A imagologia estuda as representações do estrangeiro na literatura.
Objeto - o estudo dos documentos primários - narrativas de viagens;
-
o estudo de obras de ficção que coloquem directamente em cena estrangeiros, ou
refiram uma visão de conjunto mais ou menos estereotipada de um país
estrangeiro.
Principais riscos para
a imagologia: a interdisciplinaridade selvagem e o
nacionalismo.
História: " a Literatura é a expressão da
sociedade." (Bonald). De Mme de Staël a Hippolyte Taine, esta
formula não foi esquecida, deslocando-se para a psicologia dos povos e para o
nacionalismo.
Manfred S. Fischer e
Jean-Marie Carré deram mais tarde uma nova interpretação desta afirmação do
laço sociedade-literatura: interpretação recíproca dos povos, das
viagens e das miragens, dando, assim, a "versão imagológica" -
limitada, mas mais precisa - da fórmula panorâmica de Bonald. A literatura é
pelo menos expressão da sociedade porque através dela são decifráveis
as ilusões que uma sociedade gera (alimenta) sobre a sua alteridade. É
preciso esclarecer que relações se estabelecem entre literatura e mitos
colectivos sobre o estrangeiro. É preciso definir o lugar da imagologia no
campo da Literatura Geral e Comparada de modo que não se torne nem numa etnopsicologia nem
numa fonte de autarcia cultural.
Especificidade da
imagologia:
- interdisciplinaridade:
os estudos imagológicos situam-se a meio caminho entre a história literária, a
história política e a psicologia dos povos
- o encontro com novas
teorias literárias permite clarificar a sua metodologia, particularmente a semiologia
e a estética da receção.
Pageaux permite-nos,
hoje, formular os princípios essenciais da imagologia:
A imagem é
entendida como "um conjunto de ideias sobre o estrangeiro tomadas num
processo de literalização assim como de socialização."
Exemplo-limite: o estereótipo.
1. - Do signo ao sinal
O estereótipo aparece
não como um signo (como um representação geradora de significações) mas como
um sinal que remete de imediato para uma única interpretação
possível. O estereótipo seria o indício de uma comunicação unívoca,
duma cultura em vias de bloqueio ... ou talvez seja mais acertado
afirmar que o estereótipo revela (...) uma mensagem
"essencial". Este figurable revela uma
"imagem" essencial, primeira e última, primordial.
(...) Num texto, o estereótipo situa-se muitas vezes no
plano da adjetivação: é o qualificativo que se torna essencial, e o acessório
remete para a única definição possível. (...) É a expressão dum tempo
bloqueado: o tempo das essências.
2. - Essencialidade (uma
forma mínima de informação para uma comunicação máxima) e dicotomia (oposição
sistemática entre culturas).
O estereótipo é
não só o indício de uma cultura bloqueada, ele revela uma cultura tautológica,
repetitiva, da qual toda a abordagem crítica está doravante excluída em
proveito de algumas afirmações de tipo essencialista e discriminatório.
Toda a imagem procede duma tomada de consciência, por mínima que seja, de um Eu em relação a um Outro, de um Aqui em relação a um Algures. A imagem é, portanto, a expressão, literária ou não, de um desvio (afastamento) significativo entre duas ordens de realidade cultural.
(...) A imagem
é a representação de uma realidade cultural através da qual o
indivíduo ou o grupo que a elaboraram ((ou que a partilham ou a propagam)
revelam e traduzem o espaço social e cultural, ideológico, imaginário no qual
se querem situar.
A imagem do
estrangeiro provém, para o comparatista, de um imaginário
social, marcado por uma bipolaridade: identidade vs. alteridade,
termos simultaneamente opostos e complementares.
A imagem é
uma linguagem simbólica que tem como função dizer as relações interétnicas,
interculturais, relações menos efectivas que repensadas, sonhadas entre a
sociedade que fala e que olha e a sociedade olhada.
A imagem é
um facto de cultura e uma prática antropológica para exprimir simultaneamente a
identidade e a alteridade. A este título, a imagem tem o seu lugar no universo
simbólico que designamos imaginário, o qual porque inseparável duma
organização social, duma cultura, é designado imaginário social.
A imagologia pode ser um auxiliar efectivo da história
das ideias, mas só até um certo ponto, visto que não se trata de situar
conceitos ou noções em sistemas filosóficos ou políticos, mas de ideias e
sentimentos em conjuntos, famílias de opinião de contornos mais móveis.
3. - A confusão
entre Natureza e Cultura
A definição veiculada
pelo estereótipo opera uma confusão entre duas ordens de factos distintos e
complementares: a Natureza e a Cultura, o Ser e o Fazer. Ver a importância do
registo fisiológico para a produção do estereótipo. (...) É a Natureza do Outro
que explica a sua Cultura, o seu Ser que explica o seu Fazer (inferior) e o
Fazer (superior) do Eu que enuncia.
(...) A ideologia racista, nas múltiplas variantes, assenta na falsa
demonstração da inferioridade física, intelectual ou da anormalidade do Outro (em
relação a uma norma posta por um enunciador e tida como superior).
Três componentes da
imagem ou três níveis de estudo imagológico:
1. - da palavra à imagem
- Análise
do léxico
Como
elemento constitutivo da imagem, nós identificamos um stock mais ou menos vasto
de palavras que, numa época e numa cultura dadas, permitem a difusão mais ou
menos imediata duma imagem do Outro.
Identificar palavras, recompor redes
lexicais, desenhar as isotopias possíveis significa
mergulhar no imaginário social, objecto da nossa reflexão. Dar particular
importância às palavras intraduzíveis.
- A escrita da alteridade
Diferenciação ou assimilação
É preciso estar atento a tudo o que permite a diferenciação (o
Outro oposto ao Eu) ou a assimilação (o Outro semelhante,
pouco diferente do Eu).
Contagem das ocorrências
Atenção particular a qualquer traço iterativo, de
repetição, à escolha dos indicadores espaciais e temporais, ao léxico
designador do Outro, à escolha da onomástica (sobretudo, os nomes próprios, a
certos nomes próximos da caricatura. Convém fazer o levantamento da adjetivação
(positiva ou negativa) ... dos processos que permitem passar do desconhecido ao
conhecido ou o inverso, dos efeitos de distanciamento, exotização, de
naturalização, de anexação, de exclusão ou de marginalização.
Um reportório de imagens ou de ideias
Uma história de palavras e de imagens próprias de uma ou mais gerações, de uma
classe social determinada ou comum a várias componentes socio-culturais, a
várias "opiniões" - trabalho da ideologia.
Palavras, ideias, fantasmas
Palavra - próxima do estereótipo: palavras-chave, autenticadas pela história e
por um processo plurissecular. A palavra-fantasma não serve apenas a
comunicação pela linguagem, mas também o trabalho onírico e a comunicação
simbólica (harém, odalisca, deserto - elaboração do orientalismo).
A palavra entre o estereótipo e o mito
Uma parte do nosso imaginário social e cultural oscilará, no plano da
representação e da comunicação, entre noções estereotipadas e estereótipos
dotados de uma carga intelectual e afectiva virtual, que pode ser desenvolvida
em história, portanto em séries de palavras que podem abrir ao imaginário a
possibilidade de um discurso, de um cenário e que por essa razão se aproximam
do mito? Nestas condições, o estereótipo é um mito que
não tem ou não tem mais história, cenário, um mito um
elemento discursivo degradado ou na expectativa de um desenvolvimento em
cenário.
2. - A imagem ou a relação hierarquizada
É preciso identificar as
grandes oposições que estruturam o texto imagotípico:
- o quadro espácio-temporal
Os processos de
organização ou de reorganização do espaço estrangeiro: lugares valorizados,
zonas investidas de valores positivos ou negativos... uma topologia
generalizada e diferencial.
Levantamento das
indicações cronológicas ... mitificação do tempo, tempo do Outro e tempo no
qual banham as relações do Eu com o Outro.
- O sistema das
personagens
Caracterização
morfológica (traços físicos, gestualidade, falar), onde se enuncie a
alteridade; sexo e pertença política e cultural - selvagem vs. civilizado;
bárbaro vs. cultivado; homem vs. animal; adulto vs. criança; ser superior vs.
ser inferior.
- o texto como
documento antropológico
Trata-se de examinar o
sistema de valores do Outro, as expressões da sua cultura no sentido
antropológico: práticas artísticas, religião, música, vestuário, cozinha,
etc.
3.
- A imagem como cenário
É necessário confrontar
os resultados da análise lexical e estrutural com os dados fornecidos pela
História - momento hermenêutico.
Da palavra ao cenário: o
"agrégat mythoïde “ou "modelo"?
Neste estádio, a imagem é
uma "história" textualizada a partir de um diálogo entre duas
culturas, duas literaturas, duas séries de textos com palavras-chave,
palavras-fantasma, situações mais ou menos codificadas, ritualizadas,
sequências e temas mais ou menos esperados, "programados", porque
eles podem existir mais ou menos arquivados, sedimentados na cultura observadora,
no imaginário desta cultura.
Investimento simbólico e
Intertextualidade
Os
textos da cultura observada que servem de cenários são referências culturais,
frequentemente "autoridades". O escritor que os escolhe obedece a
reflexos culturais, a orientações de leitura que podem ser partilhadas pela
maioria na cultura que observa. São por vezes escolhas de uma geração, de uma
escola, dum movimento. São também explicáveis a partir do mito pessoal do
autor.
O imaginário e a sua
lógica de investimento simbólico, que são os princípios motores da produção
deste cenário, vão, portanto, reatualizar mais ou menos sequências, memórias,
fragmentos de textos saídos do estrangeiro...
As atitudes fundamentais
ou o modelo simbólico
Primeira atitude
fundamental: a mania - a realidade estrangeira é tida pelo
escritor ou pelo grupo como absolutamente superior à cultura de origem...
Segunda atitude
fundamental: a fobia - a realidade estrangeira é tida como
inferior em relação à superioridade da cultura de origem...
Terceira atitude
fundamental: a filia - a realidade estrangeira é vista,
julgada positiva; complementaridade mútua...
À aculturação mecânica
que supõe a "mania" opõe-se o verdadeiro " diálogo de
culturas" desenvolvido pela filia. Enquanto a fobia supõe a eliminação, a
morte simbólica do Outro, a filia tenta impor a via difícil, exigente que passa
pelo reconhecimento do Outro, vivendo ao lado do Eu, em face do Eu, nem
superior, nem inferior, singular, insubstituível.
Uma quarta possibilidade?
Sobraria um quarto caso de figura onde, por exemplo, o
fenómeno da troca, do diálogo fosse abolido para dar lugar a novos conjuntos em
vias de unificação ou em vias de reconstrução da unidade perdida: panlatinismo,
pangermanismo, pan-eslavismo, mas também cosmopolitismo, internacionalismo de
todas as colorações onde parece difícil distinguir os movimentos positivos dos
negativos.
É preciso desconfiar desta hipótese... lusotropicalismo ... lusofonia
Domínios
da imagologia
A literatura de viagens
A tradução e o fenómeno da receção
O estudo literário dos tipos estrangeiros
Imagologia e identidade:
Questões sobre a
identidade (em que entre em jogo o estatuto e a imagem do Outro). As
literaturas dos países que foram colonizados: antiga colónia vs. metrópole
europeia; indígenas aculturados face aos colonizadores.
Imagologia e exotismo
Imaginaire et histoire de l’imagination : sistema das imagens nacionais
La rencontre critique :
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