça disso tema só porque o outono acrescenta uma sílaba ao verão.
No meu caso, o outono não
acrescenta nada e o primeiro sinal de perda é me dado pela ausência das rolas.
Bem sei que elas (ou as juvenis) voltarão, mas isso não interrompe o fluir do
(meu) tempo. Será egoísmo da minha parte? Certamente.
De qualquer modo, esta
ideia de perda pouco tem a ver com a mudança da estação, porque neste inefável
país, todos estamos colocados à beira do precipício... e pouco fazemos para
estancar o desperdício quotidiano.
21.9.12
Se a solidez da sociedade
resulta da capacidade de criar relações, a afirmação do indivíduo
revela-se se ele for capaz de criar cultura. A ideia é de Fernando
Pessoa e acabo de a encontrar no capítulo "Os Inadaptados",
redigido pelo Dr. Rui Ramos (História de Portugal, VI volume, direção de
José Matoso).
Criar
cultura corresponde ao que eu sempre pensei que deveria ser a função da
escola. Memorizar e replicar só poderão ser andaimes nesse
processo...
Criar cultura é
acrescentar! Não é imitar!
(...) Quando uma aluna me
perguntou há três dias se, no âmbito do projeto individual de leitura (PIL),
podia selecionar uma obra de Almada Negreiros, ela estava, sem o saber, a
escolher, um autor para quem criar cultura (experimentar tudo de
todas as maneiras) era o que distinguia os criadores dos dantas do seu tempo.
E por isso aconselho a
leitura de Almada Negreiros:
- Os saltimbancos.
- Nome de Guerra
- K4 O Quadrado Azul
- (...)
20.9.12
O caminho situa-se entre
dois pontos mais ou menos distantes. Por vezes, a linha que percorremos tem na
mira o outro, e sobre ele proferimos facilmente juízos agridoces. Habituados à
ideia de que a causa do insucesso é exterior ou até anterior nós, enveredamos
por becos sem saída.
O outro é a nossa muleta,
sem ele ficamos sem desculpa.
Talvez, em consequência,
decidi iniciar um novo caminho... agora SEM REDE. Um caminho que vou percorrer
de dentro para fora...
De regresso ao Canto I de
OS LUSÍADAS...
1. O
lema «...é fraqueza / Desistir-se da cousa começada» liberta-se do Canto I e
torna-se mote para a composição de um conto cuja situação inicial
e acontecimento modificador ficam ao critério do escrevente (tarefa).
2. Desde
a função e significado do título, à noção de retrato, secundado pelos
conceitos de descrição e caracterização, passando
pelo contexto e pelas circunstâncias (espaço e tempo). Há
um discurso possível que tudo integre, limpando a língua de modismos
artificiosos.
3. Se
eliminamos o contexto, podemos libertar alguma energia criadora, mas,
simultaneamente, cortamos a raiz a outras narrativas igualmente legítimas.
Repare-se como na estância 40, a Mercúrio compete ajudar os portugueses a
atingir um objetivo ambíguo:
«Mercúrio, pois excede em
ligeireza / Ao vento leve e à seta bem-talhada, / Lhe vá mostrar a terra, onde
se informe / Da Índia e onde a gente se reforme.» Ora esta ideia deve ter
sido levada muito a sério pelos portugueses de antanho e também mais recentes.
Basta pensar nos efeitos da peçonha na sociedade lisboeta (Sá de
Miranda), sem descurar a interpretação de Pessoa (Opiário), em que descoberta a
Índia, os portugueses ficaram irremediavelmente desempregados e por isso se
refugiavam no ópio.
4. Semanticamente,
a leitura poderá não ser autorizada, mas poeticamente Pessoa não hesitou!
5. Tal
como o narrador de Manuel Alegre que, apesar de tardiamente, acaba por
regressar a Arzila para libertar o Velho do cárcere em que ficara - um cárcere
de armas e de heróis retidos no primeiro verso de Os Lusíadas...
6. Ao
quarto dia, percebo que estou naturalmente a combinar a língua com a literatura
gerando uma mistura explosiva. E por isso só percorremos o retrato do Velho, a
isotopia da passagem do tempo, interrompida por «jeans» desbotados... E,
sobretudo, percebemos que Alegre tem esperança de que possamos sair da situação
inicial, pois o «narrador-personagem» ainda tem algumas qualidades: observação,
curiosidade, escuta, interação... E é tudo isso que constitui o acontecimento -
a resposta, a contrassenha...
7. E
a contrassenha só pode ser dada por nós, os leitores... o que explica a
tarefa.
19.9.12
Por um teatro nacional
De forma mais ordenada,
saímos das igrejas e dos adros para a corte, e progressivamente, os milagres e
mistérios tornaram-se moralidades e farsas. O povo cedeu o lugar ao cortesão, e
o dramaturgo passou a servir o suserano, fosse ele D. Manuel I ou D. João III.
Liberto do Livro Sagrado, o dramaturgo preocupa-se em divertir o público à
custa da arraia-miúda..., embora haja quem insista que o objetivo era criticar,
como se Marx espreitasse nos bastidores.
Para os românticos, Gil
Vicente funda o teatro nacional e, ao mesmo tempo, vence o teatro estrangeiro,
de cepa grega, condenando Sá de Miranda e António Ferreira ao insucesso, apesar
do último ter apostado num tema bem nacional: os amores de Pedro e de Inês.
O tema bebido em Fernão
Lopes, Garcia de Resende e outros acaba por alimentar um mito que Camões não
ignora n´Os Lusíadas e que a posteridade valorizou de modo continuado. Mas o
molde era estrangeiro: grego... e a corte, em parte, ignorante, preferia o riso.
E por isso, chegada a
Inquisição, foi declarada morte ao RISO... uma morte que se estende, pelo
menos, por três séculos. E como Garrett bem refere, António José da Silva foi
queimado, porque convidava o povo a rir da corte...
Entretanto, para além do
Tribunal do Santo Ofício, D. Sebastião atirou-nos para os braços do tio de
Espanha... Aos poucos, o teatro foi castelhano, italiano, francês.
Representavam-se traduções, importavam-se companhias e atores... até que
Napoleão nos despertou a vontade de ressuscitar a nação, abrindo o palco a
Almeida Garrett, o mais nacionalista de todos os portugueses que algum dia
apostaram na refundação da nação. E ele tudo fez para nos civilizar,
apesar de estar consciente de que: «o teatro é um grande meio de
civilização, mas não prospera onde a não há.»
(Entretanto, o Charlie
Hebdo com as suas caricaturas atravessa-se na mente e dá-me vontade de discutir
o MEDO que o Riso continua a suscitar em certas civilizações... e volto às
igrejas, às sinagogas e às mesquitas. E a campainha muda volta a interromper-me
e fico a pensar que a campainha é a expressão de uma liturgia que está muito
para além de mim.)
18.9.12
«Em 1520, D. Manuel I
criou a feitoria de Arzila.»
Mas, afinal, o que seria
uma feitoria? Qual a sua importância à época? E hoje, em tempo de crise, será
que ainda apostamos nas feitorias? - Silêncio total!
A necessidade de criação
de feitorias, associadas a praças-fortes, resultava da consciência de que o
território continental era incapaz de alimentar a população. Da conquista de
Ceuta (1415) ao retorno de África (1974/75) completou-se um ciclo.
Um ciclo que pouco
interessaria a D. Afonso V, pois o mediterrâneo mais não era que um arroio
fácil de atravessar. No entanto, as sereias oceânicas para o abysmus
convidavam... E Arzila estava tão perto! Era só colocar lá uma feitoria, pensou
D. Manuel I! E assim fez, provando a sua sagacidade.
No dia dois, o discurso
torna-se devaneio!
Voltando às palavras, aos
dias, aos artistas e às obras, vou pensando se valerá a pena explicar que
Almeida Garrett, ao querer civilizar o país, entendeu que o melhor
caminho seria trazer para o palco Gil Vicente, o fundador do teatro português.
E assim o fez, ao escrever e fazer representar UM AUTO DE GIL VICENTE!
E agora como é que
re(construo) a ponte? Mas quem é que está interessado em pontes, com
cronologia, estruturas, modelos e temas à mistura?
Se começo pela revisão, o
Gil Vicente ter-se-á perdido definitivamente. Ninguém sabe que obra leu no ano
anterior! O Monólogo do Vaqueiro? O Auto da Barca do Inferno? A Farsa Inês
Pereira?
Seria a história daquela
jovem que só queria ser feliz, que só queria o prazer? E que, todavia,
descobriu; à sua custa, que nem sempre a felicidade se consegue, fechando os
ouvidos, e seguindo pelo caminho mais imediato! Uma jovem, a quem nem mistérios
nem milagres bíblicos despertavam qualquer emoção, ao contrário do ermitão ou
do goliardo!
Um autor medieval,
cultivador da medida velha, mas capaz de pôr a vida em palco, esse Gil Vicente
que tanto entusiasmou Garrett!
(E a campainha que nem
toca e o professor que parece rezar uma ladainha... Finalmente, podemos sair!)
17.9.12
A leitura do dia: Um
Velho em Arzila, de Manuel Alegre, edições expresso, 2003
- Ponto de partida para o universo da
intertextualidade. De Camões a Manuel Alegre.
- A História de Arzila
- Tapeçarias de Pastrana
A estrutura do conto
Leituras imediatas:
Um Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett
Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco
Outras leituras:
Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, de Antero de Quental
Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins
Só, de António Nobre
Finis Patriae, de Guerra Junqueiro
ESCREVER
... um conto
... uma carta de Mariana a Simão
16.9.12
Nas redes sociais, os
amigos são às centenas e, por vezes, aos milhares. A vida privada torna-se
pública! Um simples slogan pode trazer à rua centenas de milhares de pessoas,
gritando as mesmas palavras de ordem, expondo as mesmas emoções e, sobretudo,
pode descentralizar os protestos e ao mesmo tempo sobrepô-los numa imagem de
dimensões oceânicas.
Ondas de rejeição, por
enquanto, inorgânicas e tranquilas, jorram a cada segundo desses amigos,
infelizmente, virtuais.
Bom seria que as redes
sociais pudessem ajudar a encontrar emprego, a aumentar as competências de cada
"amigo", porque a alternativa está à vista: a onda inorgânica acabará
por ser aproveitada para gerar um movimento de morte, cujos sobreviventes mais
não farão que distribuir entre si o saque.
E esses voltarão a ser
felizes por algum tempo...
15.9.12
Enquanto o povo,
indignado, se manifesta nas principais cidades do país, mais de 35 grão-mestres
das maçonarias regulares de vários países estão em Portugal.
O primeiro revela o seu
objetivo, os segundos escondem-no. O primeiro luta contra a precariedade, os
segundos vivem da precariedade do primeiro.
À TROIKA, o povo pouco
importa! A TROIKA defende os interesses dos credores. E a TROIKA não se
encontra no 57, Avenida da República, Lisboa
A esta hora, a nossa
atenção centra-se no movimento dos indignados, mas quem nos governa são, entre
outras sociedades mais ou menos secretas, os 35 grão-mestres das maçonarias
regulares..., por muito que a maçonaria insista que se rege pelo valor da fraternidade.
Há séculos que escolhemos
o alvo errado. Porquê?
E o caminho começa por
aprender a viver sem necessitar de credores. E continua por julgar quem não nos
revela a verdadeira origem e extensão da dívida. E termina pela assunção dos
erros.
E por muito que nos custe
os responsáveis são muito mais do que aqueles que vamos apontando a dedo.
11.9.12
Entre o palácio e os
pastéis de Belém mora o azul. Olho à direita, ao centro e à esquerda, e noto
uma pequena nuance (matiz). Ao analisar a diferença, percebo que o azul mais
apelativo ocupa o lugar principal. O azul da direita e da esquerda reconhece
a centralidade, parecendo prestar vassalagem à presença estrangeira.
Se quiser ser rigoroso,
ainda devo registar que o azul também se mostra na varanda superior, mas sem a
mesma força que o do rés-de-chão.
E tudo sobre um fundo cor-de-rosa,
em que talvez seja possível circular internamente entre a CGD, o Deustche Bank
e a CGD.
No fundo, esta digressão
não interessa a ninguém, apesar de todo este azul poder significar que a
vassalagem se expressa por insignificantes matizes.
Quanto ao inquilino do
palácio, não sei se ele aprecia o azul, e até posso supor que o azul mais
carregado ali foi colocado para lhe lembrar a nulidade do seu poder.
Confesso, no entanto,
que, hoje, escrevo sobre o azul para evitar falar dos dois temas que se me
foram impondo ao longo do dia: a) os inadaptados, os degenerados, os
hipersensíveis (Nobre, Pessanha, Espanca, Mário Sá-Carneiro, Pessoa); as
medidas da TROIKA liturgicamente apresentadas pelo sátrapa Gaspar.
8.9.12
No olho, surge o fruto. A
flor já desapareceu e, em termos de futuro, nada parece acontecer. Fica apenas
o efeito raramente apreciado por quem por perto passa.
Ontem, sob a anestesia do
futebol, o primeiro-ministro anunciou ao país que continua a dizer a verdade e
que preza a transparência mesmo que o fruto das suas palavras traga o desespero
e a morte. Há pelo menos uma agência que ele poderia criar: a agência
da morte.
Essa agência deveria
publicar semanalmente um boletim que nos dissesse quantos portugueses morreram
na semana anterior e quais as causas desse esperado (inesperado)
desaparecimento. Esta agência teria a virtude de gerar algum emprego e, de
imediato, abrir concurso para substituir os falecidos. Asseguro que ela criaria
mais emprego que a redução da taxa social única às empresas.
Entretanto, gostei de
ouvir o senhor primeiro-ministro afirmar que as medidas tomadas resultaram de
um acordo, embora não tenha dito com quem. Um jovem turco da coligação terá
dado a entender que o acordo fora alcançado entre os parceiros do governo, mas
eu suspeito que não houve acordo nenhum. As medidas terão sido impostas pela
TROIKA! Sem elas, a palmeira secava!
Para quem já viu um
coelho ser enfeitiçado por uma cobra num terreno relvado ou árido, as palavras
do senhor primeiro-ministro não me surpreendem. O que me surpreende é que tanta
gente inteligente lhe dê ouvidos e o absolva, sobretudo quando insistem em que
todo mal foi feito até abril de 2011.
6.9.12
Os
efeitos das aplicações informáticas
Ontem, alguém que
diariamente se confronta com os efeitos das novas aplicações informáticas, dos
novos códigos, das novas decisões, perguntava-me se ninguém protesta, se
ninguém se opõe... e prometia-me escrever um livro a denunciar como vamos sendo
despojados dos direitos mais elementares.
Passadas algumas horas,
dei comigo a pensar que Aquilino Ribeiro mostra na sua obra como os povos das
serras e do interior iam perdendo o direito à partilha de
baldios, logradouros e até dos adros das igrejas. Aqueles povos foram
perdendo o espírito comunitário e, com o tempo, foram atirados para o
isolamento. Hoje, as escolas, as capelas, as fontes, tudo fecha e as crianças
são enviadas para longe, tal como os pais são convidados a partir para o
estrangeiro...
Para os que insistem em
ficar, o futuro passou a estar à distância de um clic de validação. Se o
cidadão falhar fica fora do concurso sem apelo nem agravo. Se quiser reclamar,
os burocratas encarregam-se de informaticamente tornar o processo tão complexo
que mais vale desistir... Por outro lado, as leis mudam ao ritmo dos cata-ventos e
ainda por cima geram códigos obscuros que são aplicados discricionariamente,
atrasando a decisão, de modo que uns arguidos apodreçam nas cadeias e outrem
usufruam de eterna liberdade.
Num tempo em que o pastel
de nata vendido no bar de uma escola passou a ser vigiado (ai dele se
ultrapassa os 80 (?) gramas!) outros fazem e desfazem sem prestar contas a
ninguém, pondo em causa a saúde, a segurança e a paz de espírito de quem se
habituou a cumprir e, sobretudo, a servir a comunidade...
Não sei se fale, se cale!
4.9.12
Apesar de tudo, ainda há
sinais de futuro. Basta estar atento e apostar na vida!
Vivemos numa sociedade
que multiplica os sinais de morte, que convida à desistência ou, pelo menos, à
indiferença. E esse decadentismo é tão forte que aprendemos (e ensinamos) a
elogiar aqueles que antecipam «o fim», sem perceber que esta categoria da realidade
não é absoluta.
2.9.12
S. Paulo : « Nous voyons toutes choses dans un miroir. »
Tudo me surpreende desde
o autorretrato de Léon Bloy (1846-1917) até ao título da obra panfletária “Belluaires
et Porchers”, para cuja tradução proponho “Gladiadores e Porqueiros” o que
talvez possa cativar algum leitor mais faminto…
Traduzir esta obra é uma
aventura condenada ao fracasso tal é a violência da palavra escolhida, da
imaginação verbal do autor, capaz de conciliar o inconciliável num universo em
que dominava o antissemitismo, o dinheiro, o colonialismo... o espírito burguês
hipócrita e acomodado.
À medida que leio Belluaires…
pressinto que por detrás se encontra um homem zangado, e por isso volto ao
início dos capítulos à espera de que cada palavra ilumine o motivo, esclareça a
traição.
Atravesso as páginas,
recuo e avanço, penso em desistir, até que percebo que para Léon Bloy o anúncio
da morte de Deus era um anátema e que, visceralmente católico, condena todos
aqueles que se arvoram como pilares da igreja… uma igreja que ignora o Paul
Verlaine, autor de SAGESSE (1881) … o único POETA CRISTÃO.
O olhar fixo num espelho
feito de símbolos, L. Bloy manipula a língua como se a palavra fosse o único
caminho para a conversão, de comunhão… e por isso tantos se deixaram persuadir:
Alfred Jarry, Louis Ferdinand Céline, George Bernanos, Marc- Edouard Nabe…
No que me diz respeito,
continuo surpreendido pelo olhar daquele que, medíocre aluno, medíocre
empregado, desejou um dia ser pintor, tendo alternado entre o misticismo e a
revolta, mergulhado na pobreza extrema, por vezes classificado como anarquista
de direita, mas que, no essencial, recusava o fenecer das almas.
E essa não deixa de ser
uma questão central!
1.9.12
Depois dos banhos, o
regresso à terra. A TROIKA voltou para cobrar o que nos emprestou,
independentemente do empobrecimento geral ou, mesmo, da fome.
A escola perde
professores e irá perder alunos. A saúde tem menos utentes e o país ficará cada
vez mais doente.
Tudo envelhece fora de
tempo, exceto a Serra do Barroso que, descabelada, espera que a chuva regresse…
Eu espero pelo Dilúvio!
29.8.12
Esta picota (pelourinho)
de Montalegre surge aqui para lembrar que há tradições que valeria a pena
repor. Se voltássemos a expor à vergonha pública todos aqueles que diariamente
nos roubam, nos agridem, nos atraiçoam e nos aviltam não estaríamos, agora, sob
a canga dos credores predadores.
Em nome do bom senso,
tornámos a picota inútil, deixámo-la ao abandono nas praças, sem perceber que
caíamos nas mãos dos falsos liberais que nos desgovernam.
E a propósito, quanto é
que estamos a pagar por todos os pavilhões multiusos que foram sendo construídos
nos últimos 25 anos?
26.8.12
Penedones (Chã
– Montalegre). Pena de Donas (1258). Trata-se de um agregado
que pertenceu a donas (freiras). Um agregado em que a pedra arrancada à serra
continua a dominar a paisagem, em frente da albufeira do Rabagão.
No centro do lugar, não
falta o templo de deus, no caso, talvez fosse mais adequado designá-lo como
templo das donas que, de verdade, não vi em lado nenhum, tal como não
vislumbrei os bois do Barroso, a não ser nas placas toponímicas… dos últimos,
claro está! E como aparentemente nada acontece, vale a pena fixar os
acontecimentos do dia: uma águia e um casamento, mesmo sem registo de ambos,
tal como já acontecera com as donas…
Enfim, com tudo isto não
quero rivalizar com A Barra do meu amigo António Souto. Mas
como diz um meu outro amigo, é tudo uma questão de água: há quem prefira a
salgada, eu prefiro a doce…
25.8.12
Depois da chuva…
Depois da chuva o lugar
revela-se fantástico. Para quem procure o isolamento, não há melhor! A internet
liga-nos por segundos descontinuados ao mundo. A rádio vende-nos os produtos
locais, a começar pelo encontro anual de Vilar de Perdizes. Começa na próxima
5ªfeira. Quanto a jornais nem cheirá-los e a única televisão que enxergo está
sempre desligada. Sós dois amáveis cães, de que desconheço a raça, me impediram
de seguir caminho. Bem hajam!
Um lugarejo que não chega
a sê-lo ou melhor que não está à altura da paisagem natural. Em Agosto, uma
paisagem humana, constituída por emigrantes de segunda e terceira geração,
assalta as margens rodoviárias e fluviais, deixando um rasto de combustíveis fósseis
e de degeneração linguística. As famílias, em automóveis de elevada cilindrada,
exibem-se, convencidas de que Vilar da Veiga em nada fica atrás das estâncias
turísticas alpinas…
E talvez tenham alguma
razão! No entanto, o estado e os empreendedores nacionais continuam a procurar
o «eldorado» bem longe, desprezando o que a natureza nos vai oferecendo.
Na minha memória,
entretanto, vai permanecer uma paragem de autocarro colocada diante de uma
passadeira que deve ter equivocado o motorista, pois apesar de por ali passar
três minutos antes da hora prevista, deixou três passageiros «pendurados» à
espera do autocarro seguinte… Claro que uma hora mais tarde percebi que o
senhor motorista estava em fim de turno e quanto mais cedo estacionasse o
veículo à porta de casa, melhor!
Diga-se, de passagem, que
nunca percebi por que motivo, seja no Gerês seja em qualquer outra localidade,
os motoristas de transportes públicos podem estacionar os autocarros à porta de
casa…
22.8.12
De
Aguada de Baixo a Viana do Castelo
Tudo indicava que o sol
entrara em greve! De Aguada de Baixo a Viana do Castelo, só os portais eletrónicos
brilhavam: o automobilista nem tinha tempo para somar as vezes que lhe cobravam
a passagem. Uma mina! E ainda se queixam que têm prejuízo!
Viana labiríntica
mostrou-me a pedra escura da praia da Areosa, a pretexto de uma bica breve na
esplanada que, afinal, serviria para conhecer meia dúzia de entusiastas da arte
cinematográfica, em rodagem sobre o desaproveitamento de uma geração. Sem meios,
confessam-se independentes! Fiquei a pensar no dia em que Antero exigira a
António Feliciano Castilho que o deixasse ser independente, ser livre. Mas não
deve ser a mesma coisa…
O Márcio Laranjeira era
um desses entusiastas! Pareceu-me um desses seres cosmopolitas que se enganara
no lugar e que insiste em andar por cá, qual outro Laranjeira ironicamente
desesperado! E a Mariana, que em nada se assemelha à Mariana de Camilo, mais
fina e, sobretudo, pareceu-me mais silenciosa, embora comedida…
O quadro deu-me que
pensar, como se vê, sobre a facilidade com que se fala em terras de Viana: do
iodo, do Bom Jesus, das touradas só para encornar os vianenses, da pronúncia do
norte… e eu a pensar que por uma razão que me escapa nunca consigo que o meu
velho GPS consiga registar a vila do Gerês. A pensar nas consequências, com o
gasóleo sempre a aumentar e o ordenado a diminuir. Sem subsídio de férias nem
subsídio de refeição, lá acabei por zarpar para Terras do Bouro. Claro que o
GPS só atrapalhou, o rio Caldo continua lotado como se todos tivessem subsídio
de férias e subsídio de refeição, e o Vidoeiro também a abarrotar por motivos
bem diferentes…
E a noite chegou, já com
mossa, para aprender a ficar em casa!
20.8.12
Para chegar é preciso ter
alguma paciência, mas vale a pena! Recomenda-se a quem procure repouso longe do
bulício da cidade e da praia. Quanto a alimentação, se não gostar de procurar
ou chegar ao domingo ou em dia feriado, avie-se pelo caminho.
Entretanto, os caminhos
trilhados vão-nos explicando para onde foram os euros que, agora, tanta falta
nos fazem: para além das estradas e das rotundas, os portugueses pelam-se por
quartéis de bombeiros, centros de saúde, bibliotecas, pavilhões desportivos.
Os equipamentos
multiplicam-se apesar da carência de utilizadores.
A «desmedida» é
seguramente a palavra que melhor nos define. Que Nossa Senhora da Memória nos
ajude!
15.8.12
Chegou a hora de reinventar o passado. Não o que foi, mas o que resta…
Para chegar à casa, M.
tinha de passar pela palmeira. Daquela palmeira avistava-se sobre o lado
direito uma casa térrea. Donde é que aquela palmeira teria saído, se não se
vislumbrava nenhum palmar entre vinhas, olivais e figueirais? Saía de casa e
logo os olhos se fixavam naquela inesperada presença. Aquela fixação, ao
contrário do que seria de esperar, não fazia sonhar. Era uma presença muda que
ajudava a delimitar o caminho de pedra maltratada e que, quando as chuvas
desabavam, assistia à transformação da rua em rio de lama. Para além da pedra e
da lama, erguia-se, majestosa, a palmeira. Ainda, hoje, por lá continua…
Aquele pedaço de caminho
que separava a casa da palmeira foi durante dez anos a aldeia de M.
Para lá da palmeira, a
rua estava assombrada: havia cabras noturnas que devoravam os parcos canteiros
de flores, havia cães que ganiam sem parar e, sobretudo, havia a violência das
palavras grosseiras que fendiam os tímpanos de M. Essas palavras ainda hoje
ecoam na mente de M. Talvez se possa admitir que ainda o assombram.
De facto, não são só as
palavras que ecoam… há também gritos. E em particular, tosses ininterruptas que
atravessam o tempo e se repetem…
14.8.12
I - Em discurso
relatado, Chez Barbey d’Aurevilly, 1882: Paul Bourget: Enfim,
Bloy, o Senhor detesta-me, não é verdade? Léon Bloy: Não, meu amigo, eu
desprezo-o.
Léon Bloy, que não morria
de amores por Paul Bourget, não hesita em tratá-lo por «O Eunuco», talvez
porque este ousara publicar, num jornal, «la mucilagineuse préface de
son prochain livre». E ao escolher o adjetivo “mucilaginoso” para definir
o prefácio, Léon Bloy retrata Bourget como um homem viscoso que
facilmente passa do estado sólido ao líquido – a mucilagem é rígida quando seca
e pegajosa quando húmida!
II – Maria Lúcia Lepecki,
por seu lado, ao reler, em 17 de maio de 1987, «Casa Grande de Romarigães»
de Aquilino Ribeiro, e procurando os princípios éticos e estéticos em que
assentava a escrita de Aquilino, convida-nos a pensar que o prefácio deste
romance, cujos capítulos se distinguem uns dos outros por números,
corresponderá ao ZERO – o ponto de partida, o PROGRAMA…
É essa ideia que Lepecki
explora na sua leitura do prefácio, deixando-se envolver na teia doutrinária do
Autor. E por isso, Ela termina o seu texto de crítica literária ZERO À DIREITA
do seguinte modo:
«Uma alegoria também
ela dúplice, ao mesmo tempo iconoclasta e iconográfica. Nela se estaria dizendo
o País, «personificado» no espaço de uma casa e nos tempos de uma família.»
III Coincidência ou
talvez não! O romance Casa Grande de Romarigães foi publicado
em 1957 e quem nos governava era o mucilaginoso Salazar… E o
PROGRAMA não deixaria de querer acertar contas com o ditador. Um romance a
reler num tempo em que a viscosidade se nos agarra à pele.
IV – E a propósito de
prefácios, gostaria de destacar três nomes que, por motivos diversos, sempre
lhes deram (dão) grande atenção: Almeida Garrett, Osório Mateus, Carlos Reis.
12.8.12
Não sei quem teve a
ideia, mas a instalação parece nascer do chão e enquadra-se bem no Jardim de
Santo Amaro (Oeiras). E até o elétrico, ao fundo, parece esperar por nós para
uma derradeira viagem.
O espaço, à medida que
avançamos, contrai-se, apesar das janelas que se multiplicam, como se uma
miríade de olhos dececionados se fixasse em nós.
Em alternativa, talvez
possamos balouçar-nos uma última vez!
E também não sei porque é
que quando escrevo, recorro à primeira pessoa do plural - “à medida que
avançamos” - porque nada acontece no plural. É pura ilusão mercantilista! É
pura ilusão comunicacional de quem procura a complacência da miríade de olhos
sem rosto que me acompanha desde que a luz me despertou…
11.8.12
Nem na Caverna de Platão
se poderia viver descansado. Mesmo que os prisioneiros se mantivessem
voluntariamente agrilhoados à sua miserável realidade, eles não escapariam ao
olhar escarninho…
Aí estão os muros para
nos lembrarem quão risíveis somos!
10.8.12
«Que me importa /o
perfume das rosas /os lirismos da vida /se meus irmãos têm fome?» Agostinho
Neto, A Renúncia Impossível
Ao longo dos anos, fui
construindo enunciados cujo fim era sintetizar conhecimento e contribuir para a
formação de uma sociedade mais justa e mais livre. Entretanto, cético, fui
assistindo ao crescimento da liberdade que foi pondo termo aos vários muros
instalados um pouco por todos os continentes. E essa desconfiança tinha razão
de ser pois, nas últimas décadas, essa liberdade em vez de trazer mais justiça
trouxe mais desigualdade.
Cito Agostinho Neto
porque também ele sentiu a confusão bíblica que se instalara entre os homens. E
por caso, hoje, vi parte de um filme sobre François Mitterrand “Um Passeio
pela História”, e dei comigo a pensar que aquele homem, que governou a
França entre 1981 e 1995, tinha percebido completamente os perigos que a Europa
corria, pois, em vez dos princípios, o mundo passara a ser dirigido pelo
capital.
8.8.12
Dos
que furtam com unhas invisíveis
Tela praevisa minus nocent.
A lição é de Jerónimo e vem citada na ARTE de FURTAR.
No essencial, significa
que temos de aprender a ver o mal antes que ele nos prejudique. O
caso é que a TMN insiste em cobrar todos os dias 1,07 euros,
mesmo depois de ter procedido à alteração da relação contratual e de ter
assegurado ao cliente que, num prazo de 24 horas, lhe iria desligar o acesso à
internet.
O objetivo do cliente era
reduzir custos, mas a TMN, com unhas invisíveis, insiste em aumentar-lhos.
Quantos cidadãos são
diariamente presa destas unhas invisíveis?
24.03.2013
A Arte de Furtar é
das poucas obras que não corre o risco de ficar obsoleta. Ainda na última
semana, a União Europeia e o FMI institucionalizaram a rapina
eletrónica. Vai-se à conta bancária do cliente e subtraem-se 20%!
Dizem que acima de 100 mil euros..., em Chipre. No futuro, tudo é possível!
6.8.12
«Não sãos os coveiros
que nos matam. Simplesmente estão lá quando morremos.» Mafalda Ivo
Cruz, Mil Folhas, 26 de Janeiro de 2001, PÚBLICO
O registo fotográfico não
deixa de impressionar pelo fulgor do volume e da cor da pedra. Porém, passado o
deslumbramento, fica por perceber por que motivo, ao longo dos séculos, se
insistiu no transporte da pedra para um lugar onde a areia cedo começou a
escassear. A exuberância dos edifícios esconde a pequenez do homem comum e a
vaidade dos governantes.
E passando do coletivo ao
individual, nada difere: o egoísmo (ou a cegueira?) de uns leva-nos, de súbita
morte, à cova. Passada a surpresa, só o coveiro se empenha momentaneamente em
esconder-nos dos vivos…
5.8.12
«O etnólogo em
exercício é o que se encontra em qualquer parte e que descreve o que observa ou
o que ouve nesse mesmo momento.» Marc Augé, Não-Lugares
O fotógrafo é, assim, um
etnólogo involuntário. Captura, num momento, linhas de tempo distintas, formas
circulares, verticais e horizontais. Captura o grupo e a individualidade, a luz
e a sombra…
… e deixa o Infante a
enxergar o lado errado da missão, ao contrário do ciclista que segue confiante,
mesmo que, amanhã, caia no desemprego.
Mas esse detalhe pouco
importa ao etnólogo!
3.8.12
Não aprendo / esqueço. Sombra de mim próprio / rasgo o passado. // Ao mudar a
cor /o pavão imagina-se loureiro. /
1.8.12
Cada vez que morre um
comunicador, há logo quem afiance que a sua voz ficará para sempre.
Não valeria a pena exemplificar se, de facto, isso fosse verdade. Por exemplo,
quantos reconhecem hoje a voz de Vitorino Nemésio?
Embora existam registos
audiovisuais dessa voz, ninguém sente necessidade de os divulgar. Porquê?
Provavelmente pela natureza da mensagem! Do fascínio de outrora pouco resta,
talvez porque a eloquência nos impeça de ver a obra.
Todavia, de Cristo ou de
Maomé nem rosto nem voz, mas isso não impede que a mensagem continue a
incendiar a terra.
Só um narcisista se
atreve a enunciar a elocução “Para sempre!”
30.7.12
“Quando a sociedade se
corrompe / corrompe-se primeiro a linguagem.” Ruy Belo
De acordo com Antoine
Compagnon, a cultura literária entrou em declínio, embora não se saiba se se
trata de um fenómeno irreversível. A Literatura (As Belas Letras), na
perspetiva de Eduardo Prado Coelho (2000), teve o seu apogeu associado ao
reforço da ideia de consciência nacional e, consequentemente, à valorização da
língua materna.
Algumas das ideias,
fundamentadas nas teorias de Derrida e de José Afonso Furtado, são de plena
atualidade, nomeadamente, quando EPC afirma: «a média dos alunos é cada vez
mais fraca, mas os bons alunos são alunos excecionais – aqueles são perigo,
estes a oportunidade.»
Hoje, a globalização, ao
diluir as fronteiras, dilui as literaturas e a língua em que a consciência
nacional se inscrevia e, por outro lado, a imagem substitui o texto literário,
procurando o prazer instantâneo do reconhecimento, mesmo que virtual.
28.7.12
“O que não se pode é
tocar o sino e ao mesmo tempo ir na procissão.” Camilo José Cela |
Apesar de ter adormecido
acomodado à ideia, ao acordar, apercebi-me que há quem tenha o dom da
desmultiplicação – o fazedor.
Eu que, outrora, tive o
ofício de sineiro, sentia-me aliviado por não ter de marchar alinhado e
aprumado e, ao mesmo tempo, sentia-me excluído do rebanho.
Faltava-me essa
qualidade, hoje, muito abundante, que é a de fazedor!
25.7.12
Na minha infância e
adolescência, se me quisesse “lixar”, “lixar” alguém ou “mandar lixar” quem
quer que fosse recebia como estímulo um par de bofetadas, sem aviso.
Quando comecei a ler os
escritores neorrealistas, percebi que era vítima de uma conceção do exercício
de autoridade excessiva. Aqueles simpáticos autores, à força de quererem
valorizar a cultura popular, criaram personagens que não iam muito para além do
calão, apesar de, na mente iluminada dos artistas urbanos, estarem prontos a
sacrificarem as suas vidas em nome da liberdade…
O mais difícil foi
explicar a certos alunos que o calão podia ser uma forma de vida tão razoável
como aquela que decorria da leitura de um sermão do Padre António Vieira.
Retraído, lá fui insistindo até que percebi que o pregador ficara
irremediavelmente para trás. A quem interessava a doutrina? A quem interessava
a eloquência? A quem interessava a criatividade que a língua poderia
desencadear?
Nos bancos das salas de
aula, começaram a sentar-se jovens que já não necessitavam de ler os
neorrealistas para aprenderem o que era expressão de vulgaridade ou, em
alternativa, de cultura popular; muitos já não necessitavam de ler ou, se o
faziam, procuravam aquelas obras que semanalmente ocupavam os escaparates das
livrarias e não ofereciam qualquer resistência à leitura – as que os espelhavam
por inteiro ou lhes abriam a porta do facilitismo.
E são esses jovens, agora
ministros, que me deixam zonzo. Eles dizem, sem ter lido os neorrealistas, que se»
estão lixando» e ninguém lhes dá um par de estalos! E ainda são aplaudidos,
porque falam a língua do povo. Mas qual?
23.7.12
Os alunos das escolas
(239 ESCOLAS PRIMÁRIAS) que encerram serão transferidos para centros escolares
ou outros estabelecimentos "com infraestruturas e recursos que permitem
melhores condições para o seu sucesso escolar", considera o Ministério da
Educação. (Renascença)
Em nome do sucesso
escolar, os Governos transferem os alunos. A ideia parece razoável, mas porque
é que não se aproveita para transferir, também, as famílias?
Não será melhor fechar as
igrejas, os cemitérios, os correios, os postos de saúde? Não será melhor
acabar com o queijo da serra, acabar com o alvarinho, acabar com o porco preto,
acabar com a alfarroba e a laranja, arrasar os sobreiros e extinguir as
colmeias?
Sobra, no entanto, uma
questão: - Como é que este sucesso escolar tem desembocado
no insucesso na vida?
E no caso das crianças (e
famílias e autarcas) não aceitarem a transferência, tal como os indígenas se
viam obrigados a aceitar o Deus dos cristãos, então há sempre o recurso aos
incêndios …
… arde o país até porque
o clima é amigo!
PS. No meu
entendimento, não há sucesso escolar ou outro se não houver enraizamento.
22.7.12
As gaivotas são de ontem!
Não sei o que é que as movia, mas a agitação era muita. Provavelmente, não
sabem agir de outro modo…
O que me preocupa são os abutres.
Esses sabem escolher o momento para atacar a presa. Não fosse a maldita
vaidade, o golpe seria certeiro!
21.7.12
Eram homens afáveis que
passavam a mão pelos cabelos das crianças, mas que deixavam cair os irmãos, os
amigos e os servidores. Faziam-no com elegância, um olhar benévolo…, mas,
chegada a hora, tornavam-se invisíveis.
Estes homens melífluos
que passavam a viver na sombra, rodeados de fâmulos que agiam por conta
própria, eternizavam-se nas cátedras, nos cargos… e acabavam sempre por ser
condecorados pelos serviços prestados à Pátria.
E a Pátria vai os
acolhendo no seu regaço e passa-lhes as mãos pela cabeça e esquece-os…
20.7.12
I - Os incêndios deixam
os pobres mais pobres. Raramente, se ouve falar de um rico vítima de incêndio!
Os incêndios deixam o
país mais desolador. E não se percebe porquê!
A senhora ministra da
agricultura, das florestas… bem podia criar um projeto de limpeza do
território. E digo limpeza, porque o território está sujo e floresce sem
qualquer controlo. E são esta sujidade e este desleixo os responsáveis pela
repetição dos incêndios, novo pasto das televisões e consequente manipulação
dos telespectadores.
A senhora ministra dos
matagais deveria pugnar pelo asseio. Bastava que contratasse 10% dos
desempregados para proceder à limpeza dos caminhos, à poda das árvores e à
desmatação…
II – A morte de José
Hermano Saraiva traz-me de volta o irmão, o António José Saraiva.
Ambos cavalgaram a
História, mas fizeram-no de modo bem distinto. O rasto que deixaram mostra uma
forma bem diversa de encarar a política, a literatura e a comunicação… e por
isso este ruído na morte
… um ruído de tambores
que anula o canto triste da avezinha…
19.7.12
I - Nada melhor que a leitura
de uma instrução de exame, por exemplo, de Literatura Portuguesa, para se
compreender a alma do avaliador (GAVE) e o futuro que nos espera:
Tendo presente a leitura
que fez de textos de um dos poetas indicados no módulo do programa intitulado
«Romantismo, Realismo e Simbolismo» – Almeida Garrett, Antero de Quental,
Cesário Verde, António Nobre ou Camilo Pessanha –, refira os dois
aspetos a que atribui maior importância na obra do poeta por si selecionado.
Redija um texto bem estruturado, de cem a duzentas palavras. (2012, Prova 734,
2ª fase)
Como se vê, é simples:
durante um ano, memorizam-se três ou quatro respostas, de cem a
duzentas palavras, e já está! E também nunca percebi se um texto com 100
palavras é equivalente a um de duzentas, quando se disserta ou argumenta… E
todos os anos é isto!
A Literatura vê-se,
assim, reduzida a opinião, quando não a «achismo» imbecil!
Pobre Literatura! Pobre
País!
II -
O ministro da Educação, Nuno Crato, não promove a prospetiva no
seu gabinete. Parece não ter nenhum assessor capaz de prever situações que
poderão resultar dos seus atos. Situações felizes e infelizes!
Preocupado com a
transparência da sua ação, reduz o número de horas de aprendizagem, aumenta o
número de alunos por turma, aumenta a carga horária dos professores e
surpreendido com o efeito dessas decisões, confessa que nunca pensara que
poderia criar milhares de horários-zero e, sobretudo, que isso poderá
empobrecer ainda mais o estado da educação.
Claro que Nuno Crato sabe
muito bem o que é a prospetiva, ele que tanto ama a arte de calcular!
17.7.12
Hoje é um daqueles dias
em que acordo antes da hora prevista e não sei se coloque a máscara da caruma se
do vagabundo. Um dia em que vou precisar de máscara…
O despertar temporão
traz-me de chofre uma experiência de véspera: a autoridade tributária e
aduaneira, para efeitos de cobrança, impõe 350 € como mínimo de venda de uma
propriedade mesmo que o valor seja apenas de 1 €.
O despertar temporão
também me traz uma preocupação: como é que vou reagir à valorização das obras
de fachada que me vão querer vender ao longo do dia?
Talvez tivesse sido
melhor não ter acordado!
De qualquer modo, caruma ou vagabundo sempre
é melhor que “a apagada e vil tristeza” em que soçobramos!
13.7.12
Quando com uma mão nos
dão autonomia e com a outra nos condicionam a decisão, apetece mandar tudo às
urtigas e partir para uma longa viagem de vagabundo, a pé e / ou à boleia,
mesmo que não seja ao serviço de Portugal.
Um vagabundo do tipo
daquele que Camilo José Cela consagra na obra “Vagabundo ao serviço de
Espanha”.
O vagabundo de Camilo
José Cela, visto ter palmilhado meia Espanha, lido demoradamente as histórias
dos lugarejos que ia atravessando, partilhado fraternamente os palheiros que
lhe cediam para repousar das canseiras ou curtir os excessos raros e
inesperados do prazer da gula ou do sexo, debatido com cónegos, alcaides,
feirantes e prostitutas…, a esta hora já deveria ter acumulado uns milhares de
unidades de crédito e ser magnífico reitor de uma qualquer vetusta universidade
aristotélica…
De facto, o conhecimento
do vagabundo de Camilo José Cela é infinitamente superior ao saber do
excelentíssimo ministro Miguel Relvas até porque aquele viajante age segundo um
princípio fundamental: – não se atravessar no caminho de ninguém!
E o que me impressiona no
vagabundo é que este pícaro, à força de palmilhar a Ibéria, sabe que, em cada
aldeola, vila ou cidade, o relvas não é a exceção.
9.7.12
A
mão cega dos classificadores
Hoje é o dia em que
muitos jovens sentiram que uma mão pesada se abateu sobre eles, apesar de terem
trabalhado arduamente ao longo de dois ou três anos.
E essa mão cega ceifou a
torto e a direito na seara que lhe foi imposta.
E é preciso não esquecer
que avaliação destes jovens está a ser feita sem qualquer equidade.
Classificadores há que recebem formação e classificadores há que são nomeados à
pressa!
Quando olho para os
resultados que me vão chegando, vou perdendo a fé na idoneidade profissional
dos classificadores. Há resultados de sacos de provas que deveriam ter sido
aferidos antes de serem publicados. Provavelmente, não o foram porque vivemos
em tempo de austeridade, mas esta não destrói apenas o corpo… pode minar,
sobretudo, os valores, tornando-nos má moeda.
7.7.12
“ÁREA DE NÃO CAÇA”
Gosto da expressão
nominal: é apelativa como se exige! Apesar da proibição, não vislumbrei mais do
que duas ou três carochas… Frustrado, segui o caminho serpenteado e privado, desembocando
numas perigosas arribas.
Na verdade, o mar vem
devorando a terra, e os pinhais parece que deixaram de combater a erosão.
Em tempo de crise, talvez
pudéssemos instalar uns tantos hidrantes… dávamos emprego a certos autarcas,
protegíamos a escassa floresta e, talvez, limitássemos a erosão.
Creio, entretanto, que
estamos a necessitar de um termo alternativo para “floresta” … Bosque?
Boca-de-incêndio? Tomada
de água? Marco de água? Não! Hidrante é que é! Tal e qual como
no Brasil… ou será um anglicismo – hydrant? De qualquer modo, ao
investigar acabo por entender que o hidrante é um hiperónimo, pois designa
equipamento de segurança usado como fonte de água, caindo a boca-de-incêndio
sob a sua alçada…
… a alçada da serpente
que nos pode devorar ou, então, levar-nos de regresso ao Brasil. O fio de
areia, perdida a cabeça, estende-se para Sul, tão azul que nos faz esquecer o
ponto de partida.
No meu caso, faz me
esquecer que existem instituições que dão cursos em bandeja de ouro ou
explica-me por que motivo, tendo um dia sido designado para um júri de
apreciação do currículo de uma venezuelana, nunca mais repeti.
Acontece que votei contra
as equivalências solicitadas, porque não reconheci à candidata competência em
várias matérias e, sobretudo, qualquer domínio da língua portuguesa.
Afinal, isso poderia ter
sido ultrapassado com uma classificação de 10 em Língua Portuguesa I, II, III,
IV. Será que já alguém solicitou o programa destas 4 cadeiras?
5.7.12
Apesar do aviso, a luminosidade
deslumbra-me e obriga-me a pensar no engenho e arte da natureza e, ao mesmo
tempo, sinto-me vingado de todas as luminárias laranjas, verdes ou pardas que
nos governam.
(Camping Praia da Galé,
Melides)
PS: No dia em que percebi
que bastam 4 exames e 32 equivalências para se sair licenciado!
Duas malas de viagem
(75X35 cm), um casal de franceses (75X65 anos), na zona reservada a idosos e a
portadores de deficiência, incomodam apenas até que um robusto invisual entra,
esbracejando, no autocarro.
O desbocado invisual
arreda tudo quanto lhe aparece pela frente, procurando sentar-se no lugar
ocupado pelo francês, e, quando advertido que o passageiro era estrangeiro,
desfaz-se em impropérios contra os turistas pobretanas que vêm para cá
espezinhar os portugueses…
Poder-se-ia pensar que se
trataria de uma altercação de alguém zangado com a vida, quando, subitamente, o
sobrelotado 83 entrou em convulsão. De um lado, um grupo minoritário que defendia
e compreendia os pobres turistas; do outro lado, um grupo maioritário que
resolveu secundar o invisual, dando expressão, em bom vernáculo, ao impulso
xenófobo…
Chegados ao aeroporto, os
turistas lá foram apanhar o avião, sempre sorrindo… e o 83 pôde, finalmente,
rolar em paz!
Quero crer que estes
turistas jamais voltarão a Portugal! Oxalá me engane!
30.6.12
(José Rodrigues
Miguéis, O Amanhecer da Incerteza, Diário Popular, 8/11/ 1979)
De regresso ao Alto de
Santa Catarina, Baltasar sente vontade de fugir, pois «a
vida era este cárcere estreito e circular, uma cisterna escura onde nos
debatemos, correndo em volta a tatear as paredes da nossa pobre experiência,
prisioneiros teimosos e repetidos…», e relembra os amigos d’A Sementeira:
«que sabia deles? quem eram, que sentiam, que pensavam na realidade como
indivíduos atrás dos pórticos das Ideias e das Boas Intenções?»
A leitura abre-se
para o Real: o que é A Sementeira? Já
conhecia a Seara Nova? Mas, até este momento, não pensara que não
há seara sem sementeira! Talvez tivesse pensado… Sabia que o republicano José
Rodrigues Miguéis fora acusado de ser muita coisa: bolchevista, anarquista,
burguês, reacionário… ao sabor dos ventos que iam soprando…, mas, de repente, a
minha ideia de que a ficção de Miguéis se alicerça no conhecimento do real
solidifica.
Em 1979, Miguéis para
melhor conhecer o rumo do 25 de Abril mergulha nas páginas da revista
anarquista A Sementeira (Setembro 1908 a Agosto de 1919)
– a obra-prima de Hilário Marques, nas palavras de João Freire, Análise
Social, vol. XVII (67-68), 1981-3. °-4.º, 767-826.
Aqui chegado, também eu
me debato nessa cisterna escura em que somos formatados, apesar de, perceber
que, ainda, há alguns pontos de fuga possíveis.
29.6.12
Farto de circunlóquios,
mergulho nas páginas amarelecidas do Diário Popular do dia 25
de Outubro de 1979 e encontro, entre bares e prostíbulos, as divagações
de Milheiro e de Baltasar sobre o modo como
os portugueses encaram a realidade. (José Rodrigues Miguéis, O
Amanhecer da Incerteza / Do «Idealista no Mundo Real»)
Interessante é ver que,
em 1979, as viciosas personagens de Miguéis refletem sobre a nossa
tendência para transigir com a vida, a nossa inclinação para o «compromisso
pulha», apesar de, repetidamente, prometermos expor tudo no Roteiro da
Safadeza Nacional. E é Milheiro que, já suficientemente alcoolizado, aponta
a causa da nossa renúncia: a ilusão, nascida com Viriato, de que somos
portadores de um grandioso destino.
Através de Milheiro,
Miguéis mostra que não basta ler Camilo, Eça ou Junqueiro, porque a
verdadeira Bíblia da Pátria deve ser procurada no Soldado
Prático e na Peregrinação e, sobretudo, n’ A
História Trágico-Marítima.
Mas isso era o que
Miguéis propunha em 1979! E hoje, o que é que propomos?
27.6.12
Decorria o
Portugal-Espanha, e eu pus-me ao caminho. A linha vazia! Nem sombra de TGV!
(Embora não perceba
nada de futebol, quando olho para a colocação dos jogadores em campo, procuro,
de imediato, o distribuidor. Hoje, como nos últimos tempos, não vi
ninguém com essa capacidade! A simples hipótese de uma vitória resultar de uma
cavalgada desenfreada por uma das alas causa-me calafrios!)
Entretanto, nada faz
sentido. Para quê combater a Espanha se dela somos uma parte!? Se queremos
ganhar o Europeu / um lugar no mundo, devemos começar por ganhar
Portugal… e isso só acontecerá a partir do dia em que a Ibéria se constituir
num verdadeiro espaço cultural, económico e político. E para isso, as nações
ibéricas precisam de distribuidores.
(O distribuidor é
aquele indivíduo que tem uma visão global do campo / do espaço ibérico e é, a
cada momento, capaz de flanquear o jogo.)
A Ibéria sempre teve os
seus defensores, mas os nacionalismos oportunistas têm vingado sempre.
Agora que perdemos, o
melhor é apoiarmos Espanha na próxima partida… e talvez o TGV volte a fazer
sentido!
26.6.12
Sentados (ou deitados?)
esperamos a resposta. Talvez o telefone toque, um amigo envie uma SMS ou um
email caia na caixa de correio. De vez em quando, reunimos e exigimos… que o
telefone toque, o amigo envie uma SMS ou o email nos traga boas notícias.
Lá fora há um caminho
(até vários!), mas o difícil é vencer a porta e sair. Sair, percorrer o
caminho, as vezes que for necessário, disponíveis para agarrar o destino – o
nosso!
(Quando a escola
não nos deixa caminhar.)
24.6.12
«Há, por um lado, o
romance que analisa a dimensão histórica da existência humana,
e por outro lado, há o romance que é a ilustração de uma situação
histórica, a descrição de uma sociedade num dado momento, uma
historiografia romanceada. (…) Ora, eu nunca me cansarei de repetir: a
única razão de ser do romance é dizer aquilo que só o romance pode dizer.» Milan
Kundera, Conversa sobre a arte do romance
Um dia (02.05.1997)
perguntei se, para compreender o romance PAULA de Isabel Allende, seria
necessária conhecer a História do Chile, mas, à luz de Kundera, o ato era de
retórica – «Não. Tudo o que precisa de saber, o próprio romance di-lo.»
Apesar de saber a
resposta, a questão era heurística – visava encaminhar o aluno a descobrir por
si mesmo… Contava com o desejo, o interesse do aluno…
Por seu lado, o aluno
ansiava pela resposta que lhe evitasse percorrer o caminho. As exceções eram
raras!
(Hoje, esse caminho
continua por percorrer!)
22.6.12
Foi com Montaigne
(1533-1592) que a literatura se assumiu como literatura de ideias – ESSAIS.
Para o ensaísta, o texto, sem descartar o tom panfletário, expõe uma epifania,
uma visão súbita do mundo sem passar pela ficção imaginada.
Como se sabe, a fortuna
de Montaigne resultou da capacidade de fundir elementos oriundos de géneros
diversos nos ESSAIS, como se eles mais não fossem que a matéria de
que o ensaísta era feito: «Je suis moi-même la matière de mon livre.»
Ora, parece que José
Saramago, à semelhança de Montaigne, ao escrever certas obras – O
Manual de Pintura e de Caligrafia / Ensaio sobre a Cegueira / Ensaio
sobre a Lucidez – visava não só dar expressão a essa «visão súbita do
mundo», em tom irrisório, mas passando pela «ficção imaginada»,
passe a redundância.
E foi essa opção que
permitiu que Saramago fugisse à explicação sistemática, ocultando a
ideologia, mas lançando sucessivos foguetes no coração da noite.
Uma noite sem fim!
20.6.12
I - Sempre que entro num
hospital, instalado num edifício adaptado ou construído para o efeito, sinto
que falta ali alguém que saiba gerir o espaço: as pessoas amontoam-se sem que
ninguém as encaminhe devidamente. Nos próprios gabinetes médicos, o espaço é
diminuto…
Por outro lado, há
funcionários totalmente incapazes de gerir o movimento de tantas pessoas,
frequentemente incapacitadas. Fico sempre com a sensação de que ali não há
qualquer tipo de supervisão! Cada um está por sua conta: pacientes, auxiliares,
enfermeiros e médicos. E nem vale a pena falar do pessoal administrativo,
transformado em cobrador, e a braços com a avaria intermitente do sistema
informático!
De qualquer modo, hoje,
consegui realizar os exames solicitados, mas necessitei de fazer uma leitura
fina do fluxo da serpente que por ali se move…
II – Consta que o texto
do I Grupo do Exame de Português do 12º ano foi conhecido antes das 9 horas do
dia 18 de Junho. Será possível? Já em anos anteriores fiquei com a sensação de
que certas respostas só seriam possíveis conhecendo previamente as perguntas!
19.6.12
Esta prova em nada difere
das dos anos anteriores.
No Grupo I A,
as operações exigidas são, por ordem: identificar e nomear qualidades;
explicitar a intenção crítica; sintetizar opinião; explicar a mitificação do
herói. Ao aluno é atribuída a tarefa de comprovação e não de
descoberta das linhas de força do texto. Claro que as orientações
continuarão a dizer que o objetivo visa testar a competência interpretativa do
leitor… Esta forma de formular as questões não permite distinguir a verdadeira
competência interpretativa, e a estatística encarregar-se-á de comprovar que
vivemos num tempo de mediania…
No Grupo I B,
é pena que em todo o MEMORIAL DO CONVENTO não tenham encontrado uma passagem
mais adequada para ilustrar a necessidade de rescrever a História do Povo. A
tentativa de individualização do herói popular mais não é do que um gesto
voluntarista, mas inconsequente, pois a memória dos nomes próprios esfuma-se
facilmente.
No Grupo II –
A formulação impede o erro. As alternativas, em regra, são inverosímeis.
No Grupo III –
O tema a POPULARIDADE, de certo modo, determinado pelo TEXTO do Grupo I A (de
Camões), poderia conduzir a uma reflexão interessante sobre os caminhos que
hoje trilhamos. Mas não! A instrução atira, de chofre, o aluno para os braços
de programas televisivos de grande audiência e, sobretudo, para as redes
sociais, diga-se, Facebook. Pobres professores classificadores, vão ficar com a
cabeça à roda com tantos pontos de vista!
17.6.12
Que na Grécia se vote sem
que o povo consiga clarificar o que quer! Que, no europeu, ganhar ou perder
possa nada significar em termos de apuramento! Que, em França, os eleitores
votem em função de ajustes de contas! Que significado pode ter tudo isso?
Por aqui, basta-nos a
promessa de um bebedouro! E este parece ter a majestade exigida pela
função!
16.6.12
Encalhado
Cansado de responder a
perguntas de última hora – Facebook: Grupo Exame de Português - Dúvidas – parto
a pé na direção do Tejo. São 30 minutos! Os bancos convidam ao repouso,
evito-os, a maré vazia, percorro a zona ribeirinha e desemboco no Oriente, na expectativa
de que o 28 me devolva a casa. Passaram 80 minutos! E, entretanto, espero… o 28
está encalhado numa manifestação ou numa festa rural animada por um artista
popular.
Interregno: período
em que um país fica sem rei, presidente – a democracia é suspensa e perde a
soberania.
Ao longo da sua História,
Portugal já experimentou tantos interregnos que, hoje, agimos
como se nada estivesse a acontecer. Enquanto uma parte significativa da
população desespera em silêncio, outra parte, de barriga cheia, clama sem
perceber que, sendo os recursos financeiros reduzidos, não pode subtrair-se às
medidas de austeridade, sobretudo quando estas visam reduzir os custos de
funcionamento de organismos geridos sem efectiva supervisão.
Vivemos em estado
de exceção e por isso de nada serve esbracejar perante a tutela,
porque esta mais não é do que a correia de transmissão dos verdadeiros
soberanos…
«Fazei, Senhor, que
nunca os admirados / Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses, / Possam dizer que são
pera mandados, / Mais que pera mandar, os Portugueses.» Camões, Os
Lusíadas, Canto X, estância 152.
No essencial, o Poeta já
percebera que o tempo português passaria a ser de interregno. Até
quando?
9.6.12
Por um lado, esta Igreja
está pronta a alugar o espaço, a ceder um dia santo por cinco anos, como, por
exemplo, o do Corpo de Deus. Por outro lado, a mesma Igreja vocifera: NÃO PAGAMOS!
FMI FORA DE PORTUGAL!
Parece uma Igreja
desatenta e perdida, mas, na verdade, ela não perde a LUZ. Basta olhar com um
pouco de atenção e lá vemos os painéis solares… e se contornarmos a quinta,
encontraremos o negócio imobiliário, que não das almas!
8.6.12
«Procura cada qual, por seu próprio caminho, a
graça, seja ela qual for, uma simples paisagem com algum céu por cima, uma
hora do dia ou da noite, duas árvores, três se forem as de Rembrandt, um
murmúrio, sem sabermos se com isto se fecha o caminho ou finalmente se
abre…» José Saramago, Memorial do Convento, 1982 |
São três árvores, as de
Rembrandt, saídas das cinzas da noite, deixando, no entanto, que a luz do dia
brilhe em fundo revolto. A vida humana decorre absorta, como se para além do
claro-escuro nada mais existisse.
O subtexto de pouco serve
a Saramago! Saiu do século XVII pela porta da irrisão, pois não consegue
escapar ao desespero do grande arquiteto enredado no seu próprio labirinto.
6.6.12
O que pensaria Salazar da
iniciativa da professora Cristina Duarte e dos seus magníficos alunos da
disciplina Clássicos da Literatura de, apesar da decadência da
língua francesa, nos fazerem (re)descobrir, em português, a excelência da
escrita do autor de À la Recherche du Temps Perdu?
Aparentemente, a resposta
não interessará a ninguém. No entanto, o evento realizou-se sob o olhar atento
do ditador e num espaço mobilado segundo a filosofia do espírito do Estado
Novo.
Claro que tudo não passa
de uma coincidência, mas não posso deixar de pensar que o passado, quando menos
o esperamos, nos pode assombrar.
Salazar, como talvez
saibamos, preferia a religião à literatura, pois a primeira permitia-lhe
anestesiar a nação…; a segunda – a literatura – olhava-a, sobretudo, como
expressão de perigosa insubordinação… e é essa atitude que me preocupa ao
antever que, no próximo ano, a opção Clássicos da Literatura deixará
de ser lecionada porque não haverá 20 alunos que a queiram frequentar, entre os
mais de 350 que se irão inscrever no 12º ano da Escola Secundária de Camões.
31.5.12
A 31 de Maio, a natureza
segue o seu caminho, avessa à seca. Eu procuro as abelhas e as borboletas. Elas
mostram-se e ignoram-me.
À margem, resigno-me a
ouvir chilreados indistintos porque nunca parei o tempo suficiente para os
nomear…, embora ainda veja as oliveiras de outrora, em horas de fome…
30.5.12
«Todos os seus
objetos, até o porta-moedas, têm uma história, chegam de um tempo que existiu
antes de mim.» José Luís Peixoto, A Minha Avó, Cal,
Quetzal, 2007
Partilho com o autor deste
fascínio pela história dos seres e dos objetos, apesar de, infelizmente, não
ser capaz de o acompanhar na recriação desse tempo anterior a nós.
E ao mesmo tempo, vou testemunhando que essa atitude é cada vez menos
valorizada.
O fio do tempo é
indissociável da construção e da aprendizagem dos saberes que alicerçam a
identidade de cada um de nós, de cada nação ou de cada projeto supranacional.
Apesar desta evidência, vivemos num tempo em que «o anterior a nós» é
desprezado, não só porque pode ser aviltante, mas, também, porque preferimos
secar as raízes.
Somos porque estamos na
rede, virtualmente! E esta evidência põe termo ao tempo pessoano da expansão
por fazer, e torna-se em cerração…
27.5.12
«Um indivíduo
português, de origem africana, de 36 anos, foi
esfaqueado mortalmente.» «Segundo a mesma fonte,
a vítima foi esfaqueada no pescoço, por um outro indivíduo, também
português de origem africana.» |
Onde é que está a
notícia? O que é que a suposta «origem africana» acrescenta em termos de
informação?
Um português, nascido em
1976, foi assassinado. Porquê? Por causa da origem? Esta forma de fazer
jornalismo é inaceitável!
A não ser que amanhã
possa ser notícia: «Um indivíduo português, de origem caucasiana foi
esfaqueado mortalmente por outro indivíduo, também português de origem
caucasiana.»
26.5.12
Os temas surgem sem se
fixarem e por isso deixam de o ser: dois argumentos perdidos num só com
múltiplos exemplos de interação; uma introdução, um desenvolvimento e uma
conclusão, em quatro ou cinco parágrafos devidamente conectados; ignorados acentos
e vírgulas e pontos deslocados; uma escola que cuida do bem-estar de alunos e
professores e, onde inesperadamente, os alunos cuidam dos professores (quem
diria!); uma escola no lugar da casa, onde pouco se estuda, mas inevitavelmente
se cresce…
Os temas surgem sem se
fixarem e por isso deixam de o ser: nas primeiras páginas, há números de
apoteóticos desvarios e notícias que não o chegam a ser…
Há ainda promessas por
cumprir, desculpas de última hora, empates auspiciosos, vidas emparedadas e
outras adiadas… ou simplesmente arrimadas! Tudo e nada, apesar da procissão das
velas que tremeluzem ao luar…
Os temas surgem sem se
fixarem e por isso deixam de o ser…
23.5.12
« On cherche à se dépayser en lisant. (…) La grandeur de l’art véritable
(…) c’était de retrouver, de ressaisir, de nous faire connaître cette réalité
loin de laquelle nous vivons, de laquelle nous nous écartons de plus en plus au
fur et à mesure que prend plus d’épaisseur et d’imperméabilité la connaissance conventionnelle
que nous lui substituons, cette réalité que nous risquerions fort de mourir
sans avoir connue, et qui est tout simplement notre vie. » Marcel
Proust, Le Temps Retrouvé
Na Biblioteca Central da Escamões,
gostei de ouvir Pedro Tamen dissertar sobre a obra de Proust. Fê-lo com
simplicidade e delicadeza, inventariando temas e falando das dificuldades que a
obra coloca ao leitor (e ao tradutor).
Houve, no entanto, um
detalhe que me fez regressar a um exercício anterior e interior: a arte
redentora, a arte que nos redime do tempo. Confesso que, para mim, a arte (a
literatura – a leitura e a escrita) é um pouco mais proustiana: ela permite-me
suspender o tempo, metamorfosear-me; dissociar-me das convenções. Como a cobra,
deitar fora a pele!
E é nessa metamorfose que
ao matar (devorar) cronos, reencontro a realidade de que sou feito
– a vida – e morro satisfeito.
PS: Claro que ninguém tem
culpa de que, ao fim de tantos anos, eu continue a rejeitar a redenção. E já
agora acrescento que, para mim, desde os anos 70, o Marcel, mesmo se
amortalhado no seu leito de escrita, é um mestre da vida. O Pedro Tamen que me
perdoe!
22.5.12
Ambiente
de Aprendizagem Dinâmico Orientado a Objeto (AADOO)
Se fixámos facilmente o
acrónimo MOODLE, correspondente a Modular Object 0riented Dynamic
Learning Environment, porque é que não nos habituamos ao AADOO? Será assim
tão difícil de pronunciar?
Nos últimos dias, tenho
frequentado esse novo «ambiente de aprendizagem», mas vão-me crescendo algumas
dúvidas sobre o tipo de dinâmica e, sobretudo, sobre a natureza da estratégia
de intervenção dos participantes.
Por vezes, parece
criar-se uma certa empatia com o formador e até com os temas em debate, sem, no
entanto, deixar de pôr em causa os objetivos, as peias e a oportunidade da
formação.
Este ambiente, apesar de
poder parecer caloroso, pode tornar-se claustrofóbico. E quando isso acontece,
desenvolvem-se movimentos de avanço e recuo sucessivos até que alguém pega o
touro. E aí assiste-se a um relaxamento colectivo propício a novas
cumplicidades e até a novas iras.
Seja como for, se
fossemos consequentes poderíamos organizar de forma mais produtiva e, também,
mais económica, os processos de aprendizagem, regulando-os de forma muito mais
interativa.
20.5.12
Em ruínas. As colunas e
os arcos impedem o desmoronamento por mais algum tempo. A luz, no entanto,
insiste em quebrar a penumbra, mas, ao fazê-lo, expõe o bolor e a imundice.
O futuro aparece-me sob a
forma de viagem. Todavia ao percorrer os mapas regresso sempre a lugares onde
nunca estive. Por exemplo, Lagny-sur-Marne, a 28 quilómetros de Paris,
onde nunca vivi com os meus pais. Partir é uma forma de regresso. E não sou
apenas eu que penso deste modo: José Luís Peixoto escreve como se a única
hipótese fosse aprisionar o tempo perdido – na aldeia, na emigração, na infância
e na velhice - porque o resto do tempo é de desperdício.
O Tabu de
Miguel Gomes conta uma história num desses lugares onde nunca fomos, mas vemos
como se lá tivéssemos estado. As personagens, a espaços, parecem sair da boca
da «Senhora do Tempo Antigo» de Bernardim Ribeiro, ou, em alternativo de um
filme anglo-saxónico ou australiano. Tudo jorra de uma colónia penal e acaba
numa mistificação sobre a origem da guerra colonial. Tudo muito decadente!
Gostei da Laura Soveral e da Teresa Madruga, talvez porque representassem
personagens do José Luís Peixoto.
E a propósito de
desperdício, estou sem palavras, gastei-as a negociar critérios de avaliação
com quem olha, mas não vê, com quem ouve, mas não escuta; apenas bajula ou
enche a burra…
18.5.12
Li algures que «o
romancista vai sempre além da realidade!»
Este é o tipo de
afirmação que não consigo entender! O que é que pode haver para lá da
realidade? Ou aquém da realidade?
Pensava eu que a grande
frustração do romancista seria a consciência da impossibilidade de captar a
realidade. E como exemplo, lembro o Poeta que procurou «ser tudo de todas as
maneiras» e, ao fazê-lo, estilhaçou as leis do género, porque a verdade lhe escapou
irremediavelmente. Pensava ele que teria escrito um «drama» em gente ou sem
gente. Na verdade, o Poeta deixou-nos um romance, um lugar (uma arca) onde
cabem todas as coisas desde que Platão inventou os diálogos socráticos.
Se eu fosse romancista
viveria desesperado pois a realidade é tão múltipla que não saberia como a
capturar. Mesmo Penélope desfazia, todas as manhãs, o seu bordado não porque
fugisse do casamento com um dos zelosos e sanguíneos pretendentes (ou porque
muito amasse o estouvado Ulisses), mas porque não sabia como entrelaçar as
malhas que a prendiam à ambição e cobiça desmesurada dos que a cercavam.
Hoje é um desses dias em
que não preciso de pensar no que está para além da realidade: Eu simplesmente
sinto-me incapaz de a nomear.
17.5.12
A - "Durante os
anos, os salários foram sendo melhorados e agora, sem razão alguma a
não ser a dita crise, estão a tirar tudo aos trabalhadores: os subsídios de
férias e de Natal e parte do ordenado", disse à Lusa Anabela
Carvalheira, da Federação de Sindicatos de Transportes e Comunicações
(FECTRANS).
B – “Nenhuma
intervenção externa age se não for percebida, interpretada e assimilada pelo
próprio.” (Leonor Santos, Autoavaliação regulada: porquê, o quê e
como?)
6000 professores, num
momento decisivo para a conclusão da atividade escolar, seguem um rigoroso
calendário de formação sem que se torne visível a relação próxima com o ato de
classificar que gratuitamente terão de desempenhar nos meses de Junho e Julho,
até porque outros milhares estarão, também, envolvidos na classificação de exames
sem prévia formação. Sem esquecer que os professores, enquanto funcionários
públicos, perdem os subsídios de férias e de Natal e parte do vencimento!
Na situação de crise prolongada,
não posso deixar de pensar que o Governo anda distraído ao gastar recursos que
não tem com ações de formação desajustadas no tempo e, sobretudo, que se
enganou no destinatário. Esta ação deveria ser ministrada aos sindicalistas do
metro (e não só), pois não conseguem interiorizar a crise e os seus efeitos
sobre o povo português.
E já agora parece que
ainda há muita gente com responsabilidade neste país que não entende que existe
em Portugal uma intervenção externa (estrangeira), e que nestes momentos o
oportunismo não deixa de fazer o seu caminho.
PS. Eu sou um dos 6000
privilegiados, mas que, hoje até às 10h30, não poderá apanhar o metro por causa
dessa coisa estranha que é a crise!
15.5.12
O Dia é da Latinidade, o
Dia Internacional dos Museus!
Na praça central do Museu
de S. Miguel de Odrinhas, o espaço Ágora – local de eleição do Mundo Antigo – o
Grupo de Teatro Thíasos do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra representou, hoje, “As Suplicantes”,
de Ésquilo. O público, maioritariamente escolar, enfrentou um inimigo para o
qual não estava preparado – o Sol intenso. Tal como As Suplicantes,
uma boa parte dos jovens encetou uma fuga que acabou por os
distrair da representação e, também, de certo modo, desconcentrar os atores.
Claro que os jovens não fugiram para Argos nem compreenderam por que
motivo As suplicantes recusavam casar com os primos, filhos de
Egito, irmão de Danao.
De qualquer modo, esta
viagem à obra de Ésquilo permitiu-me confirmar as sábias palavras de Jorge
Silva Melo (Ésquilo, Teatro Completo, editorial estampa, 1975): «Este
livro não é bem um livro: é apenas uma ruína.» Palavras que poderemos
aplicar à Grécia atual: «Esta Grécia não é bem a Grécia: é apenas uma ruína.»
Permitiu-me também confirmar pela tradução ensaiada que «ruíram as palavras
de uma língua que ninguém fala.»
No entanto, o rei de
Argos surgiu-me, pelo menos na tradução de Virgílio Martinho (1975),
como uma consciência apolínea: “Já disse antes que nada posso fazer sem
ouvir o povo, mesmo que tenha poder para tomar uma resolução. Não quero que um
dia o povo me diga, se por acaso uma tal desgraça acontecesse: «Para
honrares a uns estrangeiros, levaste a cidade à perdição.»
O povo de Argos acabou
por votar o acolhimento d’As Suplicantes por unanimidade, apesar da
ameaça de uma guerra que não era deles. Hoje, a Grécia decidiu voltar a ouvir o
povo. E faz bem!
13.5.12
«O
Crime de Aldeia Velha» pelo GTESC
Bernardo Santareno
deixou-nos uma «aldeia» tão concentracionária que nela se move um Portugal
inquisidor, sexista e endemoninhado. E nem uma igreja mais arejada pôde
combater a histeria que, minuto a minuto, se apoderava das vozes das harpias!
A representação a que
ontem assisti no Auditório Camões trouxe-me de volta as harpias da minha
aldeia. E assim sendo só posso dar os parabéns ao coletivo do GTESC.
A aldeia, hoje global,
mantém infelizmente as taras do passado. E neste tempo de crise profunda é cada
vez mais fácil atear novas / velhas fogueiras!
Da luz às trevas, vai um
passo bem pequeno!
11.5.12
Paulo Freire (1995)
propõe que mudemos a nossa atitude frente ao erro, considerando-o uma “forma
provisória de saber”.
De tempos a tempos, surge
um guru a proclamar a excelência do prazer, do sentimento e, mesmo, do erro. Em
geral, proclama que nascemos desprovidos de disciplina e, sobretudo, de
livre-arbítrio. No melhor dos casos, nascemos em graça. Nos restantes, filhos
das trevas, caímos no erro do qual penosamente sairemos se acreditarmos num
qualquer tipo de redenção.
Entrados na floresta, sem
bússola ou GPS, rapidamente caímos em desespero, a não ser que, racionalmente,
optemos por marcar o caminho percorrido ou por seguir o rasto de eventual
pegada humana. Não consta que ninguém, em seu perfeito juízo, tenha decidido
perder-se para que subitamente um mestre irrompesse detrás de uma qualquer
moita para conduzir o discípulo pelos caminhos da indagação reflexiva sobre as
causas do engano…
Em vez de ensinar o
caminho direito, o guru prefere experimentar o discípulo, fazendo-o correr
riscos para que ele se torne refém duma situação que acentua a fragilidade da
condição humana, apontando o acesso à consciência como o resultado de quem
conseguiu desenvencilhar-se da floresta de enganos pela mediação do guru, do
sacerdote, do professor, do psicanalista…
Se o erro é inevitável,
nada devemos, no entanto, fazer para que ele se instale, porque, na maioria dos
casos, ele é irreparável.
9.5.12
Com ou sem memória, à
natureza basta que chova para que a seiva jorre, o que me faz pensar que se os
neurónios andassem mais à chuva teríamos mais soluções para os problemas que
nos afectam.
Na verdade, a riqueza dos
países mede-se mais pela quantidade de precipitação do que pela inteligência
dos homens. Afinal, sabemos bem que os nórdicos não prescindem do guarda-chuva
ou da gabardine… e nós, os do sul, o que fazemos?
5.5.12
Omnipresentes desde Abril
74, os cravos tornaram-se objeto de manipulação laboratorial. Aparentemente,
vão perdendo a genuinidade, apesar dos enxertos sofridos desde tempos
imemoriais.
“Genuíno”, “natural”,
“legítimo”, “sem mistura”, mais não são que noções que revelam a incapacidade
de aceitar a mudança, e essa é permanente não, em si, mas porque os homens são
mortais.
Uma boa parte dos nossos
problemas tem origem na visão desfocada, na cópia de um tempo cristalizado.
E por isso é necessário
deixar morrer o que há muito está morto: a falência é um
imperativo!
1.5.12
I - Até correu bem, a ida
ao teatro. No geral, os alunos souberam respeitar o trabalho dos atores. O
grupo A Barraca representou com sobriedade a peça de Luís Sttau Monteiro, Felizmente
Há Luar! O encenador privilegiou a palavra, em detrimento dos efeitos
sonoros e visuais que, de certo modo, o texto dramático autoriza.
Em palco, para além do
círculo da regência, multiplicaram-se os sinais do Estado Novo: figuras dúbias
de gabardine e óculos escuros… E Matilde, esposa extremosa do General Gomes
Freire de Andrade, cujos afetos hostilizam o desespero do povo, acaba por se
consciencializar de que a esperança reside naqueles que conseguem ver para além
das cinzas…
II – Maio surgiu,
descontínuo e sombrio. No entanto, as amendoeiras e as nespereiras prometem
colheita farta. As oliveiras e as vinhas, em flor… Longe, a retórica farta
esgota-se em argumentos primários, incapaz de criar um posto de trabalho… A
chuva ainda não desistiu de nós!
29.4.12
TRABALHO DE PROJETO
Literacia de Escrita
em Candidatos de RVCC
Maria José Alves Ferreira
CICLO DE ESTUDOS CONDUCENTE AO GRAU DE MESTRADO
EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
Área de especialização em Formação de Adultos
2011
«No segundo ano de
estágio, por razões diversas, o grupo ficou reduzido a dois elementos, eu e o
meu colega Rui Ferreira, tendo tido como orientador de estágio o professor
Manuel Gomes Cabeleira, o nosso delegado de grupo. Este foi um grupo que, na
minha perspetiva, funcionou muito bem, pelo clima caloroso de entreajuda e de
partilha.»
«Quanto ao nosso
orientador de estágio, quero deixar aqui uma palavra de apreço e reconhecimento
pelo seu apoio e pela disponibilidade que sempre manifestou em todo o processo.
A sua orientação competente e empenhada foi um contributo precioso para o meu
desenvolvimento, tanto a nível profissional como a nível pessoal. Foram
extremamente valiosos os seminários que dinamizou, eles me permitiram conhecer
melhor todas as potencialidades que estavam ao meu alcance no sentido de um
trabalho mais rigoroso e consciente.» (1991/1992, Santa Maria –Sintra)
- Obrigado, Maria
José Alves Ferreira!
27.4.12
A ordem dos termos pode ser arbitrária? Ou será que tudo parte da dor? E se
assim for, a dor pode ser convertida em flor e dar fruto, e nesse caso a mulher
leva a palma, deixando ao homem o rasto destruidor, a não ser que o artista
nele se abra…
24.4.12
A
raiz do fascismo é a estupidez
O filósofo
holandês, Rob Riemen, de visita a Lisboa, “agradece” aos
portugueses termos mandado Bento de Espinosa para a Holanda
para lhes ensinar que «a essência da liberdade não é teres o que queres; é
usares o cérebro para te tornares num ser humano bem-pensante.» E por outro
lado, Rob Riemen recorda-nos as palavras de Frederico
Fellini sobre as causas do fascismo: «Eu sei o que é o fascismo, eu
vivi-o, e posso dizer-vos que a raiz do fascismo é a estupidez. Todos temos um
lado estúpido, frustrado, provinciano. Para alterar o rumo político, temos de
encontrar a estupidez em nós.»
Nestes dias, a celebração
da liberdade tornou-se um modo de esconder a estupidez que nos mina e de abrir
as portas ao fascismo, sempre patrioteiro e pronto a inventar novas fronteiras.
20.4.12
(…) O presente é
aquilo que pode ser imediatamente experimentado, o passado é o que pode ser
rememorado, e o futuro é a incógnita que talvez ocorra algum dia. Norbert
Elias, Sobre O Tempo, 65-66, Zahar, 1998
Se olharmos, de perto ou
de longe, para o que se passa nas salas de aula, não será difícil entender que
o que interessa a muitos jovens de hoje são as anedotas rasteiras, as pequenas
intrigas, os trapinhos, as palavras brejeiras, o verniz e o batom, os esgares
narcísicos, tudo de forma impontual, sonolenta e entediada… (Sopra um ar de
decadência em tudo isto!)
Embora possa parecer que
o melhor será abandonar a sala e deixar o barco à sua sorte, creio que o
caminho está em desenhar um percurso que, combatendo a vacuidade do presente,
ajude a construir a memória textual, através da leitura, da descoberta das grandes
questões colocadas pelo texto, da releitura e… sobretudo da produção de
sínteses, de novas sínteses, de sínteses escritas de grau superior. Nada de
resumos! Nada de textos de apoio! Só exegese e muita lexicologia…
Mesmo que o futuro seja
uma incógnita, a sua abordagem pode ser diferente para melhor, tal como a
Ventura pode ser má ou boa…
E tudo sem seguir, na
íntegra a lição de S. Boaventura: "Não basta a leitura sem a unção,
não basta a especulação sem a devoção, não basta a pesquisa sem maravilhar-se;
não basta a circunspeção sem o júbilo, o trabalho sem a piedade, a ciência sem
a caridade, a inteligência sem a humanidade, o estudo sem a graça.”
17.4.12
A ser verdade, de nada
serve a frustração de ver tantos jovens de 15 e 16 anos a desperdiçarem tempo
nas salas de aulas. Isto para não falar dos “falsos” adultos!
Na obra Sobre o
Tempo (14, Zahar) Norbert Elias é taxativo:” ao crescer (…) toda
a criança vai-se familiarizando com o “tempo” como símbolo de uma instituição
social cujo caráter coercitivo ela experimenta desde cedo. Se, no
decorrer de seus primeiros dez anos de vida, ela não aprender a
desenvolver um sistema de autodisciplina conforme a essa instituição, se não
aprender a se portar e a modelar a sua sensibilidade em função do tempo,
ser-lhe-á muito difícil, se não impossível, desempenhar um papel de um adulto
no seio dessa sociedade.»
14.4.12
Esta madrugada a chuva
era tão intensa que a minha mente, vá lá saber-se porquê, me martelava os
versos de Camões: «Chove nela graça tanta / que dá graça à fermosura»
E ia pensando se aquela
chuva ainda poderia ressarcir esta terra dos danos que todos os dias lhe
acrescentamos, enquanto Platão me acenava que aquele precipitado me poderia
servir para explicar a importância dos seus arquétipos.
Ao levantar-me, não posso
deixar de pensar nesta estranha forma de acordar em que a teoria platónica
entrou pela garganta de Camões dando forma a uma explicação nada ortodoxa e, de
certa forma, anacrónica.
Mas que a chuva caía,
caía! E sem tropeçar!
12.4.12
Este caminho só tem um
sentido! De nada serve olhar à direita e à esquerda, quando ficamos sós…
Atrás, na encruzilhada,
ainda podíamos hesitar ou mesmo inverter a marcha…Agora, os rostos que nos
fitam já não veem senão uma nódoa escura!
Os pés calcam a terra,
mas o rasto esboroa-se, apesar da lama…
11.4.12
O fio, independentemente
da matéria constituinte, quando mal manejado, acaba por quebrar. (…)
O voluntarismo é mau conselheiro
porque incapaz de distinguir o bem comum do bem particular. (…)
A dispersão mata o rumo.
(…) O acaso mora numa rua por nomear.
Da navalha, enxergo a
lâmina por afiar…e, sem mais, recuso dizer o que estou a pensar… pois não quero
mais incomodar…
10.4.12
La pregunta a la que
tenían que responder los rasqueranos es "¿Estáis de acuerdo con el plan
anticrisis aprobado por el Ayuntamiento de Rasquera en sesión plenaria del 29
de febrero?", y del resultado que se obtenga hoy no solo dependía la
continuidad del proyecto, sino también la del propio gobierno municipal, que
anunció que dimitiría en bloque si la consulta no obtenía el 75% de los votos
favorables.
Rasquera (Tarragona), 10
abr.- El 56,3 por ciento de los participantes en el referendo celebrado hoy en
Rasquera han votado a favor del plan anticrisis aprobado por el plenario
municipal el pasado 29 de febrero y que incluye una plantación de cannabis, por
lo que el alcalde medita si presentará su dimisión.
Irá o alcaide cumprir com
o prometido?
8.4.12
Mais um dia sem
ressurreição! A Páscoa já não é feliz, se alguma vez o foi, neste tempo de
ruínas insepultas…
Amanhã, os jogos florais
regressam: palavras vãs evocarão palavras perdidas; cores várias disfarçarão
fendas insuportáveis…e as flores de maio desabrocharão avessas ao compadrio…
4.4.12
Do rosto da 1ª edição das
obras completas de Gil Vicente (1562) para o rosto da Selecta Literária (1959),
organizada por Júlio Martins e Jaime da Mota – Ensino Liceal /2º Ciclo / volume
II / 4º e 5º anos _ o dragão, rosto do Livro dos Seres Imaginários de José Luis
Borges, persegue-me…
Aos 15 anos, um aluno do
ensino liceal conhecia muito mais autores portugueses que, hoje, um mestre de
Bolonha! E não faltavam autores do século XX: Eugénio de Castro, Camilo
Pessanha, D. João da Câmara, Augusto Gil, António Sardinha, Júlio Dantas, Teixeira
de Pascoaes, Florbela Espanca, A. Lopes Vieira, Fernando Pessoa, Sá-Carneiro,
Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, José Régio, Miguel Torga, Sebastião da
Gama.
De qualquer modo, parece
que com a passagem do tempo tudo se simplifica: Já em 1959, alguém se tinha
esquecido da Esfera Armilar e da Cruz de Cristo.
Por outro lado, parece
que, no século XVI, o dragão era emblema imperial, seguindo a lição oriental e
não a ocidental…
E hoje?
31.3.12
Pena é que os governantes
sejam tão pequenos!
Percorri 200 Km e não
encontrei 200 portugueses. Entretanto, parece que 200.000 desciam a Avenida da
Liberdade… Mais valera que tivessem optado pelo grande lago – o Alqueva!
30.3.12
Um pequeno desvio à entrada de Rosário (Alandroal), e no meio de uma moita,
vislumbramos quatro ou cinco sepulturas medievais.
Pelo abandono do terreno,
é fácil adivinhar que outra história ali se esconde.
A presença destas sepulturas desperta em mim a ideia da voracidade tempo,
fazendo-me sentir o quanto este registo é inútil.
29.3.12
Quando a água alaga a
terra, as árvores é que sofrem! Provavelmente, o Alqueva exige uma florestação
diferente da mediterrânica… Pelo menos, na zona de Rosário (Alandroal).
Percebe-se o fascínio pela oliveira, mas o critério de plantação de árvores não
deve ser apenas económico.
No Camping Rosário
(2002-2012), Irene e Ernst Hendriksen recebem tão bem que, à chegada, oferecem
um CD com um «mix de música tradicional e contemporânea Portuguesa». Não há
dúvida, ainda temos muito a aprender!
27.3.12
A
“estátua sensível” de Condillac…
«Que na consciência da
estátua haja um único cheiro e teremos a atenção; que perdure um cheiro quando
cessou o estímulo e teremos a memória; que uma impressão atual e outra do
passado ocupem a atenção da estátua e teremos a comparação; que a estátua
perceba analogias e diferenças e teremos o juízo; que a comparação e o juízo
ocorram de novo e teremos a reflexão; que uma recordação agradável seja mais
viva do que uma impressão desagradável e teremos a imaginação.» Jorge Luis
Borges, Dois Animais Metafísicos, O Livro dos Seres
Imaginários.
A rainha que trocou o pão
(as moedas) por rosas antes de ser estátua era sensível! E a ideia da troca só
pode ter surgido porque já experimentara o desagrado do seu senhor, o que me
leva a concluir que uma dor também pode desencadear a imaginação de um povo…
25.3.12
As cores do tempo
A maior dificuldade do
filósofo é definir o tempo. As palavras perdem o sentido, cristalizam e o tempo
flui, avesso ao discurso verbal.
No entanto, por instantes,
o tempo deixa-se ficar na cor do telha, da madeira, do ferro, da pedra, da
ideia republicana, do olhar embevecido – em árvores outonais do príncipe real.
Oiço, como se o cheiro
/ De flores me acordasse…/ É música – um canteiro / De influência e
disfarce. Fernando Pessoa |
Explicam-me os alunos que
os testes não correram bem, mas que sabem quanto valem, que, afinal,
considerando o objetivo, a nota que lhes atribuo é injusta. E devem ter
razão!
A ameixeira floresce, indiferente
à seca, e não se queixa se a não escoro. O poeta verseja, ciente de que no
mundo tudo é «influência e disfarce».
Afinal, que resposta devo
dar a estas ‘almas’ injustiçadas? Ou devo considerar que há exigências que não
merecem resposta?
Já agora concluo a
citação:
Impalpável lembrança, /
Sorriso de ninguém, /Com aquela esperança / Que nem esperança tem… // Que
importa, se sentir/ É não se conhecer? / Oiço, e sinto sorrir/ O que em mim
nada quer.
22.3.12
Habitualmente, não
comento a ação das forças da ordem. Nesta situação, porém, não posso deixar de
salientar a amplitude e a virilidade do movimento. Acossado e perseguidor
revelam saber bem o que querem.
E ainda há quem nos acuse
de abulia!
António Vieira, José
Rodrigues Miguéis e Rómulo de Carvalho nasceram todos no mesmo bairro, à sombra
de Santo António!
No entanto, olhando mais
de perto, é possível enxergar um intruso. Quem será?
18.3.12
«Estas são as justiças
visíveis.» José Saramago, Memorial do Convento, cap. XVI.
Com este curto
período, o narrador resume o parágrafo anterior, aquele em
que, intertextualmente, mergulhara no sermão do Padre António Vieira para expor
que no século em curso (da história e do discurso) o dinheiro é a causa maior
da injustiça visível.
«Das invisíveis, o menos
que se poderia dizer é que são cegas e desastradas, como ficou definitivamente
demonstrado naufragando o barco em que vinham de caçar na outra banda do Tejo o
infante D. Francisco e o infante D. Miguel, ambos manos de el-rei, deu-lhes uma
rajada de vento sem avisar e virou-lhes a vela, caso foi ele que morreu afogado
D. Miguel e se salvou D. Francisco, quando honrada justiça seria o contrário,
conhecidas como são as maldades deste, desencaminhar a rainha, cobiçar o trono
d’el-rei, dar tiros em marinheiros, ao passo que do outro não constam, ou são
de somenos. Porém, não devemos julgar com leviandade, quem sabe se não pagou D.
Miguel com a vida ter andado a cornear o mestre da barca ou a enganar-lhe a
filha, a história das famílias reais está cheia destas ações.» José
Saramago, Memorial do Convento, cap. XVI.
De anáfora em catáfora, a
ordem dos termos inverte-se como se na família real todos merecessem o mesmo
castigo, pois os crimes públicos e privados equivalem-se. Em termos de
técnica narrativa, o modo como Saramago utiliza a vírgula serve para, de
uma pincelada, resumir o que a História branqueara, mas que a Literatura
registara e, em particular, para nivelar os atos da família real. O próprio
léxico, ao alternar o registo literário e técnico com o calão, mostra que
aquelas altezas eram postiças.
Em conclusão, este
narrador para nos iniciar na outra História, necessita de
narrar, descrever, comentar e, principalmente, resumir, recapitular… chamar-nos
a capítulo, como se fossemos cónegos ou rosas-cruzes.
16.3.12
(As ideologias, os temas,
o discurso; a paródia, a carnavalização, a intertextualidade…)
Na capital do reino (ou
da república), a gula de uns tantos devora os restantes: «é
uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro, não
havendo, portanto, mediano termo entre a papada pletórica e o pescoço engelhado». (Implícitas
fluem a ideologia e a retórica do Sentimento dum Ocidental de
Cesário Verde.)
«Porém, a Quaresma,
como o sol, quando nasce, é para todos.» (José Saramago, Memorial
do Convento, cap. III)
Quando se esperava que a
abstinência fosse respeitada por ricos e pobres, o narrador descreve-nos uma «procissão
de penitência» que, em vez de redimir dos excessos do Entrudo,
escancara a lascívia dos penitentes em poses sadomasoquistas
prometedoras de futuras orgias com as histéricas espectadoras de janela e
varandim – «que Deus não tem nada que ver com isto, é tudo coisa de
fornicação».
A «procissão de
penitência» não cumpre os ditames de Deus e da Igreja, e o tempo é de
hipocrisia e de mentira: senhoras e criadas, cúmplices na satisfação da carne
adúltera, enxameiam igrejas, confessionários e lugares
escusos, deixando «em casa uns tantos maridos cucos», destino a que
nem D. João V terá escapado: «D. Maria Ana, como razões acrescentadas de
recato, tem a mais maníaca devoção com que foi educada na Áustria, e a
cumplicidade que deu ao artifício franciscano, assim mostrando ou dando
a entender que a criança é tão filha do rei de Portugal como do próprio Deus, a
troco de um convento.»
Perante a mentira
colossal que corrói a realeza, a igreja e o próprio povo, o narrador termina o
discurso, revoltado, não contra Deus, mas contra os homens: «talvez se
nos calássemos todos». E entre estes homens, estamos nós em qualquer
século em que sejamos…
15.3.12
O
aeróstato e o ponto de vista
Na verdade, o padre
Bartolomeu Lourenço inventou o aeróstato, apresentando-o com sucesso, e para
estupefação da corte de D. João V, no dia 8 de Agosto de 1709. E essa novidade
foi decisiva não só para o desenvolvimento da aeronáutica, mas, sobretudo,
para a deslocação do ponto de vista na narrativa. (Seria
interessante, analisar o modo como a ciência e a tecnologia servem o projeto de
escrita de José Saramago.)
Basta ver como Saramago,
consciente do contributo daquele invento, nos faz viajar sobre
Portugal no Memorial do Convento, capítulo XIX: «Muito
melhor veríamos, e muito mais, se olhássemos de alto, por exemplo, pairando na
máquina voadora sobre este lugar de Mafra (…) não há melhor
miradouro que este onde estamos, não faríamos ideia da grandeza da obra se o
padre Bartolomeu Lourenço não tivesse inventado a passarola». (E toda a
panorâmica aérea nos é dada, como se fosse um grande plano, num único período.)
No essencial, Saramago,
ao deslocar da terra para o espaço aéreo o ponto de vista, constrói uma
representação da excentricidade e megalomania reais a que o homem coevo da
edificação do convento não teve acesso, o que sobrepõe de forma magistral o
plano do discurso ao plano da história.
A leitura desta obra
pressupõe, assim, o desenvolvimento da competência de análise da ideologia do
narrador que, a cada passo, parodia a História oficial, seja do século XVIII
seja do século XX.
PS: Se aqui registo estas
palavras é porque considero que, nas nossas escolas, a leitura da obra de
Saramago está a ser vítima de uma enorme mistificação que acabará por condenar
o autor ao esquecimento. É só uma questão de tempo. Veja-se por onde andam
Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro, Miguel Torga, Agustina Bessa Luís…
14.3.12
A
Torre do Prior do Ameal (de António Nobre)
Literariamente, esta
torre é conhecida por Torre d’Anto porque aqui viveu, durante uma semana, no
outono de 1890, o «ermitão da Saudade» – António Nobre – que, chegado a Paris,
se metamorfoseou no «pobre lusíada, coitado.»
A Torre alberga
atualmente a Casa do Artesanato ou Núcleo Museológico da Memória da
Escrita de Coimbra.
11.3.12
Em tempo de depressão, de
seca e de irracionalidade política, este fim de semana, encontrei alguma cor em
Coimbra. E também descobri uma SCUT – a A19 – sem vivalma! dois pórticos:
1,15 €)
10.3.12
Se Pedro e Inês voltassem
à Quinta das Lágrimas talvez jogassem golf, deitando por terra o mito inesiano.
Terra de dor, não tivesse
ela pertencido à Rainha Santa Isabel, assistiu ao fulgor e ao terror de Inês,
mas parece ter esquecido o sofrimento do Poeta que a eternizou.
Não tivesse o Poeta, ali,
suportado a vingança de um marido e pai ciumento, e dificilmente teria escrito
«Estavas linda Inês posta em sossego…»
Por isso mais do que o
Lírico, é o Épico que por si chora nas páginas de Os Lusíadas e,
deste modo, se vinga dos poderosos deste mundo.
E assim se compreende que
lhe tenham saqueado a biografia…
PS: Entrar nos Jardins da
Quinta das Lágrimas tem um preço: 2 €.
8.3.12
Entre 1955 e 1973, Jorge
Luís Borges foi diretor da Biblioteca Publica de Buenos Aires, situada durante
um certo tempo na calle México. E foi lá que ele “perdeu” “El
Libro de Arena” cuja posse se revelara um pesadelo, pois «el mejor lugar
para ocultar una hoja es un bosque».
A estória do livro sem
princípio nem fim (como se de areia se tratasse) acompanha-me enquanto,
finalmente, cumpro o habitual circuito pedestre. Só que o infinito surge-me
como uma ideia doce. O que me pesa é o finito! Nem a possibilidade de estar à
deriva me agita. Pensar em Deus tranquiliza, porque estou certo de que ele, ao
encontrar-se algures no infinito, não está preocupado comigo… Eu não passo de
uma folha perdida no bosque!
Tudo o que é finito me
assusta. Se tenho de classificar 25 provas, entro em depressão: o número
limitado de perguntas sufoca-me; o número previsível de erros assusta-me. Vou
ter de acabar a tarefa, sabendo que, amanhã, continuo refém.
De certo modo, estou a
aprender que era melhor que a dívida portuguesa fosse infinita. Passos Coelho,
ao convencer-nos que as folhas do livro da dívida são quantificáveis, deixa-nos
à míngua e torna-nos cativos de nós próprios…
Afinal, Sócrates sabia do
que falava. Provavelmente, algum assessor tinha lido El Libro de
Arena de Borges e, em particular, a estória Utopia
de un hombre que esta cansado.
6.3.12
Prédios de doze andares,
em espinha, e, no intervalo, uma nesga de Tejo azul. Para lá do rio, a terra
acastanhada sob um céu cerúleo, mas acastelado de falsas promessas de chuva.
Os automóveis e os
camiões, alheados, continuam a rolar, longe dos profetas da desgraça… e o rumor
da ponte por amortizar ensurdece-me.
Claro que, talvez,
pudesse referir-me ao Álvaro e ao Gaspar – à
Economia e às Finanças –, mas ainda estou longe de perceber se prefiro a
familiaridade do primeiro se a nobreza do segundo. É que, para mim, quase tudo
se esgota nas formas de tratamento!
Por isso vou continuar a fitar
o Sol antes que ele se apague, ou, melhor, antes que os meus olhos se despeçam
da língua de água que espreita por entre as torres que me cercam.
4.3.12
«Um pouco mais de sol
– e fora brasa, / um pouco mais de azul – e fora além.», Mário de
Sá-Carneiro
Um pouco mais… e não
teria gastado o fim de semana a classificar ‘testes intermédios’!
- Afinal, o que é que me
faltou? O golpe d’asa?
- Não, o rio, porque esse
com mais ou menos azul continua perto, sem, no entanto, me levar ao mar…
(Ainda a ilusão de poder
ser útil!)
3.3.12
A dívida continua a
crescer (e o peixe recusa-se a morrer!). Não há emprego e os velhos insistem em
falecer.
Há quem diga que a culpa
é da gripe e do frio! O argumento até parece adequado, mas não cola…
Quebrado o aquário até o
peixe morre. A culpa é do bonequeiro que é cego e prosélito informático.
De posse da tramoia, o
invisível bonequeiro maneja-nos como bonifrates descartáveis.
O resto é mistificação!
1.3.12
Se a cor identifica e
agrega, se a cor interdita ou autoriza, no caso da chuva, a cinza, que a
acompanha, alegra.
Agora, sim, a cor é de
cinza, com ou sem Quaresma!
27.2.12
Não sei se vale a pena
responder a comentários, sejam apreciativos ou depreciativos. Em geral, um
comentário serve para explicitar a substância e não para enfatizar o acessório.
Na foto desaparecida, nós
vemos a flor da amendoeira que, certamente, procuraremos adjetivar. No entanto,
à volta das corolas, atarefam-se as abelhas…
… e claro, na colmeia há
sempre um zângão!
25.2.12
Eram dois os caminhos,
mas o da ponte era o preferido. A clausura da estrutura assustava-me menos que
a espessura da muralha escalabitana. Durante duas horas, a camioneta da
carreira percorria pachorrentamente os campos alagados – os da Páscoa chegavam
a ser deslumbrantes! O Tejo desmedido embalava-me na ida e no regresso. Durante
três meses, sonhava com aquele caminho – o caminho da água.
Hoje, voltei a atravessar
a ponte, mas do Tejo só vislumbrei bancos de areia, e senti-me mais só do que
naqueles meses em que, outrora, vivia cercado pelas muralhas fernandinas.
23.2.12
«Numa
rua perto (…) Não correu mais sangue.»
«(…) esperou que
Baltasar terminasse para se servir da colher dele, era como se calada estivesse
respondendo a outra pergunta, Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu
a boca deste homem, fazendo seu o que era teu, agora tornando a ser teu o que
foi dele, e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do meu, e como
Blimunda já tinha dito que sim antes de perguntada, Então declaro-vos casados.» José
Saramago, Memorial do Convento, pág. 56, 16ª edição
22.2.12
Um tempo pobre…
Ao lado, um casebre em
degradação no casco da vila. Por detrás, as muralhas, parte delas, em ruínas…
O arco, abandonado à
sorte da natureza, esconde-se, envergonhado da nossa inépcia.
É essa inépcia que
explica o nosso cativeiro!
«Al fin y al cabo, al
recordarse, no hay persona que no se encuentre consigo mesma.» Jorge Luis
Borges, El Otro, El Libro de Arena.
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E quanto a Átila
(385-453), rei dos Hunos, também já esqueci a sua crueldade que, ainda antes de
ter nascido, teria degolado Úrsula, na cidade de Colónia, no dia 21
de outubro de 383. O mais interessante é que nesta cidade, uma igreja guarda o
túmulo de Santa Úrsula e das suas onze companheiras.
Sempre que recordo o
passado, acabo por me desencontrar e, simultaneamente, perceber que a escrita é
um lugar de perdição. Neste caso, são mil os passos perdidos… ou talvez, uma
dúzia de virgens perdidas!
19.2.12
Embora não pareça, o
aprumo de nada lhe serve: os ramos murcharam e as pinhas secaram.
Em torno, o verde ainda
desponta, mas a seca não perdoa.
Longe dos caminhos,
continuam a desfilar as máscaras, indiferentes ao incêndio que alastra.
18.2.12
O arame farpado
bloqueou-me a voragem…
Entretanto, concluo a
leitura da enciclopédia ficcional de Roberto Bolaño, A Literatura nazi
nas américas, e fico a pensar na excentricidade, na megalomania, na
violência e na irracionalidade daqueles monstros que povoam o continente
americano, e cujas raízes ora se escondem ora se revelam na europa…
E claro, o plágio é tão
comum que, a páginas tantas (125), acabei por chocar com «o Pessoa bizarro das
Caraíbas», cuja morte o encontrou «a trabalhar na obra póstuma dos seus
heterónimos.» (Max von Hauptmann)
(De facto, Roberto Bolaño
convida-nos à voragem do entardecer!)
17.2.12
Os sinais da doença que
mina a sociedade portuguesa estão escancarados nas páginas dos jornais e nas
televisões. Parece que, repentinamente, os monstros ganharam visibilidade sem
qualquer justificação.
Ninguém arrisca uma
explicação, ninguém assume a responsabilidade! No entanto, basta entrar numa
sala de aula, do ensino elementar ao superior, para perceber que a cultura
dominante é laxista: conversas laterais, posturas incorretas, palavras
indelicadas, unhas a ser pintadas, lábios secos a necessitar de bâton de
cieiro, telemóveis ligados, gorros que escondem headphones;
trabalhos por fazer, desinteresse pelas matérias, permanente desatenção,
manuais fechados ou esquecidos nos cacifos; falta de respeito por colegas,
funcionários e professores. Frequentemente, na sala ao lado, o ruído é tão
ensurdecedor … que as palavras que sobram revelam uma fonte anónima e dolorosa.
Claro que há quem defenda
que tudo se resolve recorrendo à motivação, de preferência infantil ou, em
alternativa, boçal. Talvez, o Carnaval ajude a libertar os demónios!
Com mais de um milhão de
desempregados é criminoso manter esta cultura escolar, sobretudo, porque ela só
gera mais desemprego, mais crime e mais monstros… E estes não necessitam de
chegar a adultos para começar a destruir!
E também não necessitamos
de governança porque esta procura o pacto: isto é, estar de bem com Deus e com
o Diabo!
11.2.12
Gustavo Borda (Guatemala,
1954-Los Angeles, 2016) respondeu um dia a quem lhe reprovava a inclinação germânica:
«Fizeram-me tantas crueldades, cuspiram-me tanto, enganaram-me tantas vezes
que a única maneira de continuar a viver e continuar a escrever era
transferir-me em espírito para um sítio ideal…» Ora, na paródia do
chileno Roberto Bolaño, esse lugar ideal é a Alemanha nazi.
Se cito, aqui, A
Literatura nazi nas Américas, ed. Quetzal, é porque o complexo de
inferioridade portuguesa cresce à medida que o número de políticos e
comentadores germanófilos aumenta. Os sinais da bota estão por todo o lado… e
da democracia à ditadura vai um passo por enquanto enluvado…
A paródia recria os
sinais, invertendo-os, mas não os faz desaparecer. Rimos, mas apetece chorar! A
comédia alegra-nos, mas o que nos espera é a tragédia.
Roberto Bolaño
(1953-2003) viveu exilado desde o início da ditadura de Pinochet, primeiro no
México, depois nos Estados Unidos, para, finalmente, se instalar em Espanha.
Internacionaliza-se com Os Detetives Selvagens, obra marcada pelo
romance Paradiso do cubano Jose Lezama Lima. Em 1996,
publica Literatura Nazi en America, novela escrita como se fosse um
dicionário de autores admiradores e defensores do nazismo… As criaturas
impressionam pelo seu realismo e respetiva loucura!
Para compreender este
tipo de escrita (paródia) vale a pena ler: Vidas Imaginárias de
Marcel Schwob; Spoon River Anthology de Edgar Lee
Masters; Manual de Zoologia Fantástica de Borges ou A
História Universal da Infâmia, também, de Borges.
As criaturas de Bolaño
são mesmo infames porque vivem connosco e nós não as vemos e por isso vale a
pena seguir o destino das personagens saídas do inferno do nosso
destrambelhamento… da nossa inferioridade.
7.2.12
Se
até um dente nos pode deixar gregos…
Para quê queixarmo-nos
dos credores se até um dente (nosso!) nos pode dar cabo do juízo!
No meu caso, a solução
foi simples: uma ablação dolorosa quanto baste. Efeito hemorrágico de sabor
desagradável nas horas imediatas, porém compensado por gelado bem fresquinho que
o frio vai de feição!
Claro que, na minha
idade, já não estou para namoros com odontologistas e quejandos e por isso sou
pela extração rápida, se possível.
Chegado aqui, só me resta
recomendar aos gregos, muito mais antigos do que eu, que procedam à ablação de
qualquer credor que os atormente antes que se faça tarde… até porque as
alternativas são muito caras e minam lentamente o humor e a saúde do paciente.
5.2.12
Diariamente, a rede
mostra a sua força, se colocada ao serviço do crime. Veja-se o que tem
acontecido em Salvador da Bahia – 82 mortos, pelo menos. Tudo porque a polícia
decidiu fazer greve!
O Brasil não é exceção, é
proximidade. A Síria, por seu lado, mais distante, continua a chacinar os
cidadãos que contestam a ditadura, mesmo se em nome de qualquer outra ditadura.
‘Distância’ e
‘proximidade’ exprimem, aqui afetos ou desafetos, e não lugares!
Ser homem pressupõe a
rede neurológica. Ser humano exige a rede social; infelizmente, o crime,
também, só é possível em rede!
Desde sempre, a rede
esconde o seu modus operandi, gerando heróis do bem e do mal.
Para entendermos a rede,
necessitamos de deitar abaixo os pedestais.
31.1.12
A
transumância, em tempo frio e seco…
Quando um funcionário
cria uma plataforma digital para registo (e gestão?) da avaliação do desempenho
docente e lhe é, simultaneamente, conferida competência para interpretar o
quadro legislativo regulamentar, corremos o risco de meter no mesmo saco quem
coordena todo o processo de avaliação e avaliados.
Vem isto a propósito da
impossibilidade de atribuição das menções qualitativas de excelente e
de muito bom aos membros designados pelo conselho pedagógico
para constituírem as comissões coordenadores de avaliação de desempenho
docente. Pensar-se-ia que essa escolha resultaria do mérito dos designados para
a tarefa e que competiria ao referido órgão, concluído o processo, avaliar se,
efetivamente, tinham desempenhado a função com isenção e rigor.
Mas não! Qualquer
diretor, ao submeter a avaliação por si determinada, depois de ouvido o
departamento de cada um dos docentes em causa, e não o conselho pedagógico,
vê-se confrontado com a proibição de não poder ir além da menção de bom,
caso o professor (membro da CCADD) não tenha requerido aulas observadas pelo
mesmo diretor.
Em dois anos, o
ministério da educação não foi capaz de compreender a incongruência de aplicar
o mesmo critério a situações distintas. Hoje acaba um processo de avaliação
insustentável!
Pelo menos, para e por
mim!
(De qualquer modo, esta
minha crítica não faz muito sentido, pois há muito que conheço a qualidade do
informático e, sobretudo, a sua capacidade de vender maçãs podres aos amigos,
sejam eles de sindicato ou de partido.)
28.1.12
Antes era cerração,
depois esplendor; agora é só bruma! De repente, os credores ficaram com pressa!
E nós, que fazemos?
Matamos os símbolos, em nome da produtividade. Mas, de verdade, o que se passa
é que os credores detestam palavras como “independência”, “liberdade”,
“república”, “democracia” …
E nós, fazemos-lhes a
vontade!
24.1.12
O euro da periferia vale
cada vez menos porque o país faz apostas erradas há mais de 30 anos,
designadamente na vertente educativa. Voltámos as costas ao Atlântico,
abraçámos sofregamente o euro, sem qualquer interiorização da identidade
europeia. Turistas apressados, eliminámos a fronteira, caindo de chofre nos
braços dos credores.
A falta de cultura
europeia impede-nos de dialogar, olhos nos olhos, com os dirigentes europeus,
e, mais grave, impede-nos de desenhar um sistema educativo transnacional capaz
de nos tornar parceiros e não pedintes…
As apostas de Crato são
empobrecedoras porque visam recriar um nacionalismo bacoco imbuído de rigor
positivista e, sobretudo, porque a escola pública programa a desigualdade entre
os portugueses… A Crato falta visão europeísta e sem ela qualquer revisão curricular
não passará de um ersatz…
22.1.12
Há dias tão longos, tão
pesados que o melhor é matar-lhes a palavra!
Há palavras tão nuas, tão
cruéis que o melhor é calá-las!
16.1.12
Rui Zink foi à Escola
Secundária de Camões, no âmbito da Semana das Profissões, falar sobre o prazer
de escrever e sobre a precariedade do ofício da escrita. Explicou que escrever
é um ato que exige cultura, talento, técnica, persistência e, sobretudo, vontade
de desmontar os mecanismos de manipulação das consciências. Soube
escolher os exemplos, adequando-os e explicando-os a um público pouco
familiarizado com a profissão de escritor, mas que soube entender o tom
satírico, e terá registado a sugestão de leitura dos novos autores portugueses:
Hugo Valter Mãe, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares, Dulce Maria Cardoso…
Da construção do discurso
oral sobressaiu a capacidade de associar dados distantes e insólitos
desencadeadores do sorriso dos interlocutores, reforçando a ideia de que o riso
é a melhor resposta à crise que nos é imposta.
No entanto, por detrás do
tom jocoso e lúdico, foi possível notar o desencanto de quem sente que os
portugueses continuam a reconhecer em Rui Zink não o escritor, mas o sátiro.
14.1.12
É apenas uma rua sem
princípio nem fim, dois ou três portais alçados; por eles sobem (ou descem?)
três irmãs declinadas, e desde sempre enlutadas…
Perdidas as três irmãs,
ficaram-me, indistintos, vários atalhos… e uma rua sem princípio nem fim!
11.1.12
Faltam as cartas e as
recomendações
os amigos escasseiam
e as abelhas esquecem a
polinização
atónito
raciono as horas
10.1.12
«Porem compre aos Reis
seer justiçosos, por a todos seus sogeitos poder viir bem, e a nenhuum o
contrairo.» Fernão Lopes, Crónica de D. Pedro I
Fernão Lopes, se hoje
vivesse, estaria certamente boquiaberto face a um Estado que permite que os
cidadãos da Madeira, ao dirigirem-se a uma farmácia, estejam a ser tratados de
modo diferente dos do Continente.
Outrora, o Rei D. Pedro I
procurava a todo o custo assegurar a equidade, independentemente dos afetos;
hoje, o Presidente da República passa ao lado da iniquidade que grassa neste
pretenso Estado democrático, perdendo definitivamente o direito a ser
considerado um «homem bom».
«… porem a justiça
he muito necessaria assi no poboo como no Rei, por que sem ella nenhuma cidade
nem Reino pode estar em assessego.» ibidem
8.1.12
O sonho da ascensão
materializa-se, na maioria dos casos, em objetos utilitários e / ou simbólicos.
Estes representam o poder e a vaidade humana - e exigem criatividade.
Hoje, ao atravessar a
Praça D. Luís (Lisboa), repeti a sensação que, outrora, sentira no Largo Sá da
Bandeira (Santarém): a arte, em regra, serve a megalomania do homem e o criador
pouco mais é do que um servo.
Entretanto, entre estes
dois tempos, experimentei e desafiei a profecia, sem nunca ter realizado a
sonhada ascensão familiar, sem nunca ter compreendido a vaidade humana, pois,
cedo, saboreei o pó de que somos feitos…
Desfeito o oráculo, a
vertigem do pó entranhou-se definitivamente em mim, tornando-me estranho a tudo
o que deriva do TER / do PODER.
5.1.12
Quebrada a linha, só a
proa esfíngica se inscreve na memória. Quebrada a espera, só a elegia sossega …
A partir de agora, já não
há regresso!
(Nova nau se vislumbra no
cais da partida…)
2.1.12
Um dia à espera… campos
desertos e nas ruas, poucos transeuntes. Só nas superfícies comerciais, na zona
da restauração, o movimento de gentes se faz notar. As lojas irremediavelmente
fechadas…
Para além da espera,
ruínas – prédios que implodem no interior da cidade; o castelo imponente,
encerrado.
Nas Urgências, o povo
manso; o resto são regras de Manchester (Quem as verifica?) No SO, 2 B, a
humanidade presa por fios, ligada à máquina – sinal sebástico do milagre da
ciência! A voz ininteligível, a certeza do nome, a VIDA!
Na espera, o chilrear dos
pássaros e, neste longo intervalo, algumas ideias. Afinal, o Menino Jesus de
Alberto Caeiro é uma adaptação do Cristo lusitano de Guerra Junqueiro. - Quem o
diz? - Unamuno, sem ainda ter conhecimento da existência de Pessoa / Alberto
Caeiro. Para além disso, a certeza de que não vale a pena construir sobre
ruínas!