sábado, 30 de agosto de 2025

Diário_2015

 

31.12.15

A soberba de Recep Tayyip Erdoğan

"Em 2015, 3.100 terroristas foram neutralizados em operações domésticas e no estrangeiro", disse Erdogan, referindo-se às operações militares contra posições do Partidos dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), no sudeste da Turquia e no norte do Iraque, adiantou a AFP.

2015 foi um ano difícil para muitos povos que, para além de se verem dizimados, foram forçados a abandonar os seus territórios, correndo mil perigos, e, sobretudo, encontrando as fronteiras europeias fechadas a arame farpado... Classificados como refugiados, veem-se abandonados ou acantonados em países que desrespeitam os direitos humanos, como é o caso da Turquia.

Por seu turno, a União Europeia reforça o poder do ditador Erdogan, concedendo-lhe mais de três mil milhões de euros, supostamente, para acolher os refugiados, mas que ele utiliza para perseguir e eliminar os Curdos, como noticia a AFP...

Erdogan está orgulhoso do serviço de extermínio e a União Europeia é sua cúmplice.

Infelizmente, em Portugal também há quem feche os olhos ou procure neutralizar quem se preocupa em compreender a causa Curda...

 

O efeito António Costa

Lei n.º 159-A/2015 de 30 de dezembro

Extinção da redução remuneratória na Administração Pública

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte: Artigo 1.º Objeto A presente lei estabelece a extinção da redução remuneratória, prevista na Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, nos termos do artigo seguinte. Artigo 2.º Regime aplicável A redução remuneratória prevista na Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, é progressivamente eliminada ao longo do ano de 2016, com reversões trimestrais, nos seguintes termos:

a) Reversão de 40 % nas remunerações pagas a partir de 1 de janeiro de 2016;

b) Reversão de 60 % nas remunerações pagas a partir de 1 de abril de 2016;

c) Reversão de 80 % nas remunerações pagas a partir de 1 de julho de 2016;

d) Eliminação completa da redução remuneratória a partir de 1 de outubro de 2016.

Artigo 3.º Aplicação 1 — O regime previsto na presente lei é aplicável para efeitos do disposto nos artigos 56.º, 75.º e 98.º da Lei n.º 82 -B/2014, de 31 de dezembro. 2 — Em tudo o que não contrariar a presente lei, aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições da Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro.

Artigo 4.º Entrada em vigor e produção de efeitos A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos a 1 de janeiro de 2016. Aprovada em 18 de dezembro de 2015. O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues. Promulgada em 29 de dezembro de 2015. Publique -se. O Presidente da República, ANÍBAL CAVACO SILVA. Referendada em 30 de dezembro de 2015. O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.  Lei n.º 159-A/2015 de 30 de dezembro

 Lei nº159-B/2015, de 30 de dezembro de 2015

Extinção da contribuição extraordinária de solidariedade

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte: Artigo 1.º Objeto A presente lei estabelece a extinção da contribuição extraordinária de solidariedade (CES), prevista no artigo 79.º da Lei n.º 82- B/2014, de 31 de dezembro, nos termos do artigo seguinte. Artigo 2.º Regime aplicável 1 — No ano de 2016, a contribuição extraordinária de solidariedade prevista no artigo 79.º do Orçamento do Estado para 2015, é de: a) 7,5 % sobre o montante que exceda 11 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS), mas que não ultrapasse 17 vezes aquele valor; b) 20 % sobre o montante que ultrapasse 17 vezes o valor do IAS.

2 — A contribuição extraordinária de solidariedade prevista no número anterior não incide sobre pensões e outras prestações que devam ser pagas a partir de 1 de janeiro de 2017. Artigo 3.º Entrada em vigor e produção de efeitos A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos a 1 de janeiro de 2016. Aprovada em 18 de dezembro de 2015. O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues. Promulgada em 29 de dezembro de 2015. Publique -se. O Presidente da República, ANÍBAL CAVACO SILVA. Referendada em 30 de dezembro de 2015. O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.

Neste final de 2015, CARUMA deseja que estas duas medidas sejam exequíveis em 2016, e não tragam retrocessos um pouco mais adiante, como já aconteceu no tempo de Sócrates...

 

30.12.15

A Estrela de Belém

Do ponto de vista do imaginário popular, a Estrela de Belém tem uma função simples: é o GPS dos Reis Magos. Do ponto de vista astronómico, tudo é mais complexo e, de certo modo, perturbador.

Pelo menos, foi esta a conclusão a que cheguei ao assistir ao espetáculo "A Estrela de Belém” no Planetário Calouste Gulbenkian.

Combinando a história de Roma, os livros sagrados dos judeus e dos cristãos com a tradição popular, os astrónomos acabam por dar explicações científicas interessantes sobre os planeta, as estrelas, as constelações, os cometas, as novas e as supernovas, mas pouco dizem sobre o acontecimento astronómico, conhecido como "estrela de Belém", pois, até hoje, ainda não foi possível datar o nascimento do "menino"...

Afinal, a estrela pode não ser estrela, os reis magos não serem reis, mas sacerdotes-astrónomos, e até José é apresentado como excessivamente simplório, pois se deixou convencer de que o pai do "menino" era o "espírito santo"...

Em suma, José não seria português, porque se o fosse saberia do que Espírito Santo é capaz... e não estou a referir-me à "pomba estúpida" do Alberto Caeiro.

 

29.12.15

Paulo Portas, o bom pastor

Nos últimos anos, CARUMA referiu-se, pelo menos, nove vezes a Paulo Portas. De cada uma dessas vezes, o juízo foi negativo. Apesar dos diferentes cargos exercidos, CARUMA sempre o considerou o ministro da PROPAGANDA. Era inigualável nesse papel, contribuindo decisivamente para a estupidificação da nação...

Ontem, anunciou a saída de cena e pediu aos correligionários que "não tenham medo", vestindo a pele do pastor que continuará vigilante não vá o lobo vermelho papar os indefesos cordeirinhos...

Nesta nova pele, vê-lo-emos de regresso daqui a quatro anos, a não ser que o novo presidente da República decida ocupar o palácio de Belém durante 10 anos...

 

28.12.15

Hoje, um homem matou uma mulher...

Bem sei que o tema não é adequado à época, mas sinto-me obrigado a retomar o tema da Morte, não já como recompensa, mas como castigo.

Hoje, por exemplo, um homem não só matou uma mulher, como lhe destruiu o corpo à bomba. Castigou-a porque quis impedi-la de ser livre. Depois, suicidou-se, reconhecendo certamente que a sua morte era o castigo que merecia...

Este homem é apenas um entre muitos outros homens que todos os dias matam ou mandam matar porque não suportam que o outro homem possa ser livre.

Na Turquia, há um homem que todos os dias manda matar outros homens porque querem ser curdos, querem ver reconhecida a sua identidade... Um homem que se diz turco, mas que não é diferente do homem de Sacavém, a não ser num pormenor importante: falta-lhe a coragem de se suicidar.

Talvez seja por isso que, num dos últimos dias, pôs a circular a notícia de que teria dado ordens aos seus capangas para que impedissem outro turco de se suicidar numa das pontes de Istambul.

 

27.12.15

A morte é a nossa recompensa

Japhy: - Que pensas da morte, Ray?

Ray: - Penso que a morte é a nossa recompensa. Quando morremos vamos direitos ao céu nirvana, e pronto.    Jack Kerouac, Os Vagabundos da Verdade, pág. 184, editorial Minerva.

Cada vez menos freudiano, ando longe de desejar a morte, o que não significa que me alheie dela. Não há dia em que me saia do pensamento, até porque, cedo, aprendi a contemplá-la sob a forma de caveira ou senhora de uma gadanha cega que ia segando os campos e as cidades - esta morte era manhosa, surgia quando menos se esperava.

O medo da morte era uma estratégia de sucesso. Instalada na consciência, a morte condicionava os passos e os pensamentos; por vezes, transforma o sonho em pesadelo.

A morte da maioria dos ascendentes e de alguns amigos ainda em plena força da vida não podia ser explicada por um qualquer imperativo metafísico, nem com recurso a explicações de natureza trágica (niilista) ou religiosa... Essas explicações não se coadunam com uma visão positiva da vida...

Hoje estou contente, porque concordo com Jack Kerouac: "A morte é a nossa recompensa." Afinal, sempre que me curvei perante a morte de alguém e me despedi com as palavras sóbrias "Descansa em paz", o que eu queria afirmar é que os meus ascendentes e os meus amigos tudo tinham feito para terem direito a uma derradeira recompensa.

É essa recompensa que justifica os meus dias. porque, na verdade, infelizmente, há quem não mereça morrer.

 

26.12.15

O cerrado do meu avô materno

Cerrado: terreno tapado; tapada (Porto editora)

Afinal, o "serralho" do meu avô mais não era do que um equívoco da minha parte.

O curioso é que ninguém questionou que ao quintalório murado eu tivesse chamado "serralho". E a razão de tal alheamento tanto pode estar relacionada com a azáfama da quadra natalícia, como com o facto de alguém ter imaginado que o meu avô pudesse ser turco, otomano, persa ou árabe...

Na verdade, o meu avô materno era cristão, católico praticante e, sobretudo, vivia os atos litúrgicos de forma emocional, por vezes um pouco excessiva.

Quanto às serralhas, ainda estou a imaginá-las escondidas debaixo de um pedregulho, vá lá saber-se porquê... Talvez, porque o petiz considerasse pouco honroso ter de atravessar a aldeia com uma planta tão viscosa...  

 

25.12.15

O serralho e as serralhas

Na definição de Nuno Júdice, «o serralho é um espaço governado por eunucos dirigidos pelo tirano Solim...» prefácio de Cartas Persas, de Montesquieu.

Não tenho qualquer motivo para pôr em causa a definição, todavia não posso deixar de confessar que muito antes de pensar em qualquer tipo de harém, já conhecia o ‘serralho’ do meu avô materno, e lá nunca avistei qualquer concubina.

O serralho era, afinal, um pequeno quintal pedregoso, onde se podia fazer uma pequena horta e, sobretudo, pôr a secar figos e uvas na eira que, por vezes, também protagonizava uma ou outra descamisada ou esfolhada. No serralho havia, sim, um alpendre que não precisava de ser vigiado, pois o meu avô materno andava longe de ser o tirano Solim...

Poder-se-ia pensar que as esposas do Sultão fossem as serralhas, mas no caso, estas não passavam de leitarugas que, sempre que penso nelas, continuam a incomodar-me. Com frequência, a minha mãe ordenava-me que fosse apanhar serralhas para alimentar os coelhos e era aí que o problema surgia: não só era difícil arrancá-las da terra, como me deixavam as mãos encardidas de um líquido branco que se lhes colava irremediavelmente...

E mais não acrescento para não ficar mal na prosa de infância!

 

24.12.15

FELIZ NATAL!

CARUMA deseja um FELIZ NATAL a todos os seus leitores e, também, àqueles que a espaços a espreitam a verificar se ainda não se transformou em cinza.

CARUMA não ignora que é preciso paciência para lhe aturar a mania de espetar agulhas em quem se põe a jeito e de insistir em ideias que se afastam cada vez mais dos valores dominantes. Na verdade, cheguei a pensar em desejar um SANTO NATAL, mas desisti ao verificar que os santos atuais são bem diferentes dos de outrora...

 

23.12.15

É Natal!

«Os trabalhadores da CP e os seus familiares voltam a viajar gratuitamente nos comboios da empresa a partir de 01 de janeiro, segundo deliberação do Conselho de Administração, repondo um direito suspenso há três anos. A CP – Comboios de Portugal decidiu repor o direito de os trabalhadores no ativo, cônjuges e filhos em idade escolar (até 25 anos), bem como dos trabalhadores reformados, a um regime de concessões de viagem, isto é, acesso gratuito às viagens em comboios da empresa.»

 

Por este andar, o ensino acabará por ser gratuito, tal como a saúde. Os familiares dos empregados dos supermercados passarão a abastecer-se de graça... As famílias dos banqueiros e dos bancários terão direito a crédito ilimitado...

Eu, por mim, espero que o Pai Natal me liberte dos 29,5 % de penalização, apesar dos 41 anos completos de carreira contributiva.

No entanto, não devo ter sorte, pois nunca fui ferroviário, nem pertenci a qualquer conselho de administração, nem integrei nenhum grupo parlamentar...

 

22.12.15

Na barbearia com Lídia Frade

Com este frio, decidi cortar o cabelo. Quem me atendeu foi a senhora Lídia Frade, a contas com uma tendinite que lhe limita o movimento de braços tão necessários à tarefa. Nos últimos meses, a senhora já tinha partido um pé, o que, como se compreende, não a terá ajudado no negócio.

Enquanto me desbastava a trunfa, íamos trocando opiniões sobre o sistema de saúde, pois, infelizmente, temos algum conhecimento das limitações do SNS. Por exemplo, a dona Lídia necessita de fisioterapia, mas vê-se obrigada a pagá-la do seu bolso, pois o SNS só lhe disponibiliza o serviço no Hospital Curry Cabral, com a consequente perda de tempo e custo acrescido resultante de deslocação de táxi... 

Terminada a tarefa, paguei por uma tabela que eu próprio determino. E nesse momento, a senhora Lídia ofereceu-me um SEU livro de poemas com a seguinte dedicatória:

 

Sr. Manuel Gomes,

A vida é complemento e história de vidas

A autora,

Lídia Frade

Do livro Amor Eterno / Interregno e Silêncio

Zaina editores, 2010, transcrevo o poema FOGO

 

Que arde, percorre, consome

Passando da abundância à fome.

Ficando sem norte

Destrói sentidos, perdidos,

Consome a vida, deixando a morte.

 

Fúria incandescente,

Engole viva, a semente

Que deixa estéril o presente.

Por onde passa, arrasa

Que voa sem asa

Galopa sem rédea

E deixa sem casa.

É no fogo afinal,

Que está a cor de desejo

O tilintar do vil metal

E cinza de sonhos

E o sadismo do mal.

 

 (Afinal, os barbeiros sempre amaram a poesia ou será impressão minha? Relembro Domingos Reis Quita, António Variações...)

 

21.12.15

O pai natal traz-nos um novo cambalacho

O contribuinte não tem direito a atualização do salário ou da pensão, no entanto é obrigado a pagar os cambalachos entre os políticos e os banqueiros. Agora, o cambalacho chama-se BANIF! Ao longo dos anos, banqueiros e políticos encobriram-se uns aos outros, e quem vai pagar é o contribuinte - em 2015, 2016, 2017...

Entretanto, que eu saiba, ninguém foi preso. Banqueiros e políticos vão encontrar-se numa nova comissão de inquérito parlamentar, em vez de serem apresentados a um juiz...

E o contribuinte, resignado, parece considerar que tudo corre sobre rodas, indo celebrar o Natal "acima das suas possibilidades", pois os banqueiros anunciaram que pode gastar agora e começar a pagar em março de 2016, com juros, claro...

Bom Natal! E não se esqueçam dos milhares de milhões que estamos obrigados a pagar...

 


20.12.15

O pai natal

Por estes dias, o que me apetece é uma choupana bem longe de qualquer pai natal e da azáfama que ele supostamente traz consigo.

Supostamente, porque o próprio pai natal é uma produção da má-consciência que rege as relações humanas. Os presentes da quadra não fazem esquecer a pobreza em que milhões vivem por culpa da plutocracia crapulosa que todos os dias está cada vez mais rica.

De facto, se o pai natal é produto da má-consciência, ele não deixa de ser uma forma poderosa de alimentar os plutocratas... que, encerrada a quadra, acabam a confessar que o Natal já não é o que era... embora não se estejam a referir ao nascimento do menino Jesus...

 

19.12.15

O Chiado de hoje

Ir ao Largo de Camões na quadra natalícia é um pesadelo. Primeiramente, porque é quase impossível estacionar, e isto sem falar no custo do estacionamento. Depois, porque parece que o mundo desabou entre o Largo do Chiado e o Rossio. A Rua Garrett faz lembrar o Tejo em dia de cheia, neste caso, humana: - um rebanho desce e outro sobe, tirando fotos a tudo o que se move ou reluz; são milhares de fotos por hora partilhadas…

O Chiado de hoje é exótico nas línguas e nas roupas, sem esquecer a diversidade de "atuações" que decorrem um pouco por toda a parte, na procura de uma recompensa imediata que garanta a sobrevivência diária - ricos e pobres, idosos e jovens misturam-se, acotovelam-se em tangentes de equilíbrio precário.

Do comércio nem vale a pena falar, pois não sei se vende, a verdade, no entanto, é que as lojas (as boutiques) se encontram repletas de mirones...

Também a Basílica dos Mártires estava repleta de ouvidos atentos ao concerto que ia decorrendo ou seria uma animada celebração litúrgica? Entrei e, por momentos, senti-me lá bem... 

 

18.12.15

Os novos Programas de Português e de Matemática

Conferir pautas de avaliação pode parecer um ato burocrático aborrecido e inútil, no entanto, durante a tarde de hoje, fiquei com a noção de que os novos programas de Português e de Matemática não devem ter sido pensados para os atuais alunos do 10º ano de escolaridade - os resultados por eles obtidos são catastróficos.

Pode ser que esta situação de insucesso seja local, mas estou convencido que se o Ministério da Educação fizesse uma análise nacional das classificações deste 1º Período, rapidamente se veria forçado a suspender os Programas que entraram em vigor em 2015-2016.

Para bem de todos, espero estar enganado...

 

17.12.15

O melhor é ter à mão um dicionário

Não sei se a responsabilidade deve ser atribuída ao método global, a verdade é que querer ler sem conhecer o significado de cada termo só pode dar em asneira. 

Não se trata já de juntar letras ou juntar sílabas, mas, sim, de encadear palavras, conhecido o significado possível determinado pelo contexto ou pela necessidade de nomeação. 

Como um todo, devemos encarar a frase ou, melhor, o enunciado, porém fazê-lo, pondo de parte o significado, só terá algum sentido se o objetivo for procurar a harmonia / desarmonia...

Admitindo que este último não é o objetivo primeiro do ato de ler, então o melhor é ter à mão um Dicionário...

(Vem isto a propósito do empobrecimento lexical que vai crescendo um pouco por toda a parte e, em particular, nas nossas escolas.)

 

16.12.15

A sageza

«Quando chegares ao cimo de uma montanha, continua a subir.» Ditado Zen

Agora que cheguei à página 79 de Os Vagabundos da Verdade, de Jack Kerouac, começo a pensar que a minha primeira reação ao romance Os Subterrâneos deve ter sido excessiva...

A sageza só é possível se sairmos dos círculos académicos, citadinos, burgueses... e mergulharmos intensamente na natureza, experimentando-a até ao limite das nossas forças. Se esta for a via, o conhecimento só será útil se colocado ao serviço da interação do sujeito com o cosmos.  

 

15.12.15

A política e a moral de José Sócrates

Apesar de, em fundo, José Sócrates atacar ininterruptamente tudo e todos, à exceção do Amigo, hoje estou sem tema, embora pudesse aqui rever a cordata e avisada conversa que tive com um colega que me habituara a considerar um pouco espalhafatoso e excessivo... o que me leva a pensar que, frequentemente, não ouvimos com a devida atenção aqueles que são nossos companheiros de profissão...

Quanto a José Sócrates, continuo sem entender o "processo". Gostaria, no entanto, que as televisões dessem ao Amigo a possibilidade de explicar o seu papel em toda esta trama...

Ao contrário do meu colega que reconhece que a cortesia é fundamental mesmo quando a divergência é total, José Sócrates declarou para quem o quis ouvir que a moral é uma questão privada que não deve interferir na ação política... Talvez seja por partilhar este princípio "socrático" que o Amigo continua em silêncio - não quer confundir a sua vida privada com a vida pública do "animal político"...

 

14.12.15

Sete Cavalos na Berlinda

Significado de Berlinda
s.f. Carro hipomóvel, de quatro rodas, suspenso entre dois varais, recoberto de uma capota.
Maquineta para o transporte de imagens de santos.
Estar na berlinda, ouvir, nos jogos de prendas, a enumeração de seus defeitos ou qualidades.
Ser alvo, durante certo tempo, de censuras ou motejos; ser o assunto do dia.

(Dicionário online de Português)

SETE CAVALOS NA BERLINDA é uma história escrita por Sidónio Muralha (1920-1982) e ilustrada por Márcia Széliga, em que o primeiro decidiu pôr na berlinda os sete cavalos que fugiram da berlinda do Senhor Agapito.

O exemplar que me chegou às mãos é editado pela Global Editora, o qual, apesar da sua brevidade, é capaz de provocar a boa disposição de qualquer adulto e, sobretudo, de pôr a pequenada a sonhar e a imaginar novas situações igualmente fantásticas...e parece adequado à quadra que atravessamos.

 

13.12.15

O sofrimento e a dor

Bion (1970*) considera que a dor é o que se instala quando o paciente não tem capacidade de sofrer.

Na minha perspetiva, a incapacidade de sofrer transforma em dor estados de morbidez que só poderão ser ultrapassados através da mudança de atitude.

De certo modo, tudo o que perturba o paciente é por ele atribuído à dor, procurando consequentemente um remédio imediato, o que explica o sucesso da indústria farmacêutica.

Sempre que entramos numa farmácia, verificamos que elas estão cheias, como se fossem um supermercado.

Em muitos casos, a conta da farmácia ultrapassa a do supermercado e ninguém se interroga sobre esta realidade.

O medicamento acaba por fazer parte do cabaz hedonista. O estoicismo tem cada vez menos seguidores.

* W. Bion, L'Attention et l 'Interprétation. Paris: Payot.

 

12.12.15

Os amigos da linha

Colocar um "post" de um blogue no Facebook ou noutra rede social pouco acrescenta. Os amigos estão ocupados com imagens, sons, piadas de mau gosto e, sobretudo, com adulações de todo o tipo. As hiperligações podem ser maçadoras e obrigam inevitavelmente a uma pausa que coloca os amigos fora de linha.

Hoje, já ninguém quer sair do radar!

Os amigos das redes sociais estão sempre à mão, mesmo quando ignoramos a sua presença, ou eles ignoram a nossa... provavelmente, eles já deixaram de nos ver há muito, mas nós sabemos que eles continuam por ali, em linha.

Estes são os amigos da linha, em regra; o nosso estatuto é medido pela quantidade e não pela partilha. Claro que há exceções! Mas esses têm memória... de alegrias, de dissabores, de encontros e de desencontros e, por vezes, de perdas. Os amigos da linha ajudam-nos a compreender que a amizade está cada vez mais diluída.

 

11.12.15

Debaixo De Algum Céu

«A história é também muito que não vai contado, porque é fácil contar o que acontece, mas faltam palavras para o resto.» Debaixo de Algum Céu (2013), de Nuno Camarneiro

Neste como em qualquer outro romance, o ser aspira ao Céu, pouco importa se azul, divino, materno ou libidinal...

Nesta obra de Nuno Camarneiro, cada personagem procura a plenitude por mais anódina que ela possa parecer. Por vezes, a felicidade esconde-se na porta ao lado, na cave, nas areias do mar próximo ou na base de dados repleta de personagens capazes de transformar a vida...

O êxito, todavia, depende da vontade, da entrega, da partilha, e não do Céu que tudo cobre, mas se manifesta indiferente às penas humanas, começando pelas do padre Daniel que, de modo desesperado, vive uma vida dupla sob o olhar de Deus...

A ação, como o autor refere no preâmbulo, decorre «num prédio chegado à praia» - espaço fechado - durante oito dias, «os último sete de um ano e o primeiro de outro». E o «tempo é medido em medos, um a cada dia, o tempo certo para que homens tremam e mudem».

Em síntese, um romance que dá conta das agruras da vida portuguesa e que, não certamente por falta de palavras, passa ao lado das festas natalícias, embora o padre Daniel salve o "Menino" e, por algum tempo, o espírito de concórdia pareça sair vencedor.

 

Nome próprio

Mathieu Delaporte e Alexandre de La Patellière escreveram a peça Nom Propre em 2010. Esta peça deu origem ao filme franco-belga Le Prénon (2012) que obteve nesse ano um enorme sucesso.

Ontem, fui ver a adaptação portuguesa no Auditório dos Oceanos, representada por Ana Brito e Cunha, Joana Brandão, Aldo Lima, Francisco Menezes e José Pedro Gomes, numa encenação de Fernando Gomes.

Trata-se de uma comédia divertida sobre os equívocos da amizade, despoletada pelo nome próprio que um dos personagens finge atribuir ao filho (?) por nascer - Adolfo / Adolfe...

O jantar é de amigos que não perdem oportunidade de confrontarem os respectivos egoísmos, traições e, sobretudo, desencantos... Muitos são os momentos hilariantes, apesar do fel que alimenta os discursos de cada um...

Ontem, o público divertiu-se e deve ter saído a pensar que a fronteira que separa o palco da vida é muito estreita. No entanto, a vida continua: o Adolfo /Adolfe acabou por chamar-se Francisca ... e não era "ameixa"...

Num espaço cénico sóbrio, os atores estiveram no seu melhor, em particular a Ana Brito e Cunha e o José Pedro Gomes.

 

10.12.15

No tempo e lugar errados

Parece-me que estou a viver no tempo e lugar errados. Por mais que fuja ou explique, não consigo evitar o stresse provocado pelo ruído. Bem sei que a minha perceção auditiva pode parecer exagerada, no entanto sinto-me permanentemente agredido: na rua, na sala de aula, no cinema e até em casa.

Uma porta que range, um parafuso que se precipita, o som da rádio e da televisão, uma voz que se eleva levam-me a um estado de desconforto tal, que, por vezes, me apetece esconder-me. Mas onde?

Bom seria que na agenda da defesa do planeta e do homem, a poluição sonora não fosse esquecida. O problema é que a maioria (?) parece viver bem neste desconcerto...

 

9.12.15

O caos citadino

Em dezembro, o trânsito lisboeta é caótico. Descrédito dos transportes públicos, combustível mais barato, pressa de regressar a casa e, ainda, as compras natalícias... O dinheiro parece não faltar, apesar da austeridade.

Por outro lado, para que o caos seja completo, na Lisboa antiga, as obras de recuperação de imóveis não olham a meios - com o apoio das autoridades, os empreiteiros bloqueiam as ruas com camiões e todo o tipo de máquinas. Sinalização nem por isso…

Avenidas há cujas faixas se veem reduzidas pelo simples facto das cargas e descargas ocorrerem a qualquer hora...

 

8.12.15

Adab

Agora que o Estado Islâmico reivindica a reconstrução de antigos califados, o melhor seria começar por conhecer a história da literatura árabe humanista. No que me diz respeito, confesso o meu preconceito, embora matizado, e deploro o meu contributo para a hostilização da cultura árabe, sobretudo porque reconheço que a História e a Literatura me formataram nesse sentido...

«La palabra árabe usada para literatura es adab, que deriva de una palabra que significa "invitar a alguien a comer" y que implica matices de cortesía, cultura y enriquecimiento personal

Literatura árabe

«El término adab designa, en una de sus acepciones más comunes, a un género literario bien conocido de la literatura árabe medieval, familiar no sólo para los especialistas sino también para cualquiera que se haya iniciado mínimamente en esta literatura. Sin embargo, esta familiaridad con el término no supone un conocimiento preciso de su contenido, y menos aún una correcta valoración de su sentido. Y ahora no ya para los estudiantes o estudiosos ocasionales, sino para los especialistas que se han dedicado a su estudio.» FRANCISCO RUIZ GÍRELA, La literatura de adab: tratados de Paremiología inextenso.

Literatura adab

«El esfuerzo más importante hecho para precisar el contenido de dicho término es seguramente el que realizó el Profesor Carlo-Alfonso Nallíno en un espléndido estudio que presentó como introducción a un curso de Literatura Árabe que dictó en la Universidad de El Cairo a comienzos de este siglo, en 1901. Supone, siguiendo a Vollers, que, etimológicamente, adab deriva de la raíz «d-'-b», que aparece en el Corán en cinco ocasiones, con un sentido único y claramente perceptible en todas ellas: «forma habitual de actuación, costumbre».

« L’adab est une forme prise para la pensée arabo-islamique pour constituer un humanisme qui ne doive point tout au Coran et à la Loi qui en derive. » (Blachère, apud Wiet, 1966: 55).

 

7.12.15

Os Subterrâneos, de Jack Kerouac

Conclui, hoje, a leitura do romance "Os Subterrâneos", de Jack Kerouac. O que dizer desta obra publicada em 1958?

Em primeiro lugar, que o autor prefere a espontaneidade discursiva a qualquer plano devidamente estruturado.

Em segundo lugar, que, na linha dos surrealistas, a escrita se automatiza de tal modo que a censura lexical, sintática e moral é destruída linha a linha, página a página - assim se compreendendo a aversão de Kerouac a qualquer tentativa de revisão.

Em terceiro lugar, que os intelectuais e os artistas americanos dos anos 40 a 60, ao procurarem eliminar as fronteiras sexuais, étnicas e mentais, o fizeram de tal modo que acabaram por mergulhar no absurdo e no niilismo... A promiscuidade, o alcoolismo, a droga, o narcisismo, a discriminação, a violência, as megalomanias tornaram-se nos novos valores do Ocidente...

Finalmente, pelas referências literárias, artísticas e filosóficas, este romance é a prova de que os Estados Unidos não quiseram ficar atrás da Europa, que dificilmente se ergueria dos escombros a que a sua elite a condenara.

(Este ponto de vista é necessariamente tendencioso e, como tal, não espero que seja partilhado.)  

 

6.12.15

Afinal, os gatos não são todos iguais

Os gatos avistados são sete, só que, inicialmente, pensei que seriam os mesmos sete de ontem, que teriam mudado de sítio. Desta vez, estariam separados, talvez, porque a disciplina de um dia se tivesse transformado em desordem... Esquivos, pareciam temer-me.

Enquanto pensava na indisciplina felina, fui avançando, atento à cor amarelada e avermelhada das árvores exóticas que ladeavam apressadamente os prédios, três ainda em construção - tempo previsto: 24 meses - mas em fases diferenciadas, apesar da simetria do projeto...

Até que a hipótese de me ter cruzado com sete gatos nómadas (há quem pense que são vadios, curiosa associação!) se esfumou nas palavras, que não na mente, pois no lugar de ontem avistei a jovem benfeitora, e logo suspeitei que não estaria sozinha naquele recanto. Esperei, pouco discreto, que ela se afastasse, o que acabou por acontecer - ela regressou ao prédio a que pertenceria, de acordo com o conveniente sedentarismo que nos separa dos vadios... Dei sete passos, e lá estavam eles, não sete, mas nove gatos.

Afinal, os gatos não são todos iguais e nem sempre são os mesmos, o mesmo acontecendo com os benfeitores.

  

5.12.15

São cinco as gamelas e sete os gatos

O essencial é o que Ser pensa e não o que ele diz.

São cinco as gamelas e sete os gatos que, alinhados, matam a fome. No entanto, o pensamento diz-me que são cinco os comedouros e sete os comedores e arrasta-me para a interrogação de possíveis cacofonias: - são sete os comedores que comem nos comedouros.

A questão essencial, todavia, é diferente. Pouco interessa se os gatos disputam comedouros, gamelas ou tijelas. O que, sem ser dito, emerge é que, na verdade, os felinos não disputam, porque a alternância de ritmos lhes permite comer sem qualquer conflito...

Deste modo, raramente as palavras dizem o que é pensado, porque, trapalhonas, procuram o seu ritmo, o seu interesse - o poder que as individualize, que deixe pelo menos dois gatos de fora. E na liça, sobram os arranhões, o pelo eriçado...

Em conclusão, o que as palavras dizem pouco tem de "essencial", excetuando, talvez, as de alguns poetas...

Ainda puxei da máquina fotográfica, mas logo a mente disse: - estás a perder o pouco tempo que tens para pensar.

 

4.12.15

O Niilismo é o melhor aliado dos teólogos

«Sabe-se que se sabe, mas sabe-se que aquilo que se sabe pode ser posto em dúvida, e pode sobretudo engendrar uma nova maneira de saber.» Alfredo Margarido, O Islamismo face ao Oriente, in revista Finisterra, nº 6 Outono 1990.

Por maior compreensão que possamos ter com as culturas divergentes, há um limiar que não deve ser ultrapassado - ser tolerantes com a ditadura das religiões e dos teólogos.

E por mais paradoxal que possa parecer, a incapacidade de enfrentar o fenómeno integrista resulta do modo como a laicização ocidental, inspirada em Nietzsche e Marx, descurou o estudo da História e, em particular, o estudo História das Religiões.

Por um lado, a Ciência e, por outro lado, a Filosofia existencialista encarregaram-se de progressivamente matar a Transcendência, como se o Ser pudesse bastar-se a si próprio...

 

O Niilismo é o melhor aliado dos teólogos... os jovens que o digam, embora possam não o saber... 

 

3.12.15

Atentados por 30.000 euros

O ministro das Finanças francês, Michel Sapin, afirmou hoje que quem organizou os atentados de 13 de novembro em Paris "não terá gastado mais do que 30 mil euros".

Fica barato organizar e executar um atentado. Não um, mas vários, e quem o diz é o senhor Michel Sapin, ministro das Finanças francês, que já deve ter orçamentado vários atentados de retaliação muitíssimo mais caros; isso, porém, não diz.

Não consigo perceber donde é que saíram estes seres que nos governam que, em vez de procurarem soluções que permitam acabar com as causas do terrorismo teológico, geram notícias facilitadoras da violência armada. Afinal, ela fica barata!

Só nos faltava o racionalismo contabilístico vir dar a mão ao obscurantismo do integrismo religioso...

 

2.12.15

O capitalismo atual explora o tempo individual

«Contrariamente ao que nos diz Marx, o homem não vende apenas nem talvez sobretudo a sua força de trabalho. O que ele vende antes de mais é o seu tempo.» Alfredo Margarido, O Islamismo face ao Ocidente..., in revista Finisterra, nº 6, Outono 1990.

O capitalismo atual, mais do a força de trabalho, explora o tempo individual.
Aos jovens dá-lhes todo o tempo e rouba-lhes o trabalho; aos mais velhos aumenta-lhes o tempo de trabalho, e rouba-lhes o tempo de vida.

Como a experiência ensina, os jovens ociosos acabam por se perder na rotina dos dias e, ao desperdiçarem a iniciativa e a capacidade de transformação da sociedade, tornam-se abúlicos ou, então, rebeldes capazes de sacrificar a vida por uma ideia por mais abstrusa que possa ser...

Quanto aos mais velhos, obrigados a adaptarem-se às novas tecnologias, a acelerarem os ritmos de trabalho e a submeterem-se aos ditames de um poder que os responsabiliza a todo o momento pelo fracasso da sociedade, não chegam a ter o tempo a que teriam direito para fruir o resto dos seus dias.

(As notícias deste dia sobre as regras de aposentação e de reforma só confirmam a perversão a que chegou capitalismo atual.)  

 


1.12.15

Estou contra...

Estou contra a restauração do feriado de 1 de dezembro por um simples motivo: há muito que Portugal deixou de ser um país independente.

A não ser que o dia feriado seja aproveitado para decidir as estratégias que nos permitam sair da pasmaceira em que nos arrastamos, estou contra a restauração do feriado de 1 de dezembro.

ESTOU CONTRA e não SOU CONTRA! A diferença está na atitude de quem, sendo preguiçoso por natureza, rejeita os estados de alienação...

 

30.11.15

Hoje, não posso omitir o essencial

30 de novembro, dia do passamento de Fernando Pessoa, deixou de ser para mim uma página do calendário para se tornar um lugar: há 41 anos casei e assim me mantenho; hoje, a Susana concluiu o mestrado, defendendo " O paradoxo da questão curda - a autodeterminação e a negociação turca", no âmbito do Trabalho de Projeto em Direitos Humanos e Movimentos Sociais; e hoje, desisti do pedido de aposentação. 

Do casamento, a vida dirá.

Da conclusão do mestrado da Susana, registo a sua capacidade de superação de todos os obstáculos, desde a odisseia turca ao capricho de quem, desconhecendo o terreno, se perdeu em atalhos que, por vezes, levaram a mestranda ao colapso físico e psíquico.

Finalmente, este 30 de novembro é o dia em que decido não pactuar com o tratamento desigual a que o legislador vai submetendo os funcionários e é, também, o dia em que assumo que ainda tenho condições para 'orientar' uns tantos jovens, procurando que não se percam nos atalhos da vida.

Hoje, talvez, fosse mais fácil omitir o essencial, silenciando as palavras, mas a verdade é que, por respeito por todos aqueles que prezam os direitos humanos, não o podia fazer. 

 

29.11.15

Tantos são os indivíduos e tão diversos!

Há quem guarde tudo, ou melhor, há quem atire tudo para longe da vista. Gavetas, prateleiras, baús, sacos, sótãos e, sobretudo para a garagem.

Com o tempo, torna-se difícil circular em casa: mesas pejadas de molduras de outro tempo, bugigangas de múltiplas viagens, e despejos de quartos e de casas dos filhos nómadas...

Há mesmo quem, insatisfeito com o que tem, ainda traga da rua cadeiras, bancos, mesinhas de chá e até pequenas cómodas, isto sem falar nos eletrodomésticos falhos de resistência...

Hoje, fui procurar na garagem alguns dessas relíquias empoeiradas, e até uma saca de medicamentos fora-de-prazo encontrei. Ainda pensei que aquela saca tivesse pertencido a um daqueles parentes hipocondríacos que tudo compram, mas que, como seguro de vida, nada tomam. Lida a bula, decidem que o melhor é guardar na gaveta. Mas não, não há memória de como chegaram à minha garagem!

Há uns tempos, decidi catalogar livros, revistas, coleções, DVDs, manuais; já devo ir nos 2500 registos. Só que esta a visita à garagem está-me a enervar. Olho e fico incapaz de determinar as categorias, as classes, as espécies, tantos são os indivíduos e tão diversos.

Tantos são os indivíduos e tão diversos!

Sinto agora que estou mais calmo, porque acabo de entender que a luta em defesa dos direitos humanos deve começar por combater as categorias, as classes, as espécies e, sobretudo lutar para que os indivíduos não sejam atirados para longe da vista, arrumados em espaços identitários, tal como é consagrado pelo pensamento multiculturalista.

 

28.11.15

Confesso que o idealismo já fez o seu caminho

Agora que estou em reflexão, confesso que o idealismo já fez o seu caminho.

Doravante, passarei a ser prático e minimalista, não hesitando em recorrer aos expedientes mais comuns.

Seguindo o exemplo de um avô, irei ser parco nas palavras e circunspecto na avaliação das 'novidades'.

Afinal, como ele, já vi de tudo um pouco; nada me surpreende. Longe de mim, querer perturbar os nefelibatas que, a todo o momento, se me atravessam no caminho.

Entretanto, vou conter a ira que me mina há largo tempo. Pode ser que a contenção acabe por dar resultado, apesar do sacrificado coração.

 

27.11.15

Cuidado com a extorsão

Ontem, escrevi uma carta ao António, embora soubesse que ele não teria tempo para a ler. Aquela carta mais não é do que um esconjuro.

Entretanto, hoje recebi uma carta da Odete a informar-me que o Estado quer penalizar-me em 29,5%, embora já tenha 41 anos de serviço público. A simpática Odete concede-me dez dias úteis para me decidir... Entrei, assim, em período de reflexão...

 

A verdade é que eu preferia que o António, em vez de ler a minha carta, lesse a da Odete, e a comparasse com outras que a mesma 'coordenadora de unidade' enviou a outros zelosos cidadãos que, para além de serem mais novos, trabalharam e descontaram durante menos tempo...

Não deixa de ser sintomático que, neste mesmo dia, bem cedo, em Lisboa, um "amigo" de Sintra me tenha abordado, contando-me que, em tempos idos, fora engenheiro na Renault, e que presentemente era director da Worten. Perante a minha desconfiança, o "amigo" de Sintra resolveu avançar com um produto de uma qualquer linha CR, que era oferta de amigo para amigo... No essencial, tratava-se de um extravio que estaria a ser colocado de forma personalizada.

Só que o "amigo" não teve sorte, porque eu estava com pressa e, sobretudo, não o reconhecia. Entretanto, quando me preparava para o deixar a falar sozinho, o "amigo" de Sintra saiu-se com a seguinte proposta:  " - ao menos adiante-me o IVA".

 

26.11.15

Caro António Costa,

Já és primeiro-ministro, sonho antigo, resta saber se consegues dar conta do recado. E para tal não te esqueças que é feio mentir e deixar as promessas por cumprir. Se tiveres de o fazer, não faças como o Pedro, para quem a culpa era do malvado Sócrates...

Como irás ter pouco tempo para ler, apenas acrescento que concretos são os portugueses e não Portugal, como pensa o Aníbal - os portugueses podem viver melhor ou pior, e tal depende da tua lucidez, da tua capacidade de diálogo, que não deves confundir com qualquer jogo florentino...

Nada espero, nem nada peço, a não ser que sejas um verdadeiro primeiro-ministro.

Caruma

 

25.11.15

O narcisista

Ai de quem cai nas mãos dum narcisista! O narcisista desconhece a distância, o que o impede de incentivar a dissolução das fronteiras.

Pelo contrário, o narcisista gera limites cada vez mais próximos, mesmo se imaginários... e obriga-nos a expulsar o outro da fronteira. Só que, por vezes, o outro também é narcisista!

Os narcisos antecipam múltiplos charcos donde vários nenúfares irão ser expulsos...

Quando o outro é narcisista, a batalha é sem fim... Se o outro não for narcisista, então acabará dissolvido na fronteira. 

 

24.11.15

De cavaco para costa

O Presidente olha para o interlocutor, aprecia-lhe as companhias, e cogita etimologicamente: a língua destes salafrários não vai além do registo corrente, como tal, de cavaco para costa, recuso-me a indigitá-lo; vou indicá-lo como primeiro-ministro e é quanto basta... mais tarde, veremos se ele percebe alguma coisa de etimologia!

Ninguém gosta de ser cinza

Ninguém gosta de ser cinza; a verdade, porém, é que 'ninguém' é menos do que cinza. A vontade de 'ninguém' é ser alguém, o que explica que, nestes dias, qualquer meio sirva para sair do anonimato.

A cinza é a expressão do anonimato.

Politicamente, o cavaco, que pensa ser alguém, recorre a todos os meios para adiar o dia da cremação, isto é, do anonimato.

 

22.11.15

A cinza somos nós!

Bem sabemos como um simples cavaco pode atrapalhar a vida de todos nós, embora me pareça que, nos últimos anos, muitos portugueses andaram amarrados à ideia de que a melhor forma de combater o desenvolvimento era asfixiá-lo, transformá-lo em cinza porque dela acabará por eclodir a fénix.

A ideia seduz, o problema é que a cinza somos nós num tempo e num espaço bem delimitados.

Podemos ainda pensar que um simples cavaco pouco terá a dizer sobre o que se passa à sua volta, porém enganamo-nos: sempre que outro cavaco, dentro ou fora, se sente acossado, o cavaquinho não perde tempo a clamar a sua solidariedade... e a cinza somos nós!

 

21.11.15

Sempre que passo por um mercado municipal

Sempre que passo por um mercado municipal, concluo que há bancas de venda que não afixam os preços dos produtos. Em particular, as bancas de peixe.

Pessoalmente, a ausência do preço tem uma consequência: viro as costas e vou-me embora, de mãos a abanar. E frustrado.

Dois exemplos: Mercado 31 de Janeiro nas Picoas, Lisboa, e Mercado de Moscavide. Refiro estes porque foram aqueles em que entrei na pretérita semana.

 

Será que há alguma norma municipal que isente os vendedores de peixe de afixar os preços?

 

20.11.15

Exigimos quase tudo

Exigimos quase tudo, e damos tão pouco. E o mais grave é que não percebemos o risco que corremos.

Habituámo-nos a fazê-lo, seguindo padrões de outro tempo, como se tivesse chegado o momento da desforra...

A consciência pressupõe que o fazer seja partilhado, mas a verdade é que esta ciência está reduzida ao amor-próprio.

 

19.11.15

Cansados

Cansados de serem postos de lado, procuraram outro deus e começaram a disparar em nome dele...

Cansados de serem alvos fortuitos, esqueceram o seu deus e desataram a disparar em nome deles...

Cansados do terror, deixaram a terra a outro deus e partiram convencidos de que ainda há um deus...

Um deus, senhor de uma terra onde não haja cansaço...

(As águas de inverno abrir-se-ão e os cavalos do senhor...)

 

18.11.15

Atos nefandos

O problema dos atos é que, aos olhos de quem os pratica, eles estão sempre justificados. O resto é juízo do outro, da comunidade. Esta pode aceitá-los ou rejeitá-los, reprimi-los conforme os seus interesses, os seus valores...

Deste modo, há que procurar compreender a génese das pulsões de morte e não as aceitar, rejeitá-las, exaltá-las ou condená-las...e, sobretudo, há que evitar que as condições propícias à sua eclosão se disseminem.

Os atos nefandos, infelizmente, para além do executante e do eventual mandante, resultam de circunstâncias a que a comunidade não pode eximir-se. 

 

(Este comentário tem o objetivo de contrariar a tese de quem pensa que é possível erradicar o mal, como se este fosse uma entidade estática de natureza individual.)

 

17.11.15

Sou apenas um alcatruz

Por vezes, convenço-me que o Acaso determina os acontecimentos. O certo é que sempre tive relutância em aceitar que o Fado pudesse anular o livre-arbítrio, fazendo de mim um autómato iludido ou paranoico.

O facto é que, nestes últimos anos, tudo o que me acontece surge como se eu apenas executasse um guião de que não me posso furtar.

Cada dia parece diferente do anterior, no entanto o tempo de escolha vai-se diluindo de tal modo que apenas resta a obrigação de servir...

E nem o Acaso surge para me provar que a roda da Fortuna cai por um segundo para o meu lado - sou apenas um alcatruz, de raiz árabe...

 

16.11.15

Não, não vou por aí!

«Aquele que se mata faz morrer a sua vida, mas também mata a sua morte, ele anula o tempo situando a sua morte agora. “Patrick Baudry, Abordagem do Suicidário, in O Não-Verbal em Questão, Revista de Comunicação e Linguagens, nº 17/18.

O suicida é aquele que não quer morrer, que recusa que a morte seja uma inevitabilidade determinada pela desigualdade e pela segregação... O suicídio, mais do uma questão individual, é um problema cuja génese é social.

Como tal, repugna-me o discurso de que o suicida é um fanático instrumentalizado - um ser demoníaco que não hesita em arrastar consigo dezenas, centenas ou milhares de cidadãos anónimos... numa lógica maniqueísta...

Como se a solução estivesse na eliminação sucessiva dos bombistas suicidas, e não na eliminação dos factores que conduzem à desigualdade económica, social, política...

O argumento religioso só serve para encobrir uma abordagem errada desta problemática suicidária.

 

Je ne suis pas François Hollande !

Lembrando José Régio: 

«Não, não vou por aí! Só vou por onde 

Me levam meus próprios passos... 

 

Se ao que busco saber nenhum de vós responde 

Por que me repetis: "vem por aqui!"?»

Cântico Negro, in Poemas de Deus e do Diabo

 

15.11.15

Depois... mais cinza !

Par LIBERATION, avec AFP — 15 novembre 2015 à 21 :53

Les chasseurs français ont largué dimanche 20 bombes à Raqqa, ciblant un poste de commandement et un camp d’entraînement de l'Etat islamique.

Depois... mais cinza! 

A França não resistiu à tentação. Avançou para a retaliação, escolhendo o caminho mais fácil com o objetivo de eliminar o inimigo externo. Falta, no entanto, saber como é que vai eliminar o inimigo interno.

A França, como a civilização ocidental, age em nome da Liberdade, mas descura o princípio da Igualdade. Por algum tempo, a França continuará a ser o alvo da Solidariedade daqueles que desprezam a Igualdade, mas mesmo essa fraternidade será efémera.

 

14.11.15

Ponto final

Caruma entrou em combustão. Por algum tempo, será cinza. Depois...

A imaginação destruidora (cábula para um jovem desorientado)

Ontem, alguns indivíduos acrescentaram à "cábula para um jovem desorientado" uma terceira ideia - a imaginação destruidora.

Uma imaginação que serve um princípio de que poderíamos pensar que fosse absurdo, doentio, mas que, de facto, serve uma causa cujos protagonistas consideram criativa. Por exemplo, a construção de um "estado islâmico" ou a refundação de califados há muito extintos...

Em Paris, ontem, a imaginação deu à MORTE tal protagonismo que, hoje, o MEDO campeia, pondo em primeiro plano solidariedades proibidas e ruinosas. 

Do Irão à Turquia, passando por Israel, pela Rússia, pela China e pelos países ditos democráticos, mas que se alimentam da indústria do armamento, todos proclamam o seu apego à Liberdade..., fazendo rigorosamente o contrário.

13.11.15

Cábula para um jovem desorientado

Tema: A imaginação

Introdução (2 ideias, 1 parágrafo)

A - A imaginação como processo de fuga, de libertação de situações constrangedoras.

B - A imaginação como processo criativo.

Desenvolvimento (2 situações, dois parágrafos)

Situação primeira: explicitação de casos em que o indivíduo recorre à imaginação para se evadir - imaginação estéril e primária. Exemplos: sala de aula; vida familiar, social e política...

Situação segunda: explicitação de casos em que o indivíduo recorre à imaginação para criar alternativas (ideias, ferramentas, artefactos...) - imaginação artística, científica, tecnológica... Exemplos de acordo com o plano de estudos do jovem desorientado...

(Metodologia: na primeira situação, o indivíduo recorre à experiência; na segunda recorre à investigação, à indagação.)

Conclusão (1 parágrafo)

O escrevente confirma se o desenvolvimento do tema cumpre o estabelecido na introdução e, sobretudo, se contribui para uma melhor compreensão do processo imaginativo.

 

12.11.15

... como a lesma

Tudo na mesma, como a lesma!

Segurança Social, 28/10/ 2015:

"Informamos V. Exª que nesta data foi a C.G.A informada do valor correspondente à nossa comparticipação."

Caixa Geral de Aposentações, 12/11/2015:

Informamos V. Exª que, à data, a C.G.A. não recebeu qualquer informação da Segurança Social... Fui, entretanto, informado que estas duas instituições estão ligadas por uma plataforma informática que lhes permite editar e consultar os processos em simultâneo...

Apesar de tal ferramenta, estes organismos continuam a tentar comunicar por fax...

 

 

 

 

11.11.15

Já não há empresários portugueses!

Não sei se os empresários têm voz, mas, apesar daquilo que vou ouvindo, custa-me acreditar que eles se deixem influenciar pelo poder político, a não ser que vivam do favorecimento dos governos... Oiço, no entanto, que, neste último mês, os pequenos e médios empresários suspenderam os investimentos ou deslocalizam o negócio ou a sede das respetivas empresas. Quanto aos grandes empresários, parece que não há notícias...

A única ideia que me assalta, de momento, é que já não haverá empresários portugueses... embora haja médicos portugueses, enfermeiros portugueses, professores portugueses, funcionários portugueses, trabalhadores portugueses, pescadores portugueses, agricultores portugueses, artistas portugueses, polícias portugueses, militares portugueses... - todos eles a exercer os seus ofícios, independentemente do poder político do momento.

Não creio que os portugueses estejam disponíveis para suspender o trabalho à espera de que o Governo caia ou tome posse.

 

10.11.15

Ao cuidado do Presidente Aníbal António Cavaco Silva

Vistas a circunstâncias, considerando a situação do Presidente Aníbal António Cavaco Silva, e não querendo afastar-me do que, ontem, aqui escrevi, vou continuar a citar João Ubaldo RibeiroO Feitiço da Ilha do Pavão, pág. 188-189:

«Ouviu então, com o sobrolho franzido e momentos em que, pasmo, abria a boca e erguia os olhos para o alto, a espantosa descrição do estado a que chegara a ilha do Pavão, praticamente uma oclocracia independente, às vésperas da anarquia, onde não tinham vigência, ou mesmo se conheciam, os éditos e ordenações da Coroa, nem as regras da Igreja; onde o elemento servil já praticamente não existia, onde, se se dissera oclocracia, governo do vulgo e da gentalha, melhor se dissera dulocracia, governo dos escravos, pois que se ombreiam com seus senhores, comprando propriedades, comerciando, vestindo-se como brancos e até casando com brancos, tanto negras quanto negros...»  

Glossário facilitador: 

- OCLOCRACIA - sistema de governo em que predominam as classes inferiores.

- DULOCRACIA - sistema de governo em que predominam os escravos.

 

9.11.15

Cansado de pavonadas

Ainda não percebi bem se o sentimento é de alegria se de tristeza. De qualquer modo, o recurso ao termo "sentimento" obriga-me a pensar que me estou a afastar da autenticidade - na esfera do sentimento há sempre uma certa dose de encenação... Talvez por isso, hoje, só vi rostos fechados, expressões de incerteza.

Afinal, quem é que vai pagar a conta? A Europa? Os ricos?

Os ingénuos e os matreiros pensarão que há mil maneiras de "apagar" a conta. A forma mais simples seria não pensar mais nisso, mas a História ensina que a conta é sempre paga pelos pobres. 

Convém relembrar que o "estado de pobreza" não é uma noção estática: nasce-se pobre, mas, também, se cai e morre na pobreza. 

Atalhar a tal fatalidade exige que se produza riqueza.

Nos rostos fechados, expressões de incerteza, não vi, hoje, qualquer indicador de produção de riqueza. Só sinais de despesa! 

Cansado de pavonadas, termino como uma citação de João Ubaldo Ribeiro, O feitiço da Ilha do Pavão, pág.126, Editora Nova Fronteira: 

«- Aqui neste reino há cativos, sempre haverá cativos. Enquanto o mundo for mundo haverá cativos, pois sempre existirão os que nasceram para isso e os que nasceram para mandar, esta é a voz verdadeira dos grandes filósofos e a voz verdadeira da vida.»

Por estes dias, prefiro ler João Ubaldo Ribeiro!

 

8.11.15

Até à data

«Às palavras que descem pelo rio
deito a rede em que me deito,
e se adormeço então,
acordo
de olhos muito abertos.»
Pedro Tamen, Dentro de Momentos, 1984 

Ainda pensei que poderia ser poeta, mas cedo descobri que me faltava o rio, e quando o encontrei, logo percebi que as canas corriam para o mar, umas vezes devagarinho, outras, apressadas... Quanto às palavras, elas sempre foram mais demoradas... 

Das poucas vezes que a rede lancei, se as palavras aconteceram, elas perderam-se antes de eu adormecer...

Até à data, o mais que já observei foram trutas que subiam o rio, e não me apeteceu lançar-lhes a mão. Fiquei ali, de olhos muito abertos, a vê-las saltar os obstáculos ou a contorná-los como se aquele fosse o último dia, o último luar...

 

 

7.11.15

Sobretudo as serventias

Tudo o que poderá ser importante decorre nos bastidores.

Nada se sabe sobre os verdadeiros negociadores, sobre os respetivos valorescompetênciasinteresses e serventias...

Apesar de haver quem afirme que estamos a viver um tempo novo - o regresso à política - a verdade é que já não basta afirmar que se defende um governo em nome do povo, quando esta entidade não passa de um conceito oco, pois a estratificação social e económica do povo é por demais evidente... Aquilo que eu gostaria de conhecer neste período crucial é quais são os valores, as competências, os interesses e as serventias dos negociadores. Sobretudo quais são as serventias, quando o país ainda não conseguiu sair dos escombros, porque, como a História ensina, a rapina e o saque costumam ser as primeiras etapas do assalto ao poder.

Relembro que não há serventia sem Senhor! Não esqueçamos o Eduardo Catroga de 2011 ou o Carlos Costa mais recentemente... Nenhum deles ficou a perder, porém muitos portugueses perderam quase tudo.

 

6.11.15

Afronta-me este país desigual

Hoje, vou voltar ao tema do tratamento da doença em Portugal a partir de uma situação familiar. Um indivíduo necessita de ser operado com urgência, por exemplo, no Hospital Curry Cabral; é visto pelo cirurgião que, face ao diagnóstico comprovado por um especialista, confirma a urgência no "processo"; a marcação do ato, no entanto, não pode ser feita de imediato; 15 dias, mais tarde, o referido indivíduo recebe uma simpática carta da Unidade Hospitalar de Gestão de Inscritos para Cirurgia, em que é informado:

«A partir deste momento, assumimos o compromisso de o (a) operar num máximo de espera de 9 meses (270 dias).»

Como se sabe, em muitos casos, a celeridade é fundamental para atalhar a evolução da doença. A vida do indivíduo em causa fica, assim, nas mãos de um gestor de "espera", a não ser que possa fugir do Serviço Nacional de Saúde...

E aqui é que a desigualdade se manifesta. Se o indivíduo for, por exemplo, beneficiário da ADSE ou de outro subsistema de saúde, poderá ser operado num prazo de 15 dias num Hospital Privado...

Agora que corremos o risco de vir a ter dois governos, pouco me importa qual deles governa, a não ser que um deles acabe com esta fronteira que acelera a morte de uns, apenas porque não têm recursos financeiros ou não descontaram para subsistemas que, entretanto, são subsidiados pelo Estado, com vantagens inconfessáveis para quem apoia, gere e executa este tipo de discriminação.

 

5.11.15

A primeira mulata loira do Jardim do Equador.

Na obra Novela Africana (1933), Julião Quintinha ficciona a vida de uma Maria Correia da Ilha do Príncipe, apresentando-a como "mulata e bastarda de fidalgos de Portugal, viúva de três maridos, senhora de toda a ilha, que tinha suas fazendas marcadas com pirâmides de pedra e se tornara famosa pela riqueza das suas baixelas de prata e cristal.…" in A Primeira Mulata Loira.

A mulata Maria Correia tornou-se lendária, porque sabia como seduzir os ingleses que manhosamente combatiam a escravatura, para favorecerem o seu «comércio e monopólio com a Índia» ... E essa estratégia permitia-lhe proteger o negócio de escravos, que os seus próprios barcos transportavam para Havana...

Apesar de Julião Quintinha, por vezes designado como Julião Quintanilha, ser considerado um escritor "menor", não deixa de ser curioso que Arlindo Manuel Caldeira o não tenha referido no "estudo" MESTIÇAGEM, ESTRATÉGIAS DE CASAMENTO E PROPRIEDADE FEMININA NO ARQUIPÉLAGO DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE NOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII. 

Arlindo Manuel Caldeira apresenta como principal fonte o livro de José Brandão Pereira de Melo, Maria Corrêa - A Princesa Negra do Príncipe (1788-1861), Lisboa, Agência Geral da Colónias, 1944.

Há casos em que a Ficção não deve ser descurada...

«Quando os marinheiros ingleses recolheram a bordo já luziam as estrelas da madrugada. E não puderam ver, no alto mar, um ponto escuro - a sombra do barco negreiro, carregado de carne humana, que tomava o rumo das terras do Brasil...

Foi aquela a última leva de escravos que partiu na Ilha do Príncipe. E dizem que, dessa aventura do lord, daí a meses, nasceu uma linda flor exótica, que foi a primeira mulata loira do Jardim do Equador.» 

 

4.11.15

Sobre a 8ª conferência internacional do PNL

«A oitava conferência internacional do PNL, que acontece na quinta e na sexta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, debruça-se sobre a importância da leitura, em particular entre os mais novos, e sobre os valores que podem ou devem ser transmitidos através do livro e do ato de ler.O valor do ato de ler

  1. Importante é poder aprender a ler.
  2. Importante é saber ler.
  3. Importante é poder escolher o que ler.
  4. Importante é ter os meios para aceder à leitura.
  5. Importante é que a leitura permita destrinçar os valores presentes nos textos, sejam eles quais forem.
  6. Importante é perceber que os valores resultam de opções que não são neutras.
  7. Importante é compreender que a escrita programática perdeu a inocência há muito tempo.

Quando o Plano Nacional de Leitura seleciona as obras (e os autores), porque nelas (es) estão presentes determinados valores, lembra-me a "filosofia do espírito" do Estado Novo.

 

3.11.15

Escrever sobre nós

Começo a sentir que escrever sobre nós é um pouco como abrir uma janela e ficar lá parado à espera que alguém dê conta da nossa presença.

Nos últimos dias, não tenho saído da janela, apesar de ter calcorreado os bairros antigos desta Lisboa que, por pouco, tinha especificado como "nossa Lisboa"... 

A verdade é que regressei a espaços e a tempos em que outrora vivi. 

No tempo mais antigo, o espaço é jesuítico, austero, filipino: a escadaria exterior, a fachada, o pórtico, a escadaria interior, os azulejos, embora diferentes e bem cuidados; faltam, todavia, os santos retidos noutra (ou na primeira, a verdadeira) fachada... 

No tempo menos antigo, de há 40 anos, o espaço de iniciação, a quem chamaram de Passos Manuel: o Liceu restaurado, imponente, portão fechado, alunos na rua... quase tão jovens como eu seria à época, apesar de professor imberbe, parecem-me diferentes, embora muito iguais, enfezados, contando cigarros ou qualquer outro derivado, substituto... sem revelarem particular interesse pelas lutas de hoje, e muito menos pelas de ontem...

A 500 metros, os ferroviários, uma centena, protestavam contra as privatizações: a polícia olhava-os com indiferença; só os turistas paravam por breves momentos... e seguiam caminho. Eu que procurava um jornal, não encontrei quem mo vendesse. Talvez se tivesse entrado na Assembleia da República...

 

2.11.15

Merecem que eu lhes sorria...

O sorriso só chegou já a noite era posta. A tensão, por um instante, diminuiu, mas a ansiedade ainda não desapareceu por inteiro. Fica, no entanto, a convicção de que ainda há mulheres e homens capazes de se entregarem por inteiro a uma causa. Via-se no olhar o cansaço e, talvez, algum do desespero com que se terão confrontado durante a intervenção cirúrgica...

 

E amanhã estarão de regresso, mesmo que o dia não se distinga da noite. Merecem que eu lhes sorria...

 

1.11.15

Sorrio

«O Sorriso (este, com maiúscula) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contrações musculares e não cabe numa definição de dicionário.» José Saramago, Deste Mundo e do OutroO sorriso, pág. 228, Caminho, 1999.

Cansado dos dias, taciturno por fatalidade, só a espaços sorrio. No tempo de sobra, recorro à ironia e até à paciência, que é, em mim, uma forma dolorosa de resignação tão antiga como a vida, embora saiba que a paciência e a ironia são máscaras da revolta calada...

Ontem, sorri quando, pouco antes da meia-noite, recebi um email de um ex-aluno preocupado, porque tudo o que escrevo se situa nos antípodas das suas convicções.  E, de certo modo, ainda continuo a sorrir, porque parece haver quem se interrogue sobre o absurdo do meu pensamento...

Ora, na minha perspectiva, só sorri quem é capaz de estar atento a tudo o que é contrário à razão, porque esta, por estes adias, anda muito acomodada...

Amanhã, espero voltar a sorrir. De forma espontânea...

 

31.10.15

Da legitimidade

«A legitimidade, seja como instituto jurídico ou como um fenômeno social, não é qualidade do sujeito, porém, mais propriamente, de sua atuação.» 

No jogo democrático, os partidos de esquerda podem inviabilizar o Governo da Coligação de direita. O quadro constitucional permite tal decisão, e o Governo indigitado só pode aceitar, já que Passos não foi capaz de estender a mão ao PS, ainda antes das eleições...

A questão da legitimidade da esquerda vai colocar-se no dia em que esta formar governo e apresentar e aprovar o programa e o orçamento. 

A legitimidade será posta à prova no dia seguinte. A atuação do Governo de esquerda, para se legitimar aos olhos dos portugueses, precisa de ser consistente e cumprir rigorosamente o programa e o orçamento que tiverem sido aprovados. 

Qualquer incumprimento condenará esta nova esquerda à perda da legitimidade por longo tempo... Os portugueses já mostraram que gostam de gente cumpridora...

 

30.10.15

O homem que quis ser rajá

Julião Quintinha, em Novela Africana (1933), reúne várias estórias, designadamente Como se faz um colonial, mas aquela que, pela sua atualidade, desperta mais a minha atenção é O homem que quis ser rajá

Ao ler essa estória, não pude deixar de pensar em certas personagens que nos infernizam os dias. 

Lembrei-me, por exemplo, de Duarte Lima, embora o excêntrico protagonista - Sérgio - fugisse da violência e, sobretudo, pensei em José Sócrates que faria bem em verificar se, afinal, o seu verdadeiro objetivo não é ser rajá. 

A verdade é que as extravagâncias de Sérgio o levaram à cadeia por se ter deixado conduzir por um conceito de vida totalmente irrealista, acabando, no entanto, como um homem de tal modo rico que podia dar-se ao luxo de produzir e realizar um filme sobre "o homem que quis ser rajá"- sobre si próprio.

O facto de ter escolhido Duarte Lima e Sócrates como exemplos de homens que sonham ser rajás, não significa que eles sejam casos singulares...

Nota: rajá - rei ou príncipe indiano. Claro que Julião Quintinha lera Pierre Loti e Eça de Queirós. Temática: Orientalismo. Entretanto, o grande Rajá do reino de Portugal deu posse ao XX Governo constitucional, chefiado por um certo Passos... 

 

29.10.15

A seleção é de Mário Cesariny

O aforismo é de Teixeira de Pascoaes:

«Lá em cima, o sonho dos poetas, as atitudes sublimes d' uma Raça, a luz astral; - cá em baixo, a ação criminosa dos políticos, lama e sangue.» Teixeira de Pascoaes, Aforismos, pág. 20, Assírio & Alvim, 1998

Desculpemos a Raça, e tudo faz sentido: os políticos e respetivas famílias enriquecem tão subitamente que o melhor seria entregar o poder aos inocentes.

O problema é que «a inocência é a aurora do crime.» Ibidem, pág. 22.

 

28.10.15

A austeridade e as unidades de gestão

(Confrange que haja cada vez mais pesos e mais medidas. A burocracia só é vencida quando alguém descobre que tem alguma coisa a ganhar.)

Uma das formas de impor a austeridade é entregar a burocratas a gestão dos serviços. Ora estes burocratas são, na maior parte, dos casos formados nas faculdades de gestão, de administração, de economia, sem esquecer os que cursaram direito, relações internacionais, partidárias e sindicais... E até há burocratas formados em teologia!

O cidadão é simpaticamente informado que dentro de 270 dias será operado e qualquer esclarecimento deverá ser solicitado à Unidade Hospitalar de Gestão de Inscritos para Cirurgia (UHGIC)...

Em regra, acontece que o cidadão, graças à austeridade, já só consegue o diagnóstico em estado avançado da doença. Por momentos, sente-se, apesar de tudo, feliz: vai ser operado... 

Só que um mês mais tarde, recebe a cartinha a informá-lo que, caso ainda esteja vivo, será operado num prazo de 270 dias... 

Muito eu gostaria de saber quantas Unidades de Gestão foram plantadas neste inefável país!

 

27.10.15

Dois Papas

Ouvi dizer que na próxima 6ª feira, ao meio-dia, o Presidente vai dar posse a um novo governo cuja sentença de morte já foi proferida. Entretanto, o Presidente partiu para Itália, porque há que honrar os compromissos com os outros, que não com os Portugueses... Só num país falido é que tal desperdício é possível! 

Consta, também, que são criados dois ministérios e que há indivíduos que aceitam tomar posse só para fazer currículo... Há, no entanto, quem afirme que o fazem por "amor pátrio"... Eu nem sabia que tal tipo de amor ainda existia!

Por outro lado, parece que o Governo, que há de suceder a este que não sabe se o próximo ato será de núpcias ou de trasladação, está a ser forjado em torno da ideia peregrina de que os compromissos são para respeitar.

Desde quando é que os Governos respeitam os compromissos?

Parece que estamos como na Idade Média! De um lado, o Papa de Roma; do outro, o de Avinhão!  À época, quem saiu a ganhar foi D. Pedro I, amicíssimo da arraia-miúda... 

 

26.10.15

Origem obscura

Não sei se ainda é hábito consultar o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, num tempo em que a matriz da língua anda pela rua da amargura, eu, contudo, acabo de espreitar a origem de "caruma": origem obscura.

Conformado com a obscuridade da génese, entendo melhor o destino da caruma: arder em lume mais ou menos brando, até se extinguir definitivamente.

Por um tempo, quando as pinhas se abrigavam sob as agulhas, a caruma ainda se imaginou pinheiro capaz de suster as areias, inibindo o oceano de avançar, mas esse sol foi de pouca dura e o suficiente para a derrubar...

Estou aqui a ordenar livros, abro-os, limpo-lhes o pó, registo-os, chego mesmo a interromper a tarefa para deles ler alguns parágrafos, verbetes, porém sinto-os vazios, ignorados, derrubados... 

Não posso deixar de pensar se eles, em certos dias, não se terão imaginado pinheiros ao sol, capazes de suster o avanço da estupidez... E tenho pena deles, pois temo que não tenham futuro, a não ser o da caruma...

 

25.10.15

As pequenas extravagâncias de Vila Velha de Ródão

Ele entra com o olhar do ingénuo que não distingue o bem do mal, que considera natural colher o que está à mão. Dirige-se à plateia cheia de amigos incondicionais e explica-lhes que a justiça há muito deixou de ser cega, que a justiça o obriga a explicar uma extraordinária lista de despesas, sem o deixar consultar o bloco de notas onde foi anotando as pequenas extravagâncias... Não entende como é que num estado de direito há escutas telefónicas que a justiça e a comunicação social utilizam para o vexar, para lhe coartar a liberdade, para o inibir... só porque todos sabem que ele nunca se inibiu de fazer o que lhe apetecesse - de ser um homem livre!

Ali, no torrão natal, ele relembra que está na posse de todos os seus direitos e que podem contar com ele para regressar à vida política... Lutará com todas as forças por um país em que as pequenas extravagâncias deixem de ser questionadas, em que as contas sejam pagam pelos amigos ou, em último caso, sejam totalmente esquecidas... 

 

24.10.15

Sim, queria trabalhar! Mas aonde?!

«Sim, queria trabalhar! Mas aonde?!... Estava cansado de procurar, de pedir, e ninguém lhe arranjava nada, nem mesmo mísero emprego público. Bem se importavam que seu pai tivesse morrido em África, lutando pela Pátria, ou que ele mostrasse os seus papéis de jovem combatente!...

Sim, ele desejava trabalhar! Mas como se não encontrava trabalho?! E nisto tinha razão o pobre moço. Afinal, ele outros jovens da sua idade expiavam consequências duma situação que não haviam criado. Sem preparação prática para a vida, sem responsabilidades na crise, sem haverem partilhado do regabofe, eram lançados num inglório destino. Constituíam essa geração de sacrifício que engrossava a vaga de miséria que rolava pelo mundo, atroando às portas das cidades seu clamor de justiça - famintos de pão e de alegria, chorando, numa raiva sagrada, a desdita da sua inútil mocidade...»  Julião Quintinha, Novela Africana, 1933.

 

Este excerto, deliberadamente descontextualizado, até porque integra o capítulo Como se faz um colonial, surge aqui para provar que a atual situação nada tem de inédito e, sobretudo, que a eventual mudança política só terá sucesso se conseguir acabar com o regabofe e criar condições para que o trabalho não falte a ninguém.

 

23.10.15

As ilusões do Presidente

«Minha imparcialidade se torna mais fácil para mim na medida em que conheço muito pouco a respeito dessas coisas. Sei que apenas uma delas é certa: é que os juízos de valor do homem acompanham diretamente os seus desejos de felicidade, e que, por conseguinte, constituem uma tentativa de apoiar com argumentos as suas ilusões.» Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág.111, Imago editora, Rio de Janeiro.

O Presidente da República argumenta como se conhecesse os caminhos da felicidade que o País deve trilhar, independentemente dos desejos de uma parte significativa do povo. 

Os indivíduos que constituem essa parte da população não contam, como acontece com todos aqueles que não votaram ou os que vivem na precariedade, sem esquecer os condenados a emigrar...

A leitura que o Presidente faz do voto popular não é muito diferente daquela que era feita pelos Reis, desde a perda do Brasil, ou pelos Presidentes da República que o antecederam: os indivíduos devem sacrificar os seus desejos de felicidade (mesmo se ilusórios) à felicidade da Pátria. Uma Pátria madrasta!

A verdade é que este Presidente sempre foi um "Velho do Restelo" que, depois de ter desmantelado as frágeis forças produtivas do País, se vem dedicando a admoestar os cidadãos, sem se dar ao trabalho de lançar qualquer semente à terra por mais árida que ela possa ser.

Por mim, vou me habituar a viver sem Presidente. É esse o meu desejo mais profundo: ser capaz de viver sem Presidente da República.

 

22.10.15

Se entronizamos a mediocridade...

«Se entronizamos a mediocridade, que nada tem de áureo, como esperar que os autênticos padrões de valor sejam reconhecidos e respeitados? Ao elevarmos tudo ao nível da consagração, não estaremos antes nivelando... por baixo?» José Rodrigues Miguéis, O Espelho PoliédricoAforismos & Venenos de Aparício (IV), pág. 313, Estúdios Cor, 1972.

Em 1972, José Rodrigues Miguéis, escritor mal-amado, talvez pela sua vertente 'estrangeirada' ou, simplesmente, por desleixe e ignorância de quem "gere" a cultura portuguesa, insurgia-se contra a mania da entronização da mediocridade.
(Por uma razão que desconheço sempre valorizámos a 'mediania dourada' / 'aurea mediocritas'.)

Felizmente para ele que se ausentou deste reino onde existem tantos tronos que deixámos de saber quem nos desgoverna! No essencial, o anonimato de J.R. Miguéis é fruto da mesma preguiça atávica que leva, por exemplo, os "bons alunos" a ignorar a exigência de apresentação, a tempo e horas, de um rascunho orçamental às instâncias europeias.

Em princípio, o 'bom aluno' deveria ser aplicado, responsável e cumpridor...

 

21.10.15

O discurso indireto não é fiável

Este pequeno enunciado tem vindo a assombrar-me, de tal modo que decidi contextualizá-lo. Em primeiro lugar, descobri que a autora de tal ideia é a lexicógrafa e semióloga francesa Josette Rey-Debove (1929-2005).

Na obra Le Métalangage, Armand Colin, 1997, Josette Rey-Debove considera o discurso indireto como infiel, pouco verdadeiro, desorientador, incapaz de dar a conhecer o que foi dito, função que só pode ser assegurada pelo discurso direto. E acrescenta ainda que o discurso directo não passa de uma 'tradução' e coloca todos os problemas ligados à significação da enunciação, à sua interpretação, à sua reformulação (contração e amplificação). 

No tempo em que a opinião é construída pelo comentador, convém não esquecer que os enunciados deste são pouco fiáveis, porque, afinal, mais não são do que traduções / traições de uma voz que não sabemos o que é que efetivamente terá pensado / dito.

Na comunicação como na acção, o melhor é não deixarmos as palavras por mãos alheias.

 

20.10.15

O narcisismo das pequenas diferenças

«Não é fácil aos homens abandonar a satisfação (...) da inclinação para a agressão. Sem ela, eles não se sentem confortáveis.» Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág. 71, Imago.

A expressão "narcisismo das pequenas diferenças" é de Freud, e hoje vou utilizá-la para significar o que se passa na vida política portuguesa.  Um pouco por toda a parte se fala de impasse, de falta de acordo total, ou até de displicência na abordagem da questão central: quem vai constituir um governo de legislatura capaz de nos fazer sair da austeridade em que mergulhámos... 

Olhando para o discurso dos protagonistas destes dias, para o tom agressivo que salta das suas palavras, percebemos que eles se sentem confortáveis com as escolhas que os respetivos espelhos lhes devolvem. 

Lembram, no entanto, o imperador chinês que decidiu medir de alto a baixo a China, tendo para o efeito mobilizado toda a população, sem perceber que o resultado seria a morte do seu povo, já que não sobrava ninguém para produzir o que quer que fosse...

 

19.10.15

Passos e Costa recriam o paradoxo de Orwell

«Nós não nos contentamos com uma obediência negativa, nem mesmo com a mais abjeta submissão. Quando, finalmente, se dirigirem a nós, deve ser pela sua própria vontade.» Nota de rodapé 127, in A Condição Pós-Moderna, de Jean-François Lyotard.

Passos e Costa digladiam-se com um único objetivo: a submissão voluntária do adversário. Pouco importa que o povo português saia prejudicado...

E a prova de que a estratégia é de terror é que não procuram qualquer consenso, entendido este como etapa fundamental para que possa ser constituído um governo que sirva globalmente os portugueses... Se a regra do diálogo passasse pelo consenso não atirariam para a praça pública dezenas de propostas para depois virem dizer que as propostas não são sérias...

De nada serve acusar Costa ou Passos, porque, na verdade, ambos estão interessados em deitar o adversário ao tapete, esperando que o derrotado se sente voluntariamente à mesa e teça loas ao vencedor.

Estes jogadores merecem cartão vermelho!

 

18.10.15

Renegados

« Depuis plus de vingt ans, je traque les mêmes crapules ! On dit qu'il n'y a que les imbéciles qui ne changent pas... peut-être... mais ce sont les renégats qui le prétendent !» Siné, Massacre, Livre de Poche, 1973.

Não é que eu siga com muita atenção os jogos políticos, começo, no entanto, a ouvir falar de deputados, designadamente do Partido Socialista, que se preparam para votar favoravelmente o programa e o orçamento da Coligação. Na sua perspetiva, mantêm-se fiéis ao ideário socialista, mas, como diria Siné, não sendo imbecis... vão passar à História como renegados.

 

17.10.15

Fora de nós...

Quando o corpo deixa de estar presente nos lugares de rotina, a voz ausenta-se e a manhã acorda de forma estranha. As árvores desprevenidas registam um sopro deliquescente. Aos poucos, a manhã regressa ao normal com outros corpos presentes; outras vozes porosas elevam-se e atravessam as árvores em salvas retumbantes.

Fora de nós, a luz incendeia os corpos e, mesmo sem voz, a vida escorre... Entretanto, o tempo desfaz o calendário, porque o corpo deixou de estar presente nos lugares de rotina. 

 

16.10.15

Alexandre Quintanilha na Escola Secundária de Camões

"Take care of freedom and truth wil take care of itself." Richard Rorty, 2007 / Cuida bem da liberdade e a verdade vencerá.

No dia do centésimo sexto aniversário do Liceu Camões, o Professor Doutor Alexandre Quintanilha proferiu, no Auditório 'Camões', uma conferência sobre "O conhecimento: para que serve?" ou, numa perspetiva mais especializada, "Neuropotenciação e os desafios do "melhoramento humano". 

De forma clara e concisa, combinando o registo técnico com o registo corrente, Alexandre Quintanilha soube explicar a uma assembleia maioritariamente constituída por jovens, os desafios que a ciência e a tecnologia, em particular, no âmbito da saúde, colocam quanto à possibilidade de "promover / capacitar o bem-estar humano", alterando o ambiente "natural", o ambiente "social", o "estado cerebral" e a biologia. 

Creio que grande parte do sucesso desta conferência deve atribuir-se à pertinência e à qualidade dos exemplos e, particularmente, à capacidade argumentativa, eivada de uma fina ironia, como quando o orador fundamentou algumas ideias: "somos mais filhos da mãe do que do pai" e "toda a medicina é contra a natureza" ou, ainda, se referiu ao tema do 'risco', opondo os conservadores aos mais ousados...

Finalmente, numa abordagem ética e verdadeiramente humanista, Alexandre Quintanilha mostrou que as ciências estão ao serviço do "melhoramento humano", apesar do risco de, em sociedades que desprezam a democracia, a ciência ser colocada ao serviço do "mal".

 

15.10.15

Na Pasmaceira

«O Pasmado estava ali porque ali deviam cruzar os comboios. Tudo o mais, entrementes, conspirava contra a sua existência. A aridez, o turbilhonar constante das brisas, o isolamento, uma como tenebridade paisagística especial, e também, justo é dizê-lo, a crença de que o sítio era corte de fantasmas e campo não sei de que espíritos de velhos guerreiros de outros tempos (que ali se teriam defrontado e mutuamente vencido) fazia do arredor paragem indesejável - onde só por obrigação se passava, ou ia, ou ficava.» A. Rego Cabral, Tundavala, A Oeste de Cassinga, pág. 270, Sociedade de Expansão Cultural, Lisboa.

Este é um romance do tempo em que os engenheiros ousavam enfrentar o anátema que os condenava à redação de monografias e relatórios. A literatura era, em Portugal, uma coutada reservada aos juristas, médicos e diletantes.

Um romance de um engenheiro que defendia que a técnica era a alavanca do mundo e, em particular, do mundo português em Angola. Sem a engenharia, o desenvolvimento do território ficaria nas mãos de decisores letrados, mas ociosos... A pasmaceira era o estado de alma dominante. 

Infelizmente, entre os políticos, poucos eram os engenheiros verdadeiramente empreendedores. E quando surgia algum, a cáfila, que geria as finanças públicas e impunha a filosofia do espírito, acabava por ostracizá-los...

Na pasmaceira até a guerra era preferível à engenharia, ao desenvolvimento, à atividade produtiva.

Neste romance, o Pasmado é apenas uma estação de caminho de ferro, isolada num território hostil, mas fundamental para o escoamento do minério. Na Pasmaceira atual, a cáfila que gere a res publica encerra e desmantela tudo, em nome do eurismo - uma filosofia cujo espírito está cunhado no euro.

Neste romance, os heróis são os engenheiros, os técnicos, os trabalhadores. 

 

14.10.15

Assim estamos nós!

Cresci, por um tempo, num lugar onde o galinheiro não se misturava com a coelheira, pelo menos na hora da deita.

Depois de tanto tempo a separar as espécies, chegou a hora da miscigenação - o que me parece de grande sensatez, até porque nunca entendi a razão de ser das fronteiras, dos muros, do arame farpado...

Há, no entanto, um problema, uma maldição divina! Por mais que finjam, não falam a mesma linguagem, embora tenham o mesmo objetivo: conquistar ou manter o poder.

Recordo ainda o tempo em que, não muito longe do galinheiro e da coelheira, havia uma pocilga sem grande expressão - uma pocilga doméstica. A espécie que lá vivia não era esquisita. Comia tudo o que lhe fosse colocado à frente.

Assim estamos nós! Parece que alguém abriu arca e soltou a besta que nos habita... e a Babel pouco mais é do que um perímetro doméstico, repleto de ruínas... 

 

13.10.15

As três fontes do sofrimento

«O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.»

«Já demos a resposta pela indicação das três fontes de que nosso sofrimento provém: o poder superior da natureza, a frágil idade dos nossos próprios corpos e a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade.»

   Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág. 25 e pág. 37, Imago editora, 2002.

Sempre que encontramos um amigo, um conhecido, lá surge a pergunta: - Como é que vai? E a inevitável resposta: - Vamos andando... No entanto, a cortesia, nas reticências, acaba por deixar escapar um sinal de desilusão. De perda! 

De perda da juventude e da saúde, de isolamento na natureza indiferente e, por vezes, hostil. E, sobretudo, de vazio porque a sociedade em que vivemos deixou de valorizar o trabalho, a experiência e o conhecimento.

A sociedade já não é constituída por pessoas, mas por números. Por símbolos sem referência, e como tal somos pessoas descartáveis.

 

 

12.10.15

Arrumar o PS de fora para dentro...

Compreendo que o António Costa fuja da direita como o diabo da Cruz. Também compreendo que queira meter no bolso o Bloco e o PC, embora a esperteza me pareça sórdida e perigosa. Só não entendo que queira arrumar o PS de fora para dentro! Lembra aqueles generais que só invadindo território estrangeiro alcançaram a Fama, mas que, feitas as contas, destruíram mais do que construíram.

Infelizmente, neste sorumbático país, os líderes partidários continuam a agir não em nome do bem comum, mas do vil interesse...

 

11.10.15

Não me sinto abolfeta (resgatado)

Quando o tempo começa a faltar, há quem decida dedicar-se a tarefas improváveis e inúteis. Por exemplo, construir uma base de dados pessoal - catálogo de existências bibliográficas - o que me transforma num manuseador do pano do pó e num ordenador de espécies que andam à deriva...

No meu caso, para além da morosidade da tarefa, sinto que estou numa fase de revisitação de autores, obras, editores... e até de descoberta de existências inesperadas que me dão conta da fragilidade da memória, apesar de Freud ensinar que o nosso cérebro nada esquece: é preciso é escavar um pouco, como acontece em qualquer cidade antiga... Deitamos um tabique abaixo e logo surgem vestígios da cidade de outro(s) tempo(s)...

Concluído o registo 1067, abro o Vocabulário Português de Origem Árabe, de José Pedro Machado, percorro verbete a verbete, cada vez mais ciente de que temos andado a branquear as raízes árabes, e aterro no termo ABOLFETA: antr. que ocorre em documento de 1025 (Dipl., pág.159). Do ár. abū-l-fidā, à letra, «Pai do resgate», isto é «o resgatado».

Confirmo, assim, que o resgate é também ele coisa antiga, anterior ao tempo dos cativos mais famosos, como, por exemplo, o Infante Santo. E, sobretudo, infiro que nem sempre o «pai do resgate» coincide com «o resgatado», embora devesse...

Parece que andamos esquecidos de que pouco temos feito para pagar o resgate, ao contrário, por exemplo, dos islandeses que já se viram livres do FMI.

 

10.10.15

Ainda Marcelo, a sereia

Melhor seria que Marcelo Rebelo de Sousa tivesse explicado o que é que Portugal lhe deu e que, na verdade, não deu a muitos outros portugueses... Este Marcelo urbano, que insiste nas raízes provincianas, apresenta-se como "vítima" da perda do Império, que lhe levou a família ao Brasil, na condição de emigrante... Há neste seu Portugal uma certa tendência para confundir o exílio político com a emigração!

O Portugal de Marcelo começa a ganhar uma substância que não é a minha. E essa substância acabará por deixar de se expor nas entrelinhas para surgir num movimento político que irá colocar-se à direita da atual Coligação PSD - CDS...

A campanha dos afetos já fora ensaiada com Marcelo Caetano como antídoto para ocupar o lugar do pai tirano e austero que governara o país durante quatro décadas.  Agora a sereia pensa que o caminho falhado por Caetano pode ser reintroduzido para substituir o esfíngico Cavaco.

 

9.10.15

Ecos do passado

Marcelo
Rebelo de Sousa... o regresso do passado...

Marcelo Rebelo de Sousa, ao apresentar-se, em Celorico de Basto, como candidato a Presidente da República, retoma os laços com o Estado Novo de que o 25 de Abril não foi capaz de nos libertar.

Vamos ver se, nas próximas eleições presidenciais, surge um candidato que rompa definitivamente com o passado... 

Por enquanto, não vislumbro nenhum.

 

 

 

8.10.15

Temos moscambilha!

As eleições já lá vão!

Consta que o povo se pronunciou, no entanto tudo se processa como se nada tivesse acontecido ou, melhor, a dança ainda agora teve início, mas a solução há que encená-la e até dramatizá-la...

De qualquer modo, não estamos à altura dos gregos, nem dos antigos que entendiam que o drama deveria decorrer num tempo máximo de 24 horas, nem dos modernos que, ainda há um mês, foram a votos, e sem maiorias absolutas, conseguiram em poucos dias constituir um governo.  

  

7.10.15

Nuno Crato arruma a casa

O ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, disse hoje, em Campo Maior, no Alentejo, estar "concentrado em arrumar a casa", salientando que a sua passagem pela política "é passageira". Já não era sem tempo! 

Nuno Crato decidiu «arrumar a casa», depois de ter passado quatro anos a demoli-la. E acrescenta que vai regressar à vida de professor que, na verdade, já abandonara antes de subir a ministro. Vamos lá ver se terá deixado o IAVE com as competências necessárias para o avaliar...

Finalmente, custa-me aceitar a mania de certos indivíduos que insistem em considerar "passageira" a sua participação na governação, sobretudo, quando deixam atrás de si mais obscurantismo e mais pobreza.

 

6.10.15

O asno de Buridan

«Trava-se uma luta de tração: o futuro arrasta-nos para uma unidade europeia, o passado puxa-nos para trás. Assim, é o asno de Buridan, com fome e com sede, paralisado entre o molho de palha e o balde de água.»  José Fernandes Fafe, Nação: Fim ou Metamorfose? pág. 86, IN-CM, 1990.

O asno de Buridan (1300-1358), de tanto hesitar acabou por morrer de fome e de sede, apesar de não constar que o filósofo medievo tivesse um asno ao seu serviço...

Assim estamos nós, portugueses, em nome de velhas ideias, insistimos em preservar mitos bolorentos. Mas não estamos sós: os estados-nações que nos cercam continuam a valorizar os interesses nacionais e, em vez de apostarem na metamorfose, criam clivagens que só podem fazer ressurgir os nacionalismos...

Perante os resultados eleitorais de 4 de outubro, os partidos comportam-se como os caducos estados-nações. E no caso particular do Partido Socialista, este, em vez de reafirmar a sua opção europeia, decidiu iniciar um processo fratricida que levará ao seu desaparecimento, tornando ainda mais sombria a necessária metamorfose portuguesa.   

 

5.10.15

Há quem insista em dar vivas à República

Há quem insista em dar vivas à República, atitude que eu não entendo, pois, o inimigo monárquico já se encontra extinto. Como se sabe, a República foi instaurada na sequência de um regicídio e os anos que se seguiram foram de permanente instabilidade. Uma das causas mais profundas do caos, foi a bancarrota dos finais do século XIX...

A situação era de tal modo grave que Salazar sacudiu a República e as sobras monárquicas para dentro do galinheiro durante meio século. De podre, o regime caiu, e voltámos a dar vivas à República e a uns tantos socialismos (mais ou menos radicais), importados de uma Europa a que não pertencíamos...

Essa importação parecia dar fruto, até que surgiram uns "senhores" republicanos que se foram abotoando com os fundos europeus num contínuo cenário mais ou menos mitigado de bancarrota... E o resultado está à vista: os mais afoitos estão-se borrifando para a República; outros, nostálgicos ou, em alternativa, desejosos de a esfolar, reúnem-se para celebrar o que nasceu num dia em que nada havia para distribuir...

E assim continuamos: uma canelada aqui, um fratricídio ali... e a bancarrota sempre dentro de casa, que não de todos - a grei republicana já reservou lugar para os próximos quatro anos.    

 

4.10.15

Em síntese

Nesta noite, só posso concluir que continuamos a ser um país de fadistas (Fado, Futebol e Fátima) masoquistas.

Quando a alternativa não se apresentou unida, de pouco serve procurar pontes entre os irmãos desavindos.  Ao olhar para os resultados eleitorais, fica claro que há 230 portugueses que não vão precisar de emigrar nem de se preocupar com o futuro imediato.

A austeridade, amanhã, será ainda mais dura, mas legitimada. 

Quanto a António Costa, a esta hora já terá compreendido que «quem com ferro mata com ferro morre.»

Finalmente, o eurismo venceu e a TROIKA já tem um bom aluno para apresentar como exemplo.

Face aos resultados desta noite, a insatisfação desapareceu. Apenas, náusea. 

3.10.15

Às plantas e às pessoas...

«As raízes estão sempre perto da origem e por elas entra a novidade informativa (seiva) que faz crescer a planta.» E. M. de Melo e Castro, Essa crítica louca, pág. 41, Moraes editores.

Este enunciado surge aqui como resposta a quem, ao fugir de si, se afasta da raiz, o que já é grande perda, embora não comparável com o caso daquele que, não sabendo de si, estanca a seiva de quem tudo faz para conhecer a raiz...

Às plantas e às pessoas, há que regá-las e deixá-las medrar.

 

2.10.15

Proclamação

Estou de tal modo informado e insatisfeito que acabo de decidir que, até domingo à noite, não vou escrever mais nada sobre todos aqueles que irão a votos no dia 4 de outubro, sem esquecer os dois fantasmas que, não podendo candidatar-se, não desgrudam e insistem em atrapalhar o ato eleitoral...

Estou pronto a votar, e como tal não preciso de atoardas de última hora, até porque, para mim, há uma fronteira que há muito decidi não cruzar. Sem ser sebastianista, ainda quero acreditar que há alguém no terreno que será capaz de não ceder ao canto mavioso das sereias que o vão cercando... e é nesse que vou votar. 

Deste modo, esclareço que não necessito nem do sábado nem da segunda-feira para qualquer tipo de exegese.

 

1.10.15

Estou insatisfeito

Com a classe política que não cumpre o que promete, os profetas de serviço, a universidade que não zela pelos estudantes - a arbitrariedade, a indecisão, a omissão - o vizinho que não paga o condomínio, o doente que pensa que não há mais mundo, o médico taxímetro... e, sobretudo, comigo próprio que tolero tal estado de putrefação.

Aproxima-se o dia da decisão e só vejo partidos, coligações, movimentos, todos contentes de si, mas nenhum que queira acabar com a minha insatisfação, embora já me tenha soado que há um partido que se propõe devolver a felicidade às pessoas, isto é, pôr termo à mentira, à falácia, à arbitrariedade, ao desleixe, ao incumprimento, ao egoísmo, ao vil metal.… à putrefação.

Estou insatisfeito porque, apesar de ribatejano, ainda não é desta que pego o touro pelos cornos...

 

30.9.15

Ser enfermeiro na urgência do Hospital de São José

Ser enfermeiro na urgência do Hospital de São José é uma missão deveras difícil, sobretudo quando o número é reduzido e o dos pacientes cresce a todo o momento. 

Hoje passei cerca de 9 horas no SOS, como acompanhante, e aquilo que observei merece uma palavra de apreço. Por mais que o pessoal de enfermagem procure responder às necessidades dos doentes, estes sofrem de problemas tão diversos que só uma equipa multidisciplinar alargada poderia responder a todas a solicitações.

Qualquer mediano observador dá conta de que os doentes que ali entram são idosos, com patologias muito diferenciadas e sobretudo mal-acompanhadas - onde é que andam os assistentes sociais? - e indivíduos que se debatem com múltiplos episódios, uns crónicos e outros inesperados, mas todos necessitam de uma resposta personalizada.

E essa resposta é que não acontece por falta de meios humanos, por falta de celeridade no diagnóstico e na resposta dos médicos.

Ao fim de algumas horas, dei comigo a pensar na falta dos enfermeiros que saíram do país, não só na quantidade, como, sobretudo, na qualidade...

Ser enfermeiro na urgência do Hospital de São José (como nos restantes) exige um grau de estoicismo só alcance de muito poucos... e ainda por cima o doente espera um sorriso, uma esperança imediata e até uma mentira...

Para além de todos os partidos afirmarem que defendem o Serviço Nacional de Saúde, não sei o que é que pensam fazer para tornar as urgências menos dolorosas e os profissionais que ali trabalham mais respeitados. Não estou a referir-me a condecorações, mas a condições de trabalho...  

 

29.9.15

Para que serve o acidente quando a substância não existe?

Na espécie humana, como noutras espécies, verdadeiramente, não há raças, e muito menos "puras" e "impuras", o que há são traços distintivos epidérmicos que, por razões de poder, são sobrevalorizados, dando origem a culturas segregacionistas e esclavagistas...

 O recurso à noção de "raça" foi sempre um pretexto para separar, escravizar, humilhar e eliminar.

Apesar da omissão do termo, no discurso político atual, os candidatos a deputados insistem em separar os "puros" dos "impuros", como se os "puros" pertencessem a um grupo nascido em estado de "graça", incapaz de sujar as mãos no lamaçal que é o exercício do poder...

(Por onde é que andam os anarquistas?)

 

28.9.15

Se Portugal ainda fosse uma nação...

Se Portugal ainda fosse uma nação - longe de mim, chamar-lhe 'pátria' ou 'mátria" - a campanha eleitoral seria de união e não de divisão como tem vindo a acontecer... 

Os problemas são antigos, diria que datam do tempo em que a Ordem de Cristo entrou em decadência. Apesar da apregoada multirracialidade, a nação nunca, em termos demográficos, foi capaz de suster o combate que lhe foi sendo movido por nações cada vez mais poderosas... Apesar do crescimento da diáspora nas várias partes do mundo, esta nunca foi efetivo parceiro cultural, económico e financeiro, ao contrário do que foi acontecendo, por exemplo, com os judeus...

Por outro lado, os vizinhos sempre foram considerados 'inimigos' e olhados com altivez e desprezo.

Até que, condenados ao isolamento, nos atirámos para o colo da Alemanha, verdadeiro pulmão da União europeia, convencidos de que poderíamos dormir descansados sob a asa do falcão germânico.

O que esta campanha eleitoral vai mostrando é a incapacidade dos partidos (todos) elaborarem um programa nacional capaz de nos libertar das opções erradas, não apenas do tempo de Sócrates ou do tempo de Passos Coelho, mas do século XVI para cá...

Será que algum dos candidatos a deputados leu o opúsculo de Antero de Quental "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares"?  Provavelmente não leram, a começar pelos socialistas! Talvez seja esse o motivo que explica que oficialmente o PS tenha sido fundado na Alemanha, no século XX e não, no século XIX, em Portugal... Pode parecer que a diferença nada acrescenta, mas isso é ignorar que os partidos portugueses pós-25 abril, em regra, foram financiados por organizações partidárias estrangeiras...

Como diria Fernão Lopes, em tradução livre, diz-me quem te encheu o bucho que eu te digo a quem é que tu serves.

 

27.9.15

A certeza é menos falsa do que a verdade

Apesar de tudo, não creio que Almeida Garrett se tenha cansado da política, embora se tenha cansado dos barões - os asnos que, depois de expulsarem os parasitas dos frades, se abotoaram com tudo o que tinha valor...

Depois do 25 de Abril, Almeida Garrett foi varrido para o caixote do lixo pelos novos barões, amantes da propriedade e da sacristia e, em muitos casos, do avental e do compasso, deixando por isso nos programas escolares O Frei Luís de Sousa, obra de muitos méritos, mas sem qualquer perspectiva de futuro. 

Por entre a catalogação de livros e o início da leitura do romance TUNDAVALA de A. Rego Cabral, em nenhum momento do dia pensara em Garrett. Pensara, sim, no meu desconhecimento de quem foi Álvaro Rego Cabral (1915-2010) e, principalmente na razão que me levara a adquirir tal livro num alfarrabista lisboeta. O exemplar está autografado, mas não terá sido esse motivo... Entendo agora que o Senhor foi um engenheiro ilustre nos territórios ultramarinos, responsável por caminhos viários e ferroviários, sem descurar as minas e, sobretudo, amigo do seu amigo...

Nas páginas já lidas, dedicadas a Armindo Monteiro, Álvaro Rego Cabral (que, também, publicou sob o curioso pseudónimo de Estorieira Santos), há, no entanto, uma linha de raciocínio que desperta a minha atenção: a História que nos ensinam é um cesto de mentiras, o romance, dito, histórico ainda é mais preconceituoso do que a História... 

A certeza é menos falsa do que a verdade, porque a primeira resulta da experiência individual, e a segunda tem origem no poder dos barões, dos novos barões, dos novíssimos barões...  

 

26.9.15

Um ou dois baldes de água...

Alimentar um blogue é um pouco como alimentar um burro: um ou dois baldes de água e uma mão cheia de feno; nos dias festivos, meia dúzia de favas... E aí o burro zurra e, em certos casos, dá um par de coices. 

O burro deste dia não teve direito a favas e viu-se obrigado a comer uma sopa de espinafres com grão, bem salgada. Mas nem tudo foi mau!

Por entre os afazeres - todos eles exigindo muita contenção, não fossem os cascos disparar sem aviso prévio - o burro, ao som dos tambores, deixou-se ficar parado à espera de que o Bernardino Soares terminasse a conversão de uma senhora eleitora... A prédica foi tão longa que o burro acabou por seguir viagem, recolhendo-se na leitura do jornal i, apesar das testemunhas de Jeová terem tentado aliciá-lo para reinos mais espirituais, logo quando o pachorrento asno se deliciava com as aventuras do Manuel Maria Carrilho e da Bárbara Guimarães e, particularmente, com a entrevista dada pela Manuela Moura Guedes, que ama o Passos e o Portas, mas que desconfia da incontinência verbal do Papa argentino... Papa a sério, para ela, só o alemão!

 

25.9.15

A burra das finanças dança de contentamento

Nestes dias, só há boas notícias!  Os cobradores de impostos andam felizes. O dinheiro entra a jorros na burra das finanças. Os juros e as dívidas baixam. A União Europeia aplaude! Há dinheiro para as empresas, para os agricultores, para bolsas, para a música e até para a saúde...

Há, no entanto, um pequeno problema: para que a burra das finanças dance de contentamento é necessário que alguém tenha sido esburgado.

Resta saber se os esburgados, no dia 4 de outubro, vão votar na burricada. 

 

24.9.15

O ministro pergunta ao ladrão

Há um ministro português que dorme descansado, porque perguntou ao ladrão se ele lhe tinha assaltado a casa. O bom ladrão assegurou-lhe que não... (discurso relatado de uma conversa entre Pires de Lima e a administração da Autoeuropa.) 

Piedoso, o ministro acredita que nada de mau vai acontecer ao plano de investimento da Autoeuropa em Palmela. O problema, em Portugal, é que não é possível confiar nos conselhos de administração, presidentes, altos funcionários...

Parece que vamos finalmente conhecer os factos de que José Sócrates vem sendo acusado! A curiosidade é que a informação chega em plena campanha eleitoral. 

 

23.9.15

A transparência alemã

A Hungria é um não-lugar, distante, cujo arame farpado fica ainda mais longe. A Hungria só ganha vida quando o turista chega a Budapeste e ignora as botas cardadas que irrompem da mente vigilante que a Europa alemã acarinha como guarda avançada contra a imaginada "barbárie fundamentalista" que lhe ameaça a fronteira.

Aqui, neste lugar, também ele fronteira dessa mesma Europa alemã, ainda não percebemos que a mentira, se fosse apenas dos pinóquios, seria inofensiva. A mentira que nos avilta é também ela alemã e circula na tecnologia que subservientemente continuamos a comprar. Sabemos agora que a mentira alemã nos destrói os pulmões e mata a flora e a fauna.

A chanceler pede transparência e está disposta a pagar chorudas indemnizações. Mas a quem? Às vítimas? Será possível identificar as vítimas?  

    

22.9.15

O arame farpado húngaro

Antigamente, os muros eram de pedra. Depois passaram a ser de cimento e hoje são de arame farpado. Muda a matéria, mas os muros continuam. Um dia, abate-se o muro de Berlim; no dia seguinte, caem as muralhas da União Soviética, e até a China se desdobra em dois sistemas, mas tal não significa que a batalha das fronteiras tenha terminado... 

Pelo contrário, as fronteiras, durante um certo tempo, pareceram imateriais, mas, na verdade, continua-se a combater com as armas do capitalismo internacional: o saque das matérias-primas, a especulação financeira e a destruição do trabalho humano.

Acordamos, entretanto, espantados com a audácia do Governo húngaro, mas o que a Hungria está a fazer é guardar a fronteira da União europeia. Os húngaros não temem os refugiados sírios ou iraquianos, porque para estes a Hungria é apenas um lugar de travessia - os refugiados procuram a Europa rica e não a Europa pobre. E é compreensível que o façam: para miséria e flagelo já lhes chegam os territórios esventrados donde são obrigados a fugir! O que os húngaros temem é a Europa rica que lhes impõe que sejam a sua guarda avançada. O resto é embuste.  

 

21.9.15

As pitangas maduras estão do outro lado do arame farpado

«Que tristeza: as pitangas do lado de fora, ao alcance da mão, sem trabalhos e sem perigos, nunca amaduram!» António Jacinto, Fábulas de Sanji, in Comportamentos, pág. 42, ed. União de Escritores Angolanos.

Ontem, na Grécia, 44,05% dos gregos não foram votar. À primeira vista, não votar parece ser uma opção democrática, mas é essa opção que legitima a vitória daqueles que dão o dito pelo não dito e assim vão continuar.

O argumento de que já não há nada a fazer é insustentável! As pitangas maduras estão do outro lado do arame farpado, e o mínimo que o ser humano pode fazer é saltá-lo, mesmo que o risco espreite. 

O resultado das eleições só é convincente e capaz de assustar os credores, se todos cumprirem o dever de votar. Mais do que um direito, votar no dia 4 de outubro é um dever.

Li, entretanto, uma "opinião" de António Ribeiro Ferreira, chefe de redação do jornal i, que me deixou, não direi escandalizado, mas perplexo: Sócrates e Costa são as duas faces de uma má moeda.

Não sei qual está a ser o impacto da "opinião" de A.R.F., espero, porém, que nas Faculdades de Comunicação Social, alguém ensine a diferença entre informação, devidamente comprovada, e propaganda.

Felizmente, no mesmo jornal, é possível ler uma entrevista a Eduardo Paz Ferreira, cuja "opinião" é bem sustentada, não enlameando quem quer que seja, apesar da mediocridade reinante...

 

20.9.15

Aquém da TROIKA

Tsípras ganhou as eleições. A coerência ideológica foi derrotada. O dia de amanhã será de maior miséria do que os anteriores, embora haja a esperança de que ainda é possível ficar aquém da TROIKA.

Por cá, há quem não queira voltar a ver a TROIKA e há quem também queira ficar aquém da TROIKA.

O problema é que a questão não é de VONTADE. O capital é quem mais ordena! Para ricos e para pobres! Afinal, os Gregos acabaram por aceitar o terceiro regaste, por causa dos milhares de milhões... 

19.9.15

José Lello, o socialista amigo

 «Em 1979 fui candidato à Assembleia, mas não quis ser deputado...» Porquê? «Ganhava-se mal. 48 contos ou isso. Eu tinha comprado casa, estava a ganhar dinheiro no privado.»

«Sempre estive nas minorias, mas nem por isso deixei de ter cargos relevantes. Mas é nessa altura, estava o Ferro na liderança, que começamos a fazer a campanha do Sócrates. E ele não queria; era do secretariado do Ferro... Estamos na altura do Durão Barroso, fazíamos uns jantares, começou-se a colocar coisas na imprensa... E ele ficava furioso, achava que era uma coisa indelicada. Mas nós não tínhamos nada a ver com isso, éramos claramente contra o Ferro.» 

(...)

«Era um grupo forte e onde estava o Serrasqueiro, o Renato Sampaio. O Costa também vinha aos nossos jantares. O Pina Moura. Foi aí que surgiu o "menino de ouro"... E, de repente, o Santana cai e o Ferro demite-se. (...) E pronto, ele apareceu, nós já tínhamos feito o levantamento das federações todas - é assim que se trata da mercearia partidária. E ele ganhou claramente as eleições.»

        (Transcrições da entrevista dada por José Lello ao jornal i, 19 de setembro de 2015)

José Lello, um homem de princípios socialistas, incapaz de trair os camaradas e que assegura que nunca foi um terratenente... Apesar de desprezar as remunerações principescas, cedo viu no cândido José Sócrates, o menino de ouro. Agora, está um pouco aborrecido com o António Costa, pois não vê «necessidade de passar ao lado de Sócrates» e sobretudo, de afastar das listas de deputados, o Fernando Serrasqueiro, o André Figueiredo, o Mota Andrade, o Paulo Campos... o José Lello... 

Perdão! José Lello, aos 71 anos, 32 depois de ter entrado no parlamento, «mostrou-se disponível para sair. Só aceitaria voltar num caso muito relevante.»  Só não disse qual! Nem explicou por que motivo viu em José Sócrates o menino de ouro. Espero que a razão seja bem distinta da de Carlos Alexandre...  

 

18.9.15

Premiar ou condicionar?

Geir Lundestad, historiador, que participou no Comité para o Prémio Nobel da Paz, em 2009, reconhece agora que a atribuição do Nobel da Paz a Obama visava "fortalecê-lo", mas que "tal não aconteceu".

(Qualquer dicionário explica que o termo "prémio" significa: «distinção conferida por certas trabalhos ou certos méritos».)

No caso da atribuição do prémio a Obama, o que o Comité para o Prémio Nobel da Paz procurou fazer foi "dirigir", condicionar a ação do Presidente dos Estados Unidos. 

Daqui se infere uma alteração significativo do sentido do termo "prémio" e, principalmente, desrespeito por todos aqueles que defendem os direitos humanos e a paz.

Se o referido Comité considera que Obama não é um homem de paz, melhor seria que explicasse porquê e apresentasse desculpas àqueles que se sacrificam diariamente pela paz.

 

17.9.15

Estive a ouvi-los

Estive a ouvi-los na rádio, até porque não gosto de os ver. Longe da vista, longe do coração! O problema é que um não sabe o que prometer, e por isso promete continuidade; e o outro promete quase tudo, como se tivesse acabado de descobrir poços de petróleo e minas de ouro...

Ao ouvi-los, fico com a ideia de que a TROIKA vai voltar. 

Ao ouvi-los, percebi que, de momento, estas vozes só querem embalar-nos. Para o futuro falta-lhes uma estratégia de desenvolvimento científico, cultural e económico. Sem ela, não haverá sociedade que resista...

 

16.9.15

Narrativa especulativa

«Uma ciência que não encontrou a sua legitimidade não é uma ciência verdadeira, ela cai no nível mais baixo, o de ideologia ou de instrumento de poder, se o discurso que a devia legitimar surge como relevando de um saber pré-científico, semelhante, a uma «narrativa vulgar». Jean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna, pág. 80, Gradiva.

Não espero que o homem político seja cientista, mas espero que ele seja capaz de expor de forma clara a ideologia que defende, porque a sua legitimidade exige que o eleitor vote devidamente esclarecido. Infelizmente, a clareza é o que mais tem faltado. Os golpes baixos multiplicam-se. A própria linguagem soçobra na vulgaridade... Inimigo da ciência e sem ideologia, o homem político vive na fantasia e no logro.

Sem ciência, não é possível ensinar! Assim, quando falta a legitimidade ao docente, este acaba por mergulhar na ideologia ou, em alternativa, no entretenimento... 

A verdade é que é na escola que nasce o homem político.

 

15.9.15

Preso por ter cão...

Talvez por preconceito, sempre aceitei que o cão pudesse não gozar de total liberdade, pois com alguma frequência abocanha as canelas de quem não deve...

O que me espanta é que o dono possa pensar que alguém o pode prender por simplesmente ter cão. E já agora também é descabido que alguém se considere dono do que não tem...

Os jogos de linguagem, por vezes, roçam o absurdo, tal como Passos Coelho que espera que o não prendam por ter ou não ter cão.

No caso, o que Passos quer dizer é que não pode ser preso porque, tal como Pilatos, há muito lavou as mãos da falência do Espírito Santo, deixando aos iscariotes a tarefa de resolver o problema.  

 

14.9.15

Refugiados, desempregados e emigrantes

Portugal necessita de acolher dignamente os refugiados, mas não pode condenar ao desemprego e à emigração centenas de milhares de portugueses. Qualquer política, que favoreça os refugiados e, simultaneamente, vote ao ostracismo os seus naturais, gerará focos de dissensão e, a médio prazo, de xenofobia.

Como tal, é necessário que os partidos esclareçam devidamente que medidas tencionam tomar para diminuir o desemprego e a emigração, assegurando, consequentemente, a integração harmoniosa dos refugiados.

De nada serve apregoar solidariedade com as vítimas da guerra e do despotismo para depois as deixar ao abandono.  A União Europeia não se esquecerá de nos enviar os refugiados mais pobres, sejam eles sírios, iraquianos ou outros...

Entretanto, multiplicam-se as imagens de terror, apelando à compaixão. Só ninguém diz, de forma clara, quais as medidas a tomar depois do próximo ato eleitoral. A continuar assim, o absentismo irá aumentar! É que já não faz sentido continuar a responsabilizar o passado. 

Quem ganhar as próximas eleições, terá de resolver os problemas do presente, minorando os do futuro.

 

13.9.15

A dissolução do vínculo social

 «Muitas vezes se diz melhor calando do que falando em demasia.» Provérbio oriental

(Num supermercado.) A caixa recebe de um cliente, já idoso, uma nota de 10 euros para pagar 6 euros e 5 cêntimos. Mecanicamente, pergunta-lhe se quer colocar o número de contribuinte na fatura, ao que o senhor, de forma pouco audível, responde: - só quero a 'demasia'! A menina, perplexa, volta a insistir no NIF, e o idoso na 'demasia', gerando-se o impasse...

Perante a indecisão, decidi explicar à jovem caixa que 'demasia', no contexto, significava 'troco'. Fixou-me, de modo interrogativo, e explicou-me que nunca ouvira tal palavra. Não perdi a oportunidade de lhe explicar que a sua avó certamente conhecia o significado do vocábulo... Entretanto, fiquei a pensar que, provavelmente, a jovem caixa não teria tempo para ouvir os avós. Na verdade, os mais velhos hoje já só servem para pagar as contas.

Incapazes de ouvir e de falar, dissolvemos o vínculo social. E essa destruição instala-se prioritariamente na língua materna e, a todo o momento, somos convidados a abandoná-la, a tornarmo-nos falantes de uma única língua - a língua das praças financeiras, mas também a língua dos apátridas.

Sobre essa mudança, nada dizemos. E vamos (ou não) votar em quem há muito já deixou de ouvir os mais velhos, e se prepara para os asfixiar, roubando-lhes as pensões e taxando-os a toda a hora. É para isso que serve o número de contribuinte. Agora até nos novos jogos de fortuna e azar é preciso indicar o NIF...  

 

12.9.15

Todos apátridas

T. Parsons (1957): «A condição mais decisiva para que uma análise dinâmica seja boa é que cada problema seja contínua e sistematicamente referido ao estado do sistema como um todo (...) Um processo ou um conjunto de condições, ou 'contribui' para a manutenção (ou o desenvolvimento) do sistema, ou é 'disfuncional' na medida em que atenta contra a integridade e a eficácia do sistema.» Citado por Jean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna, pág. 34-35, Gradiva.

Como o atual sistema já eliminou a luta de classes, sobra o capitalismo internacionalista. À exceção do velho PCP, já ninguém ousa falar em luta de classes.

As classes, aos poucos, foram-se diluindo, sobrando apenas os pobres e os ricos, todos apátridas. É por isso que a Coligação tem como objetivo lutar contra as desigualdades. É um objetivo coerente, pois o que está em causa é o empobrecimento geral, destruindo as classes intermédias, fortalecendo, deste modo, a casta dos ricos, novos e únicos cidadãos do mundo. 

Aqueles que lutam pelo poder já fizeram a sua opção: apanhar o comboio dos ricos! Se algum disser o contrário, é porque é 'disfuncional': ao atentar contra o sistema, está a expor a sua «paranoia».

Num mundo em que o 'global' foi capturado por oligarquias desregradas, das diversas máfias aos múltiplos cartéis, fazer política exige visão global e, sobretudo, uma estratégia de mudança devidamente partilhada pelos eleitores - exige verdade. E não propaganda!

 

11.9.15

Robots ávidos

«Numa sociedade em que os nossos desejos são constantemente estimulados pelo consumo, pela hierarquia social, pelo estatuto dado pelo que se possui, os homens são convidados a serem robots ávidos.» Roger Garaudy, APELO AOS (PORTUGUESES) VIVOS, Raiz e Utopia 11/12.

A ideologia de cada um (sim, porque agora cada um de nós tem uma ideologia!) é transparente: consumir mais e melhor, e encontrar o atalho que leve ao enriquecimento rápido e sem esforço. E enquanto isso, deixamos para trás a consciência que nos permitia destrinçar se o desejo era moralmente aceitável ou se, pelo contrário, este era fruto do instinto mais irracional... Hoje, somos robots que reagimos a estímulos manipulados por verdadeiras agências de intoxicação.

Acabo de dar conta de que Passos Coelho vai ganhar as eleições, porque o eleitorado é maioritariamente feminino. Pelo menos, é o que corre nos media... Qual será a fragrância que ele emana?

 

10.9.15

Os Tsípras portugueses

Embora tenha prometido não seguir o debate Passos / Costa, acabei por ouvir os últimos 20 minutos. Fiquei com a sensação de que o jogo da democracia estava a ser travado por dois homens com atitudes bem distintas. O primeiro vestira a máscara da seriedade e da responsabilidade; o segundo escolhera uma farpela mais atraente. Ambos, no entanto, estavam conscientes de que o poder, independentemente do vencedor nas urnas, nunca esteve nem estará nas suas mãos... 

Não posso deixar de estranhar a atitude dos entrevistadores: parecia que queriam domar feras que mais não eram do que cordeirinhos. Este é um jogo democrático que será sempre decidido na secretaria.

Se não formos capazes de olhar para nós, porque nos falta distanciamento e discernimento, então, olhemos para a Grécia!

Definição de Tsípras: alguém que, no contexto do capitalismo internacionalista, promete o que não tem, e acaba a fazer o contrário do que prometera.

 

9.9.15

De joelhos

Não vou seguir o debate entre Passos e Costa. Porquê?

Pela simples razão de que nenhum surge como alternativa válida.

Apenas vão debater qual deles está em melhor posição de servir o capitalismo internacional. Desde a entrada de Portugal na União Europeia e, particularmente, desde a entrada no "euro", que os autointitulados partidos do eixo da governação nos colocaram de joelhos...

 

Ouvi-los mentir tornou-se-me intolerável. Não há luz, nem cor, nem máscara, nem tom, nem argumento, nem promessa que me possam persuadir que o debate desta noite é mais do que uma pantomina...

A não ser que os farsantes nos dissessem que estão acorrentados de pés e mãos e que, na verdade, apenas ali estão a jogar à democracia para tranquilizar o capitalismo internacional.

 

8.9.15

O meu mapa cognitivo

Um ponto cujo sentido da totalidade começou por ser pré-capitalista: a aldeia, a igreja, o burro, o trabalho não remunerado; o romantismo e o realismo utópico...

Outro ponto cujo sentido da totalidade foi sendo moldado pelo capitalismo nacionalista e colonialista: a cidade, a igreja, o autocarro e o comboio, o estudo dos heróis, o emprego e a remuneração crescente, baseada na progressão académica e, sobretudo, na antiguidade; o modernismo incompreendido...

Derradeiro ponto cujo sentido se vai perdendo no capitalismo internacionalista (na chamada pós-modernidade): a viagem, as novas tecnologias, a estagnação profissional e a perda de remuneração; a ideologia confinada à representação de «la relación imaginaria del sujeto com sus condiciones reales de existência». Fredric Jameson, 1984, El posmodernismo o la lógica cultural del capitalismo avanzado.

Um ponto que vai perdendo a distância crítica, porque incapaz de compreender a cultura gerada pelo capitalismo internacionalista - o pós-modernismo. Este, mais do que contracultura, é a forma avançada da alienação do ser, cada vez mais à deriva.

7.9.15

É difícil explicar

É difícil explicar o que não nos oferece explicação. Perante a pergunta inevitável, vou repetindo um motivo artificioso: "divergências". 

O termo parece mágico, pois ninguém se interroga sobre a causa, o quê ou sobre quem é que diverge de quem...

(Nos próximos dias, a situação vai repetir-se.)

Entretanto, parece que a minha espera deixou de ser solitária. Das palavras dos meus interlocutores irrompe uma certa solidariedade ou, pelo menos, comiseração.

Sob os plátanos, a brisa esmorece. Só uma mosca procura células em decomposição. Incomoda: ainda há quem, disfarçadamente, saiba jogar com a lei, sem a contornar.

 

 

6.9.15

Preferia ficar calado

Preferia ficar calado, porém, perante certos comportamentos, entendo que o melhor é não os ignorar. Vem isto a propósito da dificuldade em destrinçar a mentira da verdade. 

Todos os dias, nos confrontamos com uma informação de tal modo tendenciosa que, no meu caso, me leva a não ler revistas nem jornais e, sobretudo, a fugir das televisões. Nos media, há quem ganhe a vida a empastelar... há quem construa uma carreira profissional a explorar mexericos, há quem, à custa da fama obtida nos estúdios de televisão, cobre honorários proibitivos...

Querendo, apesar de tudo, acreditar que o ser humano é naturalmente bom (J.J. Rousseau), a espaços procuro na Internet informação menos poluída. Ora, hoje, dei conta de que uns tantos jovens resolveram celebrar publicamente a sua "entrada" no curso de medicina.

Na verdade, o que estes jovens fizeram foi enganar "os amigos". Dirão que se trata de uma brincadeira (mais uma!) ... De facto, a brincar não se aprende a dizer a verdade. Só a mentir!

Como sabemos, a mentira é provavelmente o maior cancro que mina as relações humanas. Mas também é um excelente trampolim para a conquista do poder. Infelizmente !

 

5.9.15

Batalha sem tréguas

« L’effroi, la dissonance, ils sont partout ici. Qu'un rossignol chante, et il a la voix du désespoir. » Jacques Borel, in Fêtes galantes Romances sans paroles précédé de Poèmes saturniens, de Paul Verlaine. 

O dia de hoje podia ser de festa, mas não! Cedo, as palavras revelaram ser de «déperdition» do ser. Um conceito que, até ao momento, descurara, embora pressentisse a vida como «dissonância». Um pouco como se, a cada instante, se tivesse instalado uma batalha desgastante entre Eros e Tanatos...

Percebo, agora, que o Ser (certos seres, pelo menos) se obstina em não aceitar a "perda" que o devir acarreta, pois, o amanhã deixou de surgir como uma nova aurora...

Tudo é baço! Tudo é lívido!

 

4.9.15

Contenção

Há temas de que evito falar, embora me apetecesse abrir o livro. Contenho-me ao pensar nas causas de certos comportamentos, numa tentativa de adiar os efeitos...

O problema é que não destrinço os motivos. Por vezes, penso que o envelhecimento traz consigo atos absurdos... 

E fico a ruminar. De tal modo que começo a visualizar os gravetos já diluídos que vão caindo, espumosos, sobre o estrume que, em tempos idos, servia de adubo nos campos esquecidos.

Em dias como o de hoje, as palavras jorram do passado sem que eu as tenho solicitado. Estéreis, não cumprem a missão inicial - nem ideia nem som; apenas sequência sem sentido.

(Ou talvez ainda não tenha chegado a hora, se ela existe! Creio, no entanto, que essa hora nunca chegará. Ou porque o bom senso acabe por vencer ou porque a contenção irá comigo... Nunca conheci o efeito terapêutico das artes marciais, mas é como se sempre as tivesse praticado.)

 

3.9.15

Desafio

« C’est pour construire un instant complexe, pour nouer sur cet instant des simultanéités nombreuses que le poète détruit la continuité simple du temps enchaîné. “Le temps ne coule plus. Il jaillit. “Le poète anime une dialectique plus subtile. Il révèle à la fois, dans le même instant, la solidarité de la forme et de la personne. » Gaston Bachelard, Instant poétique et instant métaphysique, in Le Droit de Rêver, PUF, 1973.

Tudo o que registo dá conta de que tempus edax rerum (Ovídio). As palavras correm num ribeiro que que há muito deixou de ser afluente... a seca, no entanto, não estanca o fluxo do tempo. Um tempo contínuo que nunca chega a implodir a terra gretada, libertando as palavras da prisão que as asfixia... O meu insucesso poético encontra assim uma justificação, humana. 

O que eu gostaria de saber é o que pensam, da tese de Gaston Bachelard, os poetas, vivos e, certamente, divinos: António Souto, Hugo Milhanas Machado, Mia Couto, Porfírio Silva e Silva Carvalho...

Espero que não me levem a mal! 

 

2.9.15

A máscara

« Dès que nous voulons distinguer ce qui se dissimule sous un visage, dès que nous voulons lire dans un visage, nous prenons tacitement ce visage pour un masque. » Gaston Bachelard, in préface de Phénoménologie du Masque, de Roland Kuhn.

 

A leitura de um rosto pressupõe tempo - o tempo de admitir que o que observamos é uma máscara, e que, caso persistamos na observação, para além da primeira máscara, se sucedem outras máscaras...

Ao contrário do que acontece com os encenadores (teatro, cinema) com os psicólogos, os psiquiatras, os psicanalistas, os padres, os fotógrafos e os escritores que se atribuem o tempo necessário à exploração da necessidade humana de disfarce e de dissimulação, eu perco-me na floresta dos rostos, deixando-me a braços com a autenticidade fugaz...

Este comportamento revela uma timidez, um medo inicial, que acaba por inviabilizar o conhecimento genuíno da alma humana. E o que é mais extraordinário é que o medo inicial já é a máscara que combate a solidão...

Como tal, a máscara simula a aproximação e exorciza o horror do nada, o que explica que na hora da partida haja especial cuidado com a máscara derradeira... 

 

1.9.15

Há um mês...

Mar azul, ondulação fraca; um barco a motor vai sulcando o cerúleo das ondas...

Três palmeiras, cercadas por vegetação rasteira que, em dias húmidos, desabrocha em minúsculos caracóis...

Do lado direito, três casas à sombra de um palmar. E mais à direita, um parque de estacionamento cuja utilidade estará limitada aos meses de verão.

Mais perto, meia dúzia de vivendas, cercadas por jardins bem cuidados, onde crescem palmeiras, figueiras, dragoeiros e outras espécies, preguiçosamente, inomináveis...

A espaços, um ou outro balido desperta quatro galinhas que procuram, sem descanso, as minhocas do dia.

Eu estou sentado diante de um esgalho de uvas, e leio, por algum tempo, Le Réveil des Nationalismes, de Gilles Martinet...

Hoje, verifico que há um mês estava à espera que algo mudasse, mas não: tudo continua na mesma, apenas o mar azul está mais longe... 

 

30.8.15

O rosto e a máscara de Passos Coelho

Os contribuintes não vão pagar diretamente, mas (...) indiretamente... Consta que este enunciado foi proferido pelo primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho. Estes advérbios serão de predicado, com valor modal ou de frase com valor avaliativo?  

Se considerarmos o contexto da venda do Novo Banco (e da inerente responsabilidade do Governo), embora contrariando a norma gramatical, vejo-me obrigado a considerar estes advérbios de frase com valor avaliativo.

Como o que interessa é vender o Novo Banco, e Passos Coelho, que já sabe que os milhões da compra não pagam o valor investido pela Banca nacional, pública ou privada, na salvação do BES, decidiu agora colocar a máscara da honestidade, dizendo aos portugueses que estes terão de pagar, mas não de forma direta... Que alívio! 

Na verdade, os portugueses, que já pagavam de todas as maneiras, ainda não se tinham apercebido de quão agradável é pagar de forma indireta. 

O que é que o honestíssimo primeiro-ministro nos reserva para a próxima legislatura? A venda ao desbarato da Caixa Geral de Depósitos ?

« Dès que nous voulons distinguer ce qui se dissimule sous un visage, dès que nous voulons lire dans un visage, nous prenons tacitement ce visage pour un masque. »

    Gaston Bachelard, Le Droit de Rêver, Le Masque, page 202, PUF

 

29.8.15

Ler 2666

Na tradução portuguesa, são 1030 páginas de peripécias e de personagens excêntricas, criadas a partir de espaços reais, como a Ciudad Juárez, na fronteira do México com os Estados Unidos, transformada em Santa Teresa: o expoente da exploração capitalista, do assassínio de mulheres, do narcotráfico, do crime em todas as suas facetas, da total perda de identidade…

De certo modo, a cidade das fábricas maquiladoras é a nova face do nazismo, como se, afinal, este tivesse saído da Alemanha para o Novo Mundo, lugar de reposição de todas as taras europeias…

Ler 2666 é também revisitar os infernos da guerra, da degeneração e da decadência intelectual ocidental ao longo do século XX.

Finalmente ler 2666 é ter como guia um narrador que se afasta dos academismos, dos críticos parasitas e sanguessugas, e que vive o mais longe possível dos centros de poder. Segui-lo é, para o leitor, uma verdadeira aventura que lhe consome as energias e que o obriga permanentemente a interrogar-se e a posicionar-se no mapa do mundo, na esperança de compreender por que motivos 2666 é o centro do mundo para Roberto Bolaño.

Talvez, porque o mundo se encaminhe a passos largos para o seu ocaso… 2666 lembra-me as profecias de Vieira e de Nostradamus, centradas no ano de 1666. 

 

28.8.15

Ter uma ideia...

Ter uma ideia é um processo difícil! Desde que acordo, realizo várias tarefas e ao fazê-lo ocupo o tempo, sabendo que essa é a melhor forma de não ter qualquer ideia.

No intervalo das tarefas, vou dando conta das ideias dos outros e com tal procedimento esqueço o processo de idealização. Por exemplo, se dou atenção à volta à Espanha, à droga que terá circulado na porta 18 (e em muitas outras portas e postigos!), à notícia de que Pedro Santana Lopes não é candidato a presidente da República, porque não tem dinheiro e teme a língua peregrina do putativo candidato Marcelo, aos sírios que terão sido abandonados num camião numa autoestrada austríaca às portas da Hungria, à Líbia abandonada pelo Ocidente que lhes matou o ditador para agora aquele território ser a porta do tráfico humano para a Europa... se dou atenção a tudo isto, sem esquecer os familiares, os amigos e os conhecidos, fico sem tempo para ter qualquer ideia...

Claro que posso sempre declarar a minha revolta, o meu desconsolo ou, até, a minha alegria se Nelson Évora faz subir a bandeira nacional em Pequim, mas nada disto significa que tenha tido uma ideia...

E o pior é que quando as tenho, esqueço-as de tal modo que me sinto à deriva.   

 

27.8.15

Chocados com a morte

A morte é a principal notícia dos dias. Os governantes europeus mostram-se chocados, mas a política que defendem e aplicam é a da morte - fecham as fronteiras, indo ao ponto de as murar; filtram as entradas dos refugiados e, ao mesmo tempo, condenam uma parte significativa da população do sul da Europa à emigração...

Em nome de particularismos de todo o tipo, os governantes europeus nada fazem para combater os inimigos das populações, porque o que lhes interessa é, afinal, o controlo das matérias-primas e manter abertos os corredores que lhes permitam exportar, exportar... Exportar armas, drogas, medicamentos, metais, máquinas, vestuário e calçado, alimentos...

Os governantes europeus mostram-se chocados, mas a política que defendem e aplicam é a da morte.

     

26.8.15

Os títulos são tão óbvios e fraldiqueiros

Por enquanto, ainda dou alguma atenção aos escaparates das livrarias. Só que perco a vontade de entrar: os títulos são tão óbvios e fraldiqueiros!

E quando entro, fico com a sensação de que caio numa das várias dornas que ali foram colocadas para me afogar. A custo, liberto-me das aduelas, e passo os olhos pelas estantes, fixando-me sempre nos mesmos autores à espera de uma obra-prima... a vista turva-se, incapaz de distinguir a árvore do arbusto, e saio. Respiro fundo e sigo o caminho de regresso aos livros que já li e já esqueci ou, então, que ainda não li.

Saio com uma sensação de vazio e de perda. Mas, de certo modo, saio mais tranquilo porque, de facto, nunca tive o desejo de plagiar ninguém, de ser o que não sou. E como tal, conformo-me com as reflexões de Roberto Bolaño, romance 2666, pág. 901:

«A literatura é uma vasta floresta e as obras-primas são os lagos, as árvores imensas ou estranhíssimas, as eloquentes flores preciosas ou as escondidas grutas, mas uma floresta também é composta por árvores vulgares, por ervas, por charcos, por plantas parasitas, por fungos e por florezinhas. Estava enganado. As obras menores, na realidade, não existem. Quero dizer: o autor de uma obra menor não se chama fulaninho ou beltraninho. Fulaninho e beltraninho existem, disso não há dúvida, e sofrem e trabalham e publicam em jornais e revistas e de vez em quando até publicam um livro que não desmerece o papel em que está impresso, mas esses livros ou esses artigos, se você reparar com atenção, não estão escritos por eles.»   

 

25.8.15

Estado de anomia

ANOMIA é um daqueles termos que pode ajudar a caracterizar múltiplas situações. Por um lado, no que me diz respeito, 'anomia' define a dificuldade em selecionar a palavra apropriada ao objeto, à ideia, ao estado... Com a idade, a anomia vai-se agravando...

Por outro lado, a 'anomia' caracteriza o estado das sociedades em acentuada decadência, cujos membros deixam de respeitar as normas vinculativas; os indivíduos e, por vezes, as corporações passam a agir por conta própria desprezando os valores tradicionais. Aparentemente, os membros mais ativos parecem procurar uma nova ordem, criando situações favoráveis ao caudilhismo...

A anomia, de acordo com alguns teóricos, tanto pode trazer resultados positivos como negativos, sobretudo, em épocas de depressão financeira, económica e axiológica...

Eu, no entanto, quando olho para um país que, nas próximas eleições legislativas, apresenta a votos 3 coligações e 14 partidos, não consigo vislumbrar nada, para além de grupos e grupúsculos que procuram um lugar ao sol, porque, afinal, não sabem produzir nada.

E a prova do estado da anomia portuguesa é que não encontro uma única proposta que mobilize o país. Basta pensar nos milhões de euros consumidos pelos fogos de verão e de outono! Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta um plano concreto para limpar o mato, para limpar a floresta, para desimpedir e abrir acessos, para melhor aproveitar os solos?   Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta um projeto nacional concreto para demolir ou para restaurar o património rural e urbano deixado ao abandono?    


24.8.15

Veneno ambulante

La belleza no es un capricho de un semidiós, sino el ojo implacable de un simple carpintero.

        Osip Mandelshtam

No outono de 1912, um grupo de seis jovens reúne-se em segredo para debater o futuro da poesia: Gumilev, Gorodetsky, Ajmátova, Mandelshtam, Narbur y Zenkevich.

Estes acmeístas russos defendiam a claridade apolínea, opondo-se ao delírio propagado pelos poetas simbolistas russos. 

Esta breve nota foi me imposta por Roberto Bolaño que, na página 843, do romance 2666 narra, de forma sumária, a vida de «um poeta acmeísta e a sua mulher reduzidos à miséria e à indignidade sem repouso», rejeitado pelos outros poetas russos, pois consideram o acmeísmo «veneno ambulante».

Esta obra parece ter sido escrita para me confrontar com a minha ignorância!

 

23.8.15

A minha cruz

Não saio da rotina, a que a minha mãe chamava "a minha cruz". Múltiplas vezes, a ouvi falar da sua cruz, sem que tal eu interpretasse como "queixa". Quem é que iria queixar-se da "cruz", sobretudo em terra de cristãos velhos?

A verdade é que, ultimamente, tenho-me recordado das palavras, quase de rotina, de minha mãe. A terra continua a ser de "cristãos", cada vez em menor número, e a locução de certo modo tornou-se anacrónica... 

Já não sei se nisto tudo não há um misto de nostalgia, talvez a "cruz " da minha mãe lhe tivesse acelerado a passagem, ou, talvez, a nostalgia seja daquele tempo em que para mim não havia cruz a não ser a de Cristo. E essa era a vida que o Pai lhe dera...

A rotina prende-nos de tal modo que, quando damos por isso, já é demasiado tarde. No entanto, não é Deus nem o Fado nem o Homem que nos impõem a cruz, mas o Tempo, ou a falta dele...

Não saio da rotina nem me estou a queixar. Não estou é disposto em entrar em depressão nem a procurar o cirurgião plástico! 

 

No reino dos silvas, ainda há quem defenda que as figueiras são malditas

No país dos Silvas nem as figueiras escapam! E desta vez, nem posso atribuir a responsabilidade a outrem... sou eu que deixo que as silvas matem tudo o que lhes aparece pela frente...

Claro que se o Senhor Silva, no seu tempo de primeiro-ministro, não tivesse desinvestido na agricultura, talvez eu, hoje, não me sentisse tão incomodado com o que observei ao querer apanhar uma dúzia de figos... Porfiei e consegui apanhar uns tantos figos, sem esquecer as pobres peras, também elas cercadas pelas malditas silvas, mas não escapei à fúria do silvado.

Em conclusão, estou disposto a vender o Vale do Oceano a quem queira erradicar as silvas e os Silvas deste país. 

Quem ler este desabafo, pode pensar que nunca se sabe se estou a falar a sério ou a brincar. Confirmo, no entanto, que já não estou em idade para brincadeiras.

 

20.8.15

Poupas às portas de Lisboa

Estas aves despertaram a minha atenção, porque não esperava vê-las aqui, na Portela... Parece que vão estar por cá entre Agosto e Outubro e quando partirem far-se-ão acompanhar pelas crias que, entretanto, já estarão a crescer nalgum tronco de árvore da Quinta do Seminário. Será?

Estas aves são persistentes, pois no dia em que as descobri estiveram pelo menos duas horas a alimentar-se no mesmo lugar. Pobres das minhocas!

 

19.8.15

Sinal positivo, sinal negativo

Limparam e repararam as brechas do lago do Jardim do Campo Grande. Sinal positivo!

Agora que ele está a encher de água límpida, há logo quem não resista a profaná-lo. Sinal negativo!

O homem é assim mesmo: não descansa enquanto não marca o território, não deixa a pegada da sujidade.

Paciência! Pode ser que, neste caso, a água de amanhã já não seja a de hoje, e, então a profanação já estará esquecida.

(Por cima do lago, uma estátua mira-se num espelho mudo.)

 

18.8.15

Encalhado

A única palavra que me assombra verdadeiramente é o particípio passado do verbo encalhar. O estado de quem sofre a ação de ficar sem saída... Até hoje, sempre consegui contornar, recuar ou mesmo avançar sobre o obstáculo. 

De noite, o que sobra são resquícios de objetos e de pessoas que surgem encalhados nos meus sonhos..., mas não sou eu, pois o meu sonho não se transforma num pesadelo, a não ser se considerarmos a multiplicação onírica dos precários que se arrastam pela vida, como se a instabilidade fosse um estado natural...

De dia, avanço passo a passo, linha a linha, crime a crime. E estes são tantos!  Já pensei em seguir o exemplo do autor de 2666, que em cerca de 300 páginas, estando-se nas tintas para a economia da narrativa, decidiu dar conta de todos os assassínios de mulheres em Santa Teresa, no México... o leitor acaba encalhado em tanto assassinato, mas talvez tome consciência da violência que os homens exercem diariamente sobre as mulheres. 

A verdade é que hoje encalhei por volta das 11 horas e espero desde essa hora que a maré suba. Talvez, mais logo, consiga desencalhar, mas não vai ser fácil...

(O problema da palavra não existe a não ser que a utilizemos de forma errada. Nesse caso, vai ser necessário defini-la com rigor e paciência, muita...)

 

17.8.15

A certeza de Maria de Belém

Maria de Belém, ex-presidente do Partido Socialista, anunciou nesta segunda-feira que se vai candidatar às eleições presidenciais de 2016.

"Apresentarei publicamente a minha candidatura após as eleições legislativas de 4 de Outubro", disse Maria de Belém, numa nota enviada à agência Lusa.

Maria de Belém já sabe que o Partido Socialista vai perder as eleições no dia 4 de outubro de 2015. Entretanto, António Costa, em vez de partir a loiça toda, vai adiando, vai dançando ao sabor do tambor da nova coligação.

Incapaz de romper definitivamente com os socratistas e com os seguristas, António Costa vai confirmando que lhe falta o perfil de estadista. 

Tenho pena! Não por ele, mas pelo país!

 

16.8.15

As eleições e o critério da vizinhança

Como, até ao momento, nem familiares nem amigos decidiram candidatar-se a primeiro-ministro ou a presidente da república, sinto-me à deriva: não sei se me devo abster ou votar em branco. 

Ao ouvir os candidatos, pressinto que me estão a querer enganar: uns surgem mais louros, outros mais brancos, outros ainda mais informais, sem falar daqueles que, invisíveis, querem fazer crer que a Luz está quase a chegar.

Houve tempos em que me norteava por um critério ideológico e votava sempre do mesmo modo; depois, comecei a pensar que os valores dos candidatos deveriam determinar as minhas opções, mas a pouco e pouco fui descobrindo que a honestidade, o rigor, o profissionalismo tinham perdido espaço, sendo substituídos pela mentira, pela corrupção, pela incompetência e pela propaganda...

 

Deste modo, só me resta o critério da vizinhança: Um dia trabalhei numa escola frequentada por um jovem cheio de iniciativa que hoje se candidata a primeiro-ministro; presentemente, vivo num bairro, onde reside uma mulher que sonha ser presidente da república.

Lançados os dados, uma coisa posso, desde já, garantir: Se o jovem chegar a primeiro-ministro, a minha vizinha nunca será presidente da república; mas se o jovem do Liceu Passos Manuel perder, a minha vizinha ainda tem uma hipótese...

Em conclusão, este critério assegura-me que, no futuro, não teremos um primeiro-ministro e um presidente da república saídos do mesmo berço...

 

14.8.15

Não é que eu sofra de qualquer fobia

Durante o Estado Novo, havia quem preferisse os gatos aos cães. Atualmente, todos estes bichinhos passaram a animais de estimação, dependendo apenas dos caprichos do Senhor Coelho - nuns dias são sobrestimados; noutros, abandonados...

Eu próprio, vítima do Senhor Coelho, vejo que na gaiola já só tenho dois mandarins, mais ou menos tontos, que passam os dias a responder a todos os estímulos sonoros - parece-me que entoam uma espécie de rap, característico de mentes suicidas, pelo menos em zonas de fronteira. Por exemplo, entre o México e os Estados Unidos, no território das maquiladoras*...

Não é que eu sofra de uma qualquer fobia, nem sequer da mais genuína, a sacrofobia, o que me trouxe a esta linha tortuosa foi uma outra questão: saber se a telepatia é ou não anterior à comunicação verbal. Convém explicar que a telepatia a que me estou a referir é desconhecida do homem ou talvez o homem se tenha esquecido dessa forma de comunicação - mental - típica dos outros animais, dos minerais e dos vegetais: a imagem seria a matéria primordial e propagar-se-ia sem necessidade de recorrer a símbolos, a signos e qualquer tipo de palavra babélica.

Para ser mais claro, esta matéria primordial nada tem a ver com qualquer outdoor, selfie ou até reflexo aquoso, tudo manchas narcísicas da ignomínia que nos governa ou nos quer governar... 

Finalmente, a outra questão que aqui poderia trazer já não interessa a ninguém, mas fica registada: a arbitrariedade de quem classifica e reaprecia provas de exame nacional - uma aluna brilhante viu baixar a média em dois valores, sem qualquer justificação escrita. Quando se ganha ou se perde, bom seria que os fundamentos fossem consultáveis...

*Maquiladoras (also known as "twin plants") are manufacturing plants in Mexico with the parent company's administration facility in the United States. Maquiladoras allow companies to capitalize on the less expensive labor force in Mexico and also receive the benefits of doing business in the United States. Companies operating in the United States can send equipment, supplies, machinery, raw materials, and other assets to their plants in Mexico for assembly or processing without paying import duties. The finished product can then be exported back to the United States or to a third country.

28.7.15

A pasteleira

Agora que a palmeira feneceu, recordo a pasteleira do pai do meu amigo de infância - uma enorme bicicleta cuja função era transportar as caixas de petinga, carapau, chicharro, sardinha e outros peixes de maior porte e mais carotes... Não me lembro de alguma vez ter falado com o peixeiro, apesar de ser colega de escola do filho, e de termos, por mais de uma vez, organizado umas corridas de bicicleta que davam connosco debaixo de uma figueira: calças rotas e joelhos destroçados. Uma história que, inevitavelmente, acabava mal para ambos - a correria começava sempre sob o olhar da indiferente palmeira...

O mais estranho nesta memória é que relembro o caminho, a palmeira e a pasteleira, sem esquecer a figueira, mas perdi o rasto ao meu amigo de infância. Desde que conclui a "primária", nunca mais o voltei a ver. 

E o mais grave é que esta situação de perder os amigos se vem repetindo desde que a aldeia foi ficando para trás... 

Talvez seja por isso que os amigos se tornaram em "conhecidos" e, ultimamente, em "desconhecidos", ao contrário da palmeira, da pasteleira...

 

27.7.15

Pedaço de caminho

(A memória principal data de 15.08.2012)

Para chegar à casa, M. tinha de passar pela palmeira.

Daquela palmeira avistava-se sobre o lado direito uma casa térrea. Donde é que aquela palmeira teria saído, se não se vislumbrava nenhum palmar entre vinhas, olivais e figueirais? Saía de casa e logo os olhos se fixavam naquela inesperada presença. Aquela fixação, ao contrário do que seria de esperar, não fazia sonhar. Era uma presença muda que ajudava a delimitar o caminho de pedra maltratada e que, quando as chuvas desabavam, assistia à transformação da rua em rio de lama. Para além da pedra e da lama, erguia-se, majestosa, a palmeira. Ainda, hoje, por lá continua…

Aquele pedaço de caminho que separava a casa da palmeira foi durante dez anos a aldeia de M.

Para lá da palmeira, a rua estava assombrada: havia cabras noturnas que devoravam os parcos canteiros de flores, havia cães que ladravam sem parar e, sobretudo, havia a violência das palavras grosseiras que fendiam os tímpanos de M. Essas palavras ainda hoje ecoam na mente de M. Talvez se possa admitir que ainda o assombram.

De facto, não são só as palavras que ecoam… há também gritos. E em particular, tosses ininterruptas que atravessam o tempo e se repetem…

Apesar da memória, nem tudo pode ser dito. E de que serviria?
Última hora: a palmeira já só vive na minha memória e, agora, sei que um pedaço de mim ficou pelo caminho...

26.7.15

A enxaqueca

O dia é de enxaqueca, sempre que o calor aperta. Ao contrário da maioria da população, fujo do sol como o diabo da cruz... E a história já é antiga!

Remonta ao tempo em que, nos meses de agosto e de setembro, me via obrigado a colher figos e uvas, sem esquecer que, feita a colheita, era necessário cuidar dos tabuleiros em que estes frutos eram postos a secar: figo seco e passa de uva.

A enxaqueca poderia ter, assim, origem numa fobia, mas a verdade é que, ainda hoje, quando apanho sol, a dor de cabeça desponta, sobretudo do lado direito...

Com isto, talvez tenha encontrado a explicação para a indisposição que a direita me provoca, particularmente, quando representada por homens tão inteligentes como Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas e respectivos acólitos...

"É hora de os portugueses dizerem à oposição que ela não é precisa. (Pedro Passos Coelho discursou na Madeira, na festa do Chão da Lagoa.)

  

25.7.15

Quando deixamos morrer uma língua

« Nous ne pouvons savoir ! - Nous sommes accablés

D'un manteau d'ignorance et d'étroites chimères !

Singes d'hommes tombés de la vulve des mères,

Notre pâle raison nous cache l’infini !

Nous voulons regarder : Le doute nous punit !

Le doute, morne oiseau, nous frappe de son aile,

- Et l'horizon s'enfuit d'une fuite éternelle !»

Arthur Rimbaud, Soleil et Chair (excerto)

Em tempo de certezas, sinto-me de tal modo ignorante que só a poesia me traz algum sossego, porque, afinal, o Poeta confina o seu ofício à expressão dos limites da razão humana e à valorização da dúvida, apesar do desapontamento que ela nos pode trazer... 

Além disso só, na bigorna do Poeta, as palavras encontram o ritmo capaz de exprimir tudo o que ignoramos: Et l'horizon s'enfuit d'une fuite eternelle!

Aqui chegado, deixo de querer traduzir os versos, porque a beleza plasmada numa língua não é traduzível. Quando deixamos morrer uma língua, deitamos fora a beleza de uma comunidade.

 

 

24.7.15

Farto de propaganda

Tudo é propaganda: a política é propaganda; a propaganda é política. E quem pensa assim é a ministra das Finanças, o que me permite acrescentar que o ministério das Finanças mais não é do que o ministério da propaganda...

Farto da propaganda deste dia, acabo de visitar a Fonte Luminosa, lugar multicultural, se atentarmos no parque infantil, nos bancos de jardim, nas jogatanas de bola e nas esplanadas... Lugar que poderia ser de memória, mas do quê? Quem sabe?

Acabei por percorrer a rua Guerra Junqueiro, centro comercial em hora de fecho e, de súbito, vi que a Mexicana parece que passou à história. Será verdade?

E claro, juntando as pontas, concluo com um conselho do esquecido autor d' A Velhice do Padre Eterno

Arranja um casamento e aprende a ter juízo.

A noiva pouco importa; o dote é o que é preciso

Discuti-lo. Olha lá, os pais que sejam velhos!...

Que vá para o diabo o reino da Utopia!

E hão de te nomear sócio da academia

E, quem sabe! talvez barão dos Evangelhos.

 in A Semana Santa.

 

Um conselho que eu desprezei, como se comprova pela minha atual situação. Eu que casei há mais de 40 anos na rua Guerra Junqueiro!

 

23.7.15

Sensações

O poema é de Arthur Rimbaud e exprime bem como ando desajustado. Ainda não há muito tempo tive a possibilidade de, nos fins-de-tarde azuis do verão, ir pelos atalhos observar os campos de trigo e calcar o restolho... e sonhar e sentir a frescura dos riachos e deixar que o vento banhasse os meus cabelos...

Agora que tenho mais tempo e menos meios, leio com vagar as sensações dos poetas franceses da segunda metade do século XIX e mergulho no amarelo das notícias literárias dos anos 90 do século XX...

O resto serão areias de uma ilha, um pouco ao sul e, talvez, com aves de arribação... Prometo, no entanto, que pouco falarei, embora continue a pensar, não no amor infinito nem na boémia, mas nas sensações até que elas se esfumem na Natureza.

 

Par les soirs bleus d'été, j'irais dans les sentiers,

Picoté par les blés, fouler l'herbe menue :

Rêveur, j'en sentirai la fraîcheur à mes pieds

Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

 

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien :

Mais l'amour infini me montera dans l'âme,

Et j'irai loin, bien loin, comme un bohémien,

Par la Nature, - heureux comme avec une femme.

(Mars 1870) 

 

22.7.15

Sob a cortina flutuante

« Or les petits enfants, sous le rideau flottant / Parlent bas comme on fait dans une nuit obscure. / Rimbaud, Les Étrennes des Orphelins.

Onde é que esse tempo já vai!? Por mais que os dias sejam obscuros, as vozes elevam-se cada vez mais alto numa algaraviada inútil.

Acabo de saber que o Parlamento entrou de férias, breve sobressalto de acalmia... Só que o Presidente se prepara para anunciar a data das próximas eleições legislativas - a expectativa de diminuição da infernal propaganda afunda-se definitivamente.

E eu que sempre amei o silêncio, vejo-me enredado na vertigem ruidosa que se eleva lá fora e, sobretudo, cá dentro... dentro de mim...

 

21.7.15

Continuo a juntar dados

Continuo a juntar dados do tempo em que parecia haver a intenção de criar uma comunidade lusófona liberta de preconceitos. Uma comunidade capaz de sarar as feridas do tempo da colonização e que, em simultâneo, se transformasse numa plataforma cultural e económica, pronta a libertar os seus membros de dependências demasiado asfixiantes...

A ideia tem vindo a definhar, antes de mais porque a opção portuguesa de integrar a União Europeia e, sobretudo, o euro, inviabiliza a prioridade lusófona. Portugal é hoje uma província periférica de um projeto alternativo daqueles que se apressaram a entregar as colónias aos grandes blocos políticos dos anos 70.

Esta persistência, na verdade, já não interessa a ninguém!

 

20.7.15

Afinal

Primeiro, plantam-se as árvores; depois, deixam-se secar...

Primeiro, enchem-se os lagos; depois, secos, ficam ao abandono... Parecem saídos de uma qualquer escavação arqueológica, entretanto, abandonada a céu aberto...

A educação é prioridade! Sem ela não há sucesso! Depois, valoriza-se o dinheiro fácil...O futuro é da juventude! Depois mostra-se-lhe a porta de saída...

Os credores amigos salvaram-nos da bancarrota! Quatro anos depois, a dívida aumentou cerca de 60.000 milhões de euros...

Afinal, se tivéssemos regado a floresta e os jardins, se não tivéssemos substituído os lagos pelas piscinas, se tivéssemos valorizado a inteligência e o trabalho, hoje, seríamos mais felizes e.… menos pobres.

 

19.7.15

Degradação no Jardim da Quinta das Conchas e dos Lilases

«Possuidora de uma área de mata profusamente arborizada (cerca de dois terços da superfície total), a Quinta das Conchas encontra-se favorecida por diversas áreas de lazer, nomeadamente, um café/auditório, restaurante, parque infantil, parque de merendas, lago com pontão, bem como um circuito interno que permite a prática de atividades desportivas, como por exemplo, caminhada, corrida e/ou ciclismo. A norte do jardim, a Quinta dos Lilases complementa o espaço, sendo constituída por uma mansão de estilo colonial (a qual serviu de residência a Francisco Mantero), jardim e lago - com duas ilhas arborizadas ao centro.

Tendo sido alvo de obras de beneficiação e requalificação, o Jardim da Quinta das Conchas e dos Lilases foi "reinaugurado" ao público a 12 de Maio de 2005, sob a tutela do presidente da edilidade lisboeta à data, Pedro Santana Lopes. A secção de terreno que constitui a Quinta dos Lilases foi, por sua vez, reaberta ao público a 15 de Janeiro de 2007, presidindo António Carmona Rodrigues à Câmara Municipal de Lisboa à data.» 

Hoje, dia 19 de Julho de 2015, o Lago tropical encontra-se num estado que nem as pombas devem compreender. Porquê? Com tantos turistas na cidade de Lisboa, será assim tão difícil encontrar uma verba que reponha o projeto inicial e mate a sede às pombas?

 

18.7.15

Um classificador que nunca leu Rimbaud

O helicóptero interrompe-me o sono leve e, durante uma hora, afasta-se e regressa, sobrevoando o bairro: não sei se se desloca do aeroporto para o Parque das Nações ou para o Montijo. Chego a pensar que são os angolanos a escoar diamantes...
Não oiço os sinos da igreja do Cristo Rei a convidar-me para as matinas! Ao alcance da mão, tenho, no entanto, Illuminations, de Rimbaud!
E retomo a leitura : 

"Un Prince était vexé de ne pas s'être employé jamais qu'à la perfection des générosités vulgaires."

Sem ser príncipe, também eu me sinto vexado por não ser capaz de ir além da generosidade vulgar. Talvez seja por esse motivo que continuo a dizer sim, quando deveria ocupar o meu tempo de forma mais construtiva.

E assim, horas mais tarde, lá subi e desci a rua da Igreja com o Santo António alheado: Não havia por ali nem pássaros nem peixes a quem pudesse dirigir-se... E quando dali saí fiquei com a certeza de que não gosto da Padaria Portuguesa! Não há ali espaço para mim: Não é possível tomar um café ao balcão; há sempre duas filas distintas, mas cujo atendimento é indistinto; e, na esplanada, as mesas estão tão próximas que pareço fazer parte duma nova família...

Finalmente, graças às virtudes da tecnologia, lá elaborei mais um parecer (gratuito) sobre a classificação atribuída a uma prova de Português: 9,2 valores. Em três dias, já é o segundo 9,2 de que tomo conhecimento.

Quero acreditar que este classificador nunca leu Rimbaud, e que detestará a generosidade vulgar...

 

17.7.15

Em nome da Liberdade

Pouco tenho a acrescentar, mas tudo poderia ser mais fácil se ouvíssemos com mais atenção. Recordo que, no princípio da adolescência, me foi feito o diagnóstico de "dispersão". Oficialmente, não fui acusado de "desatenção", e sempre me pareceu que os dois termos não eram sinónimos...

A esta distância, creio que a causa da "dispersão" era a desadaptação. Afinal, fora arrancado à terra hostil, e atirado para uma redoma de piso encerado, decorada por extensos painéis de azulejos esventrados pelas baionetas francesas...

A cera substituía a poeira e os azulejos não davam conta nem dos espinhos nem dos buracos dos caminhos. Lá no fundo, o que mais me preocupava era saber quem é que tinha arrancado os olhos àqueles celestiais anjinhos... E apesar de estudar Latim e, sobretudo, Francês, não havia ninguém que me explicasse que, em nome da Liberdade, os oficiais e os soldados franceses tinham saqueado as igrejas, violado as virgens e as matronas, sem dar paz às velhas... e, finalmente, tinham fuzilado os anjinhos...

Em síntese, a desatenção não é coisa fácil de explicar, porque a atenção simplesmente está centrada noutro objeto. E a dispersão é filha das entranhas, isto é, da necessidade de explicar o que está para além dos nossos sentidos, mesmo que seja nas ilhas desafortunadas...

Nessas ilhas que, hoje, são vilipendiadas, em nome da Liberdade!

 

16.7.15

O predador cerca a criatura

Os últimos dias têm sido trabalhosos e, provavelmente, ineficazes. Não por falta de aplicação, mas porque tudo o que é feito é controlado em bastidores inacessíveis.

No palco, movem-se umas tantas criaturas mais ou menos taciturnas, que pensam que estão a dar o seu melhor. No entanto, o melhor não chega.

A autonomia da criatura é, afinal, propriedade do predador, que está presente em todas as áreas da ação humana...

O predador cerca a criatura, assedia-a e devora-a até ao osso mais recôndito. 

Outrora, a relação da criatura era com o criador; hoje, a relação da criatura é com o predador que se imagina Senhor...

Nesta esfera de ação, a criatura deve abster-se de exemplificar.

  

14.7.15

Alquimia verbal

Pensei deixar em branco o dia, mas temo que se o fizer isso seja entendido como uma prova de cobardia. Afinal, há sempre alguma coisa que acontece. Lembro-me agora que na adolescência me era exigido um exame de consciência interior, antes de adormecer. Era um exame infantil, em que aprendia a separar o bem do mal...

Mesmo nesse tempo, aquele ritual surgia-me, com alguma frequência, como artificioso, imposto por uma doutrina castradora. E é neste ponto que surge a correspondência baudelairiana com a "alchimie verbal" de Rimbaud, leitura de início de tarde...

No exame de consciência, o examinador era também um pouco batoteiro: atos havia que não enunciava, embora não se livrasse do pecado da omissão aos olhos do Senhor. Ele via tudo, por fora e por dentro. Chegava mesmo a suspeitar que, aos olhos do Senhor, não haveria nenhuma fronteira que separasse o interior do exterior, que estes conceitos o ofenderiam...

Filho de mim próprio, continuo a fazer batota. Hoje, por exemplo, prefiro registar que no Liceu Camões, em cada um dos pátios há 10 plátanos, simetricamente dispostos... Das raízes não há notícia, mas pode supor-se que estas perfuram os arroios invisíveis que correm para o Tejo... e que, no próximo ano, das suas copas poderemos fazer as pontes da decadência em que subsistimos.  

 

13.7.15

Resultados e expectativas - Exame de Português - 1ª Fase

Não tenho dados nacionais nem creio que eles possam ser indicadores de melhor ou pior desempenho... E porquê?

Porque, baseando-me numa amostra de 73 alunos, verifico que entre a classificação interna e a classificação de exame há, conforme a turma, a seguinte diferença:

A - 14, 3 ....... 11,7

B - 15,4   ....... 12,6

J -   12, 2 ....... 10,1

Portanto, no geral, os alunos baixaram a classificação por mim atribuída. Será que eu inflacionei os resultados?

Por outro lado, de entre o conjunto dos alunos da escola, na turma B está a aluna que obteve melhor resultado:18,7. Por seu turno, na turma J, há uma outra aluna com 17,8... Finalmente, na turma A, a melhor classificação foi de outra aluna: 16,7.

Em conclusão, as melhores classificações externas não corresponderam às expectativas internas. Curiosamente, os alunos que internamente mostravam maior solidez, em termos de competência linguística, obtiveram resultados entre o 14 e o 16.

 

Fica-me a sensação de que este é um bom ano para solicitar reapreciação da prova de Português. Sobretudo, na parte B do Grupo I e no III Grupo.

Porquê? Esse é assunto para outro fórum!

 

12.7.15

Na ilha das harpias

Os egoísmos nacionalistas e as solidariedades internacionalistas defrontam-se novamente. Quanto ao resultado, já deveríamos saber o que nos espera: a guerra.

A ilação pode parecer cruel, mas a corrida ao armamento está em curso. 

Por enquanto, o conflito desenvolve-se através da informação e da contrainformação, em que ninguém parece querer sair perdedor. 

Os abutres já estão a isolar a primeira presa.

A particularidade, desta vez, é que os abutres tanto são nacionalistas como internacionalistas.

Os gregos, tal como os portugueses, continuam sem perceber que cada dia que passa é mais uma tábua no caixão... ou mais uma pá de terra, no caso de já não haver caixão... 

 

11.7.15

O que nós ensinamos...

O que nós ensinamos, em muitos casos, não respeita o ofício do poeta... Por exemplo, o que seria da poesia sem a repetição, na forma de anáfora ou de aliteração, ou até sem a metáfora?

(Não ignoro, todavia, que foi inventada uma estética da receção que dá cobertura a muita ideia estúpida que por aí circula!)

Vem isto a propósito de uma afirmação de Gaston Bachelard que me veio alertar para os perigos de uma didática vulgar que tende a prescrever regras para áreas, em que a norma é permanentemente questionada: "Nous essaierons d'indiquer (...) comment le vers de Rimbaud fuit l'allitération, comment il cherche la paix vocale en jouissant longuement des voyelles, ces voyelles fussent-elles brèves, comment il modère les consonnes: «Je réglai la forme et le mouvement de chaque consonne», dit-il dans Alchimie du verbe." in Rimbaud L'Enfant 

Lembro agora as dificuldades que atravessei há longos anos, quando a professora Maria Lúcia Lepecki exigiu que interpretasse o poema Le Bâteau Ivre... Ainda hoje, sinto que não estou à altura da exigência!  

Fiquei com a sensação de que me faltava a inteligência necessária, ao contrário do que acontecia com os jovens exegetas que me cercavam. Naufrago, lá me agarrei ao que pude... Esses exegetas envelheceram, mas continuam a estipular as regras de leitura...

Quanto a mim, pouco posso fazer, a não ser reler Rimbaud:

     Et la Mère, fermant le livre du devoir,

                            S'en allait satisfaite et très fière, sans voir

                            Dans les yeux bleus et sous le front plein d'éminences,

                            L'âme de son enfant livrée aux répugnances.  

 

10.7.15

Da avaliação

É cada vez mais evidente que sem avaliação não há justiça! E também é claro que a educação para a cidadania é um pilar do funcionamento das sociedades e das comunidades...

Deste modo, pensar a avaliação sem equacionar a questão da educação para a cidadania é um erro estratégico.

Se estivermos atentos às notícias do quotidiano, percebemos que a avaliação em Portugal ocorre quase sempre à posteriori, trazendo com ela uma violenta sensação de impotência: os alunos, afinal, não aprendem os conteúdos disciplinares e os valores fundamentais; o doente mental mata a mãe que o queria tratar; o marido violento e bêbedo mata a esposa;  a floresta arde porque não é devidamente ordenada e limpa; o carro despista-se porque as ruas não resistem ao inverno; a dívida dos clubes é astronómica porque gastam o que não têm; os políticos deixam-se corromper ou corrompem, porque lhes falta a educação para a cidadania... 

Os exemplos de que a avaliação é feita à posteriori são múltiplos e todos poderiam ser minimizados, se não se descurasse a avaliação diagnóstico e a supervisão avaliativa, isto é, feita de forma imediata...

Por exemplo, as eleições legislativas aproximam-se. Os partidos começam a indicar o nome dos futuros deputados, mas ninguém sabe se os candidatos têm o perfil adequado ao serviço do nação.

 

9.7.15

O equívoco de Nuno Crato

Nuno Crato vem apostando na revisão dos programas e nos exames externos para promover o sucesso escolar.

Entretanto, o sucesso escolar não chega, como é comprovado pelos resultados da disciplina de Matemática no 9º ano de escolaridade.

No entanto, a maioria dos alunos irá progredir e, no próximo ano letivo, irá ser submetida a um novo programa de Matemática...

Não vou aqui comentar o novo programa de Matemática, mas creio que a sua matriz em nada difere da do novo programa de Português: um programa elaborado por pessoas certamente sabedoras, porém reféns dos objetivos, conteúdos, estratégias e até da gestão do tempo que vigoravam nos anos 60 do século passado...

Nuno Crato ainda não entendeu que, por mais que prometa os professores mais competentes de sempre, o processo de ensino e aprendizagem está ferido de morte. 

O senhor ministro nunca se preocupou com a formação de professores! O senhor ministro ignora que sem professores (homens e mulheres com valores humanistas) não é possível resolver as dificuldades de aprendizagem dos alunos.

Afinal, Nuno Crato nunca deixou de desconfiar dos professores!

 

8.7.15

Mas nós, em que século é que vivemos?

Alberto Caeiro morreu há 100 anos! Fantástico! E o Adamastor já terá morrido? E Dom Sebastião? 

Que Fernando Pessoa quisesse testar os limites da criação literária, compreende-se! Que Fernando Pessoa se divertisse a "brincar" com o provincianismo português, estava no seu direito! Mas nós, em que século é que vivemos?

E depois admiramo-nos, quando deixamos de ser capazes de distinguir os criadores das criaturas literárias! 

Bem sei que, na perspetiva de Pessoa, o Mito pode fundar a História, e até compreendo que, assim, o trabalho fica facilitado, sobretudo, quando, preguiçosamente, nos deixamos conduzir pela memória...

Só que, em termos académicos e pedagógicos, continuamos a prestar um mau serviço às novas gerações.

 

7.7.15

Exibição trem-trem

«Nestes tempos revoltos é incrível como certa parte da nossa sociedade vive na exibição de toilettes milionárias, no oco e vazio trem-trem do comentário da suposta elegância, na bisbilhotice da vida alheia.» Oswald de Andrade, fragmento de um diário de 1948.

Encontrei este fragmento no Diário de Notícias de 26 de abril de 1992, e decidi colocá-lo aqui, porque me parece apropriado pois que, tendo Maria Barroso falecido, o consenso encomiástico substituiu a ferocidade com que certos sectores da sociedade portuguesa habitualmente atacavam e continuarão a atacar a sua família...

Hoje é dia de panegírico, depois de amanhã, de sarcasmo. 

(...) A morte de quem quer que seja não deveria dar lugar à exibição de sentimentos que, na verdade, não têm origem no coração. Até porque, em muitos casos, se trata de pessoas que apenas agem por interesse.

De regresso a Oswald de Andrade (Brasil, 1890-1954), aqui deixo mais algumas palavras em que valerá a pena meditar: 

«Num país inculto como o nosso, é na incultura que se devem basear as energias do lirismo e os valores da sabedoria.»

 

29.6.15

Ó gente impotente, feita de lama

O presidente da nossa apagada república, sempre que fala, deixa-me aborrecido e triste. Hoje, porém, senti-me envergonhado ao ouvi-lo referir-se às opções e à situação da Grécia.

Lembrei-me, entretanto, da sabedoria de Aristófanes e de Safo, na bela tradução de David Mourão-Ferreira:



Ó homens, cuja natureza é obscura,
ó homens semelhantes à raça das folhas,
ó gente impotente, feita de lama,
irmã gémea da sombra,
ó seres efémeros e sem asas,
ó mortais infortunados,
ó homens vagos como os sonhos
- volvei para nós a vossa atenção,
para nós que somos imortais e vivemos nos ares,
que nunca envelhecemos, que pairamos no éter
com pensamentos eternos
e colocamos, em tudo,
o segredo da perene juventude!
Aristófanes, As aves, trad. David Mourão-Ferreira

Quando arrefece o coração das pombas,
desfalecem, na sombra, as suas asas...
Safo, fragmento 42, trad. David Mourão-Ferreira 

 

 

 

 

28.6.15

Os gregos desafiam o eurismo

A política, ao contrário da poesia que acrescenta, só restringe! Tendo uma origem comum, poesia e política seguem caminhos opostos. 

No início, os políticos eram poetas cujas palavras defendiam o reconhecimento do trabalho da maioria. Hoje, os políticos defendem abertamente o empobrecimento da maioria.

Hoje, há uma linha que separa nitidamente a poesia (a arte, a ciência, a filosofia, a religião), da política - o eurismo - forma regional do capitalismo mundial.

E se isto acontece é porque a união europeia deixou de se nortear por valores humanistas! Hoje, o discurso político faz tábua rasa de todo e qualquer valor, pois serve apenas o euro!

Os próprios ministros não se diferenciam: ou não têm a voz ou vociferam contra a maioria em nome do euro.

Os Gregos ousaram desafiar o eurismo e, hoje, estão a tomar consciência de que têm à sua frente a possibilidade de se libertarem da ditadura do euro. Mas será que é esse o caminho que desejam? Se escolherem dizer não ao euro, mais não estarão a fazer do que seguir o caminho dos povos que nos séculos XIX e XX disseram não aos seus "libertadores".


A Revolução poderia ser uma grande coisa...

«Penso que a Revolução poderia ser uma grande coisa se ela respeitasse a maneira de ser dos outros.» Marc Chagall

O problema é que os Lenines de todos os tempos não respeitam a diversidade, por mais que digam o contrário... Agora que os Gregos enchem os bolsos de euros, como é que eles vão dizer não ao euro?

No que nos diz respeito, o ministro da educação, em vez de promover a educação artística que, talvez, conseguisse tornar-nos mais humanos e mais solidários, prepara-se para importar as bicicletas que sobraram da revolução maoísta...  

 

27.6.15

O suborno de Feiga-Ita

«Mesmo assim, Marc Chagall, após ter completado o cheder, a escola primária judaica, conseguiu frequentar a escola oficial municipal a que os judeus, em princípio, não tinham acesso. Para tal a mãe, Feiga-Ita, agiu energicamente, subornando o professor.» Ingo F. Walther / Rainer Metzger, Chagall, Taschen / Público

Não sei como é que Feiga-Ita terá subornado o professor, a verdade é que esse gesto foi fundamental para que Chagall se tivesse libertado das teias que o prendiam à pobreza material e, sobretudo, cultural de Vitebsk que discriminava os judeus... 

Cheguei a esta informação por um percurso pouco linear, mas coerente. Gaston Bachelard, ao estudar os pintores em cuja obra está presente o direito de sonhar (le droit de rêver) encaminhou-me para artistas como Claude Monet e Marc Chagall...

Se considerarmos os últimos acontecimentos na União Europeia, parece que os povos do Sul estão condenados à pobreza e à discriminação cultural...

Será que não há por aí uma Feiga-Ita capaz de subornar o senhor Wolfgang Schauble?

 

26.6.15

Versão de trabalho e versão definitiva nos exames nacionais

A certeza tornou-se fluída, quando se esperava que fosse clara e única.  Publicados os critérios de classificação e os cenários de resposta, devidamente certificados, deixaria de haver espaço para manipulação de resultados. Essa expetativa desapareceu: a massa fica a levedar durante uma semana e logo se vê se o pão deve ir ao forno ou se o melhor é acrescentar-lhe mais fermento e mais sal...

Hoje dei conta que o parágrafo já não é uma parte do texto, mas pode confundir-se com o próprio texto. Um pouco como se o homem fosse apenas cabeça ou a cabeça se tivesse apoderado da totalidade do corpo! 

O que até se compreende, porque anda por aí muito boa gente que, desaparecida a cabeça, começou a pensar com os pés e com as mãos.

Eu por mim, cumpro rigorosamente os novos ajustes, pois não quero que, pelo menos, cem mil jovens, felizes, deixem de votar nas próximas eleições legislativas...

Finalmente, não posso deixar de notar que, quanto à interpretação do poema de Sophia Mello Breyner Andresen, na prova de Português do 12º Ano, nada foi emendado... 

 

25.6.15

Uma interrogação antiga

O que hoje aqui trago resulta de uma interrogação antiga: - Para quê insistir no conceito "União europeia"?

Sendo o território europeu constituído por partes, social, económica e culturalmente diferentes, o projeto de as (re)unir só faria sentido se a estratégia fosse de convergência. Ora, se observarmos a realidade europeia das últimas décadas, assistimos, pelo contrário, ao crescimento das desigualdades, tendo como principal ator o euro.

Quando olho para a realidade portuguesa, verifico que, em matéria de transportes, não estamos mais próximos do centro da Europa. Verifico que, em termos do desenvolvimento do tecido industrial e tecnológico, em vez de produzir, continuamos a importar... Verifico que, em termos culturais, a grande maioria dos portugueses tem, hoje, menos informação do que nos anos 60 do século passado.

Na verdade, por mais que procure, não encontro a identidade europeia que poderia justificar a convergência entre os territórios, a eliminação de fronteiras... De facto, aquilo a que assistimos é a criação de novas fronteiras, é a condenação dos mais pobres... Em particular daqueles cuja História é mais antiga e que contribuíram para a afirmação da Europa no mundo...

Claro que a vitimização de nada serve, porque, infelizmente, não somos capazes de nos unirmos para definir um rumo de convergência europeia ou, no limite, romper com a mentira europeia...

  

24.6.15

Seres imorais

Pour entrer dans les songes de l’homme, if faut être un homme. Il faut être un ancêtre, être vu dans une perspective d'ancêtres, en transposant à peine des figures qui sont dans notre mémoire. Gaston Bachelard, La Bible de Chagall, in Le Droit de Rêver.

Poder-se-á pensar que sonhar é uma das múltiplas formas de evasão, de voltar costas à realidade, no entanto, nada mais falso.

Neste tempo de crise, deparamos com dois problemas insolúveis. O primeiro resulta do sonho coletivo se basear na satisfação de desejos de curto prazo. O segundo tem origem na natureza dos decisores, que, de verdade, não são homens capazes de traçar um desígnio, de acordo com os valores que, ao longo dos tempos, orientaram as comunidades que, supostamente, deveriam guiar.

O problema dos decisores é que não têm memória dos acontecimentos e das figuras fundadoras das culturas e das organizações, reduzindo tudo à lei da oferta e da procura. E nessa voragem, o cidadão mais não faz do que responder a estímulos sabiamente ministrados por quem procura o enriquecimento célere e sem olhar a meios...Esta é uma outra espécie de homens que nada tem a ver com a Bíblia de Chagall:

« Les êtres présentés par Chagall sont des êtres moraux, des exemplaires de vie morale. » op. cit.

Oiço as notícias da Grécia, de Bruxelas, de Portugal... e não consigo entender os sonhos dos homens, só descortino personagens sem moral que se movem em circuito fechado, preocupadas apenas com o vil metal...

 

17.6.15

Dúvida em dia de exame

I - A frase "O cão ficava a olhar o mar como um pescador" pode ser considerada uma frase complexa? O livro que tenho diz que é uma oração subordinada adverbial comparativa, mas apesar do "como" não compreendo o porquê de assim ser visto que "como um pescador" não tem nenhum verbo. (A.D.T.) As orações subordinadas comparativas podem ser construções elípticas, com a elisão da forma verbal ou do grupo verbal. 
Ex: Esta casa é mais interessante do que a outra. (= do que a outra é interessante). Gramática de Português, pág. 196, Porto editora.

No exemplo apresentado, a frase é complexa, porque: a) O cão ficava a olhar o mar b) como um pescador (olha o mar). Elipse do predicado. Oração subordinante + oração subordinada comparativa.

 

16.6.15

Dâmaso, o histrião (prova 639)

«E desabafou, num prodigioso fluxo de loquacidade, atirando palmas ao peito, com os olhos marejados de lágrimas. Fora Carlos, Carlos, que o desfeiteara a ele, mortalmente! Durante todo o Inverno tinha-o perseguido para que ele o apresentasse a uma senhora brasileira muito chic, que vivia em Paris, e que lhe fazia olho... E ele, bondoso como era, prometia, dizia: «Deixa estar, eu te apresento!» Pois senhores, que faz Carlos? Aproveita uma ocasião sagrada, um momento de luto, quando ele Dâmaso fora ao Norte por causa da morte do tio, e mete-se dentro da casa da brasileira... E tanto intriga, que leva a pobre senhora a fechar-lhe a sua porta, a ele, Dâmaso, que era íntimo do marido, íntimo de "tu"! Caramba, ele é que devia mandar desafiar Carlos! Mas não! fora prudente, evitara escândalo por causa do Sr. Afonso da Maia... Queixara-se de Carlos, é verdade... Mas no Grémio, na Casa Havaneza, entre rapaziada amiga... E no fim Carlos prega-lhe uma destas!» Eça de Queirós, Os Maias, cap. XV.

Dâmaso Salcede, o histrião:

1. Comediante ou jogral, na antiguidade romana.

2. Actor cómico.

3. Actor com desempenho exagerado.

4. Pessoa que diverte ou que não é levada a sério. = BOBO, PALHAÇO

5. Homem vil.

Esta é uma daquelas personagens (tipo) que melhor representa o novo-riquismo do século XIX. Pelo gesto excessivo, pelo registo de língua inadequado e pretensioso, pelo parco saber e, sobretudo, pela mania da imitação. 

Mais do que saber de cor as particularidades da personagem, importa ser capaz de desenvolver, de forma sumária, cada um dos tópicos apresentados, tendo o texto como suporte. Relembro, no entanto:

I - No Grupo I, avaliam-se conhecimentos e capacidades de Leitura e de Expressão Escrita através de itens de construção. Este grupo inclui duas partes: A e B. A parte A, com uma cotação de 60 pontos, integra um texto, selecionado a partir do corpus literário do 12.º ano, que constitui o suporte de itens de resposta restrita. A parte B, com uma cotação de 40 pontos, é constituída por itens de resposta restrita sobre conteúdos declarativos do 10.º ou do 11.º anos relativos ao domínio da Leitura, podendo apresentar um suporte textual. No Grupo I, além da interpretação de textos/excertos em presença, a resposta aos itens pode implicar a mobilização de conhecimentos sobre as obras estudadas.

15.6.15

A ataraxia na poesia de Ricardo Reis é uma questão mal fundamentada

Definição:

«Constituindo (a ataraxia) um estado anímico, exprime um ideal de sabedoria, um fim ou telos a atingir pelo filósofo (...) É concebida como uma ultrapassagem racional da demasiada humana vulnerabilidade e sujeição à fortuna e aos acidentes, sejam estes de origem interna, as paixões, sejam provenientes do exterior, como as doenças, a pobreza, as desgraças, o mal físico, ou o desaparecimento de entes queridos.» Rui Bertrand Romão, in Dicionário de Filosofia Moral e Política.

O conceito de ataraxia é fundamental para a compreensão da filosofia de vida de Fernando Pessoa / Ricardo Reis:

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,

E antes magnólias amo

Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo

Que a vida por mim passe

Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa

Que um perca e outro vença,

Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a Primavera

As folhas aparecem

E com o Outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos

Acrescentam à vida,

Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indif'rença

E a confiança mole

Na hora fugitiva.

Ricardo Reis, 1/6/1916

Apesar do que é habitual afirmar-se sobre a indiferença de Ricardo Reis em relação aos acontecimentos exteriores, creio que este heterónimo é mais a expressão do desconforto de Pessoa perante o sacrifício da vida humana (8642 homens) em guerras que nada acrescentam à vida do que uma posição de alheamento da realidade envolvente.

Este poema foi escrito precisamente quando terminou a Batalha da Jutlândia:

Segundo os historiadores, trata-se da mais importante batalha naval da I Guerra Mundial. Ocorreu no dia 31 de maio de 1916, nas águas da península da Jutlândia (Dinamarca), e opôs a frota britânica comandada por Sir John Jellicoe e a frota de Alto Mar alemã do almirante Reinhard Scheer. Tal como outros combates desta guerra, a batalha teve pelo menos duas fases e viria a terminar com a fuga da frota germânica. A dureza do combate fez-se sentir nas baixas de cada lado. Nesse combate os ingleses perderam 3 cruzadores, 8 contratorpedeiros e 6097 homens contra 1 couraçado, 1 cruzador pesado, 4 cruzadores, 5 contratorpedeiros e 2545 homens por parte dos alemães. Contudo, apesar de, aparentemente, as perdas britânicas terem sido superiores às germânicas, depois deste confronto os ingleses tornaram-se senhores dos mares controlando toda a navegação. A tal ponto que, até ao final da guerra, a frota alemã de superfície teve de permanecer imobilizada nas suas bases. (Infopédia)

 

14.6.15

E toda aquela infância / Que não tive me vem...

«Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.

E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no meu coração.
»
Fernando Pessoa

Ontem, referi que não encontrava grandes motivos para que o Poeta, qual náufrago do presente, se recolhesse no passado. Hoje, retomo a questão para reforçar a ideia de que, para Pessoa, só o presente (criativo) lhe podia trazer plenitude.

O passado é "enigma" e o futuro é "visão"! Nenhum destes tempos lhe pode devolver a infância que não teve ou antecipar o que o coração lhe pode dar - isto é, o alimento de que a razão necessita para poder levar a cabo a sua criação.

O passado é "enigma" e o futuro é "visão"!

Entretanto é bom não esquecer que em MENSAGEM, o trabalho do vate ´parece querer provar o contrário. Através da mitificação dos heróis, o Poeta aponta a solução para o futuro. Uma solução messiânica.

 

13.6.15

As crianças de Fernando Pessoa

Se Pessoa não tivesse sido forçado a abandonar a infância, estaria hoje a celebrar o centésimo vigésimo sétimo aniversário. A hipótese é atrativa, mas absurda, pois o tempo teria deixado de ser mensurável. Ele bem gostaria que tal tivesse acontecido e por isso fez da vida o estaleiro da arte, o único lugar em que as crianças podem brincar eternamente.

Embora, ao longo dos anos, tenha procurado rumar contra os estereótipos que poluem a "leitura" de Pessoa, a verdade é que a Madalena acaba de me dar a oportunidade de insistir no tópico de que a poesia de Pessoa é antirromântica, sem ser necessário regressar à "Autopsicografia"...

As crianças de Pessoa vivem todas libertas da duração, como se se movessem numa extensão, sem princípio nem fim... Basta pensar no menino Jesus de Alberto Caeiro! E já agora acrescento que a infância de Pessoa não esteve livre de tristezas e de escolhos.


As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente
.
Álvaro de Campos

As crianças vivem eternamente!

A infância, em si, é eterna, porque não tem consciência da passagem do tempo (ou da duração). O argumento da nostalgia da infância é arriscado, porque o Poeta não se está a referir à Sua infância, mas, sim, às crianças «que brincam às sacadas altas». 

Para Pessoa, a arte é um estado lúdico absoluto e não um espaço confessional, romântico.

 

12.6.15

O estado da memória

Parece indiscutível que um dos indicadores do envelhecimento é a diminuição ou, até, a perda de certas memórias consolidadas, já que das efémeras se aceita a sua caducidade... Esse empobrecimento da memória resultará, por exemplo, de dietas desapropriadas, da qualidade do sono, de medicação agressiva, ou de um excesso conflituoso e errático de informação ...

A explicação é, talvez, simplista, porque se as quatro causas apontadas estiverem corretas - dieta, sono, medicação, informação -, então o empobrecimento da memória começará a ocorrer muito mais cedo.

Basta olhar para os jovens que, por esta altura do ano, se submetem a exames externos e internos, para perceber que boa parte do insucesso deve ser procurado fora da sala de aula. E na véspera dos exames, a situação agrava-se ainda mais...

O estilo de vida atual é a principal causa do envelhecimento precoce e, principalmente, do insucesso escolar dos nossos jovens e da inexistência de um modelo de crescimento e de desenvolvimento que transforme a sociedade em que nos vemos como reféns.

 

11.6.15

O segredo de justiça ou de polichinelo

Lisboa, 11 junho (Lusa) - O Ministério Público abriu um inquérito por violação do segredo de justiça, na sequência da publicação de transcrições de um interrogatório efetuado ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, no âmbito da "Operação Marquês".

Um inquérito para quê?

Afinal, quem é que, em tempo real, teve acesso ao interrogatório? Como é que o ato foi registado? Os presentes durante a inquirição puderam gravar por conta própria? Será que ainda estamos no tempo do registo áudio, posteriormente, transcrito para o papel ou para outro suporte digital?

De acordo com a minha experiência castrense, toda a transcrição é manipulável, sobretudo se o continuum for objeto de qualquer tipo de interferência, como, por exemplo, a tosse, a ira...

Na minha perspetiva, para além do inquirido, que já está detido, o melhor seria deter os restantes, isto é, todos os que estiveram presentes no interrogatório... 

 

10.6.15

Naquele cuja Lira sonorosa / Será mais afamada que ditosa

«Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço os Cantos que molhados
Vêm do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baxos escapados, 
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa

Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, Canto X, estância 128.

Cito hoje esta estância porque me parece ser a que melhor revela a incompetência dos que nos governam e que não têm qualquer tipo de vergonha ao servirem-se da inteligência, do trabalho e, até, da desgraça de muitos portugueses, condenados a partir ou a viver na indigência... sem esquecer os que se arrastam nas cadeias (ou fora delas) à espera que seja feita justiça.

Tal como no tempo de Camões, Portugal é, hoje, um país em que os valores são constantemente sacrificados ao interesse e à mesquinhez de uns tantos.

E não me digam que estou a ser pessimista!

 

9.6.15

Quantas vezes a memória

«Quantas vezes a memória
Para fingir que inda é gente,
Nos conta uma grande história,
Em que ninguém está presente.
»
Fernando Pessoa

A memória destes dias é a de um ser verdadeiramente aborrecido que memoriza enormes quantidades de informação para poder realizar umas tantas provas de exame, cujos resultados o deixarão mais perto do insucesso na vida...

Talvez ainda não se possa afirmar que se anda a fingir que se é gente ou que desta história não sobrará ninguém para a contar, mas pela incapacidade de interpretar, pela dificuldade de ordenar e de compor, tudo a leva pensar que o mundo, por estes dias, está virado do avesso. 

Provavelmente, nada disto é verdade, e mais não é do que o cansaço de quem passou 90 minutos numa repartição de finanças às voltas com um anexo G... Para quê contar a história, se ninguém está presente?

 

8.6.15

O outro lado de José Sócrates

"Agora, o Ministério Público propõe prisão domiciliária com vigilância eletrónica, que continua a ser prisão, só que necessita do meu acordo. Nunca, em consciência, poderia dá-lo", responde José Sócrates, numa carta a que a SIC teve hoje acesso.

 

Deste modo, José Sócrates poupa nas despesas e promove o turismo nacional. No caso, a grande beneficiada é a cidade de Évora! Face a esta decisão, para que o contribuinte seja menos sacrificado, espera-se que a Justiça faça o que lhe compete, isto é, decida.

Diga-se de passagem, que se eu estivesse no lugar de José Sócrates, faria exatamente o mesmo. As pulseiras nem aos rafeiros deveriam ser aplicadas...

 

7.6.15

O desejo de um rei

«Estando já deitado no áureo leito,
Onde imaginações mais certas são,
Revolvendo contino no conceito
De seu ofício e sangue a obrigação,
Os olhos lhe ocupou o sono aceito,
Sem lhe desocupar o coração;
Porque, tanto que lasso se adormece,
Morfeu em várias formas lhe aparece.»
(...)
«Este, que era o mais grave na pessoa,
Destarte pera o Rei de longe brada:
- «Ó tu, a cujos reinos e coroa
Grande parte do mundo está guardada,
Nós outros, cuja fama tanto voa,
Cuja cerviz bem nunca foi domada,
Te avisamos que é tempo que já mandes
A receber nós de tributos grandes.»

«Eu sou o ilustre Ganges, que na terra 
Celeste tenho o berço verdadeiro;
Estoutro é o Indo, Rei que, nesta serra
Que vês, seu nascimento tem primeiro.
Custar-t'-emos contudo dura guerra;
Mas, insistindo tu, por derradeiro,
Com as não vistas vitórias, sem receio
A quantas gentes vês porás o freio.»

O sonho de D. Manuel, in Os Lusíadas, Canto IV, estâncias 68, 74 e 75

Sobre a finalidade dos sonhos, Freud estabeleceu que não se trata de concluir que o sentido de todos os sonhos é um desejo realizado pois, muitas vezes, esse sentido resultará de uma expectativa angustiada, de um debate interior.

Quando se esperava uma decisão ponderada pela razão, os argumentos mais sedutores saem do sono real, através do Ganges e do Indo. O Oriente aceita submeter-se ao Rei do Portugal, reconhecendo, no entanto, que a guerra será sangrenta.

O masoquismo dos rios orientais é hoje confrangedor. Só que não podemos ignorar que a voz dos rios (assim como a voz de Morfeu) é o desejo de um rei que se mantinha fiel à missão de Ourique e que teve de recorrer a argumentos que fossem capazes de derrotar a voz do Velho do Restelo.

Não podemos ignorar que a lisonja é em causa própria! E o sonho é uma peça literária!

 

6.6.15

Para lá do ponto final

Para lá do ponto final, ainda parece haver algum tempo... Suspenso das reticências, vejo-me obrigado a pensar no que fazer. Há sempre uma quantidade enorme de papéis e de ferramentas que esperam por arrumação, mas será essa a melhor forma de aproveitar algum talento que possa ter?

O problema é que, ao contrário da parábola dos talentos, estes não me foram dados. Se algum ainda tenho, terei de ser eu a descobri-lo e a pô-lo a render.

Pode ser que, por entre tantos papéis e ferramentas, acabe por encontrar um caminho que me impeça de me tornar uma inutilidade. 

E os apelos à gratuitidade não faltam! 

 

5.6.15

Ponto final

11 horas da manhã. Ponto final na atividade letiva neste contexto.

A sala 42 é testemunha desse momento. Apenas, uma aluna neste derradeiro bloco. Analisámos o discurso de uma "Carta a Camões", com a preocupação de emendar a vulgaridade discursiva de quem confunde o registo oral com o escrito. Infelizmente, a tendência é abrasiva.

(...) Uma colega assoma à porta e confirma a solidão do ato, interrogando-se (me) se este será o desfecho mais adequado... Encolho os ombros e respondo que no dia 11 estarei disponível para dar apoio aos alunos de português do 12º Ano, das 9 às 13 horas.

Ponto final.

 

4.6.15

Os trabalhos do avaliador

Há os que se esmeram no que fazem e há os que, sendo desleixados, procuram por todos os meios compensar a falta de aprumo e de rigor intelectual.

Quando olho para os primeiros, vejo-os atentos, disciplinados, insatisfeitos com qualquer falha que descubram em si próprios; não descansam enquanto não superam a dificuldade por maior que seja. Na hora da avaliação, no geral, prezam a modéstia e os rostos brilham quando o esforço é compensado ...

Quanto aos segundos, impera a desatenção, o incumprimento, o atraso, a memorização de última hora e, em particular, o desprezo dos próprios erros; falta-lhes a vontade de aperfeiçoar as competências e veem no avaliador uma entidade mesquinha que não lhes satisfaz as pretensões. A responsabilidade pelo insucesso é sempre do outro...

Enfim, nesta época do ano, o avaliador acaba sempre só! E assim deve ser.

 

3.6.15

Tempo mal gasto

Só nascemos uma vez! Só morremos uma vez! Há, no entanto, eleitos que renascem e outros que ressuscitam. Não os invejo... a vida tal como está já é suficientemente dura para querer voltar atrás ou para ansiar por qualquer tipo de retorno, e muito menos eterno...

Daria, todavia, uma parte do meu tempo a quem me libertasse das rotinas para que sou convocado e que, na verdade, não acrescentam nada ao livro da vida ou, melhor, só confirmam que a vida mais não é do que uma prisão, cujas chaves o carcereiro usa ao seu bel-prazer.

Ainda hoje tive oportunidade de, a propósito da oficina do poeta, explicar que a condição humana está, desde sempre, determinada pelos mecanismos da repetição e da variação. Chegado aos exemplos, apercebo-me que, do ponto de vista da retórica, a repetição supera claramente a variação, pois se distribui pelos níveis fónico, sintático, semântico e pragmático, ao contrário da variação que se confina ao nível sintático ... da linguagem.

De momento, tudo me diz que noventa por cento dos enunciados que tive de suportar ao longo do dia já os ouvira ritualmente, ao longo dos últimos 41 anos...

 

2.6.15

O livro único

«Quando era criança
Vivi, sem saber,
Só para hoje ter
Aquela lembrança.

É hoje que sinto
Aquilo que fui.
Minha vida flui,
Feita do que minto.

Mas nesta prisão,
Livro único, leio
O sorriso alheio
De quem fui então

Fernando Pessoa, 2.10.1933 

Em frente de uma estreita tira de papel, o Poeta olha uma vez mais as barcaças que deixam o Tejo e, cansado da imagem que de si o espelho reflete, volta ao único tempo que o não pode defraudar - a infância. E é ela que solta as velas por colorir...Por ela, pode mentir (fingir) que as grades da prisão, onde sempre esteve encarcerado, se rompem. Por ela, pode mentir o momento em que deixou de olhar para o espelho e para Tejo... e sorrir. Não, da alheia cumplicidade da criança que outrora foi, mas da suavidade que escorre das palavras que fluem de forma natural para a vida daquele dia de plenitude.  

De nada serve insistir que o Poeta está triste ou está contente e que o canto é de lamento ou de regozijo. Seguir tal caminho é nada entender do ofício poético.

 

1.6.15

O Nabão em flor

Fui à procura da praia fluvial do Agroal e encontrei o Nabão em flor. Dois patos descansavam sobre as pétalas enquanto as avezinhas trinavam na copa dos arvoredos. O Sol, atrasado, fazia gazeta, deixando no ar uma friagem inesperada.

Do que observei, fiquei com a impressão de que, nos dias de canícula, os passeantes se apinharão à espera de uma nesga de praia ou, então, perder-se-ão na Serra em tentadoras comezainas.

Enfim, com o Nabão, está a repetir-se uma situação que começa a ser habitual. Só lhe conheço a nascente, já o Sol está na curva descendente...

Na verdade, eu vivi nas margens do Nabão durante mais de um ano e nunca fora ao Agroal...

Até, a certa altura, habituara-me a contemplar a Santa Iria das Portas do Sol scalabitanas, antes de conhecer a cidade dos Templários...

Já sem falar dos "tabuleiros" que, para mim, têm um significado bem diferente e difícil de alcançar nos tempos que correm. Refiro-me aos "tabuleiros de figo e uva a secar"...

 

 

31.5.15

Ao serviço de um único Deus. Sempre Único...

Sou dum tempo em que a vizinhança dos rios não significava proximidade. Faltava o transporte e, sobretudo, faltavam os recursos económicos para o essencial quanto mais para o lazer. A terra árida escondia os rios e as suas margens férteis; tornava invisíveis as toalhas líquidas, os barcos uma miragem; de aproximado, apenas, um barco a remos sem futuro

Por seu turno, os castelos, que se elevavam no compêndio de História, pareciam mais perto; eram, no entanto, anacrónicos; eram a representação da odiosa guerra, mesmo se ao serviço de um único Deus. Sempre Único, fosse qual fosse o lado: da defesa ou do ataque. Tomar partido era ser patriota... e a guerra recomeçava e, ainda agora, continua um pouco mais longe, mas é a guerra por um Deus, por uma Terra...

Hoje, finalmente, visitei o Castelo do Almourol, reconstruído segundo o patriotismo de cada época. Assente no meio do Tejo, continua a observar manobras militares de não sei qual guerra...

Mesmo que a importância do Castelo do Almourol seja apenas a de nos prender a uma identidade enraizada no tempo da reconquista, convém não esquecer que não há poder sem castelo. Pode é não estar situado no meio do Tejo, o tal que nos deitou ao mar ou ao mundo, segundos outros megalómanos, como se não houvesse mais mundo para além de nós...

 

29.5.15

Ensinei-lhes a mentir?

«Se o meu filho fosse vivo, havia de fazer dele um homem de bem, desses que vão ao teatro e a tudo assistem, com sorrisos alarves, fingindo nada terem a ver com o que se passa em cena! (...) Havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da consciência e da bolsa do que da alma.» MATILDE, em FELIZMENTE HÁ LUAR! de Luís Sttau Monteiro

Depois de três anos a defender a verdade, a consciência e a autenticidade, leio com todo o cuidado uma Carta a Camões - um daqueles exercícios de escrita em que o jovem, nos seus 17 ou 18 anos, é livre de expor as suas ideias, sendo apenas objeto de correção quanto à composição e à gramaticalidade do discurso - e descubro que o dia de hoje em nada difere do tempo do Épico.

Até parece que, afinal, o objetivo da minha ação nestes três últimos anos foi ENSINAR A MENTIR.

Não sei como caraterizar esta atitude e muito menos como justificá-la. Todas as fundamentações me parecem absurdas. Em todas as épocas, os valores foram espezinhados, em nome da conquista ou da manutenção do poder. 

Houve sempre, no entanto, a esperança de que o tempo pudesse deixar de ser como «soía"... Eu, hoje, estou, como o Poeta, desiludido... Será que ao longo de todos estes anos lhes ensinei a mentir?

 

28.5.15

Um padrão repulsivo feminino

Os bovinos não têm qualquer culpa. A vida deles já é suficientemente maçadora, isto sem esquecer a «musca domestica communis» e outros moscardos que chegam com a canícula. 

Apesar do apregoado carinho pela fauna cada vez mais distante, a realidade é, todavia, cruel: sempre que algo não corre a contento, a vontade calada desafoga-se em simpáticos epítetos: ratazana, cobra, vaca, cadela, raposa, burra, mula, víbora... (a lista fica em aberto) ...

Da observação resulta uma particularidade machista: o recurso à forma feminina. Um pouco como se a cultura popular estivesse eivada de um padrão repulsivo feminino, cuja origem datasse de um paradigma religioso masculino, do tempo em que se quis por termo à misoginia.

Não sei se é assim ou não. A verdade é que o desprezo continua a ser escrito no feminino, mesmo quando o sujeito deixou de ser masculino...

(Este texto talvez não devesse ser aqui postado, mas o facto é que me sinto bastante mal-humorado porque, entre outros factores, logo pela manhã, ... me colocou no caminho uma casca de banana...e, de momento, me sinto a banana do meu caminho...)

 

27.5.15

Uma função sem objeto

GUARITA - s.f. Pequena casa, geralmente de madeira fixa ou móvel, desenvolvida para abrigar sentinelas, vigias, seguranças. Torre em que ficavam os sentinelas; torres situadas nos cantos de antigos fortes, desenvolvidas para dar proteção aos sentinelas.

Agora que penso nisso, percebo que há mais guaritas do que eu pensava. Talvez, por comodismo, habituei-me, nos últimos anos, à inutilidade das guaritas dos quartéis. Raramente, lobrigo uma sentinela, mesmo se a chuva acontece copiosa. Nem sequer, os rejeitados da vida, ou de si próprios, se recolhem nessas torres esquecidas...

No entanto, à medida que os condomínios fechados e os parques de estacionamento se apoderam das ruas e do subsolo, as guaritas multiplicam-se, e nelas vislumbro seguranças no lugar dos sentinelas...

Porém, o que eu desconhecia é que nas escolas também existem guaritas: recantos donde se avistam os professores e os alunos que circulam nas galerias; ou simples cadeiras, das quais se enxerga a indisciplina das chegadas e partidas. 

Neste último caso, desconheço o estatuto destes "vigilantes" e, sobretudo, não sei a quem servem. Temo, contudo, que estejamos perante uma função sem objeto, em que a simples presença, e até ausência, justifica a existência da guarita...

 

26.5.15

Com o calor

Com o calor, tudo se torna mais moroso. Poder-se-ia pensar que a morosidade nos tornaria mais razoáveis, mas não.  

A irracionalidade cresce, a surdez aumenta, as vozes sobem de tom. Com o calor, acentuam-se os ajustes de contas...

Afinal, parece que passamos o ano à espera de que o estio nos enlouqueça... 

 

25.5.15

O etnocaos na F.C. Gulbenkian

Outrora, chamavam-lhe miscelânea; hoje, há quem prefira falar de um novo estilo: o etnocaos. Talvez por isso me tenha deslocado no dia 23 de Maio à Gulbenkian, onde tive oportunidade de presenciar a empolgante exibição do grupo ucraniano DakhaBrakha, criado em 2004, no centro de arte contemporânea de Kiev DAKH, pelo diretor de teatro de vanguarda Vladysslav Troitsky...

A verdade é que durante o espetáculo, mal informado sobre a pretensão estética do DakhaBrakha, senti-me um pouco frustrado, pois os instrumentos, os ritmos e as vozes lançavam-me para outros territórios distantes da Ucrânia: África, Ásia... No entanto, o problema era meu: o público parecia delirar com a profusão de sonoridades e de efeitos vocálicos...

Quanto a mim, ao observar os instrumentos, dei comigo a pensar que o lusotropicalismo tinha feito a sua aparição em má hora, e que o anátema sobre a miscigenação era afinal uma invenção dos seguidores da Reforma, que combatiam os monopólios, mas não deixavam de armar as fronteiras... Talvez o etnocaos cultural possa ser a nova solução global e, sobretudo, dar trabalho a uma nova geração de antropólogos...

Já que o caos parece estar instalado, o melhor é não esquecer que no dia 23 de Maio de 1179, o Papa Alexandre III emitiu a Bula Manifestis Probatum que reconhecia Portugal como um reino pelos serviços prestados à expansão da fronteira cristã...
Já lá vão 836 anos... de caos!

 

24.5.15

O RINOCERONTE na Escola Sec. de Camões

À medida que os rinocerontes se multiplicam, poucos são os homens que resistem! Desta vez, a alegoria saiu das páginas do Rinoceronte (1960) de Eugène Ionesco (1909-1994), numa adaptação e encenação consistentes, com incidência nas personagens Berénger, Jean e Daisy.

O recurso ao intertexto (Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, e a imagens de situações contemporâneas de degradação do ser humano) permite iluminar o absurdo exposto por Ionesco.

Na Escola Secundária de Camões, as resistentes têm nome: Maria Clara Melo da Silva e Graça Gomes. Sem elas, o GTESC já estaria extinto há muito. A montante, o rio parece ter estagnado!

Em síntese, a peça denuncia o que está a ocorrer sob os nossos olhos, portas dentro... De parabéns, estão todos os que ousaram preparar e levar a cabo este espetáculo.

 

23.5.15

Carta a Luís Vaz de Camões

Prezado Camões,

Ultimamente, encarreguei uns tantos jovens de te escrever uma carta, no âmbito de uma homenagem a um poeta cujo patriotismo talvez tivesses apreciado - Vasco Graça Moura.

Estes jovens, em fase de conclusão dos estudos secundários, sentem-se um pouco constrangidos, mas lá vão cumprindo, mais por obrigação do que por gosto...

Bem sabes que pedir não custa, e por isso decidi relembrar algum do tempo que contigo vivi. O primeiro grande trabalho "camoniano" foi me imposto por um professor de Português em terras do Ribatejo, em Almeirim, que tomara como missão obrigar os alunos a decorar, pelo menos, uns tantos sonetos, que ele diligentemente analisava, impondo-nos, também, a memorização da sua interpretação. O sucesso dependia, assim, da capacidade de memorização dos sonetos e da respetiva exegese. O meu resultado foi fraco, porque a minha memória, já testada nas aulas de botânica, sempre fora frágil... Se não compreendia, não memorizava; se compreendia, detestava o "ipsis verbis".

Um ou dois anos mais tarde, nas margens do Nabão, redescobri a beleza da memória, quando, certo dia, ouvi o professor Hernâni Cidade citar, com propósito, Os Lusíadas. Nesse dia, invejei-te; sobretudo, admirei aquele ilustre orador que, afinal, só solicitava o nosso entusiasmo para aquelas tuas sequências em que o homem luso derrubava os obstáculos e recebia "os beijos merecidos da verdade"...

À exceção destes dois professores, nunca mais encontrei pela frente nenhum verdadeiro entusiasta da tua excelsa obra. Claro que não esqueço, de os ler, António José Saraiva ou Jorge de Sena. Admirava-os porque nas palavras escritas pressentia a leitura rigorosa dos teus versos e, até, uma certa identificação na vida, como já acontecera, por exemplo, com Bocage. E essa admiração acabou por se estender ao Vasco Graça Moura, também ele um intérprete rigoroso dos teus desígnios...

De aluno a professor, acabei por me ver metido em trabalhos "camonianos". (Só os meus alunos saberão dizer se estive à altura da missão.) Posso, no entanto, confessar-te que um dia me senti bastante defraudado quando um ilustre camonista, especializado nas capas e nas ilustrações das tuas obras, deu ordens para que a cadeira de Estudos Camonianos se tornasse obrigatória, porque eu estaria a "roubar-lhe" os alunos... Isto no âmbito de uma insignificante cadeira de Literatura Portuguesa II, em que eu incentivava os alunos a lerem Sá de Miranda, António Ferreira, Luís Vaz de Camões, Fernão Mendes Pinto.

O meu crime sempre foi o de querer que te lessem, mas não só a ti... a todos os que contigo conviveram ao longo dos séculos... e foram uns alguns! Não tantos como se poderia imaginar... No entanto, não duvido que Vasco Graça Moura foi um desses leitores e, sobretudo, foi um grande promotor da leitura.

Prezado Camões, muito mais te poderia dizer, mas não quero espantar a caça.

Um teu admirador!  

 

22.5.15

E eu não sorri na cave do IMT...

«Evite as filas de espera e utilize o prazo que a lei lhe concede, procedendo à revalidação da sua carta durante os 6 meses que antecedem o dia em que completa as idades obrigatórias. E tenha em atenção que o documento não pode ser renovado com mais de seis meses de antecedência.

Se deixar passar o prazo de renovação corre o risco de multa por circular com a carta de condução caducada. Após 2 anos sem que tenha revalidado a carta, terá de efetuar uma prova prática caso pretenda obter novo título de condução.» Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT, I.P.)

Em 21 de Maio de 2014, fui ao ACP e tratei do processo de renovação da carta de condução, 6 meses antes do prazo se esgotar. Cumpri todas as formalidades, paguei 85 euros, e fiquei à espera...

Entretanto, fui renovando a licença de condução até hoje, inclusive, data em que o ACP me recomendou que o melhor seria deslocar-me à Elias Garcia, nº 103, Lisboa, informando que ia da parte deles, ACP... Para tirar uma fotografia... Fiquei a pensar que já tinha uma fotografia no cartão de cidadão e se ela não seria válida para o IMT.

 

Na posse de tal informação, desloquei-me à Elias Garcia, dei a informação ao rececionista que, por sua vez, me entregou um papelinho com o seguinte dizer: F176. E apontou-me a cave a que devia dirigir-me. Desci, a cave estava repleta de FFFFs. Olhei à volta e percebi que o rebanho estava ali todo para o mesmo; a única saída seria ser proprietário de uma senha verde ou, então, B, D, T...

Verifiquei a hora: 13 horas; o mostrador de senhas estava desligado; uma ovelha informou-me que tinham acabado de chamar o F103... Decidi esperar. De tempos a tempos, uma ou outra velha exaltava-se, porque as fotografias estariam a sair muito lentamente; haveria até problemas com as assinaturas. Lembrava-me novamente do cartão de cidadão.

Finalmente, às 15 h 20, o F176 foi chamado. A suposta fotógrafa pediu-me desculpa por se estar a rir de um chinês que acabara de sair. Tinha-lhe pedido que sorrisse, e ele nada. Disparou a máquina, e ele desatou a rir... Entretanto, perguntou-me se era portador de B.I. ou cartão de cidadão. Puxei da carteira, e entreguei-lhe o documento. Pediu-me para assinar sobre uma superfície vítrea, o que fiz de me imediato e, desta vez, perguntou-me se eu gostava da fotografia do C.C. Acenei que, por mim, tudo bem.

A senhora voltou a sorrir e disse-me que, dentro de duas semanas, receberei a carta de condução em casa. Eram 15 h 24!

E eu não sorri! Também não pedi o Livro de Reclamações até porque ele não se encontrava naquela Cave.

 

21.5.15

Desfasado da vida

(...) «la démarche de Gradiva, telle que l'avait reproduite l'artiste, était-elle conforme à la vie ?» Jensen, Gradiva

Norbert Hanold, fascinado por uma escultura, artisticamente mediana, batiza-a de Gradiva, em honra de Marte Gradivus, o deus da guerra avançando para o combate...

O que lhe interessa não é a vulgaridade da figura feminina, apesar de a imaginar de estirpe nobre, mas o movimento dos pés e, particularmente, comprovar se o movimento representado está conforme ao movimento dos pés de uma mulher real...

Há 40 anos li esta obra, no âmbito da cadeira de Literatura e Psicanálise. Como a maioria dos estudantes da época, fascinado pelas teses freudianas, que tudo explicavam, li de rajada a novela de Jensen, e, agora, percebo que dessa leitura nada ficou, a não ser, talvez, pulsões contraditórias que faziam bem ao ego e matavam definitivamente a alma.

Tal como Norbert Hanold, sinto que a arte continua desfasada da vida, só que eu já desisti de procurar a conformidade entre ambas...

Doravante, vou seguir o esforço do arqueólogo, sabendo, de antemão, que o único prazer está em não trocar os pés... 

 

20.5.15

O lado obscuro da vida

Quero escrever atos "subversivos" e começo por hesitar; paro em 'sub', indeciso quanto à sequência, ainda avanço para 'vers', mas algo me faz estancar: a imagem parece não corresponder à ordem mental, um pouco como se o cérebro desse uma ordem e a mão não soubesse como cumpri-la; numa fração de segundo que, no contexto, se assemelha a uma eternidade, corrijo e escrevo "revolucionários"...

Grande parte do grupo mantém o silêncio, talvez por compaixão; há, no entanto, um ou dois sorrisos espontâneos, rasteiros, daqueles que não perdoam...   

Vivemos num interminável ajuste de contas em que deixámos de ser capazes de dar valor à compaixão e apenas amplificamos o ruído em que, por vezes, somos obrigados a mergulhar...

Esse é o lado obscuro da vida, aquele que nos faz desistir como trapos atirados para bem longe. E o queixume de nada serve, porque já não compreendemos o valor dos 'atos subversivos'...

 

19.5.15

O Meu Irmão, um romance negro

«E é assim o interior de Portugal: uma imensa mulher feia e viúva fechada à janela do primeiro andar de uma velha casa, esperando sair à rua numa ocasião importante como o enterro do doente que nunca conheceu, mas em relação ao qual sente alguma afinidade porque vivia na terra ao lado.» Afonso Reis Cabral, O Meu Irmão, pág. 265, Prémio Leya 2014

O leitor não escapa a um sentimento de tristeza. A incapacidade do irmão mais velho de compreender e aceitar o único verdadeiro prazer de Miguel - estar com Luciana - cresce até a um ponto em que a sanidade mental se esfuma por inteiro, tornando-se inseparável da violência que elimina o único objeto do desejo...

A patologia, neste romance, acaba por ser marca não de Miguel, de Luciana ou de Quim, mas, sim, de quem se considera "normal". 

Parece que este romance procura exorcizar o lado obscuro do Portugal esclarecido, senhor do seu destino, mas não o consegue, porque a cegueira é o seu pecado original, seja no Tojal, no Porto ou em Lisboa...

Talvez por isso, o Eusebiozinho queirosiano seja citado na página 279:

«As irmãs entregaram-mo semanas depois. Entraram na casa que eu alugara no Porto com ele pela mão, porém ligeiramente atrás como o Euzebiozinho nas saias da mamã.»

PS. Apesar de tudo, em Portugal, nem todas as mulheres são feias e, sobretudo, gordas. Este estereótipo parece-me excessivo.

 

18.5.15

Como é que nos deixamos enganar?

Como diria o Vicente (Felizmente, Há Luar! de Luís Sttau Monteiro): «É simples: digo-lhes metade da verdade. Sonham com o Gomes Freire? Lembro-lhes que o Gomes Freire é general e falo-lhes da guerra. Haverá alguém que se não lembre da guerra? A vida tem sido uma guerra atrás de outra... Odeiam os Franceses e os Ingleses? Chamo estrangeirado ao Gomes Freire... // O que não lhe digo é que se ele não fosse estrangeirado era... era como os outros... era mais um senhor do Rossio...»

Olho as capas dos jornais, hoje, vermelhas, amanhã azuis ou verdes, tanto faz, e parece que o país entrou em delírio: um clube bicampeão, Super Juiz caça mil milhões, a Irina traída dezenas de vezes, professores contra a entrega de escolas às câmaras, o governo quer saber se a Azul cumpre regras, BASTA de Almada, digo, de Costa, o do PS, Fátima dá alento ao povo português, líder skinhead pensa em novo partido político...

E ainda há aquela notícia de que o presidente do conselho científico do IAVE critica o Crato. Acordou agora! Quantos meses faltam para as legislativas?

Apesar de tudo, o Vicente tinha mais carácter do que esta súcia que nos informa, do que esta súcia que nos avalia, do que esta súcia que nos governa... 

 

17.5.15

Henrique Neto na TSF

Não sei se o homem tem alguma falha de carácter, critério, para mim, fundamental para avaliar as palavras e os atos de quem se propõe gerir a res publica, no entanto, pelas respostas que deu durante a entrevista, parece-me ser um português genuíno, para quem, a questão essencial é a visão estratégica assente na produção de riqueza e consequente criação de emprego.

Por outro lado, das suas palavras depreendi que as direções partidárias afastam todos aqueles que, pela sua idoneidade e experiência empresarial ou outra, lhes podem fazer sombra...

Não é a primeira vez que dou atenção às palavras de Henrique Neto, mas, hoje, confirmei aquilo que anda longe de ser praticado: o debate político deve assentar no compromisso escrito quer de quem questiona quer de quem tem obrigação de responder. E se compreendi bem, os governantes dos últimos 20 anos não sabem escrever, pois não respondem por escrito às interpelações...

Ou, em alternativa menos simpática, temos sido governados por homens sem carácter que, quando recorrem ao texto escrito, mais não debitam do que o que lhes foi dito pelos assessores... aliás, também, o fazem quando, com recurso ao teleponto, discursam nas capelinhas...

 

16.5.15

Freud mudou de prateleira

Apercebo-me agora quanto me irrita que o Freud tenha mudado de prateleira. Durante anos, esteve à mão, apesar de com o tempo ter caído fora do olhar. Passou a ser citado de cor, para mais tarde deixar de estar presente nas palavras que iam suportando o discurso... A leitura de Freud fora longa, durara cerca de dois anos, ora em francês ora em espanhol...

E Freud é apenas um entre as centenas que mudaram de lugar e jazem num recanto da parede do fundo, como se esta sala se tivesse transformado num cemitério de autores...

Nada do que acabo de anotar teria surgido se a minha mente não estivesse submetida ao princípio da CENSURA. Continuo sem saber lidar com a proibição de fazer perguntas, isto é, de dar sequência ao DIÁLOGO, e apesar de tudo, o Platão mora mais perto; bastam alguns passos para que Sócrates possa sair da prateleira e dar a volta à sala, deslumbrando os interlocutores, sempre prontos a colocarem-lhe as perguntas adequadas...

Por outro lado, as reticências também começam a aborrecer-me; parecem pressupor que, do lado de lá, está alguém capaz de reconstituir o fluxo dialogístico, e não assinalar um qualquer modo de pausa de escrevente cansado; já sem falar no ponto e vírgula que se vai instalando só para impedir que eu desate a transcrever frases outrora sublinhadas:

« Selon le proverbe antique, les favoris des Dieux sont ceux auxquels ils font quitter la terre à la fleur de leur âge. »

« Nous dirions que c'est en gage d'un prochain retour que Gradiva a oublié ici son carnet car nous prétendons qu’on ne nous oublie rien sans un mobile secret ou un motif caché. »  

Ao citar Freud, Délire et Rêves dans la grande "Gradiva" de Jensen, mais não faço do que suspender a preguiça que me impedia de me empoleirar no canto da sala; como faltou o escadote, saltou para aqui a vaidade não consumada de poder ter sido escolhido pelos Deuses ou o desejo secreto de ainda conseguir voltar a ler o que, entretanto, já esqueci...

Freud e Platão, colocados involuntariamente longe um do outro, só estão aqui porque continuo a braços com a leitura de O MEU IRMÃO e, sobretudo, com uma questão que estou proibido de fazer: Será que Afonso Reis Cabral começou a desconfiar que o papel que atribuíra ao narrador ganhou tal autonomia que, enquanto Autor, se viu desapossado da narrativa, vendo-se assim na necessidade de introduzir um segundo narrador que controlasse o primeiro? Isto é, o Autor é, afinal, um Censor! 

 

15.5.15

Afonso Reis Cabral na Esc. Sec. de Camões

Apesar de ainda não ter terminado a leitura do romance "O meu Irmão", posso, desde já, assegurar que se trata de uma obra original que não defrauda o leitor porque não cede nem à ciência literária nem à vulgaridade tão em moda. 

Esta minha convicção saiu, hoje, reforçada pelo modo autêntico, sincero, como Afonso Reis Cabral se disponibilizou a responder às perguntas que lhe foram colocadas sobre a génese, a maturação e a composição do romance. 

O autor deixou a ideia de que escrever exige sonho, empenho, indagação, tempo e, sobretudo, reformulação e revisão. Escrever não resulta de inspiração divina, nem deve submeter-se a qualquer exigência de natureza editorial, nem se inscreve num qualquer legado familiar por mais nobre que seja. 

(A iniciativa de trazer o escritor à Escola foi da responsabilidade dos professores Maria Teresa Saborida e Mário Martins. Este último leu um excerto do romance gerando condições para que os alunos colocassem algumas perguntas pertinentes.  A sessão decorreu na sala 32 e contou com cerca de 50 participantes, entre alunos, professores e dois representantes da editora Leya.)  

 

14.5.15

Um futuro sem perguntas

Desde ontem que assumi que não devo fazer perguntas. Isto não significa que não possa ser questionado. Se o for, responderei de forma concisa de modo a não cair em tentação... A ação (ou a inação) decorre num contexto específico.

Dou agora conta que há uma hora fiz uma pergunta, não interessa qual. E apesar de não obter satisfação, obtive, no entanto, uma resposta. 

Enquanto leio "O Meu Irmão", de Afonso Reis Cabral, romance que aborda precisamente as dificuldades de comunicação resultantes de um dos interlocutores sofrer do síndroma de down, vou-me interrogando sobre a natureza da comunicação a partir do momento em que abdicamos de fazer perguntas...

Não desejando, por enquanto, remeter-me ao silêncio absoluto, porque dá cabo de qualquer contexto, vou experimentando os efeitos do diálogo em que B responde a A, sem poder contrainterrogar... As respostas passam a ser secas, concisas, mergulhando no silêncio até que surja nova pergunta. Pressinto que esses hiatos poderiam ser desafiantes, não fosse A alhear-se por vontade própria ou por incapacidade momentânea...

(E, de súbito, revejo os avós paternos, sentados diante um do outro, e eu à espera de que eles se questionem sobre um qualquer assunto por mais mesquinho que seja, mas nada acontece entre eles. Nem A nem B colocam qualquer pergunta, e estou sem saber se tinham feito um pacto contra a indagação ou se, apenas, se lhes tinham esgotado as perguntas.)

Ao fim de tantos anos a fazer perguntas noutro contexto específico, parece que se anuncia o tempo de deixar de fazê-las. E esta possibilidade começa a despertar-me a vontade de começar a ir à pesca...

 

13.5.15

Afonso Reis Cabral, na próxima 6ª feira, na Esc. Sec. de Camões

A nota biográfica que se segue corresponde à transcrição de um artigo publicado pelo Semanário Expresso.

Em 1990, Lisboa viu-o nascer. Depois disso, o Porto viu-o crescer. Até ao 9º ano, Afonso Reis Cabral frequentou o Colégio dos Cedros. Do 10º ao 12º, foi aluno na Escola Secundária Rodrigues de Freitas. Nestes três anos letivos, a professora Alexandra Azevedo introduziu-o aos Estudos Clássicos. Foram dois anos a aprender Latim e um a aprender Grego. Mas, pelos vistos, em 2008, Afonso não se viu assim tão grego no European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature. Em 3552 concorrentes, era o único português e ficou na oitava posição. 

Mas recuemos um pouco - até aos 15 anos de Afonso. Bom, com 15 anos era altura mais do que certa para andar em namoricos ou a colecionar cromos em cadernetas. Quem diz isso, diz publicar um livro de poesia. Afonso carregou as nuvens de poemas e depois choveu o resultado: "Condensação". Apesar de chovido, este livro, publicado pela Corpos Editora, não foi caído do céu. Afonso entregou-se à escrita durante cinco anos (dos 10 aos 15).

Invicto e convicto, Afonso Reis Cabral deixou o Porto para regressar ao berço. Licenciou-se e amestrou-se na Universidade Nova de Lisboa, primeiro em Estudos Portugueses e Lusófonos e depois em Estudos Portugueses. 

"Fernando Pessoa e Nietzsche: O Pensamento da Pluralidade", "O teatro da Vacuidade ou a Impossibilidade de Ser Eu: Estudos e Ensaios Pessoanos", "Teoria Geral e Previsional dos Ciclos Económicos e Galileu na Prisão: e Outros Mitos Sobre a Ciência". O que é que estas obras têm comum? Foram todas revistas por Afonso. Mas não são as únicas. Aliás, o jovem português já se deu ao luxo de 'corrigir' a nonagenária Agustina Bessa-Luís. Foi em 2012, quando fez a revisão de "Cividade". Afonso já foi revisor em várias editoras e trabalha atualmente na Alêtheia.

Os rascunhos de "O Meu Irmão", obra que mereceu o galardão Leya, já remontam pelo menos a 2006. Na altura, Afonso Reis Cabral publicava um texto onde manifestava a sua indignação para com a prática do aborto. O seu irmão Martim nasceu um ano depois de Afonso. Antes ainda de conhecer a luz, Martim foi diagnosticado com Síndrome de Down. Neste texto, Afonso perguntava: "Com que direito é que a lei diz que se podem matar bebés deficientes, ainda não nascidos, até aos seis meses de gestação? E se tivessem tocado a campainha ao meu irmão Martim?".

No relato pormenorizado sobre os comportamentos - afetados pela condição - do seu irmão, Afonso escreveu as seguintes palavras: "Umas vezes, quando volta do colégio, vem todo irritado, outras falador, outras macambúzio, outras indiferente, outras gracejando, outras saltitando. Vem sempre feliz. Tem uma rotina muito certa, o meu irmão Martim. Colégio, pão, televisão, banho, jantar, cama. No meio disto tudo, decide chatear-me um pouco, mas enfim... E depois, quando se deita, antes mesmo de fechar os olhos e de cair nos braços de Morfeu, diz, abafado pelos lençóis: 'Bo noite, mano'". 

Oito anos depois, a afeição de Afonso Reis Cabral ao irmão é premiada com 100 mil euros. Talento, trabalho e muito humanismo. 

 

12.5.15

Enquadramento - caminhos

De nada serve queixar-me! Por isso, embora tardiamente, aqui fica o enquadramento...

Todos fomos espanhóis de 1936 a 1939 (...) O génio de Picasso fixou essa agonia. É uma obra de arte que é um manifesto político. É a sua forma de dizer isto que disse também em palavras: “No, la pintura no está hecha para decorar las habitaciones. Es un instrumento de guerra ofensivo y defensivo contra el enemigo.” Goya tinha dito o mesmo, noutros termos, quando pintou o “3 de Maio de 1808” (...) e quando nos pomos no lugar dos homens que estão prestes a ser executados. Disse o mesmo nas suas famosas pinturas negras, de caras esfomeadas. (...)

A consciência política anda pelas ruas da amargura e eu, que detesto a propaganda, reconheço que há certos temas que, como a arte engajada ou comprometida, necessitam de educação artística... Caso contrário, a arte só serviria para assegurar a imortalidade de uns tantos e a vaidade de muitos outros. Mas em nome de quê?  

 

11.5.15

Indícios de tragédia n' OS MAIAS ou um não-assunto...

Como diriam alguns políticos, vou tratar de um não-assunto. A quem é que poderá interessar indicar três ou quatro indícios (presságios) de tragédia no romance Os Maias?

A lenda da fatalidade das paredes do Ramalhete.

Os cabelos pretos e os olhos dos Maias (...) de «um negro líquido» (Afonso, Pedro, Carlos, Maria Eduarda) ...A visita de Carlos, a pedido de Maria Eduarda, a «uma pessoa da família» ... O ar de meditação sinistra dos olhos «redondos e agourentos» do mocho que fixa o leito fatídico, na Toca. 

Maria Eduarda tenta contar a Carlos três vezes a história da sua vida...  A tapeçaria «onde Marte e Vénus se amavam entre os bosques» na Toca. O «móvel divino» do Craft com os quatro evangelistas que «um vento de profecia parecia agitar»; dois Faunos tocavam num desafio bucólico, a frauta de quatro tubos».

A parecença de Carlos com a mãe, Maria Monforte (ponte de vista de Maria Eduarda) ...A sombra negra das personagens femininas que se projetam na Vénus Citereia...

Para quem não tinha paciência para reler Os Maias, tempos houve em que se aconselhava a leitura atenta do ensaio NOVA INTERPRETAÇÃO DE OS MAIAS, de Alberto Machado da Rosa, in Eça, Discípulo de Machado? editora Fundo de Cultura, 1962.

Hoje, decidi revisitar o Alberto Machado da Rosa, registando alguns dos indícios da tragédia que se vai avolumando, mesmo que o desfecho pareça longe de qualquer catástrofe...

De qualquer modo, o ensaio permite outras chaves de leitura se quisermos cruzar os planos da conceção do romance: o histórico, o simbólico e o trágico...

 

10.5.15

As ruas em exame

"As ruas da cidade estão desertas.»
"As ruas de Lisboa estão engarrafadas.»

A expressão sublinhada é um complemento de nome ou um modificador restritivo de nome? A resposta, se consultarmos o Ciberdúvidas ou as Gramáticas mais recentes, não é fácil. 

Em exame nacional, acertar na resposta vale 5 pontos. De acordo com alguns linguistas, o melhor a fazer é não colocar a pergunta... (critério duvidoso, mas eficaz!)

Nestes últimos dias, experimentei testar a pergunta, não fosse o IAVE ignorar o conselho dos linguistas, e o resultado não só não é esclarecedor, como descobri que há sempre alguém capaz de morrer pela sua opção, o que muito deploro...

Atrevo-me, entretanto, a deixar aqui outro exemplo:

"As ruas em exame deveriam ser fechadas ao trânsito."

Será que os Linguistas e os Gramáticos já descobriram qual é a verdadeira resposta? Bem longe das terras lusas, vive um japonês, estudioso da língua portuguesa, que acaba de me confessar que também ele gostaria de ter alguma certeza nesta matéria...

De qualquer modo, em caso de controvérsia, lá teremos de classificar ambas as respostas como certas - IAVE / MEC 2014.  

 

9.5.15

Vivemos fora de nós

Os painéis de Almada Negreiros ocupam todo o salão que dá para o Tejo. No corrupio de turistas que não sabem como ocupar o tempo, só um ou outro levanta os olhos e parece surpreendido com a cor e as figuras que deram corpo ao Estado Novo, mas tal ideia não lhes passa pelo pensamento, e até a Nau Catrineta deixou de voltar com as histórias que tinha por contar: 

«Lá vai a Nau Catrineta,

leva muito que contar,

Estava a noite a cair,

e ela em terra a varar.»

Parece que estamos encalhados, e nem a arte sabemos divulgar! Diluídos, vivemos fora de nós, preferimos esconder a identidade... No entanto, inaptos, insistimos em não ouvir o gajeiro:

«Não vejo terras de Espanha,

nem praias de Portugal.

Vejo sete espadas nuas,

que estão por te matar.» 

Hoje, nem Almeida Garrett nem Almada Negreiros são devidamente apreciados, provavelmente pela mesma razão que «alcântara» perdeu o significado original - ponte.

 

8.5.15

A fronteira

«Acabará a música, todos irão aonde têm de ir, corre sossegadamente o rio Caia, de bandeiras não resta um fio, de tambores um rufo, e João Elvas nunca chegará a saber que ouviu Domenico Scarlatti tocando no seu cravo.» José Saramago, Memorial do Convento.

O rio Caia ainda era fronteira no reinado de D. João V, delimitava a fronteira entre Portugal e Espanha na região de Olivença. Em 1815, o Congresso de Viena reconheceu a soberania portuguesa... A 7 de maio de 1817, a Espanha ratificou a Ata Final. No entanto, passados 200 anos, «de bandeiras não resta um fio» ...

De facto, nem João Relvas chegou a saber quem acabara de tocar «uma música delgadinha, suavíssima, um tilintar de sininhos de vidro e de prata, um arpejo às vezes rouco, como se a comoção apertasse a garganta da harmonia», nem a nós interessa essa ou outra fronteira...

Para quem anda tão apressado, a fronteira mais não é do que um obstáculo. Afinal, o mundo é todo igual, dizem uns tantos.

Mas não, o mundo está cada vez mais desigual. Todos os dias se elevam novas fronteiras. Todos os dias se morre nas fronteiras... e nós continuamos a flanar. Mentira, continuamos a deambular!

 

7.5.15

Sinto-me um tanto desvirgulado

Os dias se não estão mais compridos tornaram-se-me mais pesados. Talvez devesse ter colocado atrás uma vírgula, mas sinto-me um tanto desvirgulado, apesar de refrear tudo o que penso, isto é, de virgular todas as pausas a que me forço para não cair no acinte...

Cair no acinte já não fica bem na minha idade, dizer que a novidade do dia tem barbas não incomoda, pareceria que me estaria a colocar em bicos de pés...

Ainda na posse de um manual de etiqueta, deixo-me ficar sentado a ver em que param as modas que não divergem muito das de outras eras que concluíram que ser cortês sempre era melhor do que carniceiro... tudo em benefício de damas agravadas e crianças desamparadas...

Verifico agora que de tanto cair já sofro de cacofonia e que a minha obrigação seria voltar atrás, de modo a não profanar os ouvidos das almas mais sensíveis, mas vejo-me em estilhaços, por não ter percebido à primeira que as almas não têm ouvidos, não têm olhos, não têm nada...

Eu é, que desvirgulado e desalinhado, investi nos dias e só agora percebo que, ao contrário do didata, não posso eliminar a cacofonia e muito menos impedir que os anjos sejam reverentes... Ainda se eu fosse o senhor das vírgulas!

A partir de hoje, o meu sonho é fechar os olhos numa vírgula à espera que surja a maiúscula que me interpele e me faça cair no acinte...

Imagine o leitor que, enquanto espero, decidia mudar o título para não ofender a vírgula, e começava novo ensaio, ou como se diz há uns tempos, iniciava nova tentativa:

Sentia-me um tanto desvirginado... já estou a ver os rostos carrancudos, Isso é coisa que se escreva... o melhor é mesmo afundar-me no grupo verbal!   

 

6.5.15

Baseado na galinha da vizinha...

«Escrever é um dos mais efetivos caminhos para o desenvolvimento do pensamento.» Citação de uma citação.

 

Em contexto escolar, o aluno deve ser convidado a escrever sobre problemas da atualidade... De início, a questão não é como escrever e sobre o quê..., mas ser capaz de determinar quais são os problemas mais prementes do ponto de vista dos alunos e, posteriormente, investigá-los e debatê-los, de forma participada, oralmente...

O aluno não deve ser convidado a escrever sobre textos, mas, sim, sobre a vida. Poderá, entretanto, ler textos que o ajudem a definir regras de textualização ou a compreender como certos problemas da sua própria vida são e foram tratados por autores de diferentes épocas...

Este percurso não se conforma com o afunilamento temporal, porque aprender a pensar não é um processo cronometrável e linear, e, sobretudo, exige a proximidade de um formador que tenha hábitos de escrita... O pensamento em si é nada, se, a cada passo, pomos de lado a vida. O texto complexo em si não existe, a forma como vivemos a vida é que pode ser desvirtuada...

 

5.5.15

Oração profana, na perspetiva de um aluno do 12º ano

«O trabalho dá o que a natureza nega.» (provérbio popular)

Se quisermos refletir sobre esta asserção, na perspetiva de um aluno do 12º ano que, dentro de um mês, terá de escrever um texto opinativo ou argumentativo, é essencial formular e responder previamente, pelo menos, a duas perguntas:

- O que é que a natureza nega ao homem?

- Em que é que o trabalho pode substituir a natureza?

Claro que, em alternativa, podemos questionar se, de verdade, a natureza nega alguma coisa ao homem. Ou, se pela força do trabalho, o homem é capaz de fazer tábua rasa da natureza.

Sem a formulação destas (ou doutras) perguntas, de nada serve começar a opinar ou a argumentar sobre o tema proposto, isto é, qualquer introdução será aleatória e, consequentemente, o desenvolvimento não passará de um amontoado de lugares-comuns... Quanto à conclusão, a existir, nada terá a ver com o problema em debate... Por outro lado, convém não esquecer a origem popular do provérbio, o que determina que o aluno opte por um ponto de vista assente na sabedoria popular...

Desapontamento

Rosto transfigurado, como se as sinapses se tivessem desenlaçado, olhos encovados, transtornados pela luz elétrica, cabelos em desalinho, apesar da calmaria sonâmbula, assim se apresenta o professor, depois de, durante uma manhã, ter lutado contra a desatenção e a dispersão...

Diante de si, surge uma imagem que já não necessita de ser refletida pelo espelho... Pelo calendário, faltam 30 dias! De qualquer modo, o desajustamento vai manter-se... Até quando?

4.5.15

Juras e juros

Na vida pública e na vida privada, as promessas (as juras) não são para cumprir. Apesar de haver testemunhos de que outrora os homens (e as mulheres) eram honrados, sacrificando a vida se necessário fosse, creio que, na verdade, eram mais os incumpridores do que os que honravam os compromissos...

Claro que, ao longo dos tempos, os pedagogos idealizaram uma sociedade mais justa e procuraram implementá-la através da ética, da moral, sem esquecer a religião, e das artes, mas, a prática sempre se revelou contrária aos princípios instituídos. Nalguns alguns casos, como, por exemplo, acontece com a Literatura, o Belo frequentemente não segue o Bem.

Quanto aos juros, aí o caso muda de figura, se não cumprimos somos severamente sancionados. Até porque se pagarmos os juros, estaremos, ainda que minimamente, a amortizar as dívidas... E a virtude está em sermos cumpridores, mesmo que ainda deixemos parte dos encargos para os vindouros... Ora há por aí uns tantos que juram não pagar as dívidas, mas que sabem que alguém vai ter de pagar os juros. Só que não serão eles! 

Eu, por mim, não voto neles...

 

3.5.15

De que nos servem as pontes?

De que nos servem as pontes se em caso de terramoto e de marmoto devemos fugir delas? Os rios, que nos levam ao mundo em tempo de paz, tornam-se nos nossos maiores inimigos em tempo de crise... Em tempo de austeridade, as pontes desertas consomem recursos infindáveis, sem haver maneira de pôr cobro a tal despautério e, paradoxalmente, ninguém as acusa de nada, porque nos habituámos a que elas ligassem as margens, para que possamos fugir de nós...

Eu gosto de atravessar pontes. Até há pouco tempo, pensava mesmo que era capaz de as construir, mas ultimamente as ilhas têm-se mostrado distantes e avessas a travessias. Talvez por isso, se o próximo terramoto me der tempo, vou evitar os rios, mesmo que as pontes fiquem suspensas do firmamento...

Ontem, a propósito da educação do gosto, quero esclarecer que me sentia um pouco "enovoado"..., precisamente porque com tantas pontes que se anunciam, comecei a temer que do nevoeiro surja um novo cavaleiro andante... 

 

 

 

 

2.5.15

A educação do gosto

«A tarefa do artista é convencer-nos de que isto poderia acontecer. A coerência interna e a plausibilidade tornam-se mais importantes do que a correção referencial.» James Wood, A Mecânica da Ficção, pág. 253, editor Quetzal

Preocupa-me esta renovada tendência em querer educar o gosto literário das crianças e dos adolescentes deste país. 

Ao longo da História, a instrução, essencial ao crescimento humano, foi sendo metamorfoseada em educação, acabando quase sempre ao serviço de programas doutrinários ou ideológicos estabelecidos pelos grupos dominantes ou que, paulatinamente, preparavam o acesso ao poder. Raramente, a educação inverteu o «statu quo». 

Sob a capa de valores civilizacionais, religiosos, artísticos, nacionalistas, internacionalistas ou simplesmente patrimoniais, os programadores educativos não resistem a condicionar a emoção humana...

Felizmente, as fontes do gosto desmultiplicam-se a cada dia que passa, tornando obsoleto qualquer tipo de programa.

Por mais que a Autoridade e a Referência se confundam, o que acabamos por aprender é que a coerência interna e a plausibilidade escapam a qualquer programador, pois, por natureza, se apresenta como gestor de almas alheias...

 

1.5.15

Eu não sou viral

Concluo hoje que não sou viral, ou seja, tudo o que digo ou escrevo não se espalha como se fosse um vírus. 

Ontem, referi-me ao problema colocado por quem procura evitar a especialização dos jovens, determinando, no entanto, que devem saber ler e escrever "textos complexos"... e já antes me referira à estreia do filme Uma Rapariga da Sua Idade... Entretanto, pedira a uns tantos jovens que opinassem, por escrito, sobre o provérbio "Do trabalho e da experiência, aprendeu o homem a ciência". 

E estou satisfeito por não ser viral, pois cedo conclui que se o fosse estaria a ser infantil e que o estado de infantilidade parece ser o verdadeiro desiderato de quem nos 'programa'... Na verdade, o provérbio, apesar de ser uma forma simples, revela-se um texto complexo... a maioria não chega a perceber nem o que é a ciência nem que ela resulta da conjugação ativa do trabalho (criativo) com a experiência (vívida)....

Talvez por essa razão, voltei à Culturgest e tornei a ver o filme Uma Rapariga da Sua Idade, dando mais atenção à linguagem verbal e gestual dos protagonistas, o que me permitiu compreender a complexidade do texto "dramático"... Por outro lado, o Márcio Laranjeira, a Mariana Sampaio e o Alexander David, ao responderem às perguntas do público, revelaram que a autenticidade da obra (do tal texto complexo) resulta não só do trabalho e da experiência, mas, sobretudo, da emoção que não se deixa capturar pelo simplismo imediato e populista...

Eu não sou viral porque fujo da gabarolice e sei que a simplicidade é inimiga da infantilidade.   

 

23.4.15

Nesta hora canina

Cães há que têm muita paciência: esperam minutos a fio que os donos desfiem as vidas que não são deles, a não ser no cavaco abjeto. Castrados.

Outros há que aceleram a trela, embora saibam que só lhes resta içar a perna e regressar à sombra dos donos. Fingidos.

Da matilha, o melhor é nada dizer, pois, genuína, não descansa enquanto não ceva a perna ao primeiro incauto que encontrar... Hoje, ao sair de um supermercado, uma mãe comentava para a filha ao ver-me passar: Olha que cãozinho tão lindo, como ele olha embevecido para o senhor. Na verdade, o cão parecia uma bexiga de porco pronta a estourar... Mas fiquei-lhes agradecido, vá lá saber-se porquê?

Nesta hora canina, apenas lamento não conhecer nenhum cão caçador exímio em cevar coelhos... A culpa é da palavra que acelera a trela e se enreda nela.

 

22.4.15

Conjetura

Antes que a pergunta se perca: - Para quê mudar a cara, se basta substituir a máscara?

No teatro grego, a cara nunca se mostrava; e mais não era do que o suporte das contingências que habitavam a esfera...

O teatro na sua origem era a expressão possível da matemática, isto é, da thike da mathema. Dito de outro modo: a matemática era a arte (thike) que dava forma ao conhecimento (mathema) do espaço e do tempo, que media e pesava a matéria...

Mais tarde, a matemática, para se soltar da esfera inicial, criou uma outra esfera já só constituída por símbolos que esperam, um dia, apagar todas as máscaras pondo, assim, termo às contingências.

PS. Dedico esta conjetura ao nosso amigo MSR que faz hoje anos, mas que não pode deixar de estar triste, lembrando que a tristeza é inseparável da alegria. Bom é saber que a dor de hoje é a expressão da alegria de ontem... 

 

 

21.4.15

Em abril, das mil águas, nem um pingo de vergonha!

Das mil águas, abril não dá conta, dir-se-ia mês de mil nuvens esbranquiçadas... 

O povo lá segue aparvalhado, incapaz de punir quem ordena, preferindo ser carrasco de mulheres e crianças...

Uma parte ainda continua a entoar hossanas a abril, à espera de que este lhe traga «paz, pão, habitação, saúde, educação».

Em abril, as rosas e os cravos continuam a florescer e a outra parte do povo, a fenecer. Se, pelo menos, abril cumprisse as mil águas, talvez quem ordena fosse na enxurrada, e o povo deixasse de ser carrasco de mulheres e crianças...

No abril que corre, para além das estéreis nuvens esbranquiçadas, quem ordena já abriu as comportas da propaganda de tal modo que o povo segue aparvalhado, incapaz de punir quem ordena, preferindo ser carrasco de mulheres e crianças, sem esquecer os náufragos da terra e do mar das partes do médio oriente e de áfrica...

Quem ordena bem sabe que a culpa é dos trabalhadores, dos que não têm trabalho, dos que não têm terra!...

Como disse hoje um distinto sindicalista, a culpa é do povo que não compreende a ação dos sindicatos; a culpa é dos trabalhadores que não se sindicalizam...

Em abril, das mil águas, nem um pingo de vergonha! Só a rosa, só o cravo!

 

20.4.15

O desconsolo de tanto naufrago da terra

Bom seria que o sol brilhasse por dentro. Não é tanto o frio, mas o desconsolo de tanto naufrago da terra de ódio, de guerra, de discriminação, de fome... Aqui, na europa, a insensibilidade é absoluta, pois, em vez de cerrar fronteiras, bem poderia ter apostado na cooperação económica e cultural com os povos do norte de áfrica, com vantagens mútuas...

Sempre que se levantam muros, criam-se condições para que hordas famintas acabem por os derrubar. Sitiados, os europeus deixam morrer às portas os vizinhos, e um destes dias morrerão eles próprios de inação.

A europa atual não é mais do que uma quimera, refém de um eurismo que, por si só, acabará por cair às mãos de hordas famintas, internas e externas. Mais uma vez tudo se joga no mediterrâneo...  

 

Por fora, o sol brilha...

Por fora, o sol brilha; por dentro, chuvisca.  Nem sequer faz frio, apenas uma ansiedade de incumprimento ou de culpa infantil...

Essa velha culpa sempre presente, cristalizada no respeito pela arbitrariedade, e de que nada serve confessá-la em privado ou em público, porque a autoridade se confunde com a alteridade e esta, ao contrário do que diz o pregão, em vez de libertar, oprime.

O próprio sol brilha ou esconde-se, alheio a qualquer tipo de ansiedade. 

Por fora, o sol brilha; por dentro, fogo. E eu, apenas, cinza - o que resta da caruma...

 

19.4.15

Uma pedra exposta ao sol

Raramente escrevo de manhã. 

Hoje, no entanto, talvez por ser domingo e por ter avistado um estúdio móvel da RTP junto à igreja do Cristo Rei, decidi registar a minha paragem no jardim Almeida Garrett.

Escolhi a pedra exposta ao sol e sentei-me. E assim aquela pedra se tornou na ara da comunhão vital, diferente da do pão e do vinho que outrora preenchia as minhas manhãs. Era um altar intimista que não comunicava ao mundo a sua existência e que, apesar de tudo, foi perdendo o seu fulgor inicial. A narrativa de tanto repetida virou rotina e o frio foi-se entranhando nos ossos...

Há dias, alguém me perguntou se não me arrependera; talvez, hoje, entrasse porta dentro de algum doente preso ao leito... e o não solto saiu-me da boca ainda antes de pensar.

Afinal, basta-me poder escolher uma pedra exposta ao sol!

E li o DN e já esqueci quase tudo, exceto que o Papa argentino agradece aos italianos a compaixão com que nos últimos dias têm acolhido os náufragos de África que, no essencial, só procuram a clemência do sol(o) europeu.

 

18.4.15

José Mariano Gago, testemunho autêntico

«O Camões precisa mais que a memória duma página, coisa de nada, difícil. Nem o Camões, nem cada um de nós com ele, cabemos no tempo da escrita do espaço duma folha. Mas quando teremos o tempo necessário?»  José Mariano Gago, Liceu Camões 100 Anos 100 Testemunhos

Do meu contacto, distante, com José Mariano Gago habitam-me três palavras: fascínio, autenticidade e benevolência.

Homem benevolente, pronto a acarinhar quem o ajudou a aprender e quem, por instantes, para servir um desígnio, via nele um facilitador de soluções... A benevolência estende-se a essa ideia simpática de que todos os homens precisam de mais do que uma folha para registar a sua existência. (Tantos são os que ontem e hoje falam elogiosamente de José Mariano Gago e que não merecem sequer referência no rodapé da vida!) 

Homem fascinado pelo espaço, nas suas diversas escalas, mas que sabia que o tempo lhe poderia frustrar a ambição de ir além do conhecido. E sobretudo, um homem, que tinha a noção de que só o conhecimento salvaria o ser humano de si próprio... Por amizade, José Mariano Gago confessou um dia que o Liceu Camões, que o acolhera dos 10 aos 17 anos, fora a academia matriz que, afinal, sempre procurou construir enquanto homem político ao serviço do seu país...

Homem autêntico que nunca vi colocar-se em bicos de pés, manteve-se por largos períodos na sombra, apesar da sua inteligência e compaixão...

 

4.4.15

A Sammy caiu do telhado

A Sammy caiu do telhado. Dizem que foi o vento que a empurrou... Na calçada sangrava abundantemente, sem se saber a extensão das lesões. Os samaritanos levaram-na para o hospital mais próximo onde, depois de analisada e anestesiada, foi operada a uma pata..., sem esquecer a boca maltratada...

Entretanto, convalescente, foi levada para casa onde impacientemente espera que a libertem da tala metálica e, sobretudo, do colar de freira que lhe aumenta a fome e a sede...

A Sammy consta que já é figurante no filme do Márcio Laranjeira, Uma Rapariga da Sua Idade"... Quem quiser conhecer a Sammy não deve faltar à apresentação deste filme, na Culturgest, no dia 29 de abril, às 21h30...

Por este andar, a Sammy ainda vira protagonista!

Estou de plantão!

Noutros tempos, castrenses, também comecei por ficar de plantão.

Noutros sonhos, mais antigos, via-me de plantão a uma sineta... uma fantasia com cor real!

E tempo houve, de infância, que fiquei de plantão a um berço, não fossem as cobras asfixiar a criança. Esse foi um tempo em que as camisas do milho desataram a arder, os cântaros se esvaziaram, sobraram marcas por apagar...

Hoje, continuo de plantão! Um tempo em que nunca sei o que vai acontecer. 

Posso caminhar na rua, ir às compras, pagar todo o tipo de contas, ouvir o que todos têm a dizer-me, porque sabem o que dizer, embora eu já não saiba o que responder...  Posso ler o Poema Contínuo, de Herberto Helder, só não posso partir violenta e violentamente para o campo...

E faz-me falta! Basta-me colocar os pés sobre o mato, olhar a encosta e depois observar a faina das abelhas, ouvir o chilrear dos pássaros. Ficar ali de plantão durante 10 minutos...

 

3.4.15

Uma comparação absurda do ministro José Aguiar Branco

Quando confrontado com a morte do economista Silva Lopes, José Pedro Aguiar Branco afirmou que «Silva Lopes teve a felicidade de partilhar este momento com Manoel Oliveira» e destacou o economista como figura de relevo na política e economia do país.

Este ministro é um homem que cada vez que abre a boca melhor seria que estivesse calado. Por um lado, José P. A. Branco vê na morte um momento de felicidade. Por outro lado, faz uma daquelas comparações absurdas que nem os meninos de coro se atreveriam a fazer...

Se a morte é um momento de felicidade e, já agora, de partilha, este ministro bem poderia aproveitá-lo.

 

2.4.15

Não a morte, mas o falecimento de Manoel de Oliveira

A duração e a extensão são frequentemente alimento deste blogue. E como tal, seria indesculpável que aqui não assinalasse não a morte, mas o falecimento de Manoel de Oliveira, aos 106 anos de idade.

Habituei-me a encarar a sua obra como a expressão do retardamento da passagem do tempo. Tudo era calculado de modo a evitar o inebriamento futurista.

Sempre que penso em Manoel de Oliveira, recordo a leitura das obras de Agustina Bessa-Luís, em que a suspensão do tempo é uma inevitabilidade.

É um pouco como se quem ama a vida se recusasse a avançar!

 

1.4.15

O único dia em que sou candidato

Poderia enumerar as tarefas executadas e as que estão em lista de espera, poderia enumerar os aborrecimentos e os desgostos, poderia enumerar as fraquezas e os medos, mas para quê? Se alguém prestasse atenção à enumeração, diria que está incompleta ou que peca por excesso. Ou nem isso, talvez se limitasse a proclamar que não passo de "um queixinhas". Não passamos de "uns queixinhas"!

No Dia das Mentiras, talvez não seja descabido confessar que, ao fim de mais de quarenta anos nas salas de aula, o melhor seria candidatar-me a deputado, porque, segundo a Catarina Madeira e Márcia Galrão*, o que há de mais parecido com o comportamento dos deputados no parlamento é a traquinice dos alunos na sala de aula... E convém não esquecer que ainda há por lá uma campainha estridente, ao contrário do que acontece na escola secundária de Camões, em que a campainha apenas se faz notar nos dias de exames.... Parece que na Assembleia da República há queixinhas famosos...  

* Estes Políticos devem estar Loucos, a esfera dos livros.

 

31.3.15

Os homens sentados

 (Região de Saúde Lisboa e Vale do Tejo)

O novo Centro de Saúde de Sacavém está situado em Moscavide, quase escondido... Sobretudo para quem mora na Portela... Os acessos estão prontos, mas encerrados! Provavelmente, serão abertos numa futura ação de campanha eleitoral, lá mais para o verão... Resta saber quem é que irá cortar a fita. 

Não quero crer que seja o presidente do município de Loures, Bernardino Soares*, que acabo de ver referido no livro Estes Políticos devem estar Loucos, pág. 145, de Catarina Madeira e Márcia Galrão. 

Um livro que mostra à evidência a boçalidade de muitos daqueles que, ao longo dos tempos, se foram sentando na bancada do governo e nas cadeiras parlamentares, apesar de, no prefácio, João Mota Amaral, ter esperança que esta obra ajude, não os leitores, mas os eleitores:

«E assim recolhem os eleitores uma imagem dos seus deputados mais humana e próxima, que espero contribua para melhorar a simpatia dos Portugueses para com o Parlamento, que os representa no exercício supremo da soberania de Portugal.»

* Mas era Bernardino Soares quem fumegava cada vez que Gama concedia a Nuno Melo o direito de «defesa da honra», pois ele, fiel cumpridor das regras parlamentares, jamais fintaria o árbitro para levar o jogo ao prolongamento.    Esclareça-se «defesa da honra da bancada.»

Pessoalmente, compreendo que o parlamentar possa ter necessidade de «defender a honra», sobretudo quando maltratado pela sua bancada. Mas, quanto à «honra da bancada», tenho dificuldade em reconhecê-la, até porque ela, em regra, asfixia a liberdade do deputado.

A estrada da liberdade existe, mas o acesso está encerrado...    

 

30.3.15

Lisboa degradada e doente...

No centro da capital, a irregularidade do piso já tem barbas. Nem os milhares de turistas que por ali circulam comovem os dirigentes do município!

Num hospital, à vista e à mão de todos, o contador do gás da instalação hospitalar. No pavilhão, os utentes, amontoados, esperam longamente pelas análises ao sangue... Se, para infelicidade sua, precisarem de fazer no mesmo dia um raio X e um eletrocardiograma, então os utentes devem levar bússola ou GPS...

Em síntese, os sinais de degradação urbanística proliferam por toda a parte... E a população cada vez mais doente, mais conformada, senão mesmo anestesiada...

Infelizmente, o presidente do câmara, que quer governar o país, não foi capaz nestes últimos anos de pôr termo à derrocada, embora se ufane de, ao contrário do governo, ter diminuído significativamente a dívida do município...

Bem sei que o senhor presidente sempre poderá responder que a culpa da irregularidade do piso é das colinas, e que a culpa da degradação dos hospitais é do governo, pois não avançou com a construção do grande hospital central de Lisboa. Até porque os atuais terrenos hospitalares poderão vir a ser o novo "ouro" do município... 

 

29.3.15

Dúvida metódica

Quais são os objetivos de uma dissertação de mestrado nos tempos que correm?

O que é que distingue uma dissertação de mestrado de uma dissertação de doutoramento?

No passado, o candidato para poder concluir uma licenciatura (agora, segundo ciclo de Bolonha) ou progredir na carreira académica tinha de ser capaz de investigar, apresentar por escrito e defender oral e publicamente a sua pesquisa...

E hoje, será que tal acontece? No atual sistema de ensino superior, quem é que garante que os mestrandos e os doutorandos são devidamente orientados?

Estas perguntas são obviamente de natureza retórica, só não compreendo por que motivo as coloco, aqui, por escrito...

 

28.3.15

Se houvesse mais rigor...

Como referi ontem, cheguei atrasado ao teatro, e acabei por regressar a casa com a sensação de que a pontualidade é essencial, mas que esta pode não passar de um gesto disciplinador menos importante do que, por vezes, se pensa...

Na verdade, nos últimos anos, tenho-me esforçado por ser pontual, porém deixei de cobrar os atrasos com que me confronto diariamente, em termos familiares, profissionais...

Gostaria, sim, que houvesse mais rigor no tratamento dos assuntos, na realização das tarefas e na satisfação dos compromissos...

Se tal acontecesse os dias seriam menos penosos!

Mais do que ser pontual, há que ser rigoroso e não desistir da perfeição. Mas nada disso acontece... a imperfeição tornou-se uma marca de água... e pelo caminho vão ficando as vítimas.

Creio até que o meu próprio coração já começa a dar sinais de impaciência, e eu finjo que não o oiço nestes dias penosos que atravesso...

 

27.3.15

Atrasos...

Quem me conhece, sabe que detesto atrasos. No entanto, hoje, sexta-feira, saí demasiado tarde de casa para assistir a um espetáculo no número 99 da Calçada Marquês de Abrantes, Lisboa. Além do mais, o excesso de trânsito, a falta de estacionamento e a minha inexistente vida noturna dificultaram-me a tarefa de dar com o lugar...

De qualquer modo, cheguei às 21 horas e cinquenta e cinco minutos. A porta encontrava-se fechada, e sob a campainha uma pequena nota: SILÊNCIO POR FAVOR. O ESPETÁCULO ESTÁ A DECORRER. 

Compreendo que não se deve perturbar os artistas, mas...

 

 

 

 

26.3.15

A lógica das hipóteses sem regresso

Os OUTROS apagam-se enquanto o EGO CRESCE... Se nada existe para além da vida breve, de que serve respeitar o que está para além do EGO?

O plural NÓS esfuma-se a cada dia que passa, apesar da multiplicação das redes sociais... A partilha é virtual e, como tal, o EGO não vai além da simulação... A imaginação deixa-se subordinar à lógica das hipóteses sem regresso...

Partimos, podemos até ser sorteados para partir, como aconteceu com os jovens alemães, estudantes de espanhol, só que, ao lado, há quem determine que aquela é uma viagem sem retorno...

Infelizmente, quando o EGO CRESCE, os OUTROS apagam-se... 

E o pior é que esta situação acontece todos os dias e por toda a parte. 

 

25.3.15

O angolano que Comprou Lisboa, de Kalaf Epalanga

Este rabisco é dedicado ao Rafael Marques (nesta hora de provação) e ao Kamba Reis...Tenho estado a ler com bastante interesse o livro de crónicas de Kalaf Epalanga, O ANGOLANO QUE COMPROU LISBOA (POR METADE DO PREÇO) e, por coincidência, deparei com uma extensa entrevista publicada na revista Tabu... Pode dizer-se que Kalaf, na entrevista, não desmente o ar desempoeirado e atrevido que podemos respirar em cada uma das suas 55 crónicas...

Aprecio na escrita de Kalaf a concisão e, sobretudo, a regeneração da língua portuguesa ao introduzir, de forma plástica, termos oriundos de diferentes quadrantes geográficos e artísticos, designadamente das áreas da moda e da música de inspiração angolana... 

Em termos temáticos, estas crónicas bem poderiam ser objeto de apreciação dos nossos estudantes pela desenvoltura com que Kalaf aborda as questões da identidade angolana, da migração, da discriminação, do provincianismo e do cosmopolitismo, sem esquecer o olhar apaixonado pela cidade de Lisboa... 

Kalaf Epalanga Alfredo Ângelo, aos 37 anos, revela em cada uma das suas crónicas uma atitude crítica fundamentada, avessa ao racismo, à ignorância e ao mujimbo... Das muitas passagens que aqui poderia citar, registo aquela que me parece mais adequada, nos dias em que Herberto Helder se tornou notícia:

«E está provado, o belo é aquilo que ninguém percebe, como filmes da Nouvelle Vague, jazz, arquitetura, arte contemporânea... Só os jovens acham feio aquilo que não entendem; os que têm juízo ou vergonha na cara preferem esconder a sua ignorância com expressões do tipo "sim, muito interessante", "profundo", genial" ou ainda o jargão "bué da fixe". Raras são as vezes que admitimos não entender patavina sobre determinado assunto e pedimos para que nos elucidem.» op.cit. pág. 173-174.

 

24.3.15

Abro o TRÍPTICO de Herberto Helder

Citação (9.1.2014) 

Abro o TRÍPTICO de Herberto Helder e surge-me o amador de Camões: Transforma-se o amador na coisa amada com seu / feroz sorriso, os dentes, / as mãos que relampejam no escuro.  Traz ruído / e silêncio. Traz o barulho das ondas frias / e das ardentes pedras que tem dentro si. / E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado / silêncio da sua última vida. / O amador transforma-se de instante para instante, / e sente-se o espírito imortal do amor / criando a carne em extremas atmosferas, acima de todas as coisas mortas.

E fico a pensar no olhar perdido e petrificado do amador camoniano que, à força de misturar imagens, reprime o desejo e apazigua o corpo, passando a viver do fulgor de um momento para sempre perdido, enquanto o amador de Herberto Helder, no lugar da imaginação coloca o peso e o vigor do corpo até que a amada lhe corresponda o grito anterior de amor...

 

23.3.15

Ao rabisco

Alguém me disse que ando a rabiscar disparates. É provável, embora sinta que muito pior é fazê-los. E disso ninguém quer saber. Hoje é um desses dias em que nem rabiscar apetece. 

Lembro, no entanto, o tempo em que nos finais de setembro espreitava uma oportunidade para poder ir ao rabisco. 

Terminada a vindima, havia sempre um cacho de uva que escapava. E antes que os pássaros se antecipassem, corria as parreiras à procura da última gota de mel, por vezes bem amarga. Pena era que nunca sobrasse um cacho de malvasia ou até de dona-maria...

Hoje é um daqueles dias em que rabisco nostalgia para não ter de denunciar o míldio que destrói a vinha universitária... 

 

22.3.15

Com a crise...

A persistência pode ser uma prova de vida. Há, no entanto, situações em que se esgota a paciência. E quando tal acontece, é preciso pôr um travão... 

O problema é que, com a crise, as pastilhas deterioram-se de tal modo que do choque das lâminas de aço se levantam faúlhas que acabam por nos incendiar...

Encaro-o, oiço-lhe a garantia de que não anda a pedir para se drogar, mostra-me os braços como prova, e eu dou-lhe 50 cêntimos. Afinal, ao domingo, naquela rua, não se paga parquímetro. Habitualmente pago muito mais para estacionar e ninguém me explica qual é o destino daquelas moedas.

As ruas de Lisboa são sacos sem fundo. Entramos e já não saímos, a não ser de marcha atrás... E quando a Câmara não instala pilaretes a bloquear a saída, há sempre um automobilista que se encarrega de estacionar à porta de casa...
Creio que vou comprar uma picareta e depois logo se verá!  

 

21.3.15

Poetastro

Não rima
ainda quando havia trabalho
rimava o malho
se enchia a tulha
mesmo se de hulha...

talvez a poesia
rimasse com maresia
quando amanhecias no cais

agora cais na modorra
a fé dura menos de uma hora...

talvez a poesia
pudesse rimar com melancolia
se o tempo não fosse de agonia...

 

20.3.15

O Livro dos Homens sem Luz

O Livro dos Homens sem Luz (2004), de João Tordo (n. 1975).

Este primeiro romance é constituído por quatro tempos, com início em 1919 e termo em 1959: Diários de Londres (I); Soterrados (II); Insónia (III); Brighton (IV). 

A maioria dos leitores, ao descobrir este novo romancista, pôs em destaque a sobriedade do léxico, do estilo e da construção, por vezes labiríntica. Entretanto, quanto ao temário, vale a pena destacar a solidão, sobretudo, do homem... embora a mulher se revele mais resistente e audaz, e a dor, sem esquecer a angústia e a náusea. 

Dir-se-á que o autor quis pôr à prova a resistência humana, explorando os limites e as taras na duração desenhada de forma linear e sequencial. Num século de guerras (XX), a paz continuou a ser tempo de tortura. Depois da mecanização, da espionagem e da guerra, os emparedados continuaram a ser torturados num universo onde pontificam as soluções apresentadas pelas novas ciências do espírito - a psicologia e a psiquiatria.

No final, em parte incerta, continuam Joseph, Magda e Daniel... talvez, a luz arredia... 

 

19.3.15

Vais ficando para trás...

Vais ficando para trás. Por enquanto, vislumbro ainda um rosto, sisudo que, em raras horas, se abria para a novidade. Nunca falámos verdadeiramente, havia sempre contas por ajustar... O tempo não era de afetos, horas severas de míngua e de distância...

A partir de uma certa mudança, já não exigias nada, mas creio que ainda esperavas alguma coisa. Depois, numa certa manhã, deixaste de ser capaz de suportar o fardo, e antecipaste a partida e nada mais disseste. Eu ainda esperei sete dias... e partiste novamente a salto e eu fiquei do lado de cá da fronteira...

Vais ficando para trás. Paradoxalmente, eu estou cada vez mais perto...

(No dia do Pai.)

Tem português que é cego e surdo!

De acordo com o Boletim Estatístico hoje divulgado pelo BdP, a dívida pública na ótica de Maastricht, a que conta para Bruxelas, subiu de 224.477 milhões de euros em dezembro de 2014 para 231.083 milhões em janeiro deste ano.

Também a dívida líquida de depósitos da administração central subiu entre os dois meses, em cerca de 170 milhões de euros, de 206.971 milhões em dezembro para 207.143 milhões de euros em janeiro.

Não há dia nem lugar em que os governantes não nos assegurem que a situação financeira e económica recupera de forma sustentada. Perante tal argumento, os portugueses dormem descansados e mesmo os que não têm trabalho continuam, sorridentes, à espera....

Afinal, ignorantes como somos, que importa que a dívida pública tenha atingido, em janeiro de 2015, o valor de 231.083 milhões de euros? 

Entretanto, a contabilista da República assegura que os cofres estão cheios. Quais? De quem?

Tem português que é cego e surdo!

 

18.3.15

Nunca fomos tão felizes!

Há cada vez menos lugares que não se encontrem sob vigilância ativa ou passiva. Consequência: vivemos no tempo da encenação. Nem os narcisistas podem espreitar o espelho da imperfeição sem que uma sombra lhes perturbe o olhar...

Talvez a máscara pudesse ajudar a preservar a intimidade ou até a naturalidade, mas, nos dias vigilantes, o uso de máscara torna-nos suspeitos.

Por um tempo, a censura interna e externa ocupou-se da tarefa de nos colocar na ordem, e a ambição do homem passou a ser soltar-se, derrubar os muros duramente edificados...

 

Entretanto, por agora, somos extensões e carregamos próteses de redes que nos prometem que nunca mais estaremos sós. 

Tudo o que dizemos ou fazemos e até sonhamos está sob custódia 24 horas por dia, independentemente do lugar onde nos encontremos...

Nunca fomos tão felizes! 

 

17.3.15

Dos homens...

Não me parece que «os homens sem luz» (João Tordo, O Livro dos Homens sem Luz) sejam semelhantes aos «homens falsos» (Alberto Caeiro, Se às vezes digo que as flores sorriem). 

Caeiro confessa que escreve, «sacrifica(ndo-se) às vezes / à sua estupidez de sentidos» porque estes homens, à força de argumentos mais ou menos místicos, insistem em inventar sentidos e tropos sem qualquer cabimento... Os homens, ao soltarem-se da Natureza, tornam-se bipolares: esmagados pela vaidade não resistem à depressão e vivem sós até que a morte os restitua à Natureza...

Por seu turno, «os homens sem luz» vivem em espaços concentracionários reveladores da sua verdadeira condição: bichos que se vão soltando das grilhetas que eles próprios produziram para os seus semelhantes... Libertos da verticalidade, emudecem em pântanos de asfixia...

Quando, por instantes, ouço ou leio os títulos das notícias do dia, fico com a sensação de que os homens sacanas de Miguel Cadilhe não fazem parte nem dos «homens falsos» nem dos «homens sem luz». São de outra espécie ou, melhor, de outra casta mais elevada...

 

16.3.15

Uma nova tese sebástica

A liberdade tem um preço que nem todos querem pagar.

Esta era a tese e, de repente, uma nova tese, cuja fonte me recuso a citar: «como foi o caso de D. Sebastião que para não enfrentar a guerra e a possível derrota, fugiu às suas responsabilidades como rei.»

Afinal, o rei Dom Sebastião desapareceu antes de entrar em combate. Provavelmente, nem terá partido. Talvez tenha apodrecido nos cárceres da Santíssima Inquisição, às ordens do Inquisidor-Geral, Cardeal Dom Henrique, demasiado apegado à governação dos assuntos terrenos...

Esta nova explicação da História de Portugal é um exemplo de como a liberdade não tem preço ... De repente, uma nova verdade saltou dos braços da liberdade! Pode ser uma verdade imperfeita, mas faz sentido... 

Se o objetivo da perfeição se perdeu na secura das areias, que falta faz o rigor, que falta faz o sentido da responsabilidade?

 

15.3.15

(Des)apontamento

A - Na Fundação Calouste Gulbenkian, José V. de Pina Martins - Uma Biblioteca Humanista - sob o lema, um pouco pretensioso, Os objetos procuram aqueles que os amam...

Trata-se de uma "biblioteca" geográfica, no tempo e no espaço, que procura pôr em diálogo alguns dos vultos mais importantes do humanismo europeu. 

No que me diz respeito, José V. de Pina Martins sempre foi uma fonte preciosa para a abordagem da cultura e da literatura do final da Idade Média e dos séculos XV e XVI. Só que com a passagem do tempo, vi-me obrigado a afastar-me de tal época, um pouco como se o passado fosse causa dos males presentes...

B - Segundo o jornal Folha de São Paulo, na sua versão online, os manifestantes já estão nas ruas em cidades como Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Salvador, Brasília e, até ao momento, os protestos estão a ser pacíficos.

Em causa está a cumplicidade da Presidente (a) do Brasil com a corrupção.

Por cá, há quem diga, na rádio, o que certos meios políticos pensam: AS RUAS SÃO UM SÍTIO PARA ANDAR... Falta-lhes, no entanto, a coragem. 

Por enquanto!

 

14.3.15

A última viagem

Passo imensas horas a tentar descodificar tortuosas e minúsculas caligrafias. Por vezes, para além de introvertidas, estas caligrafias são expressão de manifesta esquizofrenia... 

E à horrível caligrafia, há que acrescentar uma sintaxe desconexa, resultante não só da dificuldade em coordenar e hierarquizar ideias, mas, sobretudo, de memorização de última hora, apressada e, consequentemente, descontextualizada.

Das palavras e das ideias, é melhor nada dizer ou, em alternativa, substituí-las por EU.

Há por aí quem defenda a leitura global, capaz de estabelecer ligações entre diferentes épocas e o presente do leitor, sem que este tenha de aprender a interpretar de per si cada texto, cada época. Trata-se de aprender a ler, sem aparato, como aqueles turistas que viajam sem bagagem. Basta-lhes o cartão de crédito para pôr cobro a qualquer dificuldade que possa surgir...

Se este for o caminho, a escrita também passará a ser global, semafórica, se tal palavra existe... De mal ficaria comigo, se aqui não confessasse que a culpa de tudo, isto é, da velocidade e do ruído... Claro que um dia todos viajaremos sem aparato, a não ser que alguém acene por nós com o cartão de crédito, para gáudio do barqueiro... 

 

13.3.15

Por decisão da Conveniência

O cidadão comum pode errar, o governante não!

Este é um argumento que vai fazendo o seu caminho para defesa da classe política. Isto é, suspenda-se a autópsia do homem de estado, porque não é da natureza do exercício do poder corromper nem se deixar corromper e, portanto, o melhor é não mexer no passado porque, no que para trás ficou, não haverá cidadão impoluto. 

Todo o cidadão se esqueceu, uma manhã ou uma tarde, de pagar uma multa, de declarar ao fisco uma remuneração ou até de comprar ou vender um qualquer móvel ou imóvel por um preço combinado para efeitos de declaração...

O melhor é não meter as mãos na lama em que vivemos atolados! Se por um qualquer bambúrrio do destino, formos eleitos ou mesmo nomeados para um cargo público, esse passado, por decisão da Conveniência deve ser esquecido até que o mesmo destino se encarregue de nos devolver ao charco em que habitualmente chafurdamos - o charco dos homens imperfeitos... 

Nesse dia, poderemos ser detidos para que se faça a prova material. E aguardar o tempo que for conveniente...

 

12.3.15

Parecemos grandes...

"Inutilmente parecemos grandes." Ricardo Reis

Falamos mais alto, mandamos calar. Senhores da palavra, derrubamos ao acaso... só porque o castelo parece nos aguardar no cimo da vaidade... Não fosse o nevoeiro, o castelo não nos escaparia!

O problema não é tanto a vida que levamos, mas aquela que imaginamos como nossa, assente na areia que a maré move a seu belo prazer...

De qualquer modo, insistimos em construir castelos na areia, mesmo quando o mar avança.  E quando a onda quebra o espelho, compramos um novo ainda maior...e colocamo-lo ao cimo da escadaria.

Só que lá as línguas confundem-se e ficamos a falar sozinhos. Tal como eu!

11.3.15

Paradoxo

Hoje, tantas foram as tarefas, tão absorventes e tão inócuas que, para registo, nada sobra, a não ser aquela entrada na travessa do boqueirão da qual me vi obrigado a sair de marcha atrás...

Claro que também poderia aqui registar a história daqueles seres maviosos que insistem em mostrar que estão ativos e que a vida existe para além da encenação diária, sem falar dos outros que ignoram por inteiro o significado de termos como 'garrote franquista' 'discricionário', 'belicoso', 'complacente'...

Vou ficar por aqui, porque, se continuo, deixo de ser complacente e acabarão por acusar-me de belicoso e merecedor de um qualquer garrote seja ele de Franco, de Putin ou do Estado Islâmico, sem esquecer os restantes ditadores, passados e futuros... 

 

10.3.15

Debalde, fujo da anacronia...

«Passamos e agitamo-nos debalde.» Ricardo Reis

Quando menos esperava, fui interpelado por causa do significado de 'debalde'. Pensava eu que o termo seria comum! E para minha maior surpresa, também, no mesmo contexto, surgiu a dúvida sobre o significado de 'anacrónico'.

De imediato, conclui que o advérbio 'debalde" será atualmente ‘anacrónico'. Mas será só isso? Talvez, mesmo sem de tal terem consciência, os meus interlocutores tenham optado pelo caminho mais fácil, preferindo a modorra dos dias... a qualquer esforço. Uma das vítimas dessa apatia é a língua portuguesa, cada vez mais maltratada. 

A leitura tornou-se um fardo, e a consulta do dicionário, uma maçada... Por exemplo, ler 30 linhas do Discurso da Guarda (1977), de Jorge de Sena, deixa de rastos qualquer finalista do ensino secundário...

Para terminar, lá tive de explicar que não passo de um professor anacrónico. Debalde!

 

9.3.15

De regresso a Mafra

Quase todos os anos, visito Mafra no âmbito do estudo do romance Memorial do Convento. A visita de hoje terá sido a última!

A sensação que me fica, no entanto, é a de sempre: uma vila em que o ordenamento do território mistura o rústico com o urbano, ou melhor, em que a construção dos interesses do PSD foi destruindo a paisagem rural, sob o efeito oceânico.

No longínquo ano letivo de 1977/78, lecionei na antiga escola de Mafra. À época a relação com o Convento era mínima - era uma presença imponente, filha de um rei hipocondríaco e megalómano, oficialmente catolicíssimo e magnânimo, que tinha desbaratado o ouro do Brasil e espezinhado o povo... 

Era um tempo de feroz luta política entre o PSD e o PCP, como nunca encontrei em qualquer outra escola. O PSD ganhou, transformando o concelho num feudo alimentado pelo "ouro" da Europa, havendo tempo em que o Convento se tornou em arma de arremesso político, quando José Saramago ousou pôr a nu o desvario de D. João V..., mas rapidamente o Convento se tornou na galinha de ovos de ouro local, por conta das centenas de milhares de alunos que ali rumaram, embora muitas vezes o fizessem a contragosto, sem esquecer os milhares de estrangeiros que se deslocaram a Mafra não porque D. João V tivesse mandado construir o Convento, mas porque Saramago escreveu o Memorial do Convento...

Hoje, regressei a Mafra. No essencial, a riqueza não eliminou a pobreza. O Convento dá sinais de falta de obras de manutenção; fico até com a sensação de que há peças que desapareceram e que outras surgem ali como se se tratasse de um quarto de arrumos. A visita cobre cada vez menos aposentos, havendo espaços fechados que, se estivessem abertos, nos dariam outra visão do edifício e dos arredores... e os alunos, hoje, mostraram-se muito interessados nos morcegos, quando, outrora, o fascínio se centrava nos ratos que engoliam soldados, livrando-os de partir para as áfricas, perdidos os brasis e as índias...    

  

8.3.15

Estou sem palavras!

E parece que vou continuar assim por uns tempos. É a melhor estratégia, quando as palavras se atropelam em formas assassinas e nos arrasam as conexões...

Ou tudo se dilui ou as palavras ganham corpo e arrasam-nos a alma...

 

7.3.15

O estoicismo

Apesar de valorizar o estoicismo, hoje sinto-me como aquele homem que foi submetido a tratos de polé sem saber porquê.

Gastou o dia preso a uma cadeira, às voltas com uma sintaxe de trapos... e, ao mesmo tempo, ainda foi abençoado com umas tantas acusações de fazer um ladrão corar de vergonha.

O estoicismo é uma filosofia recomendada para estas situações, isto se o coração ainda tiver músculo suficiente para não se apagar, que as pernas, essas já deixam muito a desejar... 

 

A expectativa do estoico é que ainda possa viver um novo dia! Sejamos estoicos!

 

6.3.15

A culpa é do carteiro!

Infelizmente, o carteiro nunca se esquece de me entregar as missivas da Segurança Social e das Finanças. Além disso, como sou um cidadão em linha, estes serviços também não se esquecem de me enviar uns tantos emails a recordar-me as minhas obrigações, sem esquecer os meus familiares...

Quanto ao primeiro-ministro, nunca me passou pela cabeça que o carteiro se esquecesse dele e, sobretudo, que ele tenha levado uma vida tão fora de linha...

Só não entendo como é que paisano tão anónimo e despojado conseguiu chegar a primeiro-ministro!

 

5.3.15

Não está fácil!

Marco Aurélio (Livro VIII, 5) recomenda: «Primeiro não te deixes perturbar, porque tudo se passa de acordo com a natureza universal e em breve não existirás, como já não existem Adriano e Augusto.»  

Não fossem as grilhetas que nos prendem por fraqueza antiga, a recomendação seria apaziguadora. Mais do que o futuro é a engrenagem que nos perturba, são os elos e os laços que nos martirizam. 

Por outro lado, «fixos os olhos na tarefa» que nos resta, nem sempre é fácil observá-la bem, e executá-la «da maneira que nos pareça mais conforme à justiça», porque, na verdade, nunca sabemos o que é a justiça - em certos dias, parece uma enguia que nem com uma folha de figueira é possível agarrar.

Por fim, Marco Aurélio recomenda que façamos tudo «de bom humor, com modéstia e sem astúcia». Marco Aurélio deve ter sido um santo homem, nós é que não. Com tanta víbora nos matos, como é que podemos encarar estes dias «de bom humor, com modéstia e sem astúcia»? 

 

4.3.15

Pobres estrelas cadentes!

Muita diligência e pouca aprendizagem!

Em resumo, o cansaço não tem justificação, porque mais vale um prato de lentilhas do que uma página de José Saramago.

A expectativa da viagem esgota-se na preocupação de a encurtar e, sobretudo, na vontade de nada saber... as palavras vivem assombradas pela vacuidade, mas não incomodam, são satélites à deriva em torno de pequenas estrelas fátuas que cruzam o firmamento em bebedeiras de amuos e de responsos...

Por comodismo, as estrelas andam há anos a aprender a escrever textos de 200 a 300 palavras e, como castigo, são ritualmente obrigadas a encontrar argumentos e respetivos exemplos, enquanto «o diabo esfrega um olho», sem qualquer proveito e relevância... Na verdade, há muito que as estrelas deixaram de pensar!

Sabe-se que nas madraças, o pensamento é blasfémia, filha da proscrita Agar, e que Ismael só sabe recitar; e esconde-se que nas nossas escolas, as estrelas nem recitar sabem quanto mais blasfemar... E tudo porque ninguém as ensina a pensar... Pobres estrelas cadentes!    

 

3.3.15

Passos previsto por Marco Aurélio

«Os factos consequentes têm sempre com os precedentes um laço de afinidade. E não é como uma série de membros isolados, que teriam somente um carácter de necessidade; é um encadeamento lógico e, tal como os seres estão ordenados harmoniosamente, assim os acontecimentos manifestam não uma simples sucessão, mas ainda uma admirável afinidade.» Marco Aurélio, Pensamentos Para Mim Próprio, Livro IV, 45.

Passos não leu Marco Aurélio, mas é um homem sério que age sempre de acordo com o grau de conhecimento que tem em cada momento. Paga o que deve, mesmo se a dívida tiver prescrito, e por isso somos governados por um homem que não é perfeito, mas dorme como um justo.

A Igreja de Passos sabe que até Jesus Cristo hesitou antes de cumprir a vontade do Senhor e, como tal, mantém-se fiel à espera da ressurreição.

Aleluia!  

 

2.3.15

Pierrot que nunca ninguém soube que houve

Ontem, fui visitar a exposição ALMADA NEGREIROS - Pierrot que nunca ninguém soube que houve -, no Museu de Eletricidade. 

Apesar de os quadros mais importantes se encontrarem no Museu de Arte Moderna (FCG), a exposição dá conta de um percurso nem sempre conhecido e, sobretudo, do falso lado ingénuo do autor multifacetado, cujo saber crítico e pluridisciplinar é posto em relevo no acervo apresentado. Um estudioso incontornável do "fazer" do outro e, ao mesmo tempo, criador de uma obra singular que, apesar de modernista, não descurava a tradição portuguesa e europeia.

Pena é que, em nome de um cânone reducionista, a sua obra esteja cada vez mais esquecida, nomeadamente nas nossas escolas!

A exposição está aberta ao público até 29 de Março de 2015. A não perder! A entrada é gratuita.

 

1.3.15

De que tem mais medo?

«Tornou Blimunda a perguntar, De que tem mais medo, padre Bartolomeu Lourenço, do que poderá vir a acontecer, ou do que está acontecendo...» José Saramago, Memorial do Convento, 16ª edição, pág.192

Na verdade, o futuro não me pode amedrontar. Só o presente, receio, pois subo e desço e mais não sinto do que mediocridade, do que perversidade...

Se fosse à pesca, talvez pudesse sentar-me, em equilíbrio instável, e esperar que a tainha mordesse o isco... 

 

28.2.15

Falsas vítimas

«... a própria vítima deseja ativamente o crime de que será vítima para que, como mártir, possa entrar no Paraíso e enviar o criminoso para o Inferno, onde arderá.» Fethi Beslama, La psychanalyse à l'épreuve de L'Islam, Paris, Aubier, 2002

Não é só Caim que deseja a morte, pois Abel participa ativamente nesse desejo, provocando Caim para que este o mate, para que também ele se liberte dos seus pecados. (Slavoj Zizek, Uma Vista de Olhos aos Arquivos do Islão)

É neste jogo que a Humanidade se deixou encerrar ao não ter resolvido o problema das linhagens, nascido da esterilidade de Sarai, esposa de Abraão, e da impulsividade da escrava Agar, que deu à luz Ismael, filho de Abraão.

A fixação nesse longínquo passado continua a assombrar os nossos dias... Ou, pelo menos, é pretexto para justificar, em nome de Alá / Jeová, as ideologias que só aparentemente são rivais, já que a morte de uma traria consigo a morte da outra...  

 

 

 

 

 

27.2.15

Tema adiado

Como ser justo poderia ser o tema deste apontamento. 

No entanto, o rei ordenou que se construísse um convento como agradecimento pela gravidez da rainha, e o romancista decide inventar um amor bestial, liberto de qualquer convenção e de qualquer precaução...

O rei, garanhão público, sentia-se humilhado pela esterilidade da austríaca...e esta, afogada em percevejos reais, só ao confessor poderia dizer a verdadeira causa do desconchavo - o que a História estabeleceu, devido ao segredo da confissão, acabou por não transpirar para a história dos fracassos originais... A culpa é do romancista e de mais ninguém!

Quanto a mim, José Saramago foi injusto com a rainha, sempre cercada pelo cunhado, de seu nome Francisco, famoso marialva caçador de marujos...

E acima de tudo, José Saramago foi injusto com o maneta e com a caçadora de almas moribundas que, sem cortesia, se amavam em qualquer esteira ou monte de palha, sem que daí resultasse qualquer prole, a única riqueza dos pobres... E nem se pode acusá-los de não terem construído qualquer engenhoca: ambos trabalharam na construção da passarola, sem esquecer que Baltasar se cansou a empurrar a carreta... E como recompensa, Blimunda esgota-se como peregrina e o maneta apaga-se no fogo da Inquisição... ao lado de «um que fazia comédias de bonifrates e se chamava António José da Silva» que tanto deliciavam sua majestade D. João V, o Magnânimo...

Em conclusão, mesmo para escrever este apontamento, em que o tema foi adiado, foi necessário ter, um dia, lido o Memorial do Convento. Por mais que digam o contrário, ser justo exige que se seja capaz de distinguir o leitor do charlatão...

 

26.2.15

Livres de senhores

«O universalismo de uma sociedade liberal ocidental não reside no facto de os seus valores (direitos humanos, etc.) serem universais no sentido de se aplicarem a TODAS as culturas, mas num sentido muito mais radical: isto é, nessa sociedade os indivíduos relacionam-se consigo próprios como "universais", participam diretamente na dimensão universal, contornando a sua posição social particular.» Slavoj Zizek, O Islão é Charlie? editora Objetiva, fev. 2015

Quem procura uma sociedade livre de senhores só pode incomodar! 

Uma sociedade feita de indivíduos que se relacionam como "universais" e não como extensões de culturas, subordinadas a valores religiosos ou laicos, é o que parece defender o filósofo esloveno, Slavoj Zizek...

 

A leitura da última reflexão deste filósofo é da maior atualidade, até pela sua natureza provocatória. Na perspetiva de Slavoj Zizek, a Filosofia não existe para dar respostas, mas sim para fazer as perguntas certas. 

 

25.2.15

Se pouco mais sou...

Não muito longe, há quem perfure e martele de forma descontinuada! Não digo que tal aconteça todos os dias, mas o batuque tende a ecoar sempre que alguém vem, a título cada vez menos definitivo, instalar-se num dos apartamentos vizinhos.

O Destino assim terá determinado e eu não possa fazer mais do que cumprir... Afinal, de que serve o meu desejo de calma se pouco mais sou do que «pedra na orla do canteiro"!

Impedido de desafiar o Fado, aceito, resigno-me e abdico estoicamente de qualquer gesto mais abrupto.

O problema é que o ruído não chega apenas ao entardecer. A (minha) Sorte dita que, logo pela manhã, eu inicie a via-sacra do rumor. Assim é ao longo do dia até que a perfuradora e o martelo, de forma descontinuada, completem o ciclo. E mesmo quando adormeço, os meus sonhos misturam jovens estridentes com o martelar de sirenes apressadas...

Que pena que a Fortuna não tenha determinado que eu seja apenas uma «pedra na orla do canteiro"!

 

24.2.15

Em política, a semântica é uma batata...

“Antes que seja tarde demais: O facto da Troika ter sido renomeada “as Instituições”, o Memorando ter sido renomeado “Acordo” e os credores terem sido renomeados de “Parceiros” – da mesma forma que batizando a carne de peixe – não altera a situação anterior. Não podem mudar o voto do povo Grego nas eleições de 25 de Janeiro."

Manolo Clezos, deputado europeu grego opõe-se à decisão do seu partido - Syriza - de alargar o programa de assistência da zona euro.

Com 94 anos, Manolo já deveria ter aprendido que, em política, a semântica é uma batata e o povo bala para canhão.

E como tal, os Gregos (tal como os Portugueses!) ou comem batata ou servem de balas para canhão!

Que venha o diabo e escolha!

PS. Os Mexicanos bem tentaram matar os espanhóis dando-lhes a batata (tubérculo venenoso) a comer. Só que os espanhóis, através da cozedura do tubérculo, anularam-lhe o veneno. E assim se quebrou a "lógica" inicial...

 

23.2.15

No limiar

Antes do limiar, eu conhecera o portal e, em certos dias, apenas o postigo. As palavras podem parecer sinónimas, mas para mim nunca o foram. Cada uma retrata um certo tempo, desde logo perdido. Hoje, portal e postigo mais não são do que memória de espaços distintos, com maior ou menor abertura para o mundo, isto é, a rua... De pouco me serve recordá-los - quem lá habitou já lá não mora...

De momento, vivo no limiar. Por enquanto, porque há momentos tão intensos que temo que a corda parta...

Na verdade, vivemos sempre no limiar, só que o não sabemos.

 

22.2.15

Meus pensamentos

"São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.
"
Fernando Pessoa

Ontem, atribui inadvertidamente a Ricardo Reis um poema de Pessoa ortónimo. Diga-se que ninguém protestou, talvez por comiseração... A verdade é que me deixei embalar pela sintaxe!

Se o Poeta reconhece que o seu pensamento se corporiza apesar da sua nudez, se reconhece que o seu pensamento mais não é do que poeira do deserto, ultimamente, o meu pensamento não para de me trair como se apenas sobrasse um corpo donde ele se quisesse ausentar definitivamente. E talvez não fosse má ideia!

 

21.2.15

Passemos à frente

Boiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa,
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

Boiam como folhas mortas
à tona de águas paradas.
(..)
Fernando Pessoa 

Caruma já se ocupou várias vezes da COMPARAÇÃO, explicitando que ela exige dois termos. E sobretudo que o segundo termo é concreto (arrancado à vivência do autor), visando explicitar uma realidade não palpável, abstrata.

Comparações: Meus pensamentos de mágoa / boiam /como as algas // boiam como folhas mortas /... 

Inacreditavelmente, muitos alunos do 12º ano confundem a comparação com a metáfora, embora não saibam explicar a analogia mental que suporta a segunda. 

Afinal, o que será uma analogia? Será o mesmo que uma comparação? 

Por outro lado, na sequência / Meus pensamentos de mágoa, / Como, no sono dos ventos /As algas, cabelos lentos..., muitos alunos do 12º ano ignoram a VÍRGULA... concluindo que «no sono dos ventos» é o 2º termo da comparação. 

Afinal, qual é a função da vírgula?

Ler Fernando Pessoa exige particular atenção à construção sintática de matriz latina, num tempo em que o Latim foi desprezado. Segundo a orientação didática em uso nas nossas Casas de Letras, o melhor é passar à frente: o importante é procurar a "permeabilidade" entre os textos (versão eufemística da intertextualidade), desvalorizando a interpretação, reservada a hermeneutas.

 

20.2.15

Dá pena!

Chegam atrasados e sentam-se como se nada estivesse a acontecer. Dois dedos de conversa à direita e à esquerda... e sorriem ou, em alternativa, adormecem. 

Dá pena vê-los assim ora tão desempoeirados ora tão anestesiados. Quando interpelados, mostram-se seguros das suas convicções, chegando, por vezes, a levantar a voz...

A causa primeira reside na falta de objetivos bem definidos e calendarizados. Como explicação, confessam que ainda não descobriram a vocação. Mas, na verdade, a única vocação que lhes descubro é a da vida fácil... tão fácil que nem o "carpe diem" de Ricardo Reis lhes desperta especial atenção.

 

19.2.15

Ler Fernando Pessoa

O vento sopra agreste e eu sinto o frio, o que me permite pensar que, apesar do sol ser fonte de calor, circunstâncias há em que devemos, a todo o custo, evitar os passeios sombrios...pois o meu pensamento é totalmente ineficaz se os meus sentidos estiverem desativados.

Esta parece ser uma ideia simples que não autoriza qualquer dissociação do Sentir e do Pensar, ao contrário do que defendem muitos leitores de Fernando Pessoa.

Na verdade, Fernando Pessoa limitou-se a condenar todos aqueles que viviam de ideias que não tinham origem nos sentidos. Ideias mistificadoras e que traziam infelicidade, desnaturalizavam e descorporizavam cada ser humano - já que a humanidade não passa de um mito simplista, mas demolidor.

Cada heterónimo é expressão de um pensamento enraizado em sensações, mesmo que hipoteticamente excessivas ou demasiado ensimesmadas...

Ler Fernando Pessoa é, antes de mais, evitar os passeios sombrios...

 

18.2.15

As palavras soltam-se...

As palavras soltam-se e arrastam consigo mil e uma histórias. Na maioria dos casos, não há evento, há apenas a necessidade de ligar palavras, cores, objetos, reminiscências, memórias reinventadas. Claro que Alice acredita que se trata de recordações e, nessa matéria, ninguém a pode contrariar. 

E para quê contrariá-la? O passado é uma fonte inesgotável e, apesar de tudo, agradável se comparado com o presente.

No presente, os demónios soltam-se em línguas de fogo, prontos a imolar todo aquele que defenda uma ideia diferente, todo aquele que ouse replicar...

A réplica só traz fúria. Uma fúria antiquíssima!

Quanto às histórias de Alice, é pena que ela não as passe ao papel. Seriam divertidas e fariam bem à saúde...

 

17.2.15

O pelourinho de Kierkegaard

 Um pelourinho mesmo por cima dum fontanário! 

Aqui, nada se perde. Neste cenário, o exposto podia ser supliciado, deixando-o morrer à sede. Ou, em alternativa, o sangue do supliciado poderia cair diretamente na fonte, servindo de alimento aos filhos da noite.

Pena é que, com tantos vampiros à solta por esta austera Europa, o pelourinho mais não sirva do que para alvo fotográfico!

Entretanto, acabei de ler O Banquete, de Kierkegaard, e se bem o compreendi, deveria tê-lo lido aos vinte anos.

Já lá vai o tempo em que fui “mancebo”. Também nunca entendi a mulher como “facécia”, e embora pudesse ter acompanhado o pensamento do Eremita, tenho dificuldade em aceitar a opção da mulher-escrava. Para alfaiate-eunuco nunca tive queda, sobretudo para aceitar a tirania da moda. Finalmente, o imperativo categórico do Sedutor pode ser aliciante, mas acaba por se tornar ridículo com a idade… e porque, para além de tudo o mais, reduz a mulher à categoria de “objeto” …

 

16.2.15

Em Óbidos…

Em Óbidos, tudo pode acontecer: turismo rural junto ao Castelo e, sobretudo, a Igreja de Santiago transformada em Livraria! Pode ser que resulte, mas o culto do sagrado já teve melhores dias. Entrei e nada comprei!

A vila está apelativa, só que os turistas andam tesos e apressados. Ou será ilusão minha?

 

15.2.15

Ir a Óbidos no Domingo de Carnaval

Ir a Óbidos no Domingo de Carnaval é como mergulhar numa romaria medieval... À entrada do burgo, os autocarros libertam centenas de romeiros, sequiosos de ginja, e que fazem da rua Direita a sua via-sacra... Sorumbáticos, avançam e só sorriem quando se cruzam com alguma marafona. Na verdade, têm o tempo contado: a vida a sério está prometida mais para Sul. E antes de chegar a Torres Vedras, é necessário dar conta das marmitas e dos garrafões, condição necessária para esquecer as mágoas e libertar as grilhetas da seriedade...

Para trás, fica outro tempo: o tempo de outrora que é possível reencontrar no Museu - um tempo renascentista e maneirista, demasiado sagrado para a quadra carnavalesca... Talvez na Páscoa, alguns dos romeiros entrem no Museu de Óbidos! A entrada é gratuita. Pode ser que, nessa altura, ofereçam uma ginjinha...

 

14.2.15

O brilho difuso

O brilho difuso é o que sobra da nitidez. Ainda o arame farpado não tinha sido rasgado e já as cadeiras se dispersavam sob a calma estonteante do estio...

Os lugares de inverno sopram-nos para fora das ruas e deixam-nos presos à beira do arame farpado: há monólogos, tristes, sob lâmpadas fúnebres e, de tempo a tempo, um carro acelera... o movimento cresce, mas desaparece. 

Estamos à espera da nitidez das horas. Os olhos apagam-se e os ouvidos, inquietos, despertam. Por enquanto ainda há ruído. Mas até esse já começa a desesperar...

E depois há aquela vontade de desacertar os minutos, como se estes se deixassem enganar.

 

 

13.2.15

Passaram 50 anos!

Em 1965, não creio que tenha sabido da ignomínia. Nem me lembro do momento em que terei tomado conhecimento. Vivia num espaço fechado onde a política não fazia parte da formação do adolescente. Só mais tarde, aprendi de cor a Constituição do Estado Novo e me alertaram para "os males" da Constituição de 1911 - os males republicanos, laicos, democráticos ou seriam outros?

A verdade é que hoje a Constituição democrática não é ensinada nas escolas nem os jovens são alertados para os males "corporativos, nacionalistas colonialistas..." da Constituição do Estado Novo.

De vez em quando, a grei de cada época lembra-se de colocar umas lápides e de batizar uns tantos lugares com o nome das vítimas dos regimes, como se desse modo cumprisse o dever de formar gerações responsáveis e empreendedoras...

 

12.2.15

Nada dizer...

O tema de hoje é nada dizer ou, melhor, é evitar responder. A escrita corre por dentro, secando, a cada instante, a madeira do significante...

A madeira é de figueira, arde e não aquece... e o frio reaparece. E também o frio corre por dentro, secando a alma...

Nada dizer, nada escrever, esperar que o chicote das palavras emudeça...

Nada dizer... 

 

11.2.15

É apenas como o falar alto de quem lê...

Não tomando nada a sério, nem considerando que nos fosse dada, por certa, outra realidade que não as nossas sensações, nelas nos abrigamos, e a elas exploramos como a grandes países desconhecidos. E, se nos empregamos assiduamente, não só na contemplação estética, mas também na expressão dos seus modos e resultados, é que a prosa ou o verso que escrevemos, destituídos de vontade de querer convencer o alheio entendimento ou mover a alheia vontade, é apenas como o falar alto de quem lê, feito para dar plena objetividade ao prazer subjetivo da leitura.  Bernardo Soares

(Escola Secundária de Camões, 11.2.2015, às 17 horas, na Sala do Conselho)
O Clube LER PARA VIVER está de parabéns! 

Levou a cabo mais uma iniciativa de leitura pública, desta vez, tendo como fio condutor o verso de Fernando Pessoa / Alberto Caeiro, PELO TEJO VAI-SE PARA O MUNDO.

Sabemos, no entanto, que Caeiro prefere estar a partir:

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.

Para além do Tejo há a América

E a fortuna daqueles que a encontram.

Ninguém nunca pensou no que há para além

Do rio da minha aldeia.

 

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.

Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

 

Como diria Bernardo Soares, a prosa e o verso só não se anulam porque é deles que se nutre o prazer subjetivo da leitura, o que me leva a pensar que, para os membros do Clube, a verdadeira fruição, mais do que no trabalho coletivo apresentado, está no tempo de preparação do evento: na descoberta do movimento, do gesto, da cor e do som das águas subterrâneas em que os poetas habitam...

Entretanto, "o vermelho anoiteceu", terá sentido Álvaro de Campos. E talvez porque a noite, frequentemente, chega mais cedo, começo a pensar que o Clube LER para VIVER poderá ainda ter mais sucesso se, em vez de partir do Tejo, partir da ESCRITA como suporte de VIDA... mesmo quando a memória falha... 

Mas essa é a Vida de Alice...

 

10.2.15

Parece que há cada vez mais corvos

Parece que há cada vez mais corvos e, sobretudo, corvos juvenis. Não estranho, pois se há cada vez mais lixo, se este país está classificado como lixo, se a educação foi lançada ao caixote de lixo, se já só é possível encontrar trabalho nas lixeiras dos outros... A única especialização que parece fazer sentido é a da gestão do lixo coletivo - e essa tarefa está reservada aos políticos, saídos de institutos politécnicos (e outros) e de universidades de vão de escada...

Se há cada vez mais corvos é porque as ciências da morte estão em expansão - outrora, ciências humanas e da saúde...

De facto, o número de corvos juvenis cresce a cada dia que passa; todavia não os podemos acusar de nada, pois eles limitam-se a limpar a porcaria que vamos deixando passar sob os olhos baços...

 

 

9.2.15

O mundo de Alice

Apesar do domínio dos jogos de linguagem e do precioso contributo dos novos auxiliares de memória, Alice mergulha progressivamente numa memória recôndita, feita de imagens de lugares e de pessoas distantes... 

Alice é culta e inteligente, pensa saber o que quer e até onde pode chegar, mas a gramática da doença não obedece ao controlo da consciência... 

As novas leis são bem distintas, pondo à prova o espírito geométrico que habita Alice. Indefesa, ela vai ficando cada vez mais dependente e, sobretudo, à deriva. Mas luta!

A personagem parece dar conta da realidade, mas creio que não o consegue. Não consegue dar conta da mudez intermitente, do olhar vazio, da sobreposição dos lugares, dos rostos trocados, da irritabilidade desesperada, da incomunicabilidade, da morte antecipada... Não dá conta de todos aqueles que não lutam ou não podem lutar, de todos aqueles que acabam totalmente sós...

 

8.2.15

Hoje, O meu nome é Alice

Hoje, O meu nome é Alice, comovente filme sobre uma doença que em nada me é indiferente. Julianne Moore representa com extraordinário realismo a progressiva perda de referências de uma doente de alzheimer...

É um daqueles filmes que me incomoda profundamente, talvez porque me serve de espelho, ao revelar-me que as lacunas, os lapsos e as perturbações de linguagem mais não são do que sinais de envelhecimento precoce... e que envergonham porque aos olhos dos outros são manifestações ridículas...

 

7.2.15

Contrariamente ao que foi publicado, Caruma nunca leu Fernando Pessoa

Kierkegaard construía personagens que, no final, se mostravam eles mesmos personagens criados por outros personagens, e que precisamente haviam sido criados com o intuito de tanto confundir o leitor, fazendo com que este se pusesse a pensar por si mesmo, a escolher por si mesmo, quanto fazê-lo pensar sobre a existência, sobre os perigos e questões relacionados à existência. Unamuno entre Pessoa e Kierkegaard, Gabriel Guedes Rossatti

Caruma, por entre o frio, decidiu sair de casa e caminhar para dar cumprimento à ordem do Patrão, que só poderá viver um pouco mais se fizer exercício e reduzir o consumo de gorduras e de açucares. A vontade de Caruma era reduzida, mas, entretanto, recebera o encargo de Alma que acredita piamente que a hipotermia se cura com recurso a muitas gorduras e, sobretudo, açucares.

Solidária, Caruma partiu à procura das vitualhas, entrando sucessivamente em quatro pastelarias até que conseguiu, finalmente, encontrar os queques desejados, revestidos de nozes e pinhões...

Cumprido o desejo de Alma, Caruma olhou o relógio e percebeu que gastara uma hora... Uma hora de marcha, ora acelerada ora lenta. Talvez o Patrão tivesse ganho mais uns segundos de vida...

Enquanto as agulhas cumpriam a missão principal, a carqueja ocupava-se do discurso do mancebo de O Banquete, de Kierkegaard. Na verdade, ocupava-se do modo como Kierkegaard poderia ter influenciado Fernando Pessoa na criação da heteronímia...
Entretanto, passo a passo, atravessou-se na imaginação Don Miguel Unamuno, trazido pela mão de Gabriel Guedes Rossatti...

 

6.2.15

Da "compra da cura e da vida" à "palestra motivacional"...

Tudo serve para fazer propaganda! 

O ministro da Saúde declara que, a propósito do combate à hepatite C, «estamos a comprar a cura e a vida» ...

Álvaro de Campos que, no poema "Mestre, meu querido Mestre", dá o exemplo da "felicidade" do ser humano que, não da dele, ao, ousadamente, transformar um verbo intransitivo em transitivo e substituir os esperados hipónimos por hiperónimos, não teve a audácia de Paulo Macedo, ministro que é capaz, com o dinheiro dos contribuintes, de comprar a cura e a vida.

Feliz o homem, marçano,

Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,

Que tem a sua vida usual,

Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,

Que dorme sono,

Que come comida,

Que bebe bebida, e por isso tem alegria.

 

Tudo serve para fazer propaganda! 

Paulo Portas, ministro da propaganda, deu início a uma nova forma de persuasão: a palestra motivacional...

 

O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, pediu hoje aos cerca de 300 jovens que vão realizar estágios profissionais no estrangeiro, no âmbito do programa INOV Contacto, que sejam os embaixadores de Portugal e demonstrem que o país está em crescimento.

Dois exemplos para não cansar, porque o primeiro-ministro, secretários e sectários estão no terreno para provar que a austeridade acabou, os gregos enlouqueceram... e a culpa, no dizer do ex-ministro da educação, David Justino, é de quem formou os professores...

Tudo serve para fazer propaganda!  Até há quem faça propaganda por conta própria...

 

5.2.15

Definição

O revisionismo e o revivalismo, para além do saudosismo, sempre me fizeram questionar os seus intérpretes, mesmo que procure não os afrontar...

Dizer que há Platão ou Aristóteles nestas teclas surpreende, mas não clarifica o pensamento, essa entidade metafísica que impõe uma coerência impraticável e, sobretudo, arrasta consigo fundamentalismos absurdos e mortíferos...

Talvez este seja o argumento daqueles que ousam rejeitar a Religião, a Filosofia, a Ciência e a Política - os Poetas. Cedo compreenderam que a visão global, a coerência total, a lei e os fundamentos matam todos os que rejeitam o unanimismo...apenas uma linha pontilhada em que os passos em falso abundam, o fio se quebra a todo o momento, e a gramática se despedaça, sem ilusão nem necessidade de enraizamento...

 

4.2.15

Apesar do Sol...

Apesar do Sol, o frio entranha-se nos ossos e só a impressão esclarece a asneira que resulta da preguiça da colagem apressada e preguiçosa... o erro poderia ser humilhante e desaguar naquele reino onde vêm caindo os arrivistas que nos desgovernam...

«As matemáticas do ser», entretanto, despertaram-me para a evidência de que o TER substituiu o SER sem qualquer pejo - a Vida pouco ou nada vale a não ser para a notícia que, ao deixar de o ser, passa a objeto de propaganda indecorosa...

Apesar do Sol, o frio traz com ele a Morte, aliviando as finanças públicas e deixando um rasto de alegria nos rostos sorumbáticos que nos desgovernam... Apesar do sol, amanhã vou estar atento às cabras que continuam a retouçar à minha volta...

Apesar do sol, agora é a lâmpada elétrica que ilumina o tic-tac... o tic-tac, indiferente ao frio e aos ossos, indiferente ao ter e ao ser, indiferente à vida e à morte... indiferente à distante Brogueira onde nasceste para um destino que, apesar do Sol, não cumpriste. Mas há quem nos queira convencer do contrário. Paciência!  

 

3.2.15

Quem hoje ficou a remascar fui eu...

Na adolescência, acostumei-me a observar as cabras que, fosse no pasto ou no curral, não paravam de trincar. Baixavam a cabeça, abocanhavam, por exemplo, uma ramo de oliveira, e ficavam horas a triturá-lo e a ruminar.

Que me lembre, nunca deram pela minha presença. Olímpicas, cumpriam os dias e as noites e ponto final.

Algo hoje despertou em mim esta memória antiga, mas quem hoje ficou a remascar fui eu, pois ainda não perdi de todo o decoro...

 

2.2.15

Eu místico à força...

Tu, místico, vês uma significação em todas as coisas

Para ti tudo tem um sentido velado.

Há uma coisa oculta em cada coisa que vês.

O que vês, vê-lo sempre para veres outra coisa.

Para mim, graças a ter olhos só para ver,

Eu vejo ausência de significação em todas as coisas;

Vejo-o e amo-me, porque ser uma coisa é não significar nada.

Ser uma coisa é não ser suscetível de interpretação.

Alberto Caeiro

Que bom se eu conseguisse ser apenas uma coisa! Eu que fui educado como místico, apesar de contrariado, passos os dias a interpretar textos, comportamentos, pessoas... e quase que não dou atenção às coisas...

Melhor seria se ocupasse os dias só a ver, até porque, ao ouvir, não resisto a discernir o Bem do Mal, como se eu pudesse contribuir para melhorar o imundo mundo em que habito...

Doravante, prometo (promessa mística!) que vou apenas descrever... e já é bastante!

Hoje, estava o papagaio verde e amarelo no seu poleiro e o pardal comia-lhe a ração. Para mim, a ração era do papagaio, mas para o pardal, o cereal era seu...

Para mim, o pardal afrontava o papagaio, mas o papagaio só parecia interessado nas duas raparigas que se insultavam diante dele. E como é que eu sei que o papagaio estava interessado?

Vou ter de voltar ao início da descrição: hoje, no meu caminho vi uma pedra e fui obrigado a desviar-me... O que é que aquela pedra fazia no meu caminho? Quem é que a lá pôs?...

Em princípio, a pedra é uma coisa que existe para que eu a veja e para que eu possa desviar-me dela. Mas será só isso? 

 

 

1.2.15

O muro e a enxurrada

Há quem construa muros e quem sinta necessidade de os demolir ou, pelo menos, de os deixar ruir. Com ou sem razão, a evidência impõe dois lados para que possamos lastimar que a VIDA more do lado de lá.

Só quando o sono acontece, entramos nesse reino de ternura e de fartura... Infelizmente, o sono rareia e por isso procuramos a passagem seja através do verbo seja através da droga, autorizada ou não, pouco importa!

Ultimamente, o verbo tem nos anunciado uma nova realidade mágica e farta. As praças enchem-se de virtuosos da palavra, prontos, a num ápice, deitar abaixo o muro da tirania. Já não há tempo para o deixar ruir...

O problema é que este verbo é como a droga: não sabe que vencido o dique logo surge a enxurrada. 

 

31.1.15

Nada há de essencial no que fazemos...

«Ninguém se pode recordar senão do essencial (...) Aliás, nada há de essencial no que fazemos, apesar de todas as aparências.» Soren Kierkegaard, O Banquete.

Com tantas memórias disponíveis, parece possível compor uma grande quantidade de memoriais. E são tantos os memoriais que a História deixou de dar conta deles, preferindo ceder o lugar a outras ciências da memória... Algumas tão enfadonhas que se propõem repor os fundamentos e outras tão mirabolantes que não se cansam de anunciar futuros ora risonhos ora tristonhos...

Em comum, as memórias, mesmo quando na primeira pessoa, não passam de recordação do outro, à medida do interesse presente. E como tal, as leituras, embora aparentem ser plurais, não passam de projeções pessoais...

Um destes dias, confrontado com a pergunta "se valia a pena ler o que nada diz ao leitor" (no caso, a pergunta era de um leitor de 16/17 anos, obrigado a ler Fernando Pessoa), a resposta que me ocorreu foi ambígua, pois, afinal, eu estava ali a explicar que compreender Alberto Caeiro pressupõe que sejamos capazes de percecionar o mundo com os SENTIDOS, a cada momento... e, consequentemente, a memória não passa de um produto mental...

A verdade é que quanto mais vivemos de aparências mais valorizamos a memória.

 

 

30.1.15

O Tímido e as Mulheres

Pepetela (ou a editora?) deu ao romance de 2013 um título que convoca mais a leitora do que o leitor. Por que motivo? Preconceito... Quem escreve é o escritor, mas quem lê é a ...

Heitor, ao contrário do herói da fábula grega, sob a máscara de escritor em início de carreira, vê-se enredado numa teia feminina, em que a figura materna, apesar de distante, parece condicionar a sua relação com as mulheres - Tatiana, Marisa e Orquídea.

De qualquer modo, a teia amorosa não passe de um disfarce para o escritor acertar contas com o passado e o presente. Descreve sem qualquer timidez a avidez, a cupidez e a estupidez que governam Luanda... a explosão demográfica e a consequente expansão urbana são o pasto para a desigualdade social e para a corrida ao ouro por um grupo de aventureiros sem escrúpulos...

No entanto, refém do tempo heroico dos guerreiros libertadores, Pepetela tende a desculpabilizar os ex-militares, atirando para cima daqueles «que nunca fizeram a guerra... os bandidos urbanos» a responsabilidade pela criminalidade e pela corrupção que grassam na nova Angola... Lá bem para trás, fica o colono «o deus, o carrasco e o patrão, tudo numa pessoa.» 

Em síntese, Pepetela continua igual a si próprio: descreve com detalhe, por vezes sádico, a vitória da mulher sobre o homem e, sobretudo, mostra-se implacável na análise sociológica da vida económica luandense. Por fim, continua como nenhum outro escritor angolano, a enriquecer a língua portuguesa com vocábulos arrancados às línguas locais: maka, mambo, múkua, moringue, kuribotas, calús, ximbeco, zunga, zungueira, kubiko, jindungo, ngombelador, caínga, bumbanço, kumbú, kamba, zongola, bumbar, xingadela, cassule, kalundú, cacussos, malambas, kimbanda, funji, balado, canhangulo, camanguista, quinda, bassulado, muata-mor, chifuta, bafómetro, njango, kubikos, komba...

    

29.1.15

Tagarelice

Os tagarelas estão por todo o lado!

Liga-se a rádio, e ficamos a saber que as moscas são as culpadas das riscas das zebras, já não sei se das brancas se das pretas, sem esquecer os novos olhos da ministra das finanças, que brilham sempre que se veem num engarrafamento...

Entra-se numa sala de aula, e, apesar de sonolentos, os alunos tagarelam ininterruptamente. Nas avenidas do poder, os farsantes cavaqueiam a favor e contra, mesmo que desconheçam o problema...

A toda a hora, a televisão está ocupada por um conjunto de comadres e compadres que dissertam sobre tudo e nada. Nas redes sociais, a cegarrega é global.

Ponto comum: Já ninguém se ouve...

 

28.1.15

A lição do estoico na calçada de Epicuro

Um pouco de sol... por momentos, chego a rejeitá-lo, pois o excesso de nitidez conduz à cegueira.  O resto é inverno farto de questiúnculas saudadas por medíocres elegantes de si.

Talvez pudesse torcer a frase para que a noite surja na sua transparência, mas a noite impiedosa seca o pouco de sol que ainda corre em mim.

Amanhã é outro dia, mas a noite é sem fim!

O MSR dirá: ó professor, isto é tão triste!..., e eu mais não poderei que sorrir... (a lição do estoico na calçada de Epicuro) 

 

27.1.15

Ó senhor ministro, 20 erros de ortografia numa frase!

Ó senhor professor doutor Crato, 20 erros de ortografia numa frase! O senhor não sabe o que é uma frase, e é ministro...

Melhor seria que o senhor ministro deixasse quem sabe definir quais são as competências, os saberes e as ferramentas necessárias à formação dos docentes, em vez de nos assombrar com conceitos e critérios retrógrados.

Ó senhor ministro, há tantos sinais de analfabetismo nas nossas escolas que o senhor bem poderia autorizar que os diretores gizassem um plano para o erradicar, sem os entraves do costume... Não é por se multiplicar os testes e se apertar os critérios de avaliação que se irradia o cancro que mina o sistema educativo... 

Ó senhor ministro, 20 erros numa frase! 

 

26.1.15

As coligações impossíveis

Ultimamente, sinto que o ser humano está a mudar. Aquilo que outrora parecia fonte de tristeza, começou a ser deitado para trás das costas, dando lugar a uma garridice que nada faria esperar...

Ou talvez a mudança se deva, apenas, ao desaparecimento da censura social que culpabilizava qualquer gesto de maior atrevimento, de maior descaramento...

 

Quer no plano individual quer no plano coletivo, as coligações impossíveis serpenteiam nas avenidas da velha liberdade. Uma liberdade de chumbo!

No que me concerne, já pouco posso duvidar, pois tantas são as certezas! A não ser enfiar a cabeça dentro de água, como a personagem Lucrécio ... (Pepetela, O Tímido e as Mulheres).  

 

25.1.15

Liquidação...

O cliente entra no outlet de móveis. O objetivo é comprar um aparador com um mínimo de qualidade, ao mais baixo preço possível. Percorre lentamente todo o espaço de exposição, apercebendo-se de que o desconto anunciado é de 50% e que a maioria das peças apresenta defeitos de acabamento... Informa-se sobre o modo de entrega, ficando a saber que, se o cliente pagar, os móveis adquiridos serão entregues num curto prazo...

Entretanto, falara com dois ou três funcionários cujo objetivo primeiro era arrecadar o produto da venda. Aparentemente, tudo legal, apesar do outlet ocupar o espaço de uma grande cadeia de móveis falida...  

 Nos próximos tempos, iremos assistir à liquidação da Grécia e, de seguida, viver a nossa, caso nos deixemos levar pela irracionalidade romântica.

  

24.1.15

Nem Atenas nem Berlim!

A não ser que queiramos sangue nas ruas, o nosso destino está nas nossas mãos.

A solução grega é irrealista porque os dirigentes do Syriza não terão com quem negociar se a vitória, amanhã, lhes sorrir. Neste caso, não espero que os vencedores decidam capitular e por isso o caminho para a violência abrir-se-á, e as comportas abrir-se-ão ao tumulto incontrolável... a não ser pela força.

A solução alemã mais não traz do que a depuração dos povos do Sul da Europa. Esta está em curso há vários anos através da ditadura do euro. E nem a recente decisão de Mário Draghi de bombear €60 mil milhões por mês sobre a Europa porá termo à "limpeza", porque, afinal, 80% dos custos ficarão a cargo dos bancos centrais de cada país, o que, para Portugal, significa uma nova forma de nos afogar. 

Como tal, as próximas eleições portuguesas são decisivas para o nosso destino, no sentido em que precisamos de uma liderança que não opte nem pelo servilismo nem pela terra queimada.

 

 

23.1.15

À escuta

Há escutas sobre a vida interna do PS. O juiz mandou selá-las...

À boleia das trapalhadas do José Sócrates, os vampiros deliciaram-se a gravar todas as conversas de modo a caçá-lo...

Agora, as escutas seladas estão à ordem do tribunal dentro de um envelope... Por quanto tempo?

Será que também há escutas sobre a vida interna dos restantes partidos? Sobre as igrejas? Sobre os clubes desportivos? Sobre as empresas? Sobre qualquer cidadão?

Vivemos num estado totalitário em que tudo o que dizemos está sob escuta e pode ser utilizado contra nós...

Restam-nos os Gregos, convictos de que o voto democrático pode mudar a Europa, mas enganam-se redondamente. Pouco falta para mergulharem numa guerra intestina que acabará por dissolver-lhes o orgulho de terem sido o berço da civilização europeia...

 

22.1.15

O escritor Antônio Torres na ESCAMÕES

O escritor brasileiro bahiano Antônio Torres, convidado da Casa da América Latina para um encontro literário sobre as "Relações Transatlânticas", antecipou, perante uma plateia de jovens atentos e um pouco tímidos, o teor da palestra que iria proferir ao fim da tarde de hoje...

Refira-se que, apesar da sua obra não estar à venda em Portugal, Antônio Torres deixou no auditório o desejo de ler algumas das suas obras, designadamente, Os Homens dos Pés Redondos. Este romance, na verdade, nasceu aqui, em Lisboa, na Praça de Londres, no dia 25 de Junho de 1965, data da chegada a Portugal, onde acabou por viver e trabalhar três anos, na área da publicidade. Este livro regista o olhar de um jovem brasileiro sobre um povo envelhecido e acabrunhado, prisioneiro de um espaço concentracionário.

De entre a vasta obra, Antônio Torres abordou os temas de fundo autobiográfico e, sobretudo, histórico presentes em Um Cão Uivando para a Lua, Essa Terra (hoje, considerada uma obra-prima), O Cachorro e o Lobo, Meu Querido Canibal, O Nobre Sequestrador...

Sem descurar a explicação do trabalho ficcional e das relações do Brasil com a Europa do século XVI (Portugal e França), o entusiasmo do escritor foi evidente sempre que se referiu aos amigos que foi fazendo em Portugal ao longo de 50 anos, em particular Alexandre O'Neill, que o acolheu durante quatro meses em sua casa no nº 23 da Rua da Saudade, com a simples exigência de que ele se dedicasse à escrita... Entre os amigos referiu também Manuel Marcelino, Hélder Costa, Ary dos Santos, José Saramago, Lídia Jorge e, finalmente, mostrou grande agrado pela escrita da romancista Teolinda Gersão...

Em termos pedagógicos, valorizou a importância dos professores que, através da estratégia de leitura em voz alta, permitem que o jovem tome consciência da língua, em termos lexicais e sintáticos. E ainda, literária e pedagogicamente, foi visível o seu fascínio pela Carta de Pêro Vaz de Caminha sobre «o achamento do Brasil» e, pelos brasileiros José Alencar, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto...

A saudação, o enquadramento e a apresentação do escritor estiveram a cargo do diretor João Jaime Pires Antunes, da coordenadora da programação científica e cultural da Casa da América Latina, Maria Xavier, e da professora Dulce Silva, Coordenadora do Departamento de Estudos Portugueses.

Em conclusão, foi um colóquio muito inspirador só possível graças à iniciativa do professor José Esteves.

 

21.1.15

A hipotermia e os genéricos

Neste mês de Janeiro, a hipotermia tem me dado que pensar. Bem sei que a literatura médica defende que os velhos e as crianças são quem está mais atreito a sofrer com a súbita descida da temperatura corporal.

Compreendo que quem viva em lugares frios ou tenha caído, por exemplo, ao mar possa correr risco de vida. O mais difícil de entender é o caso daqueles, que não saindo de casa e beneficiando de uma temperatura doméstica moderada ou mesmo sobreaquecida, acabam por ver baixar a temperatura a níveis próximos dos 33 graus ou menos.

Ora, de ontem para hoje, descobri que os medicamentos que estes pacientes tomam podem ser um poderoso fator de hipotermia, sobretudo se se tratar de genéricos.

Não sendo médico nem farmacêutico, falta-me o conhecimento para fundamentar a minha suspeita, apesar de fonte médica ter confirmado que há genéricos que são extremamente perigosos, podendo levar à morte.

O que, no entanto, não me falta é a perceção de que o negócio do medicamento é extremamente lesivo da saúde pessoal e pública. 

Finalmente, nesta quadra de invernia, a Linha de Saúde 24 é uma amiga insubstituível. Imagine-se que, depois de uma longa espera, de um minucioso questionário de controlo feito ao paciente em estado de hipotermia (e de pânico!!!), o conselho chegou: agasalhe-se, beba leite e vá pelo seu pé até à urgência do Hospital de S. José...

 

20.1.15

Ouvido discreto

O desencanto parece vir com o tempo invernoso, mas este pouco terá que ver com a frustração das expectativas. 

Problema maior ainda desponta quando temos de enfrentar indivíduos cujos anseios não vão além da satisfação imediata de apetites primários. Isto é, há cada vez mais pessoas para quem o conhecimento é uma maçada, que preferem a linearidade do pensamento à indagação reflexiva.

Por outro lado, encontramos a cada passo quem, em vez de assumir responsavelmente as funções que lhe estão atribuídas, prefere delegar no outro... o outro existe para nos servir! Afinal, sempre foi assim ...

Razão tem Pessoa: Quem vê é só o que vê / Quem sente não é quem é.   

 

19.1.15

A sátira pode perder a razão?

No início, a palavra "sátira" significava mistura. Entre o século III antes de Cristo e o século V da nossa era, designava uma peça de teatro que misturava a prosa e o verso, e que fazia crítica de costumes...

Nesta perspetiva, a sátira foi um dos primeiros híbridos que procurou desbloquear, através do riso, conflitos passionais, religiosos, políticos, sociais...

O problema agrava-se sempre quando, face a face, se encontram aqueles que já perderam toda a vontade de rir. E eles são muitos!

Num mundo em que a laicidade se apresenta como guardiã da liberdade de expressão, acantonando o cristianismo, o islamismo, de forma ostensiva ou velada, ao não separar o poder religioso do poder secular, acaba por nos fazer sentir que a sátira pode ser muito perigosa para o futuro da humanidade.

Por outro lado, a vontade de rir também está a diminuir entre os "infiéis", levando-os a estratégica ou mercenariamente, aderir a movimentos que utilizam a religião como arma de arremesso...É por tudo isto que eu penso que o melhor é deixar Maomé em paz...

 

18.1.15

Discordo do senhor Cameron

«O primeiro-ministro britânico defendeu este domingo que numa sociedade livre existe o direito de "ser ofensivo com a religião dos outros", discordando dos limites da liberdade de expressão defendidos pelo Papa Francisco.


Na sequência da afirmação do senhor Cameron, os professores da escola multicultural inglesa devem estar-lhe gratos...Doravante, qualquer aluno poderá citar o primeiro-ministro para justificar comportamentos ofensivos.

Quanto a educação, fica tudo dito!

 

17.1.15

E se o «botas» tivesse sido preso?

Pouco provável, não é?

Lembrei-me dele a propósito da notícia de que José Sócrates luta com os serviços prisionais por causa de um par de botas... É triste!

Num país em que estão a morrer cerca de 500 pessoas por dia, em que há centenas de milhar sem emprego, em que todos dias cresce a precariedade, em que o BES, a PT e a TAP são desmantelados ou entregues a vampiros ... é triste que as botas de Sócrates, a namorada de Cristiano Ronaldo possam ser notícia...

Somos um país de tristes, de botas e de namoradas.

16.1.15

O desenho não mata, mas pode ajudar!

De acordo, os desenhos não matam!

No entanto, todos sabemos que os desenhos são essenciais na construção e na destruição. Embora não saibamos quem desenhou a natureza, e muitos sintam necessidade de atribuir essa ação a um Deus - o CRIADOR -, todos aceitamos que o homem, arquiteto civilizacional, não pode prescindir do desenho. Sem ele, não teríamos nem cidades nem armas...

O desenho é uma ferramenta essencial para o Bem e para o Mal.

Por outro lado, defender que o desenho não mata, pois isso limitaria a liberdade de ofender, é absurdo. O argumento é simultaneamente sedutor e perigoso. Lembra-me Carolino, o "Bexiguinha", no romance APARIÇÃO, de Vergílio Ferreira:

- «Os senhores julgam que eu sou um trouxa, todos vocês julgam que eu sou para aqui uma trampa. Mas enganam-se, mas enganam-se, sou um homem, sou eu! Eu posso! Eu, se quiser... Tenho o mundo nas mãos, até a cidade, até uma cidade, podia deitar fogo à cidade, podia... Eu sou eu! Tenho estas mãos.... 

E ergui-as, de dedos estranguladores.

- Tenho-me a mim, não sou um monte de esterco, sou um homem livre, posso, que são vocês mais do que eu?

- Eu sou um homem! - gritou outra vez. - Sei o que quero. Sou livre, sou grande, tenho em mim um poder imenso. Imenso como Deus. Ele construía. Eu posso destruir.»

 

15.1.15

As salsichas não pensam!

Em primeiro lugar, pegue numa bela tripa, de preferência natural e estanque, e coloque-a sobre a mesa de montagem.

Em segundo lugar, confecione um preparado das melhores carnes alentejanas, esburgadas de peles, de ossos e de cartilagens, deixando-as a marinar num molho de vinho, dente de alho e colorau, sem esquecer uma pitada de sal e de paprika, durante 90 minutos.

Em terceiro lugar, quando a marinada começar a cachoar, filtre-a de modo a eliminar todo o líquido. Nesta fase, convém que o guloso salsicheiro não se deixe inebriar...

Em quarto lugar, encha a bela tripa com o preparado, tendo a preocupação de respeitar a norma europeia que determina a medida e o peso. 

Advertência: a arte da salsicharia exige que o salsicheiro esteja devidamente habilitado e certificado em leitura, pesagem, contagem e etiquetagem.

Finalmente, leve a salsicha a exame, exigindo-lhe, entre outras tarefas menos nobres, que, em 20 minutos, redija um texto argumentativo que definitivamente irradie a fome no mundo...

À hora universal, a salsicha senta-se, olha o salsicheiro e pergunta-lhe: - Que mais queres de mim?

  

14.1.15

Parece que chegou o momento de calar...

Há tempo para calar e há tempo para falar...

Parece que chegou o momento de calar…Com tanta gente a falar, de que serve questionar a hipocrisia, a vaidade e a sobranceria?

A insanidade alastra e mata, em vez de incendiar, a faúlha - na linguagem minhota, a 'caruma seca'.

 

13.1.15

Nem São Marcos nem São Mateus

São Marcos: Jesus falava como autoridade e não como os escribas. E para surpresa de todos, libertou o seu interlocutor dos "espíritos impuros". 

São Mateus: É necessário experimentar a morte para subir à glória...

Por razões que não são de interesse público, tive de ouvir, neste fim de tarde, a defesa destas duas ideias, em que Cristo surge como protagonista.

Apesar de tal pensamento me parecer extremamente perigoso, nada pude opor, pois, neste tipo de cerimónia, o participante não tem o direito de questionar ou de refutar. O participante apenas pode responder ritualmente!

Esta liturgia assenta numa doutrina dogmática que impõe a obediência cega à Autoridade e, sobretudo, legitima a morte própria ou alheia como escada celestial...

Afinal, o que é que distingue o pensamento cristão do pensamento islâmico?

 

12.1.15

Era domingo...

Era domingo, os olhos do mundo sobre Paris e eu, que nada sou, percorria Lisboa: uma cidade quase deserta, a sair da neblina, fotografada por uns tantos forasteiros... Um pequeno grupo de nativos esperava que o cicerone desse início à visita, atrasada pela cunhada vá lá saber-se porquê... talvez ela preferisse as imagens de Paris...

Entretanto, enquanto observava os céus e os jardins de Lisboa, eu ia pensando que o fervor dominical não faz qualquer sentido se, no dia seguinte, tudo continua na mesma...

Ainda pensei que a minha descrença era inútil e até infantil, mas, hoje, segunda-feira, verifiquei que a matança continua um pouco por toda a parte...

Na Nigéria, as crianças são utilizadas como "explosivos"! Quem é que corre para lá?

 

11.1.15

Os governantes correm para a arena...

A notícia entusiasma de tal modo os poderosos que eles correm para a arena, assemelhando-se a um grupo de delinquentes. Abraçam-se, beijam-se, dão pancadinhas nas costas... 

Oficialmente solidários, percorrem a avenida, separados da turba e, amanhã, tomarão decisões como ontem...

Senhores das comunicações, dos exércitos e das polícias fazem juras de que o amanhã será mais seguro, fazendo de conta de que nada têm a ver com o mundo em que cada vez há mais seres a viver em condições infra-humanas.

E os pequenos correm, também, procurando juntar-se aos grandes, mesmo se na notícia não passam do rodapé.

Estas palavras podem parecer ácidas e pouco solidárias com as vítimas. Creio, no entanto, que os humoristas assassinados bem dispensariam a companhia de todos aqueles que se servem do humor em causa própria.

 

10.1.15

O que é que os faz correr?

Amanhã, vão estar todos em Paris. Solidários! Mas com quem?

A União Europeia, nos últimos anos, ao promover as desigualdades, em nome do rigor orçamental, mais não fez do que favorecer comportamentos discriminatórios, esperando que as vítimas se resignem...

Mas esse tempo já lá vai! 

Chegou o dia em que não só os grupos organizados, em nome de um qualquer ídolo, mas também os descamisados quererão fazer "justiça" pelas próprias mãos.

A anarquia está a caminho. Talvez seja por isso que os nossos governantes correm para Paris...

 

 

9.1.15

Em meu nome, não!

Qualquer que seja o nome de Deus, ele só poderá dizer: - Em meu nome, não!

Há muito que Deus deixou de ser um assunto pessoal, pois o homem não descansou enquanto não o institucionalizou... Deus tornou-se Igreja, e, como tal, passou a ser foco de DISCÓRDIA...

Foco de DISCRIMINAÇÃO!

É assim que a DISCRIMINAÇÃO é o maior agente de violência. Com Deus ou sem Deus, vivemos um tempo em que a discriminação assentou arraiais, atropelando os mais elementares direitos humanos, por isso não espanta que a VIOLÊNCIA cresça diariamente.

É fácil e justo condenar os autores dos recentes e noticiados atos de violência, em França, mas, nos últimos dias, a violência dizimou milhares de seres indefesos, sem que tal tenha causado o mesmo fervor mediático... Enquanto não percebermos e combatermos este tipo de discriminação, ninguém está livre de se encontrar do outro lado da barricada e de entrar na galeria dos «terroristas», dos «bárbaros», dos «assassinos», por ora em nome de Deus...
Não esqueçamos que todos temos as mãos sujas de sangue!

Em meu nome, não! Em nosso nome, não! Em nome do homem, não!  

 

8.1.15

Nesta sala, não acontece nada~

Aquilino Ribeiro Nesta sala, não acontece nada. Às quintas-feiras, entre as 14h15 e as 15h00, não acontece nada. Na verdade, ainda hoje não aconteceu nada, a não ser aquela ideia de que andam por aí a repetir que Fernando Pessoa sofria de fragmentação, como se ele tivesse escrito EU SOU UM FRAGMENTO

Embora ele tenha explicado, ninguém quer entender a importância do SER EVADIDO... da necessidade que ele teve de fugir de qualquer CADEIA que o impedisse de SER.

Porque SER não é PODER, nem TER, nem PERTENCER... é VIVER a valer, isto é, é SENTIR, nem que seja apenas com os olhos, porque todos os outros sentidos aprisionam, imobilizam, interditam o SONHO e o DESEJO...

Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

(...)

Nesta sala, não acontece nada.

 

 7.1.15

A iniquidade alastra…

O frio é severo, mas tal parece não incomodar o homem que dorme sob uns trapos que não o cobrem por completo. Entretanto, o longe desperta sentimentos de comiseração…

Um destes dias, despertaremos sob a metralha não dos deuses, mas dos homens que, hoje, desprezamos.

É triste!

 

6.1.15

O MEC, o IAVE e o Conselho Científico

«Em nenhum momento a PACC avalia aquilo que é essencial: a competência dos professores candidatos para esta função. De acordo com o modelo dado a conhecer, a prova limita-se apenas a avaliar a competência escrita, a capacidade dos candidatos de se expressarem em relação a conhecimentos sobre determinado assunto/tema, e de solucionar alguns problemas básicos do raciocínio lógico. Como foi apontado nas análises a que foi submetida aquando da sua realização, esta prova poderia ser realizada por qualquer profissional, de qualquer área, com formação superior ou até secundária, algo que, evidentemente, jamais os tornaria aptos para a docência.»

Parecer do Conselho Científico do IAVE sobre a prova de acesso à carreira docente - PAAC (Nov.2014)

O IAVE acusa o seu conselho científico de fazer política. Pode parecer absurdo, mas não. O Ministério da Educação e Ciência delegou o trabalho sujo no IAVE.

Há muito que o MEC deixou de se preocupar com a formação de professores. Limita-se a homologar planos de estudos, públicos, privados e confessionais.

Na verdade, cada instituição formadora faz o que lhe apetece e como tal não me admira que em tempo de austeridade aumente assustadoramente o número de habilitados para a docência.

Incapaz de definir um plano de formação nacional que dê resposta aos desafios da contemporaneidade, o MEC recorre ao IAVE para esconder a incompetência que o mina desde que a educação foi entregue aos carreiristas "políticos".

PS. Espero que o Conselho Científico já tenha apresentado a demissão!

No respeito pelo contraditório, cito a posição do MEC:

"A PACC não é uma iniciativa isolada, mas sim parte fundamental de um conjunto de medidas tomadas pelo Ministério da Educação e Ciência para melhorar progressivamente a qualidade da docência, que é componente central do sistema educativo. Entre outras medidas contam-se a obrigatoriedade de realização de exames de Português e de Matemática para admissão aos cursos de licenciatura de Educação Básica e o reforço curricular das condições de habilitação para a docência", defendeu a tutela, na nota enviada à Lusa.

Não há medida para Nuno Crato que não passe por um exame encomendado ao IAVE.

 

5.1.15

Era madrugada, tocou o telefone

No dia anterior, fizeras anos. Acamada, ainda procuraste saborear o bolo, só que este enrolava-se na boca, o chá não ajudava... Terminada a visita, procurei não pensar no dia seguinte - na verdade, desde 7 de dezembro de 2005 que perdera a vontade de pensar no dia seguinte...

Era madrugada, tocou o telefone. O Sol seguiu o seu curso, embora não me lembre da sua luz. Só o silêncio me confortava...

E ainda hoje, procuro no silêncio a solidão que me resta... Lá fora, o Sol resplandece, mas não aquece. 

 

4.1.15

Como se fosse sábado...

Hoje é domingo e não fui à igreja - fui ontem encomendar uma missa, eu que não sei o que é a fé - e, de súbito, moço de recados, compreendo que a vida pouco mais é que esse mango.

Voltei a caminhar, embora mais moderadamente, sempre com um objetivo intermédio e útil. Pelo caminho fui fazendo compras, lendo o DN e, a certo momento, cheguei mesmo a sentar-me num banco a apanhar sol.

Das notícias nada extraí de significativo: uns tantos acidentes, um novo cardeal, um país que deixou de investir na ciência e que desmantela o serviço nacional de saúde, um presidente que, depois de, enquanto primeiro-ministro, ter desmantelado a agricultura, as pescas e a indústria, agora, apela aos de sempre que se unam para defender os interesses instalados... 

Como se fosse sábado, adiei para amanhã a preparação do regresso às aulas, sabendo, no entanto, que o moço de recados pouco tempo terá para tal mango...

Tal como ontem, hoje roubo a Pepetela o termo mango, até porque continuo a ler o romance, publicado, em 2013, O Tímido e as Mulheres... uma obra em que Pepetela deixou claramente de servir o senhor de Luanda, não se acanhando de expor os meandros da corrupção angolana e sobretudo de explorar o erotismo até a um ponto em que começa a retratar a mulher como manipuladora cruel do desejo do macho...

Por outro lado, o autor da Geração da Utopia, vai revelando uma faceta cada vez mais caustica: «devemos sempre seguir para a frente, abandonar as ideias inalcançáveis e lutar apenas pelo possível, a busca da utopia tem feito muito mal ao mundo..

   

3.1.15

Como se fosse domingo no Vale do Silêncio

Hoje é sábado, mas em duas situações despedi-me do interlocutor como se fosse domingo. Dei comigo a pensar na razão da turvação, mas não encontrei, a não ser o cansaço resultante de uma caminhada de duas horas... 

Atravessei o Vale do Silêncio, primeiro percorrendo a pista reservada a velocípedes, depois escolhi um percurso paralelo apesar de não haver ciclista à vista. Entretanto, ia pensando que talvez devesse ter pegado na bicicleta abandonada há imenso tempo na garagem...

Frente à Igreja, não pude deixar de pensar que, nestes dias, a Morte vai ceifando os mais frágeis e já no regresso não pude deixar de observar o longo cortejo funerário e, a certa altura, imobilizei-me, pois, um cão corria velozmente por fora como se não pudesse separar-se do dono...

Por entre espreitadelas aos amigos do Facebook, não pude deixar de pensar que há aqueles que partem sem aviso prévio, como se em determinado momento a Morte os tivesse ceifado e, por outro lado, há os que ali descarregam tudo o que mexe com eles... alguns com humor, outros com um mau gosto "abundoso"...

Acabo de roubar o adjetivo "abundoso" a Pepetela. Encontrei-o no romance O Tímido e as Mulheres.

Da leitura em curso, quero referir o fascínio de Pepetela pelos antropónimos gregos. Heitor está de volta e desta vez foi às compras: «Escolheu duas mangueiras, por causa da sombra além da fruta, um abacateiro e uma figueira, árvore que no sul se chama amendoeira.»

 Se as memórias de gregos já não me surpreendem, é estranho confundir uma figueira com uma amendoeira, a não ser que o processo mental seja o mesmo que me levou a despedir-me do meu interlocutor como se hoje fosse domingo...

 

2.1.15

Prende-se para provar!

Pior do que a incompreensão só a intolerância.

Não sei quanto tempo é necessário para elaborar uma acusação, mas desconfio que, em certos casos, o que se procura, depois de toda a louça escaqueirada, é encontrar um bode expiatório...

Para o imperador era inaceitável que as manas Justa e Rufina não celebrassem Adónis.

A história do martírio é antiga e, hoje, está quase esquecida.

Por coincidência de registo, acabo de ouvir as respostas de José Sócrates às perguntas da TVI.

O enunciado que mais chama a minha atenção é o seguinte: PRENDE-SE PARA PROVAR. Se assim é, isso significa que a ação do Ministério Público em nada se distingue dos métodos da PIDE.

E perante as forças em presença, parece-me que o amigo é que acabará por ser imolado. E porquê?

Talvez Adónis tenha consigo a resposta...

 

1.1.15

Do varandim ao ocaso...

«De maneira que Rossélio quando percebeu que nunca alcançariam o Maria Speranza, nem Shandenoor, nem regressariam a Carvangel, e também não se importou.»

O ocaso é: ficar ou diluir-se! Mas a decisão não é da personagem nem mesmo do autor ao encerrar a narrativa. A decisão só pode ser do leitor...Só ele pode regressar ao varandim implodido por um grupo de anarquistas. Só ele pode regressar a Carvangel ou esperar pelo Maria Speranza...

Sem leitor, não há esperança nem imaginação que dê conta do desempenho literário de Mário de Carvalho: da sua capacidade de inventar territórios, de povoá-los, de enredar os seus habitantes em intrigas absurdas, de lhes narrar as aspirações e as desilusões e, sobretudo, de lhes imaginar uma língua, por vezes, desconcertante, mas verosímil...

Eu, por mim, espero voltar a Carvangel nem que seja para entrevistar o príncipe dos mabecos...

Mário de Carvalho, O varandim seguido de Ocaso em Carvangel, Porto editora, 2012.

 

Chegou 2015...

2015 chegou e eu ainda não conclui a leitura de Ocaso em Carvangel, de Mário de Carvalho. Faltam apenas 11 páginas... a leitura continua lenta, pois o autor, não contente por inventar territórios, animais fantásticos e percursos insólitos, desatou a confecionar palavras que, a cada passo, questionam a minha ignorância lexical. Consulto o dicionário, consulte o google e nada - a única referência é o próprio Autor.

Provavelmente, o que acabo de escrever não passa de desculpa esfarrapada. Pressinto que o adiamento resulta de uma tentativa de evitar o OCASO...

A noite foi de circo e de magia na TV5 e o OCASO, cruel, foi colocado de lado. E já hoje foi trocado por uma passeata por ruas desertas, sob um sol luminoso, incapaz de, por si, pôr termo ao frio que persiste por dentro e por fora dos mais afoitos...

À exceção daquele transeunte que, inopinadamente, pergunta: - Está algum aberto? E de súbito, respondi: - Ali, em baixo, volte à esquerda...

Este amigo não quer saber do OCASO, nem do sol luminoso, basta-lhe um bagaço ou, talvez, uma série deles...

O melhor é ficar por aqui e não arranjar mais desculpas para não terminar o que comecei em 2014...