CAPÍTULO PRIMEIRO
1. Relações interculturais e estudos literários comparados
A interculturalidade é, na definição de Didier Paquette:
“ Le lieu où les logiques socio-historiques viennent croiser les logiques singulières des médiateurs eux-mêmes.” [1] |
É nesta aceção que a escrita aqui é interrogada, visto que ela, no sentido mais amplo do termo, é um dos mediadores essenciais da relação do homem com a natureza, a sociedade e o transcendente, apesar do risco de, por exemplo, a literatura ser vista como um objecto determinado[2] pelas forças sociais e económicas, ela que, como qualquer outra forma de pensamento, possui uma energia própria.
Enquanto mediadora da relação do homem com a sociedade, o transcendente e a natureza, a literatura comporta no seu tecido marcas do eu e do outro. E é essa presença da alteridade - no caso, do estrangeiro - que a torna objecto da literatura comparada, provocando uma atitude comparatista ”sempre que se delineia uma linha separadora (uma fronteira?) entre duas culturas; sempre que o homem empreende, pela descoberta do Outro, um diálogo com este e consigo próprio.”[3] Todavia, e no limite, é possível realizar uma análise e uma leitura “comparatista” a partir de um único texto, na medida em que todo o texto - e este não será excepção! - é absorção e transformação de uma multiplicidade de textos, por vezes, periféricos...
A delimitação do objecto impõe, assim numa perspectiva comparativista, a necessidade de estabelecer uma metodologia que permita explorar o significado da presença dos elementos estrangeiros na obra literária.
De forma resumida, eis algumas das posições teóricas que podem ajudar a definir um método comparatista, na abordagem das relações interculturais mediadas pela escrita:
1. Ludger Hoffmann[4] considera a situação típica de duas culturas, e, consequentemente, de pelo menos duas línguas em contacto. No caso descrito, Hoffmann analisou um corpus gerado por um concurso literário organizado para imigrantes turcos na Alemanha, - um tipo de análise do discurso que vê principalmente a linguagem como um meio de acção social e cultural, procurando determinar os problemas da comunicação intercultural ao nível do estilo, sem deixar de levantar o problema da existência ou não de uma escrita intercultural.
Ludger Hoffmann, ao considerar a escrita intercultural no plano da expressão, estabelece quatro diferentes possibilidades estilísticas: transferência[5], mistura[6], integração[7], instalação[8].
Apesar de Pepetela - e, em particular, em YAKA -, não evidenciar competência em nenhuma das línguas nativas, encontramos casos de “transferência” e, sobretudo, de “integração”, revelando-se este último processo essencial para a (re)criação da “alteridade”. A relação não é pensada em termos linguísticos[9], mas, sim, em termos rácicos, em que a cor surge como traço diferenciador: no plano da expressão ninguém fala qualquer outra língua que não seja o português, embora aqui e ali enriquecido por alguns vocábulos de origem banta, nomeadamente no que se refere à toponímia, antroponímia, flora, fauna e, principalmente, aos ritos, como veremos em relação à cultura kuvale.
2. Outra proposta metodológica deve-se a Pierre Brunel,[10] para quem todo o texto deve ser analisado em função de três leis: a lei da emergência, a lei da flexibilidade e a lei da irradiação.
Quanto à lei da emergência, o comparatista deve dar atenção ao surgimento de uma palavra estrangeira, de uma presença literária ou artística, de um elemento mitológico.
No que respeita à lei da flexibilidade,[11] o comparatista deve observar as deformações do elemento estrangeiro[12], as inversões (adunaton), o jogo sobre a ambiguidade,[13] a resistência,[14] a modulação.[15]
Em relação à lei da irradiação, o elemento estrangeiro no texto pode ser considerado como um ponto irradiante, o que justifica uma abordagem específica. O elemento irradiante encontra-se no texto num lugar escolhido que permite uma irradiação intensa. Pode também ser secreta, subterrânea[16] (a presença oculta de um texto). A irradiação pode ainda ser destruidora, isto é, o elemento estrangeiro pode constituir uma ameaça no texto e para o texto. Sem ele, porém, este texto não existiria.
Como veremos mais adiante, na análise de YAKA, os elementos estrangeiros surgem frequentemente sob a forma de rede,[17] em que cada um conserva uma existência específica (resistência), mas ligado aos outros, mesmo que um “oceano” os separe (flexibilidade). Malgrado, essa longa separação, a utopia intercultural não deixa de ser anunciada na síntese dos tempos e dos continentes, protagonizada por Joel - Ulisses, no final de YAKA.
3. Também Earl Miner,[18] ao abordar o problema da inexistência de estudos comparados entre culturas distantes,[19] nos ajuda a clarificar alguns dos problemas que se colocam, em termos metodológicos e valorativos, na área das relações entre culturas afins ou distantes. Segundo E. Miner, a literatura comparada intercultural actual está finalmente a encarar a possibilidade de ter como objecto literaturas que não sejam provenientes apenas de culturas em contacto, resultantes, por exemplo, de processos de colonização; e que não tenham unicamente como “suporte” línguas pertencentes à mesma família.[20]
E neste particular, E. Miner marca uma importante diferença entre estudos comparados intraculturais e estudos comparados interculturais, visto que os primeiros caracterizar-se-iam pelo facto de as línguas em presença pertencerem à mesma família e de certos conceitos, como, por exemplo, o conceito de influência, desempenharem um papel fundamental, ao contrário dos segundos que interditariam ou reformulariam aquele conceito, defendendo os estudos comparativos, independentemente das línguas em questão.
Os estudos comparados interculturais acabam, no entanto, por defender a reformulação da noção de influência, numa perspectiva de receção, em que um recetor escolhe alguma coisa proveniente de um emissor e não como o resultado do envio feito por um emissor a um recetor. [21]
Justificando a revalorização da noção de influência, E. Miner demonstra que, se se considerar a cronologia e as circunstâncias da receção, os escritores de outras nações ou de outras culturas estarão dispostos à receção, sempre que uma nação ou uma cultura possui o poder ou algum prestígio cultural,[22] e por isso:
“Ce qui entraîne ou impose la réception peut recevoir le non d’influence.”[23] |
Numa tentativa de tornar a comparação intercultural eficaz, E. Miner define três modos de operacionalização e de elaboração de uma teoria poderosa, capaz de combinar o sistemático e o histórico como complementares:
- A “prova do estrangeiro”, que consiste em utilizar certas provas duma cultura a fim de pôr em evidência factos menos familiares numa outra, onde a primeira é o elemento “provante” e a segunda o “provado” e esclarecido.
- A eventual equivalência de função de géneros diferentes para diferentes culturas.
- Tomar como assunto um fenómeno literário ou uma prática que é formalmente idêntica em mais de uma cultura.
Finalmente, E. Miner aponta como principal obstáculo à teorização intercultural, o facto de a maioria dos estudos comparados ignorar a literatura não ocidental, denotando a manutenção de um preconceito simultaneamente imperialista e provinciano que continua a desconhecer a alteridade[24] e a imaginar a literatura desprovida de nacionalidade ou de localidade, quando, como acontece em muitas partes do globo, as nações ainda se encontram em formação...
Sem a comparação intercultural, já que a literatura é um importante problema intercultural, que os estudos intraculturais ocultam, qualquer teoria literária que assente na ideia implícita de que as generalizações têm validade “universal” é extremamente frágil, senão pretensiosa.
As literaturas africanas têm sido vítimas desse preconceito. Só recentemente começaram a merecer maior atenção, sobretudo, da parte das antigas potências colonizadoras, nos casos em que as literaturas são escritas na língua de colonização, não tendo, porém, sido objecto de trabalho sistemático dos estudos comparados devido à falta de prestígio, ao contrário do que acontece com algumas literaturas euro-americanas.
Por outro lado, apesar de estar assente que as modernas literaturas (anglófonas, francófonas e lusófonas[25]) têm a sua origem comum, simultaneamente no facto colonial e na reação a esse mesmo facto colonial, - expressa na reivindicação / afirmação de uma identidade cultural - continua a colocar-se a questão da especificidade da obra literária africana contemporânea, isto é, da sua africanidade, ao mesmo tempo que se lhes recusar uma localidade, porque efetivamente o que continua em causa não é apenas a existência de uma pluralidade de literaturas mas, sim, a existência de uma pluralidade de povos e de línguas.
Parece, assim, que os estudos comparados interculturais poderiam, no mínimo, dar-nos:
“L’occasion de comprendre les conditions de notre connaissance ; elle nous permet de voir les grandes distinctions qui sont obscurcies par les contradictions locales.”[26] |
Como defende Jacques Chevrier[27], o continente africano constitui, sem dúvida, um espaço privilegiado para a apreensão dos fenómenos históricos, culturais e sociais e, consequentemente, um espaço privilegiado para a renovação dos estudos comparatistas.
Espera-se, deste modo, que o contacto com os factos interculturais permita não só renovar os estudos comparatistas, mas, sobretudo, leve o homem a descobrir os efeitos devastadores dos seus preconceitos sobre os outros homens e a própria natureza.
2. A figura do mediador cultural
Esta noção foi criada por alguns historiadores[28] que começaram por definir o “intermediário cultural” como aquele que “assegura passagens entre esferas culturais diferenciadas. “O que significa que falar de mediador cultural ou intermediário cultural[29] é evocar a qualidade do ser ou a função, mais ou menos consciente, de pessoas, que em qualquer nível da vida social, se encontram numa situação entredois.
De acordo com esta orientação, a cultura é um conjunto complexo que reúne três estratos que se entrecruzam: as memórias e os sistemas de valores, os modos de fazer (ou a cultura no quotidiano), os produtos da criação intelectual e artística.[30]
É neste âmbito que a literatura, pela natureza do seu código, - mais do que a oratura - pode ocupar um lugar fundamental como mediadora cultural, enquanto reconstrução verbal de espaços míticos e enquanto percurso iniciático.
Neste sentido o escritor não só surge como o mediador que, pela sua acção, dá à obra um duplo estatuto intencional e atencional[31] que a transforma no pivot duma possível relação intercultural, não só capaz de recolher uma essência identitária ao longo do devir histórico, mas, sobretudo, capaz de gerar e de interrogar a utopia, abrindo as portas ao diálogo entre identidades culturalmente incompatíveis, como este mediador quer demonstrar que as identidades não devem ser imutáveis, filhas eternas dos mitos fundadores.
A particularidade da mediação cultural desempenhada pelo escritor, ou pela respectiva obra, resulta da capacidade de construir mensagens que podem ser descodificadas, em proveito mútuo, por recetores pertencentes a culturas diferentes, do que YAKA parece ser um exemplo sério: em termos de receção, quer o leitor angolano quer o leitor português podem fazer uma leitura diferente, mas complementar, de acordo com a configuração cultural de cada um.
O escritor nascido numa colónia, encontra-se frequentemente na situação referida: entredois[32]. Filho de colonos, sente-se dividido entre a pátria e a mátria, e por isso procura compreender-se.[33] No essencial, a vivência do escritor não é muito diferente da do imigrante de 2ª geração, e, por isso mesmo, o escritor procura através da linguagem[34] - da criação literária - o reconhecimento que dificilmente a colónia ou o país de acolhimento lhe pode fornecer, sobretudo porque os espaços culturais instaurados por uma língua podem, a qualquer momento, tornar-se lugares de identificação étnica, se mobilizados por uma ideologia de tipo etnicista.
Assim se justifica que o escritor que participou ativamente na independência duma colónia, como, por exemplo Pepetela, se sinta intranquilo, apesar da função mediadora[35] que tenta desempenhar através da sua obra, na medida em que as solidariedades de classe só à terceira ou quarta geração é que começam a suplantar as solidariedades étnicas.[36]
3. A imagologia literária
“Foi o movimento desencadeado pela expansão portuguesa em toda a Europa da frente marítima que (...) deu importância internacional (...) à imagem de cada povo”, que fez com que “a partir das imagens que reciprocamente se fazem os povos” tivessem sido modelados “os respectivos tipos de relação.”[37] |
O estudo das imagens ou da representação do estrangeiro - iniciado por Jean-Marie Carré - foi uma das atividades preferidas da “escola francesa” de literatura comparada, durante décadas. Em 1951, essa atividade foi retomada e defendida por Marius-François Guyard, no intuito de libertar os estudos comparados da ditadura da influência,[38] propondo que se tentasse compreender como é que se elaboram e vivem nas consciências individuais ou colectivas os grandes mitos nacionais.[39]
Apesar das críticas de René Wellek[40] e de Etiemble,[41]- este último, por exemplo, preconizava o estudo dos invariantes da imaginação humana, e das imagens do amor profano e do amor sagrado, assim como a fixação daquelas que determinam o clima, a fauna, a flora, o modo de vida, os acasos históricos ou outros, a natureza da própria linguagem - os estudos de André Monchoux, Claude Digeon, Marius-François Guyard, René Cheval, Michel Cadot (e outros) contribuíam de forma decisiva para a afirmação da imagologia,[42] não obstante a visão restritiva, e de certo modo nacionalista e etnocêntrica, da imagem do estrangeiro.
Como veremos daqui em diante, Daniel-Henri Pageaux tem dado um importante contributo para a clarificação e alargamento da noção de imagem[43] e, indiretamente, de estrangeiro ao propor como hipótese de trabalho a seguinte definição:
“ Toute image procède d’une prise de conscience, si minime soit-elle, d’un Je par rapport à l’Autre, d’un Ici par rapport à un Ailleurs. L’image est donc expression littéraire ou non, d’un écart significatif entre deux ordres de réalité culturelle.”[44] |
De forma muito abrangente, o termo estrangeiro abarca, aqui, tudo o que é alteridade (Outro) e não apenas o que está para além da mais ou menos recente fronteira política, desempenhando um papel fundamental na construção da(s) identidade(s), quase sempre através da velha estratégia da conquista.[45] E é na descontinuidade identitária - espaço diferencial por excelência - que descobrimos a dimensão estrangeira em que se baseia a reflexão comparatista. É também esta descontinuidade que gera a imagem - facto de cultura -, que surge como uma língua segunda, uma “linguagem “de que a sociedade pode dispor para “se dizer as relações interétnicas, interculturais, as relações menos efectivas que repensadas, sonhadas, entre a sociedade que fala (e que “olha”) e a sociedade “olhada”. Neste sentido, “a imagem não é uma imagem no sentido analógico, mas no sentido referencial (imagem pertinente por referência a uma ideia, a um esquema, a um sistema de valores preexistente à representação).”[46] Frequentemente, a imagem é preexistente à própria experiência, ao contacto com a realidade.
Como refere Jacques Le Goff :
Moins il y a de “savoir concret” dans une culture, plus il y a d’imaginaire, plus les stéréotypes occupent un terrain entrevu, soupçonné, où la place précisément est libre pour l’imagination, la colonisation par l’imaginaire, qui précède souvent la colonisation matériel -le.”[47] |
Esta ausência de “saber concreto”, como veremos, alimentou patologicamente o imaginário português no que respeita a África, e, especialmente, em relação a Angola. O medievo complexo climático,[48] teorizado por Vincent Beauvais, na linha de Constantino, o Africano; a teoria do meio natural[49] e o consequente determinismo cultural serão alguns dos preconceitos que alimentarão o imaginário social ao longo dos séculos.
É esta certeza de que o imaginário social - numa das suas representações particulares, a representação do Outro - desempenha um papel fundamental na decisão e atitude do homem na sua relação com os outros homens que faz da imagem “literária” um instrumento essencial para o estudo do modo como se processam as relações entre os homens, em termos individuais e colectivos. Pageaux define, assim, como objectivo da imagologia o estudo do imaginário social porque este é a expressão - à escala de uma sociedade, de uma cultura - de uma profunda bipolaridade: identidade vs. alteridade, em que a alteridade é encarada como o termo oposto e complementar da identidade.
Esta nova perspectiva obriga o estudioso a tomar em conta não apenas as imagens difundidas pelos textos literários, as circunstâncias da sua produção e difusão, mas também todo o material cultural com que se escreveu, pensou e viveu, abrindo assim o caminho para a compreensão do funcionamento da ideologia como, por ex., o racialismo, o exotismo, etc.[50] Isto é torna a história das ideias complemento obrigatório da imagologia.
Por outro lado, obriga o estudioso a procurar na imagem - linguagem sobre o Outro e, por isso, um facto cultural - a sua lógica, a sua “verdade” e não a sua “falsidade”, na medida em que o modo como o Eu vê o Outro, o diz, dá também uma certa imagem do Eu.[51]
Deste modo, aos estudos imagológicos compete demonstrar como é que a imagem integra a linguagem simbólica, que deve ser estudada como um sistema de sentido.
Uma das formas particulares da imagem é o estereótipo que liberta uma mensagem “essencial”, primordial. Num texto, o estereótipo manifesta-se insistentemente no plano do epíteto, da adjetivação: é o atributo acessório, qualificativo que se torna essência. Enunciado no presente, o estereótipo é a expressão de um tempo bloqueado, o tempo das essências.[52] O estereótipo é não só o indício de uma cultura bloqueada, ele revela uma cultura tautológica, repetitiva, da qual toda a abordagem crítica foi excluída em proveito de algumas afirmações de tipo essencialista e discriminatório,[53] que geram uma constante hierarquia dos seres e das culturas, porque, no essencial, cada afirmação / definição veiculada pelo estereótipo opera uma confusão entre duas ordens de factos complementares mas distintos[54]: a Natureza e a Cultura, o Ser e o Fazer, como o comprova o aproveitamento do registo físico, fisiológico, para a enunciação do estereótipo. É a Natureza do Outro que explica a sua Cultura; o seu Ser que explica o seu Fazer - a sua inferioridade - e o Fazer do Eu que enuncia o estereótipo que explica a sua superioridade. A ideologia racista, nas suas múltiplas variantes, assenta na falsa demonstração da inferioridade física, intelectual ou da anormalidade do Outro em relação a uma norma posta por um enunciador e tida como superior.[55]
Embora de forma sumária, antevê-se, pelo que fica exposto, que, ao longo do século XX, a imagem individual ou colectiva se tornou cada vez mais num poderoso determinante da vida dos indivíduos e dos grupos. Fenómenos tão importantes como o colonialismo e as suas consequências ideológicas e culturais (racismo, xenofobia; exotismo artístico e literário) não podiam deixar de interferir profundamente na elaboração de imagens e no próprio conteúdo do imaginário social num determinado momento histórico. Por isso, o território da imagologia foi sendo alargado a todas as oposições do tipo Eu-Eles/Outro, e não apenas à relação Eu-Tu, porque “pensar a relação com o Outro segundo o modelo dialógico, significa tentar reduzir o Outro a um parceiro dotado dos mesmos direitos à palavra que o Eu, isto é, entender o Outro como um outro Eu-mesmo - um alter ego.”[56]
A imagologia pressupõe, hoje,[57] uma reflexão interdisciplinar que congrega, entre outros saberes, a história (política, económica, literária, das mentalidades) a psicologia dos povos, a sociologia, a semiologia, a hermenêutica e a estética da receção.
Na perspectiva dos estudos imagológicos, que pela natureza do seu objecto se confundem com uma componente restrita dos estudos interculturais, a imagem surge como uma hipótese de trabalho, em que devemos destacar três níveis da análise imagológica: a palavra, a relação hierarquizada e o cenário.
Em síntese, estamos perante a seguinte metodologia:
1. Da palavra à imagem: análise do léxico
Como elemento primeiro constitutivo da imagem, devemos procurar o stock mais ou menos vasto de palavras que, numa época e numa dada cultura, permitem a difusão mais ou menos imediata duma imagem do Outro. Neste plano, devemos distinguir as “palavras-chave”[58] e as “palavras-fantasma”[59] e duas ordens lexicais.[60] Identificar palavras (em especial, as intraduzíveis), recompor redes lexicais, desenhar as isotopias possíveis significa mergulhar no imaginário social, objecto da nossa reflexão.
Na medida em que é a escrita da alteridade que nos ocupa, é fundamental estar atento a tudo o que permite a diferenciação (o Outro oposto ao Eu) ou a assimilação (tornar o Outro semelhante ao Eu), o que implica atenção particular a qualquer traço iterativo, à escolha dos indicadores espaciais e temporais, ao léxico designador do Outro, à escolha da onomástica (sobretudo, os nomes próprios, a certos nomes próximos da caricatura. Convém fazer o levantamento da adjetivação (positiva ou negativa) ... dos processos que permitem passar do desconhecido ao conhecido ou o inverso, dos efeitos de distanciamento, exotização, de naturalização, de anexação, de exclusão ou de marginalização.
2. - A imagem ou a relação hierarquizada
Em primeiro lugar é preciso identificar as grandes oposições que estruturam o texto imagotípico:
· Eu-narrador-cultura de origem vs. o Outro - personagem - cultura representada. · Unidades temáticas: elementos decorativos, pausas descritivas, pólos “d’aimantation” da narrativa; sequências onde se reúnem os elementos catalisadores da imagem do estrangeiro. · O quadro espácio-temporal (o espaço estrangeiro e o tempo em que é visto): os processos de organização ou de reorganização do espaço estrangeiro: lugares valorizados, zonas investidas de valores positivos ou negativos... uma topologia generalizada e diferencial; levantamento das indicações cronológicas, datas históricas; tempo linear da história política vs. tempo cíclico da imagem; mitificação do tempo (organização eufórica vs. organização disfórica). · O sistema das personagens: caracterização morfológica (traços físicos, gestualidade, falar), onde se enuncie a alteridade; sexo e pertença política e cultural - selvagem vs. civilizado; bárbaro vs. cultivado; homem vs. animal; adulto vs. criança; ser superior vs. ser inferior. · O sistema de valores do Outro: as expressões da sua cultura no sentido antropológico: práticas artísticas, religião, música, vestuário, cozinha, etc.
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3 - A imagem como cenário
A este nível de análise é necessário confrontar os resultados da análise lexical e estrutural com os dados fornecidos pela História - momento hermenêutico.[61]Neste estádio, a imagem é uma "história" textualizada a partir de um diálogo entre duas culturas, duas literaturas, duas séries de textos com palavras-chave, palavras-fantasma, situações mais ou menos codificadas, ritualizadas , sequências e temas mais ou menos esperados, "programados", porque eles podem existir mais ou menos arquivados, sedimentados na cultura observadora, no imaginário desta cultura, onde triunfa a intertextualidade, porque no texto imagotípico “acontecem” frequentes reactualizações de textos, sequências... de múltiplas origens.
Neste contexto, a intertextualidade - para além de nos poder explicitar o funcionamento interno do texto -, deve, sobretudo, ajudar a explicar porque é que um determinado objecto cultural se tornou em referência para um outro. O escritor[62] que os escolhe obedece a reflexos culturais, a orientações de leitura que podem ser partilhadas pela maioria na cultura que observa. São por vezes escolhas de uma geração, de uma escola, dum movimento. São também explicáveis a partir do mito pessoal do autor.
Esta “utilização” do Outro, esta função social e cultural da imagem obriga a procurar identificar as atitudes fundamentais que regem a representação do Outro e indiretamente do Eu individual ou colectivo:
· A mania - a realidade estrangeira é tida pelo escritor ou pelo grupo como absolutamente superior à cultura de origem. A valorização positiva do estrangeiro corresponde a uma visão negativa, depreciativa da cultura de origem.[63] · A fobia - a realidade estrangeira é tida como inferior em relação à superioridade da cultura de origem.[64] · A filia - a realidade estrangeira é tida como positiva, toma lugar na cultura de acolhimento, que é tida igualmente como positiva. A filia é o único caso de troca real, bilateral.[65] |
À aculturação mecânica que supõe a "mania" opõe-se o verdadeiro " diálogo de culturas" representado pela “filia”. Enquanto a “fobia” supõe a eliminação, a morte simbólica do Outro, a “filia” tenta impor a via difícil, exigente que passa pelo reconhecimento do Outro, vivendo ao lado do Eu, em face do Eu, nem superior, nem inferior, singular, insubstituível.[66]
Em conclusão, a análise imagológica baseia-se no estudo do lugar que a imagem ocupa no imaginário social[67] e na determinação das configurações culturais que esse imaginário pode gerar. E por isso, tende a estudar a imagem enquanto proveniente de uma nação (uma sociedade, uma cultura), o que significa privilegiar a cultura onde a imagem é criada.
Na medida em que o estudo da imagem, na obra literária, é apenas um dos instrumentos de análise do imaginário social[68] e que a enunciação das relações entre os homens não é directa, mas mediatizada pelas representações imaginárias do grupo ou da sociedade a que pertencem, torna-se fundamental observar a posição do escritor em relação a cada configuração cultural: verificar se o autor reproduziu uma determinada representação global ou se afastou radicalmente de qualquer esquema imaginário colectivo, para fazer acto de criação, e, consequentemente, de crítica do real. Isto é, se se mostra prisioneiro da referência ou se trabalha segundo o postulado da imaginação produtora, ou, colocado o problema de outro modo, como é que na obra literária se materializa a tensão entre a função de integração e a função de subversão que caracteriza o imaginário social e certamente o imaginário do próprio escritor.
Apesar da imagologia[69] tradicionalmente dar mais atenção à função de integração da ideologia,[70] isto é, à estrutura simbólica da memória social,[71] veremos, através da leitura de YAKA, que as outras funções da ideologia não deverão ser descuradas, particularmente a ideologia como dissimulação e a ideologia como processo de legitimação da autoridade, sobretudo quando estiver em causa a expressão do domínio colonial. Em YAKA, apesar das cerimónias comemorativas com o objectivo de reatualizar os acontecimentos fundadores serem raras, verificaremos que a função integradora da ideologia se tornou para a maioria da comunidade branca em visão do mundo, isto é, “num código universal de interpretação de todos os acontecimentos do mundo (...), numa crença colectiva subtraída à crítica ((...) permitindo que o grupo acredite na sua própria identidade.”[72]
Por outro lado, algo de semelhante acontece com a função de subversão,[73] quando a imagologia privilegia um dos níveis do conceito, isto é, aquele que “põe essencialmente em questão a realidade”. Este colocar em causa a realidade tem como objectivo exprimir as potencialidades de um grupo que se encontram recalcadas pela ordem existente, abrindo passagem para uma alteridade radical: a de uma sociedade alternativa, rica de potencialidades. O fascínio que Pepetela confessa ter pelo povo Kuvale é um dos exemplos, em YAKA, dessa imagem utópica e subversiva, que poderia quer no passado colonial quer no presente pós-independência contribuir para a alteração dos respectivos imaginários sociais.
Ora YAKA parece estrategicamente optar pela imagem utópica, visto que enquanto a imagem ideológica “diz” o Outro como um alter integrado numa concepção do mundo, cujo centro é o grupo - em que uma parte do grupo está insatisfeito com a ordem existente - a imagem utópica “diz” o Outro como um alius, afastado, excêntrico e que só pode ser atingido à custa da uma errância temporária (?) fora do grupo.
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[1] - Didier Paquette, L’interculturalité franco-portugaise, in Migrations Société, nº 22-23, juillet-octobre 1992.
[2] - “ La littérature, forme, révélation, enseignement, mémorisation, n’est ni un reflet ni une praxis. Daniel Madelénat, Littérature et Société, p.108, in Précis de Littérature Comparée...
[3] - Daniel-Henri Pageaux, La Littérature générale et comparée, p.7.
[4] - in Intercultural writing - a pragmatic analysis of style, The Taming of the texte, edited by Willie Van Peer... Trata-se, sem qualquer dúvida, de uma importante contribuição para o estudo, por exemplo, da escrita intercultural em países de imigração, ou que acolheram grandes grupos por razões humanitárias.
[5] - Transferência: reprodução ou imitação numa língua segunda de uma expressão pertencente à primeira língua, através dos meios do reportório linguístico de L2.
[6] - “Mistura”: casos em que expressões isoladas de L1 são tomadas em L2, entre outras razões, porque o autor procura recriar uma atmosfera particular.
[7] - O que distingue a transferência da “integração” é o facto de o autor tomar precauções para assegurar a compreensão das expressões transferidas.
[8] - “Instalação” (figura): consiste em combinar expressões de duas línguas em contacto no mesmo texto.
[9] - No entanto, desde o Congresso dos Escritores e Artistas Negros (Roma, 1959) que o antilhano Leonard Sainville defendia o bilinguismo no romance: “Em romance, o bilinguismo para os países habitados pelos Negros, parece-me ser a solução de futuro.” in Manuel Ferreira, Que futuro para a língua portuguesa em África?
[10] - Pierre Brunel, Le fait comparatiste, p.29, in Précis de Littérature Comparée, op. cit.
[11] - Pierre Brunel : “ Encore une fois, le mot fait image et ne saurait être considéré que comme une approximation pour une réalité difficile à saisir. Il permet de suggérer la souplesse et en même temps la résistance de l’élément étranger dans le texte, les variations d’intensité au gré de la lecture critique et aussi de rappeler les droits de l’imagination. “Op. cit., p. 34
[12] - Este elemento estrangeiro pode ser constituído por citações ou referências de ordem histórica, como veremos na análise de YAKA.
[13] - “ Ambigu, polysémique, le mythe parle par énigmes.” Pierre Brunel, op. cit., p. 39. Estas palavras parecem adequadas para caracterizar YAKA.
[14] - “ Susceptible de modifications, adaptable, l’élément étranger est pourtant résistant dans le texte : il arrête le regard, il pose une question, il maintient une présence autre. “ Pierre Brunel, op. cit., p. 40.
[15] - “ Ce droit à porter sur le texte un regard singulier, c’est ce que nous appellerons le droit à la modulation. “ (...) “ Moduler sur un texte ce sera privilégier l’une de ces clefs, au choix, ou mieux encore, essayer de les utiliser tour à tour. “ Pierre Brunel, op. cit., p. 46-47.
[16] - “On peut imaginer deux sources de l’irradiation sous-textuelle. L’une est l’ensemble de l’oeuvre d’un écrivain donné : une image mythique, présente dans un texte de cet écrivain, peut rayonner dans un autre texte où elle n’est pas explicite. L’autre est le mythe lui-même et son inévitable rayonnement dans la mémoire et dans l’imagination d’un écrivain qui n’a même pas besoin de le rendre explicite. “Pierre Brunel, op. cit., p. 52.
[17] - Por exemplo, ao longo de todo o romance, encontramos uma rede de antropónimos de origem grega que, apesar de simbolicamente anunciarem por si só grandes proezas - um projecto civilizador - se revelam, no entanto, incapazes de materializar aquilo que aos seus “portadores” era exigido.
[18] - Earl Miner, Études comparées interculturelles, in Théorie littéraire, (sous la direction de Marc Angenot et alii), PUF, 1989, pp.161-179.
[19] - “Les études comparées entre cultures sans rapport d’échange intellectuel ou sans traditions partagées, étaient rejetées pour cause d’impressionnisme ou faute de poids intellectuel.”E. Miner, op.cit. p.161.
[20] - Como veremos mais adiante, a questão da relação entre língua portuguesa e a literatura angolana como expressão de cada uma das culturas que, ainda hoje, sobrevivem no território angolano é um dos problemas centrais da preservação e aprofundamento da pluralidade de identidades existentes naquele território, malgrado a política de assimilacionismo e a guerra quase que permanente.
[21] - Esta noção de influência é defendida por Durisin, 1974, cit. por Earl Miner, Études comparées interculturelles, op. cit. p. 164.
[22] - O que é fácil de comprovar quando estudamos as literaturas africanas de expressão portuguesa, em particular no último quartel do séc. XIX e no 1º quartel do séc. XX: descobre-se um enorme fascínio por autores portugueses e brasileiros, como, por exemplo, por João de Deus, Antero de Quental ou Ribeiro Couto e Manuel Bandeira
[23] - Earl Miner, op.cit. p. 165.
[24] - Esta rejeição da alteridade torna-se no principal obstáculo à realização do grande objectivo dos estudos comparados interculturais: a “fusão de horizontes” proposta por Hans-Georg Gadamer.
[25] - Françoise et Jean Michel Massa preferem a “literaturas lusófonas” “literaturas lusógrafas”, porque “presque jamais le portugais n’est (ou n’était) langue maternelle.” in Mondes lusophones d’Afrique - écritures lusographes, p. 72, Revue de Littérature Comparée, Janvier-Mars 1993.
[26] - E. Miner, op. cit. p. 172.
[27] - Jacques Chevrier, op.cit, p. 217.
[28] - Michel Vovelle, Roger Chartier, Robert Muchembled são alguns dos historiadores responsáveis por esta designação.
[29] - Definição proposta por Antonio Perotti e Pierre Toulat para “intermédiaire culturel”, cujo perfil completam do seguinte modo : “ Par son aptitude à des modes de pensée et d’expression, par sa connaissance des langages de l’une et de l’autre culture, il est apte à faire entendre, de part et d’autre, des manières d’être et de penser différentes...”, Éditorial, in Migrations Société, nº 22-23, juillet - octobre 1992.
Convém notar, todavia, que para além de podermos considerar “mediador” como sinónimo de “intermediário cultural”, outros termos podem desempenhar a mesma função : homem-fronteira ; “fronteiro”, que, nas palavras de Catherine Withol de Wenden “évoquent (...) la mixité et le contact des espaces, l’antagonisme ou l’exhibition des différences, l’existence de marges ou de limites que l’on franchit et transgresse.”in À la recherche des intermédiaires culturels, Migrations Société, nº22-23...
[30] - Definição proposta por Thierry Fabre, Les intermédiaires culturels, éléments de réflexion, Migrations Société, nº22-23...
Daniel-Henri Pageaux define o “mediador” do seguinte modo : “Protée intellectuel, l’intermédiaire est un transmetteur d’idées et de connaissances.” in La Littérature générale et comparée, p. 28.
[31] - Gérard Genette, Poétique et esthétique - propos recueillis par Yvan Leclerc - in Magazine Littéraire, nº 328, janvier, 1995.
[32] - Podendo mesmo ser designado como “autor branco, amigo do mundo negro” como acontece com Jorge Amado ou Castro Soromenho, apesar de, segundo Sainville, estes autores terem de tal modo assimilado, do interior, o ponto de vista negro, que nada a priori permite distingui-los dos negro-africanos. Jacques Chevrier, op. cit. p.226
[33] - Paul Ricoeur: “Não há compreensão de si que não seja mediatizada por signos, símbolos e textos; a compreensão de si coincide, em última análise, com a interpretação aplicada a estes termos mediadores.” op. cit. p. 40
[34] - “ Le langage est ce qui exprime la visée du désir et du pouvoir et assigne à la reconnaissance sa finalité dernière : celle d’être, à tout moment de l’existence et même au terme de celle-ci, un triomphe de la vie sur la mort, du sens sur le non-sens.” Sélim Abou, L’identité culturelle, p. 17.
[35] - No caso de Pepetela, assistimos a uma evolução provocada pela independência da colónia e pela persistência da guerra civil. Enquanto guerrilheiro e na euforia da independência, o escritor integra-se no perfil traçado por Daniel Madelénat : “dans les sociétés du Tiers Monde, où l’élite alphabétisée reste souvent minoritaire, et la concurrence culturelle des pays développés, puissante, l’écrivain s’attribue un rôle d’éducateur, voire d’initiateur.” In Littérature et Société, Précis de Littérature Comparée, p. 120.
[36] - Cf. Sélim Abou, op.cit. p. 49.
[37] - Adriano Moreira, As novas fronteiras e o direito à imagem nacional, in O Tempo dos Outros, Livraria Bertrand, Lisboa, 1968.
[38] - M.-F. Guyard : “Les influences sont souvent impondérables, les analogies fortuites, tandis qu’on peut, avec de la méthode, décrire exactement l’image ou les images d’un pays en circulation dans un autre à une époque donnée.”D.-H. Pageaux, op. cit. p. 118.
[39] - D.-H. Pageaux, op. cit. p.111.
[40] - René Wellek considerava, num artigo do Yearbook of Comparative and General Literature (1953) que a Literatura Comparada, tal como era “praticada” pela escola francesa, estava mais próxima da História ou da História das ideias do que da Literatura.
[41] - Sobretudo no que respeitava ao catálogo temático e à inflação de citações. Op. cit., pp. 93-94.
[42] - Nesses estudos o termo “estrangeiro” é sinónimo de “outra nação” ou mesmo “outro estado” por oposição à nação francesa, como se pode deduzir dos seguintes títulos: L’Allemagne devant les lettres françaises de 1814 à 1835; L’image de la Grande-Bretagne dans le roman français, 1914-1940; Romain Rolland, l’Allemagne et la Guerre; L’image de la Russie dans la vie intellectuelle française, 1839-1856.
[43] - Daniel Henri-Pageaux desfaz o equívoco que rodeia a noção de “imagem”:”L’étude de l’image doit moins s’attacher au degré de “réalité” de l’image, à son rapport au réel qu’à sa plus ou moins nette conformité à un modèle, à schéma culturel qui lui est préexistant, dans la culture “regardante” et non dans la culture regardée, et dont il importe de connaître les fondements, les composantes, le fonctionnement et la fonction sociale.” in De l’imagerie culturelle à l’imaginaire, Précis de Littérature Comparée, p. 136.
[44] - D. -H. Pageaux, op. cit. p.135.
[45] - Como referem Gianluca Bocchi e Mauro Cerutti: “De modo mais radical, o outro torna-se o próprio motor do nosso desenvolvimento, o impulso e a unidade de medida de um confronto incessante, graças ao qual construímos e realizamos potencialidades das quais não tínhamos, no entanto, consciência. Isto é válido tanto para o macrocosmo da biosfera e da política internacional como para o microcosmo das coletividades, dos grupos e das relações entre indivíduos.” in Os novos jogos planetários, Os problemas do fim do século, pp. 157-158.
[46] - D.-H. Pageaux, op. cit. p. 138.
[47] - in préface, p.8, da obra L’Occident et l’Afrique (XIIIe-XVe siècle) - Images et représentations, de François de Medeiros, ed. Karthala, Paris, 1985.
[48] - François de Medeiros : “L’air méridional est opposé à celui du nord (...) Si le nord est sec et froid, le sud est chaud et humide. Au nord les hommes sont sains et beaux tandis qu’ils sont fragiles au sud car ici le climat n’engendre que maux, infections et laideur ; les corps chargés d’humeurs se ramollissent et s’affaiblissent, ils sont noirs tandis qu’au nord le teint est rouge. Ils sont sujets à l’ébriété sous l’effet d’une petite quantité de boisson…” op. cit. p. 90.
[49] - François de Medeiros : “La théorie du milieu naturel abondamment utilisée par les géographes antiques, veut que la constitution physique des êtres vivants ainsi que leurs conditions de vie soient principalement déterminées par le milieu naturel (climat, topographie, hydrographie).” op. cit. p. 145.
[50] - Cf. D.-H. Pageaux, De l’imagerie culturelle à l’imaginaire, Précis de Littérature Comparée, p. 135.
[51] - “L’image de l’Autre apparaît comme une langue seconde, parallèle à la langue que je parle, coexistant avec elle, la doublant en quelque sorte, pour dire autre chose.” D.-H. Pageaux, op. cit. p. 137.
[52] - Em síntese, D.-H. Pageaux define o estereótipo do seguinte modo : “Il est bien une sorte d’abrégé, de résumé, une expression emblématique d’une culture, d’un système idéologique et culturel.” in De l’imagerie culturelle à l’imaginaire, p.140.
[53] - D.-H. Pageaux, La Littérature générale comparée, p. 62.
[54] - “Si on fait réflexion sur la production du stéréotype, on s’aperçoit qu’il obéit à un processus simple de fabrication : la confusion de l’attribut et de l’essentiel, rendant possible l’extrapolation constante du particulier au général, du singulier au collectif.” D.-H. Pageaux, De l’imagerie culturelle à l’imaginaire, op.cit. p. 139.
[55] - ibidem, p.63.
[56] - P.-A. Taguieff, La force du préjugé - essai sur le racisme et ses doubles, (pp. 469-470), éd. La Découverte, 1987.
Ainda segundo o mesmo autor, citando por sua vez E. Lévinas : “l’altérité d’Autrui est infiniment différente de celle d’un alter ego, car l’infini qui s’y dévoile est “altérité inassimilable, différence absolue par rapport à tout ce qui se montre, se signale, se symbolise, s’annonce et se remémore”. Op. cit., p. 471.
[57] - Jean-Marc Moura, L’imagologie littéraire : essai de mise au point historique et critique, in Revue de Littérature Comparée 3/1992. Aqui reconheço que provavelmente sem a leitura ocasional deste artigo nunca teria enveredado por este caminho.
[58] - D.-H. Pageaux : “Le mot, souvent, n’est pas éloigné, par sa nature et son fonctionnement, du stéréotype. (...) Il s’agit là de mots clés, authentifiés par l’histoire et le processus culturel de plusieurs siècles.” op. cit. pp. 144 -145.
[59] - D. -H. Pageaux : “ Dans le cas des “mots fantasmes”, les sèmes virtuels sont (...) plus nombreux, les effets de sens plus complexes, dessinant des champs sémantiques plus larges. C’est que le mot fantasme ne sert pas seulement la communication directe, langagière ; il sert aussi la communication symbolique.” op. cit. p. 145.
[60] - D.-H. Pageaux : “Les mots issus de la langue du pays regardant qui servent à définir le pays regardé et les mots pris à la langue du pays regardé et reversés, sans traduction, dans la langue, dans l’espace culturel, dans les textes du pays regardant. Et aussi dans son imaginaire. “ op. cit. p. 143.
[61] - D.- H. Pageaux, La Littérature générale et comparée, p.69.
[62] - D.-H. Pageaux : “À l’intérieur d’une société et d’une culture envisagées comme champs systématiques, l’écrivain écrit, choisit son discours sur l’Autre, parfois en contradiction totale avec la réalité politique du moment : la rêverie sur l’Autre devient un travail d’investissement symbolique continu. “in De L’imagerie culturelle à l’imaginaire, op. cit. p. 151.
[63] - Em YAKA, quer Oscar Semedo quer, sobretudo, Alexandre Semedo valorizam positivamente a cultura negra. Este último, como veremos, acabará também por valorizar positiva e significativamente as culturas kuvale e lunda.
[64] - Certas personagens da configuração cultural negra, como, por exemplo, Chitekulu ou Mutu-ya-Kevela.
[65] - De certo modo, a relação de Acácio com a mulata Ermelinda consubstancia essa atitude de partilha. É, no entanto, um caso isolado.
[66] - Para o filósofo Emmanuel Levinas : L'Autre de la "philie" est justement "autrui", un Autre qui ne peut être pensé qu'en termes d'éthique. No caso de YAKA, essa atitude é atingida com a integração do colono na nova realidade angolana, isto é, com a integração simbólica de Joel/Ulisses.
[67] - J.-M. Moura: “O estudo do imaginário social representa o nível histórico da imagologia.” Op. cit., p. 279.
[68] - De acordo com P. Ricoeur o imaginário social “opera quer sob a forma da ideologia, quer sob a forma da utopia.” Op. cit. p. 373.
[69] - J.-M. Moura : “Nous passons rapidement sur les niveaux 1 (celui, marxiste, de l’idéologie comme phénomène de distorsion/dissimulation) et 2 (idéologie conçue comme légitimation de l’autorité) pour nous arrêter sur le niveau 3, le plus fondamental. Ici, l’idéologie est liée “ à la nécessité pour un groupe quelconque de se donner une image de lui-même”. Op. cit. p. 281.
[70] - E neste caso, como refere Jean - Marc Moura “L’idéologie se définit moins par un contenu que par cette fonction d’intégration qu’elle joue pour un groupe donné. “ Op. cit p.282.
[71] - P. Ricoeur, op. cit. p. 378.
[72] - P. Ricoeur, op. cit. p. 380-381.
[73] - É importante notar aqui a complementaridade da utopia em relação à ideologia: “Se a ideologia preserva e conserva a realidade, a utopia põe-na essencialmente em questão (...) a utopia é um exercício da imaginação para pensar um “modo diferente de ser” social. P. Ricoeur, op. cit. p. 381.
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