31.12.15
A soberba de Recep
Tayyip Erdoğan
"Em 2015, 3.100
terroristas foram neutralizados em operações domésticas e no
estrangeiro", disse Erdogan, referindo-se às operações militares
contra posições do Partidos dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), no sudeste da
Turquia e no norte do Iraque, adiantou a AFP.
2015 foi um ano difícil
para muitos povos que, para além de se verem dizimados, foram forçados a
abandonar os seus territórios, correndo mil perigos, e,
sobretudo, encontrando as fronteiras europeias fechadas a arame
farpado... Classificados como refugiados, veem-se abandonados ou
acantonados em países que desrespeitam os direitos humanos, como é o caso da
Turquia.
Por seu turno, a União
Europeia reforça o poder do ditador Erdogan, concedendo-lhe mais de três mil
milhões de euros, supostamente, para acolher os refugiados, mas que ele utiliza
para perseguir e eliminar os Curdos, como noticia a AFP...
Erdogan está orgulhoso do
serviço de extermínio e a União Europeia é sua cúmplice.
Infelizmente, em Portugal
também há quem feche os olhos ou procure neutralizar quem se preocupa em
compreender a causa Curda...
Lei n.º 159-A/2015 de 30 de dezembro
Extinção da redução
remuneratória na Administração Pública
A Assembleia da República
decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º Objeto A presente lei estabelece a extinção da redução
remuneratória, prevista na Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, nos termos do
artigo seguinte. Artigo 2.º Regime aplicável A redução remuneratória prevista
na Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, é progressivamente eliminada ao longo do
ano de 2016, com reversões trimestrais, nos seguintes termos:
a) Reversão de 40 % nas
remunerações pagas a partir de 1 de janeiro de 2016;
b) Reversão de 60 % nas
remunerações pagas a partir de 1 de abril de 2016;
c) Reversão de 80 % nas
remunerações pagas a partir de 1 de julho de 2016;
d) Eliminação completa da
redução remuneratória a partir de 1 de outubro de 2016.
Artigo 3.º Aplicação 1 —
O regime previsto na presente lei é aplicável para efeitos do disposto nos
artigos 56.º, 75.º e 98.º da Lei n.º 82 -B/2014, de 31 de dezembro. 2 — Em tudo
o que não contrariar a presente lei, aplicam-se, com as necessárias adaptações,
as disposições da Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro.
Artigo 4.º Entrada em
vigor e produção de efeitos A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da
sua publicação e produz efeitos a 1 de janeiro de 2016. Aprovada em 18 de
dezembro de 2015. O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
Promulgada em 29 de dezembro de 2015. Publique -se. O Presidente da República,
ANÍBAL CAVACO SILVA. Referendada em 30 de dezembro de 2015. O Primeiro-Ministro,
António Luís Santos da Costa. Lei n.º 159-A/2015 de 30 de dezembro
Lei
nº159-B/2015, de 30 de dezembro de 2015
Extinção da contribuição
extraordinária de solidariedade
A Assembleia da República
decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º Objeto A presente lei estabelece a extinção da contribuição
extraordinária de solidariedade (CES), prevista no artigo 79.º da Lei n.º 82- B/2014,
de 31 de dezembro, nos termos do artigo seguinte. Artigo 2.º Regime aplicável 1
— No ano de 2016, a contribuição extraordinária de solidariedade prevista no
artigo 79.º do Orçamento do Estado para 2015, é de: a) 7,5 % sobre o montante
que exceda 11 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS), mas que não
ultrapasse 17 vezes aquele valor; b) 20 % sobre o montante que ultrapasse 17
vezes o valor do IAS.
2 — A contribuição
extraordinária de solidariedade prevista no número anterior não incide sobre
pensões e outras prestações que devam ser pagas a partir de 1 de janeiro de
2017. Artigo 3.º Entrada em vigor e produção de efeitos A presente lei entra em
vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos a 1 de janeiro de
2016. Aprovada em 18 de dezembro de 2015. O Presidente da Assembleia da
República, Eduardo Ferro Rodrigues. Promulgada em 29 de dezembro de 2015.
Publique -se. O Presidente da República, ANÍBAL CAVACO SILVA. Referendada em 30
de dezembro de 2015. O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.
Neste final de 2015,
CARUMA deseja que estas duas medidas sejam exequíveis em
2016, e não tragam retrocessos um pouco mais adiante, como já aconteceu no
tempo de Sócrates...
30.12.15
Do ponto de vista do
imaginário popular, a Estrela de Belém tem uma função simples: é o GPS dos Reis
Magos. Do ponto de vista astronómico, tudo é mais complexo e, de certo modo,
perturbador.
Pelo menos, foi esta a
conclusão a que cheguei ao assistir ao espetáculo "A Estrela de
Belém” no Planetário Calouste Gulbenkian.
Combinando a história de
Roma, os livros sagrados dos judeus e dos cristãos com a tradição popular, os
astrónomos acabam por dar explicações científicas interessantes sobre os planeta,
as estrelas, as constelações, os cometas, as novas e as supernovas, mas pouco
dizem sobre o acontecimento astronómico, conhecido como "estrela de
Belém", pois, até hoje, ainda não foi possível datar o nascimento do
"menino"...
Afinal, a estrela pode
não ser estrela, os reis magos não serem reis, mas sacerdotes-astrónomos,
e até José é apresentado como excessivamente simplório, pois se deixou
convencer de que o pai do "menino" era o "espírito
santo"...
Em suma, José não seria
português, porque se o fosse saberia do que Espírito Santo é capaz... e não
estou a referir-me à "pomba estúpida" do Alberto Caeiro.
29.12.15
Nos últimos anos,
CARUMA referiu-se, pelo menos, nove vezes a Paulo Portas. De cada uma
dessas vezes, o juízo foi negativo. Apesar dos diferentes cargos exercidos,
CARUMA sempre o considerou o ministro da PROPAGANDA. Era inigualável nesse
papel, contribuindo decisivamente para a estupidificação da nação...
Ontem, anunciou a saída
de cena e pediu aos correligionários que "não tenham medo", vestindo
a pele do pastor que continuará vigilante não vá o lobo vermelho papar os
indefesos cordeirinhos...
Nesta nova pele,
vê-lo-emos de regresso daqui a quatro anos, a não ser que o novo presidente da
República decida ocupar o palácio de Belém durante 10 anos...
28.12.15
Hoje, um homem
matou uma mulher...
Bem sei que o tema não é
adequado à época, mas sinto-me obrigado a retomar o tema da Morte, não já como
recompensa, mas como castigo.
Hoje, por exemplo, um
homem não só matou uma mulher, como lhe destruiu o corpo à bomba.
Castigou-a porque quis impedi-la de ser livre. Depois, suicidou-se,
reconhecendo certamente que a sua morte era o castigo que merecia...
Este homem é apenas um
entre muitos outros homens que todos os dias matam ou mandam matar porque não
suportam que o outro homem possa ser livre.
Na Turquia, há um homem
que todos os dias manda matar outros homens porque querem ser curdos, querem
ver reconhecida a sua identidade... Um homem que se diz turco, mas que não é
diferente do homem de Sacavém, a não ser num pormenor importante: falta-lhe a
coragem de se suicidar.
Talvez seja por isso que,
num dos últimos dias, pôs a circular a notícia de que teria dado ordens
aos seus capangas para que impedissem outro turco de se suicidar numa das
pontes de Istambul.
27.12.15
Japhy: - Que
pensas da morte, Ray?
Ray: - Penso que
a morte é a nossa recompensa. Quando morremos vamos direitos ao céu nirvana, e
pronto. Jack Kerouac, Os Vagabundos da
Verdade, pág. 184, editorial Minerva.
Cada vez menos freudiano,
ando longe de desejar a morte, o que não significa que me alheie dela. Não há
dia em que me saia do pensamento, até porque, cedo, aprendi a contemplá-la
sob a forma de caveira ou senhora de uma gadanha cega que ia segando os
campos e as cidades - esta morte era manhosa, surgia quando menos se
esperava.
O medo da morte era uma
estratégia de sucesso. Instalada na consciência, a morte condicionava os passos
e os pensamentos; por vezes, transforma o sonho em pesadelo.
A morte da maioria dos
ascendentes e de alguns amigos ainda em plena força da vida não podia ser
explicada por um qualquer imperativo metafísico, nem com recurso a
explicações de natureza trágica (niilista) ou religiosa... Essas
explicações não se coadunam com uma visão positiva da vida...
Hoje estou contente,
porque concordo com Jack Kerouac: "A morte é a nossa recompensa." Afinal,
sempre que me curvei perante a morte de alguém e me despedi com as palavras
sóbrias "Descansa em paz", o que eu queria afirmar é que os
meus ascendentes e os meus amigos tudo tinham feito para terem direito a
uma derradeira recompensa.
É essa recompensa que
justifica os meus dias. porque, na verdade, infelizmente, há quem não mereça
morrer.
26.12.15
Cerrado:
terreno tapado; tapada (Porto editora)
Afinal, o
"serralho" do meu avô mais não era do que um equívoco da minha
parte.
O curioso é que ninguém
questionou que ao quintalório murado eu tivesse chamado
"serralho". E a razão de tal alheamento tanto pode estar relacionada
com a azáfama da quadra natalícia, como com o facto de alguém ter imaginado que
o meu avô pudesse ser turco, otomano, persa ou árabe...
Na verdade, o meu avô
materno era cristão, católico praticante e, sobretudo, vivia os atos litúrgicos
de forma emocional, por vezes um pouco excessiva.
Quanto às serralhas,
ainda estou a imaginá-las escondidas debaixo de um pedregulho, vá lá saber-se
porquê... Talvez, porque o petiz considerasse pouco honroso ter de
atravessar a aldeia com uma planta tão viscosa...
25.12.15
Na definição de Nuno Júdice, «o serralho é um
espaço governado por eunucos dirigidos pelo tirano Solim...» prefácio
de Cartas Persas, de Montesquieu.
Não tenho qualquer motivo
para pôr em causa a definição, todavia não posso deixar de confessar que muito
antes de pensar em qualquer tipo de harém, já conhecia o ‘serralho’ do meu avô
materno, e lá nunca avistei qualquer concubina.
O serralho era, afinal,
um pequeno quintal pedregoso, onde se podia fazer uma pequena horta e,
sobretudo, pôr a secar figos e uvas na eira que, por vezes, também
protagonizava uma ou outra descamisada ou esfolhada. No serralho havia, sim, um
alpendre que não precisava de ser vigiado, pois o meu avô materno andava
longe de ser o tirano Solim...
Poder-se-ia pensar que as
esposas do Sultão fossem as serralhas, mas no caso, estas não passavam de
leitarugas que, sempre que penso nelas, continuam a incomodar-me. Com
frequência, a minha mãe ordenava-me que fosse apanhar serralhas para alimentar
os coelhos e era aí que o problema surgia: não só era difícil arrancá-las da
terra, como me deixavam as mãos encardidas de um líquido branco que se lhes
colava irremediavelmente...
E mais não acrescento
para não ficar mal na prosa de infância!
24.12.15
CARUMA deseja um FELIZ
NATAL a todos os seus leitores e, também, àqueles que a espaços a espreitam a
verificar se ainda não se transformou em cinza.
CARUMA não ignora que é
preciso paciência para lhe aturar a mania de espetar agulhas em quem se põe a
jeito e de insistir em ideias que se afastam cada vez mais dos valores
dominantes. Na verdade, cheguei a pensar em desejar um SANTO NATAL, mas desisti
ao verificar que os santos atuais são bem diferentes dos de outrora...
23.12.15
«Os trabalhadores da
CP e os seus familiares voltam a viajar gratuitamente nos comboios da empresa a
partir de 01 de janeiro, segundo deliberação do Conselho de Administração,
repondo um direito suspenso há três anos. A CP – Comboios de Portugal decidiu
repor o direito de os trabalhadores no ativo, cônjuges e filhos em idade
escolar (até 25 anos), bem como dos trabalhadores reformados, a um regime de
concessões de viagem, isto é, acesso gratuito às viagens em comboios da
empresa.»
Por este andar, o ensino
acabará por ser gratuito, tal como a saúde. Os familiares dos empregados dos
supermercados passarão a abastecer-se de graça... As famílias dos banqueiros e
dos bancários terão direito a crédito ilimitado...
Eu, por mim, espero que o
Pai Natal me liberte dos 29,5 % de penalização, apesar dos 41 anos completos de
carreira contributiva.
No entanto, não devo ter
sorte, pois nunca fui ferroviário, nem pertenci a qualquer conselho de
administração, nem integrei nenhum grupo parlamentar...
22.12.15
Com este frio, decidi
cortar o cabelo. Quem me atendeu foi a senhora Lídia Frade, a contas com uma
tendinite que lhe limita o movimento de braços tão necessários à tarefa. Nos
últimos meses, a senhora já tinha partido um pé, o que, como se compreende, não
a terá ajudado no negócio.
Enquanto me desbastava a
trunfa, íamos trocando opiniões sobre o sistema de saúde, pois, infelizmente,
temos algum conhecimento das limitações do SNS. Por exemplo, a dona Lídia
necessita de fisioterapia, mas vê-se obrigada a pagá-la do seu bolso, pois o SNS
só lhe disponibiliza o serviço no Hospital Curry Cabral, com a consequente
perda de tempo e custo acrescido resultante de deslocação de táxi...
Terminada a tarefa,
paguei por uma tabela que eu próprio determino. E nesse momento, a senhora
Lídia ofereceu-me um SEU livro de poemas com a seguinte
dedicatória:
Sr. Manuel Gomes,
A vida é complemento e história de vidas
A autora,
Lídia Frade
Do livro Amor Eterno / Interregno e Silêncio
Zaina editores, 2010, transcrevo o poema FOGO
Que arde, percorre, consome
Passando da abundância à fome.
Ficando sem norte
Destrói sentidos, perdidos,
Consome a vida, deixando a morte.
Fúria incandescente,
Engole viva, a semente
Que deixa estéril o presente.
Por onde passa, arrasa
Que voa sem asa
Galopa sem rédea
E deixa sem casa.
É no fogo afinal,
Que está a cor de desejo
O tilintar do vil metal
E cinza de sonhos
E o sadismo do mal.
(Afinal, os barbeiros sempre amaram a poesia
ou será impressão minha? Relembro Domingos Reis Quita, António Variações...)
21.12.15
O pai natal
traz-nos um novo cambalacho
O contribuinte não tem
direito a atualização do salário ou da pensão, no entanto é obrigado a pagar os
cambalachos entre os políticos e os banqueiros. Agora, o cambalacho chama-se
BANIF! Ao longo dos anos, banqueiros e políticos encobriram-se uns aos outros,
e quem vai pagar é o contribuinte - em 2015, 2016, 2017...
Entretanto, que eu saiba,
ninguém foi preso. Banqueiros e políticos vão encontrar-se numa nova comissão
de inquérito parlamentar, em vez de serem apresentados a um juiz...
E o contribuinte,
resignado, parece considerar que tudo corre sobre rodas, indo celebrar o
Natal "acima das suas possibilidades", pois os banqueiros
anunciaram que pode gastar agora e começar a pagar em março de 2016, com juros,
claro...
Bom Natal! E não se
esqueçam dos milhares de milhões que estamos obrigados a pagar...
20.12.15
Por estes dias, o que me
apetece é uma choupana bem longe de qualquer pai natal e da azáfama que ele
supostamente traz consigo.
Supostamente, porque o
próprio pai natal é uma produção da má-consciência que rege as relações
humanas. Os presentes da quadra não fazem esquecer a pobreza em
que milhões vivem por culpa da plutocracia crapulosa que todos
os dias está cada vez mais rica.
De facto, se o pai natal
é produto da má-consciência, ele não deixa de ser uma forma poderosa
de alimentar os plutocratas... que, encerrada a quadra, acabam a confessar que
o Natal já não é o que era... embora não se estejam a referir ao nascimento do
menino Jesus...
19.12.15
Ir ao Largo de Camões na
quadra natalícia é um pesadelo. Primeiramente, porque é quase impossível
estacionar, e isto sem falar no custo do estacionamento. Depois, porque parece
que o mundo desabou entre o Largo do Chiado e o Rossio. A Rua Garrett faz
lembrar o Tejo em dia de cheia, neste caso, humana: - um rebanho desce e outro
sobe, tirando fotos a tudo o que se move ou reluz; são milhares de fotos por
hora partilhadas…
O Chiado de hoje é
exótico nas línguas e nas roupas, sem esquecer a diversidade de
"atuações" que decorrem um pouco por toda a parte, na procura de uma
recompensa imediata que garanta a sobrevivência diária - ricos e pobres, idosos
e jovens misturam-se, acotovelam-se em tangentes de equilíbrio precário.
Do comércio nem vale a
pena falar, pois não sei se vende, a verdade, no entanto, é que as lojas (as
boutiques) se encontram repletas de mirones...
Também a Basílica dos
Mártires estava repleta de ouvidos atentos ao concerto que ia decorrendo ou
seria uma animada celebração litúrgica? Entrei e, por momentos, senti-me lá
bem...
18.12.15
Os novos Programas
de Português e de Matemática
Conferir pautas de
avaliação pode parecer um ato burocrático aborrecido e inútil, no entanto,
durante a tarde de hoje, fiquei com a noção de que os novos programas de
Português e de Matemática não devem ter sido pensados para os atuais alunos do
10º ano de escolaridade - os resultados por eles obtidos são
catastróficos.
Pode ser que esta
situação de insucesso seja local, mas estou convencido que se o Ministério da
Educação fizesse uma análise nacional das classificações deste 1º Período,
rapidamente se veria forçado a suspender os Programas que entraram em vigor em
2015-2016.
Para bem de todos, espero
estar enganado...
17.12.15
O melhor é ter à
mão um dicionário
Não sei se a
responsabilidade deve ser atribuída ao método global, a verdade é que querer
ler sem conhecer o significado de cada termo só pode dar em asneira.
Não se trata já de juntar
letras ou juntar sílabas, mas, sim, de encadear palavras, conhecido o
significado possível determinado pelo contexto ou pela necessidade de
nomeação.
Como um todo, devemos
encarar a frase ou, melhor, o enunciado, porém fazê-lo, pondo de parte o
significado, só terá algum sentido se o objetivo for procurar a harmonia /
desarmonia...
Admitindo que este último
não é o objetivo primeiro do ato de ler, então o melhor é ter à mão um
Dicionário...
(Vem isto a propósito do
empobrecimento lexical que vai crescendo um pouco por toda a parte e, em
particular, nas nossas escolas.)
16.12.15
«Quando chegares ao cimo de uma montanha, continua
a subir.» Ditado Zen
Agora que cheguei à
página 79 de Os Vagabundos da Verdade, de Jack Kerouac, começo a
pensar que a minha primeira reação ao romance Os Subterrâneos deve
ter sido excessiva...
A sageza só é
possível se sairmos dos círculos académicos, citadinos, burgueses... e
mergulharmos intensamente na natureza, experimentando-a até ao limite das
nossas forças. Se esta for a via, o conhecimento só será útil se colocado
ao serviço da interação do sujeito com o cosmos.
15.12.15
A política e a
moral de José Sócrates
Apesar de, em fundo, José
Sócrates atacar ininterruptamente tudo e todos, à exceção do Amigo, hoje estou
sem tema, embora pudesse aqui rever a cordata e avisada conversa que tive
com um colega que me habituara a considerar um pouco espalhafatoso e
excessivo... o que me leva a pensar que, frequentemente, não ouvimos com a
devida atenção aqueles que são nossos companheiros de profissão...
Quanto a José Sócrates,
continuo sem entender o "processo". Gostaria, no entanto, que as
televisões dessem ao Amigo a possibilidade de explicar o seu papel em toda esta
trama...
Ao contrário do meu
colega que reconhece que a cortesia é fundamental mesmo quando a divergência é
total, José Sócrates declarou para quem o quis ouvir que a moral é uma questão
privada que não deve interferir na ação política... Talvez seja por partilhar
este princípio "socrático" que o Amigo continua em silêncio - não
quer confundir a sua vida privada com a vida pública do "animal
político"...
14.12.15
Significado de Berlinda
s.f. Carro hipomóvel, de quatro rodas, suspenso entre dois varais, recoberto de
uma capota.
Maquineta para o transporte de imagens de santos.
Estar na berlinda, ouvir, nos jogos de prendas, a enumeração de seus
defeitos ou qualidades.
Ser alvo, durante certo tempo, de censuras ou motejos; ser o assunto do dia.
(Dicionário online de Português)
SETE CAVALOS NA BERLINDA
é uma história escrita por Sidónio Muralha (1920-1982) e
ilustrada por Márcia Széliga, em que o primeiro decidiu pôr na berlinda os sete
cavalos que fugiram da berlinda do Senhor Agapito.
O exemplar que me
chegou às mãos é editado pela Global Editora, o qual, apesar da sua brevidade,
é capaz de provocar a boa disposição de qualquer adulto e, sobretudo, de pôr a
pequenada a sonhar e a imaginar novas situações igualmente fantásticas...e
parece adequado à quadra que atravessamos.
13.12.15
Bion (1970*) considera
que a dor é o que se instala quando o paciente não tem capacidade de
sofrer.
Na minha perspetiva, a
incapacidade de sofrer transforma em dor estados de morbidez que só poderão ser
ultrapassados através da mudança de atitude.
De certo modo, tudo o que
perturba o paciente é por ele atribuído à dor, procurando
consequentemente um remédio imediato, o que explica o sucesso da indústria
farmacêutica.
Sempre que entramos
numa farmácia, verificamos que elas estão cheias, como se fossem um
supermercado.
Em muitos casos, a conta
da farmácia ultrapassa a do supermercado e ninguém se interroga sobre esta
realidade.
O medicamento acaba por
fazer parte do cabaz hedonista. O estoicismo tem cada vez menos seguidores.
* W. Bion, L'Attention et l 'Interprétation. Paris:
Payot.
12.12.15
Colocar
um "post" de um blogue no Facebook ou noutra
rede social pouco acrescenta. Os amigos estão ocupados com imagens,
sons, piadas de mau gosto e, sobretudo, com adulações de todo o tipo. As
hiperligações podem ser maçadoras e obrigam inevitavelmente a uma pausa
que coloca os amigos fora de linha.
Hoje, já ninguém quer
sair do radar!
Os amigos das redes
sociais estão sempre à mão, mesmo quando ignoramos a sua presença, ou
eles ignoram a nossa... provavelmente, eles já deixaram de nos ver há muito,
mas nós sabemos que eles continuam por ali, em linha.
Estes são os amigos da
linha, em regra; o nosso estatuto é medido pela quantidade e não pela partilha.
Claro que há exceções! Mas esses têm memória... de alegrias, de dissabores, de
encontros e de desencontros e, por vezes, de perdas. Os amigos da linha
ajudam-nos a compreender que a amizade está cada vez mais diluída.
11.12.15
«A história é também
muito que não vai contado, porque é fácil contar o que acontece, mas
faltam palavras para o resto.» Debaixo de Algum Céu (2013),
de Nuno Camarneiro
Neste como em qualquer
outro romance, o ser aspira ao Céu, pouco importa se azul, divino, materno ou
libidinal...
Nesta obra de Nuno
Camarneiro, cada personagem procura a plenitude por mais anódina
que ela possa parecer. Por vezes, a felicidade esconde-se na porta ao lado,
na cave, nas areias do mar próximo ou na base de dados repleta de personagens
capazes de transformar a vida...
O êxito,
todavia, depende da vontade, da entrega, da partilha, e não do Céu
que tudo cobre, mas se manifesta indiferente às penas humanas, começando pelas
do padre Daniel que, de modo desesperado, vive uma vida dupla sob o olhar de
Deus...
A ação, como o autor
refere no preâmbulo, decorre «num prédio chegado à praia» - espaço
fechado - durante oito dias, «os último sete de um ano e o primeiro de
outro». E o «tempo é medido em medos, um a cada dia, o tempo certo para
que homens tremam e mudem».
Em síntese, um romance
que dá conta das agruras da vida portuguesa e que, não certamente por
falta de palavras, passa ao lado das festas natalícias, embora o padre
Daniel salve o "Menino" e, por algum tempo, o espírito de concórdia
pareça sair vencedor.
Mathieu Delaporte e
Alexandre de La Patellière escreveram a peça Nom Propre em
2010. Esta peça deu origem ao filme franco-belga Le Prénon (2012)
que obteve nesse ano um enorme sucesso.
Ontem, fui ver a
adaptação portuguesa no Auditório dos Oceanos, representada por Ana
Brito e Cunha, Joana Brandão, Aldo Lima, Francisco Menezes e José Pedro Gomes,
numa encenação de Fernando Gomes.
Trata-se de uma comédia
divertida sobre os equívocos da amizade, despoletada pelo nome próprio que
um dos personagens finge atribuir ao filho (?) por nascer - Adolfo /
Adolfe...
O jantar é de amigos que
não perdem oportunidade de confrontarem os respectivos egoísmos, traições e,
sobretudo, desencantos... Muitos são os momentos hilariantes, apesar do fel que
alimenta os discursos de cada um...
Ontem, o público
divertiu-se e deve ter saído a pensar que a fronteira que separa o palco da
vida é muito estreita. No entanto, a vida continua: o Adolfo /Adolfe acabou por
chamar-se Francisca ... e não era "ameixa"...
Num espaço cénico sóbrio,
os atores estiveram no seu melhor, em particular a Ana Brito e Cunha e o
José Pedro Gomes.
10.12.15
Parece-me que estou a
viver no tempo e lugar errados. Por mais que fuja ou explique, não consigo
evitar o stresse provocado pelo ruído. Bem sei que a minha perceção auditiva
pode parecer exagerada, no entanto sinto-me permanentemente agredido: na rua,
na sala de aula, no cinema e até em casa.
Uma porta que range, um
parafuso que se precipita, o som da rádio e da televisão, uma voz que se
eleva levam-me a um estado de desconforto tal, que, por vezes, me apetece
esconder-me. Mas onde?
Bom seria que na agenda
da defesa do planeta e do homem, a poluição sonora não fosse esquecida. O
problema é que a maioria (?) parece viver bem neste desconcerto...
9.12.15
Em dezembro, o trânsito
lisboeta é caótico. Descrédito dos transportes públicos, combustível mais
barato, pressa de regressar a casa e, ainda, as compras natalícias... O
dinheiro parece não faltar, apesar da austeridade.
Por outro lado, para que
o caos seja completo, na Lisboa antiga, as obras de recuperação de imóveis não
olham a meios - com o apoio das autoridades, os empreiteiros bloqueiam as
ruas com camiões e todo o tipo de máquinas. Sinalização nem por isso…
Avenidas há cujas faixas
se veem reduzidas pelo simples facto das cargas e descargas ocorrerem a
qualquer hora...
8.12.15
Agora que o Estado
Islâmico reivindica a reconstrução de antigos califados, o melhor seria começar
por conhecer a história da literatura árabe humanista. No que me
diz respeito, confesso o meu preconceito, embora matizado, e deploro
o meu contributo para a hostilização da cultura árabe, sobretudo porque
reconheço que a História e a Literatura me formataram nesse sentido...
«La palabra árabe
usada para literatura es adab, que deriva de una palabra que
significa "invitar a alguien a comer" y que implica matices
de cortesía, cultura y enriquecimiento personal.»
Literatura árabe
«El término adab designa, en una de sus acepciones más
comunes, a un género literario bien conocido de la literatura árabe medieval,
familiar no sólo para los especialistas sino también para cualquiera que se
haya iniciado mínimamente en esta literatura. Sin embargo, esta familiaridad
con el término no supone un conocimiento preciso de su contenido, y menos aún
una correcta valoración de su sentido. Y ahora no ya para los estudiantes o
estudiosos ocasionales, sino para los especialistas que se han dedicado a su
estudio.» FRANCISCO RUIZ GÍRELA, La literatura de adab: tratados de
Paremiología inextenso.
Literatura adab
«El esfuerzo más importante hecho para precisar el contenido de dicho
término es seguramente el que realizó el Profesor Carlo-Alfonso Nallíno en un
espléndido estudio que presentó como introducción a un curso de Literatura
Árabe que dictó en la Universidad de El Cairo a comienzos de este siglo, en
1901. Supone, siguiendo a Vollers, que, etimológicamente, adab deriva
de la raíz «d-'-b», que aparece en el Corán en cinco ocasiones, con un sentido
único y claramente perceptible en todas ellas: «forma habitual de actuación,
costumbre».
« L’adab est une forme prise para la pensée arabo-islamique pour
constituer un humanisme qui ne doive point tout au Coran et à la Loi qui
en derive. » (Blachère, apud Wiet, 1966: 55).
7.12.15
Os Subterrâneos,
de Jack Kerouac
Conclui, hoje, a leitura
do romance "Os Subterrâneos", de Jack Kerouac. O que dizer
desta obra publicada em 1958?
Em primeiro lugar, que o
autor prefere a espontaneidade discursiva a qualquer plano devidamente
estruturado.
Em segundo lugar, que, na
linha dos surrealistas, a escrita se automatiza de tal modo que a censura
lexical, sintática e moral é destruída linha a linha, página a página -
assim se compreendendo a aversão de Kerouac a qualquer tentativa de revisão.
Em terceiro lugar, que os
intelectuais e os artistas americanos dos anos 40 a 60, ao procurarem
eliminar as fronteiras sexuais, étnicas e mentais, o fizeram de tal modo
que acabaram por mergulhar no absurdo e no niilismo... A promiscuidade, o
alcoolismo, a droga, o narcisismo, a discriminação, a violência, as
megalomanias tornaram-se nos novos valores do Ocidente...
Finalmente, pelas
referências literárias, artísticas e filosóficas, este romance é a prova de
que os Estados Unidos não quiseram ficar atrás da Europa, que dificilmente
se ergueria dos escombros a que a sua elite a condenara.
(Este ponto de vista é
necessariamente tendencioso e, como tal, não espero que seja partilhado.)
6.12.15
Afinal, os gatos
não são todos iguais
Os gatos avistados são
sete, só que, inicialmente, pensei que seriam os mesmos sete de ontem, que
teriam mudado de sítio. Desta vez, estariam separados, talvez, porque
a disciplina de um dia se tivesse transformado em desordem... Esquivos,
pareciam temer-me.
Enquanto pensava na
indisciplina felina, fui avançando, atento à cor amarelada e avermelhada
das árvores exóticas que ladeavam apressadamente os
prédios, três ainda em construção - tempo previsto: 24 meses -
mas em fases diferenciadas, apesar da simetria do projeto...
Até que a hipótese de me
ter cruzado com sete gatos nómadas (há quem pense que são vadios, curiosa
associação!) se esfumou nas palavras, que não na mente, pois no lugar de ontem
avistei a jovem benfeitora, e logo suspeitei que não estaria sozinha naquele
recanto. Esperei, pouco discreto, que ela se afastasse, o que acabou por
acontecer - ela regressou ao prédio a que pertenceria, de acordo com o
conveniente sedentarismo que nos separa dos vadios... Dei sete passos, e
lá estavam eles, não sete, mas nove gatos.
Afinal, os gatos não
são todos iguais e nem sempre são os mesmos, o mesmo acontecendo com os
benfeitores.
5.12.15
São cinco as
gamelas e sete os gatos
O essencial é o que Ser
pensa e não o que ele diz.
São cinco as gamelas e
sete os gatos que, alinhados, matam a fome. No entanto, o pensamento
diz-me que são cinco os comedouros e sete os comedores e arrasta-me para a
interrogação de possíveis cacofonias: - são sete os comedores que comem nos comedouros.
A questão essencial,
todavia, é diferente. Pouco interessa se os gatos disputam comedouros,
gamelas ou tijelas. O que, sem ser dito, emerge é que, na verdade, os felinos
não disputam, porque a alternância de ritmos lhes permite comer sem qualquer
conflito...
Deste modo, raramente as
palavras dizem o que é pensado, porque, trapalhonas, procuram o seu ritmo, o
seu interesse - o poder que as individualize, que deixe pelo menos dois
gatos de fora. E na liça, sobram os arranhões, o pelo eriçado...
Em conclusão, o que as
palavras dizem pouco tem de "essencial", excetuando, talvez, as
de alguns poetas...
Ainda puxei da
máquina fotográfica, mas logo a mente disse: - estás a perder o pouco
tempo que tens para pensar.
4.12.15
O Niilismo é o
melhor aliado dos teólogos
«Sabe-se que se sabe,
mas sabe-se que aquilo que se sabe pode ser posto em dúvida, e pode sobretudo
engendrar uma nova maneira de saber.» Alfredo Margarido, O
Islamismo face ao Oriente, in revista Finisterra, nº 6 Outono
1990.
Por maior compreensão que
possamos ter com as culturas divergentes, há um limiar que não
deve ser ultrapassado - ser tolerantes com a ditadura das religiões e dos
teólogos.
E por mais paradoxal
que possa parecer, a incapacidade de enfrentar o fenómeno integrista
resulta do modo como a laicização ocidental, inspirada em Nietzsche e
Marx, descurou o estudo da História e, em particular, o estudo
História das Religiões.
Por um lado,
a Ciência e, por outro lado, a Filosofia existencialista
encarregaram-se de progressivamente matar a Transcendência, como se o Ser
pudesse bastar-se a si próprio...
O Niilismo é o melhor aliado dos teólogos... os jovens
que o digam, embora possam não o saber...
3.12.15
O ministro das Finanças
francês, Michel Sapin, afirmou hoje que quem organizou os atentados de 13 de
novembro em Paris "não terá gastado mais do que 30 mil euros".
Fica barato organizar e
executar um atentado. Não um, mas vários, e quem o diz é o senhor Michel
Sapin, ministro das Finanças francês, que já deve ter orçamentado
vários atentados de retaliação muitíssimo mais caros; isso, porém,
não diz.
Não consigo perceber
donde é que saíram estes seres que nos governam que, em vez de procurarem
soluções que permitam acabar com as causas do terrorismo teológico, geram
notícias facilitadoras da violência armada. Afinal, ela fica barata!
Só nos faltava o
racionalismo contabilístico vir dar a mão ao obscurantismo
do integrismo religioso...
2.12.15
O capitalismo
atual explora o tempo individual
«Contrariamente ao que
nos diz Marx, o homem não vende apenas nem talvez sobretudo a
sua força de trabalho. O que ele vende antes de mais é o seu tempo.» Alfredo
Margarido, O Islamismo face ao Ocidente..., in revista Finisterra,
nº 6, Outono 1990.
O capitalismo atual, mais
do a força de trabalho, explora o tempo individual.
Aos jovens dá-lhes todo o tempo e rouba-lhes o trabalho; aos mais
velhos aumenta-lhes o tempo de trabalho, e rouba-lhes o tempo
de vida.
Como a experiência
ensina, os jovens ociosos acabam por se perder na rotina dos dias e, ao
desperdiçarem a iniciativa e a capacidade de transformação da
sociedade, tornam-se abúlicos ou, então, rebeldes capazes de sacrificar a
vida por uma ideia por mais abstrusa que possa ser...
Quanto aos mais
velhos, obrigados a adaptarem-se às novas tecnologias, a acelerarem
os ritmos de trabalho e a submeterem-se aos ditames de um poder que os
responsabiliza a todo o momento pelo fracasso da sociedade, não chegam a ter o
tempo a que teriam direito para fruir o resto dos seus dias.
(As notícias deste dia
sobre as regras de aposentação e de reforma só confirmam a perversão a que
chegou capitalismo atual.)
1.12.15
Estou contra a
restauração do feriado de 1 de dezembro por um simples motivo: há muito que
Portugal deixou de ser um país independente.
A não ser que o dia
feriado seja aproveitado para decidir as estratégias que nos permitam sair
da pasmaceira em que nos arrastamos, estou contra a restauração do feriado de 1
de dezembro.
ESTOU CONTRA e não SOU
CONTRA! A diferença está na atitude de quem, sendo preguiçoso por natureza,
rejeita os estados de alienação...
30.11.15
Hoje, não posso
omitir o essencial
30 de novembro, dia do
passamento de Fernando Pessoa, deixou de ser para mim uma página do calendário
para se tornar um lugar: há 41 anos casei e assim me mantenho; hoje, a Susana
concluiu o mestrado, defendendo " O paradoxo da questão curda
- a autodeterminação e a negociação turca", no âmbito do Trabalho
de Projeto em Direitos Humanos e Movimentos Sociais; e hoje, desisti do pedido
de aposentação.
Do casamento, a vida
dirá.
Da conclusão do mestrado
da Susana, registo a sua capacidade de superação de todos os obstáculos,
desde a odisseia turca ao capricho de quem, desconhecendo o
terreno, se perdeu em atalhos que, por vezes, levaram a mestranda ao
colapso físico e psíquico.
Finalmente, este 30 de
novembro é o dia em que decido não pactuar com o tratamento desigual a que
o legislador vai submetendo os funcionários e é, também, o dia em que assumo
que ainda tenho condições para 'orientar' uns tantos jovens, procurando que não
se percam nos atalhos da vida.
Hoje, talvez, fosse mais
fácil omitir o essencial, silenciando as palavras, mas a verdade é que, por
respeito por todos aqueles que prezam os direitos humanos, não o podia
fazer.
29.11.15
Tantos são os
indivíduos e tão diversos!
Há quem guarde tudo, ou
melhor, há quem atire tudo para longe da vista. Gavetas, prateleiras, baús,
sacos, sótãos e, sobretudo para a garagem.
Com o tempo, torna-se
difícil circular em casa: mesas pejadas de molduras de outro tempo,
bugigangas de múltiplas viagens, e despejos de quartos e de casas dos
filhos nómadas...
Há mesmo quem,
insatisfeito com o que tem, ainda traga da rua cadeiras, bancos, mesinhas de
chá e até pequenas cómodas, isto sem falar nos eletrodomésticos falhos de
resistência...
Hoje, fui procurar na
garagem alguns dessas relíquias empoeiradas, e até uma saca de medicamentos
fora-de-prazo encontrei. Ainda pensei que aquela saca tivesse pertencido a um
daqueles parentes hipocondríacos que tudo compram, mas que, como seguro de vida,
nada tomam. Lida a bula, decidem que o melhor é guardar na gaveta. Mas não, não
há memória de como chegaram à minha garagem!
Há uns tempos, decidi
catalogar livros, revistas, coleções, DVDs, manuais; já devo ir nos 2500
registos. Só que esta a visita à garagem está-me a enervar. Olho e fico incapaz
de determinar as categorias, as classes, as espécies, tantos são os indivíduos
e tão diversos.
Tantos são os indivíduos
e tão diversos!
Sinto agora que estou
mais calmo, porque acabo de entender que a luta em defesa dos direitos humanos
deve começar por combater as categorias, as classes, as espécies e, sobretudo
lutar para que os indivíduos não sejam atirados para longe da vista, arrumados
em espaços identitários, tal como é consagrado pelo pensamento
multiculturalista.
28.11.15
Confesso que o
idealismo já fez o seu caminho
Agora que estou em
reflexão, confesso que o idealismo já fez o seu caminho.
Doravante, passarei a ser
prático e minimalista, não hesitando em recorrer aos expedientes mais comuns.
Seguindo o exemplo de um
avô, irei ser parco nas palavras e circunspecto na avaliação das 'novidades'.
Afinal, como ele, já
vi de tudo um pouco; nada me surpreende. Longe de mim, querer perturbar os
nefelibatas que, a todo o momento, se me atravessam no caminho.
Entretanto, vou conter a
ira que me mina há largo tempo. Pode ser que a contenção acabe por dar
resultado, apesar do sacrificado coração.
27.11.15
Ontem, escrevi uma carta ao António, embora soubesse
que ele não teria tempo para a ler. Aquela carta mais não é do que um
esconjuro.
Entretanto, hoje recebi uma carta da Odete a
informar-me que o Estado quer penalizar-me em 29,5%, embora já
tenha 41 anos de serviço público. A simpática Odete concede-me dez
dias úteis para me decidir... Entrei, assim, em período de reflexão...
A verdade é que eu
preferia que o António, em vez de ler a minha carta, lesse a da Odete, e a
comparasse com outras que a mesma 'coordenadora de unidade' enviou a
outros zelosos cidadãos que, para além de serem mais novos, trabalharam e descontaram
durante menos tempo...
Não deixa de ser
sintomático que, neste mesmo dia, bem cedo, em Lisboa, um
"amigo" de Sintra me tenha abordado, contando-me que, em tempos idos,
fora engenheiro na Renault, e que presentemente era director da Worten.
Perante a minha desconfiança, o "amigo" de Sintra resolveu avançar
com um produto de uma qualquer linha CR, que era oferta de amigo para amigo...
No essencial, tratava-se de um extravio que estaria a ser colocado de forma
personalizada.
Só que o
"amigo" não teve sorte, porque eu estava com pressa e,
sobretudo, não o reconhecia. Entretanto, quando me preparava para o deixar a
falar sozinho, o "amigo" de Sintra saiu-se com a seguinte
proposta: " - ao menos adiante-me o IVA".
26.11.15
Já és primeiro-ministro,
sonho antigo, resta saber se consegues dar conta do recado. E para tal não te
esqueças que é feio mentir e deixar as promessas por cumprir. Se tiveres de o
fazer, não faças como o Pedro, para quem a culpa era do malvado Sócrates...
Como irás ter pouco
tempo para ler, apenas acrescento que concretos são os portugueses e não
Portugal, como pensa o Aníbal - os portugueses podem viver melhor ou pior, e
tal depende da tua lucidez, da tua capacidade de diálogo, que não deves confundir
com qualquer jogo florentino...
Nada espero, nem nada peço, a não ser que sejas um
verdadeiro primeiro-ministro.
Caruma
25.11.15
Ai de quem cai nas mãos
dum narcisista! O narcisista desconhece a distância, o que o impede de
incentivar a dissolução das fronteiras.
Pelo contrário, o
narcisista gera limites cada vez mais próximos, mesmo se imaginários... e obriga-nos
a expulsar o outro da fronteira. Só que, por vezes, o outro também é
narcisista!
Os narcisos antecipam
múltiplos charcos donde vários nenúfares irão ser expulsos...
Quando o outro é
narcisista, a batalha é sem fim... Se o outro não for narcisista, então acabará
dissolvido na fronteira.
24.11.15
O Presidente
olha para o interlocutor, aprecia-lhe as companhias, e cogita
etimologicamente: a língua destes salafrários não vai além do registo
corrente, como tal, de cavaco para costa, recuso-me a indigitá-lo;
vou indicá-lo como primeiro-ministro e é quanto basta... mais
tarde, veremos se ele percebe alguma coisa de etimologia!
Ninguém gosta de ser cinza; a verdade, porém, é que
'ninguém' é menos do que cinza. A vontade de 'ninguém' é ser alguém, o que
explica que, nestes dias, qualquer meio sirva para sair do anonimato.
A cinza é a expressão do anonimato.
Politicamente, o cavaco, que pensa ser alguém, recorre
a todos os meios para adiar o dia da cremação, isto é, do anonimato.
22.11.15
Bem sabemos como um
simples cavaco pode atrapalhar a vida de todos nós, embora me pareça que, nos
últimos anos, muitos portugueses andaram amarrados à ideia de que a
melhor forma de combater o desenvolvimento era asfixiá-lo, transformá-lo em
cinza porque dela acabará por eclodir a fénix.
A ideia seduz, o problema
é que a cinza somos nós num tempo e num espaço bem delimitados.
Podemos ainda pensar que
um simples cavaco pouco terá a dizer sobre o que se passa à sua volta, porém
enganamo-nos: sempre que outro cavaco, dentro ou fora, se sente acossado, o
cavaquinho não perde tempo a clamar a sua solidariedade... e a cinza somos nós!
21.11.15
Sempre que passo
por um mercado municipal
Sempre que passo por um
mercado municipal, concluo que há bancas de venda que não afixam os preços dos
produtos. Em particular, as bancas de peixe.
Pessoalmente, a ausência
do preço tem uma consequência: viro as costas e vou-me embora, de mãos a
abanar. E frustrado.
Dois exemplos: Mercado 31
de Janeiro nas Picoas, Lisboa, e Mercado de Moscavide. Refiro estes porque
foram aqueles em que entrei na pretérita semana.
Será que há alguma norma
municipal que isente os vendedores de peixe de afixar os preços?
20.11.15
Exigimos quase tudo, e
damos tão pouco. E o mais grave é que não percebemos o risco que corremos.
Habituámo-nos a fazê-lo,
seguindo padrões de outro tempo, como se tivesse chegado o momento da desforra...
A consciência pressupõe
que o fazer seja partilhado, mas a verdade é que esta ciência está
reduzida ao amor-próprio.
19.11.15
Cansados de serem postos
de lado, procuraram outro deus e começaram a disparar em nome dele...
Cansados de serem alvos
fortuitos, esqueceram o seu deus e desataram a disparar em nome deles...
Cansados do terror,
deixaram a terra a outro deus e partiram convencidos de que ainda há um deus...
Um deus, senhor de uma
terra onde não haja cansaço...
(As águas de inverno
abrir-se-ão e os cavalos do senhor...)
18.11.15
O problema dos atos é
que, aos olhos de quem os pratica, eles estão sempre justificados. O resto é
juízo do outro, da comunidade. Esta pode aceitá-los ou rejeitá-los,
reprimi-los conforme os seus interesses, os seus valores...
Deste modo, há que
procurar compreender a génese das pulsões de morte e não as aceitar,
rejeitá-las, exaltá-las ou condená-las...e, sobretudo, há que evitar que as
condições propícias à sua eclosão se disseminem.
Os atos nefandos,
infelizmente, para além do executante e do eventual mandante, resultam de
circunstâncias a que a comunidade não pode eximir-se.
(Este comentário tem o
objetivo de contrariar a tese de quem pensa que é possível erradicar o mal,
como se este fosse uma entidade estática de natureza individual.)
17.11.15
Por
vezes, convenço-me que o Acaso determina os acontecimentos. O certo é
que sempre tive relutância em aceitar que o Fado pudesse anular o
livre-arbítrio, fazendo de mim um autómato iludido ou paranoico.
O facto é
que, nestes últimos anos, tudo o que me acontece surge como se eu apenas
executasse um guião de que não me posso furtar.
Cada dia parece diferente
do anterior, no entanto o tempo de escolha vai-se diluindo de tal modo que
apenas resta a obrigação de servir...
E nem o Acaso surge para
me provar que a roda da Fortuna cai por um segundo para o meu lado -
sou apenas um alcatruz, de raiz árabe...
16.11.15
«Aquele que se mata faz morrer a sua vida, mas
também mata a sua morte, ele anula o tempo situando a sua morte agora.
“Patrick Baudry, Abordagem do Suicidário, in O Não-Verbal
em Questão, Revista de Comunicação e Linguagens, nº 17/18.
O suicida é aquele que
não quer morrer, que recusa que a morte seja uma inevitabilidade determinada
pela desigualdade e pela segregação... O suicídio, mais do uma questão
individual, é um problema cuja génese é social.
Como tal, repugna-me o
discurso de que o suicida é um fanático instrumentalizado - um ser demoníaco
que não hesita em arrastar consigo dezenas, centenas ou milhares de cidadãos
anónimos... numa lógica maniqueísta...
Como se a solução
estivesse na eliminação sucessiva dos bombistas suicidas, e não na eliminação
dos factores que conduzem à desigualdade económica, social, política...
O argumento religioso só
serve para encobrir uma abordagem errada desta problemática suicidária.
Je ne suis pas François Hollande !
Lembrando José
Régio:
«Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios
passos...
Se ao que busco saber
nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por
aqui!"?»
Cântico Negro,
in Poemas de Deus e do Diabo
15.11.15
Par LIBERATION, avec
AFP — 15 novembre 2015 à 21 :53
Les chasseurs français ont largué dimanche 20 bombes à
Raqqa, ciblant un poste de commandement et un camp d’entraînement de l'Etat
islamique.
Depois... mais
cinza!
A França não resistiu à
tentação. Avançou para a retaliação, escolhendo o caminho mais fácil com o
objetivo de eliminar o inimigo externo. Falta, no entanto, saber como é que vai
eliminar o inimigo interno.
A França, como a
civilização ocidental, age em nome da Liberdade, mas descura o princípio da
Igualdade. Por algum tempo, a França continuará a ser o alvo da Solidariedade
daqueles que desprezam a Igualdade, mas mesmo essa fraternidade será efémera.
14.11.15
Caruma entrou em
combustão. Por algum tempo, será cinza. Depois...
A
imaginação destruidora (cábula para um jovem desorientado)
Ontem, alguns indivíduos
acrescentaram à "cábula para um jovem desorientado" uma terceira
ideia - a imaginação destruidora.
Uma imaginação que serve
um princípio de que poderíamos pensar que fosse absurdo, doentio, mas que, de
facto, serve uma causa cujos protagonistas consideram criativa. Por exemplo, a
construção de um "estado islâmico" ou a refundação de califados há
muito extintos...
Em Paris, ontem, a
imaginação deu à MORTE tal protagonismo que, hoje, o MEDO campeia, pondo em
primeiro plano solidariedades proibidas e ruinosas.
Do Irão à Turquia,
passando por Israel, pela Rússia, pela China e pelos países ditos democráticos,
mas que se alimentam da indústria do armamento, todos proclamam o seu apego à
Liberdade..., fazendo rigorosamente o contrário.
13.11.15
Cábula
para um jovem desorientado
Tema:
A imaginação
Introdução (2
ideias, 1 parágrafo)
A - A imaginação como
processo de fuga, de libertação de situações constrangedoras.
B - A imaginação como
processo criativo.
Desenvolvimento (2
situações, dois parágrafos)
Situação primeira:
explicitação de casos em que o indivíduo recorre à imaginação para se evadir -
imaginação estéril e primária. Exemplos: sala de aula; vida familiar, social e
política...
Situação segunda:
explicitação de casos em que o indivíduo recorre à imaginação para criar
alternativas (ideias, ferramentas, artefactos...) - imaginação artística,
científica, tecnológica... Exemplos de acordo com o plano de estudos do jovem
desorientado...
(Metodologia: na primeira
situação, o indivíduo recorre à experiência; na segunda recorre à investigação,
à indagação.)
Conclusão (1
parágrafo)
O escrevente confirma se
o desenvolvimento do tema cumpre o estabelecido na introdução e, sobretudo, se
contribui para uma melhor compreensão do processo imaginativo.
12.11.15
Tudo na mesma, como a lesma!
Segurança Social, 28/10/
2015:
"Informamos V. Exª
que nesta data foi a C.G.A informada do valor correspondente à nossa
comparticipação."
Caixa Geral de
Aposentações, 12/11/2015:
Informamos V. Exª que, à
data, a C.G.A. não recebeu qualquer informação da Segurança Social... Fui,
entretanto, informado que estas duas instituições estão ligadas por uma
plataforma informática que lhes permite editar e consultar os processos em
simultâneo...
Apesar de tal ferramenta, estes organismos continuam a
tentar comunicar por fax...
11.11.15
Já não há
empresários portugueses!
Não sei se os empresários
têm voz, mas, apesar daquilo que vou ouvindo, custa-me acreditar que eles se
deixem influenciar pelo poder político, a não ser que vivam do favorecimento
dos governos... Oiço, no entanto, que, neste último mês, os pequenos e médios
empresários suspenderam os investimentos ou deslocalizam o negócio ou a sede
das respetivas empresas. Quanto aos grandes empresários, parece que não há
notícias...
A única ideia que me
assalta, de momento, é que já não haverá empresários portugueses... embora haja
médicos portugueses, enfermeiros portugueses, professores portugueses,
funcionários portugueses, trabalhadores portugueses, pescadores portugueses,
agricultores portugueses, artistas portugueses, polícias portugueses, militares
portugueses... - todos eles a exercer os seus ofícios, independentemente do
poder político do momento.
Não creio que os
portugueses estejam disponíveis para suspender o trabalho à espera de que o
Governo caia ou tome posse.
10.11.15
Ao cuidado do
Presidente Aníbal António Cavaco Silva
Vistas a circunstâncias,
considerando a situação do Presidente Aníbal António Cavaco Silva, e não
querendo afastar-me do que, ontem, aqui escrevi, vou continuar a citar João
Ubaldo Ribeiro, O Feitiço da Ilha do Pavão, pág. 188-189:
«Ouviu então, com o
sobrolho franzido e momentos em que, pasmo, abria a boca e erguia os olhos para
o alto, a espantosa descrição do estado a que chegara a ilha do Pavão,
praticamente uma oclocracia independente, às vésperas da anarquia, onde não
tinham vigência, ou mesmo se conheciam, os éditos e ordenações da Coroa, nem as
regras da Igreja; onde o elemento servil já praticamente não existia, onde, se
se dissera oclocracia, governo do vulgo e da gentalha, melhor se dissera
dulocracia, governo dos escravos, pois que se ombreiam com seus senhores,
comprando propriedades, comerciando, vestindo-se como brancos e até casando com
brancos, tanto negras quanto negros...»
Glossário facilitador:
- OCLOCRACIA - sistema de governo em que predominam as
classes inferiores.
- DULOCRACIA - sistema de governo em que predominam os
escravos.
9.11.15
Ainda não percebi bem se
o sentimento é de alegria se de tristeza. De qualquer modo, o recurso ao termo
"sentimento" obriga-me a pensar que me estou a afastar da
autenticidade - na esfera do sentimento há sempre uma certa dose de
encenação... Talvez por isso, hoje, só vi rostos fechados, expressões de
incerteza.
Afinal, quem é que vai
pagar a conta? A Europa? Os ricos?
Os ingénuos e os
matreiros pensarão que há mil maneiras de "apagar" a conta. A forma
mais simples seria não pensar mais nisso, mas a História ensina que a conta é
sempre paga pelos pobres.
Convém relembrar que o
"estado de pobreza" não é uma noção estática: nasce-se pobre, mas,
também, se cai e morre na pobreza.
Atalhar a tal fatalidade
exige que se produza riqueza.
Nos rostos fechados,
expressões de incerteza, não vi, hoje, qualquer indicador de produção de
riqueza. Só sinais de despesa!
Cansado de pavonadas,
termino como uma citação de João Ubaldo Ribeiro, O feitiço da Ilha
do Pavão, pág.126, Editora Nova Fronteira:
«- Aqui neste
reino há cativos, sempre haverá cativos. Enquanto o mundo for mundo haverá
cativos, pois sempre existirão os que nasceram para isso e os que nasceram para
mandar, esta é a voz verdadeira dos grandes filósofos e a voz verdadeira da
vida.»
Por estes dias, prefiro ler João Ubaldo Ribeiro!
8.11.15
«Às palavras que descem pelo rio
deito a rede em que me deito,
e se adormeço então,
acordo
de olhos muito abertos.»
Pedro Tamen, Dentro de Momentos, 1984
Ainda pensei que poderia
ser poeta, mas cedo descobri que me faltava o rio, e quando o encontrei, logo
percebi que as canas corriam para o mar, umas vezes devagarinho, outras,
apressadas... Quanto às palavras, elas sempre foram mais demoradas...
Das poucas vezes que a
rede lancei, se as palavras aconteceram, elas perderam-se antes de eu
adormecer...
Até à data, o mais que já
observei foram trutas que subiam o rio, e não me apeteceu lançar-lhes a mão.
Fiquei ali, de olhos muito abertos, a vê-las saltar os obstáculos ou a
contorná-los como se aquele fosse o último dia, o último luar...
7.11.15
Tudo o que poderá ser
importante decorre nos bastidores.
Nada se sabe sobre os
verdadeiros negociadores, sobre os respetivos valores, competências, interesses e serventias...
Apesar de haver quem
afirme que estamos a viver um tempo novo - o regresso à política - a verdade é
que já não basta afirmar que se defende um governo em nome do povo, quando esta
entidade não passa de um conceito oco, pois a estratificação social e económica
do povo é por demais evidente... Aquilo que eu gostaria de conhecer neste
período crucial é quais são os valores, as competências, os interesses e as
serventias dos negociadores. Sobretudo quais são as serventias, quando
o país ainda não conseguiu sair dos escombros, porque, como a História ensina,
a rapina e o saque costumam ser as primeiras etapas do assalto ao poder.
Relembro que não
há serventia sem Senhor! Não esqueçamos o Eduardo Catroga de 2011 ou o
Carlos Costa mais recentemente... Nenhum deles ficou a perder, porém muitos
portugueses perderam quase tudo.
6.11.15
Hoje, vou voltar ao tema
do tratamento da doença em Portugal a partir de uma situação familiar. Um
indivíduo necessita de ser operado com urgência, por exemplo, no Hospital Curry
Cabral; é visto pelo cirurgião que, face ao diagnóstico comprovado por um especialista,
confirma a urgência no "processo"; a marcação do ato, no entanto, não
pode ser feita de imediato; 15 dias, mais tarde, o referido indivíduo recebe
uma simpática carta da Unidade Hospitalar de Gestão de Inscritos para
Cirurgia, em que é informado:
«A partir deste
momento, assumimos o compromisso de o (a) operar num máximo de espera de 9
meses (270 dias).»
Como se sabe, em muitos
casos, a celeridade é fundamental para atalhar a evolução da doença. A vida do
indivíduo em causa fica, assim, nas mãos de um gestor de "espera", a
não ser que possa fugir do Serviço Nacional de Saúde...
E aqui é que a
desigualdade se manifesta. Se o indivíduo for, por exemplo, beneficiário da
ADSE ou de outro subsistema de saúde, poderá ser operado num prazo de 15 dias
num Hospital Privado...
Agora que corremos o
risco de vir a ter dois governos, pouco me importa qual deles governa, a não
ser que um deles acabe com esta fronteira que acelera a morte de uns, apenas
porque não têm recursos financeiros ou não descontaram para subsistemas que, entretanto,
são subsidiados pelo Estado, com vantagens inconfessáveis para quem apoia, gere
e executa este tipo de discriminação.
5.11.15
A primeira mulata
loira do Jardim do Equador.
Na obra Novela
Africana (1933), Julião Quintinha ficciona a vida de uma Maria
Correia da Ilha do Príncipe, apresentando-a como "mulata e
bastarda de fidalgos de Portugal, viúva de três maridos, senhora de toda a
ilha, que tinha suas fazendas marcadas com pirâmides de pedra e se tornara
famosa pela riqueza das suas baixelas de prata e cristal.…" in A
Primeira Mulata Loira.
A mulata Maria Correia
tornou-se lendária, porque sabia como seduzir os ingleses que manhosamente
combatiam a escravatura, para favorecerem o seu «comércio e monopólio com a Índia»
... E essa estratégia permitia-lhe proteger o negócio de escravos, que os seus
próprios barcos transportavam para Havana...
Apesar de Julião
Quintinha, por vezes designado como Julião Quintanilha, ser considerado um
escritor "menor", não deixa de ser curioso que Arlindo Manuel
Caldeira o não tenha referido no "estudo" MESTIÇAGEM,
ESTRATÉGIAS DE CASAMENTO E PROPRIEDADE FEMININA NO ARQUIPÉLAGO DE SÃO TOMÉ E
PRÍNCIPE NOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII.
Arlindo Manuel Caldeira
apresenta como principal fonte o livro de José Brandão Pereira de Melo, Maria
Corrêa - A Princesa Negra do Príncipe (1788-1861), Lisboa, Agência
Geral da Colónias, 1944.
Há casos em que a Ficção
não deve ser descurada...
«Quando os marinheiros
ingleses recolheram a bordo já luziam as estrelas da madrugada. E não puderam
ver, no alto mar, um ponto escuro - a sombra do barco negreiro, carregado de
carne humana, que tomava o rumo das terras do Brasil...
Foi aquela a última leva
de escravos que partiu na Ilha do Príncipe. E dizem que, dessa aventura do
lord, daí a meses, nasceu uma linda flor exótica, que foi a primeira mulata
loira do Jardim do Equador.»
4.11.15
Sobre a 8ª
conferência internacional do PNL
«A oitava conferência
internacional do PNL, que acontece na quinta e na sexta-feira, na Fundação
Calouste Gulbenkian, debruça-se sobre a importância da leitura, em particular
entre os mais novos, e sobre os valores que podem ou devem ser transmitidos
através do livro e do ato de ler. “O valor do ato de ler
- Importante é poder aprender a ler.
- Importante é saber ler.
- Importante é poder escolher o que
ler.
- Importante é ter os meios para aceder
à leitura.
- Importante é que a leitura permita
destrinçar os valores presentes nos textos, sejam eles quais forem.
- Importante é perceber que os valores
resultam de opções que não são neutras.
- Importante é compreender que a
escrita programática perdeu a inocência há muito tempo.
Quando o Plano Nacional
de Leitura seleciona as obras (e os autores), porque nelas (es) estão presentes
determinados valores, lembra-me a "filosofia do espírito" do Estado
Novo.
3.11.15
Começo a sentir que
escrever sobre nós é um pouco como abrir uma janela e ficar lá parado à espera
que alguém dê conta da nossa presença.
Nos últimos dias, não
tenho saído da janela, apesar de ter calcorreado os bairros antigos desta
Lisboa que, por pouco, tinha especificado como "nossa
Lisboa"...
A verdade é que regressei
a espaços e a tempos em que outrora vivi.
No tempo mais antigo, o
espaço é jesuítico, austero, filipino: a escadaria exterior, a fachada, o
pórtico, a escadaria interior, os azulejos, embora diferentes e bem cuidados;
faltam, todavia, os santos retidos noutra (ou na primeira, a verdadeira) fachada...
No tempo menos antigo, de
há 40 anos, o espaço de iniciação, a quem chamaram de Passos Manuel: o Liceu
restaurado, imponente, portão fechado, alunos na rua... quase tão jovens como
eu seria à época, apesar de professor imberbe, parecem-me diferentes, embora
muito iguais, enfezados, contando cigarros ou qualquer outro derivado,
substituto... sem revelarem particular interesse pelas lutas de hoje, e muito
menos pelas de ontem...
A 500 metros, os
ferroviários, uma centena, protestavam contra as privatizações: a polícia
olhava-os com indiferença; só os turistas paravam por breves momentos... e
seguiam caminho. Eu que procurava um jornal, não encontrei quem mo vendesse.
Talvez se tivesse entrado na Assembleia da República...
2.11.15
O sorriso só chegou já a
noite era posta. A tensão, por um instante, diminuiu, mas a ansiedade ainda não
desapareceu por inteiro. Fica, no entanto, a convicção de que ainda há mulheres
e homens capazes de se entregarem por inteiro a uma causa. Via-se no olhar o
cansaço e, talvez, algum do desespero com que se terão confrontado durante a
intervenção cirúrgica...
E amanhã estarão de
regresso, mesmo que o dia não se distinga da noite. Merecem que eu lhes
sorria...
1.11.15
«O Sorriso (este, com
maiúscula) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não
tem nada que ver com as contrações musculares e não cabe numa definição de
dicionário.» José Saramago, Deste Mundo e do Outro, O
sorriso, pág. 228, Caminho, 1999.
Cansado dos dias,
taciturno por fatalidade, só a espaços sorrio. No tempo de sobra, recorro à
ironia e até à paciência, que é, em mim, uma forma dolorosa de resignação tão
antiga como a vida, embora saiba que a paciência e a ironia são máscaras da
revolta calada...
Ontem, sorri quando,
pouco antes da meia-noite, recebi um email de um ex-aluno preocupado, porque
tudo o que escrevo se situa nos antípodas das suas convicções. E, de
certo modo, ainda continuo a sorrir, porque parece haver quem se interrogue
sobre o absurdo do meu pensamento...
Ora, na minha
perspectiva, só sorri quem é capaz de estar atento a tudo o que é contrário à
razão, porque esta, por estes adias, anda muito acomodada...
Amanhã, espero voltar a
sorrir. De forma espontânea...
31.10.15
«A legitimidade, seja
como instituto jurídico ou como um fenômeno social, não é qualidade do sujeito,
porém, mais propriamente, de sua atuação.»
No jogo democrático, os
partidos de esquerda podem inviabilizar o Governo da Coligação de direita. O
quadro constitucional permite tal decisão, e o Governo indigitado só pode
aceitar, já que Passos não foi capaz de estender a mão ao PS, ainda antes das eleições...
A questão da legitimidade
da esquerda vai colocar-se no dia em que esta formar governo e apresentar e
aprovar o programa e o orçamento.
A legitimidade será posta
à prova no dia seguinte. A atuação do Governo de esquerda, para se legitimar
aos olhos dos portugueses, precisa de ser consistente e cumprir rigorosamente o
programa e o orçamento que tiverem sido aprovados.
Qualquer incumprimento
condenará esta nova esquerda à perda da legitimidade por longo tempo... Os
portugueses já mostraram que gostam de gente cumpridora...
30.10.15
Julião Quintinha,
em Novela Africana (1933), reúne várias estórias,
designadamente Como se faz um colonial, mas aquela que, pela sua
atualidade, desperta mais a minha atenção é O homem que quis ser rajá.
Ao ler essa estória, não
pude deixar de pensar em certas personagens que nos infernizam os dias.
Lembrei-me, por exemplo,
de Duarte Lima, embora o excêntrico protagonista - Sérgio - fugisse da
violência e, sobretudo, pensei em José Sócrates que faria bem em verificar se,
afinal, o seu verdadeiro objetivo não é ser rajá.
A verdade é que as
extravagâncias de Sérgio o levaram à cadeia por se ter deixado conduzir por um
conceito de vida totalmente irrealista, acabando, no entanto, como um homem de
tal modo rico que podia dar-se ao luxo de produzir e realizar um filme sobre
"o homem que quis ser rajá"- sobre si próprio.
O facto de ter escolhido
Duarte Lima e Sócrates como exemplos de homens que sonham ser rajás, não
significa que eles sejam casos singulares...
Nota: rajá - rei ou
príncipe indiano. Claro que Julião Quintinha lera Pierre Loti e Eça de Queirós.
Temática: Orientalismo. Entretanto, o grande Rajá do reino de Portugal deu
posse ao XX Governo constitucional, chefiado por um certo Passos...
29.10.15
O aforismo é de Teixeira
de Pascoaes:
«Lá em cima, o sonho
dos poetas, as atitudes sublimes d' uma Raça, a luz astral; - cá em baixo, a
ação criminosa dos políticos, lama e sangue.» Teixeira de
Pascoaes, Aforismos, pág. 20, Assírio & Alvim, 1998
Desculpemos a Raça, e
tudo faz sentido: os políticos e respetivas famílias enriquecem tão subitamente
que o melhor seria entregar o poder aos inocentes.
O problema é que «a
inocência é a aurora do crime.» Ibidem, pág. 22.
28.10.15
A austeridade e as
unidades de gestão
(Confrange que haja cada
vez mais pesos e mais medidas. A burocracia só é vencida quando alguém descobre
que tem alguma coisa a ganhar.)
Uma das formas de impor a
austeridade é entregar a burocratas a gestão dos serviços. Ora estes burocratas
são, na maior parte, dos casos formados nas faculdades de gestão, de administração,
de economia, sem esquecer os que cursaram direito, relações internacionais,
partidárias e sindicais... E até há burocratas formados em teologia!
O cidadão é
simpaticamente informado que dentro de 270 dias será operado e qualquer
esclarecimento deverá ser solicitado à Unidade Hospitalar de Gestão de
Inscritos para Cirurgia (UHGIC)...
Em regra, acontece que o
cidadão, graças à austeridade, já só consegue o diagnóstico em estado avançado
da doença. Por momentos, sente-se, apesar de tudo, feliz: vai ser
operado...
Só que um mês mais tarde,
recebe a cartinha a informá-lo que, caso ainda esteja vivo, será operado num
prazo de 270 dias...
Muito eu gostaria de
saber quantas Unidades de Gestão foram plantadas neste
inefável país!
27.10.15
Ouvi dizer que na próxima
6ª feira, ao meio-dia, o Presidente vai dar posse a um novo governo cuja
sentença de morte já foi proferida. Entretanto, o Presidente partiu para
Itália, porque há que honrar os compromissos com os outros, que não com os
Portugueses... Só num país falido é que tal desperdício é possível!
Consta, também, que são criados
dois ministérios e que há indivíduos que aceitam tomar posse só para fazer
currículo... Há, no entanto, quem afirme que o fazem por "amor
pátrio"... Eu nem sabia que tal tipo de amor ainda existia!
Por outro lado, parece
que o Governo, que há de suceder a este que não sabe se o próximo ato será de
núpcias ou de trasladação, está a ser forjado em torno da ideia peregrina de
que os compromissos são para respeitar.
Desde quando é que os
Governos respeitam os compromissos?
Parece que estamos como
na Idade Média! De um lado, o Papa de Roma; do outro, o de Avinhão! À
época, quem saiu a ganhar foi D. Pedro I, amicíssimo da arraia-miúda...
26.10.15
Não sei se ainda é hábito
consultar o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José
Pedro Machado, num tempo em que a matriz da língua anda pela rua da amargura,
eu, contudo, acabo de espreitar a origem de "caruma": origem
obscura.
Conformado com a
obscuridade da génese, entendo melhor o destino da caruma: arder em lume mais
ou menos brando, até se extinguir definitivamente.
Por um tempo, quando as
pinhas se abrigavam sob as agulhas, a caruma ainda se imaginou pinheiro capaz
de suster as areias, inibindo o oceano de avançar, mas esse sol foi de pouca
dura e o suficiente para a derrubar...
Estou aqui a ordenar
livros, abro-os, limpo-lhes o pó, registo-os, chego mesmo a interromper a
tarefa para deles ler alguns parágrafos, verbetes, porém sinto-os vazios,
ignorados, derrubados...
Não posso deixar de
pensar se eles, em certos dias, não se terão imaginado pinheiros ao sol,
capazes de suster o avanço da estupidez... E tenho pena deles, pois temo que
não tenham futuro, a não ser o da caruma...
25.10.15
As
pequenas extravagâncias de Vila Velha de Ródão
Ele entra com o olhar do
ingénuo que não distingue o bem do mal, que considera natural colher o que está
à mão. Dirige-se à plateia cheia de amigos incondicionais e explica-lhes
que a justiça há muito deixou de ser cega, que a justiça o obriga a explicar
uma extraordinária lista de despesas, sem o deixar consultar o bloco de notas
onde foi anotando as pequenas extravagâncias... Não entende como é que num
estado de direito há escutas telefónicas que a justiça e a comunicação social
utilizam para o vexar, para lhe coartar a liberdade, para o inibir... só porque
todos sabem que ele nunca se inibiu de fazer o que lhe apetecesse - de ser um
homem livre!
Ali, no torrão natal, ele
relembra que está na posse de todos os seus direitos e que podem contar com ele
para regressar à vida política... Lutará com todas as forças por um país em que
as pequenas extravagâncias deixem de ser questionadas, em que as contas sejam
pagam pelos amigos ou, em último caso, sejam totalmente esquecidas...
24.10.15
Sim,
queria trabalhar! Mas aonde?!
«Sim, queria
trabalhar! Mas aonde?!... Estava cansado de procurar, de pedir, e ninguém lhe
arranjava nada, nem mesmo mísero emprego público. Bem se importavam que seu pai
tivesse morrido em África, lutando pela Pátria, ou que ele mostrasse os seus
papéis de jovem combatente!...
Sim, ele desejava
trabalhar! Mas como se não encontrava trabalho?! E nisto tinha razão o pobre
moço. Afinal, ele outros jovens da sua idade expiavam consequências duma
situação que não haviam criado. Sem preparação prática para a vida, sem
responsabilidades na crise, sem haverem partilhado do regabofe,
eram lançados num inglório destino. Constituíam essa geração de sacrifício que
engrossava a vaga de miséria que rolava pelo mundo, atroando às portas das
cidades seu clamor de justiça - famintos de pão e de alegria, chorando, numa
raiva sagrada, a desdita da sua inútil mocidade...»
Julião Quintinha, Novela Africana, 1933.
Este excerto,
deliberadamente descontextualizado, até porque integra o capítulo Como
se faz um colonial, surge aqui para provar que a atual situação nada tem de
inédito e, sobretudo, que a eventual mudança política só terá sucesso se
conseguir acabar com o regabofe e criar condições para que o trabalho não falte
a ninguém.
23.10.15
«Minha imparcialidade
se torna mais fácil para mim na medida em que conheço muito pouco a respeito
dessas coisas. Sei que apenas uma delas é certa: é que os juízos de valor do
homem acompanham diretamente os seus desejos de felicidade, e que, por conseguinte,
constituem uma tentativa de apoiar com argumentos as suas ilusões.» Sigmund
Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág.111, Imago editora, Rio de
Janeiro.
O Presidente da República
argumenta como se conhecesse os caminhos da felicidade que o País deve trilhar,
independentemente dos desejos de uma parte significativa do povo.
Os indivíduos que
constituem essa parte da população não contam, como acontece com todos aqueles
que não votaram ou os que vivem na precariedade, sem esquecer os condenados a
emigrar...
A leitura que o
Presidente faz do voto popular não é muito diferente daquela que era feita
pelos Reis, desde a perda do Brasil, ou pelos Presidentes da República que o
antecederam: os indivíduos devem sacrificar os seus desejos de felicidade
(mesmo se ilusórios) à felicidade da Pátria. Uma Pátria madrasta!
A verdade é que este
Presidente sempre foi um "Velho do Restelo" que, depois de ter
desmantelado as frágeis forças produtivas do País, se vem dedicando a admoestar
os cidadãos, sem se dar ao trabalho de lançar qualquer semente à terra por mais
árida que ela possa ser.
Por mim, vou me habituar
a viver sem Presidente. É esse o meu desejo mais profundo: ser capaz de viver
sem Presidente da República.
22.10.15
Se
entronizamos a mediocridade...
«Se entronizamos a
mediocridade, que nada tem de áureo, como esperar que os autênticos padrões de
valor sejam reconhecidos e respeitados? Ao elevarmos tudo ao nível da
consagração, não estaremos antes nivelando... por baixo?» José
Rodrigues Miguéis, O Espelho Poliédrico, Aforismos &
Venenos de Aparício (IV), pág. 313, Estúdios Cor, 1972.
Em 1972, José Rodrigues
Miguéis, escritor mal-amado, talvez pela sua vertente 'estrangeirada' ou,
simplesmente, por desleixe e ignorância de quem "gere" a cultura
portuguesa, insurgia-se contra a mania da entronização da mediocridade.
(Por uma razão que desconheço sempre valorizámos a 'mediania dourada' / 'aurea
mediocritas'.)
Felizmente para ele que
se ausentou deste reino onde existem tantos tronos que deixámos de saber quem
nos desgoverna! No essencial, o anonimato de J.R. Miguéis é fruto da mesma
preguiça atávica que leva, por exemplo, os "bons alunos" a ignorar a
exigência de apresentação, a tempo e horas, de um rascunho orçamental às
instâncias europeias.
Em princípio, o 'bom
aluno' deveria ser aplicado, responsável e cumpridor...
21.10.15
O
discurso indireto não é fiável
Este pequeno enunciado
tem vindo a assombrar-me, de tal modo que decidi contextualizá-lo. Em primeiro
lugar, descobri que a autora de tal ideia é a lexicógrafa e semióloga francesa
Josette Rey-Debove (1929-2005).
Na obra Le
Métalangage, Armand Colin, 1997, Josette Rey-Debove considera o discurso
indireto como infiel, pouco verdadeiro, desorientador, incapaz de dar a
conhecer o que foi dito, função que só pode ser assegurada pelo discurso
direto. E acrescenta ainda que o discurso directo não passa de uma 'tradução' e
coloca todos os problemas ligados à significação da enunciação, à sua
interpretação, à sua reformulação (contração e amplificação).
No tempo em que a opinião
é construída pelo comentador, convém não esquecer que os enunciados deste são
pouco fiáveis, porque, afinal, mais não são do que traduções / traições de uma
voz que não sabemos o que é que efetivamente terá pensado / dito.
Na comunicação como na
acção, o melhor é não deixarmos as palavras por mãos alheias.
20.10.15
O
narcisismo das pequenas diferenças
«Não é fácil aos
homens abandonar a satisfação (...) da inclinação para a agressão. Sem ela,
eles não se sentem confortáveis.» Sigmund Freud, O Mal-Estar
na Civilização, pág. 71, Imago.
A expressão
"narcisismo das pequenas diferenças" é de Freud, e hoje vou
utilizá-la para significar o que se passa na vida política portuguesa. Um
pouco por toda a parte se fala de impasse, de falta de acordo total, ou até de
displicência na abordagem da questão central: quem vai constituir um governo de
legislatura capaz de nos fazer sair da austeridade em que mergulhámos...
Olhando para o discurso
dos protagonistas destes dias, para o tom agressivo que salta das suas
palavras, percebemos que eles se sentem confortáveis com as escolhas que os
respetivos espelhos lhes devolvem.
Lembram, no entanto, o
imperador chinês que decidiu medir de alto a baixo a China, tendo para o efeito
mobilizado toda a população, sem perceber que o resultado seria a morte do seu
povo, já que não sobrava ninguém para produzir o que quer que fosse...
19.10.15
Passos
e Costa recriam o paradoxo de Orwell
«Nós não nos
contentamos com uma obediência negativa, nem mesmo com a mais abjeta submissão.
Quando, finalmente, se dirigirem a nós, deve ser pela sua própria vontade.» Nota
de rodapé 127, in A Condição Pós-Moderna, de Jean-François Lyotard.
Passos e Costa
digladiam-se com um único objetivo: a submissão voluntária do adversário. Pouco
importa que o povo português saia prejudicado...
E a prova de que a
estratégia é de terror é que não procuram qualquer consenso, entendido este
como etapa fundamental para que possa ser constituído um governo que sirva
globalmente os portugueses... Se a regra do diálogo passasse pelo consenso não
atirariam para a praça pública dezenas de propostas para depois virem dizer que
as propostas não são sérias...
De nada serve acusar
Costa ou Passos, porque, na verdade, ambos estão interessados em deitar o
adversário ao tapete, esperando que o derrotado se sente voluntariamente à mesa
e teça loas ao vencedor.
Estes jogadores merecem
cartão vermelho!
18.10.15
« Depuis plus de vingt ans, je traque les mêmes crapules ! On dit qu'il
n'y a que les imbéciles qui ne changent pas... peut-être... mais ce sont les
renégats qui le prétendent !» Siné, Massacre,
Livre de Poche, 1973.
Não é que eu siga com
muita atenção os jogos políticos, começo, no entanto, a ouvir falar de
deputados, designadamente do Partido Socialista, que se preparam para votar
favoravelmente o programa e o orçamento da Coligação. Na sua perspetiva,
mantêm-se fiéis ao ideário socialista, mas, como diria Siné, não sendo
imbecis... vão passar à História como renegados.
17.10.15
Quando o corpo deixa de
estar presente nos lugares de rotina, a voz ausenta-se e a manhã acorda de
forma estranha. As árvores desprevenidas registam um sopro deliquescente. Aos
poucos, a manhã regressa ao normal com outros corpos presentes; outras vozes
porosas elevam-se e atravessam as árvores em salvas retumbantes.
Fora de nós, a luz
incendeia os corpos e, mesmo sem voz, a vida escorre... Entretanto, o tempo
desfaz o calendário, porque o corpo deixou de estar presente nos lugares de
rotina.
16.10.15
Alexandre
Quintanilha na Escola Secundária de Camões
"Take care of freedom and truth wil take care
of itself." Richard Rorty, 2007 / Cuida bem da
liberdade e a verdade vencerá.
No dia do centésimo sexto
aniversário do Liceu Camões, o Professor Doutor Alexandre Quintanilha proferiu,
no Auditório 'Camões', uma conferência sobre "O conhecimento: para que
serve?" ou, numa perspetiva mais especializada, "Neuropotenciação
e os desafios do "melhoramento humano".
De forma clara e concisa,
combinando o registo técnico com o registo corrente, Alexandre Quintanilha
soube explicar a uma assembleia maioritariamente constituída por jovens, os
desafios que a ciência e a tecnologia, em particular, no âmbito da saúde, colocam
quanto à possibilidade de "promover / capacitar o bem-estar humano",
alterando o ambiente "natural", o ambiente "social", o
"estado cerebral" e a biologia.
Creio que grande parte do
sucesso desta conferência deve atribuir-se à pertinência e à qualidade dos
exemplos e, particularmente, à capacidade argumentativa, eivada de uma fina
ironia, como quando o orador fundamentou algumas ideias: "somos mais filhos
da mãe do que do pai" e "toda a medicina é contra a natureza"
ou, ainda, se referiu ao tema do 'risco', opondo os conservadores aos mais
ousados...
Finalmente, numa
abordagem ética e verdadeiramente humanista, Alexandre Quintanilha mostrou que
as ciências estão ao serviço do "melhoramento humano", apesar do
risco de, em sociedades que desprezam a democracia, a ciência ser colocada ao
serviço do "mal".
15.10.15
«O Pasmado estava ali
porque ali deviam cruzar os comboios. Tudo o mais, entrementes, conspirava
contra a sua existência. A aridez, o turbilhonar constante das brisas, o
isolamento, uma como tenebridade paisagística especial, e também, justo é
dizê-lo, a crença de que o sítio era corte de fantasmas e campo não sei de que
espíritos de velhos guerreiros de outros tempos (que ali se teriam defrontado e
mutuamente vencido) fazia do arredor paragem indesejável - onde só por
obrigação se passava, ou ia, ou ficava.» A. Rego Cabral, Tundavala,
A Oeste de Cassinga, pág. 270, Sociedade de Expansão Cultural, Lisboa.
Este é um romance do
tempo em que os engenheiros ousavam enfrentar o anátema que os condenava à
redação de monografias e relatórios. A literatura era, em Portugal, uma coutada
reservada aos juristas, médicos e diletantes.
Um romance de um
engenheiro que defendia que a técnica era a alavanca do mundo e, em particular,
do mundo português em Angola. Sem a engenharia, o desenvolvimento do território
ficaria nas mãos de decisores letrados, mas ociosos... A pasmaceira era o
estado de alma dominante.
Infelizmente, entre os
políticos, poucos eram os engenheiros verdadeiramente empreendedores. E quando
surgia algum, a cáfila, que geria as finanças públicas e impunha a filosofia do
espírito, acabava por ostracizá-los...
Na pasmaceira até a
guerra era preferível à engenharia, ao desenvolvimento, à atividade produtiva.
Neste romance, o Pasmado
é apenas uma estação de caminho de ferro, isolada num território hostil, mas
fundamental para o escoamento do minério. Na Pasmaceira atual, a cáfila que
gere a res publica encerra e desmantela tudo, em nome do eurismo
- uma filosofia cujo espírito está cunhado no euro.
Neste romance, os heróis
são os engenheiros, os técnicos, os trabalhadores.
14.10.15
Cresci, por um tempo, num
lugar onde o galinheiro não se misturava com a coelheira, pelo menos na hora da
deita.
Depois de tanto tempo a
separar as espécies, chegou a hora da miscigenação - o que me parece de grande
sensatez, até porque nunca entendi a razão de ser das fronteiras, dos muros, do
arame farpado...
Há, no entanto, um
problema, uma maldição divina! Por mais que finjam, não falam a mesma
linguagem, embora tenham o mesmo objetivo: conquistar ou manter o poder.
Recordo ainda o tempo em
que, não muito longe do galinheiro e da coelheira, havia uma pocilga sem grande
expressão - uma pocilga doméstica. A espécie que lá vivia não era esquisita.
Comia tudo o que lhe fosse colocado à frente.
Assim estamos nós! Parece
que alguém abriu arca e soltou a besta que nos habita... e a Babel pouco mais é
do que um perímetro doméstico, repleto de ruínas...
13.10.15
«O sofrimento nos
ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à
decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a
ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se
contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de
nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa
última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.»
«Já demos a resposta pela
indicação das três fontes de que nosso sofrimento provém: o poder superior da
natureza, a frágil idade dos nossos próprios corpos e a inadequação das regras
que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no
Estado e na sociedade.»
Sigmund
Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág. 25 e pág. 37, Imago
editora, 2002.
Sempre que encontramos um
amigo, um conhecido, lá surge a pergunta: - Como é que vai? E a inevitável
resposta: - Vamos andando... No entanto, a cortesia, nas reticências, acaba por
deixar escapar um sinal de desilusão. De perda!
De perda da juventude e
da saúde, de isolamento na natureza indiferente e, por vezes, hostil. E,
sobretudo, de vazio porque a sociedade em que vivemos deixou de valorizar o
trabalho, a experiência e o conhecimento.
A sociedade já não é
constituída por pessoas, mas por números. Por símbolos sem referência, e como
tal somos pessoas descartáveis.
12.10.15
Arrumar o PS de
fora para dentro...
Compreendo que o António
Costa fuja da direita como o diabo da Cruz. Também compreendo que queira meter
no bolso o Bloco e o PC, embora a esperteza me pareça sórdida e perigosa. Só
não entendo que queira arrumar o PS de fora para dentro! Lembra aqueles
generais que só invadindo território estrangeiro alcançaram a Fama, mas que,
feitas as contas, destruíram mais do que construíram.
Infelizmente, neste
sorumbático país, os líderes partidários continuam a agir não em nome do bem
comum, mas do vil interesse...
11.10.15
Não me sinto
abolfeta (resgatado)
Quando o tempo começa a
faltar, há quem decida dedicar-se a tarefas improváveis e inúteis. Por exemplo,
construir uma base de dados pessoal - catálogo de existências bibliográficas -
o que me transforma num manuseador do pano do pó e num ordenador de espécies
que andam à deriva...
No meu caso, para além da
morosidade da tarefa, sinto que estou numa fase de revisitação de autores,
obras, editores... e até de descoberta de existências inesperadas que me dão
conta da fragilidade da memória, apesar de Freud ensinar que o nosso cérebro
nada esquece: é preciso é escavar um pouco, como acontece em qualquer cidade
antiga... Deitamos um tabique abaixo e logo surgem vestígios da cidade de
outro(s) tempo(s)...
Concluído o registo 1067,
abro o Vocabulário Português de Origem Árabe, de José Pedro Machado, percorro
verbete a verbete, cada vez mais ciente de que temos andado a branquear as
raízes árabes, e aterro no termo ABOLFETA: antr. que ocorre em documento
de 1025 (Dipl., pág.159). Do ár. abū-l-fidā, à letra, «Pai do resgate»,
isto é «o resgatado».
Confirmo, assim, que o
resgate é também ele coisa antiga, anterior ao tempo dos cativos mais famosos,
como, por exemplo, o Infante Santo. E, sobretudo, infiro que nem sempre o «pai
do resgate» coincide com «o resgatado», embora devesse...
Parece que andamos
esquecidos de que pouco temos feito para pagar o resgate, ao contrário, por
exemplo, dos islandeses que já se viram livres do FMI.
10.10.15
Melhor seria que Marcelo
Rebelo de Sousa tivesse explicado o que é que Portugal lhe deu e que, na
verdade, não deu a muitos outros portugueses... Este Marcelo urbano, que
insiste nas raízes provincianas, apresenta-se como "vítima" da perda
do Império, que lhe levou a família ao Brasil, na condição de emigrante... Há
neste seu Portugal uma certa tendência para confundir o exílio político com a
emigração!
O Portugal de Marcelo
começa a ganhar uma substância que não é a minha. E essa substância acabará por
deixar de se expor nas entrelinhas para surgir num movimento político que irá
colocar-se à direita da atual Coligação PSD - CDS...
A campanha dos afetos já
fora ensaiada com Marcelo Caetano como antídoto para ocupar o lugar do pai
tirano e austero que governara o país durante quatro décadas. Agora a
sereia pensa que o caminho falhado por Caetano pode ser reintroduzido para
substituir o esfíngico Cavaco.
9.10.15
Marcelo
Rebelo de Sousa... o regresso do passado...
Marcelo Rebelo de Sousa,
ao apresentar-se, em Celorico de Basto, como candidato a Presidente da
República, retoma os laços com o Estado Novo de que o 25 de Abril não foi capaz
de nos libertar.
Vamos ver se, nas
próximas eleições presidenciais, surge um candidato que rompa definitivamente
com o passado...
Por enquanto, não
vislumbro nenhum.
8.10.15
As eleições já lá vão!
Consta que o povo se
pronunciou, no entanto tudo se processa como se nada tivesse acontecido ou,
melhor, a dança ainda agora teve início, mas a solução há que encená-la e até
dramatizá-la...
De qualquer modo, não
estamos à altura dos gregos, nem dos antigos que entendiam que o drama deveria
decorrer num tempo máximo de 24 horas, nem dos modernos que, ainda há um mês,
foram a votos, e sem maiorias absolutas, conseguiram em poucos dias constituir
um governo.
7.10.15
O ministro da Educação e
Ciência, Nuno Crato, disse hoje, em Campo Maior, no Alentejo, estar
"concentrado em arrumar a casa", salientando que a sua passagem pela
política "é passageira". Já não era sem tempo!
Nuno Crato decidiu
«arrumar a casa», depois de ter passado quatro anos a demoli-la. E acrescenta
que vai regressar à vida de professor que, na verdade, já abandonara antes de
subir a ministro. Vamos lá ver se terá deixado o IAVE com as competências necessárias
para o avaliar...
Finalmente, custa-me
aceitar a mania de certos indivíduos que insistem em considerar
"passageira" a sua participação na governação, sobretudo, quando
deixam atrás de si mais obscurantismo e mais pobreza.
6.10.15
«Trava-se uma luta de tração:
o futuro arrasta-nos para uma unidade europeia, o passado puxa-nos para trás.
Assim, é o asno de Buridan, com fome e com sede, paralisado entre o molho de
palha e o balde de água.» José Fernandes Fafe, Nação: Fim ou Metamorfose?
pág. 86, IN-CM, 1990.
O asno de Buridan
(1300-1358), de tanto hesitar acabou por morrer de fome e de sede, apesar de
não constar que o filósofo medievo tivesse um asno ao seu serviço...
Assim estamos nós,
portugueses, em nome de velhas ideias, insistimos em preservar mitos
bolorentos. Mas não estamos sós: os estados-nações que nos cercam continuam a
valorizar os interesses nacionais e, em vez de apostarem na metamorfose, criam
clivagens que só podem fazer ressurgir os nacionalismos...
Perante os resultados
eleitorais de 4 de outubro, os partidos comportam-se como os caducos
estados-nações. E no caso particular do Partido Socialista, este, em vez de
reafirmar a sua opção europeia, decidiu iniciar um processo fratricida que
levará ao seu desaparecimento, tornando ainda mais sombria a necessária
metamorfose portuguesa.
5.10.15
Há quem insista em
dar vivas à República
Há quem insista em dar
vivas à República, atitude que eu não entendo, pois, o inimigo monárquico já se
encontra extinto. Como se sabe, a República foi instaurada na sequência de um
regicídio e os anos que se seguiram foram de permanente instabilidade. Uma das
causas mais profundas do caos, foi a bancarrota dos finais do século XIX...
A situação era de tal
modo grave que Salazar sacudiu a República e as sobras monárquicas para dentro
do galinheiro durante meio século. De podre, o regime caiu, e voltámos a dar
vivas à República e a uns tantos socialismos (mais ou menos radicais), importados
de uma Europa a que não pertencíamos...
Essa importação parecia
dar fruto, até que surgiram uns "senhores" republicanos que se foram
abotoando com os fundos europeus num contínuo cenário mais ou menos mitigado de
bancarrota... E o resultado está à vista: os mais afoitos estão-se borrifando
para a República; outros, nostálgicos ou, em alternativa, desejosos de a
esfolar, reúnem-se para celebrar o que nasceu num dia em que nada havia para
distribuir...
E assim continuamos: uma
canelada aqui, um fratricídio ali... e a bancarrota sempre dentro de casa, que
não de todos - a grei republicana já reservou lugar para os próximos quatro
anos.
4.10.15
Nesta noite, só posso
concluir que continuamos a ser um país de fadistas (Fado, Futebol e Fátima)
masoquistas.
Quando a alternativa não
se apresentou unida, de pouco serve procurar pontes entre os irmãos
desavindos. Ao olhar para os resultados eleitorais, fica claro que há 230
portugueses que não vão precisar de emigrar nem de se preocupar com o futuro
imediato.
A austeridade, amanhã,
será ainda mais dura, mas legitimada.
Quanto a António Costa, a
esta hora já terá compreendido que «quem com ferro mata com ferro morre.»
Finalmente, o eurismo
venceu e a TROIKA já tem um bom aluno para apresentar como exemplo.
Face aos resultados desta noite, a insatisfação
desapareceu. Apenas, náusea.
3.10.15
«As raízes estão
sempre perto da origem e por elas entra a novidade informativa (seiva) que faz
crescer a planta.» E. M. de Melo e Castro, Essa crítica louca,
pág. 41, Moraes editores.
Este enunciado surge aqui
como resposta a quem, ao fugir de si, se afasta da raiz, o que já é grande
perda, embora não comparável com o caso daquele que, não sabendo de si, estanca
a seiva de quem tudo faz para conhecer a raiz...
Às plantas e às pessoas,
há que regá-las e deixá-las medrar.
2.10.15
Estou de tal modo
informado e insatisfeito que acabo de decidir que, até domingo à noite, não vou
escrever mais nada sobre todos aqueles que irão a votos no dia 4 de outubro,
sem esquecer os dois fantasmas que, não podendo candidatar-se, não desgrudam e insistem
em atrapalhar o ato eleitoral...
Estou pronto a votar, e
como tal não preciso de atoardas de última hora, até porque, para mim, há uma
fronteira que há muito decidi não cruzar. Sem ser sebastianista, ainda quero
acreditar que há alguém no terreno que será capaz de não ceder ao canto mavioso
das sereias que o vão cercando... e é nesse que vou votar.
Deste modo, esclareço que
não necessito nem do sábado nem da segunda-feira para qualquer tipo de exegese.
1.10.15
Com a classe política que
não cumpre o que promete, os profetas de serviço, a universidade que não zela
pelos estudantes - a arbitrariedade, a indecisão, a omissão - o vizinho que não
paga o condomínio, o doente que pensa que não há mais mundo, o médico taxímetro...
e, sobretudo, comigo próprio que tolero tal estado de putrefação.
Aproxima-se o dia da
decisão e só vejo partidos, coligações, movimentos, todos contentes de si, mas
nenhum que queira acabar com a minha insatisfação, embora já me tenha soado que
há um partido que se propõe devolver a felicidade às pessoas, isto é, pôr termo
à mentira, à falácia, à arbitrariedade, ao desleixe, ao incumprimento, ao
egoísmo, ao vil metal.… à putrefação.
Estou insatisfeito
porque, apesar de ribatejano, ainda não é desta que pego o touro pelos
cornos...
30.9.15
Ser enfermeiro na
urgência do Hospital de São José
Ser enfermeiro na
urgência do Hospital de São José é uma missão deveras difícil, sobretudo quando
o número é reduzido e o dos pacientes cresce a todo o momento.
Hoje passei cerca de 9
horas no SOS, como acompanhante, e aquilo que observei merece uma palavra de
apreço. Por mais que o pessoal de enfermagem procure responder às necessidades
dos doentes, estes sofrem de problemas tão diversos que só uma equipa multidisciplinar
alargada poderia responder a todas a solicitações.
Qualquer mediano
observador dá conta de que os doentes que ali entram são idosos, com patologias
muito diferenciadas e sobretudo mal-acompanhadas - onde é que andam os
assistentes sociais? - e indivíduos que se debatem com múltiplos episódios, uns
crónicos e outros inesperados, mas todos necessitam de uma resposta
personalizada.
E essa resposta é que não
acontece por falta de meios humanos, por falta de celeridade no diagnóstico e
na resposta dos médicos.
Ao fim de algumas horas,
dei comigo a pensar na falta dos enfermeiros que saíram do país, não só na
quantidade, como, sobretudo, na qualidade...
Ser enfermeiro na
urgência do Hospital de São José (como nos restantes) exige um grau de
estoicismo só alcance de muito poucos... e ainda por cima o doente espera um
sorriso, uma esperança imediata e até uma mentira...
Para além de todos os
partidos afirmarem que defendem o Serviço Nacional de Saúde, não sei o que é
que pensam fazer para tornar as urgências menos dolorosas e os profissionais
que ali trabalham mais respeitados. Não estou a referir-me a condecorações, mas
a condições de trabalho...
29.9.15
Para que serve o
acidente quando a substância não existe?
Na espécie humana, como
noutras espécies, verdadeiramente, não há raças, e muito menos
"puras" e "impuras", o que há são traços distintivos
epidérmicos que, por razões de poder, são sobrevalorizados, dando origem a
culturas segregacionistas e esclavagistas...
O recurso à noção
de "raça" foi sempre um pretexto para separar, escravizar, humilhar e
eliminar.
Apesar da omissão do
termo, no discurso político atual, os candidatos a deputados insistem em
separar os "puros" dos "impuros", como se os
"puros" pertencessem a um grupo nascido em estado de
"graça", incapaz de sujar as mãos no lamaçal que é o exercício do
poder...
(Por onde é que andam os
anarquistas?)
28.9.15
Se Portugal ainda
fosse uma nação...
Se Portugal ainda fosse
uma nação - longe de mim, chamar-lhe 'pátria' ou 'mátria" - a
campanha eleitoral seria de união e não de divisão como tem vindo a
acontecer...
Os problemas são antigos,
diria que datam do tempo em que a Ordem de Cristo entrou em decadência. Apesar
da apregoada multirracialidade, a nação nunca, em termos demográficos, foi
capaz de suster o combate que lhe foi sendo movido por nações cada vez mais
poderosas... Apesar do crescimento da diáspora nas várias partes do mundo, esta
nunca foi efetivo parceiro cultural, económico e financeiro, ao contrário do
que foi acontecendo, por exemplo, com os judeus...
Por outro lado, os
vizinhos sempre foram considerados 'inimigos' e olhados com altivez e desprezo.
Até que, condenados ao
isolamento, nos atirámos para o colo da Alemanha, verdadeiro pulmão da União
europeia, convencidos de que poderíamos dormir descansados sob a asa do falcão
germânico.
O que esta campanha
eleitoral vai mostrando é a incapacidade dos partidos (todos) elaborarem um
programa nacional capaz de nos libertar das opções erradas, não apenas do tempo
de Sócrates ou do tempo de Passos Coelho, mas do século XVI para cá...
Será que algum dos
candidatos a deputados leu o opúsculo de Antero de Quental "Causas da
Decadência dos Povos Peninsulares"? Provavelmente não leram, a
começar pelos socialistas! Talvez seja esse o motivo que explica que
oficialmente o PS tenha sido fundado na Alemanha, no século XX e não, no século
XIX, em Portugal... Pode parecer que a diferença nada acrescenta, mas isso é ignorar
que os partidos portugueses pós-25 abril, em regra, foram financiados por
organizações partidárias estrangeiras...
Como diria Fernão
Lopes, em tradução livre, diz-me quem te encheu o bucho que eu te digo a
quem é que tu serves.
27.9.15
A certeza é menos
falsa do que a verdade
Apesar de tudo, não creio
que Almeida Garrett se tenha cansado da política, embora se tenha cansado dos
barões - os asnos que, depois de expulsarem os parasitas dos frades, se
abotoaram com tudo o que tinha valor...
Depois do 25 de Abril,
Almeida Garrett foi varrido para o caixote do lixo pelos novos barões, amantes
da propriedade e da sacristia e, em muitos casos, do avental e do compasso,
deixando por isso nos programas escolares O Frei Luís de Sousa, obra de
muitos méritos, mas sem qualquer perspectiva de futuro.
Por entre a catalogação
de livros e o início da leitura do romance TUNDAVALA de A. Rego
Cabral, em nenhum momento do dia pensara em Garrett. Pensara, sim, no meu
desconhecimento de quem foi Álvaro Rego Cabral (1915-2010) e, principalmente na
razão que me levara a adquirir tal livro num alfarrabista lisboeta. O exemplar
está autografado, mas não terá sido esse motivo... Entendo agora que o Senhor
foi um engenheiro ilustre nos territórios ultramarinos, responsável por
caminhos viários e ferroviários, sem descurar as minas e, sobretudo, amigo do
seu amigo...
Nas páginas já lidas,
dedicadas a Armindo Monteiro, Álvaro Rego Cabral (que, também, publicou sob o
curioso pseudónimo de Estorieira Santos), há, no entanto, uma linha de
raciocínio que desperta a minha atenção: a História que nos ensinam é um cesto
de mentiras, o romance, dito, histórico ainda é mais preconceituoso do que a História...
A certeza é menos falsa
do que a verdade, porque a primeira resulta da experiência individual, e a
segunda tem origem no poder dos barões, dos novos barões, dos novíssimos
barões...
26.9.15
Alimentar um blogue é um
pouco como alimentar um burro: um ou dois baldes de água e uma mão cheia de
feno; nos dias festivos, meia dúzia de favas... E aí o burro zurra e, em certos
casos, dá um par de coices.
O burro deste dia não
teve direito a favas e viu-se obrigado a comer uma sopa de espinafres com grão,
bem salgada. Mas nem tudo foi mau!
Por entre os afazeres -
todos eles exigindo muita contenção, não fossem os cascos disparar sem aviso
prévio - o burro, ao som dos tambores, deixou-se ficar parado à espera de que o
Bernardino Soares terminasse a conversão de uma senhora eleitora... A prédica
foi tão longa que o burro acabou por seguir viagem, recolhendo-se na leitura do
jornal i, apesar das testemunhas de Jeová terem tentado aliciá-lo para reinos
mais espirituais, logo quando o pachorrento asno se deliciava com as aventuras
do Manuel Maria Carrilho e da Bárbara Guimarães e, particularmente, com a
entrevista dada pela Manuela Moura Guedes, que ama o Passos e o Portas, mas que
desconfia da incontinência verbal do Papa argentino... Papa a sério, para ela,
só o alemão!
25.9.15
A burra das
finanças dança de contentamento
Nestes dias, só há boas
notícias! Os cobradores de impostos andam felizes. O dinheiro entra a
jorros na burra das finanças. Os juros e as dívidas baixam. A União Europeia
aplaude! Há dinheiro para as empresas, para os agricultores, para bolsas, para
a música e até para a saúde...
Há, no entanto, um
pequeno problema: para que a burra das finanças dance de contentamento é
necessário que alguém tenha sido esburgado.
Resta saber se os
esburgados, no dia 4 de outubro, vão votar na burricada.
24.9.15
Há um ministro português
que dorme descansado, porque perguntou ao ladrão se ele lhe tinha assaltado a
casa. O bom ladrão assegurou-lhe que não... (discurso relatado de uma conversa
entre Pires de Lima e a administração da Autoeuropa.)
Piedoso, o ministro
acredita que nada de mau vai acontecer ao plano de investimento da Autoeuropa
em Palmela. O problema, em Portugal, é que não é possível confiar nos
conselhos de administração, presidentes, altos funcionários...
Parece que vamos
finalmente conhecer os factos de que José Sócrates vem sendo acusado! A
curiosidade é que a informação chega em plena campanha eleitoral.
A transparência alemã
A Hungria é um não-lugar,
distante, cujo arame farpado fica ainda mais longe. A Hungria só ganha vida
quando o turista chega a Budapeste e ignora as botas cardadas que irrompem da
mente vigilante que a Europa alemã acarinha como guarda avançada contra a imaginada
"barbárie fundamentalista" que lhe ameaça a fronteira.
Aqui, neste lugar, também
ele fronteira dessa mesma Europa alemã, ainda não percebemos que a mentira, se
fosse apenas dos pinóquios, seria inofensiva. A mentira que nos avilta é também
ela alemã e circula na tecnologia que subservientemente continuamos a comprar.
Sabemos agora que a mentira alemã nos destrói os pulmões e mata a flora e a
fauna.
A chanceler pede
transparência e está disposta a pagar chorudas indemnizações. Mas a quem? Às
vítimas? Será possível identificar as vítimas?
22.9.15
Antigamente, os muros
eram de pedra. Depois passaram a ser de cimento e hoje são de arame farpado.
Muda a matéria, mas os muros continuam. Um dia, abate-se o muro de Berlim; no
dia seguinte, caem as muralhas da União Soviética, e até a China se desdobra em
dois sistemas, mas tal não significa que a batalha das fronteiras tenha
terminado...
Pelo contrário, as
fronteiras, durante um certo tempo, pareceram imateriais, mas, na verdade,
continua-se a combater com as armas do capitalismo internacional: o saque das matérias-primas,
a especulação financeira e a destruição do trabalho humano.
Acordamos, entretanto,
espantados com a audácia do Governo húngaro, mas o que a Hungria está a fazer é
guardar a fronteira da União europeia. Os húngaros não temem os refugiados
sírios ou iraquianos, porque para estes a Hungria é apenas um lugar de travessia
- os refugiados procuram a Europa rica e não a Europa pobre. E é compreensível
que o façam: para miséria e flagelo já lhes chegam os territórios esventrados
donde são obrigados a fugir! O que os húngaros temem é a Europa rica que lhes
impõe que sejam a sua guarda avançada. O resto é embuste.
21.9.15
As pitangas
maduras estão do outro lado do arame farpado
«Que tristeza: as
pitangas do lado de fora, ao alcance da mão, sem trabalhos e sem perigos, nunca
amaduram!» António Jacinto, Fábulas de Sanji,
in Comportamentos, pág. 42, ed. União de Escritores Angolanos.
Ontem, na
Grécia, 44,05% dos gregos não foram votar. À primeira vista, não votar
parece ser uma opção democrática, mas é essa opção que legitima a vitória
daqueles que dão o dito pelo não dito e assim vão continuar.
O argumento de que já não
há nada a fazer é insustentável! As pitangas maduras estão do outro lado do
arame farpado, e o mínimo que o ser humano pode fazer é saltá-lo, mesmo que o
risco espreite.
O resultado das eleições
só é convincente e capaz de assustar os credores, se todos cumprirem o dever de
votar. Mais do que um direito, votar no dia 4 de outubro é um dever.
Li, entretanto, uma
"opinião" de António Ribeiro Ferreira, chefe de redação do
jornal i, que me deixou, não direi escandalizado, mas
perplexo: Sócrates e Costa são as duas faces de uma má moeda.
Não sei qual está a ser o
impacto da "opinião" de A.R.F., espero, porém, que nas Faculdades de
Comunicação Social, alguém ensine a diferença entre informação, devidamente
comprovada, e propaganda.
Felizmente, no mesmo
jornal, é possível ler uma entrevista a Eduardo Paz Ferreira, cuja
"opinião" é bem sustentada, não enlameando quem quer que seja, apesar
da mediocridade reinante...
20.9.15
Tsípras ganhou as
eleições. A coerência ideológica foi derrotada. O dia de amanhã será de maior
miséria do que os anteriores, embora haja a esperança de que ainda é possível
ficar aquém da TROIKA.
Por cá, há quem não
queira voltar a ver a TROIKA e há quem também queira ficar aquém da TROIKA.
O problema é que a
questão não é de VONTADE. O capital é quem mais ordena! Para ricos e para
pobres! Afinal, os Gregos acabaram por aceitar o terceiro regaste, por causa
dos milhares de milhões...
19.9.15
José Lello, o
socialista amigo
«Em 1979 fui
candidato à Assembleia, mas não quis ser deputado...» Porquê? «Ganhava-se mal.
48 contos ou isso. Eu tinha comprado casa, estava a ganhar dinheiro no privado.»
«Sempre estive nas
minorias, mas nem por isso deixei de ter cargos relevantes. Mas é nessa altura,
estava o Ferro na liderança, que começamos a fazer a campanha do Sócrates. E
ele não queria; era do secretariado do Ferro... Estamos na altura do Durão Barroso,
fazíamos uns jantares, começou-se a colocar coisas na imprensa... E ele ficava
furioso, achava que era uma coisa indelicada. Mas nós não tínhamos nada a ver
com isso, éramos claramente contra o Ferro.»
(...)
«Era um grupo forte e
onde estava o Serrasqueiro, o Renato Sampaio. O Costa também vinha aos nossos
jantares. O Pina Moura. Foi aí que surgiu o "menino de ouro"...
E, de repente, o Santana cai e o Ferro demite-se. (...) E pronto, ele apareceu,
nós já tínhamos feito o levantamento das federações todas - é assim que se
trata da mercearia partidária. E ele ganhou claramente as eleições.»
(Transcrições da entrevista dada por José Lello ao jornal i, 19 de setembro de
2015)
José Lello, um homem de
princípios socialistas, incapaz de trair os camaradas e que assegura que nunca
foi um terratenente... Apesar de desprezar as remunerações principescas,
cedo viu no cândido José Sócrates, o menino de ouro. Agora, está
um pouco aborrecido com o António Costa, pois não vê «necessidade
de passar ao lado de Sócrates» e sobretudo, de afastar das listas de
deputados, o Fernando Serrasqueiro, o André Figueiredo, o Mota Andrade, o
Paulo Campos... o José Lello...
Perdão! José Lello, aos
71 anos, 32 depois de ter entrado no parlamento, «mostrou-se
disponível para sair. Só aceitaria voltar num caso muito relevante.»
Só não disse qual! Nem explicou por que motivo viu em José Sócrates o
menino de ouro. Espero que a razão seja bem distinta da de Carlos
Alexandre...
18.9.15
Geir Lundestad,
historiador, que participou no Comité para o Prémio Nobel da Paz, em 2009,
reconhece agora que a atribuição do Nobel da Paz a Obama visava
"fortalecê-lo", mas que "tal não aconteceu".
(Qualquer dicionário
explica que o termo "prémio" significa: «distinção conferida por
certas trabalhos ou certos méritos».)
No caso da atribuição do
prémio a Obama, o que o Comité para o Prémio Nobel da Paz procurou fazer foi
"dirigir", condicionar a ação do Presidente dos Estados Unidos.
Daqui se infere uma
alteração significativo do sentido do termo "prémio" e,
principalmente, desrespeito por todos aqueles que defendem os direitos humanos
e a paz.
Se o referido Comité
considera que Obama não é um homem de paz, melhor seria que explicasse porquê e
apresentasse desculpas àqueles que se sacrificam diariamente pela paz.
17.9.15
Estive a ouvi-los na
rádio, até porque não gosto de os ver. Longe da vista, longe do coração! O
problema é que um não sabe o que prometer, e por isso promete continuidade; e o
outro promete quase tudo, como se tivesse acabado de descobrir poços de
petróleo e minas de ouro...
Ao ouvi-los, fico com a
ideia de que a TROIKA vai voltar.
Ao ouvi-los, percebi que,
de momento, estas vozes só querem embalar-nos. Para o futuro falta-lhes uma
estratégia de desenvolvimento científico, cultural e económico. Sem ela, não
haverá sociedade que resista...
16.9.15
«Uma ciência que não
encontrou a sua legitimidade não é uma ciência verdadeira, ela cai no nível
mais baixo, o de ideologia ou de instrumento de poder, se o discurso que a
devia legitimar surge como relevando de um saber pré-científico, semelhante, a
uma «narrativa vulgar». Jean-François Lyotard, A Condição
Pós-Moderna, pág. 80, Gradiva.
Não espero que o homem
político seja cientista, mas espero que ele seja capaz de expor de forma clara
a ideologia que defende, porque a sua legitimidade exige que o eleitor vote
devidamente esclarecido. Infelizmente, a clareza é o que mais tem faltado. Os
golpes baixos multiplicam-se. A própria linguagem soçobra na vulgaridade... Inimigo
da ciência e sem ideologia, o homem político vive na fantasia e no logro.
Sem ciência, não é
possível ensinar! Assim, quando falta a legitimidade ao docente, este acaba por
mergulhar na ideologia ou, em alternativa, no entretenimento...
A verdade é que é na
escola que nasce o homem político.
15.9.15
Talvez por preconceito,
sempre aceitei que o cão pudesse não gozar de total liberdade, pois com alguma
frequência abocanha as canelas de quem não deve...
O que me espanta é que o
dono possa pensar que alguém o pode prender por simplesmente ter cão. E já
agora também é descabido que alguém se considere dono do que não tem...
Os jogos de linguagem,
por vezes, roçam o absurdo, tal como Passos Coelho que espera que o não prendam
por ter ou não ter cão.
No caso, o que Passos
quer dizer é que não pode ser preso porque, tal como Pilatos, há muito lavou as
mãos da falência do Espírito Santo, deixando aos iscariotes a tarefa de
resolver o problema.
14.9.15
Refugiados,
desempregados e emigrantes
Portugal necessita de
acolher dignamente os refugiados, mas não pode condenar ao desemprego e à
emigração centenas de milhares de portugueses. Qualquer política, que
favoreça os refugiados e, simultaneamente, vote ao ostracismo os seus naturais,
gerará focos de dissensão e, a médio prazo, de xenofobia.
Como tal, é necessário
que os partidos esclareçam devidamente que medidas tencionam
tomar para diminuir o desemprego e a emigração, assegurando,
consequentemente, a integração harmoniosa dos refugiados.
De nada serve apregoar
solidariedade com as vítimas da guerra e do despotismo para depois as deixar ao
abandono. A União Europeia não se esquecerá de nos enviar os refugiados
mais pobres, sejam eles sírios, iraquianos ou outros...
Entretanto,
multiplicam-se as imagens de terror, apelando à compaixão. Só ninguém diz, de
forma clara, quais as medidas a tomar depois do próximo ato
eleitoral. A continuar assim, o absentismo irá aumentar! É que já não faz
sentido continuar a responsabilizar o passado.
Quem ganhar as próximas
eleições, terá de resolver os problemas do presente, minorando os do futuro.
13.9.15
A dissolução do
vínculo social
«Muitas vezes se
diz melhor calando do que falando em demasia.» Provérbio oriental
(Num
supermercado.) A caixa recebe de um cliente, já idoso, uma nota de 10
euros para pagar 6 euros e 5 cêntimos. Mecanicamente, pergunta-lhe se quer
colocar o número de contribuinte na fatura, ao que o senhor, de forma pouco
audível, responde: - só quero a 'demasia'! A menina, perplexa, volta a insistir
no NIF, e o idoso na 'demasia', gerando-se o impasse...
Perante a indecisão,
decidi explicar à jovem caixa que 'demasia', no contexto, significava 'troco'.
Fixou-me, de modo interrogativo, e explicou-me que nunca ouvira tal palavra.
Não perdi a oportunidade de lhe explicar que a sua avó certamente conhecia o significado
do vocábulo... Entretanto, fiquei a pensar que, provavelmente, a jovem caixa
não teria tempo para ouvir os avós. Na verdade, os mais velhos hoje já só
servem para pagar as contas.
Incapazes de ouvir e de
falar, dissolvemos o vínculo social. E essa destruição instala-se
prioritariamente na língua materna e, a todo o momento, somos convidados a
abandoná-la, a tornarmo-nos falantes de uma única língua - a língua das praças
financeiras, mas também a língua dos apátridas.
Sobre essa mudança, nada
dizemos. E vamos (ou não) votar em quem há muito já deixou de ouvir os mais
velhos, e se prepara para os asfixiar, roubando-lhes as pensões e taxando-os a
toda a hora. É para isso que serve o número de contribuinte. Agora até nos
novos jogos de fortuna e azar é preciso indicar o NIF...
12.9.15
T. Parsons (1957): «A
condição mais decisiva para que uma análise dinâmica seja boa é que cada
problema seja contínua e sistematicamente referido ao estado do sistema como um
todo (...) Um processo ou um conjunto de condições, ou 'contribui' para a
manutenção (ou o desenvolvimento) do sistema, ou é 'disfuncional' na medida em
que atenta contra a integridade e a eficácia do sistema.» Citado por
Jean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna, pág. 34-35, Gradiva.
Como o atual sistema já
eliminou a luta de classes, sobra o capitalismo internacionalista. À exceção do
velho PCP, já ninguém ousa falar em luta de classes.
As classes, aos poucos,
foram-se diluindo, sobrando apenas os pobres e os ricos, todos apátridas. É por
isso que a Coligação tem como objetivo lutar contra as desigualdades. É um
objetivo coerente, pois o que está em causa é o empobrecimento geral, destruindo
as classes intermédias, fortalecendo, deste modo, a casta dos ricos, novos e
únicos cidadãos do mundo.
Aqueles que lutam pelo
poder já fizeram a sua opção: apanhar o comboio dos ricos! Se algum disser o
contrário, é porque é 'disfuncional': ao atentar contra o sistema, está a expor
a sua «paranoia».
Num mundo em que o
'global' foi capturado por oligarquias desregradas, das diversas máfias aos
múltiplos cartéis, fazer política exige visão global e, sobretudo, uma
estratégia de mudança devidamente partilhada pelos eleitores - exige verdade. E
não propaganda!
11.9.15
«Numa sociedade em que
os nossos desejos são constantemente estimulados pelo consumo, pela hierarquia
social, pelo estatuto dado pelo que se possui, os homens são convidados a serem
robots ávidos.» Roger Garaudy, APELO AOS (PORTUGUESES) VIVOS,
Raiz e Utopia 11/12.
A ideologia de cada um
(sim, porque agora cada um de nós tem uma ideologia!) é transparente: consumir
mais e melhor, e encontrar o atalho que leve ao enriquecimento rápido e sem
esforço. E enquanto isso, deixamos para trás a consciência que nos permitia destrinçar
se o desejo era moralmente aceitável ou se, pelo contrário, este era fruto do
instinto mais irracional... Hoje, somos robots que reagimos a
estímulos manipulados por verdadeiras agências de intoxicação.
Acabo de dar conta de que
Passos Coelho vai ganhar as eleições, porque o eleitorado é maioritariamente
feminino. Pelo menos, é o que corre nos media... Qual será a fragrância que ele
emana?
10.9.15
Embora tenha prometido
não seguir o debate Passos / Costa, acabei por ouvir os últimos 20 minutos.
Fiquei com a sensação de que o jogo da democracia estava a ser travado por dois
homens com atitudes bem distintas. O primeiro vestira a máscara da seriedade e
da responsabilidade; o segundo escolhera uma farpela mais atraente. Ambos, no
entanto, estavam conscientes de que o poder, independentemente do vencedor nas
urnas, nunca esteve nem estará nas suas mãos...
Não posso deixar de
estranhar a atitude dos entrevistadores: parecia que queriam domar feras que
mais não eram do que cordeirinhos. Este é um jogo democrático que será sempre
decidido na secretaria.
Se não formos capazes de
olhar para nós, porque nos falta distanciamento e discernimento, então, olhemos
para a Grécia!
Definição
de Tsípras: alguém que, no contexto do capitalismo internacionalista,
promete o que não tem, e acaba a fazer o contrário do que prometera.
9.9.15
Não vou seguir o debate
entre Passos e Costa. Porquê?
Pela simples razão de que
nenhum surge como alternativa válida.
Apenas vão debater qual
deles está em melhor posição de servir o capitalismo internacional. Desde a
entrada de Portugal na União Europeia e, particularmente, desde a entrada no
"euro", que os autointitulados partidos do eixo da governação nos
colocaram de joelhos...
Ouvi-los mentir
tornou-se-me intolerável. Não há luz, nem cor, nem máscara, nem tom, nem
argumento, nem promessa que me possam persuadir que o debate desta noite é mais
do que uma pantomina...
A não ser que os
farsantes nos dissessem que estão acorrentados de pés e mãos e que, na verdade,
apenas ali estão a jogar à democracia para tranquilizar o capitalismo
internacional.
8.9.15
Um ponto cujo sentido da
totalidade começou por ser pré-capitalista: a aldeia, a igreja, o burro, o
trabalho não remunerado; o romantismo e o realismo utópico...
Outro ponto cujo sentido
da totalidade foi sendo moldado pelo capitalismo nacionalista e colonialista: a
cidade, a igreja, o autocarro e o comboio, o estudo dos heróis, o emprego e a
remuneração crescente, baseada na progressão académica e, sobretudo, na
antiguidade; o modernismo incompreendido...
Derradeiro ponto cujo
sentido se vai perdendo no capitalismo internacionalista (na chamada
pós-modernidade): a viagem, as novas tecnologias, a estagnação profissional e a
perda de remuneração; a ideologia confinada à representação de «la
relación imaginaria del sujeto com sus
condiciones reales de existência». Fredric Jameson, 1984, El posmodernismo o la lógica
cultural del capitalismo avanzado.
Um ponto que vai
perdendo a distância crítica, porque incapaz de compreender a cultura
gerada pelo capitalismo internacionalista - o pós-modernismo. Este, mais do que
contracultura, é a forma avançada da alienação do ser, cada vez mais à
deriva.
7.9.15
É difícil explicar o que
não nos oferece explicação. Perante a pergunta inevitável, vou repetindo um
motivo artificioso: "divergências".
O termo parece mágico,
pois ninguém se interroga sobre a causa, o quê ou sobre quem é que diverge de
quem...
(Nos próximos dias, a
situação vai repetir-se.)
Entretanto, parece que a
minha espera deixou de ser solitária. Das palavras dos meus interlocutores
irrompe uma certa solidariedade ou, pelo menos, comiseração.
Sob os plátanos, a brisa
esmorece. Só uma mosca procura células em decomposição. Incomoda: ainda há
quem, disfarçadamente, saiba jogar com a lei, sem a contornar.
6.9.15
Preferia ficar calado,
porém, perante certos comportamentos, entendo que o melhor é não os ignorar.
Vem isto a propósito da dificuldade em destrinçar a mentira da verdade.
Todos os dias, nos
confrontamos com uma informação de tal modo tendenciosa que, no meu caso, me
leva a não ler revistas nem jornais e, sobretudo, a fugir das televisões.
Nos media, há quem ganhe a vida a empastelar... há quem construa uma
carreira profissional a explorar mexericos, há quem, à custa da fama obtida nos
estúdios de televisão, cobre honorários proibitivos...
Querendo, apesar de tudo,
acreditar que o ser humano é naturalmente bom (J.J. Rousseau), a espaços
procuro na Internet informação menos poluída. Ora, hoje, dei conta de que
uns tantos jovens resolveram celebrar publicamente a sua "entrada" no
curso de medicina.
Na verdade, o que estes
jovens fizeram foi enganar "os amigos". Dirão que se trata de uma
brincadeira (mais uma!) ... De facto, a brincar não se aprende a dizer a
verdade. Só a mentir!
Como sabemos, a mentira é
provavelmente o maior cancro que mina as relações humanas. Mas também é um
excelente trampolim para a conquista do poder. Infelizmente !
5.9.15
« L’effroi, la dissonance, ils sont partout ici. Qu'un rossignol chante,
et il a la voix du désespoir. » Jacques Borel, in Fêtes galantes
Romances sans paroles précédé de Poèmes saturniens, de Paul Verlaine.
O dia de hoje podia ser
de festa, mas não! Cedo, as palavras revelaram ser de «déperdition» do ser. Um
conceito que, até ao momento, descurara, embora pressentisse a vida como
«dissonância». Um pouco como se, a cada instante, se tivesse instalado uma batalha
desgastante entre Eros e Tanatos...
Percebo, agora, que o Ser
(certos seres, pelo menos) se obstina em não aceitar a "perda" que o
devir acarreta, pois, o amanhã deixou de surgir como uma nova aurora...
Tudo é baço! Tudo é
lívido!
4.9.15
Há temas de que evito
falar, embora me apetecesse abrir o livro. Contenho-me ao pensar nas causas de
certos comportamentos, numa tentativa de adiar os efeitos...
O problema é que não
destrinço os motivos. Por vezes, penso que o envelhecimento traz consigo atos
absurdos...
E fico a ruminar. De tal
modo que começo a visualizar os gravetos já diluídos que vão caindo, espumosos,
sobre o estrume que, em tempos idos, servia de adubo nos campos esquecidos.
Em dias como o de hoje,
as palavras jorram do passado sem que eu as tenho solicitado. Estéreis, não cumprem
a missão inicial - nem ideia nem som; apenas sequência sem sentido.
(Ou talvez ainda não
tenha chegado a hora, se ela existe! Creio, no entanto, que essa hora nunca
chegará. Ou porque o bom senso acabe por vencer ou porque a contenção irá
comigo... Nunca conheci o efeito terapêutico das artes marciais, mas é
como se sempre as tivesse praticado.)
3.9.15
« C’est pour construire un instant complexe, pour nouer sur cet instant
des simultanéités nombreuses que le poète détruit la continuité simple du temps
enchaîné. “Le temps ne coule plus. Il jaillit. “Le poète anime une dialectique
plus subtile. Il révèle à la fois, dans le même instant, la solidarité de la
forme et de la personne. » Gaston Bachelard, Instant poétique et
instant métaphysique, in Le Droit de Rêver, PUF, 1973.
Tudo o que registo dá
conta de que tempus edax rerum (Ovídio). As palavras correm
num ribeiro que que há muito deixou de ser afluente... a seca, no entanto, não
estanca o fluxo do tempo. Um tempo contínuo que nunca chega a implodir a terra
gretada, libertando as palavras da prisão que as asfixia... O meu insucesso
poético encontra assim uma justificação, humana.
O que eu gostaria de
saber é o que pensam, da tese de Gaston Bachelard, os poetas, vivos e,
certamente, divinos: António Souto, Hugo Milhanas Machado, Mia Couto, Porfírio
Silva e Silva Carvalho...
Espero que não me levem a
mal!
2.9.15
« Dès que nous voulons distinguer ce qui se dissimule sous un visage,
dès que nous voulons lire dans un visage, nous prenons tacitement ce visage
pour un masque. » Gaston Bachelard, in préface de Phénoménologie
du Masque, de Roland Kuhn.
A leitura de um rosto
pressupõe tempo - o tempo de admitir que o que observamos é uma máscara, e que,
caso persistamos na observação, para além da primeira máscara, se sucedem
outras máscaras...
Ao contrário do que
acontece com os encenadores (teatro, cinema) com os psicólogos, os psiquiatras,
os psicanalistas, os padres, os fotógrafos e os escritores que se atribuem o
tempo necessário à exploração da necessidade humana de disfarce e de dissimulação,
eu perco-me na floresta dos rostos, deixando-me a braços com a autenticidade
fugaz...
Este comportamento revela
uma timidez, um medo inicial, que acaba por inviabilizar o conhecimento genuíno
da alma humana. E o que é mais extraordinário é que o medo inicial já é a
máscara que combate a solidão...
Como tal, a máscara
simula a aproximação e exorciza o horror do nada, o que explica que na hora da
partida haja especial cuidado com a máscara derradeira...
1.9.15
Mar azul, ondulação
fraca; um barco a motor vai sulcando o cerúleo das ondas...
Três palmeiras, cercadas
por vegetação rasteira que, em dias húmidos, desabrocha em minúsculos
caracóis...
Do lado direito, três
casas à sombra de um palmar. E mais à direita, um parque de estacionamento cuja
utilidade estará limitada aos meses de verão.
Mais perto, meia dúzia de
vivendas, cercadas por jardins bem cuidados, onde crescem palmeiras, figueiras,
dragoeiros e outras espécies, preguiçosamente, inomináveis...
A espaços, um ou outro
balido desperta quatro galinhas que procuram, sem descanso, as minhocas do dia.
Eu estou sentado diante
de um esgalho de uvas, e leio, por algum tempo, Le Réveil des
Nationalismes, de Gilles Martinet...
Hoje, verifico que há um
mês estava à espera que algo mudasse, mas não: tudo continua na mesma, apenas o
mar azul está mais longe...
30.8.15
O rosto e a
máscara de Passos Coelho
Os contribuintes não vão
pagar diretamente, mas (...) indiretamente... Consta que este
enunciado foi proferido pelo primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho.
Estes advérbios serão de predicado, com valor modal ou de frase com valor
avaliativo?
Se considerarmos o
contexto da venda do Novo Banco (e da inerente responsabilidade do Governo),
embora contrariando a norma gramatical, vejo-me obrigado a considerar estes
advérbios de frase com valor avaliativo.
Como o que interessa é
vender o Novo Banco, e Passos Coelho, que já sabe que os milhões da compra não
pagam o valor investido pela Banca nacional, pública ou privada, na salvação do
BES, decidiu agora colocar a máscara da honestidade, dizendo aos portugueses
que estes terão de pagar, mas não de forma direta... Que alívio!
Na verdade, os
portugueses, que já pagavam de todas as maneiras, ainda não se tinham
apercebido de quão agradável é pagar de forma indireta.
O que é que o
honestíssimo primeiro-ministro nos reserva para a próxima legislatura? A venda ao desbarato da Caixa Geral de Depósitos ?
« Dès que nous voulons distinguer ce qui se dissimule sous un
visage, dès que nous voulons lire dans un visage, nous prenons tacitement ce
visage pour un masque. »
Gaston Bachelard, Le Droit de Rêver, Le
Masque, page 202, PUF
29.8.15
Na tradução portuguesa,
são 1030 páginas de peripécias e de personagens excêntricas, criadas a partir
de espaços reais, como a Ciudad Juárez, na fronteira do México com os
Estados Unidos, transformada em Santa Teresa: o expoente da exploração capitalista,
do assassínio de mulheres, do narcotráfico, do crime em todas as suas facetas,
da total perda de identidade…
De certo modo, a cidade
das fábricas maquiladoras é a nova face do nazismo, como se, afinal, este
tivesse saído da Alemanha para o Novo Mundo, lugar de reposição de todas as
taras europeias…
Ler 2666 é
também revisitar os infernos da guerra, da degeneração e da decadência
intelectual ocidental ao longo do século XX.
Finalmente
ler 2666 é ter como guia um narrador que se afasta dos academismos,
dos críticos parasitas e sanguessugas, e que vive o mais longe possível dos
centros de poder. Segui-lo é, para o leitor, uma verdadeira aventura que lhe
consome as energias e que o obriga permanentemente a interrogar-se e a
posicionar-se no mapa do mundo, na esperança de compreender por que
motivos 2666 é o centro do mundo para Roberto Bolaño.
Talvez, porque o mundo se
encaminhe a passos largos para o seu ocaso… 2666 lembra-me as
profecias de Vieira e de Nostradamus, centradas no ano de 1666.
28.8.15
Ter uma ideia é um
processo difícil! Desde que acordo, realizo várias tarefas e ao fazê-lo ocupo o
tempo, sabendo que essa é a melhor forma de não ter qualquer ideia.
No intervalo das tarefas,
vou dando conta das ideias dos outros e com tal procedimento esqueço o processo
de idealização. Por exemplo, se dou atenção à volta à Espanha, à droga que terá
circulado na porta 18 (e em muitas outras portas e postigos!), à notícia de que
Pedro Santana Lopes não é candidato a presidente da República, porque não tem
dinheiro e teme a língua peregrina do putativo candidato Marcelo, aos sírios
que terão sido abandonados num camião numa autoestrada austríaca às portas da
Hungria, à Líbia abandonada pelo Ocidente que lhes matou o ditador para agora
aquele território ser a porta do tráfico humano para a Europa... se dou atenção
a tudo isto, sem esquecer os familiares, os amigos e os conhecidos, fico sem
tempo para ter qualquer ideia...
Claro que posso sempre
declarar a minha revolta, o meu desconsolo ou, até, a minha alegria se Nelson
Évora faz subir a bandeira nacional em Pequim, mas nada disto significa que
tenha tido uma ideia...
E o pior é que quando as
tenho, esqueço-as de tal modo que me sinto à deriva.
27.8.15
A morte é a principal
notícia dos dias. Os governantes europeus mostram-se chocados, mas a política
que defendem e aplicam é a da morte - fecham as fronteiras, indo ao ponto de as
murar; filtram as entradas dos refugiados e, ao mesmo tempo, condenam uma parte
significativa da população do sul da Europa à emigração...
Em nome de
particularismos de todo o tipo, os governantes europeus nada fazem para
combater os inimigos das populações, porque o que lhes interessa é, afinal, o
controlo das matérias-primas e manter abertos os corredores que lhes permitam
exportar, exportar... Exportar armas, drogas, medicamentos, metais, máquinas,
vestuário e calçado, alimentos...
Os governantes europeus
mostram-se chocados, mas a política que defendem e aplicam é a da morte.
26.8.15
Os títulos são tão
óbvios e fraldiqueiros
Por enquanto, ainda dou
alguma atenção aos escaparates das livrarias. Só que perco a vontade de entrar:
os títulos são tão óbvios e fraldiqueiros!
E quando entro, fico com
a sensação de que caio numa das várias dornas que ali foram colocadas para me afogar.
A custo, liberto-me das aduelas, e passo os olhos pelas estantes, fixando-me
sempre nos mesmos autores à espera de uma obra-prima... a vista turva-se,
incapaz de distinguir a árvore do arbusto, e saio. Respiro fundo e sigo o
caminho de regresso aos livros que já li e já esqueci ou, então, que ainda não
li.
Saio com uma sensação de
vazio e de perda. Mas, de certo modo, saio mais tranquilo porque, de facto,
nunca tive o desejo de plagiar ninguém, de ser o que não sou. E como tal,
conformo-me com as reflexões de Roberto Bolaño, romance 2666, pág. 901:
«A literatura é uma
vasta floresta e as obras-primas são os lagos, as árvores imensas ou
estranhíssimas, as eloquentes flores preciosas ou as escondidas grutas, mas uma
floresta também é composta por árvores vulgares, por ervas, por charcos, por
plantas parasitas, por fungos e por florezinhas. Estava enganado. As obras
menores, na realidade, não existem. Quero dizer: o autor de uma obra menor não
se chama fulaninho ou beltraninho. Fulaninho e beltraninho existem, disso não
há dúvida, e sofrem e trabalham e publicam em jornais e revistas e de vez em
quando até publicam um livro que não desmerece o papel em que está impresso,
mas esses livros ou esses artigos, se você reparar com atenção, não estão
escritos por eles.»
25.8.15
ANOMIA é um daqueles
termos que pode ajudar a caracterizar múltiplas situações. Por um lado, no que
me diz respeito, 'anomia' define a dificuldade em selecionar a palavra
apropriada ao objeto, à ideia, ao estado... Com a idade, a anomia vai-se
agravando...
Por outro lado, a
'anomia' caracteriza o estado das sociedades em acentuada decadência, cujos
membros deixam de respeitar as normas vinculativas; os indivíduos e, por vezes,
as corporações passam a agir por conta própria desprezando os valores
tradicionais. Aparentemente, os membros mais ativos parecem procurar uma nova
ordem, criando situações favoráveis ao caudilhismo...
A anomia, de acordo com
alguns teóricos, tanto pode trazer resultados positivos como negativos,
sobretudo, em épocas de depressão financeira, económica e axiológica...
Eu, no entanto, quando
olho para um país que, nas próximas eleições legislativas, apresenta a votos 3
coligações e 14 partidos, não consigo vislumbrar nada, para além de grupos e
grupúsculos que procuram um lugar ao sol, porque, afinal, não sabem produzir
nada.
E a prova do estado da
anomia portuguesa é que não encontro uma única proposta que mobilize o país.
Basta pensar nos milhões de euros consumidos pelos fogos de verão e de outono!
Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta um plano concreto para limpar
o mato, para limpar a floresta, para desimpedir e abrir acessos, para melhor
aproveitar os solos? Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta
um projeto nacional concreto para demolir ou para restaurar o património rural
e urbano deixado ao abandono?
24.8.15
La belleza no es un capricho de un semidiós, sino el ojo
implacable de un simple carpintero.
Osip Mandelshtam
No outono de 1912, um
grupo de seis jovens reúne-se em segredo para debater o futuro da poesia:
Gumilev, Gorodetsky, Ajmátova, Mandelshtam, Narbur y Zenkevich.
Estes acmeístas russos
defendiam a claridade apolínea, opondo-se ao delírio propagado pelos poetas
simbolistas russos.
Esta breve nota foi me
imposta por Roberto Bolaño que, na página 843, do
romance 2666 narra, de forma sumária, a vida de «um poeta acmeísta e
a sua mulher reduzidos à miséria e à indignidade sem repouso», rejeitado pelos
outros poetas russos, pois consideram o acmeísmo «veneno ambulante».
Esta obra parece ter sido
escrita para me confrontar com a minha ignorância!
23.8.15
Não saio da rotina, a que
a minha mãe chamava "a minha cruz". Múltiplas vezes, a ouvi falar da
sua cruz, sem que tal eu interpretasse como "queixa". Quem é que iria
queixar-se da "cruz", sobretudo em terra de cristãos velhos?
A verdade é que,
ultimamente, tenho-me recordado das palavras, quase de rotina, de minha mãe. A
terra continua a ser de "cristãos", cada vez em menor número, e a
locução de certo modo tornou-se anacrónica...
Já não sei se nisto tudo
não há um misto de nostalgia, talvez a "cruz " da minha mãe lhe
tivesse acelerado a passagem, ou, talvez, a nostalgia seja daquele tempo em que
para mim não havia cruz a não ser a de Cristo. E essa era a vida que o Pai lhe
dera...
A rotina prende-nos de
tal modo que, quando damos por isso, já é demasiado tarde. No entanto, não é
Deus nem o Fado nem o Homem que nos impõem a cruz, mas o Tempo, ou a falta
dele...
Não saio da rotina nem me
estou a queixar. Não estou é disposto em entrar em depressão nem a procurar o
cirurgião plástico!
No reino dos silvas, ainda há quem defenda
que as figueiras são malditas
No país dos Silvas nem as
figueiras escapam! E desta vez, nem posso atribuir a responsabilidade a
outrem... sou eu que deixo que as silvas matem tudo o que lhes aparece pela
frente...
Claro que se o Senhor
Silva, no seu tempo de primeiro-ministro, não tivesse desinvestido na
agricultura, talvez eu, hoje, não me sentisse tão incomodado com o que observei
ao querer apanhar uma dúzia de figos... Porfiei e consegui apanhar uns tantos
figos, sem esquecer as pobres peras, também elas cercadas pelas malditas
silvas, mas não escapei à fúria do silvado.
Em conclusão, estou
disposto a vender o Vale do Oceano a quem queira erradicar as silvas e
os Silvas deste país.
Quem ler este desabafo,
pode pensar que nunca se sabe se estou a falar a sério ou a brincar. Confirmo,
no entanto, que já não estou em idade para brincadeiras.
20.8.15
Estas aves despertaram a
minha atenção, porque não esperava vê-las aqui, na Portela... Parece que vão
estar por cá entre Agosto e Outubro e quando partirem far-se-ão acompanhar
pelas crias que, entretanto, já estarão a crescer nalgum tronco de árvore da
Quinta do Seminário. Será?
Estas aves são
persistentes, pois no dia em que as descobri estiveram pelo menos duas horas a
alimentar-se no mesmo lugar. Pobres das minhocas!
19.8.15
Sinal positivo,
sinal negativo
Limparam e repararam as brechas do lago do Jardim do
Campo Grande. Sinal positivo!
Agora que ele está a encher de água límpida, há logo
quem não resista a profaná-lo. Sinal negativo!
O homem é assim mesmo: não descansa enquanto não marca
o território, não deixa a pegada da sujidade.
Paciência! Pode ser que, neste caso, a água de amanhã
já não seja a de hoje, e, então a profanação já estará esquecida.
(Por cima do lago, uma estátua mira-se num espelho
mudo.)
18.8.15
A única palavra que me
assombra verdadeiramente é o particípio passado do verbo encalhar. O estado de
quem sofre a ação de ficar sem saída... Até hoje, sempre consegui contornar,
recuar ou mesmo avançar sobre o obstáculo.
De noite, o que sobra são
resquícios de objetos e de pessoas que surgem encalhados nos meus sonhos...,
mas não sou eu, pois o meu sonho não se transforma num pesadelo, a não ser se
considerarmos a multiplicação onírica dos precários que se arrastam pela vida,
como se a instabilidade fosse um estado natural...
De dia, avanço passo a
passo, linha a linha, crime a crime. E estes são tantos! Já pensei em
seguir o exemplo do autor de 2666, que em cerca de 300 páginas,
estando-se nas tintas para a economia da narrativa, decidiu dar conta de todos
os assassínios de mulheres em Santa Teresa, no México... o leitor acaba
encalhado em tanto assassinato, mas talvez tome consciência da violência que os
homens exercem diariamente sobre as mulheres.
A verdade é que hoje
encalhei por volta das 11 horas e espero desde essa hora que a maré suba.
Talvez, mais logo, consiga desencalhar, mas não vai ser fácil...
(O problema da palavra
não existe a não ser que a utilizemos de forma errada. Nesse caso, vai ser
necessário defini-la com rigor e paciência, muita...)
17.8.15
Maria de Belém,
ex-presidente do Partido Socialista, anunciou nesta segunda-feira que se vai
candidatar às eleições presidenciais de 2016.
"Apresentarei
publicamente a minha candidatura após as eleições legislativas de 4 de Outubro",
disse Maria de Belém, numa nota enviada à agência Lusa.
Maria de Belém já sabe
que o Partido Socialista vai perder as eleições no dia 4 de outubro de 2015.
Entretanto, António Costa, em vez de partir a loiça toda, vai adiando, vai
dançando ao sabor do tambor da nova coligação.
Incapaz de romper
definitivamente com os socratistas e com os seguristas, António Costa vai
confirmando que lhe falta o perfil de estadista.
Tenho pena! Não por ele, mas pelo país!
16.8.15
As eleições e o
critério da vizinhança
Como, até ao momento, nem
familiares nem amigos decidiram candidatar-se a primeiro-ministro ou a
presidente da república, sinto-me à deriva: não sei se me devo abster ou votar
em branco.
Ao ouvir os candidatos,
pressinto que me estão a querer enganar: uns surgem mais louros, outros mais
brancos, outros ainda mais informais, sem falar daqueles que, invisíveis,
querem fazer crer que a Luz está quase a chegar.
Houve tempos em que me
norteava por um critério ideológico e votava sempre do mesmo modo; depois,
comecei a pensar que os valores dos candidatos deveriam determinar as minhas
opções, mas a pouco e pouco fui descobrindo que a honestidade, o rigor, o profissionalismo
tinham perdido espaço, sendo substituídos pela mentira, pela corrupção, pela
incompetência e pela propaganda...
Deste modo, só me resta o
critério da vizinhança: Um dia trabalhei numa escola frequentada por um jovem
cheio de iniciativa que hoje se candidata a primeiro-ministro; presentemente,
vivo num bairro, onde reside uma mulher que sonha ser presidente da república.
Lançados os dados, uma
coisa posso, desde já, garantir: Se o jovem chegar a primeiro-ministro, a minha
vizinha nunca será presidente da república; mas se o jovem do Liceu Passos
Manuel perder, a minha vizinha ainda tem uma hipótese...
Em conclusão, este
critério assegura-me que, no futuro, não teremos um primeiro-ministro e um
presidente da república saídos do mesmo berço...
14.8.15
Não é que eu sofra
de qualquer fobia
Durante o Estado Novo,
havia quem preferisse os gatos aos cães. Atualmente, todos estes bichinhos
passaram a animais de estimação, dependendo apenas dos caprichos do Senhor
Coelho - nuns dias são sobrestimados; noutros, abandonados...
Eu próprio, vítima do
Senhor Coelho, vejo que na gaiola já só tenho dois mandarins, mais ou menos
tontos, que passam os dias a responder a todos os estímulos sonoros - parece-me
que entoam uma espécie de rap, característico de mentes suicidas, pelo menos em
zonas de fronteira. Por exemplo, entre o México e os Estados Unidos, no
território das maquiladoras*...
Não é que eu sofra de uma
qualquer fobia, nem sequer da mais genuína, a sacrofobia, o que me trouxe a
esta linha tortuosa foi uma outra questão: saber se a telepatia é ou não
anterior à comunicação verbal. Convém explicar que a telepatia a que me estou a
referir é desconhecida do homem ou talvez o homem se tenha esquecido dessa
forma de comunicação - mental - típica dos outros animais, dos minerais e dos
vegetais: a imagem seria a matéria primordial e propagar-se-ia sem necessidade
de recorrer a símbolos, a signos e qualquer tipo de palavra babélica.
Para ser mais claro, esta
matéria primordial nada tem a ver com qualquer outdoor, selfie ou até reflexo
aquoso, tudo manchas narcísicas da ignomínia que nos governa ou nos quer
governar...
Finalmente, a outra
questão que aqui poderia trazer já não interessa a ninguém, mas fica registada:
a arbitrariedade de quem classifica e reaprecia provas de exame nacional - uma
aluna brilhante viu baixar a média em dois valores, sem qualquer justificação
escrita. Quando se ganha ou se perde, bom seria que os fundamentos fossem
consultáveis...
*Maquiladoras (also known as "twin plants") are manufacturing
plants in Mexico with the parent company's administration facility in the
United States. Maquiladoras allow companies to capitalize on the less expensive
labor force in Mexico and also receive the benefits of doing business in the
United States. Companies operating in the United States can send equipment,
supplies, machinery, raw materials, and other assets to their plants in Mexico
for assembly or processing without paying import duties. The finished product
can then be exported back to the United States or to a third country.
28.7.15
Agora que a palmeira
feneceu, recordo a pasteleira do pai do meu amigo de infância - uma enorme
bicicleta cuja função era transportar as caixas de petinga, carapau, chicharro,
sardinha e outros peixes de maior porte e mais carotes... Não me lembro de alguma
vez ter falado com o peixeiro, apesar de ser colega de escola do filho, e de
termos, por mais de uma vez, organizado umas corridas de bicicleta que davam
connosco debaixo de uma figueira: calças rotas e joelhos destroçados. Uma
história que, inevitavelmente, acabava mal para ambos - a correria começava
sempre sob o olhar da indiferente palmeira...
O mais estranho nesta
memória é que relembro o caminho, a palmeira e a pasteleira, sem esquecer a
figueira, mas perdi o rasto ao meu amigo de infância. Desde que conclui a
"primária", nunca mais o voltei a ver.
E o mais grave é que esta
situação de perder os amigos se vem repetindo desde que a aldeia foi ficando
para trás...
Talvez seja por isso que
os amigos se tornaram em "conhecidos" e, ultimamente, em
"desconhecidos", ao contrário da palmeira, da pasteleira...
27.7.15
(A memória principal data
de 15.08.2012)
Para chegar à casa, M.
tinha de passar pela palmeira.
Daquela palmeira
avistava-se sobre o lado direito uma casa térrea. Donde é que aquela palmeira
teria saído, se não se vislumbrava nenhum palmar entre vinhas, olivais e
figueirais? Saía de casa e logo os olhos se fixavam naquela inesperada
presença. Aquela fixação, ao contrário do que seria de esperar, não fazia
sonhar. Era uma presença muda que ajudava a delimitar o caminho de pedra
maltratada e que, quando as chuvas desabavam, assistia à transformação da rua
em rio de lama. Para além da pedra e da lama, erguia-se, majestosa, a palmeira.
Ainda, hoje, por lá continua…
Aquele pedaço de caminho
que separava a casa da palmeira foi durante dez anos a aldeia de M.
Para lá da palmeira, a
rua estava assombrada: havia cabras noturnas que devoravam os parcos canteiros
de flores, havia cães que ladravam sem parar e, sobretudo, havia a violência
das palavras grosseiras que fendiam os tímpanos de M. Essas palavras ainda hoje
ecoam na mente de M. Talvez se possa admitir que ainda o assombram.
De facto, não são só as
palavras que ecoam… há também gritos. E em particular, tosses ininterruptas que
atravessam o tempo e se repetem…
Apesar da memória, nem
tudo pode ser dito. E de que serviria?
Última hora: a palmeira já só vive na minha memória e, agora, sei que um pedaço
de mim ficou pelo caminho...
26.7.15
O dia é de enxaqueca,
sempre que o calor aperta. Ao contrário da maioria da população, fujo do sol
como o diabo da cruz... E a história já é antiga!
Remonta ao tempo em que,
nos meses de agosto e de setembro, me via obrigado a colher figos e uvas, sem
esquecer que, feita a colheita, era necessário cuidar dos tabuleiros em que
estes frutos eram postos a secar: figo seco e passa de uva.
A enxaqueca poderia ter,
assim, origem numa fobia, mas a verdade é que, ainda hoje, quando apanho sol, a
dor de cabeça desponta, sobretudo do lado direito...
Com isto, talvez tenha
encontrado a explicação para a indisposição que a direita me provoca,
particularmente, quando representada por homens tão inteligentes como Cavaco
Silva, Passos Coelho, Paulo Portas e respectivos acólitos...
"É hora de os
portugueses dizerem à oposição que ela não é precisa. (Pedro Passos Coelho
discursou na Madeira, na festa do Chão da Lagoa.)
25.7.15
Quando deixamos morrer uma língua
« Nous ne pouvons savoir
! - Nous sommes accablés
D'un manteau
d'ignorance et d'étroites chimères !
Singes d'hommes
tombés de la vulve des mères,
Notre pâle raison
nous cache l’infini !
Nous voulons regarder
: Le doute nous punit !
Le doute, morne
oiseau, nous frappe de son aile,
- Et l'horizon
s'enfuit d'une fuite éternelle !»
Arthur
Rimbaud, Soleil et Chair (excerto)
Em tempo de certezas,
sinto-me de tal modo ignorante que só a poesia me traz algum sossego, porque,
afinal, o Poeta confina o seu ofício à expressão dos limites da razão humana e
à valorização da dúvida, apesar do desapontamento que ela nos pode trazer...
Além disso só, na bigorna
do Poeta, as palavras encontram o ritmo capaz de exprimir tudo o que
ignoramos: Et l'horizon s'enfuit d'une fuite eternelle!
Aqui chegado, deixo de
querer traduzir os versos, porque a beleza plasmada numa língua não é traduzível.
Quando deixamos morrer uma língua, deitamos fora a beleza de uma comunidade.
24.7.15
Tudo é propaganda: a
política é propaganda; a propaganda é política. E quem pensa assim é a ministra
das Finanças, o que me permite acrescentar que o ministério das Finanças mais
não é do que o ministério da propaganda...
Farto da propaganda deste
dia, acabo de visitar a Fonte Luminosa, lugar multicultural, se atentarmos no
parque infantil, nos bancos de jardim, nas jogatanas de bola e nas
esplanadas... Lugar que poderia ser de memória, mas do quê? Quem sabe?
Acabei por percorrer a
rua Guerra Junqueiro, centro comercial em hora de fecho e, de súbito, vi que a
Mexicana parece que passou à história. Será verdade?
E claro, juntando as
pontas, concluo com um conselho do esquecido autor d' A Velhice do
Padre Eterno:
Arranja um casamento e
aprende a ter juízo.
A noiva pouco importa; o
dote é o que é preciso
Discuti-lo. Olha lá, os
pais que sejam velhos!...
Que vá para o diabo o
reino da Utopia!
E hão de te nomear sócio
da academia
E, quem sabe! talvez
barão dos Evangelhos.
in A Semana Santa.
Um conselho que eu
desprezei, como se comprova pela minha atual situação. Eu que casei há mais de
40 anos na rua Guerra Junqueiro!
23.7.15
O poema é de Arthur
Rimbaud e exprime bem como ando desajustado. Ainda não há muito tempo tive a
possibilidade de, nos fins-de-tarde azuis do verão, ir pelos atalhos observar
os campos de trigo e calcar o restolho... e sonhar e sentir a frescura dos riachos
e deixar que o vento banhasse os meus cabelos...
Agora que tenho mais
tempo e menos meios, leio com vagar as sensações dos poetas franceses da
segunda metade do século XIX e mergulho no amarelo das notícias literárias dos
anos 90 do século XX...
O resto serão areias de
uma ilha, um pouco ao sul e, talvez, com aves de arribação... Prometo, no
entanto, que pouco falarei, embora continue a pensar, não no amor infinito nem
na boémia, mas nas sensações até que elas se esfumem na Natureza.
Par les soirs bleus d'été, j'irais dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l'herbe menue :
Rêveur, j'en sentirai la fraîcheur à mes pieds
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.
Je ne parlerai pas, je ne penserai rien :
Mais l'amour infini me montera dans l'âme,
Et j'irai loin, bien loin, comme un bohémien,
Par la Nature, - heureux comme avec une femme.
(Mars 1870)
22.7.15
« Or les petits enfants, sous le rideau flottant / Parlent bas comme on
fait dans une nuit obscure. / Rimbaud, Les Étrennes des Orphelins.
Onde é que esse tempo já
vai!? Por mais que os dias sejam obscuros, as vozes elevam-se cada vez mais
alto numa algaraviada inútil.
Acabo de saber que o
Parlamento entrou de férias, breve sobressalto de acalmia... Só que o
Presidente se prepara para anunciar a data das próximas eleições legislativas -
a expectativa de diminuição da infernal propaganda afunda-se definitivamente.
E eu que sempre amei o
silêncio, vejo-me enredado na vertigem ruidosa que se eleva lá fora e,
sobretudo, cá dentro... dentro de mim...
21.7.15
Continuo a juntar dados
do tempo em que parecia haver a intenção de criar uma comunidade lusófona
liberta de preconceitos. Uma comunidade capaz de sarar as feridas do tempo da
colonização e que, em simultâneo, se transformasse numa plataforma cultural e económica,
pronta a libertar os seus membros de dependências demasiado asfixiantes...
A ideia tem vindo a
definhar, antes de mais porque a opção portuguesa de integrar a União Europeia
e, sobretudo, o euro, inviabiliza a prioridade lusófona. Portugal é hoje uma
província periférica de um projeto alternativo daqueles que se apressaram a entregar
as colónias aos grandes blocos políticos dos anos 70.
Esta persistência, na
verdade, já não interessa a ninguém!
20.7.15
Primeiro, plantam-se as
árvores; depois, deixam-se secar...
Primeiro, enchem-se os
lagos; depois, secos, ficam ao abandono... Parecem saídos de uma qualquer
escavação arqueológica, entretanto, abandonada a céu aberto...
A educação é prioridade!
Sem ela não há sucesso! Depois, valoriza-se o dinheiro fácil...O futuro é da
juventude! Depois mostra-se-lhe a porta de saída...
Os credores amigos
salvaram-nos da bancarrota! Quatro anos depois, a dívida aumentou cerca de
60.000 milhões de euros...
Afinal, se tivéssemos
regado a floresta e os jardins, se não tivéssemos substituído os lagos pelas
piscinas, se tivéssemos valorizado a inteligência e o trabalho, hoje, seríamos
mais felizes e.… menos pobres.
19.7.15
Degradação no
Jardim da Quinta das Conchas e dos Lilases
«Possuidora de uma
área de mata profusamente arborizada (cerca de dois terços da superfície
total), a Quinta das Conchas encontra-se favorecida por diversas áreas de
lazer, nomeadamente, um café/auditório, restaurante, parque infantil, parque de
merendas, lago com pontão, bem como um circuito interno que permite a prática
de atividades desportivas, como por exemplo, caminhada, corrida e/ou
ciclismo. A norte do jardim, a Quinta dos Lilases complementa o espaço,
sendo constituída por uma mansão de estilo colonial (a qual serviu de
residência a Francisco Mantero), jardim e lago - com duas ilhas
arborizadas ao centro.
Tendo sido alvo de obras
de beneficiação e requalificação, o Jardim da Quinta das Conchas e dos Lilases
foi "reinaugurado" ao público a 12 de Maio de 2005, sob a tutela do
presidente da edilidade lisboeta à data, Pedro Santana Lopes. A secção de
terreno que constitui a Quinta dos Lilases foi, por sua vez, reaberta ao
público a 15 de Janeiro de 2007, presidindo António Carmona Rodrigues à Câmara
Municipal de Lisboa à data.»
Hoje, dia 19 de Julho de
2015, o Lago tropical encontra-se num estado que nem as pombas devem
compreender. Porquê? Com tantos turistas na cidade de Lisboa, será assim tão
difícil encontrar uma verba que reponha o projeto inicial e mate a sede às
pombas?
18.7.15
Um classificador
que nunca leu Rimbaud
O helicóptero
interrompe-me o sono leve e, durante uma hora, afasta-se e regressa,
sobrevoando o bairro: não sei se se desloca do aeroporto para o Parque das
Nações ou para o Montijo. Chego a pensar que são os angolanos a escoar diamantes...
Não oiço os sinos da igreja do Cristo Rei a convidar-me para as matinas! Ao
alcance da mão, tenho, no entanto, Illuminations, de Rimbaud! E retomo a leitura :
"Un Prince était vexé de ne pas s'être employé jamais qu'à la
perfection des générosités vulgaires."
Sem ser príncipe, também
eu me sinto vexado por não ser capaz de ir além da generosidade vulgar. Talvez
seja por esse motivo que continuo a dizer sim, quando deveria ocupar o meu
tempo de forma mais construtiva.
E assim, horas mais
tarde, lá subi e desci a rua da Igreja com o Santo António alheado: Não havia
por ali nem pássaros nem peixes a quem pudesse dirigir-se... E quando dali saí
fiquei com a certeza de que não gosto da Padaria Portuguesa! Não há ali espaço
para mim: Não é possível tomar um café ao balcão; há sempre duas filas distintas,
mas cujo atendimento é indistinto; e, na esplanada, as mesas estão tão próximas
que pareço fazer parte duma nova família...
Finalmente, graças às
virtudes da tecnologia, lá elaborei mais um parecer (gratuito) sobre a classificação
atribuída a uma prova de Português: 9,2 valores. Em três dias, já é o segundo
9,2 de que tomo conhecimento.
Quero acreditar que este
classificador nunca leu Rimbaud, e que detestará a generosidade vulgar...
17.7.15
Pouco tenho a
acrescentar, mas tudo poderia ser mais fácil se ouvíssemos com mais atenção.
Recordo que, no princípio da adolescência, me foi feito o diagnóstico de
"dispersão". Oficialmente, não fui acusado de "desatenção",
e sempre me pareceu que os dois termos não eram sinónimos...
A esta distância, creio
que a causa da "dispersão" era a desadaptação. Afinal, fora arrancado
à terra hostil, e atirado para uma redoma de piso encerado, decorada por
extensos painéis de azulejos esventrados pelas baionetas francesas...
A cera substituía a
poeira e os azulejos não davam conta nem dos espinhos nem dos buracos dos
caminhos. Lá no fundo, o que mais me preocupava era saber quem é que tinha
arrancado os olhos àqueles celestiais anjinhos... E apesar de estudar Latim e,
sobretudo, Francês, não havia ninguém que me explicasse que, em nome da
Liberdade, os oficiais e os soldados franceses tinham saqueado as igrejas,
violado as virgens e as matronas, sem dar paz às velhas... e, finalmente,
tinham fuzilado os anjinhos...
Em síntese, a desatenção
não é coisa fácil de explicar, porque a atenção simplesmente está centrada
noutro objeto. E a dispersão é filha das entranhas, isto é, da necessidade de
explicar o que está para além dos nossos sentidos, mesmo que seja nas ilhas desafortunadas...
Nessas ilhas que, hoje, são vilipendiadas, em nome da
Liberdade!
16.7.15
Os últimos dias têm sido
trabalhosos e, provavelmente, ineficazes. Não por falta de aplicação, mas
porque tudo o que é feito é controlado em bastidores inacessíveis.
No palco, movem-se umas
tantas criaturas mais ou menos taciturnas, que pensam que estão a dar o seu
melhor. No entanto, o melhor não chega.
A autonomia da criatura
é, afinal, propriedade do predador, que está presente em todas as áreas da ação
humana...
O predador cerca a
criatura, assedia-a e devora-a até ao osso mais recôndito.
Outrora, a relação da
criatura era com o criador; hoje, a relação da criatura é com o predador que se
imagina Senhor...
Nesta esfera de ação, a
criatura deve abster-se de exemplificar.
14.7.15
Pensei deixar em branco o
dia, mas temo que se o fizer isso seja entendido como uma prova de cobardia.
Afinal, há sempre alguma coisa que acontece. Lembro-me agora que na
adolescência me era exigido um exame de consciência interior, antes de
adormecer. Era um exame infantil, em que aprendia a separar o bem do mal...
Mesmo nesse tempo, aquele
ritual surgia-me, com alguma frequência, como artificioso, imposto por uma
doutrina castradora. E é neste ponto que surge a correspondência baudelairiana
com a "alchimie verbal" de Rimbaud, leitura de início de tarde...
No exame de consciência,
o examinador era também um pouco batoteiro: atos havia que não enunciava,
embora não se livrasse do pecado da omissão aos olhos do Senhor. Ele via tudo,
por fora e por dentro. Chegava mesmo a suspeitar que, aos olhos do Senhor, não
haveria nenhuma fronteira que separasse o interior do exterior, que estes
conceitos o ofenderiam...
Filho de mim próprio,
continuo a fazer batota. Hoje, por exemplo, prefiro registar que no Liceu
Camões, em cada um dos pátios há 10 plátanos, simetricamente dispostos... Das
raízes não há notícia, mas pode supor-se que estas perfuram os arroios
invisíveis que correm para o Tejo... e que, no próximo ano, das suas copas
poderemos fazer as pontes da decadência em que subsistimos.
13.7.15
Resultados e
expectativas - Exame de Português - 1ª Fase
Não tenho dados nacionais
nem creio que eles possam ser indicadores de melhor ou pior desempenho... E
porquê?
Porque, baseando-me numa
amostra de 73 alunos, verifico que entre a classificação interna e
a classificação de exame há, conforme a turma, a seguinte diferença:
A - 14, 3 ....... 11,7
B - 15,4 .......
12,6
J - 12, 2 .......
10,1
Portanto, no geral, os
alunos baixaram a classificação por mim atribuída. Será que eu inflacionei os
resultados?
Por outro lado, de entre
o conjunto dos alunos da escola, na turma B está a aluna que obteve melhor
resultado:18,7. Por seu turno, na turma J, há uma outra aluna com 17,8...
Finalmente, na turma A, a melhor classificação foi de outra aluna: 16,7.
Em conclusão, as melhores
classificações externas não corresponderam às expectativas internas.
Curiosamente, os alunos que internamente mostravam maior solidez, em termos de
competência linguística, obtiveram resultados entre o 14 e o 16.
Fica-me a sensação de que
este é um bom ano para solicitar reapreciação da prova de Português. Sobretudo,
na parte B do Grupo I e no III Grupo.
Porquê? Esse é assunto para outro fórum!
12.7.15
Os egoísmos nacionalistas
e as solidariedades internacionalistas defrontam-se novamente. Quanto ao resultado,
já deveríamos saber o que nos espera: a guerra.
A ilação pode parecer
cruel, mas a corrida ao armamento está em curso.
Por enquanto, o conflito
desenvolve-se através da informação e da contrainformação, em que ninguém
parece querer sair perdedor.
Os abutres já estão a
isolar a primeira presa.
A particularidade, desta
vez, é que os abutres tanto são nacionalistas como internacionalistas.
Os gregos, tal como os
portugueses, continuam sem perceber que cada dia que passa é mais uma tábua no
caixão... ou mais uma pá de terra, no caso de já não haver caixão...
11.7.15
O que nós ensinamos, em muitos casos, não respeita o
ofício do poeta... Por exemplo, o que seria da poesia sem a repetição, na forma
de anáfora ou de aliteração, ou até sem a metáfora?
(Não ignoro, todavia, que foi inventada uma estética
da receção que dá cobertura a muita ideia estúpida que por aí circula!)
Vem isto a propósito de uma afirmação de Gaston Bachelard que me veio
alertar para os perigos de uma didática vulgar que tende a prescrever regras
para áreas, em que a norma é permanentemente questionada: "Nous
essaierons d'indiquer (...) comment le vers de Rimbaud fuit l'allitération,
comment il cherche la paix vocale en jouissant longuement des
voyelles, ces voyelles fussent-elles brèves, comment il modère les consonnes:
«Je réglai la forme et le mouvement de chaque consonne», dit-il dans Alchimie
du verbe." in Rimbaud L'Enfant
Lembro agora as
dificuldades que atravessei há longos anos, quando a professora Maria Lúcia
Lepecki exigiu que interpretasse o poema Le Bâteau Ivre... Ainda hoje,
sinto que não estou à altura da exigência!
Fiquei com a sensação de
que me faltava a inteligência necessária, ao contrário do que acontecia com os
jovens exegetas que me cercavam. Naufrago, lá me agarrei ao que pude... Esses
exegetas envelheceram, mas continuam a estipular as regras de leitura...
Quanto a mim, pouco posso
fazer, a não ser reler Rimbaud:
Et la Mère, fermant le livre du devoir,
S'en
allait satisfaite et très fière, sans voir
Dans les yeux bleus et sous le front plein d'éminences,
L'âme de son enfant livrée aux répugnances.
10.7.15
É cada vez mais evidente
que sem avaliação não há justiça! E também é claro que a educação para a
cidadania é um pilar do funcionamento das sociedades e das comunidades...
Deste modo, pensar a
avaliação sem equacionar a questão da educação para a cidadania é um erro
estratégico.
Se estivermos atentos às
notícias do quotidiano, percebemos que a avaliação em Portugal ocorre quase
sempre à posteriori, trazendo com ela uma violenta sensação de impotência: os
alunos, afinal, não aprendem os conteúdos disciplinares e os valores fundamentais;
o doente mental mata a mãe que o queria tratar; o marido violento e bêbedo mata
a esposa; a floresta arde porque não é devidamente ordenada e limpa; o
carro despista-se porque as ruas não resistem ao inverno; a dívida dos clubes é
astronómica porque gastam o que não têm; os políticos deixam-se corromper ou
corrompem, porque lhes falta a educação para a cidadania...
Os exemplos de que a
avaliação é feita à posteriori são múltiplos e todos poderiam ser minimizados,
se não se descurasse a avaliação diagnóstico e a supervisão avaliativa, isto é,
feita de forma imediata...
Por exemplo, as eleições
legislativas aproximam-se. Os partidos começam a indicar o nome dos futuros
deputados, mas ninguém sabe se os candidatos têm o perfil adequado ao serviço
do nação.
9.7.15
Nuno Crato vem apostando
na revisão dos programas e nos exames externos para promover o sucesso escolar.
Entretanto, o sucesso
escolar não chega, como é comprovado pelos resultados da disciplina de
Matemática no 9º ano de escolaridade.
No entanto, a maioria dos
alunos irá progredir e, no próximo ano letivo, irá ser submetida a um novo
programa de Matemática...
Não vou aqui comentar o
novo programa de Matemática, mas creio que a sua matriz em nada difere da do
novo programa de Português: um programa elaborado por pessoas certamente
sabedoras, porém reféns dos objetivos, conteúdos, estratégias e até da gestão
do tempo que vigoravam nos anos 60 do século passado...
Nuno Crato ainda não
entendeu que, por mais que prometa os professores mais competentes de sempre, o
processo de ensino e aprendizagem está ferido de morte.
O senhor ministro nunca
se preocupou com a formação de professores! O senhor ministro ignora que sem
professores (homens e mulheres com valores humanistas) não é possível resolver
as dificuldades de aprendizagem dos alunos.
Afinal, Nuno Crato nunca
deixou de desconfiar dos professores!
8.7.15
Mas nós, em que
século é que vivemos?
Alberto Caeiro morreu há 100 anos! Fantástico! E
o Adamastor já terá morrido? E Dom Sebastião?
Que Fernando Pessoa
quisesse testar os limites da criação literária, compreende-se! Que Fernando
Pessoa se divertisse a "brincar" com o provincianismo português,
estava no seu direito! Mas nós, em que século é que vivemos?
E depois admiramo-nos,
quando deixamos de ser capazes de distinguir os criadores das criaturas
literárias!
Bem sei que, na
perspetiva de Pessoa, o Mito pode fundar a História, e até compreendo que,
assim, o trabalho fica facilitado, sobretudo, quando, preguiçosamente, nos
deixamos conduzir pela memória...
Só que, em termos
académicos e pedagógicos, continuamos a prestar um mau serviço às novas
gerações.
7.7.15
«Nestes tempos
revoltos é incrível como certa parte da nossa sociedade vive na exibição
de toilettes milionárias, no oco e vazio trem-trem do comentário da
suposta elegância, na bisbilhotice da vida alheia.» Oswald de Andrade,
fragmento de um diário de 1948.
Encontrei este fragmento
no Diário de Notícias de 26 de abril de 1992, e decidi colocá-lo aqui, porque
me parece apropriado pois que, tendo Maria Barroso falecido, o consenso
encomiástico substituiu a ferocidade com que certos sectores da sociedade portuguesa
habitualmente atacavam e continuarão a atacar a sua família...
Hoje é dia de panegírico,
depois de amanhã, de sarcasmo.
(...) A morte de quem
quer que seja não deveria dar lugar à exibição de sentimentos que, na verdade,
não têm origem no coração. Até porque, em muitos casos, se trata de pessoas que
apenas agem por interesse.
De regresso a Oswald de
Andrade (Brasil, 1890-1954), aqui deixo mais algumas palavras em que
valerá a pena meditar:
«Num país inculto como
o nosso, é na incultura que se devem basear as energias do lirismo e os valores
da sabedoria.»
29.6.15
Ó gente impotente,
feita de lama
O presidente da nossa
apagada república, sempre que fala, deixa-me aborrecido e triste. Hoje, porém,
senti-me envergonhado ao ouvi-lo referir-se às opções e à situação da Grécia.
Lembrei-me, entretanto,
da sabedoria de Aristófanes e de Safo, na bela tradução de David
Mourão-Ferreira:
Ó homens, cuja natureza é obscura,
ó homens semelhantes à raça das folhas,
ó gente impotente, feita de lama,
irmã gémea da sombra,
ó seres efémeros e sem asas,
ó mortais infortunados,
ó homens vagos como os sonhos
- volvei para nós a vossa atenção,
para nós que somos imortais e vivemos nos ares,
que nunca envelhecemos, que pairamos no éter
com pensamentos eternos
e colocamos, em tudo,
o segredo da perene juventude!
Aristófanes, As aves, trad. David Mourão-Ferreira
Quando arrefece o coração das pombas,
desfalecem, na sombra, as suas asas...
Safo, fragmento 42, trad. David Mourão-Ferreira
28.6.15
A política, ao contrário
da poesia que acrescenta, só restringe! Tendo uma origem comum, poesia e
política seguem caminhos opostos.
No início, os políticos
eram poetas cujas palavras defendiam o reconhecimento do trabalho da maioria.
Hoje, os políticos defendem abertamente o empobrecimento da maioria.
Hoje, há uma linha que
separa nitidamente a poesia (a arte, a ciência, a filosofia, a religião), da
política - o eurismo - forma regional do capitalismo mundial.
E se isto acontece é
porque a união europeia deixou de se nortear por valores humanistas! Hoje,
o discurso político faz tábua rasa de todo e qualquer valor, pois serve apenas
o euro!
Os próprios ministros não
se diferenciam: ou não têm a voz ou vociferam contra a maioria em
nome do euro.
Os Gregos ousaram
desafiar o eurismo e, hoje, estão a tomar consciência de que têm à sua frente a
possibilidade de se libertarem da ditadura do euro. Mas será que é esse o
caminho que desejam? Se escolherem dizer não ao euro, mais não estarão a fazer
do que seguir o caminho dos povos que nos séculos XIX e XX disseram não aos
seus "libertadores".
A Revolução poderia ser uma grande coisa...
«Penso que a Revolução
poderia ser uma grande coisa se ela respeitasse a maneira de ser dos outros.»
Marc Chagall
O problema é que os
Lenines de todos os tempos não respeitam a diversidade, por mais que digam o
contrário... Agora que os Gregos enchem os bolsos de euros, como é que eles vão
dizer não ao euro?
No que nos diz respeito,
o ministro da educação, em vez de promover a educação artística que, talvez,
conseguisse tornar-nos mais humanos e mais solidários, prepara-se para importar
as bicicletas que sobraram da revolução maoísta...
27.6.15
«Mesmo assim, Marc
Chagall, após ter completado o cheder, a escola primária judaica,
conseguiu frequentar a escola oficial municipal a que os judeus, em princípio,
não tinham acesso. Para tal a mãe, Feiga-Ita, agiu energicamente, subornando o
professor.» Ingo F. Walther / Rainer Metzger, Chagall, Taschen /
Público
Não sei como é que
Feiga-Ita terá subornado o professor, a verdade é que esse gesto foi
fundamental para que Chagall se tivesse libertado das teias que o prendiam à
pobreza material e, sobretudo, cultural de Vitebsk que discriminava os
judeus...
Cheguei a esta informação
por um percurso pouco linear, mas coerente. Gaston Bachelard, ao estudar os
pintores em cuja obra está presente o direito de sonhar (le droit
de rêver) encaminhou-me para artistas como Claude Monet e Marc Chagall...
Se considerarmos os
últimos acontecimentos na União Europeia, parece que os povos do Sul estão
condenados à pobreza e à discriminação cultural...
Será que não há por aí
uma Feiga-Ita capaz de subornar o senhor Wolfgang Schauble?
26.6.15
Versão de trabalho
e versão definitiva nos exames nacionais
A certeza tornou-se
fluída, quando se esperava que fosse clara e única. Publicados os
critérios de classificação e os cenários de resposta, devidamente certificados,
deixaria de haver espaço para manipulação de resultados. Essa expetativa
desapareceu: a massa fica a levedar durante uma semana e logo se vê se o pão
deve ir ao forno ou se o melhor é acrescentar-lhe mais fermento e mais sal...
Hoje dei conta que o
parágrafo já não é uma parte do texto, mas pode confundir-se com o próprio
texto. Um pouco como se o homem fosse apenas cabeça ou a cabeça se tivesse
apoderado da totalidade do corpo!
O que até se compreende,
porque anda por aí muito boa gente que, desaparecida a cabeça, começou a pensar
com os pés e com as mãos.
Eu por mim, cumpro
rigorosamente os novos ajustes, pois não quero que, pelo menos, cem mil jovens,
felizes, deixem de votar nas próximas eleições legislativas...
Finalmente, não posso
deixar de notar que, quanto à interpretação do poema de Sophia Mello Breyner
Andresen, na prova de Português do 12º Ano, nada foi emendado...
25.6.15
O que hoje aqui trago
resulta de uma interrogação antiga: - Para quê insistir no conceito "União
europeia"?
Sendo o território
europeu constituído por partes, social, económica e culturalmente diferentes, o
projeto de as (re)unir só faria sentido se a estratégia fosse de convergência.
Ora, se observarmos a realidade europeia das últimas décadas, assistimos, pelo
contrário, ao crescimento das desigualdades, tendo como principal ator o euro.
Quando olho para a
realidade portuguesa, verifico que, em matéria de transportes, não estamos mais
próximos do centro da Europa. Verifico que, em termos do desenvolvimento do
tecido industrial e tecnológico, em vez de produzir, continuamos a importar... Verifico
que, em termos culturais, a grande maioria dos portugueses tem, hoje, menos
informação do que nos anos 60 do século passado.
Na verdade, por mais que
procure, não encontro a identidade europeia que poderia justificar a
convergência entre os territórios, a eliminação de fronteiras... De facto,
aquilo a que assistimos é a criação de novas fronteiras, é a condenação dos
mais pobres... Em particular daqueles cuja História é mais antiga e que
contribuíram para a afirmação da Europa no mundo...
Claro que a vitimização
de nada serve, porque, infelizmente, não somos capazes de nos unirmos para
definir um rumo de convergência europeia ou, no limite, romper com a mentira
europeia...
24.6.15
Pour entrer dans les songes de l’homme, if faut être un
homme. Il faut être un ancêtre, être vu dans une perspective d'ancêtres, en
transposant à peine des figures qui sont dans notre mémoire. Gaston Bachelard, La Bible de Chagall, in Le
Droit de Rêver.
Poder-se-á pensar que
sonhar é uma das múltiplas formas de evasão, de voltar costas à realidade, no
entanto, nada mais falso.
Neste tempo de crise,
deparamos com dois problemas insolúveis. O primeiro resulta do sonho coletivo
se basear na satisfação de desejos de curto prazo. O segundo tem origem na
natureza dos decisores, que, de verdade, não são homens capazes de traçar um desígnio,
de acordo com os valores que, ao longo dos tempos, orientaram as comunidades
que, supostamente, deveriam guiar.
O problema dos decisores
é que não têm memória dos acontecimentos e das figuras fundadoras das culturas
e das organizações, reduzindo tudo à lei da oferta e da procura. E nessa
voragem, o cidadão mais não faz do que responder a estímulos sabiamente ministrados
por quem procura o enriquecimento célere e sem olhar a meios...Esta é uma outra
espécie de homens que nada tem a ver com a Bíblia de Chagall:
« Les êtres présentés par Chagall sont des êtres moraux, des exemplaires
de vie morale. » op. cit.
Oiço as notícias da
Grécia, de Bruxelas, de Portugal... e não consigo entender os sonhos dos
homens, só descortino personagens sem moral que se movem em circuito fechado,
preocupadas apenas com o vil metal...
17.6.15
I - A frase "O
cão ficava a olhar o mar como um pescador" pode ser
considerada uma frase complexa? O livro que tenho diz que é uma oração
subordinada adverbial comparativa, mas apesar do "como" não
compreendo o porquê de assim ser visto que "como um pescador" não tem
nenhum verbo. (A.D.T.) As orações subordinadas comparativas podem ser
construções elípticas, com a elisão da forma verbal ou do grupo verbal.
Ex: Esta casa é mais interessante do que a outra. (= do que a outra é
interessante). Gramática de Português, pág. 196, Porto editora.
No exemplo apresentado, a
frase é complexa, porque: a) O cão ficava a olhar o mar b) como um pescador
(olha o mar). Elipse do predicado. Oração subordinante + oração
subordinada comparativa.
16.6.15
Dâmaso, o histrião
(prova 639)
«E desabafou, num
prodigioso fluxo de loquacidade, atirando palmas ao peito, com os olhos
marejados de lágrimas. Fora Carlos, Carlos, que o desfeiteara a ele,
mortalmente! Durante todo o Inverno tinha-o perseguido para que ele o
apresentasse a uma senhora brasileira muito chic, que vivia em Paris, e
que lhe fazia olho... E ele, bondoso como era, prometia, dizia: «Deixa estar,
eu te apresento!» Pois senhores, que faz Carlos? Aproveita uma ocasião sagrada,
um momento de luto, quando ele Dâmaso fora ao Norte por causa da morte do tio,
e mete-se dentro da casa da brasileira... E tanto intriga, que leva a pobre
senhora a fechar-lhe a sua porta, a ele, Dâmaso, que era íntimo do marido,
íntimo de "tu"! Caramba, ele é que devia mandar desafiar Carlos! Mas
não! fora prudente, evitara escândalo por causa do Sr. Afonso da Maia...
Queixara-se de Carlos, é verdade... Mas no Grémio, na Casa Havaneza, entre
rapaziada amiga... E no fim Carlos prega-lhe uma destas!» Eça de
Queirós, Os Maias, cap. XV.
Dâmaso Salcede, o
histrião:
1. Comediante ou jogral,
na antiguidade romana.
2. Actor cómico.
3. Actor com desempenho
exagerado.
4. Pessoa que diverte ou
que não é levada a sério. = BOBO, PALHAÇO
5. Homem vil.
Esta é uma daquelas
personagens (tipo) que melhor representa o novo-riquismo do século XIX. Pelo
gesto excessivo, pelo registo de língua inadequado e pretensioso, pelo parco
saber e, sobretudo, pela mania da imitação.
Mais do que saber de cor
as particularidades da personagem, importa ser capaz de desenvolver, de forma
sumária, cada um dos tópicos apresentados, tendo o texto como suporte. Relembro,
no entanto:
I - No Grupo I,
avaliam-se conhecimentos e capacidades de Leitura e de Expressão Escrita
através de itens de construção. Este grupo inclui duas partes: A e B. A parte
A, com uma cotação de 60 pontos, integra um texto, selecionado a partir do
corpus literário do 12.º ano, que constitui o suporte de itens de resposta
restrita. A parte B, com uma cotação de 40 pontos, é constituída por itens
de resposta restrita sobre conteúdos declarativos do 10.º ou do 11.º anos
relativos ao domínio da Leitura, podendo apresentar um suporte textual. No
Grupo I, além da interpretação de textos/excertos em presença, a resposta aos
itens pode implicar a mobilização de conhecimentos sobre as obras estudadas.
15.6.15
A
ataraxia na poesia de Ricardo Reis é uma questão mal fundamentada
Definição:
«Constituindo (a ataraxia)
um estado anímico, exprime um ideal de sabedoria, um fim ou telos a
atingir pelo filósofo (...) É concebida como uma ultrapassagem racional da
demasiada humana vulnerabilidade e sujeição à fortuna e aos acidentes, sejam
estes de origem interna, as paixões, sejam provenientes do exterior,
como as doenças, a pobreza, as desgraças, o mal físico, ou o desaparecimento de
entes queridos.» Rui Bertrand Romão, in Dicionário de Filosofia
Moral e Política.
O conceito
de ataraxia é fundamental para a compreensão da filosofia de vida de
Fernando Pessoa / Ricardo Reis:
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,
Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indif'rença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
Ricardo Reis, 1/6/1916
Apesar do que é habitual
afirmar-se sobre a indiferença de Ricardo Reis em relação aos
acontecimentos exteriores, creio que este heterónimo é mais a expressão do
desconforto de Pessoa perante o sacrifício da vida humana (8642 homens) em
guerras que nada acrescentam à vida do que uma posição de alheamento da
realidade envolvente.
Este poema foi escrito
precisamente quando terminou a Batalha da Jutlândia:
Segundo os historiadores,
trata-se da mais importante batalha naval da I Guerra Mundial. Ocorreu no
dia 31 de maio de 1916, nas águas da península da Jutlândia (Dinamarca), e opôs
a frota britânica comandada por Sir John Jellicoe e a frota de Alto Mar alemã
do almirante Reinhard Scheer. Tal como outros combates desta guerra, a batalha
teve pelo menos duas fases e viria a terminar com a fuga da frota germânica. A
dureza do combate fez-se sentir nas baixas de cada lado. Nesse combate os
ingleses perderam 3 cruzadores, 8 contratorpedeiros e 6097
homens contra 1 couraçado, 1 cruzador pesado, 4 cruzadores, 5
contratorpedeiros e 2545 homens por parte dos alemães. Contudo,
apesar de, aparentemente, as perdas britânicas terem sido superiores às
germânicas, depois deste confronto os ingleses tornaram-se senhores dos mares
controlando toda a navegação. A tal ponto que, até ao final da guerra, a frota
alemã de superfície teve de permanecer imobilizada nas suas bases. (Infopédia)
14.6.15
E toda aquela
infância / Que não tive me vem...
«Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no meu coração.»
Fernando Pessoa
Ontem, referi que não
encontrava grandes motivos para que o Poeta, qual náufrago do presente, se
recolhesse no passado. Hoje, retomo a questão para reforçar a ideia de que,
para Pessoa, só o presente (criativo) lhe podia trazer plenitude.
O passado é
"enigma" e o futuro é "visão"! Nenhum destes tempos lhe
pode devolver a infância que não teve ou antecipar o que
o coração lhe pode dar - isto é, o alimento de que a
razão necessita para poder levar a cabo a sua criação.
O passado é
"enigma" e o futuro é "visão"!
Entretanto é bom não
esquecer que em MENSAGEM, o trabalho do vate ´parece querer provar o contrário.
Através da mitificação dos heróis, o Poeta aponta a solução para o futuro. Uma
solução messiânica.
13.6.15
As crianças de
Fernando Pessoa
Se Pessoa não tivesse
sido forçado a abandonar a infância, estaria hoje a celebrar o centésimo
vigésimo sétimo aniversário. A hipótese é atrativa, mas absurda, pois o tempo
teria deixado de ser mensurável. Ele bem gostaria que tal tivesse acontecido e
por isso fez da vida o estaleiro da arte, o único lugar em que as crianças
podem brincar eternamente.
Embora, ao longo dos
anos, tenha procurado rumar contra os estereótipos que poluem a
"leitura" de Pessoa, a verdade é que a Madalena acaba de me dar a
oportunidade de insistir no tópico de que a poesia de Pessoa é antirromântica,
sem ser necessário regressar à "Autopsicografia"...
As crianças de Pessoa
vivem todas libertas da duração, como se se movessem numa extensão, sem
princípio nem fim... Basta pensar no menino Jesus de Alberto Caeiro! E já agora
acrescento que a infância de Pessoa não esteve livre de tristezas e de
escolhos.
As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.
Álvaro de Campos
As crianças vivem
eternamente!
A infância, em si, é
eterna, porque não tem consciência da passagem do tempo (ou da duração). O
argumento da nostalgia da infância é arriscado, porque o Poeta não se está a
referir à Sua infância, mas, sim, às crianças «que brincam às sacadas
altas».
Para Pessoa, a arte é um
estado lúdico absoluto e não um espaço confessional, romântico.
12.6.15
Parece indiscutível que
um dos indicadores do envelhecimento é a diminuição ou, até, a perda de certas
memórias consolidadas, já que das efémeras se aceita a sua caducidade... Esse
empobrecimento da memória resultará, por exemplo, de dietas desapropriadas, da
qualidade do sono, de medicação agressiva, ou de um excesso conflituoso e
errático de informação ...
A explicação é, talvez,
simplista, porque se as quatro causas apontadas estiverem corretas - dieta,
sono, medicação, informação -, então o empobrecimento da memória começará a
ocorrer muito mais cedo.
Basta olhar para os
jovens que, por esta altura do ano, se submetem a exames externos e internos,
para perceber que boa parte do insucesso deve ser procurado fora da sala de
aula. E na véspera dos exames, a situação agrava-se ainda mais...
O estilo de vida atual é
a principal causa do envelhecimento precoce e, principalmente, do insucesso
escolar dos nossos jovens e da inexistência de um modelo de crescimento e de
desenvolvimento que transforme a sociedade em que nos vemos como reféns.
11.6.15
O segredo de
justiça ou de polichinelo
Lisboa, 11 junho (Lusa) -
O Ministério Público abriu um inquérito por violação do segredo de justiça, na
sequência da publicação de transcrições de um interrogatório efetuado ao
ex-primeiro-ministro José Sócrates, no âmbito da "Operação Marquês".
Um inquérito para quê?
Afinal, quem é que, em
tempo real, teve acesso ao interrogatório? Como é que o ato foi registado? Os
presentes durante a inquirição puderam gravar por conta própria? Será que ainda
estamos no tempo do registo áudio, posteriormente, transcrito para o papel ou
para outro suporte digital?
De acordo com a minha
experiência castrense, toda a transcrição é manipulável, sobretudo se o continuum
for objeto de qualquer tipo de interferência, como, por exemplo, a tosse, a
ira...
Na minha perspetiva, para
além do inquirido, que já está detido, o melhor seria deter os restantes, isto
é, todos os que estiveram presentes no interrogatório...
10.6.15
Naquele cuja Lira
sonorosa / Será mais afamada que ditosa
«Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço os Cantos que molhados
Vêm do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baxos escapados,
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa.»
Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, Canto X, estância 128.
Cito hoje esta estância
porque me parece ser a que melhor revela a incompetência dos que nos governam e
que não têm qualquer tipo de vergonha ao servirem-se da inteligência, do
trabalho e, até, da desgraça de muitos portugueses, condenados a partir ou a viver
na indigência... sem esquecer os que se arrastam nas cadeias (ou fora delas) à
espera que seja feita justiça.
Tal como no tempo de
Camões, Portugal é, hoje, um país em que os valores são constantemente
sacrificados ao interesse e à mesquinhez de uns tantos.
E não me digam que estou
a ser pessimista!
9.6.15
«Quantas vezes a memória
Para fingir que inda é gente,
Nos conta uma grande história,
Em que ninguém está presente.»
Fernando Pessoa
A memória destes dias é a
de um ser verdadeiramente aborrecido que memoriza enormes quantidades de
informação para poder realizar umas tantas provas de exame, cujos resultados o
deixarão mais perto do insucesso na vida...
Talvez ainda não se possa
afirmar que se anda a fingir que se é gente ou que desta história não sobrará
ninguém para a contar, mas pela incapacidade de interpretar, pela dificuldade
de ordenar e de compor, tudo a leva pensar que o mundo, por estes dias, está
virado do avesso.
Provavelmente, nada disto
é verdade, e mais não é do que o cansaço de quem passou 90 minutos numa
repartição de finanças às voltas com um anexo G... Para quê contar a história,
se ninguém está presente?
8.6.15
"Agora, o
Ministério Público propõe prisão domiciliária com vigilância eletrónica, que
continua a ser prisão, só que necessita do meu acordo. Nunca, em consciência,
poderia dá-lo", responde José Sócrates, numa carta a que a SIC teve
hoje acesso.
Deste modo, José Sócrates
poupa nas despesas e promove o turismo nacional. No caso, a grande beneficiada
é a cidade de Évora! Face a esta decisão, para que o contribuinte seja menos
sacrificado, espera-se que a Justiça faça o que lhe compete, isto
é, decida.
Diga-se de passagem, que
se eu estivesse no lugar de José Sócrates, faria exatamente o mesmo. As
pulseiras nem aos rafeiros deveriam ser aplicadas...
7.6.15
«Estando já deitado no áureo leito,
Onde imaginações mais certas são,
Revolvendo contino no conceito
De seu ofício e sangue a obrigação,
Os olhos lhe ocupou o sono aceito,
Sem lhe desocupar o coração;
Porque, tanto que lasso se adormece,
Morfeu em várias formas lhe aparece.»
(...)
«Este, que era o mais grave na pessoa,
Destarte pera o Rei de longe brada:
- «Ó tu, a cujos reinos e coroa
Grande parte do mundo está guardada,
Nós outros, cuja fama tanto voa,
Cuja cerviz bem nunca foi domada,
Te avisamos que é tempo que já mandes
A receber nós de tributos grandes.»
«Eu sou o ilustre Ganges, que na terra
Celeste tenho o berço verdadeiro;
Estoutro é o Indo, Rei que, nesta serra
Que vês, seu nascimento tem primeiro.
Custar-t'-emos contudo dura guerra;
Mas, insistindo tu, por derradeiro,
Com as não vistas vitórias, sem receio
A quantas gentes vês porás o freio.»
O sonho de D. Manuel, in Os Lusíadas, Canto IV, estâncias 68, 74 e 75
Sobre a finalidade dos
sonhos, Freud estabeleceu que não se trata de concluir que o sentido de todos
os sonhos é um desejo realizado pois, muitas vezes, esse sentido
resultará de uma expectativa angustiada, de um debate interior.
Quando se esperava uma
decisão ponderada pela razão, os argumentos mais sedutores saem do sono real,
através do Ganges e do Indo. O Oriente aceita submeter-se ao Rei do Portugal,
reconhecendo, no entanto, que a guerra será sangrenta.
O masoquismo dos rios
orientais é hoje confrangedor. Só que não podemos ignorar que a voz dos rios
(assim como a voz de Morfeu) é o desejo de um rei que se mantinha fiel à missão
de Ourique e que teve de recorrer a argumentos que fossem capazes de derrotar a
voz do Velho do Restelo.
Não podemos ignorar que a
lisonja é em causa própria! E o sonho é uma peça literária!
6.6.15
Para lá do ponto final,
ainda parece haver algum tempo... Suspenso das reticências, vejo-me obrigado a
pensar no que fazer. Há sempre uma quantidade enorme de papéis e de ferramentas
que esperam por arrumação, mas será essa a melhor forma de aproveitar algum
talento que possa ter?
O problema é que, ao
contrário da parábola dos talentos, estes não me foram dados. Se algum ainda
tenho, terei de ser eu a descobri-lo e a pô-lo a render.
Pode ser que, por entre
tantos papéis e ferramentas, acabe por encontrar um caminho que me impeça de me
tornar uma inutilidade.
E os apelos à
gratuitidade não faltam!
5.6.15
11 horas da manhã. Ponto
final na atividade letiva neste contexto.
A sala 42 é testemunha
desse momento. Apenas, uma aluna neste derradeiro bloco. Analisámos o discurso
de uma "Carta a Camões", com a preocupação de emendar a vulgaridade
discursiva de quem confunde o registo oral com o escrito. Infelizmente, a tendência
é abrasiva.
(...) Uma colega assoma à
porta e confirma a solidão do ato, interrogando-se (me) se este será o desfecho
mais adequado... Encolho os ombros e respondo que no dia 11 estarei disponível
para dar apoio aos alunos de português do 12º Ano, das 9 às 13 horas.
Ponto final.
4.6.15
Há os que se esmeram no
que fazem e há os que, sendo desleixados, procuram por todos os meios compensar
a falta de aprumo e de rigor intelectual.
Quando olho para os
primeiros, vejo-os atentos, disciplinados, insatisfeitos com qualquer falha que
descubram em si próprios; não descansam enquanto não superam a dificuldade por
maior que seja. Na hora da avaliação, no geral, prezam a modéstia e os rostos
brilham quando o esforço é compensado ...
Quanto aos segundos,
impera a desatenção, o incumprimento, o atraso, a memorização de última hora e,
em particular, o desprezo dos próprios erros; falta-lhes a vontade de
aperfeiçoar as competências e veem no avaliador uma entidade mesquinha que não
lhes satisfaz as pretensões. A responsabilidade pelo insucesso é sempre do
outro...
Enfim, nesta época do
ano, o avaliador acaba sempre só! E assim deve ser.
3.6.15
Só nascemos uma vez! Só
morremos uma vez! Há, no entanto, eleitos que renascem e outros que
ressuscitam. Não os invejo... a vida tal como está já é suficientemente dura
para querer voltar atrás ou para ansiar por qualquer tipo de retorno, e muito
menos eterno...
Daria, todavia, uma parte
do meu tempo a quem me libertasse das rotinas para que sou convocado e que, na
verdade, não acrescentam nada ao livro da vida ou, melhor, só confirmam que a
vida mais não é do que uma prisão, cujas chaves o carcereiro usa ao seu bel-prazer.
Ainda hoje tive
oportunidade de, a propósito da oficina do poeta, explicar que a condição
humana está, desde sempre, determinada pelos mecanismos da repetição e da
variação. Chegado aos exemplos, apercebo-me que, do ponto de vista da retórica,
a repetição supera claramente a variação, pois se distribui pelos níveis
fónico, sintático, semântico e pragmático, ao contrário da variação que se
confina ao nível sintático ... da linguagem.
De momento, tudo me diz
que noventa por cento dos enunciados que tive de suportar ao longo do dia já os
ouvira ritualmente, ao longo dos últimos 41 anos...
2.6.15
«Quando era criança
Vivi, sem saber,
Só para hoje ter
Aquela lembrança.
É hoje que sinto
Aquilo que fui.
Minha vida flui,
Feita do que minto.
Mas nesta prisão,
Livro único, leio
O sorriso alheio
De quem fui então.»
Fernando Pessoa, 2.10.1933
Em frente de uma estreita
tira de papel, o Poeta olha uma vez mais as barcaças que deixam o Tejo e,
cansado da imagem que de si o espelho reflete, volta ao único tempo que o não
pode defraudar - a infância. E é ela que solta as velas por colorir...Por ela,
pode mentir (fingir) que as grades da prisão, onde sempre esteve encarcerado,
se rompem. Por ela, pode mentir o momento em que deixou de olhar para o espelho
e para Tejo... e sorrir. Não, da alheia cumplicidade da criança que outrora
foi, mas da suavidade que escorre das palavras que fluem de forma natural para
a vida daquele dia de plenitude.
De nada serve insistir
que o Poeta está triste ou está contente e que o canto é de lamento ou de
regozijo. Seguir tal caminho é nada entender do ofício poético.
1.6.15
Fui à procura da praia
fluvial do Agroal e encontrei o Nabão em flor. Dois patos descansavam sobre as
pétalas enquanto as avezinhas trinavam na copa dos arvoredos. O Sol, atrasado,
fazia gazeta, deixando no ar uma friagem inesperada.
Do que observei, fiquei
com a impressão de que, nos dias de canícula, os passeantes se
apinharão à espera de uma nesga de praia ou, então, perder-se-ão na Serra
em tentadoras comezainas.
Enfim, com o Nabão, está
a repetir-se uma situação que começa a ser habitual. Só lhe conheço a nascente,
já o Sol está na curva descendente...
Na verdade, eu vivi nas
margens do Nabão durante mais de um ano e nunca fora ao Agroal...
Até, a certa altura,
habituara-me a contemplar a Santa Iria das Portas do Sol scalabitanas, antes de
conhecer a cidade dos Templários...
Já sem falar dos
"tabuleiros" que, para mim, têm um significado bem diferente e
difícil de alcançar nos tempos que correm. Refiro-me aos "tabuleiros de
figo e uva a secar"...
31.5.15
Ao serviço de um
único Deus. Sempre Único...
Sou dum tempo em que a
vizinhança dos rios não significava proximidade. Faltava o transporte e,
sobretudo, faltavam os recursos económicos para o essencial quanto mais para o
lazer. A terra árida escondia os rios e as suas margens férteis; tornava invisíveis
as toalhas líquidas, os barcos uma miragem; de aproximado, apenas, um barco a
remos sem futuro
Por seu turno, os
castelos, que se elevavam no compêndio de História, pareciam mais perto; eram,
no entanto, anacrónicos; eram a representação da odiosa guerra, mesmo se ao
serviço de um único Deus. Sempre Único, fosse qual fosse o lado: da defesa ou
do ataque. Tomar partido era ser patriota... e a guerra recomeçava e, ainda
agora, continua um pouco mais longe, mas é a guerra por um Deus, por uma
Terra...
Hoje, finalmente, visitei
o Castelo do Almourol, reconstruído segundo o patriotismo de cada época.
Assente no meio do Tejo, continua a observar manobras militares de não sei qual
guerra...
Mesmo que a importância do Castelo do Almourol seja
apenas a de nos prender a uma identidade enraizada no tempo da reconquista,
convém não esquecer que não há poder sem castelo. Pode é não estar situado no
meio do Tejo, o tal que nos deitou ao mar ou ao mundo, segundos outros
megalómanos, como se não houvesse mais mundo para além de nós...
29.5.15
«Se o meu filho fosse
vivo, havia de fazer dele um homem de bem, desses que vão ao teatro e a tudo
assistem, com sorrisos alarves, fingindo nada terem a ver com o que se passa em
cena! (...) Havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da consciência
e da bolsa do que da alma.» MATILDE, em FELIZMENTE HÁ LUAR! de
Luís Sttau Monteiro
Depois de três anos a
defender a verdade, a consciência e a autenticidade, leio
com todo o cuidado uma Carta a Camões - um daqueles exercícios de
escrita em que o jovem, nos seus 17 ou 18 anos, é livre de expor as suas ideias,
sendo apenas objeto de correção quanto à composição e à gramaticalidade do
discurso - e descubro que o dia de hoje em nada difere do tempo do Épico.
Até parece que, afinal, o
objetivo da minha ação nestes três últimos anos foi ENSINAR A MENTIR.
Não sei como caraterizar
esta atitude e muito menos como justificá-la. Todas as fundamentações me
parecem absurdas. Em todas as épocas, os valores foram espezinhados, em nome da
conquista ou da manutenção do poder.
Houve sempre, no entanto,
a esperança de que o tempo pudesse deixar de ser como «soía"... Eu, hoje,
estou, como o Poeta, desiludido... Será que ao longo de todos estes anos lhes
ensinei a mentir?
28.5.15
Os bovinos não têm
qualquer culpa. A vida deles já é suficientemente maçadora, isto sem esquecer a
«musca domestica communis» e outros moscardos que chegam com a
canícula.
Apesar do apregoado
carinho pela fauna cada vez mais distante, a realidade é, todavia, cruel:
sempre que algo não corre a contento, a vontade calada desafoga-se em
simpáticos epítetos: ratazana, cobra, vaca, cadela, raposa, burra, mula,
víbora... (a lista fica em aberto) ...
Da observação resulta uma
particularidade machista: o recurso à forma feminina. Um pouco como se a
cultura popular estivesse eivada de um padrão repulsivo feminino, cuja origem
datasse de um paradigma religioso masculino, do tempo em que se quis por termo
à misoginia.
Não sei se é assim ou
não. A verdade é que o desprezo continua a ser escrito no feminino, mesmo
quando o sujeito deixou de ser masculino...
(Este texto talvez não
devesse ser aqui postado, mas o facto é que me sinto bastante mal-humorado
porque, entre outros factores, logo pela manhã, ... me colocou no caminho uma
casca de banana...e, de momento, me sinto a banana do meu caminho...)
27.5.15
GUARITA - s.f.
Pequena casa, geralmente de madeira fixa ou móvel, desenvolvida para abrigar
sentinelas, vigias, seguranças. Torre em que ficavam os sentinelas; torres
situadas nos cantos de antigos fortes, desenvolvidas para dar proteção aos
sentinelas.
Agora que penso nisso,
percebo que há mais guaritas do que eu pensava. Talvez, por comodismo,
habituei-me, nos últimos anos, à inutilidade das guaritas dos quartéis.
Raramente, lobrigo uma sentinela, mesmo se a chuva acontece copiosa. Nem
sequer, os rejeitados da vida, ou de si próprios, se recolhem nessas torres
esquecidas...
No entanto, à medida que
os condomínios fechados e os parques de estacionamento se apoderam das ruas e
do subsolo, as guaritas multiplicam-se, e nelas vislumbro seguranças no lugar
dos sentinelas...
Porém, o que eu
desconhecia é que nas escolas também existem guaritas: recantos donde se
avistam os professores e os alunos que circulam nas galerias; ou simples
cadeiras, das quais se enxerga a indisciplina das chegadas e partidas.
Neste último caso,
desconheço o estatuto destes "vigilantes" e, sobretudo, não sei a
quem servem. Temo, contudo, que estejamos perante uma função sem objeto, em que
a simples presença, e até ausência, justifica a existência da guarita...
26.5.15
Com o calor, tudo se
torna mais moroso. Poder-se-ia pensar que a morosidade nos tornaria mais
razoáveis, mas não.
A irracionalidade cresce,
a surdez aumenta, as vozes sobem de tom. Com o calor, acentuam-se os ajustes de
contas...
Afinal, parece que
passamos o ano à espera de que o estio nos enlouqueça...
25.5.15
Outrora, chamavam-lhe
miscelânea; hoje, há quem prefira falar de um novo estilo: o etnocaos.
Talvez por isso me tenha deslocado no dia 23 de Maio à Gulbenkian, onde tive
oportunidade de presenciar a empolgante exibição do grupo ucraniano DakhaBrakha,
criado em 2004, no centro de arte contemporânea de Kiev DAKH, pelo diretor de
teatro de vanguarda Vladysslav Troitsky...
A verdade é que durante o
espetáculo, mal informado sobre a pretensão estética do DakhaBrakha, senti-me
um pouco frustrado, pois os instrumentos, os ritmos e as vozes lançavam-me para
outros territórios distantes da Ucrânia: África, Ásia... No entanto, o problema
era meu: o público parecia delirar com a profusão de sonoridades e de efeitos
vocálicos...
Quanto a mim, ao observar
os instrumentos, dei comigo a pensar que o lusotropicalismo tinha feito a sua
aparição em má hora, e que o anátema sobre a miscigenação era afinal uma
invenção dos seguidores da Reforma, que combatiam os monopólios, mas não deixavam
de armar as fronteiras... Talvez o etnocaos cultural possa ser a nova solução
global e, sobretudo, dar trabalho a uma nova geração de antropólogos...
Já que o caos parece
estar instalado, o melhor é não esquecer que no dia 23 de Maio de 1179, o Papa
Alexandre III emitiu a Bula Manifestis Probatum que reconhecia
Portugal como um reino pelos serviços prestados à expansão da fronteira
cristã...
Já lá vão 836 anos... de caos!
24.5.15
O RINOCERONTE na
Escola Sec. de Camões
À medida que os
rinocerontes se multiplicam, poucos são os homens que resistem! Desta vez, a
alegoria saiu das páginas do Rinoceronte (1960) de Eugène
Ionesco (1909-1994), numa adaptação e encenação consistentes, com incidência
nas personagens Berénger, Jean e Daisy.
O recurso ao intertexto (Ensaio
sobre a Cegueira, de José Saramago, e a imagens de situações contemporâneas
de degradação do ser humano) permite iluminar o absurdo exposto por
Ionesco.
Na Escola Secundária de
Camões, as resistentes têm nome: Maria Clara Melo da Silva e Graça Gomes. Sem
elas, o GTESC já estaria extinto há muito. A montante, o rio parece ter
estagnado!
Em síntese, a peça
denuncia o que está a ocorrer sob os nossos olhos, portas dentro... De
parabéns, estão todos os que ousaram preparar e levar a cabo este espetáculo.
23.5.15
Prezado Camões,
Ultimamente, encarreguei
uns tantos jovens de te escrever uma carta, no âmbito de uma homenagem a um
poeta cujo patriotismo talvez tivesses apreciado - Vasco Graça Moura.
Estes jovens, em fase de
conclusão dos estudos secundários, sentem-se um pouco constrangidos, mas lá vão
cumprindo, mais por obrigação do que por gosto...
Bem sabes que pedir não
custa, e por isso decidi relembrar algum do tempo que contigo vivi. O primeiro
grande trabalho "camoniano" foi me imposto por um professor de
Português em terras do Ribatejo, em Almeirim, que tomara como missão obrigar os
alunos a decorar, pelo menos, uns tantos sonetos, que ele diligentemente
analisava, impondo-nos, também, a memorização da sua interpretação. O sucesso
dependia, assim, da capacidade de memorização dos sonetos e da respetiva
exegese. O meu resultado foi fraco, porque a minha memória, já testada nas
aulas de botânica, sempre fora frágil... Se não compreendia, não memorizava; se
compreendia, detestava o "ipsis verbis".
Um ou dois anos mais
tarde, nas margens do Nabão, redescobri a beleza da memória, quando, certo dia,
ouvi o professor Hernâni Cidade citar, com propósito, Os Lusíadas.
Nesse dia, invejei-te; sobretudo, admirei aquele ilustre orador que, afinal, só
solicitava o nosso entusiasmo para aquelas tuas sequências em que o homem luso
derrubava os obstáculos e recebia "os beijos merecidos da verdade"...
À exceção destes dois
professores, nunca mais encontrei pela frente nenhum verdadeiro
entusiasta da tua excelsa obra. Claro que não esqueço, de os ler, António José
Saraiva ou Jorge de Sena. Admirava-os porque nas palavras escritas pressentia a
leitura rigorosa dos teus versos e, até, uma certa identificação na vida, como
já acontecera, por exemplo, com Bocage. E essa admiração acabou por se estender
ao Vasco Graça Moura, também ele um intérprete rigoroso dos teus desígnios...
De aluno a professor,
acabei por me ver metido em trabalhos "camonianos". (Só os meus
alunos saberão dizer se estive à altura da missão.) Posso, no entanto,
confessar-te que um dia me senti bastante defraudado quando um ilustre
camonista, especializado nas capas e nas ilustrações das tuas obras, deu ordens
para que a cadeira de Estudos Camonianos se tornasse obrigatória, porque eu
estaria a "roubar-lhe" os alunos... Isto no âmbito de uma
insignificante cadeira de Literatura Portuguesa II, em que eu incentivava os
alunos a lerem Sá de Miranda, António Ferreira, Luís Vaz de Camões, Fernão
Mendes Pinto.
O meu crime sempre foi o
de querer que te lessem, mas não só a ti... a todos os que contigo conviveram
ao longo dos séculos... e foram uns alguns! Não tantos como se poderia
imaginar... No entanto, não duvido que Vasco Graça Moura foi um desses leitores
e, sobretudo, foi um grande promotor da leitura.
Prezado Camões, muito
mais te poderia dizer, mas não quero espantar a caça.
Um teu admirador!
22.5.15
E eu não sorri na
cave do IMT...
«Evite as filas de
espera e utilize o prazo que a lei lhe concede, procedendo à revalidação da sua
carta durante os 6 meses que antecedem o dia em que completa as idades
obrigatórias. E tenha em atenção que o documento não pode ser renovado com mais
de seis meses de antecedência.
Se deixar passar o prazo
de renovação corre o risco de multa por circular com a carta de condução
caducada. Após 2 anos sem que tenha revalidado a carta, terá de efetuar uma
prova prática caso pretenda obter novo título de condução.»
Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT, I.P.)
Em 21 de Maio de 2014,
fui ao ACP e tratei do processo de renovação da carta de condução, 6 meses
antes do prazo se esgotar. Cumpri todas as formalidades, paguei 85 euros, e
fiquei à espera...
Entretanto, fui renovando
a licença de condução até hoje, inclusive, data em que o ACP me recomendou que
o melhor seria deslocar-me à Elias Garcia, nº 103, Lisboa, informando que ia da
parte deles, ACP... Para tirar uma fotografia... Fiquei a pensar que já tinha
uma fotografia no cartão de cidadão e se ela não seria válida para o IMT.
Na posse de tal
informação, desloquei-me à Elias Garcia, dei a informação ao rececionista que,
por sua vez, me entregou um papelinho com o seguinte dizer: F176. E apontou-me
a cave a que devia dirigir-me. Desci, a cave estava repleta de FFFFs. Olhei à
volta e percebi que o rebanho estava ali todo para o mesmo; a única saída seria
ser proprietário de uma senha verde ou, então, B, D, T...
Verifiquei a
hora: 13 horas; o mostrador de senhas estava desligado; uma ovelha
informou-me que tinham acabado de chamar o F103... Decidi esperar. De tempos a
tempos, uma ou outra velha exaltava-se, porque as fotografias estariam a sair
muito lentamente; haveria até problemas com as assinaturas. Lembrava-me
novamente do cartão de cidadão.
Finalmente, às 15 h
20, o F176 foi chamado. A suposta fotógrafa pediu-me desculpa por se estar a
rir de um chinês que acabara de sair. Tinha-lhe pedido que sorrisse, e ele
nada. Disparou a máquina, e ele desatou a rir... Entretanto, perguntou-me se era
portador de B.I. ou cartão de cidadão. Puxei da carteira, e entreguei-lhe o
documento. Pediu-me para assinar sobre uma superfície vítrea, o que fiz de me
imediato e, desta vez, perguntou-me se eu gostava da fotografia do C.C. Acenei
que, por mim, tudo bem.
A senhora voltou a sorrir
e disse-me que, dentro de duas semanas, receberei a carta de condução em casa.
Eram 15 h 24!
E eu não sorri! Também
não pedi o Livro de Reclamações até porque ele não se encontrava naquela Cave.
21.5.15
(...) «la démarche de Gradiva, telle que l'avait reproduite l'artiste,
était-elle conforme à la vie ?» Jensen, Gradiva
Norbert Hanold, fascinado
por uma escultura, artisticamente mediana, batiza-a de Gradiva, em honra
de Marte Gradivus, o deus da guerra avançando para o combate...
O que lhe interessa não é
a vulgaridade da figura feminina, apesar de a imaginar de estirpe nobre, mas o
movimento dos pés e, particularmente, comprovar se o movimento representado
está conforme ao movimento dos pés de uma mulher real...
Há 40 anos li esta obra,
no âmbito da cadeira de Literatura e Psicanálise. Como a maioria dos estudantes
da época, fascinado pelas teses freudianas, que tudo explicavam, li de rajada a
novela de Jensen, e, agora, percebo que dessa leitura nada ficou, a não ser,
talvez, pulsões contraditórias que faziam bem ao ego e matavam definitivamente
a alma.
Tal como Norbert Hanold,
sinto que a arte continua desfasada da vida, só que eu já desisti de procurar a
conformidade entre ambas...
Doravante, vou seguir o
esforço do arqueólogo, sabendo, de antemão, que o único prazer está em não
trocar os pés...
20.5.15
Quero escrever atos
"subversivos" e começo por hesitar; paro em 'sub', indeciso quanto à
sequência, ainda avanço para 'vers', mas algo me faz estancar: a imagem parece
não corresponder à ordem mental, um pouco como se o cérebro desse uma ordem e a
mão não soubesse como cumpri-la; numa fração de segundo que, no contexto, se
assemelha a uma eternidade, corrijo e escrevo "revolucionários"...
Grande parte do grupo
mantém o silêncio, talvez por compaixão; há, no entanto, um ou dois sorrisos
espontâneos, rasteiros, daqueles que não perdoam...
Vivemos num interminável
ajuste de contas em que deixámos de ser capazes de dar valor à compaixão e
apenas amplificamos o ruído em que, por vezes, somos obrigados a mergulhar...
Esse é o lado obscuro da
vida, aquele que nos faz desistir como trapos atirados para bem longe. E o
queixume de nada serve, porque já não compreendemos o valor dos 'atos
subversivos'...
19.5.15
«E é assim o interior
de Portugal: uma imensa mulher feia e viúva fechada à janela do primeiro andar
de uma velha casa, esperando sair à rua numa ocasião importante como o enterro
do doente que nunca conheceu, mas em relação ao qual sente alguma afinidade
porque vivia na terra ao lado.» Afonso Reis Cabral, O Meu Irmão,
pág. 265, Prémio Leya 2014
O leitor não escapa a um sentimento de tristeza. A
incapacidade do irmão mais velho de compreender e aceitar o único verdadeiro
prazer de Miguel - estar com Luciana - cresce até a um ponto em que a sanidade
mental se esfuma por inteiro, tornando-se inseparável da violência que elimina
o único objeto do desejo...
A patologia, neste
romance, acaba por ser marca não de Miguel, de Luciana ou de Quim, mas, sim, de
quem se considera "normal".
Parece que este romance
procura exorcizar o lado obscuro do Portugal esclarecido, senhor do seu
destino, mas não o consegue, porque a cegueira é o seu pecado original, seja no
Tojal, no Porto ou em Lisboa...
Talvez por isso, o
Eusebiozinho queirosiano seja citado na página 279:
«As irmãs
entregaram-mo semanas depois. Entraram na casa que eu alugara no Porto com ele
pela mão, porém ligeiramente atrás como o Euzebiozinho nas saias da mamã.»
PS. Apesar de tudo, em
Portugal, nem todas as mulheres são feias e, sobretudo, gordas. Este
estereótipo parece-me excessivo.
18.5.15
Como é que nos
deixamos enganar?
Como diria o Vicente
(Felizmente, Há Luar! de Luís Sttau Monteiro): «É simples: digo-lhes
metade da verdade. Sonham com o Gomes Freire? Lembro-lhes que o Gomes Freire é
general e falo-lhes da guerra. Haverá alguém que se não lembre da guerra? A
vida tem sido uma guerra atrás de outra... Odeiam os Franceses e os Ingleses? Chamo
estrangeirado ao Gomes Freire... // O que não lhe digo é que se ele
não fosse estrangeirado era... era como os outros... era mais um senhor do
Rossio...»
Olho as capas dos
jornais, hoje, vermelhas, amanhã azuis ou verdes, tanto faz, e parece que o
país entrou em delírio: um clube bicampeão, Super Juiz caça mil milhões, a
Irina traída dezenas de vezes, professores contra a entrega de escolas às
câmaras, o governo quer saber se a Azul cumpre regras, BASTA de Almada, digo,
de Costa, o do PS, Fátima dá alento ao povo português, líder skinhead pensa em
novo partido político...
E ainda há aquela notícia
de que o presidente do conselho científico do IAVE critica o Crato. Acordou
agora! Quantos meses faltam para as legislativas?
Apesar de tudo, o Vicente
tinha mais carácter do que esta súcia que nos informa, do que esta súcia que
nos avalia, do que esta súcia que nos governa...
17.5.15
Não sei se o homem tem
alguma falha de carácter, critério, para mim, fundamental para avaliar as
palavras e os atos de quem se propõe gerir a res publica, no
entanto, pelas respostas que deu durante a entrevista, parece-me ser um
português genuíno, para quem, a questão essencial é a visão estratégica assente
na produção de riqueza e consequente criação de emprego.
Por outro lado, das suas
palavras depreendi que as direções partidárias afastam todos aqueles que, pela
sua idoneidade e experiência empresarial ou outra, lhes podem fazer sombra...
Não é a primeira vez que
dou atenção às palavras de Henrique Neto, mas, hoje, confirmei aquilo que anda
longe de ser praticado: o debate político deve assentar no compromisso
escrito quer de quem questiona quer de quem tem obrigação de responder. E
se compreendi bem, os governantes dos últimos 20 anos não sabem escrever, pois
não respondem por escrito às interpelações...
Ou, em alternativa menos
simpática, temos sido governados por homens sem carácter que, quando recorrem
ao texto escrito, mais não debitam do que o que lhes foi dito pelos
assessores... aliás, também, o fazem quando, com recurso ao teleponto,
discursam nas capelinhas...
16.5.15
Apercebo-me agora quanto
me irrita que o Freud tenha mudado de prateleira. Durante anos, esteve à mão,
apesar de com o tempo ter caído fora do olhar. Passou a ser citado de cor, para
mais tarde deixar de estar presente nas palavras que iam suportando o discurso...
A leitura de Freud fora longa, durara cerca de dois anos, ora em francês ora em
espanhol...
E Freud é apenas um entre
as centenas que mudaram de lugar e jazem num recanto da parede do fundo, como
se esta sala se tivesse transformado num cemitério de autores...
Nada do que acabo de
anotar teria surgido se a minha mente não estivesse submetida ao princípio da
CENSURA. Continuo sem saber lidar com a proibição de fazer perguntas, isto é,
de dar sequência ao DIÁLOGO, e apesar de tudo, o Platão mora mais perto; bastam
alguns passos para que Sócrates possa sair da prateleira e dar a volta à sala,
deslumbrando os interlocutores, sempre prontos a colocarem-lhe as perguntas
adequadas...
Por outro lado, as
reticências também começam a aborrecer-me; parecem pressupor que, do lado de
lá, está alguém capaz de reconstituir o fluxo dialogístico, e não assinalar um
qualquer modo de pausa de escrevente cansado; já sem falar no ponto e vírgula que
se vai instalando só para impedir que eu desate a transcrever frases outrora
sublinhadas:
« Selon le proverbe antique, les favoris des Dieux sont ceux
auxquels ils font quitter la terre à la fleur de leur âge. »
« Nous dirions que c'est en gage d'un prochain retour que Gradiva a
oublié ici son carnet car nous prétendons qu’on ne nous oublie rien sans un
mobile secret ou un motif caché. »
Ao citar Freud,
Délire et Rêves dans la grande "Gradiva" de Jensen, mais não faço do
que suspender a preguiça que me impedia de me empoleirar no canto da sala; como
faltou o escadote, saltou para aqui a vaidade não consumada de poder ter sido
escolhido pelos Deuses ou o desejo secreto de ainda conseguir voltar a ler o
que, entretanto, já esqueci...
Freud e Platão,
colocados involuntariamente longe um do outro, só estão aqui porque
continuo a braços com a leitura de O MEU IRMÃO e, sobretudo, com uma questão
que estou proibido de fazer: Será que Afonso Reis Cabral começou a desconfiar
que o papel que atribuíra ao narrador ganhou tal autonomia que, enquanto Autor,
se viu desapossado da narrativa, vendo-se assim na necessidade de introduzir um
segundo narrador que controlasse o primeiro? Isto é, o Autor é, afinal, um
Censor!
15.5.15
Afonso Reis Cabral
na Esc. Sec. de Camões
Apesar de ainda não ter
terminado a leitura do romance "O meu Irmão", posso, desde já,
assegurar que se trata de uma obra original que não defrauda o leitor porque
não cede nem à ciência literária nem à vulgaridade tão em moda.
Esta minha convicção
saiu, hoje, reforçada pelo modo autêntico, sincero, como Afonso Reis Cabral se
disponibilizou a responder às perguntas que lhe foram colocadas sobre a génese,
a maturação e a composição do romance.
O autor deixou a ideia de
que escrever exige sonho, empenho, indagação, tempo e, sobretudo, reformulação
e revisão. Escrever não resulta de inspiração divina, nem deve submeter-se a
qualquer exigência de natureza editorial, nem se inscreve num qualquer legado
familiar por mais nobre que seja.
(A iniciativa de trazer o
escritor à Escola foi da responsabilidade dos professores Maria Teresa Saborida
e Mário Martins. Este último leu um excerto do romance gerando condições para
que os alunos colocassem algumas perguntas pertinentes. A sessão decorreu
na sala 32 e contou com cerca de 50 participantes, entre alunos, professores e
dois representantes da editora Leya.)
14.5.15
Desde ontem que assumi
que não devo fazer perguntas. Isto não significa que não possa ser questionado.
Se o for, responderei de forma concisa de modo a não cair em tentação... A ação
(ou a inação) decorre num contexto específico.
Dou agora conta que há
uma hora fiz uma pergunta, não interessa qual. E apesar de não obter
satisfação, obtive, no entanto, uma resposta.
Enquanto leio "O Meu
Irmão", de Afonso Reis Cabral, romance que aborda precisamente as
dificuldades de comunicação resultantes de um dos interlocutores sofrer
do síndroma de down, vou-me interrogando sobre a natureza da comunicação a
partir do momento em que abdicamos de fazer perguntas...
Não desejando, por
enquanto, remeter-me ao silêncio absoluto, porque dá cabo de qualquer contexto,
vou experimentando os efeitos do diálogo em que B responde a A, sem poder contrainterrogar...
As respostas passam a ser secas, concisas, mergulhando no silêncio até que
surja nova pergunta. Pressinto que esses hiatos poderiam ser desafiantes, não
fosse A alhear-se por vontade própria ou por incapacidade momentânea...
(E, de súbito, revejo os
avós paternos, sentados diante um do outro, e eu à espera de que eles se
questionem sobre um qualquer assunto por mais mesquinho que seja, mas nada
acontece entre eles. Nem A nem B colocam qualquer pergunta, e estou sem saber
se tinham feito um pacto contra a indagação ou se, apenas, se lhes tinham
esgotado as perguntas.)
Ao fim de tantos anos a
fazer perguntas noutro contexto específico, parece que se anuncia o tempo de
deixar de fazê-las. E esta possibilidade começa a despertar-me a vontade de
começar a ir à pesca...
13.5.15
Afonso Reis
Cabral, na próxima 6ª feira, na Esc. Sec. de Camões
A nota biográfica que se
segue corresponde à transcrição de um artigo publicado pelo Semanário
Expresso.
Em 1990, Lisboa viu-o
nascer. Depois disso, o Porto viu-o crescer. Até ao 9º ano, Afonso Reis Cabral
frequentou o Colégio dos Cedros. Do 10º ao 12º, foi aluno na Escola Secundária
Rodrigues de Freitas. Nestes três anos letivos, a professora Alexandra Azevedo
introduziu-o aos Estudos Clássicos. Foram dois anos a aprender Latim e um a
aprender Grego. Mas, pelos vistos, em 2008, Afonso não se viu assim tão grego
no European Student Competition in Ancient Greek Language and
Literature. Em 3552 concorrentes, era o único português e ficou na oitava
posição.
Mas recuemos um pouco -
até aos 15 anos de Afonso. Bom, com 15 anos era altura mais do que certa para
andar em namoricos ou a colecionar cromos em cadernetas. Quem diz isso, diz
publicar um livro de poesia. Afonso carregou as nuvens de poemas e depois choveu
o resultado: "Condensação". Apesar de chovido, este livro, publicado
pela Corpos Editora, não foi caído do céu. Afonso entregou-se à escrita durante
cinco anos (dos 10 aos 15).
Invicto e convicto,
Afonso Reis Cabral deixou o Porto para regressar ao berço. Licenciou-se e
amestrou-se na Universidade Nova de Lisboa, primeiro em Estudos Portugueses e
Lusófonos e depois em Estudos Portugueses.
"Fernando Pessoa e
Nietzsche: O Pensamento da Pluralidade", "O teatro da Vacuidade ou a
Impossibilidade de Ser Eu: Estudos e Ensaios Pessoanos", "Teoria
Geral e Previsional dos Ciclos Económicos e Galileu na Prisão: e Outros Mitos
Sobre a Ciência". O que é que estas obras têm comum? Foram todas revistas
por Afonso. Mas não são as únicas. Aliás, o jovem português já se deu ao luxo
de 'corrigir' a nonagenária Agustina Bessa-Luís. Foi em 2012, quando fez a
revisão de "Cividade". Afonso já foi revisor em várias editoras e
trabalha atualmente na Alêtheia.
Os rascunhos de "O
Meu Irmão", obra que mereceu o galardão Leya, já remontam pelo menos a
2006. Na altura, Afonso Reis Cabral publicava um texto onde manifestava a sua
indignação para com a prática do aborto. O seu irmão Martim nasceu um ano depois
de Afonso. Antes ainda de conhecer a luz, Martim foi diagnosticado
com Síndrome de Down. Neste texto, Afonso perguntava: "Com que
direito é que a lei diz que se podem matar bebés deficientes, ainda não
nascidos, até aos seis meses de gestação? E se tivessem tocado a campainha ao
meu irmão Martim?".
No relato pormenorizado
sobre os comportamentos - afetados pela condição - do seu irmão, Afonso
escreveu as seguintes palavras: "Umas vezes, quando volta do colégio, vem
todo irritado, outras falador, outras macambúzio, outras indiferente, outras gracejando,
outras saltitando. Vem sempre feliz. Tem uma rotina muito certa, o meu irmão
Martim. Colégio, pão, televisão, banho, jantar, cama. No meio disto tudo,
decide chatear-me um pouco, mas enfim... E depois, quando se deita, antes mesmo
de fechar os olhos e de cair nos braços de Morfeu, diz, abafado pelos lençóis:
'Bo noite, mano'".
Oito anos depois, a
afeição de Afonso Reis Cabral ao irmão é premiada com 100 mil euros. Talento,
trabalho e muito humanismo.
12.5.15
De nada serve queixar-me! Por isso, embora
tardiamente, aqui fica o enquadramento...
Todos fomos espanhóis de
1936 a 1939 (...) O génio de Picasso fixou essa agonia. É uma obra de arte que
é um manifesto político. É a sua forma de dizer isto que disse também em
palavras: “No, la pintura no está hecha para decorar las habitaciones. Es un instrumento de guerra ofensivo y defensivo contra
el enemigo.” Goya tinha
dito o mesmo, noutros termos, quando pintou o “3 de Maio de 1808” (...) e
quando nos pomos no lugar dos homens que estão prestes a ser executados. Disse
o mesmo nas suas famosas pinturas negras, de caras esfomeadas. (...)
A consciência política
anda pelas ruas da amargura e eu, que detesto a propaganda, reconheço que há
certos temas que, como a arte engajada ou comprometida, necessitam de educação
artística... Caso contrário, a arte só serviria para assegurar a imortalidade
de uns tantos e a vaidade de muitos outros. Mas em nome de quê?
11.5.15
Indícios de
tragédia n' OS MAIAS ou um não-assunto...
Como diriam alguns
políticos, vou tratar de um não-assunto. A quem é que poderá interessar indicar
três ou quatro indícios (presságios) de tragédia no romance Os Maias?
A lenda da fatalidade das
paredes do Ramalhete.
Os cabelos pretos e os
olhos dos Maias (...) de «um negro líquido» (Afonso, Pedro, Carlos, Maria Eduarda)
...A visita de Carlos, a pedido de Maria Eduarda, a «uma pessoa da família» ...
O ar de meditação sinistra dos olhos «redondos e agourentos» do mocho que fixa
o leito fatídico, na Toca.
Maria Eduarda tenta
contar a Carlos três vezes a história da sua vida... A tapeçaria «onde
Marte e Vénus se amavam entre os bosques» na Toca. O «móvel divino» do Craft
com os quatro evangelistas que «um vento de profecia parecia agitar»; dois
Faunos tocavam num desafio bucólico, a frauta de quatro tubos».
A parecença de Carlos com
a mãe, Maria Monforte (ponte de vista de Maria Eduarda) ...A sombra negra das
personagens femininas que se projetam na Vénus Citereia...
Para quem não tinha
paciência para reler Os Maias, tempos houve em que se aconselhava a
leitura atenta do ensaio NOVA INTERPRETAÇÃO DE OS MAIAS, de Alberto
Machado da Rosa, in Eça, Discípulo de Machado? editora Fundo de Cultura,
1962.
Hoje, decidi revisitar o
Alberto Machado da Rosa, registando alguns dos indícios da tragédia que se vai
avolumando, mesmo que o desfecho pareça longe de qualquer catástrofe...
De qualquer modo, o
ensaio permite outras chaves de leitura se quisermos cruzar os planos da
conceção do romance: o histórico, o simbólico e o
trágico...
10.5.15
"As ruas da cidade estão desertas.»
"As ruas de Lisboa estão engarrafadas.»
A expressão sublinhada é
um complemento de nome ou um modificador restritivo de nome? A resposta, se
consultarmos o Ciberdúvidas ou as Gramáticas mais recentes, não é fácil.
Em exame nacional,
acertar na resposta vale 5 pontos. De acordo com alguns linguistas, o melhor a
fazer é não colocar a pergunta... (critério duvidoso, mas eficaz!)
Nestes últimos dias,
experimentei testar a pergunta, não fosse o IAVE ignorar o conselho dos
linguistas, e o resultado não só não é esclarecedor, como descobri que há
sempre alguém capaz de morrer pela sua opção, o que muito deploro...
Atrevo-me, entretanto, a
deixar aqui outro exemplo:
"As ruas em
exame deveriam ser fechadas ao trânsito."
Será que os Linguistas e
os Gramáticos já descobriram qual é a verdadeira resposta? Bem longe das
terras lusas, vive um japonês, estudioso da língua portuguesa, que acaba de me
confessar que também ele gostaria de ter alguma certeza nesta matéria...
De qualquer modo, em caso
de controvérsia, lá teremos de classificar ambas as respostas como certas -
IAVE / MEC 2014.
9.5.15
Os painéis de Almada
Negreiros ocupam todo o salão que dá para o Tejo. No corrupio de turistas que
não sabem como ocupar o tempo, só um ou outro levanta os olhos e parece
surpreendido com a cor e as figuras que deram corpo ao Estado Novo, mas tal
ideia não lhes passa pelo pensamento, e até a Nau Catrineta deixou de voltar
com as histórias que tinha por contar:
«Lá vai a Nau Catrineta,
leva muito que contar,
Estava a noite a cair,
e ela em terra a varar.»
Parece que estamos
encalhados, e nem a arte sabemos divulgar! Diluídos, vivemos fora de nós,
preferimos esconder a identidade... No entanto, inaptos, insistimos em não
ouvir o gajeiro:
«Não vejo terras de Espanha,
nem praias de Portugal.
Vejo sete espadas nuas,
que estão por te matar.»
Hoje, nem Almeida Garrett
nem Almada Negreiros são devidamente apreciados, provavelmente pela mesma razão
que «alcântara» perdeu o significado original - ponte.
8.5.15
«Acabará a música,
todos irão aonde têm de ir, corre sossegadamente o rio Caia, de bandeiras
não resta um fio, de tambores um rufo, e João Elvas nunca chegará a saber
que ouviu Domenico Scarlatti tocando no seu cravo.» José
Saramago, Memorial do Convento.
O rio Caia ainda era
fronteira no reinado de D. João V, delimitava a fronteira entre Portugal e
Espanha na região de Olivença. Em 1815, o Congresso de Viena reconheceu a
soberania portuguesa... A 7 de maio de 1817, a Espanha ratificou a Ata Final.
No entanto, passados 200 anos, «de bandeiras não resta um fio» ...
De facto, nem João Relvas
chegou a saber quem acabara de tocar «uma música delgadinha, suavíssima, um
tilintar de sininhos de vidro e de prata, um arpejo às vezes rouco, como se a
comoção apertasse a garganta da harmonia», nem a nós interessa essa ou
outra fronteira...
Para quem anda tão
apressado, a fronteira mais não é do que um obstáculo. Afinal, o mundo é todo
igual, dizem uns tantos.
Mas não, o mundo está
cada vez mais desigual. Todos os dias se elevam novas fronteiras. Todos os dias
se morre nas fronteiras... e nós continuamos a flanar. Mentira, continuamos a
deambular!
7.5.15
Sinto-me um tanto
desvirgulado
Os dias se não estão mais
compridos tornaram-se-me mais pesados. Talvez devesse ter colocado atrás uma
vírgula, mas sinto-me um tanto desvirgulado, apesar de refrear tudo o que
penso, isto é, de virgular todas as pausas a que me forço para não cair no
acinte...
Cair no acinte já não fica
bem na minha idade, dizer que a novidade do dia tem barbas não incomoda,
pareceria que me estaria a colocar em bicos de pés...
Ainda na posse de um
manual de etiqueta, deixo-me ficar sentado a ver em que param as modas que não
divergem muito das de outras eras que concluíram que ser cortês sempre era
melhor do que carniceiro... tudo em benefício de damas agravadas e crianças desamparadas...
Verifico agora que de
tanto cair já sofro de cacofonia e que a minha obrigação seria voltar atrás, de
modo a não profanar os ouvidos das almas mais sensíveis, mas vejo-me em
estilhaços, por não ter percebido à primeira que as almas não têm ouvidos, não
têm olhos, não têm nada...
Eu é, que desvirgulado e
desalinhado, investi nos dias e só agora percebo que, ao contrário do didata,
não posso eliminar a cacofonia e muito menos impedir que os anjos sejam
reverentes... Ainda se eu fosse o senhor das vírgulas!
A partir de hoje, o meu
sonho é fechar os olhos numa vírgula à espera que surja a maiúscula que me
interpele e me faça cair no acinte...
Imagine o leitor que,
enquanto espero, decidia mudar o título para não ofender a vírgula, e começava
novo ensaio, ou como se diz há uns tempos, iniciava nova tentativa:
Sentia-me um tanto
desvirginado... já estou a ver os rostos carrancudos, Isso é coisa que se
escreva... o melhor é mesmo afundar-me no grupo verbal!
6.5.15
Baseado na galinha
da vizinha...
«Escrever é um dos
mais efetivos caminhos para o desenvolvimento do pensamento.» Citação
de uma citação.
Em contexto escolar, o
aluno deve ser convidado a escrever sobre problemas da atualidade... De início,
a questão não é como escrever e sobre o quê..., mas ser capaz de
determinar quais são os problemas mais prementes do ponto de vista dos alunos
e, posteriormente, investigá-los e debatê-los, de forma participada,
oralmente...
O aluno não deve ser
convidado a escrever sobre textos, mas, sim, sobre a vida. Poderá,
entretanto, ler textos que o ajudem a definir regras de textualização ou a
compreender como certos problemas da sua própria vida são e foram tratados por
autores de diferentes épocas...
Este percurso não se
conforma com o afunilamento temporal, porque aprender a pensar não é
um processo cronometrável e linear, e, sobretudo, exige a proximidade de um
formador que tenha hábitos de escrita... O pensamento em si é nada, se, a cada
passo, pomos de lado a vida. O texto complexo em si não existe, a forma como
vivemos a vida é que pode ser desvirtuada...
5.5.15
Oração profana, na
perspetiva de um aluno do 12º ano
«O trabalho dá o que a natureza nega.» (provérbio
popular)
Se quisermos refletir
sobre esta asserção, na perspetiva de um aluno do 12º ano que, dentro de um
mês, terá de escrever um texto opinativo ou argumentativo, é
essencial formular e responder previamente, pelo menos, a
duas perguntas:
- O que é que a
natureza nega ao homem?
- Em que é que o
trabalho pode substituir a natureza?
Claro que, em
alternativa, podemos questionar se, de verdade, a natureza nega alguma coisa ao
homem. Ou, se pela força do trabalho, o homem é capaz de fazer tábua rasa da
natureza.
Sem a formulação destas
(ou doutras) perguntas, de nada serve começar a opinar ou a argumentar sobre
o tema proposto, isto é, qualquer introdução será aleatória
e, consequentemente, o desenvolvimento não passará de um amontoado de
lugares-comuns... Quanto à conclusão, a existir, nada terá a ver com o
problema em debate... Por outro lado, convém não esquecer a origem popular
do provérbio, o que determina que o aluno opte por um ponto de
vista assente na sabedoria popular...
Rosto transfigurado, como
se as sinapses se tivessem desenlaçado, olhos encovados, transtornados pela luz
elétrica, cabelos em desalinho, apesar da calmaria sonâmbula, assim se
apresenta o professor, depois de, durante uma manhã, ter lutado contra a desatenção
e a dispersão...
Diante de si, surge uma
imagem que já não necessita de ser refletida pelo espelho... Pelo calendário,
faltam 30 dias! De qualquer modo, o desajustamento vai manter-se... Até quando?
4.5.15
Na vida pública e na vida
privada, as promessas (as juras) não são para cumprir. Apesar de haver
testemunhos de que outrora os homens (e as mulheres) eram honrados,
sacrificando a vida se necessário fosse, creio que, na verdade, eram mais os
incumpridores do que os que honravam os compromissos...
Claro que, ao longo dos
tempos, os pedagogos idealizaram uma sociedade mais justa e procuraram
implementá-la através da ética, da moral, sem esquecer a religião, e das artes,
mas, a prática sempre se revelou contrária aos princípios instituídos. Nalguns alguns
casos, como, por exemplo, acontece com a Literatura, o Belo frequentemente não
segue o Bem.
Quanto aos juros, aí o
caso muda de figura, se não cumprimos somos severamente sancionados. Até porque
se pagarmos os juros, estaremos, ainda que minimamente, a amortizar as
dívidas... E a virtude está em sermos cumpridores, mesmo que ainda deixemos
parte dos encargos para os vindouros... Ora há por aí uns tantos que juram não
pagar as dívidas, mas que sabem que alguém vai ter de pagar os juros. Só que
não serão eles!
Eu, por mim, não voto
neles...
3.5.15
De que nos servem as
pontes se em caso de terramoto e de marmoto devemos fugir delas? Os rios, que
nos levam ao mundo em tempo de paz, tornam-se nos nossos maiores inimigos em
tempo de crise... Em tempo de austeridade, as pontes desertas consomem recursos
infindáveis, sem haver maneira de pôr cobro a tal despautério e,
paradoxalmente, ninguém as acusa de nada, porque nos habituámos a que elas
ligassem as margens, para que possamos fugir de nós...
Eu gosto de atravessar
pontes. Até há pouco tempo, pensava mesmo que era capaz de as construir, mas
ultimamente as ilhas têm-se mostrado distantes e avessas a travessias. Talvez
por isso, se o próximo terramoto me der tempo, vou evitar os rios, mesmo que as
pontes fiquem suspensas do firmamento...
Ontem, a propósito da
educação do gosto, quero esclarecer que me sentia um pouco
"enovoado"..., precisamente porque com tantas pontes que se
anunciam, comecei a temer que do nevoeiro surja um novo cavaleiro
andante...
2.5.15
«A tarefa do artista é
convencer-nos de que isto poderia acontecer. A coerência interna e a
plausibilidade tornam-se mais importantes do que a correção referencial.» James
Wood, A Mecânica da Ficção, pág. 253, editor Quetzal
Preocupa-me esta renovada
tendência em querer educar o gosto literário das crianças e dos adolescentes
deste país.
Ao longo da História, a
instrução, essencial ao crescimento humano, foi sendo metamorfoseada em
educação, acabando quase sempre ao serviço de programas doutrinários ou
ideológicos estabelecidos pelos grupos dominantes ou que, paulatinamente,
preparavam o acesso ao poder. Raramente, a educação inverteu o «statu
quo».
Sob a capa de valores
civilizacionais, religiosos, artísticos, nacionalistas, internacionalistas ou
simplesmente patrimoniais, os programadores educativos não resistem a
condicionar a emoção humana...
Felizmente, as fontes do
gosto desmultiplicam-se a cada dia que passa, tornando obsoleto qualquer tipo
de programa.
Por mais que a Autoridade
e a Referência se confundam, o que acabamos por aprender é que a coerência
interna e a plausibilidade escapam a qualquer programador, pois, por natureza,
se apresenta como gestor de almas alheias...
1.5.15
Concluo hoje que não sou
viral, ou seja, tudo o que digo ou escrevo não se espalha como se fosse um
vírus.
Ontem, referi-me ao
problema colocado por quem procura evitar a especialização dos jovens,
determinando, no entanto, que devem saber ler e escrever "textos
complexos"... e já antes me referira à estreia do filme Uma
Rapariga da Sua Idade... Entretanto, pedira a uns tantos jovens que
opinassem, por escrito, sobre o provérbio "Do trabalho e da experiência,
aprendeu o homem a ciência".
E estou satisfeito por
não ser viral, pois cedo conclui que se o fosse estaria a ser infantil e que o
estado de infantilidade parece ser o verdadeiro desiderato de quem nos
'programa'... Na verdade, o provérbio, apesar de ser uma forma simples,
revela-se um texto complexo... a maioria não chega a perceber nem o que é a ciência
nem que ela resulta da conjugação ativa do trabalho (criativo) com a
experiência (vívida)....
Talvez por essa razão,
voltei à Culturgest e tornei a ver o filme Uma Rapariga da Sua Idade,
dando mais atenção à linguagem verbal e gestual dos protagonistas, o que me
permitiu compreender a complexidade do texto "dramático"... Por outro
lado, o Márcio Laranjeira, a Mariana Sampaio e o Alexander David, ao
responderem às perguntas do público, revelaram que a autenticidade da obra (do
tal texto complexo) resulta não só do trabalho e da experiência, mas,
sobretudo, da emoção que não se deixa capturar pelo simplismo imediato e
populista...
Eu não sou viral porque
fujo da gabarolice e sei que a simplicidade é inimiga da
infantilidade.
23.4.15
Cães há que têm muita
paciência: esperam minutos a fio que os donos desfiem as vidas que não são
deles, a não ser no cavaco abjeto. Castrados.
Outros há que aceleram a
trela, embora saibam que só lhes resta içar a perna e regressar à sombra dos
donos. Fingidos.
Da matilha, o melhor é
nada dizer, pois, genuína, não descansa enquanto não ceva a perna ao primeiro
incauto que encontrar... Hoje, ao sair de um supermercado, uma mãe comentava
para a filha ao ver-me passar: Olha que cãozinho tão lindo, como ele olha
embevecido para o senhor. Na verdade, o cão parecia uma bexiga de porco pronta
a estourar... Mas fiquei-lhes agradecido, vá lá saber-se porquê?
Nesta hora canina, apenas
lamento não conhecer nenhum cão caçador exímio em cevar coelhos... A culpa é da
palavra que acelera a trela e se enreda nela.
22.4.15
Antes que a pergunta se
perca: - Para quê mudar a cara, se basta substituir a máscara?
No teatro grego, a cara
nunca se mostrava; e mais não era do que o suporte das contingências que
habitavam a esfera...
O teatro na sua origem
era a expressão possível da matemática, isto é, da thike da mathema.
Dito de outro modo: a matemática era a arte (thike) que dava forma
ao conhecimento (mathema) do espaço e do tempo, que media e pesava a
matéria...
Mais tarde, a matemática,
para se soltar da esfera inicial, criou uma outra esfera já só constituída por
símbolos que esperam, um dia, apagar todas as máscaras pondo, assim, termo às
contingências.
PS. Dedico esta
conjetura ao nosso amigo MSR que faz hoje anos, mas que não pode deixar de
estar triste, lembrando que a tristeza é inseparável da alegria. Bom é saber
que a dor de hoje é a expressão da alegria de ontem...
Em abril, das mil águas, nem um pingo de
vergonha!
Das mil águas, abril não
dá conta, dir-se-ia mês de mil nuvens esbranquiçadas...
O povo lá segue
aparvalhado, incapaz de punir quem ordena, preferindo ser carrasco de mulheres
e crianças...
Uma parte ainda continua
a entoar hossanas a abril, à espera de que este lhe traga «paz, pão, habitação,
saúde, educação».
Em abril, as rosas e os
cravos continuam a florescer e a outra parte do povo, a fenecer. Se, pelo
menos, abril cumprisse as mil águas, talvez quem ordena fosse na enxurrada, e o
povo deixasse de ser carrasco de mulheres e crianças...
No abril que corre, para
além das estéreis nuvens esbranquiçadas, quem ordena já abriu as comportas da
propaganda de tal modo que o povo segue aparvalhado, incapaz de punir quem
ordena, preferindo ser carrasco de mulheres e crianças, sem esquecer os náufragos
da terra e do mar das partes do médio oriente e de áfrica...
Quem ordena bem sabe que
a culpa é dos trabalhadores, dos que não têm trabalho, dos que não têm
terra!...
Como disse hoje um
distinto sindicalista, a culpa é do povo que não compreende a ação dos
sindicatos; a culpa é dos trabalhadores que não se sindicalizam...
Em abril, das mil águas,
nem um pingo de vergonha! Só a rosa, só o cravo!
20.4.15
O desconsolo de
tanto naufrago da terra
Bom seria que o sol
brilhasse por dentro. Não é tanto o frio, mas o desconsolo de tanto naufrago da
terra de ódio, de guerra, de discriminação, de fome... Aqui, na europa, a
insensibilidade é absoluta, pois, em vez de cerrar fronteiras, bem poderia ter
apostado na cooperação económica e cultural com os povos do norte de áfrica,
com vantagens mútuas...
Sempre que se levantam
muros, criam-se condições para que hordas famintas acabem por os derrubar.
Sitiados, os europeus deixam morrer às portas os vizinhos, e um destes dias
morrerão eles próprios de inação.
A europa atual não é mais
do que uma quimera, refém de um eurismo que, por si só, acabará por cair às
mãos de hordas famintas, internas e externas. Mais uma vez tudo se joga no
mediterrâneo...
Por fora, o sol brilha;
por dentro, chuvisca. Nem sequer faz frio, apenas uma ansiedade de
incumprimento ou de culpa infantil...
Essa velha culpa sempre
presente, cristalizada no respeito pela arbitrariedade, e de que nada serve
confessá-la em privado ou em público, porque a autoridade se confunde com a
alteridade e esta, ao contrário do que diz o pregão, em vez de libertar, oprime.
O próprio sol brilha ou
esconde-se, alheio a qualquer tipo de ansiedade.
Por fora, o sol brilha;
por dentro, fogo. E eu, apenas, cinza - o que resta da caruma...
19.4.15
Raramente escrevo de
manhã.
Hoje, no entanto, talvez
por ser domingo e por ter avistado um estúdio móvel da RTP junto à igreja do
Cristo Rei, decidi registar a minha paragem no jardim Almeida Garrett.
Escolhi a pedra exposta
ao sol e sentei-me. E assim aquela pedra se tornou na ara da comunhão vital,
diferente da do pão e do vinho que outrora preenchia as minhas manhãs. Era um
altar intimista que não comunicava ao mundo a sua existência e que, apesar de
tudo, foi perdendo o seu fulgor inicial. A narrativa de tanto repetida virou
rotina e o frio foi-se entranhando nos ossos...
Há dias, alguém me
perguntou se não me arrependera; talvez, hoje, entrasse porta dentro de algum
doente preso ao leito... e o não solto saiu-me da boca ainda antes de pensar.
Afinal, basta-me poder
escolher uma pedra exposta ao sol!
E li o DN e já esqueci
quase tudo, exceto que o Papa argentino agradece aos italianos a compaixão com
que nos últimos dias têm acolhido os náufragos de África que, no essencial, só
procuram a clemência do sol(o) europeu.
18.4.15
José Mariano Gago,
testemunho autêntico
«O Camões precisa mais
que a memória duma página, coisa de nada, difícil. Nem o Camões, nem cada um de
nós com ele, cabemos no tempo da escrita do espaço duma folha. Mas quando
teremos o tempo necessário?» José Mariano Gago, Liceu Camões 100
Anos 100 Testemunhos
Do meu contacto,
distante, com José Mariano Gago habitam-me três palavras: fascínio,
autenticidade e benevolência.
Homem benevolente, pronto
a acarinhar quem o ajudou a aprender e quem, por instantes, para servir um
desígnio, via nele um facilitador de soluções... A benevolência estende-se a
essa ideia simpática de que todos os homens precisam de mais do que uma folha
para registar a sua existência. (Tantos são os que ontem e hoje falam
elogiosamente de José Mariano Gago e que não merecem sequer referência no
rodapé da vida!)
Homem fascinado pelo
espaço, nas suas diversas escalas, mas que sabia que o tempo lhe poderia
frustrar a ambição de ir além do conhecido. E sobretudo, um homem, que tinha a
noção de que só o conhecimento salvaria o ser humano de si próprio... Por
amizade, José Mariano Gago confessou um dia que o Liceu Camões, que o acolhera
dos 10 aos 17 anos, fora a academia matriz que, afinal, sempre procurou
construir enquanto homem político ao serviço do seu país...
Homem autêntico que nunca
vi colocar-se em bicos de pés, manteve-se por largos períodos na sombra, apesar
da sua inteligência e compaixão...
4.4.15
A Sammy caiu do telhado.
Dizem que foi o vento que a empurrou... Na calçada sangrava abundantemente, sem
se saber a extensão das lesões. Os samaritanos levaram-na para o hospital mais
próximo onde, depois de analisada e anestesiada, foi operada a uma pata..., sem
esquecer a boca maltratada...
Entretanto,
convalescente, foi levada para casa onde impacientemente espera que a libertem
da tala metálica e, sobretudo, do colar de freira que lhe aumenta a fome e a
sede...
A Sammy consta que já é
figurante no filme do Márcio Laranjeira, Uma Rapariga da Sua
Idade"... Quem quiser conhecer a Sammy não deve faltar à apresentação
deste filme, na Culturgest, no dia 29 de abril, às 21h30...
Por este andar, a Sammy ainda vira protagonista!
Noutros tempos,
castrenses, também comecei por ficar de plantão.
Noutros sonhos, mais
antigos, via-me de plantão a uma sineta... uma fantasia com cor real!
E tempo houve, de
infância, que fiquei de plantão a um berço, não fossem as cobras asfixiar a criança.
Esse foi um tempo em que as camisas do milho desataram a arder, os cântaros se
esvaziaram, sobraram marcas por apagar...
Hoje, continuo de
plantão! Um tempo em que nunca sei o que vai acontecer.
Posso caminhar na rua, ir
às compras, pagar todo o tipo de contas, ouvir o que todos têm a dizer-me,
porque sabem o que dizer, embora eu já não saiba o que responder... Posso
ler o Poema Contínuo, de Herberto Helder, só não posso
partir violenta e violentamente para o campo...
E faz-me falta! Basta-me
colocar os pés sobre o mato, olhar a encosta e depois observar a faina das
abelhas, ouvir o chilrear dos pássaros. Ficar ali de plantão durante 10
minutos...
3.4.15
Uma comparação
absurda do ministro José Aguiar Branco
Quando confrontado com a
morte do economista Silva Lopes, José Pedro Aguiar Branco afirmou que «Silva
Lopes teve a felicidade de partilhar este momento com Manoel Oliveira» e
destacou o economista como figura de relevo na política e economia do país.
Este ministro é um homem
que cada vez que abre a boca melhor seria que estivesse calado. Por um lado,
José P. A. Branco vê na morte um momento de felicidade. Por outro lado, faz uma
daquelas comparações absurdas que nem os meninos de coro se atreveriam a
fazer...
Se a morte é um momento
de felicidade e, já agora, de partilha, este ministro bem poderia aproveitá-lo.
2.4.15
Não
a morte, mas o falecimento de Manoel de Oliveira
A duração e a extensão
são frequentemente alimento deste blogue. E como tal, seria indesculpável que
aqui não assinalasse não a morte, mas o falecimento de Manoel de
Oliveira, aos 106 anos de idade.
Habituei-me a encarar a
sua obra como a expressão do retardamento da passagem do tempo. Tudo era
calculado de modo a evitar o inebriamento futurista.
Sempre que penso em
Manoel de Oliveira, recordo a leitura das obras de Agustina Bessa-Luís, em que
a suspensão do tempo é uma inevitabilidade.
É um pouco como se quem ama a vida se recusasse a
avançar!
1.4.15
O único dia em que
sou candidato
Poderia enumerar as
tarefas executadas e as que estão em lista de espera, poderia enumerar os
aborrecimentos e os desgostos, poderia enumerar as fraquezas e os medos, mas
para quê? Se alguém prestasse atenção à enumeração, diria que está incompleta
ou que peca por excesso. Ou nem isso, talvez se limitasse a proclamar que não
passo de "um queixinhas". Não passamos de "uns queixinhas"!
No Dia das Mentiras,
talvez não seja descabido confessar que, ao fim de mais de quarenta anos nas
salas de aula, o melhor seria candidatar-me a deputado, porque, segundo a
Catarina Madeira e Márcia Galrão*, o que há de mais parecido com o
comportamento dos deputados no parlamento é a traquinice dos alunos na sala de
aula... E convém não esquecer que ainda há por lá uma campainha estridente, ao
contrário do que acontece na escola secundária de Camões, em que a campainha
apenas se faz notar nos dias de exames.... Parece que na Assembleia da
República há queixinhas famosos...
* Estes Políticos devem estar Loucos, a
esfera dos livros.
31.3.15
(Região de Saúde Lisboa e Vale do Tejo)
O novo Centro de Saúde de
Sacavém está situado em Moscavide, quase escondido... Sobretudo para quem mora
na Portela... Os acessos estão prontos, mas encerrados! Provavelmente, serão
abertos numa futura ação de campanha eleitoral, lá mais para o verão... Resta
saber quem é que irá cortar a fita.
Não quero crer que seja o
presidente do município de Loures, Bernardino Soares*, que acabo de ver
referido no livro Estes Políticos devem estar Loucos, pág.
145, de Catarina Madeira e Márcia Galrão.
Um livro que mostra à
evidência a boçalidade de muitos daqueles que, ao longo dos tempos, se foram
sentando na bancada do governo e nas cadeiras parlamentares, apesar de, no
prefácio, João Mota Amaral, ter esperança que esta obra ajude, não os leitores,
mas os eleitores:
«E assim recolhem
os eleitores uma imagem dos seus deputados mais humana e próxima, que
espero contribua para melhorar a simpatia dos Portugueses para com o
Parlamento, que os representa no exercício supremo da soberania de Portugal.»
* Mas era Bernardino
Soares quem fumegava cada vez que Gama concedia a Nuno Melo o direito de
«defesa da honra», pois ele, fiel cumpridor das regras parlamentares,
jamais fintaria o árbitro para levar o jogo ao prolongamento.
Esclareça-se «defesa da honra da bancada.»
Pessoalmente, compreendo
que o parlamentar possa ter necessidade de «defender a honra», sobretudo quando
maltratado pela sua bancada. Mas, quanto à «honra da bancada», tenho
dificuldade em reconhecê-la, até porque ela, em regra, asfixia a liberdade do
deputado.
A estrada da liberdade
existe, mas o acesso está encerrado...
30.3.15
No centro da capital, a irregularidade do piso já tem
barbas. Nem os milhares de turistas que por ali circulam comovem os dirigentes
do município!
Num hospital, à vista e à
mão de todos, o contador do gás da instalação hospitalar. No pavilhão, os
utentes, amontoados, esperam longamente pelas análises ao sangue... Se,
para infelicidade sua, precisarem de fazer no mesmo dia um raio X e um
eletrocardiograma, então os utentes devem levar bússola ou GPS...
Em síntese, os sinais de
degradação urbanística proliferam por toda a parte... E a população
cada vez mais doente, mais conformada, senão mesmo anestesiada...
Infelizmente, o
presidente do câmara, que quer governar o país, não foi capaz nestes últimos
anos de pôr termo à derrocada, embora se ufane de, ao contrário do governo, ter
diminuído significativamente a dívida do município...
Bem sei que o senhor
presidente sempre poderá responder que a culpa da irregularidade do piso é
das colinas, e que a culpa da degradação dos hospitais é do governo, pois não
avançou com a construção do grande hospital central de Lisboa. Até porque
os atuais terrenos hospitalares poderão vir a ser o novo "ouro"
do município...
29.3.15
Quais são os objetivos de
uma dissertação de mestrado nos tempos que correm?
O que é que distingue uma
dissertação de mestrado de uma dissertação de doutoramento?
No passado, o candidato
para poder concluir uma licenciatura (agora, segundo ciclo de Bolonha) ou
progredir na carreira académica tinha de ser capaz de investigar, apresentar
por escrito e defender oral e publicamente a sua pesquisa...
E hoje, será que tal
acontece? No atual sistema de ensino superior, quem é que garante que
os mestrandos e os doutorandos são devidamente orientados?
Estas perguntas são
obviamente de natureza retórica, só não compreendo por que motivo as coloco,
aqui, por escrito...
28.3.15
Como referi ontem,
cheguei atrasado ao teatro, e acabei por regressar a casa com a sensação de que
a pontualidade é essencial, mas que esta pode não passar de um gesto
disciplinador menos importante do que, por vezes, se pensa...
Na verdade, nos últimos
anos, tenho-me esforçado por ser pontual, porém deixei de cobrar os
atrasos com que me confronto diariamente, em termos familiares,
profissionais...
Gostaria, sim, que
houvesse mais rigor no tratamento dos assuntos, na realização das tarefas e na
satisfação dos compromissos...
Se tal acontecesse os
dias seriam menos penosos!
Mais do que ser pontual,
há que ser rigoroso e não desistir da perfeição. Mas nada disso acontece... a
imperfeição tornou-se uma marca de água... e pelo caminho vão ficando as
vítimas.
Creio até que o meu
próprio coração já começa a dar sinais de impaciência, e eu finjo que não
o oiço nestes dias penosos que atravesso...
27.3.15
Quem me conhece, sabe que
detesto atrasos. No entanto, hoje, sexta-feira, saí demasiado tarde de casa
para assistir a um espetáculo no número 99 da Calçada Marquês de Abrantes,
Lisboa. Além do mais, o excesso de trânsito, a falta de estacionamento e a minha
inexistente vida noturna dificultaram-me a tarefa de dar com o lugar...
De qualquer modo, cheguei
às 21 horas e cinquenta e cinco minutos. A porta encontrava-se fechada, e sob a
campainha uma pequena nota: SILÊNCIO POR FAVOR. O ESPETÁCULO ESTÁ A
DECORRER.
Compreendo que não se
deve perturbar os artistas, mas...
26.3.15
A lógica das
hipóteses sem regresso
Os OUTROS apagam-se
enquanto o EGO CRESCE... Se nada existe para além da vida breve, de que serve
respeitar o que está para além do EGO?
O plural NÓS esfuma-se a
cada dia que passa, apesar da multiplicação das redes sociais... A partilha é
virtual e, como tal, o EGO não vai além da simulação... A imaginação deixa-se
subordinar à lógica das hipóteses sem regresso...
Partimos, podemos até ser
sorteados para partir, como aconteceu com os jovens alemães, estudantes de
espanhol, só que, ao lado, há quem determine que aquela é uma viagem sem
retorno...
Infelizmente, quando o
EGO CRESCE, os OUTROS apagam-se...
E o pior é que esta
situação acontece todos os dias e por toda a parte.
25.3.15
O angolano que
Comprou Lisboa, de Kalaf Epalanga
Este rabisco é dedicado
ao Rafael Marques (nesta hora de provação) e ao Kamba Reis...Tenho
estado a ler com bastante interesse o livro de crónicas de Kalaf Epalanga, O
ANGOLANO QUE COMPROU LISBOA (POR METADE DO PREÇO) e, por coincidência, deparei
com uma extensa entrevista publicada na revista Tabu... Pode dizer-se que
Kalaf, na entrevista, não desmente o ar desempoeirado e atrevido que podemos
respirar em cada uma das suas 55 crónicas...
Aprecio na escrita de
Kalaf a concisão e, sobretudo, a regeneração da língua portuguesa ao
introduzir, de forma plástica, termos oriundos de diferentes quadrantes
geográficos e artísticos, designadamente das áreas da moda e da música de
inspiração angolana...
Em termos temáticos,
estas crónicas bem poderiam ser objeto de apreciação dos nossos estudantes pela
desenvoltura com que Kalaf aborda as questões da identidade angolana, da
migração, da discriminação, do provincianismo e do cosmopolitismo, sem esquecer
o olhar apaixonado pela cidade de Lisboa...
Kalaf Epalanga Alfredo
Ângelo, aos 37 anos, revela em cada uma das suas crónicas uma atitude crítica
fundamentada, avessa ao racismo, à ignorância e ao mujimbo... Das muitas
passagens que aqui poderia citar, registo aquela que me parece mais adequada,
nos dias em que Herberto Helder se tornou notícia:
«E está provado, o
belo é aquilo que ninguém percebe, como filmes da Nouvelle Vague, jazz,
arquitetura, arte contemporânea... Só os jovens acham feio aquilo que não
entendem; os que têm juízo ou vergonha na cara preferem esconder a sua
ignorância com expressões do tipo "sim, muito interessante",
"profundo", genial" ou ainda o jargão "bué da fixe".
Raras são as vezes que admitimos não entender patavina sobre determinado
assunto e pedimos para que nos elucidem.» op.cit. pág. 173-174.
24.3.15
Abro o TRÍPTICO de
Herberto Helder
Citação (9.1.2014)
Abro o TRÍPTICO de
Herberto Helder e surge-me o amador de Camões: Transforma-se
o amador na coisa amada com seu / feroz sorriso, os dentes, / as mãos que
relampejam no escuro. Traz ruído / e silêncio. Traz o barulho das ondas
frias / e das ardentes pedras que tem dentro si. / E cobre esse ruído
rudimentar com o assombrado / silêncio da sua última vida. / O amador
transforma-se de instante para instante, / e sente-se o espírito imortal do
amor / criando a carne em extremas atmosferas, acima de todas as coisas mortas.
E fico a pensar no olhar
perdido e petrificado do amador camoniano que, à força de misturar
imagens, reprime o desejo e apazigua o corpo, passando a viver do fulgor de um
momento para sempre perdido, enquanto o amador de Herberto Helder, no
lugar da imaginação coloca o peso e o vigor do corpo até que a amada lhe
corresponda o grito anterior de amor...
23.3.15
Alguém me disse que ando
a rabiscar disparates. É provável, embora sinta que muito pior é fazê-los. E
disso ninguém quer saber. Hoje é um desses dias em que nem rabiscar
apetece.
Lembro, no entanto, o
tempo em que nos finais de setembro espreitava uma oportunidade para poder ir
ao rabisco.
Terminada a vindima,
havia sempre um cacho de uva que escapava. E antes que os pássaros se
antecipassem, corria as parreiras à procura da última gota de mel, por vezes
bem amarga. Pena era que nunca sobrasse um cacho de malvasia ou até de
dona-maria...
Hoje é um daqueles dias
em que rabisco nostalgia para não ter de denunciar o míldio que destrói a vinha
universitária...
22.3.15
A persistência pode ser
uma prova de vida. Há, no entanto, situações em que se esgota a paciência. E
quando tal acontece, é preciso pôr um travão...
O problema é que, com a
crise, as pastilhas deterioram-se de tal modo que do choque das lâminas de aço
se levantam faúlhas que acabam por nos incendiar...
Encaro-o, oiço-lhe a
garantia de que não anda a pedir para se drogar, mostra-me os braços como
prova, e eu dou-lhe 50 cêntimos. Afinal, ao domingo, naquela rua, não se paga
parquímetro. Habitualmente pago muito mais para estacionar e ninguém me explica
qual é o destino daquelas moedas.
As ruas de Lisboa são
sacos sem fundo. Entramos e já não saímos, a não ser de marcha atrás... E
quando a Câmara não instala pilaretes a bloquear a saída, há sempre um
automobilista que se encarrega de estacionar à porta de casa...
Creio que vou comprar uma picareta e depois logo se verá!
21.3.15
Não rima
ainda quando havia trabalho
rimava o malho
se enchia a tulha
mesmo se de hulha...
talvez a poesia
rimasse com maresia
quando amanhecias no cais
agora cais na modorra
a fé dura menos de uma hora...
talvez a poesia
pudesse rimar com melancolia
se o tempo não fosse de agonia...
20.3.15
O Livro dos Homens sem Luz (2004), de João Tordo
(n. 1975).
Este primeiro romance é
constituído por quatro tempos, com início em 1919 e termo em 1959: Diários
de
Londres (I); Soterrados (II); Insónia (III); Brighton (IV).
A maioria dos leitores,
ao descobrir este novo romancista, pôs em destaque a sobriedade do léxico, do
estilo e da construção, por vezes labiríntica. Entretanto, quanto ao temário,
vale a pena destacar a solidão, sobretudo, do homem... embora a mulher se
revele mais resistente e audaz, e a dor, sem esquecer
a angústia e a náusea.
Dir-se-á que o autor quis
pôr à prova a resistência humana, explorando os limites e as taras na duração
desenhada de forma linear e sequencial. Num século de guerras (XX), a paz
continuou a ser tempo de tortura. Depois da mecanização, da espionagem e da
guerra, os emparedados continuaram a ser torturados num universo onde
pontificam as soluções apresentadas pelas novas ciências do espírito - a
psicologia e a psiquiatria.
No final, em parte
incerta, continuam Joseph, Magda e Daniel... talvez, a luz arredia...
19.3.15
Vais ficando para trás.
Por enquanto, vislumbro ainda um rosto, sisudo que, em raras horas, se abria
para a novidade. Nunca falámos verdadeiramente, havia sempre contas por
ajustar... O tempo não era de afetos, horas severas de míngua e de distância...
A partir de uma certa
mudança, já não exigias nada, mas creio que ainda esperavas alguma coisa.
Depois, numa certa manhã, deixaste de ser capaz de suportar o fardo, e
antecipaste a partida e nada mais disseste. Eu ainda esperei sete dias... e
partiste novamente a salto e eu fiquei do lado de cá da fronteira...
Vais ficando para trás.
Paradoxalmente, eu estou cada vez mais perto...
(No dia do Pai.)
Tem português que é cego e surdo!
De
acordo com o Boletim Estatístico hoje divulgado pelo BdP, a dívida pública na
ótica de Maastricht, a que conta para Bruxelas, subiu de 224.477 milhões de
euros em dezembro de 2014 para 231.083 milhões em janeiro deste ano.
Também a dívida líquida
de depósitos da administração central subiu entre os dois meses, em cerca de
170 milhões de euros, de 206.971 milhões em dezembro para 207.143 milhões de
euros em janeiro.
Não há dia nem lugar em
que os governantes não nos assegurem que a situação financeira e económica
recupera de forma sustentada. Perante tal argumento, os portugueses dormem
descansados e mesmo os que não têm trabalho continuam, sorridentes, à
espera....
Afinal, ignorantes como
somos, que importa que a dívida pública tenha atingido, em janeiro de 2015, o
valor de 231.083 milhões de euros?
Entretanto, a
contabilista da República assegura que os cofres estão cheios. Quais? De quem?
Tem português que é cego
e surdo!
18.3.15
Há cada vez menos lugares
que não se encontrem sob vigilância ativa ou passiva. Consequência: vivemos no
tempo da encenação. Nem os narcisistas podem espreitar o espelho da imperfeição
sem que uma sombra lhes perturbe o olhar...
Talvez a máscara pudesse
ajudar a preservar a intimidade ou até a naturalidade, mas, nos dias
vigilantes, o uso de máscara torna-nos suspeitos.
Por um tempo, a censura
interna e externa ocupou-se da tarefa de nos colocar na ordem, e a ambição do
homem passou a ser soltar-se, derrubar os muros duramente edificados...
Entretanto, por agora,
somos extensões e carregamos próteses de redes que nos prometem que nunca mais
estaremos sós.
Tudo o que dizemos ou
fazemos e até sonhamos está sob custódia 24 horas por dia, independentemente do
lugar onde nos encontremos...
Nunca fomos tão
felizes!
17.3.15
Não me parece que «os homens sem luz» (João
Tordo, O Livro dos Homens sem Luz) sejam semelhantes aos «homens
falsos» (Alberto Caeiro, Se às vezes digo que as flores sorriem).
Caeiro confessa que escreve,
«sacrifica(ndo-se) às vezes / à sua estupidez de sentidos»
porque estes homens, à força de argumentos mais ou menos místicos, insistem em
inventar sentidos e tropos sem qualquer cabimento... Os homens, ao soltarem-se
da Natureza, tornam-se bipolares: esmagados pela vaidade não resistem à
depressão e vivem sós até que a morte os restitua à Natureza...
Por seu turno, «os homens
sem luz» vivem em espaços concentracionários reveladores da sua verdadeira
condição: bichos que se vão soltando das grilhetas que eles próprios produziram
para os seus semelhantes... Libertos da verticalidade, emudecem em pântanos de
asfixia...
Quando, por instantes,
ouço ou leio os títulos das notícias do dia, fico com a sensação de que os
homens sacanas de Miguel Cadilhe não fazem parte nem dos «homens falsos»
nem dos «homens sem luz». São de outra espécie ou, melhor, de outra casta mais
elevada...
16.3.15
A liberdade tem um preço que nem todos querem pagar.
Esta era a tese e, de
repente, uma nova tese, cuja fonte me recuso a citar: «como foi o caso
de D. Sebastião que para não enfrentar a guerra e a possível derrota,
fugiu às suas responsabilidades como rei.»
Afinal, o rei Dom
Sebastião desapareceu antes de entrar em combate. Provavelmente, nem terá
partido. Talvez tenha apodrecido nos cárceres da Santíssima Inquisição, às
ordens do Inquisidor-Geral, Cardeal Dom Henrique, demasiado apegado à
governação dos assuntos terrenos...
Esta nova explicação da
História de Portugal é um exemplo de como a liberdade não tem preço ... De
repente, uma nova verdade saltou dos braços da liberdade! Pode ser uma verdade
imperfeita, mas faz sentido...
Se o objetivo da
perfeição se perdeu na secura das areias, que falta faz o rigor, que falta faz
o sentido da responsabilidade?
15.3.15
A - Na Fundação Calouste
Gulbenkian, José V. de Pina Martins - Uma Biblioteca Humanista - sob
o lema, um pouco pretensioso, Os objetos procuram aqueles que os amam...
Trata-se de uma
"biblioteca" geográfica, no tempo e no espaço, que procura pôr em
diálogo alguns dos vultos mais importantes do humanismo europeu.
No que me diz respeito,
José V. de Pina Martins sempre foi uma fonte preciosa para a abordagem da
cultura e da literatura do final da Idade Média e dos séculos XV e XVI. Só que
com a passagem do tempo, vi-me obrigado a afastar-me de tal época, um pouco como
se o passado fosse causa dos males presentes...
B - Segundo o jornal
Folha de São Paulo, na sua versão online, os manifestantes já estão nas ruas em
cidades como Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Salvador, Brasília e, até
ao momento, os protestos estão a ser pacíficos.
Em causa está a
cumplicidade da Presidente (a) do Brasil com a corrupção.
Por cá, há quem diga, na
rádio, o que certos meios políticos pensam: AS RUAS SÃO UM SÍTIO PARA ANDAR...
Falta-lhes, no entanto, a coragem.
Por enquanto!
14.3.15
Passo imensas horas a
tentar descodificar tortuosas e minúsculas caligrafias. Por vezes, para além de
introvertidas, estas caligrafias são expressão de manifesta
esquizofrenia...
E à horrível caligrafia,
há que acrescentar uma sintaxe desconexa, resultante não só da dificuldade em
coordenar e hierarquizar ideias, mas, sobretudo, de memorização de última hora,
apressada e, consequentemente, descontextualizada.
Das palavras e das
ideias, é melhor nada dizer ou, em alternativa, substituí-las por EU.
Há por aí quem defenda a
leitura global, capaz de estabelecer ligações entre diferentes épocas e o
presente do leitor, sem que este tenha de aprender a interpretar de per
si cada texto, cada época. Trata-se de aprender a ler, sem aparato, como
aqueles turistas que viajam sem bagagem. Basta-lhes o cartão de crédito para
pôr cobro a qualquer dificuldade que possa surgir...
Se este for o caminho, a
escrita também passará a ser global, semafórica, se tal palavra existe... De
mal ficaria comigo, se aqui não confessasse que a culpa de tudo, isto é, da
velocidade e do ruído... Claro que um dia todos viajaremos sem aparato, a não
ser que alguém acene por nós com o cartão de crédito, para gáudio do
barqueiro...
13.3.15
O cidadão comum pode errar, o governante não!
Este é um argumento que
vai fazendo o seu caminho para defesa da classe política. Isto é, suspenda-se a
autópsia do homem de estado, porque não é da natureza do exercício do poder
corromper nem se deixar corromper e, portanto, o melhor é não mexer no passado
porque, no que para trás ficou, não haverá cidadão impoluto.
Todo o cidadão se
esqueceu, uma manhã ou uma tarde, de pagar uma multa, de declarar ao fisco uma
remuneração ou até de comprar ou vender um qualquer móvel ou imóvel por um
preço combinado para efeitos de declaração...
O melhor é não meter as
mãos na lama em que vivemos atolados! Se por um qualquer bambúrrio do destino,
formos eleitos ou mesmo nomeados para um cargo público, esse passado, por
decisão da Conveniência deve ser esquecido até que o mesmo destino se encarregue
de nos devolver ao charco em que habitualmente chafurdamos - o charco dos
homens imperfeitos...
Nesse dia, poderemos ser
detidos para que se faça a prova material. E aguardar o tempo que for
conveniente...
12.3.15
"Inutilmente parecemos grandes."
Ricardo Reis
Falamos mais alto,
mandamos calar. Senhores da palavra, derrubamos ao acaso... só porque o castelo
parece nos aguardar no cimo da vaidade... Não fosse o nevoeiro, o castelo não
nos escaparia!
O problema não é tanto a
vida que levamos, mas aquela que imaginamos como nossa, assente na areia que a
maré move a seu belo prazer...
De qualquer modo,
insistimos em construir castelos na areia, mesmo quando o mar avança. E
quando a onda quebra o espelho, compramos um novo ainda maior...e colocamo-lo
ao cimo da escadaria.
Só que lá as línguas
confundem-se e ficamos a falar sozinhos. Tal como eu!
11.3.15
Hoje, tantas foram as
tarefas, tão absorventes e tão inócuas que, para registo, nada sobra, a não ser
aquela entrada na travessa do boqueirão da qual me vi obrigado a sair de marcha
atrás...
Claro que também poderia
aqui registar a história daqueles seres maviosos que insistem em mostrar que
estão ativos e que a vida existe para além da encenação diária, sem falar dos
outros que ignoram por inteiro o significado de termos como 'garrote franquista'
'discricionário', 'belicoso', 'complacente'...
Vou ficar por aqui,
porque, se continuo, deixo de ser complacente e acabarão por acusar-me de
belicoso e merecedor de um qualquer garrote seja ele de Franco, de Putin ou do
Estado Islâmico, sem esquecer os restantes ditadores, passados e
futuros...
10.3.15
«Passamos e agitamo-nos debalde.» Ricardo Reis
Quando menos esperava,
fui interpelado por causa do significado de 'debalde'. Pensava eu que o termo
seria comum! E para minha maior surpresa, também, no mesmo contexto, surgiu a
dúvida sobre o significado de 'anacrónico'.
De imediato, conclui que
o advérbio 'debalde" será atualmente ‘anacrónico'. Mas será só isso?
Talvez, mesmo sem de tal terem consciência, os meus interlocutores tenham
optado pelo caminho mais fácil, preferindo a modorra dos dias... a qualquer
esforço. Uma das vítimas dessa apatia é a língua portuguesa, cada vez mais
maltratada.
A leitura tornou-se um
fardo, e a consulta do dicionário, uma maçada... Por exemplo, ler 30 linhas
do Discurso da Guarda (1977), de Jorge de Sena, deixa de rastos
qualquer finalista do ensino secundário...
Para terminar, lá tive de
explicar que não passo de um professor anacrónico. Debalde!
9.3.15
Quase todos os anos,
visito Mafra no âmbito do estudo do romance Memorial do Convento. A visita
de hoje terá sido a última!
A sensação que me fica,
no entanto, é a de sempre: uma vila em que o ordenamento do território mistura
o rústico com o urbano, ou melhor, em que a construção dos interesses do PSD
foi destruindo a paisagem rural, sob o efeito oceânico.
No longínquo ano letivo
de 1977/78, lecionei na antiga escola de Mafra. À época a relação com o
Convento era mínima - era uma presença imponente, filha de um rei hipocondríaco
e megalómano, oficialmente catolicíssimo e magnânimo, que tinha desbaratado o ouro
do Brasil e espezinhado o povo...
Era um tempo de feroz
luta política entre o PSD e o PCP, como nunca encontrei em qualquer outra
escola. O PSD ganhou, transformando o concelho num feudo alimentado pelo
"ouro" da Europa, havendo tempo em que o Convento se tornou em arma
de arremesso político, quando José Saramago ousou pôr a nu o desvario de D.
João V..., mas rapidamente o Convento se tornou na galinha de ovos de ouro
local, por conta das centenas de milhares de alunos que ali rumaram, embora
muitas vezes o fizessem a contragosto, sem esquecer os milhares de estrangeiros
que se deslocaram a Mafra não porque D. João V tivesse mandado construir o
Convento, mas porque Saramago escreveu o Memorial do Convento...
Hoje, regressei a Mafra.
No essencial, a riqueza não eliminou a pobreza. O Convento dá sinais de falta
de obras de manutenção; fico até com a sensação de que há peças que
desapareceram e que outras surgem ali como se se tratasse de um quarto de
arrumos. A visita cobre cada vez menos aposentos, havendo espaços fechados que,
se estivessem abertos, nos dariam outra visão do edifício e dos arredores... e
os alunos, hoje, mostraram-se muito interessados nos morcegos, quando, outrora,
o fascínio se centrava nos ratos que engoliam soldados, livrando-os de partir
para as áfricas, perdidos os brasis e as índias...
8.3.15
E parece que vou
continuar assim por uns tempos. É a melhor estratégia, quando as palavras se
atropelam em formas assassinas e nos arrasam as conexões...
Ou tudo se dilui ou as
palavras ganham corpo e arrasam-nos a alma...
7.3.15
Apesar de valorizar o
estoicismo, hoje sinto-me como aquele homem que foi submetido a tratos de polé
sem saber porquê.
Gastou o dia preso a uma
cadeira, às voltas com uma sintaxe de trapos... e, ao mesmo tempo, ainda foi
abençoado com umas tantas acusações de fazer um ladrão corar de vergonha.
O estoicismo é uma
filosofia recomendada para estas situações, isto se o coração ainda tiver
músculo suficiente para não se apagar, que as pernas, essas já deixam muito a
desejar...
A expectativa do estoico
é que ainda possa viver um novo dia! Sejamos estoicos!
6.3.15
Infelizmente, o carteiro
nunca se esquece de me entregar as missivas da Segurança Social e das Finanças.
Além disso, como sou um cidadão em linha, estes serviços também não se
esquecem de me enviar uns tantos emails a recordar-me as minhas obrigações, sem
esquecer os meus familiares...
Quanto ao primeiro-ministro,
nunca me passou pela cabeça que o carteiro se esquecesse dele e, sobretudo, que
ele tenha levado uma vida tão fora de linha...
Só não entendo como é que
paisano tão anónimo e despojado conseguiu chegar a primeiro-ministro!
5.3.15
Marco Aurélio (Livro
VIII, 5) recomenda: «Primeiro não te deixes perturbar, porque tudo se passa
de acordo com a natureza universal e em breve não existirás, como já não
existem Adriano e Augusto.»
Não fossem as grilhetas
que nos prendem por fraqueza antiga, a recomendação seria apaziguadora. Mais do
que o futuro é a engrenagem que nos perturba, são os elos e os laços que nos
martirizam.
Por outro lado, «fixos
os olhos na tarefa» que nos resta, nem sempre é fácil observá-la bem, e
executá-la «da maneira que nos pareça mais conforme à justiça», porque, na
verdade, nunca sabemos o que é a justiça - em certos dias, parece uma enguia
que nem com uma folha de figueira é possível agarrar.
Por fim, Marco Aurélio
recomenda que façamos tudo «de bom humor, com modéstia e sem astúcia».
Marco Aurélio deve ter sido um santo homem, nós é que não. Com tanta víbora nos
matos, como é que podemos encarar estes dias «de bom humor, com modéstia e sem
astúcia»?
4.3.15
Muita diligência e pouca
aprendizagem!
Em resumo, o cansaço não
tem justificação, porque mais vale um prato de lentilhas do que uma página de
José Saramago.
A expectativa da viagem
esgota-se na preocupação de a encurtar e, sobretudo, na vontade de nada
saber... as palavras vivem assombradas pela vacuidade, mas não incomodam, são
satélites à deriva em torno de pequenas estrelas fátuas que cruzam o firmamento
em bebedeiras de amuos e de responsos...
Por comodismo, as
estrelas andam há anos a aprender a escrever textos de 200 a 300 palavras e,
como castigo, são ritualmente obrigadas a encontrar argumentos e respetivos
exemplos, enquanto «o diabo esfrega um olho», sem qualquer proveito e
relevância... Na verdade, há muito que as estrelas deixaram de pensar!
Sabe-se que nas madraças,
o pensamento é blasfémia, filha da proscrita Agar, e que Ismael só sabe
recitar; e esconde-se que nas nossas escolas, as estrelas nem recitar sabem
quanto mais blasfemar... E tudo porque ninguém as ensina a pensar... Pobres
estrelas cadentes!
3.3.15
Passos previsto
por Marco Aurélio
«Os factos
consequentes têm sempre com os precedentes um laço de afinidade. E não é como
uma série de membros isolados, que teriam somente um carácter de necessidade; é
um encadeamento lógico e, tal como os seres estão ordenados harmoniosamente,
assim os acontecimentos manifestam não uma simples sucessão, mas ainda uma
admirável afinidade.» Marco Aurélio, Pensamentos Para Mim
Próprio, Livro IV, 45.
Passos não leu Marco
Aurélio, mas é um homem sério que age sempre de acordo com o grau de
conhecimento que tem em cada momento. Paga o que deve, mesmo se a dívida tiver
prescrito, e por isso somos governados por um homem que não é perfeito, mas
dorme como um justo.
A Igreja de Passos sabe
que até Jesus Cristo hesitou antes de cumprir a vontade do Senhor e, como tal,
mantém-se fiel à espera da ressurreição.
Aleluia!
2.3.15
Pierrot que nunca
ninguém soube que houve
Ontem, fui visitar a
exposição ALMADA NEGREIROS - Pierrot que nunca ninguém soube que
houve -, no Museu de Eletricidade.
Apesar de os quadros mais
importantes se encontrarem no Museu de Arte Moderna (FCG), a exposição dá conta
de um percurso nem sempre conhecido e, sobretudo, do falso lado ingénuo do
autor multifacetado, cujo saber crítico e pluridisciplinar é posto em relevo no
acervo apresentado. Um estudioso incontornável do "fazer" do outro e,
ao mesmo tempo, criador de uma obra singular que, apesar de modernista, não
descurava a tradição portuguesa e europeia.
Pena é que, em nome de um
cânone reducionista, a sua obra esteja cada vez mais esquecida, nomeadamente
nas nossas escolas!
A exposição está aberta
ao público até 29 de Março de 2015. A não perder! A entrada é gratuita.
1.3.15
«Tornou Blimunda a
perguntar, De que tem mais medo, padre Bartolomeu Lourenço, do que poderá vir a
acontecer, ou do que está acontecendo...» José Saramago, Memorial
do Convento, 16ª edição, pág.192
Na verdade, o futuro não
me pode amedrontar. Só o presente, receio, pois subo e desço e mais não sinto
do que mediocridade, do que perversidade...
Se fosse à pesca, talvez
pudesse sentar-me, em equilíbrio instável, e esperar que a tainha mordesse o
isco...
28.2.15
«... a própria
vítima deseja ativamente o crime de que será vítima para que, como mártir,
possa entrar no Paraíso e enviar o criminoso para o Inferno, onde arderá.» Fethi Beslama, La psychanalyse à l'épreuve de L'Islam,
Paris, Aubier, 2002
Não é só Caim que deseja
a morte, pois Abel participa ativamente nesse desejo, provocando Caim para que
este o mate, para que também ele se liberte dos seus pecados. (Slavoj
Zizek, Uma Vista de Olhos aos Arquivos do Islão)
É neste jogo que a
Humanidade se deixou encerrar ao não ter resolvido o problema das linhagens,
nascido da esterilidade de Sarai, esposa de Abraão, e da impulsividade da
escrava Agar, que deu à luz Ismael, filho de Abraão.
A fixação nesse longínquo
passado continua a assombrar os nossos dias... Ou, pelo menos, é pretexto para
justificar, em nome de Alá / Jeová, as ideologias que só aparentemente são
rivais, já que a morte de uma traria consigo a morte da outra...
27.2.15
Como ser justo poderia
ser o tema deste apontamento.
No entanto, o rei ordenou
que se construísse um convento como agradecimento pela gravidez da rainha, e o
romancista decide inventar um amor bestial, liberto de qualquer convenção e de
qualquer precaução...
O rei, garanhão público,
sentia-se humilhado pela esterilidade da austríaca...e esta, afogada em
percevejos reais, só ao confessor poderia dizer a verdadeira causa do
desconchavo - o que a História estabeleceu, devido ao segredo da confissão,
acabou por não transpirar para a história dos fracassos originais... A culpa é
do romancista e de mais ninguém!
Quanto a mim, José
Saramago foi injusto com a rainha, sempre cercada pelo cunhado, de seu nome
Francisco, famoso marialva caçador de marujos...
E acima de tudo, José
Saramago foi injusto com o maneta e com a caçadora de almas moribundas que, sem
cortesia, se amavam em qualquer esteira ou monte de palha, sem que daí
resultasse qualquer prole, a única riqueza dos pobres... E nem se pode
acusá-los de não terem construído qualquer engenhoca: ambos trabalharam na
construção da passarola, sem esquecer que Baltasar se cansou a empurrar a
carreta... E como recompensa, Blimunda esgota-se como peregrina e o maneta
apaga-se no fogo da Inquisição... ao lado de «um que fazia comédias de
bonifrates e se chamava António José da Silva» que tanto deliciavam sua
majestade D. João V, o Magnânimo...
Em conclusão, mesmo para
escrever este apontamento, em que o tema foi adiado, foi necessário ter, um
dia, lido o Memorial do Convento. Por mais que digam o contrário, ser justo
exige que se seja capaz de distinguir o leitor do charlatão...
26.2.15
«O universalismo de
uma sociedade liberal ocidental não reside no facto de os seus valores
(direitos humanos, etc.) serem universais no sentido de se aplicarem a
TODAS as culturas, mas num sentido muito mais radical: isto é, nessa sociedade
os indivíduos relacionam-se consigo próprios como "universais",
participam diretamente na dimensão universal, contornando a sua posição social
particular.» Slavoj Zizek, O Islão é Charlie? editora Objetiva,
fev. 2015
Quem procura uma
sociedade livre de senhores só pode incomodar!
Uma sociedade feita de
indivíduos que se relacionam como "universais" e não como extensões
de culturas, subordinadas a valores religiosos ou laicos, é o que parece
defender o filósofo esloveno, Slavoj Zizek...
A leitura da última
reflexão deste filósofo é da maior atualidade, até pela sua natureza
provocatória. Na perspetiva de Slavoj Zizek, a Filosofia não existe para
dar respostas, mas sim para fazer as perguntas certas.
25.2.15
Não muito longe, há quem
perfure e martele de forma descontinuada! Não digo que tal aconteça todos os
dias, mas o batuque tende a ecoar sempre que alguém vem, a título cada vez
menos definitivo, instalar-se num dos apartamentos vizinhos.
O Destino assim terá
determinado e eu não possa fazer mais do que cumprir... Afinal, de que serve o
meu desejo de calma se pouco mais sou do que «pedra na orla do canteiro"!
Impedido de desafiar o
Fado, aceito, resigno-me e abdico estoicamente de qualquer gesto mais abrupto.
O problema é que o ruído
não chega apenas ao entardecer. A (minha) Sorte dita que, logo pela manhã, eu
inicie a via-sacra do rumor. Assim é ao longo do dia até que a perfuradora e o
martelo, de forma descontinuada, completem o ciclo. E mesmo quando adormeço, os
meus sonhos misturam jovens estridentes com o martelar de sirenes apressadas...
Que pena que a Fortuna
não tenha determinado que eu seja apenas uma «pedra na orla do canteiro"!
24.2.15
Em política, a
semântica é uma batata...
“Antes que seja tarde
demais: O facto da Troika ter sido renomeada “as Instituições”,
o Memorando ter sido renomeado “Acordo” e os credores terem
sido renomeados de “Parceiros” – da mesma forma que batizando a carne de peixe
– não altera a situação anterior. Não podem mudar o voto do povo Grego nas
eleições de 25 de Janeiro."
Manolo Clezos, deputado
europeu grego opõe-se à decisão do seu partido - Syriza - de alargar o programa
de assistência da zona euro.
Com 94 anos, Manolo já
deveria ter aprendido que, em política, a semântica é uma batata e o povo bala
para canhão.
E como tal, os Gregos
(tal como os Portugueses!) ou comem batata ou servem de balas para canhão!
Que venha o diabo e
escolha!
PS. Os Mexicanos bem
tentaram matar os espanhóis dando-lhes a batata (tubérculo venenoso) a comer.
Só que os espanhóis, através da cozedura do tubérculo, anularam-lhe o veneno. E
assim se quebrou a "lógica" inicial...
23.2.15
Antes do limiar, eu
conhecera o portal e, em certos dias, apenas o postigo. As palavras podem
parecer sinónimas, mas para mim nunca o foram. Cada uma retrata um certo tempo,
desde logo perdido. Hoje, portal e postigo mais não são do que memória de
espaços distintos, com maior ou menor abertura para o mundo, isto é, a rua...
De pouco me serve recordá-los - quem lá habitou já lá não mora...
De momento, vivo no
limiar. Por enquanto, porque há momentos tão intensos que temo que a corda
parta...
Na verdade, vivemos
sempre no limiar, só que o não sabemos.
22.2.15
"São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas."
Fernando Pessoa
Ontem, atribui
inadvertidamente a Ricardo Reis um poema de Pessoa ortónimo. Diga-se que
ninguém protestou, talvez por comiseração... A verdade é que me deixei embalar
pela sintaxe!
Se o Poeta reconhece que
o seu pensamento se corporiza apesar da sua nudez, se reconhece que o seu
pensamento mais não é do que poeira do deserto, ultimamente, o meu pensamento
não para de me trair como se apenas sobrasse um corpo donde ele se quisesse ausentar
definitivamente. E talvez não fosse má ideia!
21.2.15
Boiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa,
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.
Boiam como folhas mortas
à tona de águas paradas.
(..)
Fernando Pessoa
Caruma já se ocupou
várias vezes da COMPARAÇÃO, explicitando que ela exige dois termos. E sobretudo
que o segundo termo é concreto (arrancado à vivência do autor), visando
explicitar uma realidade não palpável, abstrata.
Comparações: Meus
pensamentos de mágoa / boiam /como as
algas // boiam como folhas mortas /...
Inacreditavelmente,
muitos alunos do 12º ano confundem a comparação com a metáfora, embora não
saibam explicar a analogia mental que suporta a segunda.
Afinal, o que será uma
analogia? Será o mesmo que uma comparação?
Por outro lado, na
sequência / Meus pensamentos de mágoa, / Como, no sono dos
ventos /As algas, cabelos lentos..., muitos alunos do 12º ano ignoram
a VÍRGULA... concluindo que «no sono dos ventos» é o 2º termo da
comparação.
Afinal, qual é a função
da vírgula?
Ler Fernando Pessoa exige
particular atenção à construção sintática de matriz latina, num tempo em que o
Latim foi desprezado. Segundo a orientação didática em uso nas nossas Casas de
Letras, o melhor é passar à frente: o importante é procurar a "permeabilidade"
entre os textos (versão eufemística da intertextualidade), desvalorizando a
interpretação, reservada a hermeneutas.
20.2.15
Chegam atrasados e
sentam-se como se nada estivesse a acontecer. Dois dedos de conversa à direita
e à esquerda... e sorriem ou, em alternativa, adormecem.
Dá pena vê-los assim ora
tão desempoeirados ora tão anestesiados. Quando interpelados, mostram-se
seguros das suas convicções, chegando, por vezes, a levantar a voz...
A causa primeira reside
na falta de objetivos bem definidos e calendarizados. Como explicação,
confessam que ainda não descobriram a vocação. Mas, na verdade, a única vocação
que lhes descubro é a da vida fácil... tão fácil que nem o "carpe diem"
de Ricardo Reis lhes desperta especial atenção.
19.2.15
O vento sopra agreste e
eu sinto o frio, o que me permite pensar que, apesar do sol ser fonte de calor,
circunstâncias há em que devemos, a todo o custo, evitar os passeios
sombrios...pois o meu pensamento é totalmente ineficaz se os meus sentidos
estiverem desativados.
Esta parece ser uma ideia
simples que não autoriza qualquer dissociação do Sentir e do Pensar, ao
contrário do que defendem muitos leitores de Fernando Pessoa.
Na verdade, Fernando
Pessoa limitou-se a condenar todos aqueles que viviam de ideias que não tinham
origem nos sentidos. Ideias mistificadoras e que traziam infelicidade,
desnaturalizavam e descorporizavam cada ser humano - já que a humanidade não
passa de um mito simplista, mas demolidor.
Cada heterónimo é
expressão de um pensamento enraizado em sensações, mesmo que hipoteticamente
excessivas ou demasiado ensimesmadas...
Ler Fernando Pessoa é,
antes de mais, evitar os passeios sombrios...
18.2.15
As palavras soltam-se e
arrastam consigo mil e uma histórias. Na maioria dos casos, não há evento, há
apenas a necessidade de ligar palavras, cores, objetos, reminiscências,
memórias reinventadas. Claro que Alice acredita que se trata de recordações e,
nessa matéria, ninguém a pode contrariar.
E para quê contrariá-la?
O passado é uma fonte inesgotável e, apesar de tudo, agradável se comparado com
o presente.
No presente, os demónios
soltam-se em línguas de fogo, prontos a imolar todo aquele que defenda uma
ideia diferente, todo aquele que ouse replicar...
A réplica só traz fúria.
Uma fúria antiquíssima!
Quanto às histórias de
Alice, é pena que ela não as passe ao papel. Seriam divertidas e fariam bem à
saúde...
17.2.15
Um pelourinho mesmo por cima dum
fontanário!
Aqui, nada se perde.
Neste cenário, o exposto podia ser supliciado, deixando-o morrer à sede. Ou, em
alternativa, o sangue do supliciado poderia cair diretamente na fonte, servindo
de alimento aos filhos da noite.
Pena é que, com tantos
vampiros à solta por esta austera Europa, o pelourinho mais não sirva do que
para alvo fotográfico!
Entretanto, acabei de
ler O Banquete, de Kierkegaard, e se bem o compreendi, deveria
tê-lo lido aos vinte anos.
Já lá vai o tempo em que
fui “mancebo”. Também nunca entendi a mulher como “facécia”, e embora pudesse
ter acompanhado o pensamento do Eremita, tenho dificuldade em aceitar a opção
da mulher-escrava. Para alfaiate-eunuco nunca tive queda, sobretudo para aceitar
a tirania da moda. Finalmente, o imperativo categórico do Sedutor pode ser
aliciante, mas acaba por se tornar ridículo com a idade… e porque, para além de
tudo o mais, reduz a mulher à categoria de “objeto” …
16.2.15
Em Óbidos, tudo pode
acontecer: turismo rural junto ao Castelo e, sobretudo, a Igreja de Santiago
transformada em Livraria! Pode ser que resulte, mas o culto do sagrado já teve
melhores dias. Entrei e nada comprei!
A vila está apelativa, só
que os turistas andam tesos e apressados. Ou será ilusão minha?
15.2.15
Ir a Óbidos no
Domingo de Carnaval
Ir a Óbidos no Domingo de
Carnaval é como mergulhar numa romaria medieval... À entrada do burgo, os
autocarros libertam centenas de romeiros, sequiosos de ginja, e que fazem da
rua Direita a sua via-sacra... Sorumbáticos, avançam e só sorriem quando se
cruzam com alguma marafona. Na verdade, têm o tempo contado: a vida a sério
está prometida mais para Sul. E antes de chegar a Torres Vedras, é necessário
dar conta das marmitas e dos garrafões, condição necessária para esquecer as
mágoas e libertar as grilhetas da seriedade...
Para trás, fica outro
tempo: o tempo de outrora que é possível reencontrar no Museu - um tempo
renascentista e maneirista, demasiado sagrado para a quadra carnavalesca... Talvez
na Páscoa, alguns dos romeiros entrem no Museu de Óbidos! A entrada é gratuita.
Pode ser que, nessa altura, ofereçam uma ginjinha...
14.2.15
O brilho difuso é o que
sobra da nitidez. Ainda o arame farpado não tinha sido rasgado e já as cadeiras
se dispersavam sob a calma estonteante do estio...
Os lugares de inverno
sopram-nos para fora das ruas e deixam-nos presos à beira do arame farpado: há
monólogos, tristes, sob lâmpadas fúnebres e, de tempo a tempo, um carro
acelera... o movimento cresce, mas desaparece.
Estamos à espera da
nitidez das horas. Os olhos apagam-se e os ouvidos, inquietos, despertam. Por
enquanto ainda há ruído. Mas até esse já começa a desesperar...
E depois há aquela
vontade de desacertar os minutos, como se estes se deixassem enganar.
13.2.15
Em 1965, não creio que
tenha sabido da ignomínia. Nem me lembro do momento em que terei tomado
conhecimento. Vivia num espaço fechado onde a política não fazia parte da
formação do adolescente. Só mais tarde, aprendi de cor a Constituição do Estado
Novo e me alertaram para "os males" da Constituição de 1911 - os
males republicanos, laicos, democráticos ou seriam outros?
A verdade é que hoje a
Constituição democrática não é ensinada nas escolas nem os jovens são alertados
para os males "corporativos, nacionalistas colonialistas..." da
Constituição do Estado Novo.
De vez em quando, a grei
de cada época lembra-se de colocar umas lápides e de batizar uns tantos lugares
com o nome das vítimas dos regimes, como se desse modo cumprisse o dever de
formar gerações responsáveis e empreendedoras...
12.2.15
O tema de hoje é nada
dizer ou, melhor, é evitar responder. A escrita corre por dentro, secando, a
cada instante, a madeira do significante...
A madeira é de figueira,
arde e não aquece... e o frio reaparece. E também o frio corre por dentro,
secando a alma...
Nada dizer, nada
escrever, esperar que o chicote das palavras emudeça...
Nada dizer...
11.2.15
É apenas como o
falar alto de quem lê...
Não tomando nada a sério,
nem considerando que nos fosse dada, por certa, outra realidade que não as
nossas sensações, nelas nos abrigamos, e a elas exploramos como a grandes
países desconhecidos. E, se nos empregamos assiduamente, não só na contemplação
estética, mas também na expressão dos seus modos e resultados, é que a prosa ou
o verso que escrevemos, destituídos de vontade de querer convencer o alheio
entendimento ou mover a alheia vontade, é apenas como o falar alto de quem lê,
feito para dar plena objetividade ao prazer subjetivo da leitura. Bernardo
Soares
(Escola Secundária de Camões, 11.2.2015, às 17 horas, na Sala do Conselho)
O Clube LER PARA VIVER está de parabéns!
Levou a cabo mais uma iniciativa de
leitura pública, desta vez, tendo como fio condutor o verso de Fernando
Pessoa / Alberto Caeiro, PELO TEJO VAI-SE PARA O MUNDO.
Sabemos, no entanto, que Caeiro prefere estar a partir:
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em
nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Como diria Bernardo
Soares, a prosa e o verso só não se anulam porque é deles que se nutre o prazer
subjetivo da leitura, o que me leva a pensar que, para os membros do Clube, a
verdadeira fruição, mais do que no trabalho coletivo apresentado, está no tempo
de preparação do evento: na descoberta do movimento, do gesto, da cor e do som
das águas subterrâneas em que os poetas habitam...
Entretanto, "o
vermelho anoiteceu", terá sentido Álvaro de Campos. E talvez porque a
noite, frequentemente, chega mais cedo, começo a pensar que o Clube LER para
VIVER poderá ainda ter mais sucesso se, em vez de partir do Tejo, partir da
ESCRITA como suporte de VIDA... mesmo quando a memória falha...
Mas essa é a Vida de
Alice...
10.2.15
Parece que há cada
vez mais corvos
Parece que há cada vez
mais corvos e, sobretudo, corvos juvenis. Não estranho, pois se há cada vez
mais lixo, se este país está classificado como lixo, se a educação foi lançada
ao caixote de lixo, se já só é possível encontrar trabalho nas lixeiras dos outros...
A única especialização que parece fazer sentido é a da gestão do lixo coletivo
- e essa tarefa está reservada aos políticos, saídos de institutos politécnicos
(e outros) e de universidades de vão de escada...
Se há cada vez mais
corvos é porque as ciências da morte estão em expansão - outrora, ciências
humanas e da saúde...
De facto, o número de
corvos juvenis cresce a cada dia que passa; todavia não os podemos acusar de
nada, pois eles limitam-se a limpar a porcaria que vamos deixando passar sob os
olhos baços...
9.2.15
Apesar do domínio dos
jogos de linguagem e do precioso contributo dos novos auxiliares de memória,
Alice mergulha progressivamente numa memória recôndita, feita de imagens de
lugares e de pessoas distantes...
Alice é culta e
inteligente, pensa saber o que quer e até onde pode chegar, mas a gramática da
doença não obedece ao controlo da consciência...
As novas leis são bem
distintas, pondo à prova o espírito geométrico que habita Alice. Indefesa, ela
vai ficando cada vez mais dependente e, sobretudo, à deriva. Mas luta!
A personagem parece dar
conta da realidade, mas creio que não o consegue. Não consegue dar conta da
mudez intermitente, do olhar vazio, da sobreposição dos lugares, dos rostos
trocados, da irritabilidade desesperada, da incomunicabilidade, da morte antecipada...
Não dá conta de todos aqueles que não lutam ou não podem lutar, de todos
aqueles que acabam totalmente sós...
8.2.15
Hoje, O meu nome é
Alice, comovente filme sobre uma doença que em nada me é indiferente. Julianne
Moore representa com extraordinário realismo a progressiva perda de referências
de uma doente de alzheimer...
É um daqueles filmes que
me incomoda profundamente, talvez porque me serve de espelho, ao revelar-me que
as lacunas, os lapsos e as perturbações de linguagem mais não são do que sinais
de envelhecimento precoce... e que envergonham porque aos olhos dos outros são
manifestações ridículas...
7.2.15
Contrariamente ao
que foi publicado, Caruma nunca leu Fernando Pessoa
Kierkegaard construía
personagens que, no final, se mostravam eles mesmos personagens criados por
outros personagens, e que precisamente haviam sido criados com o intuito de
tanto confundir o leitor, fazendo com que este se pusesse a pensar por si
mesmo, a escolher por si mesmo, quanto fazê-lo pensar sobre a existência, sobre
os perigos e questões relacionados à existência. Unamuno entre Pessoa e
Kierkegaard, Gabriel Guedes Rossatti
Caruma, por entre o frio, decidiu sair de casa e caminhar para dar cumprimento
à ordem do Patrão, que só poderá viver um pouco mais se fizer exercício e
reduzir o consumo de gorduras e de açucares. A vontade de Caruma era reduzida,
mas, entretanto, recebera o encargo de Alma que acredita piamente que a
hipotermia se cura com recurso a muitas gorduras e, sobretudo, açucares.
Solidária, Caruma partiu
à procura das vitualhas, entrando sucessivamente em quatro pastelarias até que
conseguiu, finalmente, encontrar os queques desejados, revestidos de nozes e
pinhões...
Cumprido o desejo de
Alma, Caruma olhou o relógio e percebeu que gastara uma hora... Uma hora de
marcha, ora acelerada ora lenta. Talvez o Patrão tivesse ganho mais uns
segundos de vida...
Enquanto as agulhas
cumpriam a missão principal, a carqueja ocupava-se do discurso do mancebo
de O Banquete, de Kierkegaard. Na verdade, ocupava-se do modo como
Kierkegaard poderia ter influenciado Fernando Pessoa na criação da
heteronímia...
Entretanto, passo a passo, atravessou-se na imaginação Don Miguel Unamuno,
trazido pela mão de Gabriel Guedes Rossatti...
6.2.15
Da "compra da
cura e da vida" à "palestra motivacional"...
Tudo serve para fazer propaganda!
O ministro da Saúde
declara que, a propósito do combate à hepatite C, «estamos a comprar a cura e a
vida» ...
Álvaro de Campos que, no
poema "Mestre, meu querido Mestre", dá o exemplo da
"felicidade" do ser humano que, não da dele, ao, ousadamente, transformar
um verbo intransitivo em transitivo e substituir os esperados hipónimos por
hiperónimos, não teve a audácia de Paulo Macedo, ministro que é capaz, com o
dinheiro dos contribuintes, de comprar a cura e a vida.
Feliz o homem, marçano,
Que tem a sua tarefa
quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é
prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e
por isso tem alegria.
Tudo serve para fazer
propaganda!
Paulo Portas, ministro da
propaganda, deu início a uma nova forma de persuasão: a palestra
motivacional...
O vice-primeiro-ministro,
Paulo Portas, pediu hoje aos cerca de 300 jovens que vão realizar estágios
profissionais no estrangeiro, no âmbito do programa INOV Contacto, que sejam os
embaixadores de Portugal e demonstrem que o país está em crescimento.
Dois exemplos para não
cansar, porque o primeiro-ministro, secretários e sectários estão no terreno
para provar que a austeridade acabou, os gregos enlouqueceram... e a culpa, no
dizer do ex-ministro da educação, David Justino, é de quem formou os
professores...
Tudo serve para fazer
propaganda! Até há quem faça propaganda por conta própria...
5.2.15
O revisionismo e o
revivalismo, para além do saudosismo, sempre me fizeram questionar os seus
intérpretes, mesmo que procure não os afrontar...
Dizer que há Platão ou
Aristóteles nestas teclas surpreende, mas não clarifica o pensamento, essa
entidade metafísica que impõe uma coerência impraticável e, sobretudo, arrasta
consigo fundamentalismos absurdos e mortíferos...
Talvez este seja o
argumento daqueles que ousam rejeitar a Religião, a Filosofia, a Ciência e a
Política - os Poetas. Cedo compreenderam que a visão global, a coerência total,
a lei e os fundamentos matam todos os que rejeitam o unanimismo...apenas uma
linha pontilhada em que os passos em falso abundam, o fio se quebra a todo o
momento, e a gramática se despedaça, sem ilusão nem necessidade de
enraizamento...
4.2.15
Apesar do Sol, o frio
entranha-se nos ossos e só a impressão esclarece a asneira que resulta da preguiça
da colagem apressada e preguiçosa... o erro poderia ser humilhante e desaguar
naquele reino onde vêm caindo os arrivistas que nos desgovernam...
«As matemáticas do ser»,
entretanto, despertaram-me para a evidência de que o TER substituiu o SER sem
qualquer pejo - a Vida pouco ou nada vale a não ser para a notícia que, ao
deixar de o ser, passa a objeto de propaganda indecorosa...
Apesar do Sol, o frio
traz com ele a Morte, aliviando as finanças públicas e deixando um rasto de
alegria nos rostos sorumbáticos que nos desgovernam... Apesar do sol, amanhã vou
estar atento às cabras que continuam a retouçar à minha volta...
Apesar do sol, agora é a
lâmpada elétrica que ilumina o tic-tac... o tic-tac, indiferente ao frio e aos
ossos, indiferente ao ter e ao ser, indiferente à vida e à morte... indiferente
à distante Brogueira onde nasceste para um destino que, apesar do Sol, não cumpriste.
Mas há quem nos queira convencer do contrário. Paciência!
3.2.15
Quem
hoje ficou a remascar fui eu...
Na adolescência,
acostumei-me a observar as cabras que, fosse no pasto ou no curral, não paravam
de trincar. Baixavam a cabeça, abocanhavam, por exemplo, uma ramo de oliveira,
e ficavam horas a triturá-lo e a ruminar.
Que me lembre, nunca
deram pela minha presença. Olímpicas, cumpriam os dias e as noites e ponto
final.
Algo hoje despertou
em mim esta memória antiga, mas quem hoje ficou a remascar fui eu,
pois ainda não perdi de todo o decoro...
2.2.15
Tu, místico, vês uma
significação em todas as coisas
Para ti tudo tem um
sentido velado.
Há uma coisa oculta em
cada coisa que vês.
O que vês, vê-lo sempre
para veres outra coisa.
Para mim, graças a ter
olhos só para ver,
Eu vejo ausência de
significação em todas as coisas;
Vejo-o e amo-me, porque
ser uma coisa é não significar nada.
Ser uma coisa é não ser
suscetível de interpretação.
Alberto Caeiro
Que bom se eu conseguisse
ser apenas uma coisa! Eu que fui educado como místico, apesar de contrariado,
passos os dias a interpretar textos, comportamentos, pessoas... e quase que não
dou atenção às coisas...
Melhor seria se ocupasse
os dias só a ver, até porque, ao ouvir, não resisto a discernir o Bem do Mal,
como se eu pudesse contribuir para melhorar o imundo mundo em que habito...
Doravante, prometo
(promessa mística!) que vou apenas descrever... e já é bastante!
Hoje, estava o papagaio
verde e amarelo no seu poleiro e o pardal comia-lhe a ração. Para mim, a ração
era do papagaio, mas para o pardal, o cereal era seu...
Para mim, o pardal
afrontava o papagaio, mas o papagaio só parecia interessado nas duas raparigas
que se insultavam diante dele. E como é que eu sei que o papagaio estava
interessado?
Vou ter de voltar ao
início da descrição: hoje, no meu caminho vi uma pedra e fui obrigado a
desviar-me... O que é que aquela pedra fazia no meu caminho? Quem é que a lá
pôs?...
Em princípio, a pedra é
uma coisa que existe para que eu a veja e para que eu possa desviar-me dela.
Mas será só isso?
1.2.15
Há quem construa muros e
quem sinta necessidade de os demolir ou, pelo menos, de os deixar ruir. Com ou
sem razão, a evidência impõe dois lados para que possamos lastimar que a VIDA
more do lado de lá.
Só quando o sono
acontece, entramos nesse reino de ternura e de fartura... Infelizmente, o sono
rareia e por isso procuramos a passagem seja através do verbo seja através da
droga, autorizada ou não, pouco importa!
Ultimamente, o verbo tem
nos anunciado uma nova realidade mágica e farta. As praças enchem-se de
virtuosos da palavra, prontos, a num ápice, deitar abaixo o muro da tirania. Já
não há tempo para o deixar ruir...
O problema é que este
verbo é como a droga: não sabe que vencido o dique logo surge a
enxurrada.
31.1.15
Nada
há de essencial no que fazemos...
«Ninguém se pode
recordar senão do essencial (...) Aliás, nada há de essencial no que
fazemos, apesar de todas as aparências.» Soren Kierkegaard, O
Banquete.
Com tantas memórias
disponíveis, parece possível compor uma grande quantidade de memoriais. E são
tantos os memoriais que a História deixou de dar conta deles, preferindo ceder
o lugar a outras ciências da memória... Algumas tão enfadonhas que se propõem
repor os fundamentos e outras tão mirabolantes que não se cansam de anunciar
futuros ora risonhos ora tristonhos...
Em comum, as memórias,
mesmo quando na primeira pessoa, não passam de recordação do outro, à medida do
interesse presente. E como tal, as leituras, embora aparentem ser plurais, não
passam de projeções pessoais...
Um destes dias,
confrontado com a pergunta "se valia a pena ler o que nada diz ao
leitor" (no caso, a pergunta era de um leitor de 16/17 anos, obrigado a
ler Fernando Pessoa), a resposta que me ocorreu foi ambígua, pois, afinal, eu
estava ali a explicar que compreender Alberto Caeiro pressupõe que sejamos
capazes de percecionar o mundo com os SENTIDOS, a cada momento... e,
consequentemente, a memória não passa de um produto mental...
A verdade é que quanto
mais vivemos de aparências mais valorizamos a memória.
30.1.15
Pepetela (ou a editora?)
deu ao romance de 2013 um título que convoca mais a leitora do que o leitor.
Por que motivo? Preconceito... Quem escreve é o escritor, mas quem lê é a ...
Heitor, ao contrário do
herói da fábula grega, sob a máscara de escritor em início de carreira, vê-se
enredado numa teia feminina, em que a figura materna, apesar de distante,
parece condicionar a sua relação com as mulheres - Tatiana, Marisa e Orquídea.
De qualquer modo, a teia
amorosa não passe de um disfarce para o escritor acertar contas com o passado e
o presente. Descreve sem qualquer timidez a avidez, a cupidez e a estupidez que
governam Luanda... a explosão demográfica e a consequente expansão urbana são o
pasto para a desigualdade social e para a corrida ao ouro por um grupo de
aventureiros sem escrúpulos...
No entanto, refém do
tempo heroico dos guerreiros libertadores, Pepetela tende a desculpabilizar os
ex-militares, atirando para cima daqueles «que nunca fizeram a
guerra... os bandidos urbanos» a responsabilidade pela criminalidade e
pela corrupção que grassam na nova Angola... Lá bem para trás, fica o
colono «o deus, o carrasco e o patrão, tudo numa pessoa.»
Em síntese, Pepetela
continua igual a si próprio: descreve com detalhe, por vezes sádico, a vitória
da mulher sobre o homem e, sobretudo, mostra-se implacável na análise
sociológica da vida económica luandense. Por fim, continua como nenhum outro
escritor angolano, a enriquecer a língua portuguesa com vocábulos arrancados às
línguas locais: maka, mambo, múkua, moringue, kuribotas, calús, ximbeco,
zunga, zungueira, kubiko, jindungo, ngombelador, caínga, bumbanço, kumbú,
kamba, zongola, bumbar, xingadela, cassule, kalundú, cacussos, malambas,
kimbanda, funji, balado, canhangulo, camanguista, quinda, bassulado, muata-mor,
chifuta, bafómetro, njango, kubikos, komba...
29.1.15
Os tagarelas estão por todo o lado!
Liga-se a rádio, e
ficamos a saber que as moscas são as culpadas das riscas das zebras, já não sei
se das brancas se das pretas, sem esquecer os novos olhos da ministra das
finanças, que brilham sempre que se veem num engarrafamento...
Entra-se numa sala de
aula, e, apesar de sonolentos, os alunos tagarelam ininterruptamente. Nas
avenidas do poder, os farsantes cavaqueiam a favor e contra, mesmo que
desconheçam o problema...
A toda a hora, a
televisão está ocupada por um conjunto de comadres e compadres que dissertam
sobre tudo e nada. Nas redes sociais, a cegarrega é global.
Ponto comum: Já ninguém
se ouve...
28.1.15
A lição do estoico
na calçada de Epicuro
Um pouco de sol... por
momentos, chego a rejeitá-lo, pois o excesso de nitidez conduz à cegueira.
O resto é inverno farto de questiúnculas saudadas por medíocres elegantes
de si.
Talvez pudesse torcer a
frase para que a noite surja na sua transparência, mas a noite impiedosa seca o
pouco de sol que ainda corre em mim.
Amanhã é outro dia, mas a
noite é sem fim!
O MSR dirá: ó professor,
isto é tão triste!..., e eu mais não poderei que sorrir... (a lição do estoico
na calçada de Epicuro)
27.1.15
Ó senhor ministro,
20 erros de ortografia numa frase!
Ó senhor professor doutor
Crato, 20 erros de ortografia numa frase! O senhor não sabe o que é uma frase,
e é ministro...
Melhor seria que o senhor
ministro deixasse quem sabe definir quais são as competências, os saberes e as
ferramentas necessárias à formação dos docentes, em vez de nos assombrar com
conceitos e critérios retrógrados.
Ó senhor ministro, há
tantos sinais de analfabetismo nas nossas escolas que o senhor bem poderia
autorizar que os diretores gizassem um plano para o erradicar, sem os entraves
do costume... Não é por se multiplicar os testes e se apertar os critérios de avaliação
que se irradia o cancro que mina o sistema educativo...
Ó senhor ministro, 20
erros numa frase!
26.1.15
Ultimamente, sinto que o
ser humano está a mudar. Aquilo que outrora parecia fonte de tristeza, começou
a ser deitado para trás das costas, dando lugar a uma garridice que nada faria
esperar...
Ou talvez a mudança se
deva, apenas, ao desaparecimento da censura social que culpabilizava qualquer
gesto de maior atrevimento, de maior descaramento...
Quer no plano individual
quer no plano coletivo, as coligações impossíveis serpenteiam nas avenidas
da velha liberdade. Uma liberdade de chumbo!
No que me concerne, já
pouco posso duvidar, pois tantas são as certezas! A não ser enfiar a cabeça
dentro de água, como a personagem Lucrécio ... (Pepetela, O Tímido e
as Mulheres).
25.1.15
O cliente entra no outlet de
móveis. O objetivo é comprar um aparador com um mínimo de qualidade, ao mais
baixo preço possível. Percorre lentamente todo o espaço de exposição,
apercebendo-se de que o desconto anunciado é de 50% e que a maioria das peças
apresenta defeitos de acabamento... Informa-se sobre o modo de entrega, ficando
a saber que, se o cliente pagar, os móveis adquiridos serão entregues num curto
prazo...
Entretanto, falara com
dois ou três funcionários cujo objetivo primeiro era arrecadar o produto da
venda. Aparentemente, tudo legal, apesar do outlet ocupar o espaço de
uma grande cadeia de móveis falida...
Nos próximos tempos, iremos assistir à
liquidação da Grécia e, de seguida, viver a nossa, caso nos deixemos levar pela
irracionalidade romântica.
24.1.15
A não ser que queiramos
sangue nas ruas, o nosso destino está nas nossas mãos.
A solução grega é
irrealista porque os dirigentes do Syriza não terão com quem negociar se a
vitória, amanhã, lhes sorrir. Neste caso, não espero que os vencedores decidam
capitular e por isso o caminho para a violência abrir-se-á, e as comportas
abrir-se-ão ao tumulto incontrolável... a não ser pela força.
A solução alemã mais não
traz do que a depuração dos povos do Sul da Europa. Esta está em curso há
vários anos através da ditadura do euro. E nem a recente decisão de Mário
Draghi de bombear €60 mil milhões por mês sobre a Europa porá termo à
"limpeza", porque, afinal, 80% dos custos ficarão a cargo dos bancos
centrais de cada país, o que, para Portugal, significa uma nova forma de nos
afogar.
Como tal, as próximas
eleições portuguesas são decisivas para o nosso destino, no sentido em que
precisamos de uma liderança que não opte nem pelo servilismo nem pela terra
queimada.
23.1.15
Há escutas sobre a vida
interna do PS. O juiz mandou selá-las...
À boleia das trapalhadas
do José Sócrates, os vampiros deliciaram-se a gravar todas as conversas de modo
a caçá-lo...
Agora, as escutas seladas
estão à ordem do tribunal dentro de um envelope... Por quanto tempo?
Será que também há
escutas sobre a vida interna dos restantes partidos? Sobre as igrejas? Sobre os
clubes desportivos? Sobre as empresas? Sobre qualquer cidadão?
Vivemos num estado
totalitário em que tudo o que dizemos está sob escuta e pode ser utilizado
contra nós...
Restam-nos os Gregos,
convictos de que o voto democrático pode mudar a Europa, mas enganam-se
redondamente. Pouco falta para mergulharem numa guerra intestina que acabará
por dissolver-lhes o orgulho de terem sido o berço da civilização europeia...
22.1.15
O escritor Antônio
Torres na ESCAMÕES
O escritor brasileiro
bahiano Antônio Torres, convidado da Casa da América Latina para um encontro
literário sobre as "Relações Transatlânticas", antecipou, perante uma
plateia de jovens atentos e um pouco tímidos, o teor da palestra que iria proferir
ao fim da tarde de hoje...
Refira-se que, apesar da
sua obra não estar à venda em Portugal, Antônio Torres deixou no auditório o
desejo de ler algumas das suas obras, designadamente, Os Homens dos Pés
Redondos. Este romance, na verdade, nasceu aqui, em Lisboa, na Praça de
Londres, no dia 25 de Junho de 1965, data da chegada a Portugal, onde acabou
por viver e trabalhar três anos, na área da publicidade. Este livro regista o
olhar de um jovem brasileiro sobre um povo envelhecido e acabrunhado,
prisioneiro de um espaço concentracionário.
De entre a vasta obra,
Antônio Torres abordou os temas de fundo autobiográfico e, sobretudo, histórico
presentes em Um Cão Uivando para a Lua, Essa Terra (hoje,
considerada uma obra-prima), O Cachorro e o Lobo, Meu Querido
Canibal, O Nobre Sequestrador...
Sem descurar a explicação
do trabalho ficcional e das relações do Brasil com a Europa do século XVI
(Portugal e França), o entusiasmo do escritor foi evidente sempre que se
referiu aos amigos que foi fazendo em Portugal ao longo de 50 anos, em
particular Alexandre O'Neill, que o acolheu durante quatro meses em sua casa no
nº 23 da Rua da Saudade, com a simples exigência de que ele se dedicasse à
escrita... Entre os amigos referiu também Manuel Marcelino, Hélder Costa, Ary
dos Santos, José Saramago, Lídia Jorge e, finalmente, mostrou grande agrado
pela escrita da romancista Teolinda Gersão...
Em termos pedagógicos,
valorizou a importância dos professores que, através da estratégia de leitura
em voz alta, permitem que o jovem tome consciência da língua, em termos
lexicais e sintáticos. E ainda, literária e pedagogicamente, foi visível o seu
fascínio pela Carta de Pêro Vaz de Caminha sobre «o achamento do Brasil» e,
pelos brasileiros José Alencar, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de
Melo Neto...
A saudação, o
enquadramento e a apresentação do escritor estiveram a cargo do diretor João
Jaime Pires Antunes, da coordenadora da programação científica e cultural da
Casa da América Latina, Maria Xavier, e da professora Dulce Silva, Coordenadora
do Departamento de Estudos Portugueses.
Em conclusão, foi um
colóquio muito inspirador só possível graças à iniciativa do professor José
Esteves.
A hipotermia e os genéricos
Neste mês de Janeiro, a
hipotermia tem me dado que pensar. Bem sei que a literatura médica defende que
os velhos e as crianças são quem está mais atreito a sofrer com a súbita
descida da temperatura corporal.
Compreendo que quem viva
em lugares frios ou tenha caído, por exemplo, ao mar possa correr risco de
vida. O mais difícil de entender é o caso daqueles, que não saindo de casa e
beneficiando de uma temperatura doméstica moderada ou mesmo sobreaquecida, acabam
por ver baixar a temperatura a níveis próximos dos 33 graus ou menos.
Ora, de ontem para hoje,
descobri que os medicamentos que estes pacientes tomam podem ser um poderoso
fator de hipotermia, sobretudo se se tratar de genéricos.
Não sendo médico nem
farmacêutico, falta-me o conhecimento para fundamentar a minha suspeita, apesar
de fonte médica ter confirmado que há genéricos que são extremamente perigosos,
podendo levar à morte.
O que, no entanto, não me
falta é a perceção de que o negócio do medicamento é extremamente lesivo da
saúde pessoal e pública.
Finalmente, nesta quadra
de invernia, a Linha de Saúde 24 é uma amiga insubstituível. Imagine-se que,
depois de uma longa espera, de um minucioso questionário de controlo feito ao
paciente em estado de hipotermia (e de pânico!!!), o conselho chegou: agasalhe-se,
beba leite e vá pelo seu pé até à urgência do Hospital de S. José...
20.1.15
O desencanto parece vir
com o tempo invernoso, mas este pouco terá que ver com a frustração das
expectativas.
Problema maior ainda
desponta quando temos de enfrentar indivíduos cujos anseios não vão além da
satisfação imediata de apetites primários. Isto é, há cada vez mais pessoas
para quem o conhecimento é uma maçada, que preferem a linearidade do pensamento
à indagação reflexiva.
Por outro lado,
encontramos a cada passo quem, em vez de assumir responsavelmente as funções
que lhe estão atribuídas, prefere delegar no outro... o outro existe para nos
servir! Afinal, sempre foi assim ...
Razão tem Pessoa: Quem vê é só o que vê
/ Quem sente não é quem é.
19.1.15
No início, a palavra
"sátira" significava mistura. Entre o século III antes de Cristo e o
século V da nossa era, designava uma peça de teatro que misturava a prosa e o
verso, e que fazia crítica de costumes...
Nesta perspetiva, a
sátira foi um dos primeiros híbridos que procurou desbloquear, através do riso,
conflitos passionais, religiosos, políticos, sociais...
O problema agrava-se
sempre quando, face a face, se encontram aqueles que já perderam toda a vontade
de rir. E eles são muitos!
Num mundo em que a
laicidade se apresenta como guardiã da liberdade de expressão, acantonando o
cristianismo, o islamismo, de forma ostensiva ou velada, ao não separar o poder
religioso do poder secular, acaba por nos fazer sentir que a sátira pode ser
muito perigosa para o futuro da humanidade.
Por outro lado, a vontade
de rir também está a diminuir entre os "infiéis", levando-os a
estratégica ou mercenariamente, aderir a movimentos que utilizam a religião
como arma de arremesso...É por tudo isto que eu penso que o melhor é deixar
Maomé em paz...
18.1.15
«O primeiro-ministro
britânico defendeu este domingo que numa sociedade livre existe o direito de
"ser ofensivo com a religião dos outros", discordando dos limites
da liberdade de expressão defendidos pelo Papa Francisco.
Na sequência da afirmação do senhor Cameron, os professores da escola
multicultural inglesa devem estar-lhe gratos...Doravante, qualquer aluno poderá
citar o primeiro-ministro para justificar comportamentos ofensivos.
Quanto a educação, fica
tudo dito!
17.1.15
E se o «botas»
tivesse sido preso?
Pouco provável, não é?
Lembrei-me dele a
propósito da notícia de que José Sócrates luta com os serviços prisionais por
causa de um par de botas... É triste!
Num país em que estão a
morrer cerca de 500 pessoas por dia, em que há centenas de milhar sem emprego,
em que todos dias cresce a precariedade, em que o BES, a PT e a TAP são
desmantelados ou entregues a vampiros ... é triste que as botas de Sócrates, a
namorada de Cristiano Ronaldo possam ser notícia...
Somos um país de tristes,
de botas e de namoradas.
16.1.15
O desenho não
mata, mas pode ajudar!
De acordo, os desenhos
não matam!
No entanto, todos sabemos
que os desenhos são essenciais na construção e na destruição. Embora não
saibamos quem desenhou a natureza, e muitos sintam necessidade de atribuir essa
ação a um Deus - o CRIADOR -, todos aceitamos que o homem, arquiteto civilizacional,
não pode prescindir do desenho. Sem ele, não teríamos nem cidades nem armas...
O desenho é uma
ferramenta essencial para o Bem e para o Mal.
Por outro lado, defender
que o desenho não mata, pois isso limitaria a liberdade de ofender, é
absurdo. O argumento é simultaneamente sedutor e perigoso. Lembra-me
Carolino, o "Bexiguinha", no romance APARIÇÃO, de Vergílio Ferreira:
- «Os senhores julgam que
eu sou um trouxa, todos vocês julgam que eu sou para aqui uma trampa. Mas
enganam-se, mas enganam-se, sou um homem, sou eu! Eu posso! Eu, se quiser...
Tenho o mundo nas mãos, até a cidade, até uma cidade, podia deitar fogo à
cidade, podia... Eu sou eu! Tenho estas mãos....
E ergui-as, de dedos
estranguladores.
- Tenho-me a mim, não sou
um monte de esterco, sou um homem livre, posso, que são vocês mais do que eu?
- Eu sou um homem! -
gritou outra vez. - Sei o que quero. Sou livre, sou grande, tenho em mim
um poder imenso. Imenso como Deus. Ele construía. Eu posso destruir.»
15.1.15
Em primeiro lugar, pegue
numa bela tripa, de preferência natural e estanque, e coloque-a sobre a mesa de
montagem.
Em segundo lugar,
confecione um preparado das melhores carnes alentejanas, esburgadas de peles,
de ossos e de cartilagens, deixando-as a marinar num molho de vinho, dente de
alho e colorau, sem esquecer uma pitada de sal e de paprika, durante 90
minutos.
Em terceiro lugar, quando
a marinada começar a cachoar, filtre-a de modo a eliminar todo o líquido. Nesta
fase, convém que o guloso salsicheiro não se deixe inebriar...
Em quarto lugar, encha a
bela tripa com o preparado, tendo a preocupação de respeitar a norma europeia
que determina a medida e o peso.
Advertência: a arte da
salsicharia exige que o salsicheiro esteja devidamente habilitado e certificado
em leitura, pesagem, contagem e etiquetagem.
Finalmente, leve a
salsicha a exame, exigindo-lhe, entre outras tarefas menos nobres, que, em 20
minutos, redija um texto argumentativo que definitivamente irradie a fome no
mundo...
À hora universal, a
salsicha senta-se, olha o salsicheiro e pergunta-lhe: - Que mais queres de mim?
14.1.15
Parece que chegou
o momento de calar...
Há tempo para calar e há
tempo para falar...
Parece que chegou o
momento de calar…Com tanta gente a falar, de que serve questionar a hipocrisia,
a vaidade e a sobranceria?
A insanidade alastra e
mata, em vez de incendiar, a faúlha - na linguagem minhota, a 'caruma
seca'.
13.1.15
São Marcos: Jesus
falava como autoridade e não como os escribas. E para surpresa de todos,
libertou o seu interlocutor dos "espíritos impuros".
São Mateus: É
necessário experimentar a morte para subir à glória...
Por razões que não são de
interesse público, tive de ouvir, neste fim de tarde, a defesa destas duas
ideias, em que Cristo surge como protagonista.
Apesar de tal pensamento
me parecer extremamente perigoso, nada pude opor, pois, neste tipo de
cerimónia, o participante não tem o direito de questionar ou de refutar. O
participante apenas pode responder ritualmente!
Esta liturgia assenta
numa doutrina dogmática que impõe a obediência cega à Autoridade e, sobretudo,
legitima a morte própria ou alheia como escada celestial...
Afinal, o que é que
distingue o pensamento cristão do pensamento islâmico?
12.1.15
Era domingo, os olhos do
mundo sobre Paris e eu, que nada sou, percorria Lisboa: uma cidade quase
deserta, a sair da neblina, fotografada por uns tantos forasteiros... Um
pequeno grupo de nativos esperava que o cicerone desse início à visita,
atrasada pela cunhada vá lá saber-se porquê... talvez ela preferisse as imagens
de Paris...
Entretanto, enquanto
observava os céus e os jardins de Lisboa, eu ia pensando que o fervor dominical
não faz qualquer sentido se, no dia seguinte, tudo continua na mesma...
Ainda pensei que a minha
descrença era inútil e até infantil, mas, hoje, segunda-feira, verifiquei que a
matança continua um pouco por toda a parte...
Na Nigéria, as crianças
são utilizadas como "explosivos"! Quem é que corre para lá?
11.1.15
Os governantes
correm para a arena...
A notícia entusiasma de
tal modo os poderosos que eles correm para a arena, assemelhando-se a um grupo
de delinquentes. Abraçam-se, beijam-se, dão pancadinhas nas costas...
Oficialmente solidários,
percorrem a avenida, separados da turba e, amanhã, tomarão decisões como
ontem...
Senhores das
comunicações, dos exércitos e das polícias fazem juras de que o amanhã será
mais seguro, fazendo de conta de que nada têm a ver com o mundo em que cada vez
há mais seres a viver em condições infra-humanas.
E os pequenos correm,
também, procurando juntar-se aos grandes, mesmo se na notícia não passam do
rodapé.
Estas palavras podem
parecer ácidas e pouco solidárias com as vítimas. Creio, no entanto, que os
humoristas assassinados bem dispensariam a companhia de todos aqueles que se
servem do humor em causa própria.
10.1.15
Amanhã, vão estar todos
em Paris. Solidários! Mas com quem?
A União Europeia, nos
últimos anos, ao promover as desigualdades, em nome do rigor orçamental, mais
não fez do que favorecer comportamentos discriminatórios, esperando que as
vítimas se resignem...
Mas esse tempo já lá
vai!
Chegou o dia em que não
só os grupos organizados, em nome de um qualquer ídolo, mas também os
descamisados quererão fazer "justiça" pelas próprias mãos.
A anarquia está a
caminho. Talvez seja por isso que os nossos governantes correm para Paris...
9.1.15
Qualquer que seja o nome
de Deus, ele só poderá dizer: - Em meu nome, não!
Há muito que Deus deixou
de ser um assunto pessoal, pois o homem não descansou enquanto não o
institucionalizou... Deus tornou-se Igreja, e, como tal, passou a ser foco de
DISCÓRDIA...
Foco de DISCRIMINAÇÃO!
É assim que a
DISCRIMINAÇÃO é o maior agente de violência. Com Deus ou sem Deus, vivemos um
tempo em que a discriminação assentou arraiais, atropelando os mais elementares
direitos humanos, por isso não espanta que a VIOLÊNCIA cresça diariamente.
É fácil e justo condenar
os autores dos recentes e noticiados atos de violência, em França, mas, nos
últimos dias, a violência dizimou milhares de seres indefesos, sem que tal
tenha causado o mesmo fervor mediático... Enquanto não percebermos e
combatermos este tipo de discriminação, ninguém está livre de se encontrar do
outro lado da barricada e de entrar na galeria dos «terroristas», dos
«bárbaros», dos «assassinos», por ora em nome de Deus...
Não esqueçamos que todos temos as mãos sujas de sangue!
Em meu nome, não! Em
nosso nome, não! Em nome do homem, não!
8.1.15
Nesta sala, não
acontece nada~
Aquilino Ribeiro
Nesta sala, não acontece nada. Às quintas-feiras, entre as 14h15 e as 15h00,
não acontece nada. Na verdade, ainda hoje não aconteceu nada, a não ser aquela
ideia de que andam por aí a repetir que Fernando Pessoa sofria de fragmentação,
como se ele tivesse escrito EU SOU UM FRAGMENTO
Embora ele tenha
explicado, ninguém quer entender a importância do SER EVADIDO... da necessidade
que ele teve de fugir de qualquer CADEIA que o impedisse de SER.
Porque SER não é PODER,
nem TER, nem PERTENCER... é VIVER a valer, isto é, é SENTIR, nem que seja
apenas com os olhos, porque todos os outros sentidos aprisionam, imobilizam,
interditam o SONHO e o DESEJO...
Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!
(...)
Nesta sala, não acontece
nada.
7.1.15
O frio é severo, mas tal
parece não incomodar o homem que dorme sob uns trapos que não o cobrem por
completo. Entretanto, o longe desperta sentimentos de comiseração…
Um destes dias,
despertaremos sob a metralha não dos deuses, mas dos homens que, hoje,
desprezamos.
É triste!
6.1.15
O MEC, o IAVE e o
Conselho Científico
«Em nenhum momento a
PACC avalia aquilo que é essencial: a competência dos professores
candidatos para esta função. De acordo com o modelo dado a conhecer, a prova
limita-se apenas a avaliar a competência escrita, a capacidade dos candidatos
de se expressarem em relação a conhecimentos sobre determinado assunto/tema, e
de solucionar alguns problemas básicos do raciocínio lógico. Como foi apontado
nas análises a que foi submetida aquando da sua realização, esta prova poderia
ser realizada por qualquer profissional, de qualquer área, com formação
superior ou até secundária, algo que, evidentemente, jamais os tornaria aptos
para a docência.»
Parecer do Conselho
Científico do IAVE sobre a prova de acesso à carreira docente - PAAC (Nov.2014)
O IAVE acusa o seu
conselho científico de fazer política. Pode parecer absurdo, mas não. O
Ministério da Educação e Ciência delegou o trabalho sujo no IAVE.
Há muito que o MEC deixou
de se preocupar com a formação de professores. Limita-se a homologar planos de
estudos, públicos, privados e confessionais.
Na verdade, cada
instituição formadora faz o que lhe apetece e como tal não me admira que em
tempo de austeridade aumente assustadoramente o número de habilitados para a
docência.
Incapaz de definir um
plano de formação nacional que dê resposta aos desafios da contemporaneidade, o
MEC recorre ao IAVE para esconder a incompetência que o mina desde que a
educação foi entregue aos carreiristas "políticos".
PS. Espero que o Conselho
Científico já tenha apresentado a demissão!
No respeito pelo contraditório, cito a posição do MEC:
"A PACC não é uma
iniciativa isolada, mas sim parte fundamental de um conjunto de medidas tomadas
pelo Ministério da Educação e Ciência para melhorar progressivamente a
qualidade da docência, que é componente central do sistema educativo. Entre
outras medidas contam-se a obrigatoriedade de realização de exames de Português
e de Matemática para admissão aos cursos de licenciatura de Educação Básica e o
reforço curricular das condições de habilitação para a docência",
defendeu a tutela, na nota enviada à Lusa.
Não há medida para Nuno
Crato que não passe por um exame encomendado ao IAVE.
5.1.15
Era madrugada,
tocou o telefone
No dia anterior, fizeras
anos. Acamada, ainda procuraste saborear o bolo, só que este enrolava-se na
boca, o chá não ajudava... Terminada a visita, procurei não pensar no dia
seguinte - na verdade, desde 7 de dezembro de 2005 que perdera a vontade de pensar
no dia seguinte...
Era madrugada, tocou o
telefone. O Sol seguiu o seu curso, embora não me lembre da sua luz. Só o
silêncio me confortava...
E ainda hoje, procuro no
silêncio a solidão que me resta... Lá fora, o Sol resplandece, mas não
aquece.
4.1.15
Hoje é domingo e não fui
à igreja - fui ontem encomendar uma missa, eu que não sei o que é a fé - e, de
súbito, moço de recados, compreendo que a vida pouco mais é que
esse mango.
Voltei a caminhar, embora
mais moderadamente, sempre com um objetivo intermédio e útil. Pelo caminho fui
fazendo compras, lendo o DN e, a certo momento, cheguei mesmo a sentar-me num
banco a apanhar sol.
Das notícias nada extraí
de significativo: uns tantos acidentes, um novo cardeal, um país que deixou de
investir na ciência e que desmantela o serviço nacional de saúde, um presidente
que, depois de, enquanto primeiro-ministro, ter desmantelado a agricultura, as
pescas e a indústria, agora, apela aos de sempre que se unam para defender os
interesses instalados...
Como se fosse sábado,
adiei para amanhã a preparação do regresso às aulas, sabendo, no entanto, que o
moço de recados pouco tempo terá para tal mango...
Tal como ontem, hoje
roubo a Pepetela o termo mango, até porque continuo a ler o romance,
publicado, em 2013, O Tímido e as Mulheres... uma obra em que Pepetela
deixou claramente de servir o senhor de Luanda, não se acanhando de expor os
meandros da corrupção angolana e sobretudo de explorar o erotismo até a um
ponto em que começa a retratar a mulher como manipuladora cruel do desejo do
macho...
Por outro lado, o autor
da Geração da Utopia, vai revelando uma faceta cada vez mais caustica: «devemos
sempre seguir para a frente, abandonar as ideias inalcançáveis e lutar apenas
pelo possível, a busca da utopia tem feito muito mal ao mundo...»
3.1.15
Como se fosse
domingo no Vale do Silêncio
Hoje é sábado, mas em
duas situações despedi-me do interlocutor como se fosse domingo. Dei comigo a
pensar na razão da turvação, mas não encontrei, a não ser o cansaço resultante
de uma caminhada de duas horas...
Atravessei o Vale do
Silêncio, primeiro percorrendo a pista reservada a velocípedes, depois escolhi
um percurso paralelo apesar de não haver ciclista à vista. Entretanto, ia
pensando que talvez devesse ter pegado na bicicleta abandonada há imenso tempo
na garagem...
Frente à Igreja, não pude
deixar de pensar que, nestes dias, a Morte vai ceifando os mais frágeis e já no
regresso não pude deixar de observar o longo cortejo funerário e, a certa
altura, imobilizei-me, pois, um cão corria velozmente por fora como se não
pudesse separar-se do dono...
Por entre espreitadelas
aos amigos do Facebook, não pude deixar de pensar que há aqueles que partem sem
aviso prévio, como se em determinado momento a Morte os tivesse ceifado e, por
outro lado, há os que ali descarregam tudo o que mexe com eles... alguns com
humor, outros com um mau gosto "abundoso"...
Acabo de roubar o
adjetivo "abundoso" a Pepetela. Encontrei-o no romance O
Tímido e as Mulheres.
Da leitura em curso, quero
referir o fascínio de Pepetela pelos antropónimos gregos. Heitor está
de volta e desta vez foi às compras: «Escolheu duas mangueiras, por causa da
sombra além da fruta, um abacateiro e uma figueira, árvore que no sul se
chama amendoeira.»
Se as memórias de
gregos já não me surpreendem, é estranho confundir uma figueira com uma
amendoeira, a não ser que o processo mental seja o mesmo que me levou a
despedir-me do meu interlocutor como se hoje fosse domingo...
2.1.15
Pior do que a
incompreensão só a intolerância.
Não sei quanto tempo é
necessário para elaborar uma acusação, mas desconfio que, em certos casos, o
que se procura, depois de toda a louça escaqueirada, é encontrar um bode
expiatório...
Para o imperador era
inaceitável que as manas Justa e Rufina não celebrassem Adónis.
A história do martírio é
antiga e, hoje, está quase esquecida.
Por coincidência de
registo, acabo de ouvir as respostas de José Sócrates às perguntas da TVI.
O enunciado que mais
chama a minha atenção é o seguinte: PRENDE-SE PARA PROVAR. Se assim é, isso
significa que a ação do Ministério Público em nada se distingue dos métodos da
PIDE.
E perante as forças em
presença, parece-me que o amigo é que acabará por ser imolado. E porquê?
Talvez Adónis tenha
consigo a resposta...
1.1.15
«De maneira que
Rossélio quando percebeu que nunca alcançariam o Maria Speranza, nem
Shandenoor, nem regressariam a Carvangel, e também não se importou.»
O ocaso é:
ficar ou diluir-se! Mas a decisão não é da personagem nem mesmo do autor ao
encerrar a narrativa. A decisão só pode ser do leitor...Só ele pode regressar
ao varandim implodido por um grupo de anarquistas. Só ele pode regressar a
Carvangel ou esperar pelo Maria Speranza...
Sem leitor, não há
esperança nem imaginação que dê conta do desempenho literário de Mário de
Carvalho: da sua capacidade de inventar territórios, de povoá-los, de enredar
os seus habitantes em intrigas absurdas, de lhes narrar as aspirações e as
desilusões e, sobretudo, de lhes imaginar uma língua, por vezes, desconcertante,
mas verosímil...
Eu, por mim, espero
voltar a Carvangel nem que seja para entrevistar o príncipe dos mabecos...
Mário de Carvalho, O
varandim seguido de Ocaso em Carvangel, Porto editora, 2012.
2015 chegou e eu ainda
não conclui a leitura de Ocaso em Carvangel, de Mário de Carvalho.
Faltam apenas 11 páginas... a leitura continua lenta, pois o autor, não
contente por inventar territórios, animais fantásticos e percursos insólitos,
desatou a confecionar palavras que, a cada passo, questionam a minha ignorância
lexical. Consulto o dicionário, consulte o google e nada - a única referência é
o próprio Autor.
Provavelmente, o que
acabo de escrever não passa de desculpa esfarrapada. Pressinto que o adiamento
resulta de uma tentativa de evitar o OCASO...
A noite foi de circo e de
magia na TV5 e o OCASO, cruel, foi colocado de lado. E já hoje foi trocado por
uma passeata por ruas desertas, sob um sol luminoso, incapaz de, por si, pôr
termo ao frio que persiste por dentro e por fora dos mais afoitos...
À exceção daquele
transeunte que, inopinadamente, pergunta: - Está algum aberto? E de súbito,
respondi: - Ali, em baixo, volte à esquerda...
Este amigo não quer saber
do OCASO, nem do sol luminoso, basta-lhe um bagaço ou, talvez, uma série
deles...
O melhor é ficar por aqui
e não arranjar mais desculpas para não terminar o que comecei em 2014...
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