O que dizer de 2014?
Mais dívida, mais mentira, mais corrupção, mais
precariedade...
Há quem afirme que o desemprego está a diminuir,
mas ninguém comprova. Há quem afirme que os portugueses estão a levantar mais
dinheiro, mas ninguém explica quanto é a crédito.
No que me diz respeito, para além de estar mais
velho, as despesas com a saúde aumentam, as despesas com apoio a familiares
crescem. Os encargos financeiros são cada vez maiores e os rendimentos são cada
vez menores.
O meu caso só é significativo porque,
infelizmente, ele é a expressão da situação vivida por um número cada vez maior
de portugueses.
Como não alimento
esperanças sebásticas, desejo a todos um 2015 com saúde e juízo.
A mentira na primeira página… a retificação na página 4 - Natal de Costa
«Ao
contrário do que o i noticiou na edição de ontem, o líder do PS António Costa
não passou o Natal a 30 quilómetros de Évora, em Montemor-o-Novo. Pelo erro
pedimos desculpa aos leitores e a António Costa.»
Como leitor, gostaria de conhecer o critério
editorial que permitiu tamanha asneira. A não ser que não se trate de
disparate, mas de propósito bem diverso: pôr em causa a idoneidade do
secretário-geral do Partido Socialista Será
que José Sócrates tem razão? A «infâmia» visa desqualificar quem possa fazer
sombra a quem nos desgoverna…
29.12.14
Diário de
Notícias 150 anos, imperdível...
«Escripto em linguagem decente e urbana, as
suas columnas são absolutamente vedadas á exposição dos actos da vida
particular do cidadão, ás injúrias, ás alusões deshonestas e reconvenções
insidiosas. É, pois, um jornal de todos e para todos - para pobres
e ricos de ambos os sexos e de todas as condições, classes e partidos.» Excerto
do Editorial da primeira edição, 29 de dezembro de 1864.
Do editorial de Eduardo Coelho, gostaria de destacar um princípio: o respeito pela vida privada. Se hoje esse princípio fosse aplicado, quantos órgãos de comunicação social sobreviveriam?
O número de hoje é imperdível! Vai levar tempo a
ler.
O DN convidou 15 dos principais autores
portugueses a regressar a um dia dos últimos 150 anos... António Lobo Antunes
(22 de Junho de 1971), Afonso Cruz (E o dia é: hoje); António Mega Ferreira ( O
meu 5 de Outubro), Gonçalo M. Tavares ( 24 de Junho de 1914 - Diálogos), Hélia
Correia (Paris, 29 de Maio de 1913), J. Rentes de Carvalho (8 de Maio de 1945),
Lídia Jorge (Nevão de 1954), Luísa Costa Gomes (17 de Maio de 1959), Manuel
Alegre (31 de Maio de 1958), Maria Teresa Horta (Aquele dia mágico de Janeiro de
1960), Mário de Carvalho (16 de Maio de 1958), Mário Cláudio (6 de Novembro de
1941), Miguel Sousa Tavares (7 de Junho de 1944), Nuno Júdice (29 de Dezembro
de 1935), Valter Hugo Mãe (12 de Agosto de 1978)...
E não só!
Os jornais noticiam as dívidas dos governantes e
ninguém coloca dúvidas...
Como é que o vencimento de um ministro ou de um
secretário de estado suporta empréstimos no valor de 300.000 ou 400.000 euros?
Quem é que avalizou tal procedimento a longo prazo?
Será que, também, têm amigos prontos a abrir os cordões
à bolsa, começando por lhes 'adquirir' o património?
Os amigos em Portugal são verdadeiros
filantropos. Basta pensar naquele amigo que deu uma prenda de 14 milhões de
euros e naquele outro que paga todas as contas, sem exigir contrapartidas...
E não há só amigos, há também instituições
amigas. Fundações, institutos e organismos, como a Caixa Geral de Aposentações.
Esta vai ao ponto de telefonar a quem solicitou a aposentação em 2012,
perguntando se afinal deseja aposentar-se no final de 2014 ou prefere fazê-lo
lá para o verão de 2015... sempre à luz da lei orçamental de 2012...
O gesto é simpático, mas quem pediu a aposentação
em 2013 ou em 2014, mesmo se com mais anos de serviço, é fortemente penalizado
pela Lei da convergência de pensões...
A Lei nº 11/2014, de 6 de Março, passou a ser aplicada a quem solicitou a
aposentação em 2013 e deixa de
fora aqueles que o fizeram em 2012... e que, por favor amigo, vão adiando a
saída...
I - João
Perna cumpria escrupulosamente aquilo que lhe pediam. E se lhe entregavam o que
quer que fosse, embrulhos, pacotes, malas - e não estou a dizer que ele
transportava, mas se transportasse - ele nunca iria abrir o que quer que fosse. Ricardo
Candeias, i, 27.12.2014
Em síntese: João Perna não saberia o que quer que
fosse.
II - D. António Monteiro, bispo de
Aveiro, em entrevista a Rosa Ramos, i, 27.12.2014:
Queria ser bispo?
De maneira nenhuma.
Porquê?
Quando sentimos o
chamamento é para o sacerdócio e realizamo-nos como padres. O ser bispo... é a
Igreja que nos chama. Ser padre é uma vocação e ser bispo também tem de ser,
mas enquanto eu escolhi ser padre não escolhi ser bispo. Escolheram-me. E digo
muito honestamente que estava longe das minhas ideias e dos meus propósitos.
Nem nunca imaginei.
...Pois, eu conheci um padre que abandonou a vida
sacerdotal porque a Igreja não o escolheu como bispo...
Enfim, a modéstia pode ser uma arte!
b) A maioria está contente com o corpo que tem,
as raparigas menos...
c) Na escola, gostam mais dos intervalos... e
menos das aulas e da comida da cantina...
d) A maioria dos rapazes joga meia hora ou menos
por semana, usando o computador para conversar, aceder à internet e fazer os
TPC, durante uma três horas por semana...
e) 89% dos adolescentes dizem que nunca estiveram
envolvidos em cyberbullying.
f) 84% nunca experimentou tabaco; 59%, álcool;
94%, drogas ilegais.
g)8,8 numa escala de 10, sentem-se muito apoiados
pela família...
26.12.14
O Livro do Ano, de Afonso Cruz
Desde que saibamos escrever o nome e a morada,
estaremos aptos a ler os pequenos textos. E se não soubermos ler, poderemos
observar as ilustrações...
Bastam 30 minutos para ler O Livro do Ano,
de Afonso Cruz, a não ser que comecemos a saborear cada registo dos dias e das estações. Saborear e não comer ou devorar
como fazem «os senhores do Instituto das Pessoas Normais»!
É um livro que se recomenda a si próprio, sobretudo para os dias frios de
Dezembro:
«Para aquecer o corpo, o melhor
é uma lareira. Mas, para aquecer
a parte de dentro do corpo,
o melhor é ler.»
pois ainda temos de a revelar ou digitalizar.
A pessoa na fotografia é sempre mais nova
do que a pessoa retratada, não é?
É, disse o meu irmão, o melhor que conseguimos
fazer é fotografar o passado.»
25.12.14
É noite de Natal!
Ainda não deve ter feito 30 anos, encostado ao capot de um automóvel numa rua mal iluminada, cabeça descaída, parece dormitar. As mãos tremem-lhe incapazes de alcançar os pertences espalhados sobre o veículo...
As sombras abatem-se sobre o lugar, os carros
deixaram de circular. Duma varanda, elevam-se ritmos tropicais. Na esplanada
mais próxima, dois indianos bebericam, alheados...
O rapaz sem nome continua tão só que se torna
impossível saber se ele tem consciência disso...
É noite de Natal!
24.12.14
O Natal e o Ano Novo exacerbam…
O Natal e o Ano Novo exacerbam o que há de bom e
de mau em cada um de nós. A fantasia apresenta-se sob a forma de mesa farta, de
bulício, de prendas previsíveis e, frequentemente, supérfluas... Para o mês de
Janeiro transitam a pobreza e a depressão!
Como tenho mau feitio, não me vou alongar mais.
Vou deixar o foguetório para o Governo, anunciado, desde já, pela hipnose
coletiva.
Valha-nos o Papa Francisco!
Boas Festas!
23.12.14
Ainda decorre a entrevista ao ex-ministro das
finanças, Teixeira dos Santos, e já os mabecos correm para a antena. A
publicidade prolonga-se enquanto lhes aparam as garras e as sobrancelhas. Caruma,
26.06.2013
Nada tenho contra os jornalistas, considero-os
essenciais numa democracia responsável. Há, porém, um grupo que deveria ser
enxotado - os mabecos. Um
termo que terei furtado ao Mário de Carvalho ou a algum escritor angolano,
provavelmente a Pepetela ou a Ruy Duarte de Carvalho.
Na novela Ocaso de Carvangel, Mário
de Carvalho apresenta os mabecos do
seguinte modo: «A razoável distância,
paralelo à estrada, acompanhava-os a trote leve um grupo de pequenos animais
pardos, de que mal se distinguiam os contornos.»
Este aparente desvario vem a propósito da família
de José Sócrates não o poder visitar no Estabelecimento Prisional de Évora sem
ser filmada e enxovalhada. Falta por lá (e por cá) o cocheiro de Carvangel!
(Nesta
quadra em que o consume explode, recomendo como presente de Natal a leitura
de VARANDIM de Mário
de Carvalho. Esta novela ilustra, à saciedade, o fascínio pela desgraça alheia
e como o feitiço se pode virar facilmente contra os feiticeiros.)
Nota: mabeco - cão bravio africano (origem
obscura).
22.12.14
«Mossul
foi conquistada em quatro dias, num combate entre 300 jihadistas e 20 mil
soldados iraquianos.»
Lembra os cronicões medievais: um grupo minúsculo
de crentes ao serviço do 'Deus verdadeiro 'derrota um exército infinitamente
grande de infiéis, de cães...
Que mais dizer? Já era assim no tempo das
Cruzadas! Já era assim em Ourique e em Aljubarrota!
Desta vez, o cronista é o alemão Juergen
Todenhoefer. Tem 74 anos e idade para ter juízo! No entanto, declarou à CNN que
o fervor das populações locais é quase um entusiasmo extático, algo que nunca
tinha visto em qualquer outra zona de guerra.»
Fica, porém, uma dúvida: Qual é sentido da
expressão «quase um entusiasmo extático»?
21.12.14
No princípio era o pai e a religião. Caso
quisesse reformular, poderia ter escrito ' no princípio era o pai e Deus', mas
não, pois excluiria a mãe e era ela quem melhor agia em conformidade com a
religião, na qual, para além do Coração de Jesus, cabiam Santa Teresa de Ávila
e Santo António, para além da inevitável Sagrada Família... sem esquecer Santa
Bárbara e a Senhora de Fátima...
Logo a seguir, surgiam a Escola e a Capela.
Talvez antes devesse ter colocado o Trabalho! O pai, sem os meios para poder
pagar a jorna aos trabalhadores, não prescindia do trabalho gratuito dos
filhos. Gratuito, nem pensar! Afinal, quem é que os sustentava e pagava a
dormida?
A Capela exigia a presença dominical, não fosse o
cristão transviar-se da palavra de Deus. Para evitar alheamentos, o Padre
(outro pai!), por vezes, irado, apelava à FÉ e advertia contra a Razão - o
logos demoníaco...
A Escola rivalizava com o Trabalho. Situada perto
da Capela, a Escola surgia no planalto, de costas para a Serra. Era igual a
todas as escola do Estado Novo e lá dentro, no altar-mor, não faltava o quadro
preto, sob a Cruz ladeada dos algozes do Templo: Américo Tomás e Oliveira
Salazar. A Escola, no entanto, parecia ser o caminho da redenção individual.
Era lá que uns tantos descobriam o meio de se desligarem do LUGAR em que tinham
visto a Luz.
Pensava-se que a Escola era a porta para outra
dimensão. Só que o caminho não era linear... abria-se num abismo impossível de
ultrapassar sem recurso ao Templo...
Tudo fora delineado, deixando o EU de fora. Ao EU
só restava ter FÉ ou fingir que tinha FÉ ou angustiar-se por a não encontrar...
(Não sei
bem porquê, estas foram as ideias que se me instalaram manhã cedo no cérebro e,
aqui, deixam de fora a Casa, as Casas... todas elas irremediavelmente perdidas.)
20.12.14
O grupo jihadista
Estado Islâmico (EI) executou cem dos seus combatentes estrangeiros, que
tentavam fugir da cidade de Raqqa, no norte da Síria, avançou hoje o jornal
britânico Financial Times.
Sempre vi a FÉ em Deus, qualquer que ele seja, como sinal de entrega total
ao IGNOTO DEO. Como sinal de sacrifício da própria vida. Um sacrifício
extraordinário ao serviço do DESCONHECIDO!
Pessoalmente, nunca senti essa FÉ! Talvez, por
fraqueza minha, no entanto, disfarçada pelo primado da RAZÃO, apesar de cada
vez mais fragilizada...
Este preâmbulo serve para explicar que os
combatentes estrangeiros, ao serviço do Estado Islâmico, parecem não ser assim
tão diferentes de mim. Na iminência da morte, esquecem a FÉ e desertam...
Só que eu nunca senti esse fascínio pela glória
e, sobretudo, pelo dinheiro!
A História ensina que a FÉ dos combatentes
estrangeiros não é distinta da FÉ dos mercenários.
Pessoalmente, dispenso a FÉ dos jihadistas e a FÉ
dos mercenários! Embora o signo seja o mesmo, o significado é diferente...
19.12.14
Mário de Carvalho e as regras do Marquês de Queensberry
Na página 45 da obra O Varandim seguido
de Ocaso em Carvangel, Mário de Carvalho compara o
primeiro-ministro a «um pugilista
experimentado, sem alguma vez transgredir as regras do marquês de Queensberry»,
dando expressão a uma arte de argumentar exemplar...
Esta associação da atividade política ao boxe
profissional leva-me a transcrever um
excerto http://www.boxergs.com.br/associa1.htm:
No final do século XIX, o boxe amador estava
bastante difundido na Inglaterra, fazendo inclusive parte dos estudos
obrigatórios nas escolas mais tradicionais inglesas. Por exemplo, na época, era
famoso o torneio anual de boxe amador entre os alunos de Oxford e Cambridge, as
duas mais tradicionais e importantes universidades da Inglaterra.
Como as Regras de Londres eram apropriadas apenas
para boxe sem luvas, John Graham Chambers, proprietário de uma academia de boxe
amador em Londres, escreveu um detalhado conjunto de regras para boxe com luvas
e para prática por amadores. Como tal, introduziu rounds com a duração
fixa de três minutos, lutas com duração limitada de rounds e outras medidas de
proteção.
Como Chambers tinha apenas 24 anos de idade,
procurou um padrinho de peso para suas regras. Esse acabou sendo um colega de
escola, jovem como ele, mas de uma importante família aristocrata: o Marquês de
Queensberry, que ficou imortalizado emprestando seu nome às tais regras.
Inicialmente, os profissionais ridicularizaram as
Regras de Queensberry. Contudo, a perseguição inclemente, tanto da polícia
inglesa como americana, aos praticantes do boxe sem luvas fez com que os
profissionais também passassem a lutar sob as regras do marquês.
18.12.14
«Não
imaginemos o sentido como uma relação oculta que o espírito estabelece entre
uma palavra e uma coisa, nem que esta relação contém a totalidade dos usos de
uma palavra, tal como se poderia dizer que a semente contém a árvore.» Ludwig
Wittgenstein, O Livro Azul.
1.
'Imaginar' só acontece quando a mente combina
imagens, isto é, estabelece relações, não entre objetos (físicos), mas entre as
representações mentais que deles fazemos. Se no procedimento existe mistério
não sei! De qualquer modo, submetemo-nos à convenção para que a sociabilidade
não se perca.
2.
Não sei o que seria da Religião e da Poesia se,
de repente, o 'oculto' desaparecesse. O Simbolismo extinto e substituído pelo
USO... a descrição imperaria até à náusea absoluta! Toda a iconografia
abolida!
3.
Dar forma à totalidade dos usos mataria qualquer
relação. Nem sequer as metonímias sobreviveriam!
4.
Por este andar, afirmar que a semente contém a
árvore não faz qualquer sentido, nem em potência...
5.
Condenar Sócrates por corromper a juventude não
faz sentido, pois o Tribunal não conseguiu identificar as vítimas. Que se
saiba, nenhuma apresentou pessoalmente queixa!
6.
Chegado à última página do Livro Azul, estou por
perceber a razão do adjetivo. Será que o caderno do filósofo era 'azul'? Ou o
livro só era 'azul' para ele por uma qualquer relação oculta que me escapa? E
ainda me falta ler o Livro Castanho!
16.12.14
Do lado direito, quatro jovens conversam
animadamente, indiferentes àqueles que, num último esforço, procuram recuperar
o tempo perdido.
Do lado esquerdo, outro jovem dorme
descaradamente, depois de uma breve incursão por um descarnado "amor de
perdição"...
Ao centro, o grupo dos mais interessados, apesar
de alguns se manterem distantes como se algo os obrigasse a estar presentes. Em
certos momentos, o silêncio surge, não por milagre, mas por respeito à
veemência discursiva do apresentador...
Hoje, por um momento, Os Demónios de
Dostoievski saíram da penumbra. Traziam com eles todos os fantasmas
nietzschianos...
(Na
realidade, do século XIX pouco resta consciente, apesar de vencidos pelo mais
brutal que há na filosofia alemã.)
15.12.14
«O sentido
que tem para nós uma expressão é caracterizado pelo uso que dela fazemos.» Ludwig Wittgenstein, O LIVRO
AZUL.
Quando alguém afirma "há um prazo para a
tarefa", espera-se que o interlocutor compreenda o sentido de «prazo», o
associe à gramática do tempo, não se deixando cair «na última hora» ... «Deixar
tudo para a última hora», para além de revelar falta de brio, mostra o uso
incorreto do termo, como se a fronteira se tivesse diluído no éter.
Na véspera do último dia de aulas do primeiro
período, continuo a receber trabalhos de «última hora». Os seus autores
esperam, assim, melhorar a classificação que, por definição, deve corresponder
ao resultado da avaliação contínua.
Por este andar, irão gastar a vida sem chegar a
compreender o sentido do «prazo». Sempre a adiar até que o prazo se esgote
definitivamente...
14.12.14
Desfeita a rotunda, subi na direção da vivenda em
ruínas no centro de um terreno que, por vezes, me desperta o instinto agrário,
se tal existe... Desta vez, apenas confirmei que o prédio ainda continua à
venda, pois a minha atenção desviou-se para um desconjuntado número de
indivíduos imóveis. Estavam defronte do Centro Cristão da Cidade, de costas
voltadas para a Casa de Repouso das Irmãs...Não me parece que este grupo
esperasse pelo momento de reflexão bíblica promovida pelo Pr. Mário Rui, mentor
de uma congregação do Centro Cristão Vida Abundante. Cada um daqueles
indivíduos, de idade compreendida entre os trinta e os 50 anos, estava em
silêncio e tinha em comum o castanho-sujo e pálido...
Do outro lado da rua, adjacente à Casa da Cidade, sobre uma mesa com cerca de
dois metros, eram visíveis caixas fechadas. Não muitas! Algumas senhoras
sorridentes cercavam a mesa como se o banquete estivesse pronto a ser
servido...
E eu passei, pensando que a estatística governamental se deve ter esquecido
daqueles homens ali parados à espera...
13.12.14
O frio súbito nas costas, no ventre, no pescoço,
nos pés não decorre da temperatura ambiente. Quanto maior é o agasalho, maior é
o estado de algidez local.
O pânico instala-se e o discurso torna-se
incoerente e cruel. A memória parece ausentar-se e os gestos desenvolvem
movimentos que lembram ritos litúrgicos.
Torna-se necessário repensar as possíveis causas
do arrefecimento corporal e, sobretudo, procurar o sentido da correlação com o
processo mental... Aparentemente, é a mente que é afetada pela hipotermia.
De momento, a perturbação parece diminuir... No
entanto, as rotinas continuam redundantes.
12.12.14
«... O sentido em que dizemos que uma imagem é
uma imagem, é determinado pelo modo como a comparamos com a realidade.» Ludwig Wittgenstein, O
Livro Azul.
Há quem tudo faça pela imagem. Pode ser uma
imagem de beleza, de harmonia, de qualidade, por junto ou em separado. Uma
beleza postiça, uma harmonia martelada, uma qualidade herdada...
Em vez de compararmos a imagem com a realidade,
preferimos fantasiar a realidade. A época de Natal é, por excelência, o tempo
da imagem... o tempo em que se esconde a violência, o insucesso, a pobreza, a
doença, a injustiça... E o melhor é não falar mais disso!
Ignoremos o modo!
10.12.14
Os humanos são grandes caçadores no desenho de Jorge Castanho
«Não sei se
o desenhador, Jorge Castanho, vive fascinado pelo bestiário medieval,
parece-me, no entanto, que ele foge do peso dos homens...»
Há tempos ousei rabiscar meia dúzia de ideias
sobre os desenhos expostos no CAM, sugerindo que este investigador não teria
como principal fonte os bestiários medievais, no sentido em que se inspiraria
em textos e ilustrações imaginários.
(...)
Hoje, ao relembrar METAMORFOSE de Franz KAFKA,
senti que este autor poderá ter tido alguma influência no modo como o Jorge lê
a realidade... Uma realidade espumosa em que o ser humano se deixa facilmente afetar
pela imagem.
Quero com isto dizer
que os pavões se deslumbram de tal modo com as próprias penas que não se
apercebem quão injustos podem ser quando a informação transmitida é parcial e,
escandalosamente, omissa. Não querendo incorrer no mesmo erro, aqui
confesso que a fotografia de Jorge Castanho e da sua criatura imaginada é do
poeta António Souto.
E como não quero dizer mais do que o necessário,
vou vestir a pele de HOCHIGAN:
«Descartes
refere que os macacos podiam falar se quisessem, mas que resolveram guardar
silêncio para que os não obrigassem a trabalhar. Os Bosquímanos da África do
Sul acreditam que houve um tempo em que todos os animais podiam falar. Hochigan
incomodava os animais e um dia desapareceu e levou consigo esse dom.»
Jorge Luis Borges e Margarita Guerrero, O Livro dos Seres
Imaginários.
Para terminar este monólogo, vale a pena
assinalar que O LIVRO DOS SERES IMAGINÁRIOS contém a descrição de cento e
dezasseis monstros que povoaram as mitologias e as religiões... o que me leva
acrescentar que, também, não devemos descurar os monstros gerados pela
Literatura e, sobretudo, os que nos circundam... Portanto, a matéria para
entreter o lápis do Jorge Castanho é abundante e vária.
E já agora acrescento uns esclarecedores versos
de Porfírio da Silva, da sua obra Poética, MONSTROS ANTIGOS:
Os humanos são grandes caçadores.
O animal mais fácil de ferir é o amigo.
É o que se chega mais perto:
aninha-se nas sombras frescas
à espera de uma ceia de palavras
e aí fica ao alcance das pedras.
(...)
9.12.14
Os telómeros vistos por Miguel
Godinho Ferreira
O cientista Miguel Godinho Ferreira obrigou-me,
hoje, a pensar no meu próprio envelhecimento. Para tanto bastou que ele, em
pleno Auditório da Escola Secundária de Camões, tivesse abordado a questão do «envelhecimento e o
relógio dos cromossomas».
Inicialmente, a minha curiosidade (palavra-chave
para o cientista) centrava-se na compreensão do termo 'telómeros', só que com o desenrolar do colóquio (de facto, M.G.F.
procurou dialogar com a adolescente assistência), comecei a perceber que
poderia contrariar uma decisão por mim tomada dias antes. Certamente por
ignorância, decidira não tomar umas enzimas que me tinham sido prescritas...
Embora o cientista não tenha tido a preocupação
de definir o termo 'telómeros', acabei por deduzir que a telomerase designa uma
enzima (ou várias?) que controla a divisão celular, limitando a capacidade de
regeneração dos tecidos, o que causa o envelhecimento do indivíduo.
(...)
Paradoxalmente, houve alunos de Biologia que não
apreciaram o colóquio. Viram-no como um exercício especulativo e não como um
tempo em que o cientista dá conta das suas hipóteses, do diálogo com a
comunidade científica internacional, das experiências em curso, dos resultados
obtidos, e do regresso à formulação de novas hipóteses. A estes jovens
falta-lhes a curiosidade ou, pelo menos, o motivo, como aconteceu comigo.
Mesmo em termos especulativos, estes alunos não
registaram algumas proposições que merecem ser objeto de reflexão:
- Em ciência, a correlação não vale muito.
- A correlação não implica causalidade.
- A causa é algo muito mais complicado.
- A correlação é apenas um princípio.
Pessoalmente, registei a ideia de que já perdi a
capacidade de manter os meus telómeros... a não ser que ele (e a sua equipa de
investigadores da F.C. Gulbenkian) produza a enzima necessária à recuperação
dos meus cada vez mais reduzidos telómeros...
8.12.14
As analogias são tramadas e fraudulentas
Somos tentados a pensar que existe um estado ou um acontecimento
psíquico particular, conhecimento do lugar, que deve preceder todo o ato
deliberado de apontar, todo o movimento em direção a algo. Pensem no caso
análogo: "Apenas se pode obedecer a uma ordem depois de a
ter compreendido." Ludwig Wittgenstein, O Livro Azul.
As analogias são tramadas e fraudulentas! No caso
em questão, apontar-se-ia o lugar referido, porque se estava a vê-lo.
Esta ideia de que existe um estado ou um acontecimento psíquico que deve preceder todo o
ato deliberado sempre me atormentou. Nunca compreendi por que motivo
quiseram que eu acreditasse na existência de Deus, sem que eu o tivesse visto
previamente. Por outro lado, em particular para os céticos como eu, Deus
ter-se-á feito substituir pelo filho, Jesus Cristo, para que nós o pudéssemos
assassinar. E aí, sim! Tudo seria inteligível, só que os Judeus recusaram-se a
ver no «ladrão crucificado» o Messias que, pela calada da noite, se evadiu da
cova, ressuscitando...
(Esta ideia da ressurreição, que eu tomara como
um poderoso mito, tal como o da virgindade de sua mãe, começa a preocupar-me.
Parece que já há 4 portugueses mergulhados em hidrogénio, de cabeça para baixo,
e que terão gastado 150 mil euros cada um para assegurar o regresso à vida,
logo que a ciência resolva o problema da morte. Cheira-me a intermitências da morte!)
Este parêntese tem a virtude de, por instantes,
me fazer acreditar no Quinto Império e no seu imperador, Sebastião de
Alcácer..., oficialmente desaparecido no areal Quibir, embora desconfie que
tenha pagado uma bela maquia para que o submetessem a congelamento
criogénico. (maquia: reminiscência árabe)
Quanto à obediência a uma ordem também tenho
dificuldade em aceitar que haja uma qualquer relação com a compreensão
prévia... Em termos gramaticais, estamos a viver num tempo em que as
correlações são desprovidas de sentido.
A talho de foice, termino com uma nova acusação a
José Sócrates. Se ontem, uma casa ardeu perto do Estabelecimento Prisional de
Évora, a culpa só pode ser dele. Afinal, já todos o conhecíamos como
incendiário... E se ele se encontra detido perto da casa ardida, quem é que lhe
poderia ter ateado o fogo?
7.12.14
Sancho. Que quereis ao
Senhor Governador?
Homem. Senhor
Governador, peço justiça.
Sancho. Pois de que
quereis que vos faça justiça?
Homem. Quero justiça.
Sancho. É boa teima!
Homem do diabo, que justiça quereis? Não sabeis que há muitas castas de justiça? Porque há justiça direita, há
justiça torta, há justiça vesga, há justiça cega e finalmente há justiça com
velidas e cataratas nos olhos.
António José da Silva, Vida do Grande D.
Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança
Mário Soares celebra 90 anos. Talvez bastasse dizer que Mário Soares faz 90 anos, mas não, é
necessário assinalar a data, porque, entre outros feitos mais ou menos
verosímeis, é lhe atribuída a paternidade desta democracia que levou
preventivamente Sócrates à cadeia, que leva preventivamente milhares de outros
cidadãos a esperar que a Justiça apure a respetiva acusação...
A diferença entre os políticos e a generalidade
dos cidadãos é que compete aos primeiros zelar para que a igualdade não seja
apenas uma figura de retórica.
Neste dia 7 de Dezembro de 2014, há quem celebre
a democracia em lautos banquetes enquanto muitos portugueses esperam pelo final
do repasto para colherem as migalhas...
5.12.14
Hoje vi parte do filme O Passado, do
iraniano Asghar Farhadi, e
fiquei perplexo: não se enxerga qualquer futuro e o próprio presente é
insuportável, porque incapaz de se libertar do passado. Neste caso, dos
passados, porque cada personagem tem o seu e nenhum coincide verdadeiramente.
Daí a suspensão e a suspeita que vai arrastando todos, ia a dizer para um beco
sem saída, mas tal não acontece porque cada ser tem o seu beco...
Ontem assisti a uma apresentação de um livro de
poemas, e a apresentadora deixou-me suspenso, porque não viu o futuro nos
versos do poeta-amigo. Talvez um brilhozinho e nada mais! E a divina leitora
acabou por concluir que a poesia nada nos oferece que tenha futuro, a não ser a
própria, a poesia, em casos excecionais... Naquele momento, pensei, de
imediato, nos profetas, nos poetas-profetas! E lembrei-me dos épicos e daqueles
prosadores-poetas que iam ao ponto de escrever a História do Futuro. Entre
todos, o «imperador da língua portuguesa, o António Vieira! Fiquei um pouco
triste, talvez seja mais correto dizer, melancólico, porque o amigo António
Souto não teria esse dom da profecia. Afinal, este António parece ser mais um
poeta lírico!
Entretanto, no meio de diversos afazeres
escolásticos, decidi fazer uma daquelas leituras que a poucos lembram. Pus-me a
ler O LIVRO AZUL, de Ludwig Wittgenstein. Por isso, desde ontem que não deixo
de pensar na seguintes proposições inspiradas nas preocupações de Santo
Agostinho que, noutro tempo, se terá interrogado se é possível medir o tempo:
«O passado não pode ser medido porque passou, e o
futuro não pode ser medido porque ainda não existe. E o presente não pode ser
medido porque não tem extensão.»
Quem, com tudo isto, se encontra num beco sem
saída sou eu. Ou será que, afinal, o passado pode ser dito porque
passou e, na verdade nada pode ser dito do que não tem extensão e do que ainda
não existe?
4.12.14
«Digamo-lo
sem rodeios: o "sistema" vive da cobardia dos políticos, da
cumplicidade de alguns jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores
de Direito e do desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto. De resto,
basta-lhes dizer: "Deixem a justiça funcionar".»
Embora não saiba quem tem razão, se a acusação se
o arguido, não posso deixar de pensar que José Sócrates acusa os jornalistas de
cumplicidade e utiliza a comunicação social como suporte para a sua defesa...
Não posso deixar de pensar que José Sócrates
acusa as faculdades e os professores de Direito de cinismo, e procura nas
faculdades estrangeiros o prestígio académico que desde sempre lhe faltou...
Não posso deixar de pensar que José Sócrates
censura a cobardia dos políticos, e que os seus melhores amigos fazem quase
todos parte dessa classe política que, hoje, se desloca em peregrinação ao
estabelecimento prisional pressionando a decisão judicial e alimentando um
folhetim comunicacional inócuo...
Não posso deixar de pensar que José Sócrates, ao
referir-se ao desprezo das pessoas decentes, esquece o tempo em que a
indecência grassou no país que nem cogumelos...
A pobreza da maioria dos portugueses resulta da
ação política de governantes que sempre desprezaram as pessoas decentes. E como
José Sócrates bem sabe, ele foi primeiro-ministro de um país em que os recursos
financeiros e económicos foram esbanjados ou capturados por grupos que
cresceram à sombra do poder.
Com razão ou sem razão, José Sócrates bem poderia
aproveitar o tempo para escrever um livro sobre o modo como os tentáculos se
foram preparando para asfixiar a cabeça do polvo.
3.12.14
«Se a
leitura não fizesse pensar, não seria um prazer nem seria um meio de cultura.»
Álvaro Ribeiro, in Sorer Kierkegaard, O Banquete.
Há quem leia pouco e chegue a confessar que nada
lê. Por outro lado, do pouco que se lê, a preferência vai para o entretenimento
gratuito ou para a boçalidade bestial - quanto mais calão, melhor!
O enunciado diário vai ficando reduzido ao bocejo
e à latrina!
Incapaz de argumentar, por ignorância da matéria
e por ausência de objetivos, o português simula argumentos que, na verdade,
confunde com exemplos, quase sempre selecionados no que de pior existe em cada
um de nós...
(...)
É verdadeiramente desesperante observar o
discurso dominante, mesmo entre as chamadas elites. Ainda há poucos minutos,
ouvi um distinto comentador exclamar alto e bom som que o país está condenado
porque os governantes, nos últimos anos, destruíram a classe média. Pacheco
Pereira apregoava do púlpito ao país que, sem classe média, não é possível a
recuperação da economia...
Esta ideia da classe média é tão retrógrada!
(...)
Já um outro pensador lusitano, alter ego do Presidente da
República, ao refletir sobre o fenómeno da emigração, não tanto sobre as causas,
mas, sim, sobre a diminuição das remessas e sobre o perigo dos jovens não
quererem voltar, assegurava que a Presidência irá promover um congresso
primaveril, em 2015, que apele ao retorno, de preferência, com mais saber e
experiência e, sobretudo, com as malas cheias de libras, dólares e euros... No
essencial, este ilustre pensador até defende que partir faz bem à alma lusitana.
1.12.14
Já vos disse? Os valores e os heróis
Já vos
disse? É assim que o Pai / Presidente Barack Obama se dirige às
filhas, apresentando-lhes, em tom litúrgico, os valores e os heróis que melhor os consubstanciam: a
criação ( Georgia O'Keiffe); a inteligência (Albert Einstein); a coragem (
Jackie Robinson); a cura ( Touro Sentado); a música (Billie Holiday); a
valentia (Hellen Keller); o sacrifício ( Maya Lin); a bondade ( Jane Addams); a
resistência ( Martin Luther King Jr.); a aventura (Neil Armstrong); a fonte
inspiradora (Cesar Chavez); a família (Abraham Lincoln); o orgulho de ser
americano (George Washington)...
E Barack Obama, em DE TI EU CANTO - Carta às minhas filhas, termina:
Já vos disse que todos são uma parte da vossa
identidade?
Uma bela mensagem. muito bem ilustrada por Loren
Long, que, infelizmente não inspira, neste tempo de provação, o nosso
Presidente. Hoje, dia da Restauração, poderia ter aproveitado para escrever uma
Carta aos netos...
Todos sabemos que o nosso Presidente prefere um
enunciado ligeiramente diferente: BEM VOS AVISEI!
30.11.14
«Nascemos sem saber fallar e morremos sem ter
sabido dizer. Passa-se nossa vida entre o silencio de quem está calado e o
silencio de quem não foi entendido, como uma abelha em torno de onde não ha
flores, paira incognito um inutil destino.» Pessoa Inédito, No
Jardim de Epicteto
Lembro que Fernando Pessoa nos deixou a 30 de
novembro de 1935.
O Tejo continua o mesmo do amanhecer e do
entardecer do Livro das Horas. Embora o Poeta tenha dito que do Tejo se vai
para o mundo, a verdade é que o Tejo no-lo devolveu inteiro para que nele
pudéssemos descansar nas boas e nas más horas...
Com ou sem flores, continuamos à espera de que o
gládio se ilumine e nos faça descortinar a praia da Verdade. De tempos a
tempos, o sino tange, e nós apressamos os passos inúteis...
Queremos falar, mas não sabemos o que dizer.
Esvoaçamos apenas!
Lembro agora o tempo
em que, juntos, encetámos um caminho sem lhe conhecer o rumo. Deu os frutos
esperados da «besta sadia». Já decorreram 40 anos em que fomos falando, mas, na
verdade, ainda não sabemos o que dizer... e provavelmente nunca saberemos. A vida
não passa de um INTERVALO!
29.11.14
Moins d’étrangers c’est
plus écologique
Na Suíça, tal como no Reino Unido e em França,
cresce o sentimento de rejeição do emigrante ... Paradoxalmente, na Suíça,
não há nenhum movimento que incite os suíços a rejeitarem os depósitos
bancários estrangeiros:
Menos capital estrangeiro seria mais ecológico!
28.11.14
O indigente é, por definição minha, alguém que
vive em estado de penúria voluntária.
O indigente pode ser inteligente, loquaz,
visionário, sedutor. Só não pode Ter!
O indigente não tem casa nem tem conta bancária,
abdica de qualquer pensão, embora não despreze viver numa bela mansão...
Despojado de bens materiais, o indigente cultiva
a amizade de Platão e senta-se à mesa de seus iguais. Por isso não espanta que
seja acusado de viver do que não é seu e de ser misógino, apesar de venerado
pelas mulheres...
O indigente detesta ser esquecido e por isso ama
a praça pública, o palco e o poder.
Qual Cristo, está pronto para beber o fel até à
última gota desde que possa regressar, não interessa o dia nem a hora...
O indigente é inteligente e misógino. Só não paga
impostos porque, por definição minha, não pode TER.
O indigente estuda Filosofia e Ciência Politica
porque só pode SER.
26.11.14
De certo modo, os amigos mudaram-se para a vida
virtual. Basta contar os amigos que cada um de nós tem nas redes sociais! Deles
pode esperar-se tudo, até o silêncio absoluto. Seguem-nos ou ignoram-nos de
acordo com as conveniências... E não se pode censurá-los por tal. É um novo
direito que, pela sua natureza, não impõe qualquer dever.
Ora, hoje, um daqueles amigos, que continua bem
agarrado à vida real, decidiu visitar outro amigo colocado atrás das grades por
tempo indeterminado. E claro, o inevitável aconteceu: o amigo de seu amigo
aborreceu-se com as perguntas da comunicação, dita social.
O amigo levantara-se cedo, porque tinha um dever
a cumprir: dar um abraço ao amigo "amordaçado". Na verdade, Mário
Soares vê José Sócrates como outrora via Portugal.
E não se pode levar a mal! Mário Soares continua
a viver no mundo real, enquanto a comunicação social vive no mundo virtual. Ele
tem o dever de visitar o amigo. Por seu turno, a comunicação social age de
acordo com as suas conveniências...
Nota de rodapé: Já alguém verificou a hipótese de
a comunicação social colocar escutas por conta própria?
25.11.14
44 = equilíbrio, sensatez, espírito filosófico. Disponibilidade para ler
livros cartesianos, em francês! Esta tendência revela, no entanto, um espírito
um tanto fin-de-siècle ou,
talvez, 68, que, se
fizermos as contas, nos traz... a 2014.
Bem vistas as coisas, foi no dia 24 que o suspeito ficou a saber o
que o Céu Sereno lhe
destinou! Assegurado o ócio, espero que José Sócrates o saiba desfrutar, (re)
lendo, por exemplo, as estâncias 96 a 99 do Canto VIII de Os Lusíadas, e tendo presente a
seguinte passagem da APOLOGIA DE SÓCRATES, de Platão:
«Atenienses,
se me tivesse dedicado à política, já estaria morto há muito tempo, sem ter
sido bom, nem para vós, nem para mim próprio. Não vos amofineis, por favor, por
me ouvirdes falar a verdade: nenhum homem pode evitar a condenação à morte se,
com franqueza, se opuser, ou a vós, ou à populaça, se procurar impedir que, no
Estado, se cometam atos injustos e ilegais. Quem combate de verdade pela
justiça, se desejar viver algum tempo, tem de se remeter à vida privada, e
evitar a participação na vida pública.»
24.11.14
O filme segue «dentro de momentos». São 20 horas
e 45 minutos e há mais de duas horas que o País espera por uma decisão...
Provavelmente, a culpa é da mediatização!
No entanto, resta saber se são os media os culpados desta espera
inclassificável ou se é o Ministério Público o verdadeiro responsável por este
atraso 'colossal'.
Enquanto espero, vou ler a peça de Samuel
Beckett, En attendand Godot. Esta peça foi criada no dia 5 de
Janeiro de 1953 no Teatro Babilónia...
VLADIMIR. - Que faire pour fêter cette réunion ? (Il réfléchit.) Lève-toi que je
t'embrasse. (Il tend la main à
Estragon.)
ESTRAGON (avec irritation). -
Tout à l'heure, tout à l'heure.
Silence.
VLADIMIR (froissé, froidement). Peut-on savoir où monsieur a passé la nuit ?
ESTRAGON. - Dans un fossé.
VLADIMIR (épaté). - Un fossé ! Où ça ?
ESTRAGON (sans geste). - Par là.
VLADIMIR. - Et on ne t'a pas battu ?
ESTRAGON. - Si... Pas trop.
VLADIMIR. - Toujours les mêmes ?
ESTRAGON. - Les mêmes ? Je ne sais pas.
Silence.
Dentro de momentos!
Já são 21 horas e cinquenta e cinco minutos.
Decisão: José Sócrates em prisão
preventiva! - A medida de coação mais gravosa.
SILÊNCIO.
23.11.14
Não sei se Sócrates é culpado ou não!
Sei, no entanto, que os indícios devem ser
fracos, caso contrário já todos teríamos conhecimento da decisão judicial...
Nesta situação, não são apenas quatro detidos que
esperam. É todo o país que espera.
E, amanhã, o país merecia regressar ao trabalho,
tranquilo, convencido de que a Justiça é nobre, não cedendo à tentação de
humilhar o suspeito, seja ele quem for. No caso, José Sócrates,
ex-primeiro-ministro de Portugal.
22.11.14
Argumentar contra a violência doméstica
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos.”
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1949), Art. 1º
Nas escolas, os alunos são convidados a escrever
textos argumentativos, mas, em geral, não o conseguem porque, em primeiro
lugar, não dominam o assunto e, principalmente, não o enquadram nem o
aprofundam. Acreditam que basta pegar numa folha de papel e aplicar uma
qualquer receita. Claro que a maioria fracassa!
O que aqui registo são meia dúzia de ideias que
dirijo a uma aluna desesperada que não consegue escrever um texto
argumentativo:
Todos nascemos iguais, mas não crescemos livres e iguais em dignidade e
direitos.
Tradicionalmente, a maioria das mulheres vivia
numa situação de tal dependência económica do marido ou, mesmo, do pai, que os
direitos humanos não se lhes aplicavam, designadamente o artigo 1º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem
Depois da segunda Guerra mundial, as mulheres
desempenharam um papel importante na reconstrução dos países. As mulheres
passaram a estudar e, sobretudo, passaram a ter uma carreira profissional, o
que lhes trouxe independência económica.
No entanto, a independência económica da mulher
não lhe garante a igualdade de direitos no agregado familiar, porque o homem (e
a mulher) não foi educado para uma relação diferente da que vivera na família
em que nascera… (uma das causas da violência)
Entretanto, a globalização trouxe o consumismo e
a precariedade no emprego e na vida quotidiana.
Uma precariedade que passou a atingir ambos os sexos.
É neste novo contexto que a insatisfação pessoal
e familiar cresce, trazendo de volta o autoritarismo e a violência do mais
forte contra o mais fraco.
Volta a colocar-se a questão de saber como
combater a violência doméstica, ela própria fruto da desigualdade social,
económica…
Assim, pode defender-se que a educação é uma das
soluções contra a violência. Deste modo, é preciso alterar radicalmente o
paradigma educativo.
A escola atual não satisfaz minimamente este
objetivo. Basta pensar nos casos em que os namorados consideram normal agredir
as namoradas, com a bênção paterna e materna, ou em que os alunos
agridem as professoras com a cumplicidade dos pais… e das
mães.
..
20.11.14
O Homem de Cristo tira mais um coelho da cartola
«Não quero
com isto dizer que temos de ser como os franceses. Apenas digo que temos margem
para tornar o nosso acesso ao ensino superior mais justo. Seja por via de
acesso livre (entram todos os que concluírem o secundário) ou por via de dar às
instituições autonomia para escolher os alunos (o que me parece mais
exequível).»
Artigo de A.H.C.: E se as notas não contassem para entrar na Universidade?
Gosto imenso de ler as reflexões deste cavo
pensador, sobretudo quando estou aborrecido e desligo o televisor para não ter
de esbarrar com o PP ou o PC ou a ML ou a PTC, isto sem falar dos comentadores
ajumentados (peço desculpa, se soar a jumentos...)
Desta vez, por um instante, concordei com o
Homem: - Para quê exames de acesso à Universidade? Que maçada! Entram todos e
pronto... ou será prontos?
Passado o devaneio, dei comigo a pensar que o
Homem de Cristo poderia ter apresentado um argumento ainda mais convincente: -
Para quê exames de acesso à Universidade se, à saída da mesma, as
classificações e os diplomas obtidos não servem para nada?
Como se teima no Ensino Secundário, para um bom
argumento é necessário um exemplo certeiro! Ora que melhor exemplo que o do
Ministro Crato que se está borrifando para as classificações de mestrados e
doutoramentos e já marcou a data do próximo exame para 20 de dezembro,
precisamente nas mesmíssimas universidades que tanto despreza!
Há, no entanto, um lado positivo, na proposta
cartesiana deste cavo pensador: Acaba o desemprego docente no ensino superior.
Ou será inferior?
19.11.14
Para o caso de haver quem acredite na
originalidade e não compreenda o que é a intertextualidade, vou citar Gonçallo
Anes, de alcunha o Bandarra,
que terá vivido na primeira metade do século XVI, no reinado de D. João III, o
qual, entre 1530 e 1540, compôs um conjunto de trovas sobre a decadência dos costumes e os futuros
destinos de Portugal. *
(...)
Forte nome he Portugal,
Um nome tão excellente,
He Rei de cabo poente,
Sobre todos principal.
Não se acha vosso igual
Rei de tal merecimento:
Não se acha, segun sento,
Do Poento ao Oriental.
Portugal he nome inteiro,
Nome de macho, se queres:
Os outros Reinos mulheres,
Como ferro sem azeiro;
E senão olha primeiro,
Portugal tem a fronteira,
Todos mudão a carreira
Com medo do seu rafeiro.
Portugal tem a bandeira
Com cinco Quinas no meio,
E segundo vejo, e creio,
Este he a cabeceira
E porá a sua cimeira,
Que em Calvário lhe foi dada,
E será Rei da manada
Que vem de longa carreira.
Este Rei tem tal nobreza,
Qual eu nunca vi em Rei:
Este guarda bem a lei
Da justiça, e da grandeza
Senhorea Sua Alteza
Todos os portos, e viagens,
Porque he Rei das passagens
Do Mar, e sua riqueza.
Este Rei tão excellente,
De quem tomei minha teima,
Não he de casta Goleima,
Mas de Reis primo, e parente.
Vem de mui alta semente
De todos quatro costados,
Todos Reis de primos grados
De Levante até ao Poente.
Serão os Reis concorrentes,
Quatro serão, e não mais;
Todos quatro principaes
Do Levante ao Poente.
Os outros Reis mui contentes
De o verem Imperador,
E havido por Senhor
Não por davidas, nem presentes.
Comendadores, Prelados,
Que as Igrejas comeis,
Traçareis, e volvereis
Por honra dos Tres Estados.
E os mais serão taxados;
Todos contribuirão
E haverá grande confusão
Em toda a sorte de estados.
Já o Leão he experto
Mui alerto,
Já acordou, anda caminho,
Tirará cedo do ninho
O porco, e he mui certo,
Fugirá para o deserto,
Do Leão, e seu bramido,
Demonstra que vai ferido
Desse bom Rei Encuberto.
(...)
Para o caso de haver quem acredite na
originalidade de Camões e de Pessoa, vale a pena olhar à volta e, sobretudo,
não desprezar a tradição. Nem sempre as fontes estão à vista ou, melhor, nem
sempre vemos as fontes porque vivemos de olhos fechados...
* Consultar: António Machado Pires, D.
Sebastião e O Encoberto, Fundação Calouste Gulbenkian.
17.11.14
A pergunta é do Conde D. Henrique: À espada em tuas mãos achada/ Teu olhar
desce. / «Que farei eu com esta espada?» // Ergueste-a, e fez-se.»
É a primeira vez que a guerra surge em Mensagem,
apesar da 1ª parte - Brasão -
surgir sob o lema BELLUM SINE BELLO.
A guerra é um dos fios condutores da obra. Um fio
místico, redentor, eivado das novelas de cavalaria medievais, do messianismo de
Vieira e do sebastianismo do século XIX...
Vale a pena tomar nota que os cavaleiros-heróis
são transformados em mitos, prontos a alimentar a ideologia do Estado Novo:
D. Afonso Henriques, o PAI: Dá (...) a bênção como espada / A espada como bênção!
D. Fernando, o Infante de Portugal, o FILHO: «Dá-me Deus o seu gládio, por que eu faça / a sua santa guerra (...) E eu vou, e a luz do gládio erguido dá / em minha face calma.»
Nun' Álvares Pereira, o CAVALEIRO: «Que auréola te cerca? / É a espada (...) / Mas que espada é que, erguida, / Faz esse halo no céu? / É Excalibur, a ungida, / Que o Rei Artur te deu. // Ergue a luz da tua espada / Para a estrada se ver!»
Na 2ª parte, Mar Português, apesar das vitórias não há sinal de espada, de gládio ou de Excalibur!
Só na 3ª parte, O Encoberto, surge O Desejado: Mestre de Paz, ergue o teu gládio ungido/ Excalibur do Fim, em jeito tal/ Que a sua luz ao mundo dividido / Revele o Santo Graal!
Embora a obra termine com a exortação - É a hora! -
o Poeta parece estar muito próximo do Apocalipse, abraçando o mito do Quinto
Império de Vieira, pois ao AÇO sempre preferiu a LUZ...
16.11.14
«Este fulgor baço da terra / Que é
Portugal a entristecer…» / Fernando Pessoa
Temos rei e temos lei,
temos paz e temos guerra.
Todos sabemos o que queremos,
todos conhecemos quem somos.
(Temos peritos em ansiedade
e até já não há nevoeiro!)
De nada serve ser inteiro
desde que se possa
deitar a mão ao dinheiro…
(…)
Há quem floresça num canteiro
e queira ser quem não é
Não importa se espinho
se erva daninha…
(…)
Para ti
que, longe de ti,
procuras quem és,
cava
e em ti acharás
quem és…
15.11.14
Se decidir ler Quando os Lobos Uivam (1959) de Aquilino Ribeiro, dê,
também, atenção ao estudo de Dulce Freire, Os Baldios da Discórdia: As
Comunidades Locais e o Estado, in Mundo Rural - Transformações e Resistência na Península Ibérica,
2004
Aquilino Ribeiro, mesmo que se por razões
pessoais*, não enjeitou a hipótese de tratar literariamente um tema que,
aparentemente, só dizia respeito a comunidades rurais conservadoras, ciosas de
preservar os baldios que cercavam os povoados e dos quais extraíam parte do seu
sustento...
Para Aquilino, o problema não era
"local", pois do outro lado estava o Estado, pronto a esburgar o povo
de uma das últimas fontes de sobrevivência, em nome de uma 'moderna' política
de florestação que, hoje, bem sabemos a quem aproveitou...
O povo 'retrógrado' sabia que a intervenção do
Estado raramente o favorecia... Tal como Aquilino sabia que a Literatura ao
ampliar o conflito, pode torná-lo bandeira de uma luta sem quartel contra o
despotismo e contra o nepotismo do Estado.
E foi o que aconteceu à época: O romance vendeu
9.000 exemplares em três meses...; Aquilino teve de enfrentar a PIDE e a
Censura, e o Estado Novo ficou mais desacreditado...
* Litígio
pessoal com funcionário dos Serviços Florestais em Sernancelhe, Viseu, que o
terá levado a ampliar os conflitos ocorridos na Serra de Leomil.
13.11.14
Hoje apresentaram-me Jeff Abbot ou melhor explicaram-me quão «viciante» pode ser a
leitura das obras de tal autor. Na tradução portuguesa, a obra em causa
intitula-se "Confia em Mim”. (...)
Jeff Abbott is the New York
Times bestselling, award-winning author of many mystery and suspense
novels. He has been called “one of the best thriller writers in the business (Washington Post).
Nos últimos anos, tenho sido testemunha de uma
verdadeira paixão pela leitura de autores 'anglo saxónicos'. Cada vez que me
apresentam uma nova "descoberta", imagino que o fascínio não é muito
diferente daquele que certos animais sentem pela fava seca: cai bem no estômago
e aumenta a adrenalina. Durante umas horas, a adrenalina sobe e a cavalgadura
fica eufórica; depois cai no abatimento até que nova dose lhe volte a cair no
cocho...
Nesta mesma semana, também me apresentaram "Os Emigrantes" (1928) de Ferreira de Castro. Fiquei feliz com
a opção, mas creio que fui só eu e aquele jovem que encontrou aquele romance lá
em casa e ousou lê-lo, porventura, porque sabia que eu gosto pouco de romances
em que "são todos bons rapazes e boas raparigas», mesmo que não saibam
interpretar o verso de Pessoa: «nem o que
é mal nem o que é bem».
Talvez porque rejeite a aculturação ou, mais grave ainda, a leitura como forma
de alienação, ao chegar a casa, "castiguei-me" com a tradução d'
UN APERÇU DE L'HISTOIRE DES KURDES, par Kendal NEZAN, Président
de l'Institut kurde de Paris, com a conclusão da leitura do estudo "Mobilización campesiña, clientelismo
politico e emigración de retorno, de Raúl Soutelo Vasquez, e com o
retorno a 100 Cartas a Ferreira de
Castro, edição da Câmara Municipal de Sintra, onde numa delas, a
propósito da leitura do romance Sangue
Negro (1923), Raul Brandão refere: «o senhor escreve sem se deter em pormenores
inúteis e escolhe sempre para o assunto, ao contrário do que fazem para
aí todos os fúteis, problemas cheios de grandeza e humanidade. É alguém.»
Cit. por Alberto Moreira, A Carta é de L. Consiglieri Sá Pereira.
11.11.14
Nas palavras de António Quadros, Fernando Pessoa
imprimiu em MENSAGEM «o seu ideal
patriótico, sebastianista e regenerador.» Plural 12, pág.110
Hoje, procurei que os alunos percebessem o
alcance de tal afirmação sem grande sucesso. Os poemas, escritos entre 1913 e
1934, visam despertar um povo descrente e adormecido para a necessidade de
retomar a «esperança» e a «vontade» que, outrora, conduziram os portugueses à
vitória sobre a NOITE e «o mar
anterior a nós». Um povo que, perdido o Brasil, humilhado pelas potências
europeias (Ultimatum), se vira a
braços com a bancarrota mais grave da nossa história; um povo que, depois
de se ter vingado no Rei, acreditou por instantes na República que,
rapidamente, o conduziu ao cadafalso em terras de África e de França, e à
desagregação moral e social; um povo que se vê obrigado a emigrar e, ao mesmo
tempo, assiste ao súbito enriquecimento de uns tantos...
É neste cenário que o Poeta, em nome de Portugal,
terá impresso o «ideal patriótico,
sebastianista e regenerador», tingindo a obra de esperança quanto à
refundação da Pátria e quanto à regeneração do estado mental da nação, mas,
deixando-se cair numa solução sebastianista que tão maus resultados viria a
trazer ao País.
Para que a mudança pudesse ser alcançada, o Poeta
entregou-se fervorosamente à mitificação dos
heróis fundadores e refundadores da Pátria, já que, na sua perspetiva, em cada
geração é necessário que Portugal se cumpra - Senhor, falta cumprir-se Portugal!
A novidade da obra reside, pois, no processo de
mitificação que, partindo da lenda (o NADA) ou da História (o TUDO), transforma
os heróis em exemplos «inteiros»
para quem é apenas «metade de nada»,
mas aspira a libertar-se do «sono do ócio
ignavo».
Ora, para Fernando Pessoa, 'aspirar' é sonhar, é
ter vontade de compreender, de fazer, de mudar, de corrigir... o que, HOJE,
parece continuar a faltar!
9.11.14
A leveza de Jorge Castanho no Centro de Arte Moderna Gulbenkian
«O fascínio
dos homens e, consequentemente, da arte pela natureza acontece desde sempre,
desde os animais gravados nas grutas de Lascaux, passando pelo bestiário
medieval – que os desenhos de Jorge Castanho são herdeiros e as únicas obras
expostas que não pertencem ao acervo do CAM…» Isabel Carlos e Patrícia
Rosas, in Animalia e Natureza na Coleção do CAM, 17 de outubro 2014 a 31 de
maio de 2015.
Não sei se o desenhador, Jorge Castanho, vive
fascinado pelo bestiário medieval, parece-me, no entanto, que ele foge do peso
dos homens porque, de tão adiposos, se torna difícil determinar os pontos a
partir dos quais o traço ganha fôlego e, principalmente, ganha vida. Como se
essa vida fosse o resultado de extensões longilíneas sensoriais!
Parece-me, assim, que o desenhador procura
capturar a eclosão da vida sensitiva.
De notar que neste dia encontrei quatro jovens
que, de fascinados pelos desenhos do Jorge Castanho, se sentaram no chão,
procurando reproduzi-los nos seus blocos de desenho.
Entretanto, percorri a restante exposição,
concebida a partir do universo de António Dacosta (1914-1990), tendo concluído
que vou voltar devido à qualidade do acervo. Mas só depois de ter relido La
Tentation de Saint Antoine, de Gustave Flaubert…
8.11.14
a) Nos últimos dias, o bobo deslocou-se à
Assembleia da República. Ao serviço de sua majestade, armou em mestre-escola, e
decidiu dar uma lição silabada a António Costa... Uma lição sobre o preço das
camas da hotelaria ulissiponense...
Uma lição patética de um ministro cujo governo
lança taxas sobre tudo quanto se move no reino.
b) Por coincidência, CARUMA acabara de gastar
umas linhas a determinar o raio de ação do VELHACO e, de imediato, percebeu que
o Bobo é necessariamente velhaco, nem que seja para esconder a real gulodice de
sua majestade...
c) Claro que o Bobo usufrui de menos privilégios
que o Velhaco. Por exemplo, um bobo nunca afirmaria, no final de uma viagem de
negócios: - FOI UMA MISSÃO E PÊRAS!
d) Amanhã, dois milhões de alemães vão estar em
Berlim para celebrar os 25 anos da queda do MURO e, por antecipação, CARUMA
interroga-se se o VELHACO que provocou tal derrocada também lá estará...
e) Andam por aí uns rapazes, bobos, que pensam
que têm ideias, como se tê-las fosse fácil! No fundo, não passam de uns
velhacos prontos a fazer trapaça... Até um Bobo sabe que não pode abusar da
bobice, pois corre o risco de indispor sua majestade, perdendo de uma assentada
a cabeça e qualquer sombra de ideia que pudesse conceber...
6.11.14
Há palavras cuja origem se perde nos fumos do
tempo. É o caso do termo 'velhaco'. Consta que a forma portuguesa resulta de um
empréstimo espanhol que, por sua vez, o terá roubado ao provençal
'bacalar", deixado ficar por algum celta mais matreiro ou, caso contrário,
mais ingénuo - bakallakos...
O certo é que esta manhã acordei com o 'velhaco'
na ponta da língua. Nas primeiras horas do dia não me saiu do pensamento. De
facto, há muito tempo que não oiço chamar 'velhaco' a ninguém, nem encontro tal
termo em qualquer obra mais recente.
Perplexo, interroguei-me se conheceria algum
velhaco ou alguma velhaca ou alguém capaz de cometer qualquer velhacaria, e a
minha língua desarmou-me. Deixou de fazer qualquer movimento e,
consequentemente, de se pronunciar sobre o assunto.
Retraído, regressei ao tempo em que havia
velhacos a torto e a direito. Um tempo longínquo, rural, apesar de distante da
raia espanhola. Nesse tempo, até eu, quando, atormentado por um molho de
serralhas para os coelhos, o escondia sob um pedregulho - até eu - ao regressar
a casa, era apelidado de velhaco, erva ruim...
Esta incompreensível fixação, logo que a língua
se contentou com a evocação do passado, atirando-me para a galeria dos velhacos
anónimos, levou-me, ao longo do dia, a contar a dois ou três amigos esta
inesperada obsessão... Qualquer deles deve ter ficado a pensar que,
definitivamente, estou senil... E se calhar, estou mesmo!
4.11.14
A Literatura atual ignora o cacique
Houve um tempo em que a Literatura descia ao
terreno e descrevia o que por lá se passava em termos de relações de domínio.
Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, sem esquecer Alves
Redol, Miguel Torga e Saramago. Nas suas obras, a cada passo, encontrávamos os
influentes e, entre eles, o cacique...
Hoje a Literatura é cada vez mais cosmopolita,
havendo escritores que, de tão viajados e apressados, situam as suas
"estórias" em cidades tão distintas como Londres, Rio, New York,
Paris, Buenos Aires, Montréal, Barcelona, Luanda, com passagem esporádica por
Lisboa ou por Madrid... Só que nessas cidades não há influentes e muito menos
caciques!...
Na verdade, habituei-me a pensar que um mundo sem
caciques seria incompreensível, sobretudo nos países que privilegiam o
centralismo ou que dizem apostar tudo na democracia... formal. No essencial,
nunca percebi bem onde situar o cacique. A Literatura coloca-o no terreno,
atribui-lhe uma certa mobilidade, mas não diz até onde pode chegar o braço de
tal personagem... A História também é omissa em tal matéria: prefere a
narrativa dos ricos ou, em alternativa, a dos pobres. A História ignora
deliberadamente o intervalo, o miolo, essa coisa linda, nas palavras de Pessoa.
Hoje, numa espera, descobri uma interessante
caraterização do lugar ocupado pelo cacique galego:
«Para Risco o caciquismo era o resultado da
imposición dunha estrutura político-administrativa allea á realidade galega,
por parte do Estado centralista español, pois o cacique intermedia entre os
seus veciños da paroquia que é a cerna da social rural galega e o lonxano
Goberno a través dos municípios, provincias e deputacións. Necesita os votos
dos seus clientes pera intercambialos na cidade polos favores da burocracia
estatal que descoñece as peculariadades nacionais de Galícia e a aplica unha
lexislación pensada para sociedades diferentes...» in Mundo
Rural, Coordenação: Dulce Freire, Inês Fonseca, Paula Godinho, edições,
Colibri, pág. 159
A Literatura atual ignora o cacique.
Paradoxalmente, os caciques não ignoram a Literatura...
3.11.14
Pobre Infante D. Henrique, ao terceiro dia...
"Portugal muito beneficiou pelo
facto de termos à frente da União Europeia um português, conhecedor da
realidade portuguesa, conhecedor do mundo, e com o prestígio de Durão Barroso", afirmou
Cavaco Silva antes de entregar ao ex-presidente da Comissão Europeia o Grande
Colar da Ordem do Infante D. Henrique.
Bem sei que num dos últimos dias "postei" uma definição de
"clientelismo" que não teve qualquer impacto. Não resisto, contudo, a
citar novamente o galego Raúl Soutelo Vásquez, autor do ensaio "Mobilización
Campesiña, Clientelismo Político e Emigración de Retorno na Galicia Rural":
«A correspondencia recibida polos
politicos que lideran unha rede clientelar indica que o deputado de turno era
un primus interpares que
representaba os interesses dos notables que o elixiram e cos que mantiña
estreitos contactos persoais e de família...»
Espero ainda poder ler a correspondência de Durão Barroso para poder aferir se
foi Portugal que beneficiou da ação do Presidente da Comissão Europeia
(2004-2014) ou se os verdadeiros beneficiados foram quem o empurrou para o
cargo... notáveis estrangeiros, nacionais, empresariais, familiares...
E admitindo que Portugal beneficiou,
quais foram os benefícios?
E quem é que os recebeu?
2.11.14
A matreirice da Segurança Social
Prometera só escrever sobre livros que estivesse
a ler ou a reler. Infelizmente, vou abrir uma exceção para citar a Segurança
Social (Trabalhadores Independentes):
«Dos elementos constantes no Sistema de
Informação da Segurança Social (SISS), verificou-se que V. Exa. apresenta
dívida contributiva. O pagamento pode ser efetuado por multibanco ou
homebanking, ou nas tesourarias da Segurança Social, através de documento de
pagamento. Para consultar os
valores em dívida e emitir o documento de pagamento deverá aceder à Segurança
Social Direta, em www.seg-social.pt.»
Acontece que ao "devedor" são
concedidos 10 dias úteis para
pedir uma password que permita aceder à Segurança Social
Direta e pagar o valor em causa... Por seu turno, a SS tem cinco dias para
enviar, por carta, a referida password... E depois é só aceder e pagar...
Caso queira contestar, pague primeiro e reclame
depois...
(No caso concreto, o devedor descobriu que lhe
estava a ser cobrada uma dívida referente a janeiro de 2011 e as três meses de
2012, apesar de num dos meses não ter auferido qualquer remuneração... Feitas
as contas, a dívida a pagar é superior à remuneração obtida...)
O que me escandaliza é a matreirice de um Estado
que exige que trabalhadores, forçados a passar recibos verdes por míseros
proventos, sejam obrigados a aceder à Segurança Social Direta num prazo tão
diminuto. Este mesmo Estado sai beneficiado com o expediente, pois acabará por
cobrar mais juros de mora...
E ainda por cima penaliza conscientemente o
trabalhador quando este não declara de imediato a cessação de atividade, pois o
Estado sabe perfeitamente, com os meios informáticos de que dispõe, se a
entidade patronal continuou a pagar ao trabalhador independente...
Da Segurança Social às Finanças, a relação do
contribuinte com o Estado passa, hoje, por balcões eletrónicos que, em nome da
eficácia da cobrança, descuram a realidade educativa, económica e social de
cada cidadão, transformando-o numa presa fácil e cómoda…
1.11.14
«A relación
clientelar é um mecanismo de aceso dircto e inmediato ós recursos do poder que
non está mediado por institucións nin por valores formais e se basea no apoio e
intercambio de favores persoais que xeneran benefícios instrumentais
recíprocos.» Raúl Soutelo Vásquez
Está tudo dito! Já era assim no tempo de Camões!
O único valor que movia a ação humana era o dinheiro. A sede de poder
entroncava no desejo de riqueza (na cobiça) e o caminho mais rápido era o
favoritismo.
Ser favorito trazia fama e, principalmente,
benefícios. Ser favorito significava ter acesso direto ao Rei, ao Senhor, ao
cacique mais próximo...
E, afinal, em que é que este século se distingue
dos anteriores? Em nada.
Agora que se aproximam as eleições, a cobrança já
está em marcha, com velhos e "novos" cobradores: caciques de renome e
arrivistas e 'impolutos'...
Resta saber quem cobra mais, embora se saiba que quem distribuiu mais
prebendas parte em posição privilegiada.
Por outro lado, talvez fosse útil procurar, nas redes clientelares, a
explicação para a situação de calamidade financeira em que o país está
atolado.
A economia paralela (clandestina) só é possível nos países em que o
clientelismo é dominante.
31.10.14
«Milhor é merecê-los sem os ter, /
Que possuí-los sem os merecer.» Camões, OS LUSÍADAS, Canto IX,
estância 93
Referia-se o Poeta às «honras vãs,
esse ouro puro», alcançadas por gente cobiçosa, ambiciosa e
fraudulenta.
Ao ler as notícias mais recentes sobre condecorações, fico na dúvida se, já
no séc. XVI, o Poeta estava, apenas, a ser virtuoso, ao criar o quiasmo ou se, de facto, queria
censurar aqueles que premeiam os que ao bem comum antepõem o interesse próprio…
28.10.14
a) «O Largo
era o centro do mundo. (...) Era aí o lugar dos homens, sem distinção de
classes. Desses homens antigos que nunca se descobriam diante de ninguém e
apenas tiravam o chapéu para deitar-se. (...) o Largo que era de todos, e onde
apenas se sabia aquilo que a alguns interessava que se soubesse, morreu.» Manuel
da Fonseca, O LARGO.
b) «As
praças de homens, que na realidade são mercados medievais da força de trabalho,
tornam-se num instrumento de luta nas mãos dos camponeses havendo assim que
lutar (...) contra a tentativa para a sua extinção. Eis as razões por que é
completamente justa a consigna lançada pelas organizações partidárias de alguns
sectores rurais (...): que os camponeses se recusem a ir esmolar trabalho a
casa dos patrões e obriguem os patrões a irem contratá-los à praça.» O Militante, 29, Maio, 1944,
citado por João Freire, O Movimento Operário e o Problema Rural na I
República, in Mundo Rural
- Transformação e Resistência na Península Ibérica, Coordenação
Dulce Freire, Inês Fonseca, Paula Godinho.
A PRAÇA DA JORNA é uma locução que me seduz, mas
que não sei onde situá-la! De acordo com o esquecido Manuel da Fonseca, o Largo
morreu com a chegada do comboio, com a multiplicação dos cafés e respetivas
clientelas, com a leitura dos jornais e com a audição da rádio.
O Largo metamorfoseou-se numa imensidade de
pequenos largos e a Praça da Jorna foi substituída pelos sindicatos...
Hoje, o LARGO alargou-se, é do tamanho da WEB.
Pena é que os patrões não sejam obrigados contratar segundo uma regra universal
e, sobretudo, pena é que os trabalhadores tenham deixado de usar chapéu...
26.10.14
Estou naquela idade em que a narrativa política
me causa enjoo. Pode ser que passe, mas desconfio que, se a euforia dos idos de
abril voltar, já por cá não estarei...
Estou naquela idade em que a narrativa pedagógica
já não convence. Faltam valores e um rumo coletivo!
Estou naquela idade em que a emoção destrói o
estômago e o coração. O amor e o ódio aliaram-se contra mim, como se o objetivo
fosse aniquilar-me de vez...
Doravante só vou escrever sobre livros. Tenho
tantos por ler e muitos mais por reler!
25.10.14
Eu prefiro mil vezes os números da DGO...
Nos dias em que estou mais cansado ou até deprimido, gosto de fazer uma
pausa. Há quem dê um passeio a pé, quem vá até ao ginásio, quem veja um filme.
Por mim, nada disso! Eu prefiro mil vezes os números da Direção-geral do
Orçamento...
Só de os contemplar, acalmo, deixo de tremer, de entaramelar as palavras.
E é o que acaba de me acontecer ao ler no i a seguinte notícia:
«Segundo os
valores avançados pela DGO, entre Janeiro e Setembro os contribuintes
pagaram 4738 milhões de euros só
em juros da dívida pública, mais 4,2% que até Setembro de 2013. São mais 192 milhões de euros, dos quais 151
milhões vieram do aumento do preço cobrado pelo FMI.»
Em particular, a informação de que o FMI nos
aumentou a fatura em 3% pela ajuda financeira tem o condão de me libertar da
neurose e de me devolver ao trabalho. Ao trabalho forçado!
24.10.14
No século XVI, para Camões, só eram dignos de ser
postos "em memória" aqueles que servissem Deus, o Rei e o Bem
comum.
O Estado Novo leu à letra a lição camoniana e
durante mais de 40 anos impôs o culto de Deus e da Pátria (feita de famílias) e
descurou o Bem comum, embora doutrinariamente apregoasse o contrário.
Dessa tríade, hoje, na sociedade laica e global,
já só resta virtualmente o Bem comum!
De entre os valores, o Bem comum deveria ser o
principal guia de ação de cada homem...
Pelo menos, no que me concerne, os jovens que vou
servindo, olham para mim como se eu fosse um extraterrestre.
A cada dia que passa, ao Bem comum vamos
antepondo o "próprio interesse".
23.10.14
Abundantes, as palavras precipitam-se em cascata,
desfiando doutrinas de rejeição, em nome da unidade divinamente inequívoca.
Fora das palavras, o ar rareia e asfixia os ouvintes que, apenas, podem silabar
monossílabos de aprovação ou, em alternativa, espreitar o melhor momento para
sair do círculo de encantamento...
A fuga é, todavia, quase impossível porque,
enquanto as palavras se convertem em aplausos da unidade, os braços arqueiam-se
em balanços de avanço e recuo e, no movimento, as pernas parecem ganhar molas
que lançam o corpo sobre a presa, esmagando-a...
A pena que eu tenho de não saber desenhar!
Saberia, talvez, captar o momento no seu alongamento em direção à UNIDADE.
Se eu soubesse desenhar, estaria mais perto da
unidade inicial, e creio mesmo que preferiria ser surdo-mudo.
22.10.14
Numa sala vazia espero impacientemente por uma
reunião intercalar marcada para as 19:45. As luzes permaneceram acesas durante
todo o dia, apesar da luz intensa, apenas coartada por persianas emperradas por
falta de manutenção... Num armário, ainda é possível vislumbrar, alaranjados e
noturnos, uns tantos livros de sumários...
(As
mesas e as cadeiras, modernos espelhos de alma, refletem a cinza dos dias.)
Para lá do caixilho, outra sala, vazia, dois
computadores piscam, um em tons azulados... Olho à volta, e os painéis
mostram-me rotinas desnecessárias em tempo de desmaterialização da informação.
Pela janela, as folhas outonais dos plátanos escondem os carros que,
ininterruptamente, circulam deixando um ruído maligno, sobretudo, para quem
chegou a esta sala às 8:00 da manhã.
Evito pensar na reunião intercalar - para
professores, pais e alunos - porque sempre que nela participo, me sinto num
psicodrama. Uma daquelas sessões em que peões saltam do respetivo território
para o do vizinho, sem qualquer incómodo, e desempenham a rábula da partilha e
da busca de soluções para problemas mal equacionados.
Nas reuniões intercalares, devemos encontrar
soluções facilitadoras da aprendizagem e da relação. Numa hora e 30 minutos,
salvamos o mundo. Depois se verá!
Claro que há reuniões intercalares que não
deveriam começar, porque, à partida, já sabemos que acabam mal.
O que é válido para as reuniões intercalares
serve para muitas outras reuniões! Porque reunir significa voltar a unir o que,
entretanto, se separou (nalguns casos, se emancipou) ... O que me leva a pensar
no trauma da perda do cordão umbilical...E quando me coloco nesta perspetiva,
compreendo melhor a razão por que continuo à espera da reunião intercalar...
reunião que mais não é do que uma partilha de silêncios ruidosos...
Já só faltam 20 minutos... Talvez 20 minutos ou um pouco mais. Oficialmente, a
reunião termina às 20:15.
21.10.14
E ponde na cobiça um freio
duro,
E na ambição também, que
indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e
escuro
Vício da tirania infame e
urgente;
Porque essas honras vãs, esse
ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à
gente.
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
Camões,
OS LUSÍADAS, Canto IX, estância 93.
Sem
querer ofender o desconchavo de alguns jovens defenderem que, para eles, não
faz qualquer sentido ler Camões, autor do longínquo século XVI, até porque já
no tempo do Poeta o argumento parecia válido para os invejosos, não posso
deixar de me interrogar sobre a razão de tal fastio.
A
pedagogia recomenda que o professor se desdobre em estratégias, e existem umas
tantas que estão para a leitura como a margarina está para a manteiga, eu
insisto que não há leitura sem perceção visual (ou tátil, no caso dos
invisuais).
Não é possível ler, sem livro, de livro fechado, na página errada, a conversar
ininterruptamente com o parceiro do lado...
Parece-me,
assim, que o problema do fastio é de natureza cultural, como já acontecia no
tempo de Camões. É um problema de valores: de falta de valores ou de falsos
valores...
Afinal, se já desistimos de combater os Serracenos, continuamos a desprezá-los
e, sobretudo, vivemos mergulhados na cobiça, na ambição, na tirania, na
vaidade, ESSE OURO PURO que corrompe o ESPÍRITO...
20.10.14
Burocratas ignorantes e prepotentes
Estou farto de burocratas ignorantes e prepotentes! Vou esperar pelo
próximo episódio e depois vou a jogo.
(O arquiteto andou bem ao enquadrar o
edifício. Há, no entanto, uns tantos gestores e burocratas que continuam à
solta...)
19.10.14
É admirável ver Dustin Barca, que conta com o apoio de grandes nomes do
surf mundial, como, por exemplo, Kelly Slater, arregaçar as mangas da forma que
tem feito e pensar como é que o puto arruaceiro, que não hesitava em esmurrar
pessoas sempre que surgia a oportunidade, se transformou num cidadão empenhado.
“Fartei-me de ir parar à esquadra da polícia em Hanalei quando ainda só
andava na escola primária. Era um miúdo muito problemático. Nunca tive pai, por
isso não tinha quem me orientasse”, recorda. Dustin
Barca, em Entrevista ao Jornal i.
Barca é, em 2014,
candidato independente, defendendo quatro áreas-chave: recuperar a cultura do
Kauai, fomentar a agricultura sustentável, restaurar as hidrovias e combater o
uso de drogas.
Para mim, esta foi a notícia a que dei mais
atenção neste dia, porque me faz pensar que os jovens podem encontrar o seu
caminho, longe de tutores iluminados que não descansam enquanto não colocam sob
a sua asa os jovens mais «prometedores» e não escorraçam para longe os «arruaceiros»;
longe de pedopsiquiatras que tudo resolvem, receitando drogas aos adolescentes
mais agressivos...
A leitura da entrevista faz-me pensar naqueles
jovens que, todos os dias, entram a dormir nas salas de aulas e, assim, se
mantêm por longo tempo... Dustin Barca desistiu do liceu no 10º ano porque
queriam que tomasse Ritalin, medicamento usado para tratar a hiperatividade...
A explicação, quanto à
diferença de comportamento, reside na vontade. Na vontade de não ser
dependente, subserviente e alienado. É esta vontade que pode gerar a contracultura
necessária à saída do marasmo e da abulia ou, então, à fuga do paternalismo tão
frequente na nossa sociedade e, em particular, nas nossas escolas.
18.10.14
À força de me confrontar com coisas que não quero descrever, sinto-me aquém
da realidade. A cada minuto, tomo decisões - umas sensatas, outras insensatas -
sem expetativa de recompensa ou de castigo....
Procuro não incomodar para poder ser incomodado. Sei que o cão que agora
ladra, daqui a pouco estará calado.
Olho a Agenda, rasuro e acrescento, sem que isso signifique mais do que um
gesto vazio diante da lâmpada de cristal de sal que me invade de penumbra...
Despeço-me, entretanto, porque, dentro de momentos, regresso ao labirinto
onde me esperam fios de hiper-realidade.
Sinto-me aquém da realidade!
17.10.14
«Isto apesar de a comunicação do
secretário de Estado incluir uma bibliografia onde são citados cinco autores,
sem que nenhum destes sejam Reis Monteiro ou João Pedro da Ponte.» Público,
17 out 2014.
Outrora plagiar exigia leitura e cópia manuscrita
ou dactilografada. Exigia revisão para não defraudar o original. O Autor do
plágio, querendo parecer original, era escrupuloso ao ponto de se esquecer das
aspas... Houve até quem, à força de plagiar, aprendesse a imitar, embora sem
«nunca igualar ou superar o original"... Neste momento, já devem ter
reconhecido o intertexto!
Hoje, o plagiador é mais um «ladrão que rouba a
ladrão» sem se preocupar com o perdão. Falta-lhe a consciência religiosa: pouco
lhe importa a salvação da alma!
Hoje, o plagiador "googla-se" e, num
instante, descobre o que lhe convém. Em dois movimentos (copy
and paste), transporta os excertos para o regaço da secretária
que, de pronto, os alinha de modo que sua Excelência possa brilhar em qualquer
simpósio...
E eu conheço tantos plagiadores neste inefável país!
16.10.14
O oráculo, certa tarde, inspirou fundo e
proclamou: Dos 39 não passarás!
Este oráculo era médico... pelo menos, foi assim
que mo apresentaram. Mandou-me despir, observou-me atentamente e exclamou: Dos
39 não passarás! Nunca soube o que viu em mim...
Desde aquele dia que me interrogo: Para quando o
fim?
Já começo a ficar desencantado, pois a leitura
dos clássicos ensinou-me que não é possível fugir ao vaticínio do oráculo.
Édipo, por exemplo, por mais peregrino que se tivesse tornado, acabou cego às
suas próprias mãos...
Ora eu não gostaria de acabar cego por minhas
próprias mãos, até porque já me faltam pai e mãe. Reconheço que estou livre de
nefandos crimes, mas não sei se suporto mais a desilusão da profecia por
cumprir...
Quando volvo sobre mim, sinto que não tenho
estado à altura daquilo que cada um sempre quis para mim... agora, vejo-me de
regresso à sala de estudo e penso: - foi preciso chegar aos 60 para ali ficar
acantonado.
Até quando?
15.10.14
Uma virtuosa ministra, Maria Luís Albuquerque
A ministra das
Finanças, Maria Luís Albuquerque, disse hoje que os impostos no Orçamento do
Estado (OE) para 2015 referentes a
tabaco e álcool visam desincentivar comportamentos negativos e
apoiar campanhas contra esses mesmos comportamentos.
"Desincentivar comportamentos
com consequências negativas para a saúde" é o objetivo maior dos referidos impostos, cuja receita
financiará também, por via do ministério da Saúde, campanhas alertando para os
perigos associados ao consumo de álcool e tabaco.
Eu não bebo, não fumo, circulo cada vez menos de carro, estou a substituir os
sacos de plástico por cestos de vime, não pinto o cabelo nem vou à manicura, já
não sei o que é um alfaiate nem um sapateiro, estou a pensar em abandonar os
medicamentos, deixei de tomar café, não como coelho nem sushi nem linguado,
muito menos caviar e frutos tropicais... Todos os dias me imponho a fuga a comportamentos com consequências
negativas para a saúde e para as finanças. Por este andar, pouco falta
para ocupar o lugar que mereço na Jerusalém celeste!
Temo, todavia, que S. Pedro me bata com a porta
na cara, sob o pretexto de que não sou suficientemente solidário (e
pecador!) com a minha virtuosa ministra das finanças. Afinal, para equilíbrio
das contas públicas, para pagar os juros da dívida que não param de aumentar,
ela necessita que eu peque...Peque!
Imagine-se o que aconteceria à Nação se todos os
cidadãos seguissem o meu exemplo! Quero crer que a Senhora Ministra está a
mentir... Mais uma vez! Só que desta vez, mentir não é pecado!
14.10.14
Cronopoemas de António Souto - Sonhos Sobrantes
Abri o livro do poeta e, para tal, suspendi o
amigo e o colega de trabalho. Comecei por ler o prefácio e achei-o redutor. O
poeta tutelado por Ricardo Reis sabia-me a pouco!
Avancei, não de forma linear. Atrevi-me a
desrespeitar a composição. Conheço bem os malefícios da retórica!
E, de súbito, os poemas começaram a saber-me a
tempo - um tempinho de luz -,
o único tempo de plenitude que um poeta pode saborear.
E do longe e do perto, numa escrita límpida,
depurada, foram despontando registos da mãe, sempre da mãe, da infância do
menino de sua mãe - uma infância que perdura nos versos, mesmo quando o menino
cresce, procura a cidade, descobre o Tejo e outra vida, também ela feita de
tempo:
O tempo da leitura - Cesário, Pessoa, Negreiros,
Lorca, Torga, Saramago e quantos outros por dizer...
O tempo de outrora e de agora, feito de minutos,
de tardes e de noites, de dias, de ocasiões, de todas as estações... o tempo
agora é o tempo do trabalho, das árvores que chilreiam - plátanos, jacarandás ou ipomeias -, de
jovens sem tempo para o tempo, de colegas a quem o tempo levou ou o desenham
em versos traçados...
Atrevo-me,
assim, a propor ao poeta que, sempre que possível, se liberte do trabalho para
que nos conceda mais um tempinho
de luz...
14.10.2014
Na Biblioteca Central da Escola Secundária de Camões, a professora Margarida
Sérvulo Correia apresentou Sonhos
Sobrantes. Fê-lo numa alocução sóbria, inteligente e bem
fundamentada, iluminando os versos de memória do poeta António Souto.
O poeta, por seu turno, visivelmente orgulhoso, leu três belos poemas alusivos
a Saramago, ao Natal e a Abril, e agradeceu, revelando os laços passados e
presentes.
A Biblioteca estava cheia, sobretudo de alunos que tudo ouviram em silêncio,
sem que, no entanto, tenham tido oportunidade de tomar a palavra...
A Margarida Souto ficou sentada à minha frente e
tudo escutou. O que terá pensado?
13.10.14
Nenhum que use de seu poder bastante
Pera servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Nem, Camenas, também cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave,
veio,
Por contentar o Rei, no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo!
Camões, Os Lusíadas, Canto VII, estância 85.
(Há, pelo menos, três ou quatro membros do Governo da Lusitânia a quem
estes versos colam na perfeição!)
Consta que o Governo esteve reunido durante 18 horas para aprovar o OGE
2015. Nos mujimbos que circulam, não dou conta de que da Ordem de Trabalhos
constassem duas leituras prévias: A Constituição da República Portuguesa e as
reflexões do Poeta n' OS LUSÍADAS.
Perante esta lacuna, estou sem saber qual é o papel do Doutor Nuno Crato no
Conselho de Ministros...
12.10.14
«Rupert e Frances desceram e entraram na sala
onde Sylvia estava, de facto, mergulhada num sono de morte: estava morta.» Doris
Lessing, O Sonho mais Doce, página 425, editorial Presença.
Num romance em que o SONHO vermelho vai
construindo um espaço que só não é absurdo porque, ao alastrar, gera um
conjunto de monstros iluminados que, em nome de ESTALINE, se propõem libertar
os povos e, no entanto, os deixam morrer à míngua de água, de saúde, de
ilustração, de paz... surge a doce e frágil Sylvia que mergulha no africano
terreno saqueado e abandonado para libertar aquele povo da doença e da
ignorância.
Sylvia tudo faz, tudo sofre, sem apoio dos
libertadores, novos colonizadores, embora menos vermelhos, mais gordos e,
sobretudo, mais ricos. Mais dependentes do Capital Global!
Sylvia, voluntária, cooperante, representa todos
os que se entregam a uma Causa sem esperar mercês.
Confesso que a morte de Sylvia me choca porque
ela representa a morte de todos os que, desde a 2ª Guerra Mundial, se
sacrificaram por construir um mundo mais justo e, na verdade, as desigualdades
não param de aumentar. Não só a Sul, mas, também, a Norte!
11.10.14
Cada vida deveria ter um rumo, mesmo se de médio
prazo. No entanto, nos tempos que correm, ninguém se contenta com essa
singularidade. Acredita-se que se pode ter vários rumos sem cair na
dispersão...
De facto, essa dispersão é uma constante dos
nossos dias, provocando desperdício e insucesso académico, profissional,
familiar e pessoal.
Estamos cada vez mais pobres!
Literariamente, a dispersão foi acantonada no
modernismo. Creio, contudo, que a dispersão é filha do individualismo, em
particular, do romântico.
Entrámos recentemente na Idade Global, mas ainda
estamos longe de definir um rumo e de mantê-lo.
10.10.14
O Governo prefere bater em latas...
Governo diz que não há
razão para alarme social por causa do Ébola.
Em vez de explicar o risco, de detalhar os
cuidados a ter em caso de ida ou de regresso das zonas mais afetadas, de
anunciar as medidas tomadas para evitar a contaminação do pessoal médico e dos
cidadãos, o Governo prefere bater em latas... À informação, o Governo prefere a
propaganda!
A experiência diz que devemos estar atentos aos
desmentidos e às promessas governamentais. Sempre que promete, não cumpre!
Sempre que desmente, é porque o risco está iminente...
Há, no entanto, exceções. O primeiro-ministro
prometeu que os ministros da educação e da justiça estavam longe de regressar a
casa e, de facto, eles mantêm-se nos seus postos.
9.10.14
António Lobo Antunes desespera
O NOBEL da Literatura 2014 foi atribuído a Patrick Modiano.
Protégé de Raymond Queneau,
Patrick Modiano a publié son premier roman, la Place de l’Etoile, en 1968. Il a depuis écrit une trentaine
de romans, tous publiés chez Gallimard. En 1974, il a écrit, avec le cinéaste
Louis Malle, le scénario d’un film à succès, Lacombe Lucien, l’histoire d’un adolescent tenté par l’héroïsme,
et qui plonge dans la collaboration dans la France de 1944. Il est également
l’auteur d’autres scénarios, ainsi que d’un essai avec Catherine Deneuve sur la
sœur tôt disparue de l’actrice, François Dorléac.
Juré en 2000 du Festival de
Cannes, il a aussi écrit des paroles de chansons, comme Etonnez-moi Benoît ! interprétée par
Françoise Hardy, et publié un entretien avec l’essayiste Emmanuel Berl (Interrogatoire).
Il obtient en 1972 le Grand
Prix du roman de l’Académie française pour les Boulevards de ceinture, le Goncourt en 1978 avec Rue des boutiques obscures et le
Grand Prix national des lettres pour l’ensemble de son œuvre en 1996. Patrick
Modiano est traduit en quelque 36 langues, dont en suédois dans la maison
d’édition d’Elisabeth Grate, qui publie également les œuvres de Jean-Marie Le
Clézio, dernier prix Nobel de littérature français, consacré en 2008.
Patrick Modiano succède à la
nouvelliste canadienne anglophone Alice Munro, primée en 2013, et emporte la
récompense de huit millions de couronnes (environ 878 000 euros). Son
nom figurait parmi les favoris au prix depuis de nombreuses années. Il recevra
son prix à Stockholm le 10 décembre.
http://www.liberation.fr/livres/2014/10/09/le-francais-patrick-modiano-prix-nobel-de-litterature_1118123
Ao contrário de António Lobo Antunes, a escrita
de Modiano é simples, concisa e elegante. Ao leitor exige-se leveza ...
8.10.14
Dá sempre jeito... a ciência política
Vaticinei há uns tempos que «o homem podia ser
seguro, mas não teria futuro». Como me enganei! Afinal, o homem deixou a
política ativa para dedicar-se ao ensino de 'ciência política' na UAL.
Contra mim me falo: "Quem não sabe fazer,
ensina!"
Ele tem, em relação a mim, uma vantagem, apesar
de ter gastado três anos a descobrir a falta de jeito para a ação política:
aprendeu com o erro. Por isso, agora vai fazer o que melhor sabe: catequizar. Pelo contrário, eu há
quarenta anos que ensino e ainda não descobri se terei jeito para a ação
política... nem para o ensino!
Desconfio, no entanto, que este tirocínio docente
na UAL, certamente como professor
auxiliar, não passa de uma pausa, à espera do falhanço do Usurpador.
Em tempos idos, conheci várias personalidades de
distintos quadrantes políticos que viviam um período de pousio na UAL. Não lhes
reconhecendo particulares competências científicas e, sobretudo, pedagógicos,
certo dia perguntei ao Magnífico Reitor a razão da sua contratação.
O Reitor foi claro: Uma Universidade que queira sobreviver deve
ter no seu corpo docente representantes de todas as tendências partidárias, da
extrema-direita à extrema-esquerda. Dá sempre jeito!
7.10.14
Cómo no ganar el Premio Nobel
Traducción de Laura Canteros
(...) El texto de la
conferencia preparada por Doris Lessing —ganadora del Premio Nobel de
Literatura 2007— para la ceremonia de entrega del mismo. Lessing, por problemas
de salud, no participó de la ceremonia en Estocolmo y encargó la lectura de su
texto a su editor, Nicholas Pearson, el 7 de diciembre de 2007.
(...)
Imaginaria agradece muy
especialmente a Jonna Petterson, directora de Relaciones Públicas de la
Fundación Nobel, por su autorización para traducir y publicar este texto.
Estoy
de pie junto a una puerta y miro a través de remolinos de polvo hacia donde me
han dicho que aún existe bosque sin talar. Ayer conduje a través de kilómetros
de tocones y restos calcinados de incendios donde, en el '56, se encontraba el
bosque más maravilloso que jamás haya visto, ahora completamente devastado. Las
personas tienen que comer. Y necesitan material para encender el fuego.
Me
encuentro en el noroeste de Zimbabwe a principios de la década de 1980 y vine a
visitar a un amigo que era maestro en una escuela de Londres. Está aquí
"para ayudar a África" como solemos decir. Es un alma genuinamente
idealista y las condiciones en que encontró esta escuela le provocaron una
depresión de la que le costó mucho recuperarse. Esta escuela se parece a todas
las escuelas construidas después de la Independencia. Está compuesta por cuatro
grandes salones de ladrillo uno a continuación del otro, edificados
directamente sobre la tierra, uno dos tres cuatro, con medio salón en un
extremo, para la biblioteca. En estas aulas hay pizarrones, pero mi amigo
guarda las tizas en el bolsillo, para evitar que las roben. No hay ningún atlas
ni globo terráqueo en la escuela, tampoco libros de texto, carpetas de
ejercicios ni biromes, en la biblioteca no hay libros que a los alumnos les
gustaría leer: son volúmenes de universidades estadounidenses, incluso
demasiado pesados para levantar, ejemplares descartados de bibliotecas blancas,
historias de detectives o títulos similares a Fin de semana en Paris o Felicity encuentra el amor.
Hay
una cabra que intenta buscar sustento en unos pastos resecos. El director ha
malversado los fondos escolares y se encuentra suspendido, situación que
suscita la pregunta habitual para todos nosotros, aunque por lo general en
contextos más prósperos: ¿Cómo puede ser que estas personas se comporten de tal
manera cuando deben saber que todos las están observando?
Mi
amigo no tiene dinero porque todo el mundo, alumnos y maestros, le piden
prestado cuando cobra el sueldo y probablemente nunca le devuelvan el préstamo.
Los alumnos tienen entre seis y veintiséis años porque quienes no pudieron
asistir a la escuela antes se encuentran aquí para remediar tal situación.
Algunos alumnos recorren muchos kilómetros cada mañana, con lluvia o con sol y
a través de ríos. No pueden hacer tareas escolares en sus casas porque no hay
electricidad en las aldeas y no es fácil estudiar a la luz de un leño
encendido. Las niñas deben ir a buscar agua y cocinar cuando vuelven a sus
hogares desde la escuela y antes de partir hacia la escuela.
Mientras
estoy con mi amigo en su cuarto, varias personas se acercan tímidamente y todas
piden libros. "Por favor, mándanos libros cuando regreses a Londres."
Un hombre dijo: "Nos enseñaron a leer, pero no tenemos libros". Todas
las personas que conocí, todas ellas, pedían libros.
Estuve
varios días allí. El polvo volaba por todas partes, escaseaba el agua porque
las cañerías se habían roto y las mujeres volvían a acarrear agua desde el río.
Otro
maestro idealista llegado de Inglaterra se había enfermado de bastante gravedad
luego de ver el estado en que se encontraba esta "escuela".
El
último día de mi visita finalizaba el ciclo lectivo y sacrificaron la cabra,
que cortaron en trocitos y cocinaron en una gran fuente. Era el esperado
banquete de fin de ciclo, guiso de cabra y puré. Me alejé de allí antes de que
terminara, conduje por el camino de regreso entre calcinados restos y tocones
que habían sido bosque.
No
creo que muchos alumnos de esta escuela lleguen a obtener premios.
Al
día siguiente estoy en una escuela en la zona norte de Londres, una escuela muy
buena, cuyo nombre todos conocemos. Es una escuela para varones. Buenos
edificios y jardines.
Estos
alumnos reciben la visita de alguna persona famosa todas las semanas y resulta
natural que muchos de los visitantes sean padres, familiares e incluso madres
de los alumnos. La visita de una celebridad no es ningún acontecimiento para
ellos.
La
escuela rodeada por nubes de polvo al noroeste de Zimbabwe ocupa mi mente y
contemplo estas caras ligeramente expectantes e intento contarles acerca de
aquello que he visto durante la última semana. Aulas sin libros, sin manuales,
ni un atlas, ni siquiera un mapa colgado en la pared. Una escuela donde los
maestros suplican que les envíen libros para aprender a enseñar, ellos, que
sólo tienen dieciocho o diecinueve años, piden libros. Les cuento a estos niños
que todas y cada una de las personas piden libros: "Por favor, mándennos
libros". Estoy segura de que quien pronuncie un discurso aquí advertirá el
momento en que las caras que tiene frente a sí se tornan inexpresivas. Tu
público no escucha lo que dices: no hay imágenes en sus mentes para asociar con
aquello que les cuentas. En este caso, una escuela situada entre nubes de
polvo, donde el agua es escasa y donde, al finalizar el ciclo lectivo, una
cabra recién faenada y cocida en una olla grande constituye el banquete de fin
de año.
¿Acaso
les resulta imposible imaginar una pobreza tan abyecta?
Me
esfuerzo al máximo. Son individuos bien educados.
Estoy
convencida de que en este grupo habrá unos cuantos que recibirán premios.
Al
finalizar el encuentro, converso con los docentes y como siempre pregunto cómo
es la biblioteca y si los alumnos leen. Y aquí, en esta escuela privilegiada,
oigo aquello que siempre oigo cuando voy de visita a las escuelas e incluso a
las universidades.
—Ya
sabes cómo es. Muchos niños jamás han leído nada y sólo se usa la mitad de la
biblioteca.
"Ya
sabes cómo es". Sí, efectivamente sabemos cómo es. Todos nosotros.
Somos
parte de una cultura fragmentadora, donde se cuestionan nuestras certezas de
apenas pocas décadas atrás y donde es común que hombres y mujeres jóvenes con
años de educación no sepan nada acerca del mundo, no hayan leído nada, sólo
conozcan alguna especialidad y ninguna otra, por ejemplo, las computadoras.
Somos
parte de una época que se distingue por una sorprendente inventiva, las
computadoras y la Internet y la televisión, una revolución. No es la primera
revolución que nosotros, los humanos, hemos abordado. La revolución de la
imprenta, que no se produjo en cuestión de décadas sino durante un lapso más
prolongado, modificó nuestras mentes y nuestra manera de pensar. Con la
temeridad que nos caracteriza, aceptamos todo, como siempre, sin preguntar
jamás "¿Qué nos va a pasar ahora con este invento de la imprenta?". Y
así, tampoco nos detuvimos ni un momento para averiguar de qué manera nos
modificaremos, nosotros y nuestras ideas, con la nueva Internet, que ha
seducido a toda una generación con sus necedades en tal medida que incluso
personas bastante razonables confesarán que una vez que se han conectado es
difícil despegarse y podrían descubrir que han dedicado un día entero a navegar
por blogs y a publicar textos carentes de todo sentido, etc.
Hace
poco tiempo, incluso las personas menos instruidas respetaban el aprendizaje,
la educación y otorgaban reconocimiento a nuestras grandes obras literarias.
Por supuesto, todos sabemos que, durante el transcurso de esa feliz etapa,
muchas personas simulaban leer, simulaban respeto por el aprendizaje, pero
existen pruebas de que los trabajadores y las trabajadoras anhelaban tener
libros y ello se evidencia en la creación de bibliotecas, institutos y
universidades obreras durante los siglos XVIII y XIX.
La
lectura, los libros solían formar parte de la educación general.
Las
personas mayores, cuando hablan con los jóvenes, deben tener en cuenta el papel
fundamental que desempeñaba la lectura para la educación porque los jóvenes
saben mucho menos. Y si los niños no saben leer, es porque nunca han leído.
Todos
conocemos esta triste historia.
Pero
no conocemos su final.
Recordemos
el antiguo proverbio: "La lectura es el alimento del alma" —y dejemos
de lado los chistes relacionados con los excesos en la comida—, la lectura
alimenta el alma de mujeres y hombres con información, con historia, con toda
clase de conocimientos.
Pero
nosotros no somos los únicos habitantes del mundo. No hace demasiado tiempo me
telefoneó una amiga para contarme que había estado en Zimbabwe, en una aldea
donde sus habitantes habían pasado tres días sin comer, pero seguían hablando
sobre libros y cómo conseguirlos, sobre educación.
Pertenezco
a una pequeña organización que se fundó con el propósito de abastecer de libros
a las aldeas. Había un grupo de personas que por motivos diferentes había
recorrido todas las zonas rurales del territorio de Zimbabwe. Nos informaron
que en las aldeas, a diferencia de la opinión generalizada, viven muchísimas
personas inteligentes, maestros jubilados, maestros con licencia, niños de
vacaciones, ancianos. Yo misma solventé una pequeña encuesta para averiguar las
preferencias de los lectores y descubrí que los resultados eran similares a los
que arrojaba una encuesta sueca, cuya existencia desconocía hasta ese momento.
Esas personas querían leer aquello que quieren leer los europeos, al menos
quienes leen: novelas de todas clases, ciencia ficción, poesía, historias de
detectives, obras dramáticas, Shakespeare y los libros de autoenseñanza —cómo
abrir una cuenta bancaria, por ejemplo—, aparecían al final de la lista.
Mencionaban las obras completas de Shakespeare: conocían el nombre. Un problema
para encontrar libros destinados a los aldeanos consiste en que ellos
desconocen la oferta, de modo que un libro de lectura obligatoria en la escuela
como El alcalde de Casterbridge [de
Thomas Hardy] se vuelve popular porque todos saben que es posible
conseguirlo. Rebelión en la
granja, por razones obvias, es la más popular de las novelas.
Nuestra
pequeña organización conseguía libros de toda fuente posible, pero recordemos
que un buen libro de bolsillo editado en Inglaterra costaba un salario mensual:
así ocurría antes de que se impusiera el reinado del terror de Mugabe. Ahora,
debido a la inflación, equivaldría al salario de varios años. Pero cada vez que
llegue una caja de libros a una aldea —y recordemos que hay una terrible
escasez de gasolina— se la recibirá con lágrimas de alegría. La biblioteca
podrá ser una plancha de madera apoyada sobre ladrillos bajo un árbol. Y en el
transcurso de una semana comenzarán a dictarse clases de alfabetización: las
personas que saben leer enseñan a quienes no saben, una verdadera práctica
cívica, y en una aldea remota, como no había novelas en lengua tonga, un par de
muchachos se dedicó a escribirlas. Existen unos seis idiomas principales en
Zimbabwe y en todos ellos hay novelas, violentas, incestuosas, plagadas de
delitos y asesinatos.
Nuestra
pequeña organización contó desde sus inicios con el apoyo de Noruega y luego de
Suecia. Porque sin esta clase de apoyo nuestros suministros de libros se
hubieran agotado muy pronto. Se envían novelas publicadas en Zimbabwe y,
también, libros de bricolaje a personas ávidas de ellos.
Suele
decirse que cada pueblo tiene el gobierno que se merece, pero no creo que sea
verdad en Zimbabwe. Y debemos recordar que tal respeto y avidez por los libros
surge, no del régimen de Mugabe sino del anterior, de la época de los blancos.
Semejante hambre de libros es un fenómeno sorprendente y puede observarse en
todo el territorio comprendido entre Kenya y el Cabo de Buena Esperanza.
Existe
un vínculo improbable entre tal fenómeno y un hecho: crecí en una vivienda que
era virtualmente una choza de barro con techo de paja. Es la clase de
construcción típica en todas las zonas donde hay juncos o pastizales,
suficiente barro, soportes para las paredes. En Inglaterra durante la época de
predominio sajón, por ejemplo. La casa donde viví tenía cuatro habitaciones,
una junto a otra, no sólo una, y de hecho estaba llena de libros. Mis padres no
se limitaron a llevar libros desde Inglaterra a África, sino que mi madre
compraba libros para sus hijos que llegaban desde Inglaterra en grandes
paquetes envueltos con papel madera y que fueron la alegría de mis primeros
años. Una choza de barro, pero llena de libros.
Y
suelo recibir cartas de personas que viven en una aldea donde no hay suministro
de electricidad ni agua corriente (tal como nuestra familia en nuestra elongada
choza de barro): "Yo también seré escritor, porque tengo la misma clase de
casa en que vivía usted".
Pero
aquí está la dificultad. No.
La
escritura, los escritores, no provienen de casas sin libros.
Allí
está la brecha. Allí está la dificultad.
Estuve
leyendo los discursos de algunos de los recientes ganadores del premio [Nobel].
Pensemos en el extraordinario Pamuk. Contaba él que su padre tenía mil
quinientos libros. Su talento no surgió del vacío, estaba en contacto con las
mejores tradiciones.
Pensemos
en V.S. Naipaul. Según señala, los Vedas hindúes formaban parte de sus
recuerdos familiares. Su padre lo estimuló para escribir. Y cuando llegó a
Inglaterra por sus propios méritos utilizó la Biblioteca Británica. Estaba en
contacto con las mejores tradiciones.
Pensemos
en John Coetzee. No se limitaba a mantenerse en contacto con las mejores
tradiciones, él mismo era la tradición: daba clases de literatura en Ciudad del
Cabo. Y cuánto lamento no haber asistido a alguna de ellas, dictadas por esa
mente maravillosa por su audacia y valentía.
Para
escribir, para crear literatura, debe existir una estrecha relación con las
bibliotecas, con los libros, con la Tradición.
Tengo
un amigo en Zimbabwe. Un escritor. Es negro y este aspecto es pertinente.
Aprendió a leer solo por medio de las etiquetas que aparecían en los frascos de
mermelada y en las latas de fruta en conserva. Creció en una zona que he
recorrido, una zona rural para población negra. El suelo está formado por arena
y grava, hay escasos arbustos achaparrados. Las chozas son pobres, en nada
parecidas a las bien mantenidas construcciones de quienes disponen de mayores
recursos. Hay una escuela... semejante a aquella que ya he descripto. Mi amigo
encontró una enciclopedia para niños que alguien había arrojado a la basura y
la utilizó para aprender.
Para
la época de la Independencia, en 1980, había un grupo de buenos escritores en
Zimbabwe, un verdadero nido de pájaros cantores. Habían crecido al sur de la
antigua Rhodesia, bajo el dominio blanco: las escuelas de los misioneros eran
las mejores escuelas. En Zimbabwe no se forman escritores. No es fácil, mucho
menos bajo el dominio de Mugabe.
Todos
ellos recorrieron un arduo camino hacia la alfabetización, sin mencionar sus
esfuerzos para convertirse en escritores. Me refiero a que las situaciones
relacionadas con textos impresos en latas de mermelada y enciclopedias
desechadas no eran infrecuentes. Y estamos hablando de personas que aspiraban a
una educación cuyos estándares estaban muy lejos de su alcance. Una choza o
varias con muchos niños, una madre agobiada por el trabajo, una lucha
permanente por la comida y la ropa.
Sin
embargo, a pesar de las dificultades, surgieron los escritores y hay algo más
que debemos recordar. Estábamos en Zimbabwe, territorio conquistado físicamente
menos de cien años antes. Los abuelos y las abuelas de estas personas podrían
haber sido los narradores de su clan. La tradición oral. En el transcurso de
una generación, o dos, se produjo la transición desde las historias recordadas
y transmitidas oralmente a la impresión, a los libros. Un logro formidable.
Libros,
literalmente rescatados de montones de desechos y escoria del mundo del hombre
blanco. Pero, aunque tengas una pila de papel (no impreso, que ya es un libro),
es necesario encontrar un editor, que te pague, que se mantenga solvente, que
distribuya los libros. Recibí numerosos informes sobre el panorama editorial
para África. Incluso en las zonas más privilegiadas como África del Norte, con
su diferente tradición, hablar de un panorama editorial es un sueño de
posibilidades.
Aquí
estoy, hablando de libros nunca escritos, de escritores que no trascienden
porque no encuentran editores. Voces desoídas. No es posible estimar semejante
desperdicio de talento, de potencial. Pero incluso antes de esa etapa en la
creación de un libro que exige un editor, un anticipo, estímulo, hace falta
algo más.
A
los escritores se les suele preguntar: ¿Cómo escribes? ¿Con un procesador de
texto? ¿Con máquina de escribir eléctrica? ¿Con pluma de ganso? ¿Con caracteres
caligráficos? Sin embargo, la pregunta fundamental es: "¿Has encontrado un
espacio, ese espacio vacío, que debe rodearte cuando escribes?". A ese
espacio, que es una forma de escuchar, de prestar atención, llegarán las
palabras, las palabras que pronunciarán tus personajes, las ideas: la
inspiración.
Si
un determinado escritor no logra encontrar este espacio, entonces los poemas y
los cuentos podrían nacer muertos.
Cuando
los escritores conversan entre sí, sus preguntas se relacionan siempre con este
espacio, este otro tiempo. "¿Lo has encontrado? ¿Lo conservas?"
Pasemos
a un panorama en apariencia muy diferente. Estamos en Londres, una de las
grandes ciudades. Ha surgido una nueva escritora o un nuevo escritor. Con
cinismo, preguntamos: ¿Tiene buenos pechos? ¿Es elegante? Si se trata de un
hombre: ¿Es carismático? ¿Es atractivo? Hacemos chistes, pero no es ningún
chiste.
A
este nuevo hallazgo se lo aclama, con seguridad recibe mucho dinero. Los paparazzi comienzan a zumbar en sus
pobres oídos. Se los agasaja, alaba, transporta por el mundo entero. Nosotros,
los mayores, que ya conocemos todo eso, sentimos pena por los neófitos, que no
tienen idea de qué ocurre en realidad.
Ella,
él disfruta de los halagos, del reconocimiento.
Pero
preguntémosle qué piensa un año después. Me parece escucharlos: "Es lo
peor que me pudo haber pasado".
Algunos
de los tan publicitados nuevos escritores no han vuelto a escribir o no han
escrito aquello que querían, que se proponían escribir.
Y
nosotros, los mayores, quisiéramos susurrar a esos oídos inocentes. "¿Aún
conservas tu espacio? Tu espacio único, propio y necesario donde puedan
hablarte tus propias voces, sólo para ti, donde puedas soñar. Entonces,
sujétate fuerte, no te sueltes."
Es
imprescindible alguna clase de educación.
En
mi mente habitan magníficos recuerdos de África que puedo revivir y contemplar
cuantas veces quiera. Por ejemplo, esas puestas de sol, doradas, púrpuras y
anaranjadas, que se despliegan en el cielo al atardecer. ¿Y las mariposas
diurnas y nocturnas y las abejas sobre los aromáticos arbustos del Kalahari? O,
cuando me sentaba a la orilla del Zambezi, allí donde corre bordeado por pastos
claros, durante la estación seca, con su satinado y profundo tono de verde, con
todas las aves de África cerca de sus márgenes. Sí, elefantes, jirafas, leones
y otros animales, había muchísimos, pero cómo olvidar el cielo nocturno, aún
incontaminado, negro y maravilloso, cubierto de inquietas estrellas.
Pero
hay otra clase de recuerdos. Un joven, de unos dieciocho años, llora frente a
su "biblioteca". Un visitante estadounidense, al ver una biblioteca
sin libros, envió un cajón, pero el joven los tomó uno por uno, con sumo
respeto, y los envolvió en material plástico. "Pero", le dijimos,
"¿acaso esos libros no son para leer?" y nos respondió: "No, se
van a ensuciar y entonces ¿dónde consigo otros?".
Su
deseo es que le mandemos libros desde Inglaterra para aprender a enseñar.
"Sólo cursé cuatro años de escuela secundaria", suplica, "pero
nunca me enseñaron a enseñar."
He
visto un Maestro en una escuela donde no había libros de texto, ni siquiera un
trozo de tiza para el pizarrón —la habían robado— enseñar a su clase formada
por alumnos entre seis y dieciocho años con piedritas que movía sobre la tierra
mientras recitaba "Dos por dos son…", etc. He visto una muchacha, de
escasos veinte años, con similar escasez de libros de texto, carpetas de
ejercicios, biromes, de todo, que dibujaba las letras del abecedario con un
palito en el suelo, bajo el sol calcinante y en medio de una nube de polvo.
Somos
testigos de esa inagotable hambre de educación que impera en África, en
cualquier lugar del Tercer Mundo o como sea que llamemos a esas partes del
mundo donde los padres aspiran a que sus hijos tengan acceso a una educación
que los saque de la pobreza, a los beneficios de la educación.
Nuestra
educación que tan amenazada se encuentra en esta época.
Quisiera
que se imaginasen a sí mismos en algún lugar del sur de África, en un comercio
de ramos generales propiedad de un hindú, en una zona pobre, durante una época
de sequía prolongada. Hay una hilera de personas, en su mayoría mujeres, con
toda clase de recipientes para agua. Este negocio recibe una provisión de agua
cada tarde desde la ciudad y esas personas están esperando su ración de esa
preciada agua.
El
hindú presiona las muñecas contra la superficie del mostrador y observa a una
mujer negra, que se inclina sobre un cuadernillo de papel que parece arrancado
de un libro. Está leyendo Anna
Karenina.
Ella
lee con lentitud, palabra por palabra. Parece un libro difícil. Es una joven
con dos niños pequeños que se aferran a sus piernas. Está embarazada. El hindú
se angustia al ver la pañoleta que cubre la cabeza de la joven, que debería ser
blanca, pero a causa del polvo tiene un tono amarillento. El polvo se deposita
entre sus pechos y sobre sus brazos. Al hombre lo angustian las hileras de
personas, todas sedientas, porque no tiene suficiente agua para darles. Se
indigna porque sabe que las personas se están muriendo allí afuera, más allá de
las nubes de polvo. Su hermano, mayor, le ayudaba con el negocio, pero dijo que
necesitaba un descanso, se había ido a la ciudad, bastante enfermo en realidad,
a causa de la sequía.
El
hombre siente curiosidad. Y pregunta a la joven: —¿Qué estás leyendo?
—Es
sobre Rusia —responde la chica.
—¿Sabes
dónde queda Rusia? —Tampoco él está muy seguro.
La
joven lo mira fijamente con gran dignidad, aunque tenga los ojos enrojecidos
por el polvo. —Yo era la mejor de la clase. Mi maestra me dijo que era la
mejor.
La
joven retoma la lectura: quiere llegar al final del párrafo.
El
hindú mira los dos niñitos y toma una botella de Fanta, pero la madre dice: —La Fanta les da más sed.
El
hindú sabe que no debería hacer algo semejante, pero se inclina hacia un enorme
recipiente plástico que se encuentra a su lado detrás del mostrador y sirve
agua en dos jarros plásticos que entrega a los niños. Observa mientras la joven
mira beber a sus hijos con los labios temblorosos. El hombre le sirve un jarro
de agua. Le hace daño verla beber con esa sed tan dolorosa.
Luego
ella le entrega un recipiente plástico para agua, que el hombre llena. La joven
y los niños lo observan atentamente para que no derrame ni una gota.
Ella
vuelve a inclinarse sobre el libro. Lee con lentitud, pero el párrafo la
fascina y vuelve a leerlo.
"Varenka lucía muy atractiva con la pañoleta
blanca sobre su negra cabellera, rodeada por los niños a quienes atendía con
alegría y buen humor y al mismo tiempo visiblemente entusiasmada por la
posibilidad de una propuesta de matrimonio que le formularía un hombre a quien
apreciaba. Koznyshev caminaba a su lado y le dirigía constantes miradas de
admiración. Al contemplarla, recordaba todas las cosas encantadoras que había
escuchado de sus labios, todas las virtudes que le conocía y se tornaba más y
más consciente de que sus sentimientos por ella eran algo singular, algo que
sólo había sentido una vez, mucho, mucho tiempo atrás, en su primera juventud.
La dicha de estar junto a ella aumentaba a cada paso y por fin llegó a un punto
tal que, mientras colocaba en su cesta un enorme hongo comestible con tallo
delgado y bordes curvilíneos en el extremo superior, la miró a los ojos y, al
advertir el rubor de alegre inquietud temerosa que inundaba su cara, se sintió
confundido y, en silencio, le dirigió una sonrisa por demás reveladora."
Este
fragmento de material impreso se encuentra sobre el mostrador, junto a varios
ejemplares viejos de revistas, unas cuantas hojas de periódicos con muchachas
en bikini.
Ha
llegado el momento de abandonar el refugio del negocio y desandar los seis
kilómetros para llegar a su aldea. Ya es hora... Afuera las hileras de mujeres
que esperan se quejan a gritos. Sin embargo, el hindú deja correr el tiempo.
Sabe cuánto esfuerzo le demandará a esta joven volver a su casa arrastrando a
dos niños. Quisiera regalarle ese trozo de prosa que tanto la fascina, pero le
resulta increíble que ese retoño de mujer con su enorme barriga sea capaz de
comprenderlo.
¿Cómo
ha ido a parar un tercio de Anna
Karenina a este mostrador de un remoto comercio de ramos generales?
Así.
Sucedió
que un funcionario jerárquico de las Naciones Unidas compró un ejemplar de esta
novela en la librería cuando inició sus viajes a través de varios océanos y
mares. En el avión, se acomodó en su asiento de clase ejecutiva y de un tirón
dividió el libro en tres partes. Mientras tanto, miraba a los otros pasajeros
con la seguridad de encontrar expresiones de estupor, de curiosidad y también
de hilaridad. Luego, ya con el cinturón de seguridad bien sujeto, dijo en voz
alta a quien quisiera escucharlo: "Es mi costumbre para los viajes largos.
A nadie le gusta sostener un libro muy pesado. La novela era una edición de
bolsillo, pero no deja de ser un libro extenso. El hombre estaba acostumbrado a
que lo escuchasen cuando hablaba. "Viajo todo el tiempo", confesó.
"Viajar en esta época ya es bastante esfuerzo." Tan pronto como los
pasajeros se acomodaron, abrió su parte de Anna Karenina y se puso a leer. Cuando alguien lo miraba,
por curiosidad o no, se desahogaba. "No, en realidad es la única manera de
viajar." Conocía la novela, le gustaba y este original modo de leer
verdaderamente agregaba sabor a aquello que al fin de cuentas era un libro
famoso.
Cuando
llegaba al final de una sección del libro, llamaba a la azafata y se la enviaba
a su secretaria, quien viajaba en clase económica. Esta situación atraía gran
interés, reprobación, justificada curiosidad cada vez que una sección de la
gran novela rusa llegaba, mutilada, aunque legible, a la parte posterior del
avión. En general, esta ingeniosa forma de leer Anna Karenina produjo una impresión y es probable que
ninguno de los testigos la haya olvidado.
Mientras
tanto, en el negocio del hindú, la joven permanece apoyada contra el mostrador
con sus hijitos prendidos de su falda. Usa jeans, porque es una mujer moderna,
pero sobre ellos se ha puesto la gruesa falda de lana, parte del atuendo
tradicional de su pueblo: sus hijos pueden aferrarse a ella, a sus amplios
pliegues.
La
joven dirigió una mirada agradecida al hindú, sabía que el hombre la apreciaba
y se compadecía de ella, y salió en dirección a la polvareda.
Los
niños ya no tenían fuerzas ni para llorar y las gargantas se les habían llenado
de polvo.
Era
penosa, claro que sí, era penosa esa caminata, un pie tras otro, a través del
polvo que se depositaba en blandos montículos traicioneros bajo sus plantas. Es
penoso, muy penoso, pero ella estaba acostumbrada a las penurias ¿o no? Sus
pensamientos estaban ocupados por la historia que acababa de leer. Iba
pensando: "Se parece a mí, con su pañoleta blanca y también porque cuida
niños. Yo podría ser ella, esa chica rusa. Y ese hombre, que la ama y le
propondrá matrimonio. (No había pasado de aquel párrafo.) Sí, también
encontraré a un hombre y me llevará lejos de todo esto, a mí y a los niños, sí,
me amará y me cuidará".
La
joven sigue avanzando. El recipiente de agua le pesa en los hombros. Sigue
adelante. Los niños oyen el sonido del agua que se agita dentro del recipiente.
A medio camino ella se detiene para acomodar el recipiente. Sus hijos gimotean
y lo tocan. Ella piensa que no lo puede abrir, porque se llenaría de polvo. De
ninguna manera puede abrir el recipiente antes de llegar a casa.
—Esperen
—dice a sus hijos—. Esperen.
Debe
darse ánimo y continuar.
Y
piensa. Mi maestra dijo que allí había una biblioteca, más grande que el
supermercado, un edificio grande lleno de libros. La joven sonríe mientras
avanza y el polvo le azota la cara. Soy inteligente, piensa. La maestra dijo
que soy inteligente. La más inteligente de la escuela, así dijo ella. Mis hijos
serán inteligentes, igual que yo. Los llevaré a la biblioteca, ese lugar lleno
de libros, e irán a la escuela y serán maestros. Mi maestra me dijo que yo
también podría ser maestra. Mis hijos estarán lejos de aquí, ganarán dinero.
Vivirán cerca de la gran biblioteca y llevarán una buena vida.
Supongo
que se preguntarán cómo terminó aquel trozo de la novela rusa que estaba sobre
el mostrador del negocio de ramos generales.
Sería
un buen argumento para un cuento. Tal vez alguien quiera contarlo.
Y
allí va esa pobre chica, sostenida por la expectativa del agua que dará a sus
hijos cuando llegue a casa y que ella misma beberá también. Y allí va... a
través de las pavorosas polvaredas que provoca una sequía africana.
Estamos
hastiados en nuestro mundo, en nuestro mundo amenazado. Tenemos talento para la
ironía e incluso para el cinismo. Apenas si utilizamos ciertas palabras e
ideas, debido al desgaste que experimentan. Pero tal vez queramos recuperar
algunas palabras que han perdido su potencialidad.
Tenemos
un yacimiento —un tesoro— de literatura que se remonta a los egipcios, a los
griegos, a los romanos. Todo está allí, esta abundancia de literatura por
descubrir una y otra vez para quien tenga la suerte de encontrarla. Un tesoro.
Supongamos que no existiera. Qué empobrecidos, qué vacíos estaríamos.
Poseemos
una herencia de idiomas, poemas, cuentos, relatos que jamás se agotará. Podemos
disponer de ella, siempre.
Tenemos
un legado de cuentos, relatos de los antiguos narradores, algunos cuyos nombres
conocemos y otros no. Los narradores retroceden más y más en el tiempo hasta un
claro del bosque donde arde una enorme hoguera y los antiguos chamanes bailan y
cantan, porque nuestro patrimonio de cuentos se originó en el fuego, la magia,
el mundo de los espíritus. Y es allí donde permanece, hasta el presente.
Si
consultamos a algún narrador moderno, nos dirá que siempre existe un momento de
contacto con el fuego, con aquello que nos gusta llamar inspiración y que se
remonta al pasado remoto hasta el origen de nuestra raza, al fuego, al hielo y
a los fuertes vientos que nos dieron forma y que conformaron nuestro mundo.
El
narrador vive dentro de todos nosotros. El creador de historias siempre va con
nosotros. Supongamos que nuestro mundo padeciera una guerra, los horrores que
todos podemos imaginar con facilidad. Supongamos que las inundaciones anegaran
nuestras ciudades, que el nivel de los mares se elevara…, el narrador
sobrevivirá, porque nuestra imaginación nos determina, nos sustenta, nos crea:
para bien o para mal y para siempre. Nuestros cuentos, el narrador, nos
recrearán cuando estemos desgarrados, heridos, e incluso destruidos. El
narrador, el creador de sueños, el inventor de mitos es nuestro fénix, nuestra
mejor expresión, cuando nuestra creatividad alcanza su punto máximo.
Esa
pobre chica que atraviesa trabajosamente la polvareda y sueña con educación
para sus hijos, ¿acaso somos mejores que ella, nosotros, atiborrados de comida,
con nuestros armarios repletos de ropa, sofocados por nuestras
superabundancias?
Creo
que esa chica y las mujeres que seguían hablando sobre libros y educación,
aunque llevaran tres días sin comer son quienes nos podrían definir.
© 2007, The Nobel Foundation.
Texto traducido y reproducido en Imaginaria con
autorización de la Dirección de Relaciones Públicas de la Fundación Nobel.
La reproducción total o parcial de este texto en
cualquier idioma requiere expresa autorización de la Fundación Nobel que, en
todos los casos, conserva el copyright. Para toda consulta al respecto, se
podrá escribir a info@nobel.se.
6.10.14
Quando leio um "novo" livro, fico quase
sempre com a sensação de que ando atrasado. E agora que estou na página 361 do
romance O SONHO MAIS DOCE,
(2001) de Doris Lessing, dou comigo a pensar que
se o tivesse lido, a minha vida poderia ter seguido outro rumo.
As ideias defendidas por Doris Lessing não me são
estranhas, só parte do enredo me escapa, isto é, só o espaço não me é familiar,
pois foge ao imaginário lusófono.
A ação decorre num cenário britânico, no contexto
da expansão e queda do comunismo soviético, mudando progressivamente para um
novo cenário: o da independência de um povo africano, tutelado primeiramente
pela URSS (e a espaços pela China) e depois pelo dinheiro Global do Banco
Mundial e organizações afins, oriundas, por exemplo, da Suécia, da Dinamarca,
E.U.A., África do Sul...
Como disse, as ideias não me são estranhas:
descobri-as, em grande parte, durante um mestrado em Relações Interculturais
nos anos 90. Alguns dos professores trabalhavam, no âmbito da cooperação, para
o Banco Mundial, com o intuito de arrancar da fome, da doença, da ignorância, a
África negra, o continente esquecido por Deus... Por vezes, queixavam-se dos
poderes locais que frustravam o SONHO que os alimentava... Raramente, admitiam
que a responsabilidade fosse dos doadores...
Ainda com ecos do proselitismo ocidental, leio o
romance de Doris Lessing, prémio nobel da Literatura em 2007 e registo, aqui,
um excerto, a pensar nos privilegiados que, diariamente, vou suportando na sala
de aula:
«Os rostos
do grupo, de todas as idades, de crianças a homens e mulheres e velhos, estavam
extasiados, silenciosos, atentos a cada palavra. Instrução, isto era a
instrução por que muitos tinham ansiado durante a vida inteira e haviam
esperado conseguir quando lhes fora prometida pelo governo. Às duas e meia,
Sylvia chamava da multidão um rapaz ou uma rapariga mais adiantado no estudo do
que os outros e pedia-lhe que lesse alguns parágrafos de Enid Blyton - uma grande favorita
- de Tarzan - outro -,
de O Livro da Selva, que
era mais difícil, mas apreciado, ou do preferido de todos eles, O Triunfo dos Porcos, que era a sua
própria história, como diziam. Ou então o atlas ia de mão em mão, aberto numa página que tinham acabado
de estudar, para fixarem melhor o que sabiam.»
5.10.14
Bem sei que deveria ter celebrado o dia da
instauração da República! Mas há muito que deleguei tal gesto... Bem sei que
deveria ter celebrado o dia do professor! Mas há muito que compreendi que já
não sobra nada para celebrar... Celebrar a precariedade e a humilhação, para
quê?
Que diferença há entre a falecida Monarquia e a
moribunda República? - Um professor que há muito deixámos de celebrar: Manuel
dos Reis Buíça.
Ó D. Carlos de Bragança,
Filho de D. Luís Primeiro,
Paga a honra que roubaste
À filha do jardineiro…?
4.10.14
Estou sem notícias! No mundo, não há novidade!
Tudo é repetido: a depressão, a miséria, a ganância, a ignorância, o suicídio.
No mundo, nada me surpreende! Tudo fica longe...
Só quando a ignorância ou a depressão se
aproximam é que fico inquieto. Mesmo a doença, se minha, não me assusta. Sinto
que nada devo desperdiçar, que o mundo não me deve prender, que a notícia só
serve para me envenenar ...
E assim fujo da notícia para não fugir de
mim.
As notícias são tão iguais! Boas ou más, que não
para mim...
3.10.14
OS LUSÍADAS, um ou dois novelos...
De vez em quando, surge um aluno mais corajoso
que me pergunta se no meu blogue haverá alguma coisa que ele possa aproveitar.
Como resposta, limito-me a sorrir e a encolher os
ombros. Que outra resposta lhe poderia dar?
Hoje, contudo, vou explicitar o modo como decidi
"salvar os náufragos" que se atreveram a colocar o pé nas estâncias
92 a 100 do Canto V de OS LUSÍADAS. (Uma boa parte dos alunos, só
agrilhoando-os à nau é que começaram a copiar tópicos do quadro, sendo preciso
ameaçá-los que ou liam os versos ou não havia registos para ninguém...)
Comecei pela ideia de que cada estância é
composta por um ou dois novelos que é necessário deslindar, isto é, encontrar
uma das pontas do fio e segui-la, de forma linear. Para não destroçar os
especialistas em análise literária, trouxe à rede a palavra-chave, a
necessidade de encontrar a clave de cada novelo.
A estância 92 rapidamente virou mar de sargaços,
mar em que o novelo se desfazia a cada tesourada, tal foi a dificuldade em
descobrir o que o Poeta parecia ter escondido:
«Qualquer nobre trabalha que em
memória / Vença ou iguale os grandes já passados.»
Por outro lado, o individualismo contemporâneo
tornou-se num óbice à compreensão de que honrar a estirpe exige
que o indivíduo procure a FAMA não para si, mas para a linhagem, a família ...
Outro escolho foi compreender que o herói, seja Alexandre Magno, Augusto ou
Vasco da Gama, só atingirá a IMORTALIDADE se encontrar quem possa cantar - Homero, Virgílio,
Camões...
Encontrada a primeira chave, pareceria que o
avanço na estância 93 seria fácil: Entre Aquiles, Alexandro, Milcíades,
Temístocles, qual deles seria a ponta do segundo novelo? Não cito as hipóteses
apresentadas para evitar equívocos de quem está disposto a não pensar! A
resposta simples era Alexandro (Alexandre Magno) que, pela sua condição não
precisava de igualar ou superar os outros heróis. Alexandre deleitava-se com a
Poesia porque eram os poetas quem poderiam colocá-lo "em memória" -
no caso, Homero.
Descobertas duas chaves, talvez pudesse deixar
que os alunos encontrassem as restantes. O problema é que a estância 94
(atualmente, estrofe!!!) apresenta dois novelos que é preciso deslindar: 4
versos para o primeiro e quatro para o segundo.
No primeiro novelo, o nobre (ver chave da estância 92) Vasco Gama «trabalha por mostrar» que as navegações
antigas não estavam à altura da «sua, que
o céu e a terra espanta».
No segundo novelo, o Gama sai de cena, pois não
esteve à altura de Augusto que soube recompensar «a lira Mantuana» - Virgílio -
com «dões, mercês, favores e honra tanta».
Entretanto, os náufragos já começavam a pensar
que a estirpe do Gama não igualou nem superou Alexandre ou Augusto no seu amor
pelos Poetas que «os libertaram da lei da
morte...»
Aberto o caminho, tudo é mais fácil! Será?
2.10.14
Um novelo sem olhos levanta-se a cambalear e,
quando se esperava mutismo total, começa a desfiar os horrores do mundo,
minuciosamente.
Razões e explicações, em nuvens, cruzam os ares,
deixando-nos atónitos e com vontade de chorar. Entretanto, o choro suspenso
dilata-nos as meninges anunciando eminências pardas e deixando os telhados sem
pardais...
Os corvos estão a chegar!
O resto são notícias de breves vitórias e muitas
derrotas. Já começa a cheirar a enxofre e o gás pimenta obriga-me, finalmente,
a chorar.
1.10.14
O atleta e a cadeira - incidente crítico
Pensar-se-ia que hoje nada de significativo
poderia acontecer na rotina escolar de uma turma do 12º ano de escolaridade: o atraso na
chegada e a pressa de partir mantêm-se.
Convém clarificar que tal não acontece com todas
as turmas. No entanto, as turmas de Línguas e Humanidades insistem em desprezar
a pontualidade e o rigor, e em apostar na vulgarização e na boçalidade. Claro
que há exceções! É em nome dos alunos pontuais, dispostos a aprender que, aqui,
registo episódios que não deveriam ter lugar...
Hoje, o atleta, vindo da aula de Educação Física,
apresentou-se, arrastando uma cadeira arrancada à galeria, sob o pretexto de
que esta era mais confortável - ela permitia-lhe acomodar melhor a coluna que
teria sido submetida a esforço doloroso durante um qualquer exercício não
especificado...
A cadeira acabou devolvida à galeria...
Entretanto, umas horas mais tarde, descobri que a
cadeira fora introduzida na sala sob o pretexto de que não haveria o número
necessário de cadeiras na respetiva sala...
30.9.14
Estou farto de engraçadinhos que pedem desculpa
Estou farto de engraçadinhos que só sabem
fazer associações espúrias. Vivem da piada boçal, do sorriso trocista, do desconchavo
patético... Desprezam quem é zeloso e procura, a cada passo, aprender...
Chegam atrasados, interrompem descaradamente o
trabalho em curso, e acreditam que "pedir desculpa" é quanto basta.
Nunca ouvem nem registam uma instrução; mantêm o manual fechado e mostram-se
surpreendidos quando são chamados a modificar o comportamento...
O problema é que são os engraçadinhos que fazem
carreira política e acabam por nos governar. E foi na escola, na minha
escola, que aprenderam a "pedir desculpa"!
Um destes dias, bato com a porta!
29.9.14
O Estado Português contra o Estado Islâmico...
Portugal prepara-se para participar na coligação
contra o Estado Islâmico. Quer dizer: o Estado Português decide participar na
coligação "mundial" contra um "estado" que não existe...
E não existe porque, pelo menos, na primeira
fase, o que está em causa é a ocupação de território, vitimando todos os que
encontram pelo caminho.
O que significa que há um território
"indefeso" porque os Estados que, supostamente, deveriam assegurar a
sua defesa são fracos...
E é essa fragilidade dos Estados que é
preocupante, porque ela está cada vez mais dependente da coligação mundial de
interesses.
A Nação Portuguesa é, hoje, dirigida por um
estado fraco, que abandona grande parte do seu território, tornando-o
indefeso, deixando-o ao alcance de uma qualquer horda que resolva
ocupá-lo.
O que eu não compreendo: Como é possível
aceitar falar de um "Estado Islâmico"? Será que este novo
Estado é construído por uma Nação Islâmica? Qual é verdadeira causa
da ação de destruição levada a cabo no Oriente Médio?
O que eu desconheço: Quais são os verdadeiros
efeitos da ação de bombardeamento aéreo levada a cabo pela Coligação?
O que me deixa perplexo: Todos dias se fala do
Estado Islâmico como uma identidade, mas ninguém se preocupa em criar um Estado
Arménio, um Estado Curdo? Será que o Estado Português tem alguma coisa a dizer
sobre esta matéria ou, apenas, está interessado em obedecer às ordens da
Coligação?
28.9.14
A maioria dos comentadores políticos repetem
diariamente que o povo português está desiludido com a classe política.
Duvido! Se tal fosse verdade, o povo ter-se ia
revoltado e teria deitado pela borda fora políticos e apaniguados.
O desfasamento entre a ação política e o
interesse doméstico e pessoal é de tal ordem que até os anarquistas foram
varridos das ruas e das páginas da imprensa escrita e do audiovisual...
A desilusão pressupõe um período de ilusão, de
sonho, de utopia. Ora, as últimas gerações mais não têm feito que revindicar
uma fatia do bolo...
E o dia de hoje não altera nada! A corrida continua a ser: a partilha do
orçamento! Quanto ao povo, este dorme, dorme, dorme...
Quem está desiludido, sou eu!
27.9.14
Carlos Moedas e os brinquedos para porcos…
Vivo há anos preocupado, nem vou dizer com o quê,
porque ninguém quer saber das minhas preocupações. Mas como não quero ser
egoísta, estou aqui a pensar no azar do futuro comissário europeu Moedas que
vai ter de distribuir 80 mil milhões de euros, ele que se habituara a cortar, a
torto e a direito na fazenda do vizinho.
Parece que na próxima 3ª feira, Moedas terá de responder
a 40 perguntas para ficar a saber se é o homem adequado, não para cortar, mas
para distribuir tantos milhões pela ciência, pela investigação e pela inovação.
Cavaco já disse sim – que era o melhor que nos poderia ter acontecido! Pelo que lhe disseram, porque, de
verdade, há muito que não tem certezas…
Como acredito que a esta hora Moedas esteja a ser
submetido a uma redentora sabatina jesuítica, apelo a que oiça atentamente a
emissão desta tarde da TSF, transmitida do Montijo. Acabo de ouvir que uma
parte desses milhões pode ser aplicada na produção de brinquedos para porcos…
Se não tiver tempo de ouvir a referida emissão,
lembro-lhe que, em Bruxelas, estão reunidos 60 sábios porcinos a discutir o tipo
e a duração dos brinquedos que os porcos podem utilizar durante os tempos
livres.
Caso uma das 40 perguntas incida na ocupação do
tempo dos digníssimos suínos, recordo ao Doutor Moedas que um porco vive, em
média, quatro meses. Se retirarmos o tempo que passa a dormir, a comer e (…),
ainda sobra muito tempo para brincar. Há, no entanto, uma questão que algum
arguto membro do júri lhe poderá colocar: – Será que um porco ficará feliz,
melhorando a qualidade do presunto, se o produtor lhe oferecer uma bola?
Cuidado Doutor Moedas, esta resposta obriga a
conhecer os porcos, e não só os dos montados alentejanos. É uma das áreas de
investigação mais prementes para a defesa do bem-estar do porco europeu, muito
distinto do porco do Tio Sam e do Terceiro Mundo.
A TSF ensinou-me hoje que uma bola não é um
brinquedo satisfatório para o porco europeu. Ao fim de 15 dias de brincar com a
bola, mesmo se do CR, ele sente-se enfastiado…
Em conclusão, Doutor Moedas, se quer ganhar o
lugar não se esqueça do bem-estar do porco europeu e, consequentemente, do
nosso e, em primeiríssimo lugar, do seu.
26.9.14
Já não encontro ninguém que reconheça que de
determinado assunto nada sabe. Desconheço se o estado do conhecimento atual
deve ser considerado como sincrético…
Em cada ação verbal pressinto que o interlocutor
detesta que lhe seja atribuído esse estatuto. O interlocutor moderno finge que
ouve e acredita mais no que vê… os restantes sentidos, entretanto, vão
definhando se algum dia desabrocharam…
O interlocutor não dá tempo ao locutor. Rasura-o
e cavalga-o despudoradamente, mesmo que para isso tenha de desconversar, de
mentir, de amalgamar. O interlocutor galopa numa estrada de ambiguidade e de
ambivalência…
O interlocutor desconhece o silêncio e o deserto
e o abismo… O interlocutor, apavorado, despreza o nada.
O interlocutor não descansa enquanto não mata o
locutor. Não aquele que há em mim, mas o que há em si! O interlocutor é um
génio e eu sou o NADA.
25.9.14
Dos que mentem e furtam com unhas políticas
«A primeira máxima de toda a Política do mundo
é que todos os seus preceitos se encerram em dois: o bom para mim e o mau para vós.» Anónimo do séc.
XVII, Arte de Furtar.
No dicionário da política portuguesa, os termos
"mentira" e "furto" ocupam lugar de relevo. Não há dia em
que não sejamos confrontados com uma nova mentira ou um novo furto, com a
particularidade dos protagonistas já não se satisfazerem só com o furto ou só
com a mentira...
Será necessário nomeá-los?
Há por aí uns tantos comentadores bajuladores,
preocupados com a governação da res
publica, que,
confrontados com a venialidade dos seus mentores, acabam de descobrir que,
neste país, para ser político é necessário ser santo.
Ao ouvir pensamento tão beato, não pude deixar de
associar duas ideias: a) Só chega a santo quem faz carreira como pecador; b)
nos últimos dias, os governantes têm vindo a reconhecer os seus pecados,
pedindo desculpa aos fiéis e, até, aos infiéis...
Afinal, não há motivo para desesperar: os
pecadores já estão a subir ao Céu. Só que o Céu deles fica, cá, na Terra.
24.9.14
Professor, li hoje no seu 'Blog' o texto: «Sou
contra os TPC por princípio.»
E agora, sendo contra os TPC não por princípio,
mas por meio e fim, fiquei também contra a ideia do professor (que não entendi
bem se o professor a defendia realmente ou estava apenas a ser irónico...).
Não vejo qualquer problema em que os alunos peçam
ajuda aos professores e que se aproximem deles para tirar dúvidas, acredito até
no benefício que um tempo dedicado apenas a essa tarefa, conhecido como
"Apoio", possa trazer. Mas será no fundo esse o problema? Vamos agora
aumentar a carga horária de forma que todos os alunos façam aquilo que não
fizeram nas aulas? Parece-me que é uma decisão pouco refletida...
A meu ver, existem dois tipos principais de
alunos que não "progredirão ao ritmo exigido", aqueles a quem não
lhes interessa progredir, aos quais eu chamo 'desinteressados' (e com os quais
vejo demasiada gente não se "ralando") e aqueles que até são
interessados, mas não conseguem progredir (sabe Deus porquê, julgo eu).
Estes últimos parecem-me aqueles para quem o
"Apoio" deveria ser a solução.
Mas sendo franco, creio que qualquer um com ou
sem dificuldades, pode procurar informação, interessar-se por ela,
desenvolvê-la e evoluir com isso.
Os trabalhos de casa não deveriam ser uma
obrigação, mas sim um interesse do aluno; parece-me que a ideia de o trabalho
de casa ser obrigatório e verificado é perigosa. Inverte-nos as ideias, deixa
de ser uma tarefa para o aluno e passa a ser uma tarefa do professor.
Com a habitual exaltação,
Manerix Ventus
Poucos são os alunos que têm a coragem de abordar
questões que são decisivas para a vida familiar e, sobretudo, para a
consolidação da aprendizagem realizada na sala de aula. Manerix Ventus é uma
exceção: fá-lo sem tibiezas.
Compreendo que possa surgir o temor de que o
tempo vivido na escola pudesse aumentar, caso os TPC fossem realizados na
Escola e não em Casa. Esta decisão, a ser tomada, exige uma clarificação da
matriz curricular de cada ciclo de estudos e, consequentemente, do tempo
necessário à sua aplicação.
Por outro lado, as tarefas de consolidação das
aprendizagens não visam substituir a inatividade a que muitos alunos se
entregam durante os tempos letivos - até porque, em regra, essa falta de
aplicação é substituída, com claro prejuízo para os restantes alunos, por
comportamentos informais de quem se encontra numa esplanada...
Na perspetiva de Manerix Ventus, compete ao aluno
procurar o apoio de que necessite em fontes diversificadas e não apenas no
professor, deixando de ser um sujeito passivo às ordens de pais, tutores,
professores, explicadores... Só posso concordar, apesar desta assunção da
responsabilidade pelo aluno estar condicionada pela idade e, particularmente,
pela sua maturidade...
Finalmente, quero tranquilizar o meu
interlocutor, pois ele desconfia que eu esteja a ser irónico ao colar-me ao
enunciado "Sou contra os TPC por princípio.» Como deve ter entendido, eu
não prezo os TPC, pois, em muitos casos, eles são sinónimos de pouca
inteligência, apesar de exigirem repetição e memorização.
A IRONIA, se existe, resulta de a incapacidade do
sistema educativo encontrar estratégias de consolidação da aprendizagem que não
provoquem instabilidade familiar, sobrecarga física e desperdício de tempo e de
recursos materiais e humanos...
A IRONIA, se existe, resulta da incapacidade de
PENSAR e de FAZER PENSAR.
Obrigado, Manerix Ventus!
23.9.14
O reino deles é o pronto-a-vestir
Os meus alunos detestam alfaiates; preferem o
pronto-a-vestir!
Tirar as medidas, fazer as provas não é com eles.
Hoje, revi-me no alfaiate, atento aos detalhes, convencido de que o todo só
assentará que nem uma luva se por trás houver um protótipo a suplantar... Ainda
pensei que faria sentido que ignorassem a Odisseia ou a Eneida, mas o fastio é
mais extenso. Pouco lhes interessa que a Epopeia lusa celebre os heróis
(navegadores, reis e outros que, por mérito, se foram libertando da lei da
morte) e menos ainda os preocupa que, no seu tempo, o Poeta denunciasse a
apagada e vil tristeza que se apossara dos dirigentes, a começar pelo rei...
O reino deles é o ponto-a vestir!
O debate entre Seguro e Costa deveria ter
decorrido numa barbearia (ou numa alfaiataria). Lá há tesouras, há navalhas que
bem poderiam ter utilizado para que nos víssemos livres deles. Dum PS
fratricida! Também, o reino deles é o pronto-a-vestir!
22.9.14
"«A
Revolução» de que ele e os seus amigos nunca paravam de falar seria como
apontar um lança-chamas a tudo, até restar apenas terra queimada, e depois -
bem, era simples - ele e os seus amigos reconstruiriam o mundo à imagem deles.
Uma vez vista, esta realidade tornava-se óbvia, mas depois havia que enfrentar
um pensamento: como podiam pessoas
incapazes de organizar as suas próprias vidas, que viviam em permanente
desordem, construir alguma coisa que valesse a pena?" Doris
Lessing, O Sonho mais Doce, editorial Presença, pág. 59
Passo os dias a pedir aos meus alunos que, na
apresentação oral e escrita da obra lida, em vez de se fixarem
interminavelmente no enredo, aproveitem para destacar o que terão aprendido
durante a leitura...
O excerto de O SONHO MAIS DOCE, de Doris Lessing,
é um bom exemplo do que é possível apresentar e debater com os colegas de turma
(e não só!) ...
Nos anos 60 (tal como nos anos 70, em Portugal),
a Revolução fazia parte do discurso quotidiano das juventudes europeias; o que
era necessário era deitar abaixo as instituições e depois se veria... E é neste
"depois" que tudo se torna caótico, porque, afinal, os modelos da
"revolução" eram totalitários... Os jovens que detestavam os pais,
que abandonavam as escolas, que viviam em "comunidades" só podiam
reconstruir o mundo à sua própria imagem...
São estes jovens (e os seus filhos) que, hoje,
governam o mundo - um mundo igual ao dos seus pais, embora mais precário e
asfixiante...
Terá valido a pena?
21.9.14
Um ministro polémico que a quase tudo diz NÃO...
Pessoalmente, NÃO vejo qualquer motivo para considerar o Doutor Nuno Crato
"uma personalidade polémica".
Sempre gostei de ler entrevistas, só que as
respostas de Nuno Crato a João Céu Silva (DN 21 de setembro de 2014) deixam-me
frustradíssimo.
Quando leio uma entrevista, procuro compreender o
pensamento do entrevistado, o móbil das suas ações.
Ora o pensamento e a ação de Nuno Crato são
fáceis de configurar. Se NÃO,
vejam:
- O diretor-geral NÃO faz
parte da equipa governamental...
- NÃO estou de
acordo com essa perspectiva...
- NÃO, NUNCA afirmei isso...
- NÃO estou
a comentar sobre o futuro
- SEMPRE tive um
relacionamento muito bom com o ministro Vítor Gaspar...
- A educação é o futuro do país...
- NÃO tenho
reparado nisso ...
- NUNCA o
vi a incentivar jovens à emigração...
- A educação é o setor do país que afeta mais
pessoas...
- NÃO queria entrar nesses pormenores
...
- NÃO é
verdade...
- NÃO o
diria...
- Alguns comportamentos NÃO são
aceitáveis...
- NÃO sei
responder caso a caso...
- NÃO sei dizer
o que são Mega agrupamentos...
- NÃO preciso
de um segundo mandato.
- NÃO é um
assunto que conheça o suficiente.
- NÃO há
despedimento de professores contratados, nem conheço algum professor
despedido.
Li a entrevista e fiquei cansado. Felizmente, o
ministro confessa que NÃO precisa
de um segundo mandato...
20.9.14
«Sou contra os TPC por princípio.»
«.... da mesma forma que eu não tenho
qualquer autoridade na elaboração de um exame, na escolha das disciplinas que
são lecionadas aos meus filhos, na forma e no ritmo com que o professor dá as
aulas, também a escola não deve invadir o nosso final do dia e apropriar-se de
um tempo que não é seu por direito. Os trabalhos de casa são uma espécie de
tempo roubado aos pais, às famílias e às crianças.» Inês Teotónio Pereira, i 20 setembro 2014
Hoje, sábado, enviei um mail a 75 alunos a
especificar o trabalho de casa, a curto e a médio prazo. Fi-lo por falta de
tempo, pois, na sala de aula, continua a haver alunos que pensam estar em casa
- despreocupados e a preguiçar...
Inês Teotónio Pereira é contra os TPC, porque
estes roubam tempo «aos pais, às famílias e às crianças».
Por uma vez concordo, até porque há muitos alunos
que, sobretudo, ao fim de semana, passam o tempo a mudar de casa: ora, a mãe;
ora, o pai; ora os avós...
O problema é que, sem tarefas de consolidação das aprendizagens,
os alunos dificilmente progredirão ao ritmo exigido.
Então, como resolver o problema sem perturbar
mais a vida familiar?
Creio que há uma decisão que poderia ser tomada
pelo MEC, agora que as escolas adotam, na sua maioria, o turno único: As
tarefas de consolidação de aprendizagem seriam feitas na escola, com supervisão
de professores contratados para tal função.
... Os alunos não necessitariam de transportar
os materiais escolares de casa para a escola e da escola para casa; as tarefas
de consolidação de aprendizagem eram verificadas de imediato; os pais deixariam
de culpabilizar os professores; o desemprego diminuiria; o sucesso escolar
aumentaria...
19.9.14
«No final de Julho, o endividamento total da
economia portuguesa atingia os 444,3% do
produto interno bruto do país, o que representa um peso de 740 mil milhões de euros que o
sector público e privado têm às costas.» i, 19 setembro 2014
Estes dados, em termos de educação, exigem um
programa nacional de combate à iliteracia económica e financeira. Porém, o MEC
não dá nenhum sinal de que querer contribuir para a necessária mudança de
mentalidade...
As consequências estão à vista: uma classe
política inapta que, no entanto, sabe que não corre o risco de ser afastada do
poder, pois o sistema educativo está desenhado para perpetuar a iliteracia de
qualquer maioria...
18.9.14
"Houve
um erro dos serviços do Ministério, não das escolas nem dos diretores."
Nuno Crato
Nos ministérios da Educação e da Justiça há
demasiados e gravosos erros. Sabemos, entretanto, que a culpa é dos serviços...
ou de quem os não avisou.
Os ministros surgem, também eles, como vítimas, e
é nesse estado depressivo que se dirigem ao país e aos deputados para dizer que
não têm culpa.
E eles já aprenderam a pedir desculpa em público.
Se o tivessem feito no confessionário, teriam, pelo menos, de rezar um Pai
nosso e uma ave-maria...
E a responsabilidade de quem é? Já alguém
foi demitido ou pediu a demissão?
17.9.14
Na sala de aula, o plural não passa de convenção...
Há quem não tenha coragem de expor verbalmente as
suas certezas; basta, no entanto um olhar ou um sorriso ou a combinação de
ambos para destapar preconceitos ancestrais...
Não é fácil combater esses estereótipos; de
qualquer modo esperar-se-ia que a escolarização ajudasse a combater a
bestialidade que domina as atitudes de determinados indivíduos que se
consideram superiores a todos aqueles que deles se distinguem por alguma
propriedade: a inteligência, a cor, a religião, a etnia, a ideologia, a
idade...
Por isso, volto a insistir nas noções de ponto
de vista e de visão do mundo - na multiversidade. O termo pode parecer
estranho, mas anuncia a possibilidade de existirem passagens, não apenas no
nascimento ou na morte, mas também entre lugares, povos, culturas, religiões.
Para que tal aconteça são necessários cada vez mais línguas (interpretes) que vivam
nas fronteiras dos preconceitos e que, assim, possam ajudar a compreender que a
língua que falamos é expressão dos nossos estereótipos ou da nossa
disponibilidade para resolver os problemas no interior das línguas, e não fora,
com recurso a ferramentas destrutivas mais ou menos avançadas...
Claro que haverá quem pergunte se o multiverso
existe, tão habituados que estamos ao universo. Vivemos tão intensamente os
ciclos de vida que acabamos por ignorar (ou desvalorizar) os ciclos que se
desenvolvem mesmo ao lado, não fossemos nós apenas EU. O plural não é mais do
que uma convenção...
16.9.14
Marta “queria
saber dos homens-estátua: se ainda lá estava o que se mascarava de estátua de
pedra, com uma pomba batendo as asas por cima da cabeça, ao som da música de
Mozart…» Passagens, A
Cerimónia, pág. 152.
A Cerimónia corresponde à
terceira parte do romance Passagens. Ponto
de encontro e Noite são as duas outras partes de um
velório interminável, em que a Morte ganha voz através da defunta, das
empregadas do Lar para onde fora atirada na fase final da vida, e, sobretudo,
dos familiares que, sob a forma de diálogos platónicos, procuram fazer o luto,
exorcizando a responsabilidade de cada um. No essencial, a rememoração visa
desfazer a ilusão de vidas que se queriam conseguidas, mas que, na verdade,
eram produto de uma imaginação delirante… (A certo momento, comecei a pensar na
escrita do esquecido Augusto Abelaira…)
Da Morte à Vida vai apenas um pequeno passo, em
que o acaso parece ter
um papel determinante. Um passo de abertura, de passagem… Longe de Deus, tudo
acaba, por ação do fogo, devolvido aos restantes elementos primordiais.
Ana 2: «Como imaginas a passagem?»
Ana 1: «Sem sobressaltos, previsível.
Apenas um regresso aos elementos, ao ponto de partida. Através do fogo voltar à
terra, ao ar, à água. Continuar a fazer parte do ciclo da vida.» op.cit., pág. 129
De leitura rápida, este romance bem construído, revelador da fragilidade
das relações familiares, levanta-me, no entanto, uma questão: qual é o seu
destinatário?
15.9.14
Carta de Maria de Lurdes Rodrigues
Apesar da desvalorização profissional e salarial
a que os professores foram submetidos, publico esta Carta porque sempre tive a
sua autora como uma mulher trabalhadora, determinada e honesta. Como acontece
frequentemente na atividade política (e não só), a consciência pessoal não é
determinante: a rede de interesses e de influências esmaga a determinação e a
honestidade do decisor, sem que este consiga romper a malha que o aprisiona...
Em política, não há mãos limpas!
Carta enviada
hoje por Maria de Lurdes Rodrigues em reação à sentença
da Justiça:
Posição sobre a
sentença
1. A sentença proferida
neste caso é de uma enorme injustiça. Reafirmo que não cometi qualquer crime e
que não desisto de lutar para que se apure a verdade e seja feita justiça.
Tenho grande orgulho em ter servido o meu país como ministra da Educação e de,
em todos os momentos, ter dado o meu melhor na defesa do interesse público.
Regressei à minha atividade profissional no ensino e na investigação e tenho
orgulho do trabalho que, entretanto, realizei. Nunca me dediquei a traficar
influências ou favores. Vivo hoje, como no passado, exclusivamente do meu
trabalho.
2. Fui acusada do crime
de prevaricação de titular de cargo público por, alegadamente, ter beneficiado
João Pedroso solicitando-lhe um trabalho jurídico que não seria necessário,
através de procedimento ilegal. Ignorando-se o que se passou no julgamento,
daquelas acusações resultou a minha condenação. Ora, no julgamento fez-se a
prova de que: — o trabalho era necessário. As testemunhas ouvidas, incluindo
quatro ex-ministros da Educação (dois de governos do PS e dois de governos do
PSD ou PSD/CDS), confirmaram a necessidade e importância do trabalho solicitado
e a inexistência de recursos jurídicos internos para o realizar; — as decisões
por mim tomadas foram legais. Fazem parte do processo um relatório do Tribunal
de Contas e um parecer jurídico do Professor Mário Esteves de Oliveira que
demonstram a legalidade dos atos por mim praticados; — eu não conhecia João
Pedroso, não tinha com ele relações de amizade, profissionais ou outras, nunca
tinha desenvolvido com ele qualquer atividade profissional ou política nem
tinha, com ele, qualquer afinidade político-partidária.
3. Além de
injusta, esta sentença é de enorme gravidade, constituindo um precedente que
põe em causa princípios básicos do Estado de direito e do regime democrático.
De facto: — fui condenada sem qualquer prova direta da acusação que me foi
feita (como foi, aliás, reconhecido pelo próprio Procurador nas suas alegações
finais). Para a prática do crime de prevaricação é necessário que o titular de
cargo político tenha decidido conscientemente contra o direito e com intenção
de prejudicar ou beneficiar alguém. No julgamento não houve uma única
testemunha nem existe um único documento que indique ter eu agido com
consciência de não cumprir a lei. Pelo contrário, ficou provado que decidi com
base em pareceres dos juristas do Ministério. Como não houve a mínima prova de
que tivesse intenção de beneficiar a pessoa contratada. Faz parte do processo
um parecer do Professor Figueiredo Dias que, analisando os factos e argumentos
da acusação, confirma a inexistência, neste caso, de qualquer crime; — a
fundamentação da sentença viola o princípio da separação de poderes. As
instituições de justiça podem e devem julgar a legalidade ou ilegalidade dos
atos praticados, não a sua necessidade ou justificação política; — houve, neste
caso, uma instrumentalização da justiça no âmbito de conflitos
político-partidários. A ideia do putativo crime nasceu na Assembleia da
República em 2008, com intervenções de deputados do PSD e do PCP. Foi, aliás,
um deputado do PCP que apresentou, na Procuradoria, a denúncia caluniosa em que
todo este caso se baseia; — a argumentação usada pelo Ministério Público na
acusação, bem como pelo tribunal durante o julgamento, revelam a existência de
preconceitos sobre os políticos, em particular sobre os políticos que exerceram
ou exercem cargos governativos.
4. Lamento que, no
Portugal democrático e num Estado de Direito, seja possível usar o sistema de
justiça para perseguir pessoas apenas porque exerceram cargos políticos ou
porque, nesse exercício, defenderam escolhas políticas diferentes das dos queixosos,
ou dos instrutores, ou dos julgadores. O sistema de justiça existe para apurar
e provar inequivocamente a prática de crimes, não para perseguir pessoas cujo
único “crime” terá sido o de aceitar o desafio de servir o seu país.
Continuarei a lutar pela minha absoluta absolvição, eu que não devia ter sequer
sido acusada. Continuarei a lutar pela verdade e pela reposição da justiça a
que tenho direito.
Lisboa, 15 de Setembro
de 2014
Maria de Lurdes
Rodrigues
14.9.14
Jorge Pedreira e o preço dos manuais escolares
a) «Eu acho que um produto de menor qualidade
tem consequências pedagógicas porque degrada a relação do aluno e do professor
com o manual escolar.»
b) «A ideia do livro único funciona em
sociedades muito pobres - como os países africanos de língua portuguesa, em que
as famílias não têm qualquer capacidade de comparticipar a compra de um livro.»
Notícias Magazine, 14 de setembro de 2014, Vida Inteligente
Jorge Pedreira, sociólogo, ex-diretor geral do
ensino superior, ex-secretário de Estado adjunto e da Educação (responsável
pela lei de controlo de qualidade dos manuais) e atual presidente do conselho
de administração da UnyLeya, tem um rico currículo, mas é um homem que
deturpa a realidade.
Quem ler a entrevista compreenderá que nos
Estados Unidos há estados
pobres em que «os manuais são feitos em papel mais barato; os
conteúdos são os mesmos, mas os custos de produção são substancialmente mais
baixos» e que a Portugal, país
rico, interessa mais preservar a qualidade dos manuais, mesmo que isso
implique apoios do Estado aos que conseguem fazer prova da sua pobreza...
Para Jorge Pedreira, num país rico e democrático,
o livro único não faz qualquer sentido. O livro único é um privilégio dos
países muito pobres da África lusófona...
Nós não somos muito ricos, por exemplo, não somos
a Noruega, mas, no entendimento de Jorge Pedreira, somos mais ricos do que
alguns estados da América do Norte e, sobretudo, de África, como Angola,
Moçambique... Ou será que estava a pensar na Guiné-Bissau?
O problema é que em Portugal os ricos confundem a
árvore com a floresta para proteger os interesses: privados e pessoais.
13.9.14
A instituição liderada por Carlos Costa diz que o novo conselho de
administração do Novo Banco será conhecido "logo que concluídos os
procedimentos prévios exigíveis". O Económico sabe que esse anúncio pode
ser feito nas próximas horas.
Vítor Bento sai do NOVO BANCO porque não concorda
com o patrão - Carlos Costa. Houve tempo em que pensei que o Governador, amigo
de Cavaco, servia o Presidente, mas estava enganado...
Carlos Costa serve Catroga e os delfins Coelho e
Albuquerque e, em primeiríssimo lugar, a TROIKA. Por seu turno, Vítor Bento, o
conselheiro de Cavaco, serve o Presidente, e a sua demissão vem mostrar que o
Presidente já não manda nada...
Quanto à oposição, esta ainda não compreendeu
que, depois da adesão ao euro, o futuro de Portugal seria de desmantelamento de
tudo o que pudesse ser expressão de alguma soberania... na saúde, na educação,
na economia, na justiça, na finança...
Quem é que nos explica quais são "os
procedimentos prévios exigíveis" à designação do novo conselho de
administração?
Ou seja: teremos nova administração para
desmantelar o que sobra do BES, quando os mandantes encontrarem os homens de
mão...
12.9.14
Ainda que tivesse a voz de ferro...
Ainda que tivesse a voz de ferro (Camões, Os Lusíadas, Canto V, estância 16)
de pouco serviria insurgir-me contra a displicência humana.
No ano letivo que agora se inicia, regresso mais
uma vez à Epopeia lusitana com a mesma sensação: ninguém lê a obra, ninguém
quer ler o Épico, o único épico que experimentou a matéria de que a obra é
constituída...
Constou-me que vai nascer mais um partido -
democrático e republicano ou será republicano e democrático? Aposto desde já
que uma das primeiras vítimas será Camões!
Substituamos, entretanto, a voz de ferro pela voz
de veludo, e pode ser que surja algum jovem que contrarie o meu ceticismo,
lendo, por exemplo, um pequeno conto de Pepetela: «Estranhos Pássaros de Asas Abertas»:
«E passaram
atrevidamente ao largo dele, imparáveis, os barcos daqueles espíritos indómitos
que tiveram o valor de vergar as vontades dos deuses. Mas que outros deuses e
valores irremediavelmente ofenderam.»
11.9.14
Ao aludir à Varanda do Município...
Sabemos que José Seguro odeia todo o tipo de
promiscuidade. Em Penamacor, país natal do Secretário-Geral, ele nunca viu com
bons olhos a familiaridade entre homens e animais. No entanto, lá aprendeu que
tratar “por tu” não só iguala, como, em tempos pretéritos, rebaixava o
interlocutor…
Surpreendido com tal cortesia, comecei a
interrogar-me sobre o verdadeiro motivo de Seguro. Ontem, finalmente, percebi
que a alusão à varanda do município serviu para situar o adversário. António Costa
é, na essência, um candidato promíscuo: Costa foi viver para o Intendente!
Costa recebe nos Paços do Conselho o Jorge Jesus e o Luís Filipe Vieira –
homens que preferem o “tu” a qualquer outra forma de tratamento! Costa promove
as noivas e os noivos de Santo António, esse santo menor que se habituou de tal
modo à promiscuidade que falava com os peixes e as aves… sem, todavia, deixar
de zurzir nos pregadores… Ao Costa só lhe falta fazer como "os querubins
do lar" de Cesário Verde…
Quanto a Seguro, que bem lhe faz o ar do campo!
Domina tudo o que cerca... É pena que esteja de costas para a linha do
Horizonte…
10.9.14
O homem até pode ser seguro, mas não tem futuro
Dois portugueses simpáticos que se odeiam! Olham
e sorriem para o respetivo espelho...
O "ofendido" até pode ser seguro, mas
promete o que, a ser verdade, nenhum eleitor deseja: um candidato que, de antemão, anuncia
instabilidade. Sem maioria absoluta não pode governar; com ela,
demite-se se a TROIKA o obrigar a subir os impostos... Imagina-se soberano de
um país sem soberania!
O "traidor", mais florentino, pouco
promete, a não ser que não fará alianças com o PSD e o CDS. Admite governar sem
maioria absoluta, mas não diz objetivamente se o fará com o PCP e com o Bloco
de Esquerda. Por outro lado, promete unir o Partido. Mas como se
deliberadamente provocou a cisão entre os militantes e mesmo entre os
simpatizantes?
Nenhum deles diz uma palavra sobre o modo de
resolver o problema que, já em 1942, Salazar equacionava: Como conciliar a dependência económica com a
independência política?
9.9.14
Quando determino um objetivo, procuro cumpri-lo
em função do bem comum e pessoal. Avanço sem rodeios, embora frequentemente me
veja agir de forma cortês, quando o mais adequado seria o soco e o pontapé...
Sei, por outro lado, que o caminho mais curto nem
sempre permite atingir a desejada meta. A cada momento, revejo o objetivo e a
circunstância e, na maioria dos casos, sinto-me cercado por fatores endógenos e
exógenos.
Quando os fatores são endógenos, ciente de que
para tudo há um limite, avanço passo a passo, lastimando qualquer cedência,
qualquer recuo: no entanto, o dia de hoje só pode ser a antecâmara do de
amanhã, mesmo que a luz se extinga definitivamente. Neste caso, nada perco; a
vida é razão suficiente.
Quando os fatores são exógenos, ciente de que
tudo se expande à ordem da ininteligibilidade, avanço em círculo, esperando não
incomodar ninguém, se possível facilitar-lhe o caminho: despendo anos, dias,
horas..., sem nada esperar em troca a não ser um pouco de tranquilidade que me
permita avançar passo a passo...
Talvez seja por isso que não compreendo porque há
sempre alguém pronto a acusar-me de ações que eu nunca pratiquei, alguém que me
atribui um poder que eu não tenho, nem nunca tive.
Talvez seja por isso que não compreendo a falta
de ponderação... a ausência de razoabilidade.
8.9.14
Poderá a razão agir indiferente à emoção? Se isso
fosse possível, tal significaria que o coração não se deixaria abalar pelos
estímulos sensoriais...
Uma das formas de iludir a intranquilidade
quotidiana é o recurso à placidez, à paciência. Receio, todavia, que a
paciência mais não seja do que uma manifestação de masoquismo e de autocontrolo.
Tantos são os estímulos negativos recebidos pelo coração!
Mas ninguém quer saber, tal é o egotismo reinante...
7.9.14
Na política como no desporto, na saúde como na
educação, na justiça como na segurança, caímos num lugar indescritível.
Poder-se ia pensar num não-lugar, mas infelizmente o lugar é de violência,
fraude, mentira, saque, desrespeito, ignorância… De nada serve procurar os
rostos, porque todos somados são menos que zero…
E menos que zero mata qualquer utopia, qualquer
outro lugar alternativo a este. Escorregámos para um redemoinho sem fundo, onde
vivemos alapados …
6.9.14
Vazio. Equipamento social vazio neste fim de
tarde…
Vazio. Só as aves, periquitos de colar, pontuam
furiosamente o cimo das árvores…
E eu alargo o olhar, vazio.
5.9.14
Na parte antiga da cidade de Lisboa, os senhorios
(?) procuram recuperar os prédios em ruínas com o objetivo de os rendibilizar.
Quem entra naquelas construções vê certamente a melhoria dos espaços e das
infraestruturas.
Há, contudo, dois ou três aspetos preocupantes: a
estreiteza das vielas e a consequente impossibilidade de mobilizar, com a
necessária celeridade, serviços de bombeiros e de saúde; a inexistência de
elevadores, obrigando os inquilinos a esforços desumanos; e a pequenez das
acomodações, lembrando os viveiros de outrora…
Esta ideia de conservar o antigo tem custos
elevados!
Sufoco!
Não é só o calor e o mau cheiro, mas também a
náusea que se vai abatendo sobre as pessoas… Para além da falta de respeito e,
sobretudo, de responsabilidade… Uns tantos condenados de curta duração e muita
mentira nas arenas internacionais!
Lembrei-me agora do Raul Brandão e por isso mais
não digo.
4.9.14
Ler em português para conhecer
Há uns dias, José Eduardo Agualusa proclamava que
o mercado do livro lusófono em Portugal não tem futuro.
Afinal, o que é que os portugueses andam a ler?
Será que leem, apenas, em Inglês? Ou já deixaram de ler?
E mais importante, ainda, a leitura traz-lhes
conhecimento? Ou só divertimento?
Aparentemente, em inglês, lemos livros técnicos
e, em português, leríamos livros de divertimento... No entanto, os meus alunos,
para se divertirem, preferem ler em inglês ou traduções de autores anglo-saxónicos...
Os que ainda leem!
Deste modo, ler em português para conhecer ou
para se divertir é cada menos frequente. Porquê? Onde é que devemos procurar as
causas? No leitor ou no escritor?
2.9.14
Num artigo publicado hoje no Financial Times, em
conjunto com Karl Lamers, antigo porta-voz da CDU alemã para a política
externa, Wolfgang Schäuble sugere
que a Comissão Europeia passe a ter "um
comissário europeu para o Orçamento, com poderes para rejeitar os orçamentos
nacionais, caso eles não correspondam às regras que acordámos em conjunto".
O pensamento de Wolfgang Schäuble não é novidade!
Já, em 1940, Walter Funk
defendia na capital austríaca: «A
política económica alemã tem por objetivo acabar com a atomização económica da
Europa, considerando uma loucura a autarcia excessiva na qual todo o país
pequeno deseja fabricar tudo, desde o botão até à locomotiva pesada.» No mesmo
ano, já defendera «a intensificação de toda a vida económica no espaço vital
europeu.»
Por seu turno, a 10 de outubro de 1940, Raffaello
Riccardi «descrevia o alargamento da
solidariedade já existente dentro do Eixo e apelava à criação de uma hierarquia económica entre as
nações, que determinaria o acesso às matérias-primas; para esse efeito,
os velhos impérios coloniais seriam redistribuídos.»
Encontrei estas pérolas na obra "
Salazar - Uma Biografia Política”, vol. IIII, de Filipe Ribeiro Meneses. No
Capítulo II, Estudando a «Nova Ordem», páginas 60 e 61.
Vale a pena comparar o projeto italo-alemão dos
anos 40 com o pensamento politico alemão atual. Sobretudo, quando o Sr. Putin
começa a assustar a Alemanha...
E não se esqueçam de comer mais fruta e
legumes: "Comam! Vocês devem comer, eu devo comer, nós
devemos comer", disse o
ministro Christian Schmidt em declarações à Deutschlandfunk, uma rádio
alemã.
1.9.14
O mundo, o sujeito e a máscara...
A virtude estoica é a
renúncia a todos os bens do mundo e cujo curso é fatalmente determinado.
Não sei se a expressão "todos os bens do
mundo" inclui o sujeito. Não sei se o sujeito pode alguma vez assumir-se
como uma entidade autónoma, isto, apesar da longa tradição ocidental proclamar
essa autonomia do sujeito.
Admitamos, por um instante, que o sujeito é
"um bem do mundo" e que como tal se encontra "fatalmente
determinado". Neste caso, que lugar haverá para a renúncia, para a
passividade, para o distanciamento? Admitamos ainda que o sujeito mais não é do
que "um bem do mundo", em que só este último avança ou recua, que
lugar fica para a ação individual virtuosa ou viciosa?
(...)
Por este andar, chega-se à conclusão de que o Bem
e o Mal (Deus e o Diabo) são uma inevitabilidade do mundo a que não podemos
renunciar ou, pelo contrário, propriedades do sujeito que não pode livremente
aspirar à virtude estoica...
(...)
A vida fica deste modo difícil de gerir, incapaz
de compreender se é apenas mundo, se é apenas sujeito. Mas, o pior são as
máscaras que se vão multiplicando e que, na representação, fingem ora ser o
mundo, ora ser o sujeito.
31.8.14
«Em relação ao futuro, o Brasil será cada vez
mais um país fundamental para quem escreve em português. Ainda não é assim, mas
os nossos leitores no Brasil estão e vão continuar a crescer, porque em
Portugal não têm como aumentar.» José Eduardo Agualusa, DN, 31 de
agosto de 2014.
Palavra fácil e cristalina!
O escritor conhece a importância do mercado e por
isso é, cada vez mais, um mercador da lusofonia. Uma boa parte do tempo,
gasta-o a viajar, a promover o último livro. Encontramo-lo onde a procura
aumenta, onde os mecenas gostam de produzir o acontecimento literário. Coitado,
o escritor anda numa roda-viva, tantas são as solicitações!
Por vezes, penso que a exposição pública do
escritor não é muito diferente da do político. O que me aflige é não perceber
onde é que eles arranjam tempo para pensar, para escrever, para agir...
A única alegria que me sobra é ter, finalmente,
percebido que, neste verão, os portugueses passaram o tempo a ler - porque em Portugal (os leitores) não têm
como aumentar.
PS. Creio que o mapa está desatualizado! Um dia
destes, os escritores lusófonos passarão a viajar para a Guiné Equatorial... Se
eu fosse escritor, estaria atento à palavra do Presidente Teodoro Nguema
Obiang...
30.8.14
Terminei a leitura de OS MEMORÁVEIS. É um romance
que se lê com gosto. Li-o em menos de uma semana. Primeiro com curiosidade,
depois com entusiasmo e, finalmente, com uma certa frustração. Terminadas as
entrevistas aos homens de Abril, a narração procura explicar o enigmático
António Machado, mas fá-lo de forma estereotipada, criando um tempo omisso de 6
anos (2004-2010). Talvez a escritora, Lídia Jorge, tenha decidido guardar esse
“tempo omisso” para o próximo romance… Veremos!
No lugar do lago, pensava colocar um banco
vegetal, mas a fotografia foi interrompida por uma chamada. Na verdade, o que
estou a querer dizer é que a contemplação da natureza pode reservar-nos tanto
prazer como a leitura de um livro, de um semanário…
Para além da leitura e da contemplação, a vida
também pode ser fruída nos seus momentos de euforia e de disforia. O problema é
quando a disforia se torna dominante…
29.8.14
Lanço de escada no Hospital dos Capuchos
Sempre que vou ao Hospital dos Capuchos, saio a
pensar naqueles idosos, muitos, diabéticos e quase invisuais, armados de
próteses, umas visíveis, outras invisíveis que, diariamente, são obrigados a
subir um lanço de escada, situado à direita da porta que dá acesso à consulta
de oftalmologia.
Sentados, em duas filas, os pacientes falam do
atraso do respetivo médico, do desrespeito pela ordem de marcação: há quem
chegue mais tarde e seja atendido primeiro, apesar de não ter sido recentemente
operado. Alguns falam da surpresa de serem obrigados a pagar atos médicos
anteriores, como, por exemplo, a dilatação dos olhos. Cada gota tem um preço!
Só ninguém dá atenção àquele lanço de escada que
uns tantos, em função do diagnóstico, acabarão por subir trôpega e
lentamente...
Há, apesar de tudo, uma enfermeira que valoriza a
leitura e que acabou por me dizer que eu devo ser uma pessoa que gosta de
livros. Ao colocar-me as gotas, ela olhava repetidamente para o livro que eu
colocara na cadeira vizinha...
E aí eu aproveitei para lhe recomendar a leitura
de Os Memoráveis, um romance muito bem construído e, sobretudo,
capaz de nos questionar sobre o passado recente, tal como acontecia com a
personagem Margarida Lota sempre que entrevistava um dos "heróis" do
tempo perdido.
Finalmente, a escada surgiu-me como uma bela
metáfora do ato de ler. E se, em cada degrau daquele lanço de escada, estivesse
aberto um livro?
27.8.14
Na Primavera de 2004: «Pode-se dizer que em trinta anos, como é natural, a revolução, numa
primeira fase, deu lugar à devolução. Depois da devolução, como é natural
também, passou-se ao período normal da evolução, e da evolução, como é comum em
todos os processos semelhantes, passou-se à involução, e daí à denegação, foram
apenas uns anos.» Lídia Jorge, Os Memoráveis, pág. 183.
E hoje, passados 40 anos, em que fase nos
encontramos? Espero pela resposta da Lídia Jorge.
Ao ler o último romance da autora, vou pensando
nos escritores românticos que não tinham receio em abordar os acontecimentos
recentes, fugindo à tentação do romance histórico. Lídia Jorge situa-se nessa
linha que procura influenciar a decisão, contribuindo para a abordagem da
política no sentido nobre do termo. Por isso a leitura de Os Memoráveis se
torna prioritária, nem que seja para permitir uma análise despreconceituada do
estado atual da nação.
25.8.14
Por razões várias, hoje não tencionava queixar-me
de nada: nem dos antibióticos que sou obrigado a tomar de 12 em 12 horas, nem
dos inaptos que não vale a pena identificar, nem das mentiras de quem nos
desgoverna...
Só que às 21h15, a NOS resolveu atacar: primeiro
para o telefone fixo, depois para o móvel.
Por causa da NOS, paguei há dias 11 euros para
bloquear as chamadas anónimas. Entretanto, a NOS deixou-me em paz durante três
dias, mas, como são persistentes, resolveram o problema, passando a ligar dum
número identificado.
Explica-se-lhes meia dúzia de vezes que não
estamos interessados, que estamos fidelizados, que não gostamos de ser
assediados com perguntas sobre "quanto paga?", "quem é o seu
prestador de serviços?" "se não gostaria de pagar menos?"... e
desculpam-se que a culpa é do computador que parece encontrar-se em roda
livre...
Mais comentários para quê? A liberdade, afinal,
também serve para assediar o consumidor...
24.8.14
Os Memoráveis: há um limite para tudo...
«Há um
limite para tudo, até para a memória. Sobretudo para a memória. Além de que
todos seremos esquecidos.»
Esta asserção, atribuída à personagem Miguel
Ângelo, encontra-se na página 104 do romance Os Memoráveis de Lídia Jorge.
Talvez seja essa a razão que levou a autora a
escrever esta obra. Lídia Jorge procura, assim, combater o esquecimento e,
sobretudo, a falta de informação das novas gerações.
Temos, deste modo, aqueles que esquecem por
conveniência, por excesso de atualidade ou, simplesmente, por decadência
mental; e aqueles que não chegam a tomar conhecimento, porque, aos primeiros,
não interessa que o passado recente se constitua semente do presente e do
futuro.
Os primeiros, os que agem por conveniência, são
todos aqueles que, conquistado o poder, temem que a memória da esperança e da
alegria revele a sua verdadeira natureza...
Estou em crer que o romance Os Memoráveis bem
poderia fazer parte do corpus de
leituras recomendadas no Ensino Secundário.
22.8.14
XXVIII
Embora não soubesse o que meu ser conseguiria,
Lutei pelas rédeas que controlavam o meu destino;
Em tudo o que encontrei revelou-se-me um ser que guia,
Que fez meu drama só para me expor ao seu ensino.
Aceitei minha vida sem ser vã nem vazia,
Pois senti que trazia em mim um mestre disfarçado
Das tantas dúvidas e dos erros da minha fantasia;
Aprendi a compreender o meu destino traçado.
Tudo o que acontece parece um movimento espiritual
Que me eleva para lá da dor e do sofrimento
Ainda que na minha alma procure ser casual
No meu peito acorda o âmago do ensinamento.
Cada qual, na sua maneira de ser, quer acreditar
Que é um universo que a cada instante acontece,
Mas uma só gota de água é já o universo a meditar
A máxima perfeição do nada que somos neste ser que arrefece.
Por isso trago comigo a gota que me ilumina,
Fecho os olhos e sinto em mim a sua natureza;
Vivo avidamente o que nesse sonho predomina
Pois sei-me da essência da absoluta certeza.
Aqui liberto a minha inocência ao ingénuo acaso,
Tudo é belo e pleno, da natureza do intenso;
Vivo no tempo com a segurança de não ser prazo
Na vida, que brota confiante, imersa no imenso.
XXIX
Indagando aos vãos destinos mais resignados
Vi-me despido de ilusões num mundo de eleitos
Que vagueiam às portas da verdade, em passos desencontrados,
Na mesma ânsia que projetou meus ímpetos insatisfeitos.
Expus meu desespero, que há tanto vigorava sem resposta,
Ao esclarecimento da sageza de uma alma superior;
Minha urgência aumentou a evidência que lhe foi suposta
E deu-se o reencontro eterno fundindo-me no seu interior.
A força da personalidade a quem eu implorava compreensão
Mostrou-se maior, plena de uma atração de confiança,
Que consagrou meu espírito no seu que vence a dimensão
Da minha razão rejubilante desse ápice de mudança.
Agora sou um só na imensidão de reflexos que alma sente,
Codificada na mesma expressão que concentra o universo;
Tudo se identifica em si que é manifestamente presente
A unidade que nos fez centelhas de um ser disperso.
Assim sou, quem em si é, uma inconsciente sublimação
Refeita de caminho, nesta alma fugaz mais resoluta,
Ciente de um rumo que apraz a sensibilidade da devoção
De ser um só numa meditação totalitária e absoluta.
Não há dois nesta vida complexa de razões contrárias,
Feita de espelhos que só iludem a integridade de cada ser;
Pois faça-se luz em todas as certezas arbitrárias
E fique certo que é em si que flui o auge do amanhecer.
XXX
Da psique cósmica ao indestrutível mito
Mataram Deus, mas imortalizaram a luz
Pilar que a minha identidade reproduz
Dentro de si, onde pulsa o eco do infinito.
XXXI
Insustentada pela pobreza da resignação,
A mente consegue abstrair em cada certeza
A verdade, que é tão emocional e simbólica,
Na potencialidade da nossa sublime natureza.
Meu ser, dominado pela criação,
Despoja-se da ânsia da procura
E medita na grandeza da sua essência,
Sensível à totalidade em que perdura.
Sem dar sentido à existência,
Meu corpo rejubila o céu e a terra
Em conformidade com a fé que o eleva;
Ele é a prova viva que a resposta encerra.
Sou uma partícula que flutua à deriva
Dos sentimentos que aprazem sublimados
Na expressão máxima da potencialidade do ser
Que se extasia na certeza dos inconformados.
Os anseios que minh'alma exprime
Dirigem-me ao limiar da perseverança
Para reencontrar a minha verdadeira riqueza
Na unicidade que a harmonia alcança.
O desassossego não é tão incompreensível;
Eu concluo, recetível a esta autoterapia
Do que é passivo e consciente da sua perfeição,
Que é pelo dom de si que cada ser principia.
Absorvido pela água e envolvido pelo firmamento,
Sou o que sinto: a paz, o pleno, o eterno, o sublime;
A ânsia, afinal, era a voz desse chamamento:
"Sou em Si! Sou em Si!"
... Então eu vi-me.
Exmo. Sr. Professor Cabeleira Gomes
Aqui estou, mais uma vez, na qualidade
de seu ex-aluno, para pedir-lhe uma crítica sincera, pois eu estou preparado
emocionalmente para qualquer tipo de argumentação, a este pequeno ensaio de
alguns dos meus últimos poemas. Como o Sr. foi a única pessoa a quem recorri e
que muito atenciosamente me recebeu e não me desapoiou, apesar daquilo que (a)
escrevia não ter tanta lucidez como espero que agora esteja mais presente neste
trabalho despreocupadamente humilde, espero ter a honra de ter uma crítica esclarecedora
sua da sua experiência e sageza que me oriente nos próximos ensaios. Aguardo
atentamente uma resposta sua e espero não lhe tomar demasiado tempo.
Desejo que a sua
família se encontre harmoniosamente feliz.
Peço desculpa, mais
uma vez, pelo incómodo
Do seu "insatisfeito"
ex-aluno e amigo
Abílio Jorge Cosme
21.8.14
XXIII
Vi no azul eterno do teu olhar
Quanto padece quem vive tristonho,
Quantas folhas do diário deve molhar
Pelas mágoas incapacitadas do teu sonho.
Vi no azul eterno dos teus olhos
Quanta sombra invade o teu jardim,
Quantos barcos naufragam quantos escolhos,
Quantos dias negros quantas noites sem fim.
Na tua canção até a melancolia era doce,
Embalando meu ser que já não resistia
E até ser dia, abraçámo-nos e chorou-se .
Abençoada ternura que não pede por desgosto,
Tua alma isolou a beleza da dor que existia
Naquela gota de eternidade caindo pelo meu rosto.
XXIV
Vesti-me para te amar,
Mas a traição vestiu-se primeiro;
Tudo ficou vago como o mar
E o meu ser não tem paradeiro.
Corre à procura do porquê.
Morre aos olhos de quem o vê;
É pesadelo aquilo que sonhou.
Não há trevas que o escondam
E nem as verdades que o sondam
Mostram a realidade que o apanhou.
Dispo-me do corpo adolescente,
Quero voltar a ter esperança;
Meu ser quer volver à nascente,
Ser semente ávida de mudança.
Tu foste a mensagem cruel selada a lacre
Que eu, ingénuo e convidativo, solicitei.
O que torna a minha vida acre
É esta inocência com que te acreditei.
XXV
O meu coração padeceu por mil
Em todas as batalhas sem dó,
Ergueu um muro de betão e aço,
Procurou um abraço mas teve-se só.
O meu coração padeceu por mil
Por todos os destinos que se separaram,
Procurou almas que se unissem em conforto,
Mas meu ser está morto nos olhos que cegaram.
No infortúnio deste mundo vil
Encontrei agora a paz derradeira
Para o meu coração que padeceu por mil.
Leguei a um forte talismã a sorte
De padecer por mil uma dor verdadeira;
E eu, já livre, ergui-me àquela morte.
XXVI
Quem da vida aproveita
Todo o seguro que se lhe ofereça
Merece a alma de uma colheita
Que, depois de feita, ainda amanheça.
XXVII
Abençoada solidão
Que me lega a doutrina
Onde me revelo a imensidão
Que a unidade imagina.
Nem religião nem crença
Explicam o que eu sinto;
Meu ser humilde pensa
Com um coração distinto.
Qual é a força que elege
O sentimento mais puro,
E o destina e protege
Até que singre maturo?
Dispo uma estrela do céu
Da distância que nos separa:
O firmamento também sou eu
despido da minha cara.
Do universo, a única visão
Que atinge o infinito
É que meu corpo é, sem divisão.
A totalidade do que eu acredito.
É aqui que eu estou só, sendo pleno
Tomara ter outra vez um metro e oitenta,
Estou certo que cego estaria mais sereno
Mas esta é a solidão que meu ser inventa.
XVI
Perco-me na esperança de ser alguém
A quem a vida instruísse por aparências
Os símbolos da comunhão interna do além
Que são dentro de nós falsas demências.
Se o que hoje é confuso o amanhã o explica,
porque é que não adormece a minha mente,
Que está tão inquieta a desmontar a sua réplica,
E amanhece noutra visão de carácter diferente?
Este é o carma que me traz contrariado
Pois não estou contente com os donos do absoluto;
Dizem que são traumas, mas eu estou só avariado
Por ter neste teste um código irresoluto.
A vida é quem nos dá a propriedade distinta,
Mas a mim a vida deu-me uma insatisfação tão ingrata
Que me mata num laboratório aos trinta,
Com sedativos e relaxantes, e não me trata.
Cobaia é como me sinto, dentro da jaula,
À espera de vez para ser mais um teste;
Só espero estar livre, findando a aula,
Desta minha pele, identidade cruel que me veste.
Muito já eu aprendi sem julgar ninguém:
Dentro de mim perco-me num labirinto
De emoções explicadas em termos que seguem
Não só o que eu penso mas mais o que eu sinto.
Se na alma a vontade de ser eu amarga,
Que outro poderia ser que mais me agradasse?
Apercebo-me agora do conteúdo desta descarga:
- Aceitem-me, por favor! ... E a fusão dá-se!
XVII
No teu rosto pairam dúvidas,
As mesmas que a tua alma concebe;
Só que ao teu ser são repetidas
Na plenitude em que ele as recebe.
No teu rosto flamejam ânsias
Dirigidas pela tua alma inquieta;
Para o teu ser não há distâncias
Tudo é já, numa visão concreta.
No teu rosto apelam saudades,
Alma que retém o que não ficou;
No teu ser são tudo eternidades,
Auges que o acaso gratificou.
A tua realidade está presente:
O teu ser é trigo, bago a bago,
Que nutre a alma carente.
No teu rosto resta o meu afago.
XVIII
Pela resistência do teu sentimento
Na paciência que me dedicaste:
Amaste! Mas deixaste no convento,
Sem alento, meu coração em desgaste.
Sofro o desencontro na saudade,
Mas ainda invisto seguro no destino,
Pois acredito que toda a casualidade
Se revelará mais tarde em ensino.
Minha ausência foi próxima à fuga
Da amálgama de contrastes indefinidos;
Só agora minha esperança o olhar enxuga
Da distância em que meus olhos morriam perdidos.
Talvez teu pensamento nada diga à minha razão,
Ou teu corpo esteja deformado à minha imagem,
Ou não haja mais fervor para a nossa fusão,
Ou seja só eu debitando uma nova coragem?
Não sei se medito a culpa se a frustração?
Só depois do Inverno a Primavera se estabelece,
Resplandecentemente, ciente de que é a nova estação;
Assim fosse o ciclo deste coração que se esclarece.
Trago a afeição acorrentada à carência
Daquela paixão única que levaste contigo;
Só as vivas memórias dessa experiência
Me preenchem ainda que para meu castigo.
XIX
Trágica foi aquela noite
Nas verdades que me disseste:
Foi o espelho, foi o açoite...
Rasgaram-me ... E tu morreste.
Recusei-me crescer até ti;
Cobarde, meu coração ainda dói.
Naquela noite eu não senti,
Mas o amor é quem constrói.
Foi cruel minha vaidade
(Palavras julgaram por nós);
Decidiu-se na meia verdade
O silêncio que nos sufocou a voz.
Desde aí, é nesse silêncio vão
Que minha mágoa deposita
A força da incompreensão.
Se eu pudesse voltar atrás
Mostrava-te o medo que me habita
E que me impossibilita de estar em paz.
Essa paz que tu hoje és.
E eu aqui ainda na ânsia
Beijo teus mortos pés
Para matar a dor desta distância.
XX
Viver é ser pleno do seu sonho,
Iludir-se pelo ínfimo mais deserto;
Amar é preencher e dar tamanho,
Acreditar esse sonho mais de perto.
XXI
Sonhei que eras um Sol
Num outro sistema planetário,
Originavas as estações do ano
Mas num outro calendário.
De manhã: um brilho azul.
Ao te pores: um mais violeta;
E davas uma vida breve
Ao sétimo planeta.
Harmonizavas a natureza
Daquela terra sem nome:
Eras a mãe da sua beleza,
Eras o pão para a sua fome.
Era daí que eu te admirava
Todos os dias com devoção,
Ansiava meu pequeno ser
Chamar a tua atenção.
Certo dia cedo morri
Empedrado de absoluto;
Fizeste-me em segredo
Um eclipse no teu luto.
Meu sonho transfere-me:
Acordo a teu lado,
Chamo-te por menina:
Desculpa ter-te acordado.
Fixaste os meus olhos
Contrariamente feliz;
Reparei então nos teus
Uma expressão que sempre diz:
" - Estou aqui! Sou eu!"
Não morri! Estou a vê-la!
Seu brilho ainda cintila
No teu olhar, minha estrela.
XXII
Quanto custa pôr um sorriso no teu olhar?
A noite vem devagar amordaçar-me de beijos,
Arrefece lá fora e eu por dentro a fervilhar
Aqueço os abraços que nos fundem como desejos.
Esqueço que este planeta tem rotação,
O mundo pára na expectativa do momento:
O meu mar invadiu o teu em turbilhão
Tornando-nos no mais belo espelho do firmamento.
Surgem das cinzas sorrisos incandescentes,
Voltam as estrelas aos céus cintilantes,
Sente-se a fé, no eco dos meus olhos crentes
Criar o dia da luz para os ensejes delirantes.
Teu mundo renasce para que o meu se recomponha.
Dou sem negar, nenhuma sofreguidão me assusta;
Sou árvore eterna, sou auge que a alma sonha.
E um sorriso no teu olhar, quanto custa?
20.8.14
XII
Minhas garras sôfregas e possessivas
Libertam meu desespero e inquietude;
Um pássaro veio morrer nas mãos passivas
De um novo homem, mais pleno da sua atitude.
O Inverno alojou-se pleno de frio intenso
Gelando um mar de ilusões sem esperança;
Em tudo se manifesta o que eu penso
Mas nada herdo do que o sentimento alcança.
Visto de vazio o eco das minhas pretensões,
Nada do que ambicionei se manifestou real;
Na verdade ilustrei fugazes emoções
Na incerteza de promover meu ideal.
Uma ideia transtorna meu dúbio caminho:
Até que ponto se revela minha fantasia?
É que mesmo hoje ainda faço sozinho
O que de errado, outrora, eu tanto fazia.
Não posso corrigir defeitos dos quais não estou certo,
Nem posso continuar a mentir-me com falsas qualidades;
Mas ingenuamente sincero entrego-me mais aberto,
Só que tão de perto que sou eu só nessas verdades.
Assim eu me vejo pássaro morto em tortura
Naquilo que tentei agradar para ser sem rejeição:
Foi o desespero que resgatou na íntima procura
A cobardia derrotista dos meus gestos de afeição.
XIII
A verdade é um pilar inconstante
Da cegueira da nossa firmeza;
Quem dela está perto é mais adiante
Sendo o último a ter a certeza.
XIV
Na minha vida, um dilúvio de dúvidas
Inundou a parca esperança de saber responder
Às necessidades emocionais mais escondidas
Pela desvalorização da intimidade a se dissolver.
Mas um dia acordei já muito diferente,
Minha vontade foi começar tudo de novo:
A casa, a obra, novo espírito, nova mente;
Hoje a vida é bem mais aquela que aprovo.
É nas pausas que repouso pensativamente:
"Como seria se tivesse decidido outro rumo?"
Mas a alegria de estar como estou é proeminente.
Agora peço por amor, coragem e estabilidade,
Pois minha vida renova o que assumo:
Nada me retém! Nem a ânsia da saudade!
XV
A opinião ilude quem a defende
E a usa como razão que protege.
Minh'alma egotista só compreende
A dignidade do caminho que ela elege.
Assim, não recebo a harmonia do engodo
Das tuas versões sóbrias e inteligentes.
Com desconfiança, analiso esse todo,
Mas o que sinto é meu, pois somos diferentes.
Se de repente teu olhar desaprovasse
Um mero raciocínio de carisma ilógico,
Creio que pudesse aceitar a ironia e a calasse
Pois, face a face, meu delírio é trágico.
Meu coração trava uma luta simbólica,
E não é por vencer que se torna feliz.
Sua natureza é de resistência melancólica,
Pois nem eu compreendo o que ele quis.
Meu mundo interior manifesta-se incompleto,
Incoerente com o ímpeto da minha conduta:
Ambiciono revolucionar meu discurso directo,
Ser mais concreto com o que a alma escuta.
Não há noite sem dia que a complemente;
E o que hoje é um entrave à minha evolução
Não é senão o que germinará da semente
Do que sinto urgente, inconsciente e sem solução.
19.8.14
VII
Que diz o poeta que nos desmonta
As máscaras com que nos defendemos?
Brinca no sofrimento ao faz-de-conta
E chora os ridículos fundamentos que temos.
Acredito o quão perigosa é esta arte
para as certezas que envolvem a personalidade;
O intruso penetra-nos e, depois, põe-se de parte,
Que nem nos apercebemos de tal agilidade.
A descoberto fica a alma que nos sustenta,
Desprotegida para a sensibilidade perigosa
Daquele que nos atrai numa sedução lenta
À falsa intimidade da maleabilidade que goza.
E nós confiantes em quem nos compreende,
Seduzidos pela visão que nos traz a resposta,
Perseguimos a razão que nossa alma depreende
E confundimos a individualidade que nos é suposta.
Quem nos obriga a ter uma maneira de ser,
Corpo ou nome que nos matam o infinito?
O poeta responde que tudo flui do padecer
Das emoções que nos intercetam em delito.
Identificamo-nos com as sugestões que creditam,
Dentro de nós, a confiança na sensibilidade;
Vivam os poetas que não nos acreditam
Mas que nos projetam para dentro da nossa realidade.
VIII
Quero dar cor a cada palavra,
E melodia ao que eu digo;
Mas o que penso é força que lavra
A terra árida que eu mendigo.
IX
O mar é o eco do movimento,
Desassossego pleno de vaivém,
Tão inquieto como o meu tormento
Que me tortura a chaga que lhe convém.
Sedenta minha angústia reflete-se
Sentindo minha alma sempre assim;
A saudade prolonga e compromete-se,
Repete-se o mesmo mar dentro de mim.
IX
Meus olhos crescem
No meu sonho que se evidencia,
Quero ser mais completo
D'amor de mãe ou de maresia.
Quero fazer por amar
Sem engolir o fruto,
Rejubilar sem vergonha
Pleno do reflexo que é bruto.
Os fragmentos são sociais:
- Pára! Será que existes?
Sem qualquer tentativa
É outono e tu desistes.
Com tanto para amar
Adotei eu a ironia:
Defendo ser incapaz
Mas nem tento essa sintonia.
Como me refaço
De tal anomalia
Se insatisfeito me reprimo
E me mato em hipocrisia?
O jogo é eterno sedutor
Para quem se conhece na fraqueza;
Reconheço a minha pobre aptidão
Pois meus olhos cresceram na incerteza.
X
Não sei ao que me disponho
Nesta angústia que me enlaça;
O tempo é só o que a alma passa
E eu só quero viver outro sonho.
Já não sei mais amar esta vida
Nem defender o que ela me oferece;
Minh'alma mora num corpo que arrefece
Favorecendo esta mágoa tão sentida.
Sou uma substância inerte em peso
Cujas qualidades se perderam na viela
Onde supus uma luz, a mais bela,
Mas que escureceu meu coração indefeso.
Já nem sei bem o que é sofrer;
Acabo por não ter o que me enlaça
E, cadáver rejeitado só de massa,
Esqueço a fonte que me fez viver.
XI
Procuro no mar o meu empobrecer:
- Será que à minha vida virá o ser,
Que ontem fui, à procura do infinito?
Caio no desespero e já não acredito.
Fui pleno e belo no meu acontecer,
Mas já sou o que está a morrer;
Trago o tédio que me faz demorar,
Pois sou a lágrima que não sabe chorar.
Vítima do que fui eu não errei
(Socorro! Socorro! Que já não sou rei!).
Já não sei da razão do meu existir,
Quero poder e já só sei desistir.
Já não há vontade que me iluda,
Até a verdade se tornou absurda.
Projecto um mundo menos rico,
A fortuna passa e eu justifico.
18.8.14
Em dívida com o Abílio Jorge Cosme
Em dívida com o Abílio Jorge Cosme! Já passaram tantos anos... O que
irei transcrever neste e nos próximos posts não é da minha autoria. Foi me
deixado numa caixa de correio, em Ouressa, Mem Martins.
Sou em Si, de ACosme
Breve Prefácio
Eis-nos perante um exemplo em que o poeta se projeta
no espaço que cria e transmite ao leitor com convicção uma vivência toda ela
muito sofrida e muito pessoal. Mas, como em tudo o que é real, ou seja, a
realidade é variável assim como o que é projetado. Com isto pretendo alertar
para o facto de que o "Sou em Si" não é mais do que o ser projetado
do autor. Deparamo-nos com o exemplo de poesia viva, ou seja, que toda ela
nasce, vibra e se alimenta do muito real caso humano. Muito poderia ser dito,
mas talvez nada se revele necessário dizer, pois as palavras confundem uns e
outros e a poesia é já por si um todo.
VANDA SUSANA
I "Esta breve romagem
Ao interior das nossas feridas"
Acho que já escutei a tua voz ecoar
nas esquinas da minha vida, ...
Acho que sempre te conheci:
Há algo de ti
Que também habita em mim
E sempre habitará até ao fim.
Há no teu olhar uma enorme profundidade
Inquieta, penetrante, ansiosa,
Tão vasta como aquela verdade
Que eu procuro no escuro
Entre as quatro paredes de um quarto fantasma
Onde meu rosto transfigurado
Se vê, perante um espelho, bem delineado.
As tuas palavras são remates certeiros
Desferidos a favor do vento;
Há na nossa existência de guerreiros
Algo que transpõe os limites do tempo.
Pois é amigo
Eu estou contigo na madrugada;
O autocarro onde transitamos
Funde-se numa só estrada.
E se a nossa magia se perder
Por entre os rostos da multidão.
Nós teremos de aprender
A domesticar a solidão.
Praia das Maçãs, 28 de Agosto de 1985
PEDRO SÓ
II - Nota do autor
Vivo em sonho que me procura
Na profundidade que o dignifica:
Tudo me surge sem censura
Numa sublimação que me purifica.
III
Quando, por alguma razão, nós rejeitamos aquilo
que somos e pretendemos modificar o nosso comportamento perante a natureza que
nos envolve, então partimos à descoberta de reflexos que o ser mantém nas
profundezas ainda inconscientes à nossa personalidade. Quando alguém recupera
os sentidos ou a razão diz-se que voltou a si, daí este "SOU EM SI"
trata, um pouco arcaicamente, de uma certa evolução de alguns conflitos que
marcaram minha vida mais consciente e da tomada de consciência de outros que
ainda me acompanham, de uma forma irresoluta, a vida interior ainda pouco
tranquila na resposta do equilíbrio emocional.
"SOU EM SI" procura um caminho através
da sublimação das carências mais primárias atingindo mesmo uma certa
religiosidade em relação à expectativa do que surge da dificuldade em assumir
uma posição frontal com os medos e a inconstância da saúde mental, que são
factores que dão uma certa irregularidade ao comportamento. Assim, eu já fui o
que não podia ser e ainda procuro uma certa identidade que estabilize e
enriqueça a vida que eu espero. E se eu não conseguir ser eu então que eu seja
em si.
O AUTOR
IV - DEDICATÓRIA
Ao desconforto da incompreensão
Que impulsionou o que eu venci;
À timidez e ao esforço que me recompensam
Neste ensaio para você, eis que SOU EM SI.
V - SOU EM SI
VI
Sou pela lógica prática,
Adepto do pensamento infinito
Sóbria é a beleza matemática
Que demonstra o que eu acredito.
17.8.14
Salazar e Passos Coelho: o primado do financeiro
«Não é
razoável pôr questões de confiança sobre redução de orçamentos ou a eliminação
de verbas. Só quem administra o conjunto sabe do que pode dispor...» notas
de Salazar (1939), in Salazar
uma Biografia Política, de Filipe Ribeiro Meneses.
F.R.M conclui: Salazar reafirmava o primado do
financeiro sobre o ideológico.
Na verdade, o que é que distingue a doutrina de
Passos de Coelho da de Salazar? Por outro lado, será que a razão que levou
Passos Coelho ao poder é diferente da de Salazar? E quanto à conquista e
manutenção do poder, o que é que distingue os dois homens?
Salazar temendo a ideologia (comunista), procurou
combatê-la através da "educação" do homem português. E Passos Coelho
como é que nos formata? O melhor é perguntar a Nuno Crato, às Universidades
privadas (Lusíada, Católica...)
O primado do financeiro foi tão importante para
Salazar que este procurou por todos os meios condicionar o desenvolvimento
económico da metrópole e das colónias. Ora, a política de cortes nas
pensões, nos salários e de controlo dos bancos visa precisamente asfixiar a
economia, ao contrário do que repete a propaganda oficial.
Quem quiser rumar contra esta orientação,
desenvolvendo a economia, terá de começar por se libertar da mentalidade
salazarista. O resto são cantigas!
P.S.: Borges, Gaspar, Crato, Macedo, Luís, Moedas
não passam de laboriosos executantes do primado do financeiro, uns com mais
apetite pelo poder absoluto do que outros... A Salazar esse apetite nunca
falhou!
16.8.14
«Ela passou
informação decisiva sobre a real situação das contas públicas. Havia informação
sobre falta de dinheiro e falhanços nas emissões de dívida que ele (Passos)
recebia primeiro do que Sócrates ou Teixeira dos Santos. Sem ela, nada disto
tinha sido assim.» Expresso,
Revista, 15 agosto 2014
O mistério que rodeia certas figuras públicas
intriga-me, deixa-me desconfiado. Ao ler o Perfil da «Nossa Merkel»,
compreendo, mais uma vez, que a minha desconfiança tinha razão de ser.
Sempre abominei os procedimentos de D. João II,
do Tribunal do Santo Ofício, do Marquês de Pombal, dos reis do Rossio, do Costa
Cabral, de qualquer polícia política (da República, do Estado Novo, da Nova
República), de todos os informadores, anónimos e públicos (comentadores...).
Sempre abominei as conspirações políticas do
passado, e quanto mais reflito sobre o presente mais convencido fico da
inutilidade do voto popular.
Afinal, tudo se passa nos gabinetes estatais,
partidários e empresariais, onde os
informadores são a peça fulcral.
15.8.14
Dúvidas sobre a Prova de Conhecimentos - Curso de Formação de Guardas
Por acaso, tive acesso à Prova de Conhecimentos
2014 (Modelo) a realizar pelos candidatos ao Curso de Formação de Guardas. Uma prova constituída por 80
perguntas (escolha múltipla), distribuídas por quatro Grupos: Língua
Portuguesa; Cultura Geral sobre Temas da Atualidade; Lei Orgânica do GNR;
Estatuto dos Militares da GNR.
Ao analisar o 1º Grupo, estranho a quantidade de
perguntas de natureza gramatical. Os candidatos ao Curso de Formação de Guardas
necessitam de ter uma elevada memória de conceitos gramaticais e, sobretudo, de
ser capazes de os aplicar em situações de enorme ambiguidade, senão de
discutível ciência... Pouco importa se sabem compor um texto, relatar um
acontecimento, descrever um acidente, registar uma participação...
Por outro lado, sem questionar a importância dos
3º e 4º grupos, parece-me que o tipo de perguntas formuladas no 2º grupo é
pouco relevante para avaliar o conhecimento do território, das suas populações
e dos seus protagonistas. Parece que os candidatos estão a preparar-se para o
concurso "quem quer ser milionário"...
Finalmente, da leitura do aviso de candidatura a
este Curso não consigo entender quem é o júri responsável pela elaboração desta
prova tão importante para os jovens que procuram através da entrada na Guarda
resolver um dos problemas que mais os afectam...
14.8.14
Esta noite vou dormir descansado
Esta noite vou dormir descansado: os cortes
salariais mantêm-se em 2014 e 2015. O Tribunal Constitucional sentenciou que só
a partir de 2016 esses cortes serão inconstitucionais...
Esta noite vou dormir descansado: os médicos
consideraram que não tenho razões imediatas para me preocupar. Porém não me
asseguraram que em 2016 o meu estado clínico se mantenha estável...
Esta noite vou dormir descansado: ainda não será
amanhã que me aposentarei. A Caixa Geral de Aposentações aconselhou-me a
escrever uma carta ao Diretor a requerer que me liberte apenas quando for
possível estabelecer o valor final da pensão unificada. Sem a referida carta
poderia ser despachado a qualquer momento...
Para bom entendedor...
E termino citando Salazar, em Março de 1938: A
União Nacional devia ser reanimada de modo a levar a cabo a tarefa crucial de «intensificar a
educação política do povo português para garantia da continuidade
revolucionária.» Filipe Ribeiro Meneses, Salazar, vol.
II, pág.71
Esta noite vou dormir descansado...
13.8.14
Quanto mais leio sobre a autoridade que
supervisiona o funcionamento dos bancos com alvará para atuar em Portugal, mais
convencido fico que os portugueses estão a ser submetidos a um processo de
ocultação sem precedentes.
Isto do supervisor dos bancos se sobrepor à
autoridade judicial intriga-me, enjoa-me. Afinal, quem é que confere ao
Governador do Banco de Portugal legitimidade para, em seu critério, disponibilizar
à justiça eventuais indícios (provas) de fraude praticada pelos banqueiros?
Ao fingir que o Bem pode ser separado do Mal, o
Governador lembra aqueles "ricos" que decidem murar-se em condomínios
fechados para fugir dos "pobres" que, inevitavelmente, veem como um
risco. Como não podem esconder a pobreza, os "ricos" passam a viver
em fortalezas onde tudo é permitido... Os "ricos" não sabem viver sem porta! Claro que estes "ricos" não têm
imaginação suficiente para se defenderem e por isso, tradicionalmente, viviam
cercados de escritórios de advogados, de seguranças, de sistemas de defesa
eletrónicos... Mas isso, hoje, não chega: os "ricos" (e os ministros,
seus servidores, passe a redundância) nomeiam os reguladores, os supervisores,
os assessores, os auditores... E com essa estratégia vão afastando
definitivamente o poder judicial ...
12.8.14
Filhos, nunca digam que são meus filhos!
Aos 31 anos, Luís
Durão Barroso vai integrar os quadros do Banco de Portugal, após uma
contratação sem concurso, adianta o Jornal de Negócios. O filho de
Durão Barroso terá “comprovada competência “e foi contratado para o
Departamento de Supervisão Prudencial.
Os meus filhos não têm culpa do pai não ser
presidente, ministro, deputado, banqueiro, administrador, autarca, diretor,
empresário...
Os meus filhos gastam os dias a entregar
currículos que ninguém lê, embora, por vezes, cheguem a ser entrevistados. O
resultado é inevitavelmente o mesmo: os meus filhos são demasiado
habilitados...
Os meus filhos, por serem filhos de quem são,
nunca serão contratados por lhes ser reconhecida "comprovada
competência"...
O único conselho que posso deixar aos meus
filhos: Filhos, nunca digam que não são filhos de presidente, ministro,
deputado, banqueiro, administrador, autarca, diretor, empresário...
Espero que os meus filhos me perdoem...
11.8.14
Divulga-se a Lista dos candidatos excluídos do
Procedimento Concursal Comum
Acabo de consultar o sítio da Direção-Geral de
Educação (DGE), à procura de confirmação de uma notícia veiculada pelos
jornais: os professores que esperam aposentação podem solicitar ao respetivo
diretor dispensa da atividade letiva...
Não encontrei confirmação, mas pude confirmar que
entre 1 e 8 de agosto não há notícias relevantes, à exceção da pérola em
epígrafe...
Curiosamente, em nenhum dos enunciados há um
sujeito expresso, um pouco como se, no MEC, tudo fosse fruto de uma engrenagem
automatizada.
Não posso deixar de apreciar a subtileza da
utilização da maiúscula e da subalternização dos "candidatos
excluídos" e, sobretudo, admiro o engenho de quem teve a ideia de
substituir o nome "concurso" pela expressão "Procedimento
Concursal Comum". É obra!
Em particular, sinto-me arrebatado pelo adjetivo
"concursal". Um exemplo precioso do que é um adjetivo relacional.
Estão a ver: a) é o adjetivo derivado de base
nominal, que permite a expressão "relacionado com N", sendo o Nome
(N) a forma derivante.
Exemplos: relacional / relação (N); nominal /
nome (N); teatral / teatro (N); concursal / concurso (N); educacional /
educação (N)...
E quanto ao Procedimento Concursal, se não fosse
Comum o que seria? Eu optaria pela minúscula, o que exigiria, no entanto,
homologação prévia. De quem? E lá voltaríamos ao sujeito. Ao Sujeito?
10.8.14
Dá vontade de perguntar se, em agosto, vale a
pena escrever, apesar de nenhum escrevente viver suspenso do leitor estival. No
entanto, a pergunta faz sentido. Basta pensar na degradação do gosto, ostentada
horas a fio nas televisões e nas redes sociais. Basta pensar na degradação de
toda a classe política enfeudada a seitas, a banqueiros, a construtores civis,
a dirigentes desportivos…
No país do bocejo e da boçalidade, já não espanta
que um artista como Rui Veloso tenha decidido suspender a carreira. Há tempos,
Fernando Tordo decidira emigrar…
Infelizmente, dizer que se suspende o que quer
que seja acaba por ser um modo eufemístico de anunciar o fim de uma certa
realidade em vias de dar lugar a uma outra ainda mais pobre.
Dá vontade…
9.8.14
«… a
Constituição de 1933 era o instrumento da vontade de Salazar; ele explorou cada
artigo a seu favor, interpretou as suas ambiguidades como muito bem entendeu e
reescreveu artigos quando já não lhe convinham. Nada nela era afinal definitivo; nenhuma instituição ou prática por ela
criada tinha a garantia de uma vida longa ou de sobrevivência.» Salazar, vol. II, de Filipe Ribeiro de
Menezes.
Ao ler a biografia política de Salazar, não posso
deixar de pensar nos homens que nos governam. Com a cumplicidade de
Carmona, Salazar gizou um projeto pessoal de poder, manipulando a Constituição
e afastando todos os que publicamente se atreviam a contestá-lo, de modo a
eternizar-se como homem providencial.
Atualmente, tudo é gizado do mesmo modo, só que
somos governados não por um mas por vários Salazares. E sempre sob a
cumplicidade do presidente de serviço…
Carmona agia em nome do Exército (a ditadura
militar). Hoje quem mais ordena é a Banca (a ditadura financeira).
8.8.14
Os degraus ajudam a subir ou a descer conforme o
apego que temos à casa. Hoje foi dia de desapego pesaroso, apesar da casa
materna ser outra e de há anos ter sido trocada por esta agora entregue aos
novos proprietários…
Os girassóis nunca habitaram a casa, mas pode ser
que finalmente germinem para assinalar o dia que em ela mudou de mãos. Um
primeiro sinal: aquela menina que estoicamente suportou o ritual de passagem…
7.8.14
Perante a confusão reinante, prefiro contemplar a
disposição das pedras. Não sei se estão bem dispostas, admiro-lhes, contudo, a
leveza que lhes permite serem solidárias sem fastio.
Estas pedras parecem procurar a harmonia na
instabilidade e elevam-se no azul sem procurar qualquer aprovação. Junto delas
respiro sem peias, ainda que por pouco tempo…
6.8.14
Fui à procura de pedras funerárias e olhem o que
encontrei… E ainda recebi um telefonema do Diretor a informar-me da decisão do
MEC. Ao que entendi, se não me apetecer dar aulas, no próximo ano letivo, posso
continuar por aqui. O solo parece fértil, os arroios correm sorrateiros e não
deve ser difícil seguir o caminho das feras… Quanto a alimento, sempre poderei
descer ao povoado pela calada da noite…
5.8.14
Em cima da mesa
um par inútil de lentes
um relógio de
aniversário
notícias absurdas do
dia
versos em prosa
interrompidos
Por
cima da mesa
sol vozes
sons vibrantes e
descontinuados
Ao lado da mesa
ainda com sol
cadeiras brancas
um cão invisível que ladra
Através da mesa
uma lapiseira que goteja
panos enfunados
uma motoreta que arqueja
Para lá da mesa
no lugar de um velho papagaio
imitador de sons vibrantes e descontinuados
só ouço distante o sino das 19 horas
Por enquanto atrás da mesa
branca sem sol
espero o papagaio da voz vibrante e
descontinuada…
Fico surpreendido ao olhar as duas fotografias.
Na primeira, nem o jovem parece correr nem o mais velho parece estar parado. No
entanto, na segunda, o jovem alcança o mais velho. Como? Na sequência, pensava
que apenas um segundo separaria as duas imagens…
Na vida, as coisas não são muito diferentes. Até
há pouco tempo, pensava que conhecia relativamente bem a transição da primeira
república para o estado novo. Tudo me parecia ter decorrido com uma certa
celeridade. Só que ao ler o primeiro volume de Salazar, de Filipe
Ribeiro de Menezes, começo a perceber que a minha perceção da realidade
histórica é demasiado frouxa e está contaminada quer pela propaganda do regime
salazarista quer pela diabolização do regime democrático.
E é pena que tal me esteja a acontecer, pois é um
pouco tarde para poder intervir na barbárie mental que nos rege… Tal como na
minha infância havia uma casa das cobras na torre sineira da aldeia, hoje
também há em nós um banco velho cheio de víboras…
A solução está em voltar-lhe as costas! Quanto às
víboras, elas que se envenenem umas às outras!
4.8.14
O Douro sempre por perto! E eu gasto o dia entre
o socalco e a margem, ora a pé ora de carro. As palavras do Porto Antigo
parecem sorrir-me; o mesmo acontecera na Venda das Caldas. No entanto, eu vou
pensando no destino: uns nascem entre pedras e outros medram nas veigas e nas
lezírias...
Em rigor, nasci na terra seca, entre a serra e a
lezíria. E a água sempre me fez muita falta, de tal modo que, mesmo no verão,
não me importa que chova...
E, hoje, pouco mais quero acrescentar, pois creio
que também deve ter sido por decisão do destino que terá nascido o NOVO BANCO -
um banco elísio...
3.8.14
Marcas de um passado
produtivo e de um presente ocioso, impreparado para garantir o futuro desta
luxuriante região.
Os sinais continuam a
ser de uma economia de subsistência subjugada por obras palacianas.
2.8.14
Eça revisitado: Casa-Museu Eça de Queiroz
A visita à Casa-Museu EÇA de QUEIROZ ajudou-me a
compreender que, afinal, o homem exagerava nas queixas quanto à austeridade em
que se via obrigado a viver. Eça era um cosmopolita que gostava de viver como
tal; de requintado gosto e fino paladar, fruía os prazeres que a vida lhe podia
trazer e, provavelmente, experimentava-os ou antecipava-os através das
personagens que foi criando…
A visita à Casa-Museu permite que me desfaça da
ideia que Pessoa quis impor: a de que o cosmopolitismo de Eça seria fruto do
deslumbramento do provinciano…
1.8.14
Podia ser, mas não é! Tem paisagem natural ou
tinha. Mas alguém decidiu escondê-la. Só espreitando por entre as edificações,
construídas ao sabor do capricho dos donos… Planeamento?!!
Primeira impressão, num dia de verão cinzento.
Exceção: A Casa do Almocreve – acolhedora e bem decorada.
31.7.14
Há uns dias, referi-me, aqui, aos Contos Municipais do António
Manuel Venda, omitindo deliberadamente uma parte do que caracteriza a
construção da narrativa: o recurso à hipérbole, à animização, à caricatura...
Apesar do mérito do autor, o impacto da obra não é grande. Afinal, o meio
retratado é provinciano, quase magrebino. E as elites da capital têm mais em
que pensar e, sobretudo, APOIAR...
Não sei por onde é que andam os caricaturistas,
mas matéria não lhes falta...Talvez, tendo ido ao BES, não tenham vontade de
sorrir nem de fazer rir...
A mim, o que me
espanta é a expressão hiperbólica do fenómeno: "torpedo",
"hecatombe", "catástrofe", "nunca visto neste jardim,
nem no tempo do BPN", "colossal", "trágico", "uma
ministra desesperada por não conseguir ver-se livre disto, refugiando-se em Bruxelas",
"um seguro espantado por ter sido enganado pelo governador do banco de Portugal
(outro costa!) ...
A mim, o que me
espanta é que ninguém esteja preso ou, pelo menos, que alguém se tenha
suicidado...
30.7.14
O médico de família, na sequência de observação
através de ecografia feita e avaliada por médico especialista, entende que o
paciente deve submeter-se com urgência a uma TAC – tomografia axial
computorizada. Só que o exame complementar de diagnóstico tem de ser autorizado
pelo chefe da Unidade de Saúde Familiar (UHF).
Hoje é 4ª feira, a TAC poderia ser realizada
amanhã, 5ª feira. No entanto a autorização só será concedida (?) na próxima 3ª
feira, à tarde.
Consequência: o exame só será realizado no dia 14
de Agosto.
29.7.14
Não sei o que pense desta fraternidade
O investigador imagina-se caçador. O investigado
não quer ser tomado como CAÇA, pois ainda sonha ser a pessoa que nunca chegou a
ser. Não se nasce pessoa e muito menos boa pessoa!
O candidato tudo faz para destruir o candidato. A
única finalidade é ser ELEITO! Depois se verá, se ainda houver povo... Já
começo a pensar em tornar-me candidato para destronar o candidato a candidato.
Só não o faço porque o meu boletim clínico é agoirento e me falta a estrutura
acionista...
O estadista reivindica ser filho do povo, o
banqueiro não se importa de ser bastardo do patrão da criada que o trouxe ao
mundo...
O acelerador de partículas desfaz os miolos a
pessoas que se fazem passar por respeitáveis, mas que, no íntimo, sabem que não
passam de pequenos traidores.
Nada do que possamos fazer ou padecer é original.
Há sempre quem tenha experimentado as mesmas dores, conheça, de antemão, o
nosso futuro. Há sempre quem queira tomar decisões por nós. Ser senhor de
nós.
Não sei o que pense desta fraternidade, se age
por amizade, por piedade ou porque receia a solidão. É, no entanto, uma
fraternidade que nos esvazia, que nos impede de SER.
Quando deliro, chego a pensar que a culpa de
tudo, isto é, da estrutura acionista e da robótica.
28.7.14
Contos Municipais, escritos de baixo para cima...
Terminada a leitura de Contos Municipais, de António Manuel
Venda, quis registar uma ou outra ideia, o problema é que fui assaltado por uma
associação mental... (Trata-se de um conjunto de estórias sobre um
meio pequeno: o presidente da câmara, manda-chuva; a vereação conformista; a
secretária discreta e prestável; a bruxa milagreira maria cadela; o vereador,
chico esperto; a oposição diabolizada
- um meio animizado, com joaninhas e ouriços, dióspiros, um elevador, e o
imprescindível whisky presidencial... E claro, um meio que abomina qualquer
intervenção externa, da capital... do ministério das finanças...).
Entretanto, a associação mental está a ficar para
trás, ou, melhor, está a dar lugar a outras ligações umbilicais: de Mário de
Carvalho a Mia Couto, sem descurar José Eduardo Agualusa. Não querendo comprometer o António Manuel Venda em
qualquer ligação perigosa, regresso à primeira associação mental: Gabriel
Mariano, Cultura Cabo-verdiana, Ensaios...
Pensava eu que me seria fácil recorrer a uma citação
do poeta e ensaísta Gabriel Mariano (aliás, José Gabriel Lopes da Silva)
sobre a importância dos meios
pequenos, quando me apercebi que a relação entre a memória e o lugar na
estante pode tornar-se uma dor de cabeça... Da estante, saltaram, à vez, Vida e Morte de João Cafume, Ensaios, Claridade revista de Arte e Letras... e nada ou quase:
A cultura fez-se de
baixo para cima. Não se fez da Casa Grande para a sanzala como sugere G. Freire.
No essencial, o que tenho a dizer da obra Contos Municipais é que ela foi
escrita de baixo para cima, mesmo quando as nuvens pairavam sobre a Câmara
Municipal de Monchique, de Portimão, de Tavira...
27.7.14
Cito o Expresso, Economia,
26 de julho de 2014:
a) O
secretário de Estado da Administração Pública está neste momento a negociar com
os sindicatos a tabela salarial única e a revisão dos suplementos.
b) O
atual secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins,
nomeado no final de 2013, depois de quase uma década como inspetor-geral das
Finanças, criou e manteve uma situação de exceção para muitos quadros de topo
da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) que dura há vários anos. (...) Existem
atualmente 24 inspetores cuja remuneração é ainda calculada com base em regras
anteriores a 2009, o que, na prática, representa uma diferença na ordem dos
€1500 brutos por mês face ao que ganham os seus colegas que assumiram o cargo
depois dessa data....
- Quantas serão as situações de exceção neste
inefável país?
- Como é que o criador da exceção citada pode ser
o negociador da tabela salarial única?
Hoje também poderia falar de outras situações de
exceção: Marcelo Rebelo de Sousa a comparar o pobrezinho do amigo Ricardo
Salgado com o Paulo Bento; o tristonho presidente da República a comparar a
Guiné Equatorial com a Coreia da Norte...
Vou ficar por aqui, pois não sei o que pensar.
Lembro-me, contudo, que, há pouco tempo, na Coreia do Norte, foi encontrada uma
professora que ensinava Português sem nunca ter tido a possibilidade de
cavaquear com um nativo desta ditosa pátria...
26.7.14
Assinamos um título de responsabilidade, absurdo.
Se não voltarmos a despertar, essa assinatura é uma garantia preciosa para a
instituição (anestesista, médica, enfermeira). Quanto a nós, que importa?
(...) Antes da suspensão, ainda ouvi pense 'em
alguma coisa agradável' e a ilha do Pico, subitamente, eclipsou-se... até que
uma voz máscula gritou 'senhor Manuel, acorde, acorde', cada vez mais
alto.
E acordo, estremunhado, sem perceber o que
aconteceu no intervalo; apenas uma mancha vermelha no resguardo. Ponho-me de pé
para me vestir, vejo ao lado as roupas que deixara no gabinete de acesso e
pressinto que o espaço está diferente, e penso que devo estar na sala de
recobro... tudo tão rápido ou, pelo menos, parece...
O tempo de ontem era tão lento e o de hoje tão
apressado, a não ser que, por momentos, ele tenha estado suspenso.
Recebo os resultados em videograma: as imagens
são esclarecedoras, as palavras nem tanto...
25.7.14
Endofalk é uma dessas
palavras que associo, de imediato, a cadafalso. Porquê, não sei... O termo
designa um «pó para solução oral constituído por uma mistura de sais e
macrogol» - outra palavra que associo a mongol. Associação inapropriada, pois
trata-se de um laxante, vocábulo imaginado por algum preguiçoso...
As minhas associações revelam-se primárias, com
leve vestígio assonântico (ou será aliterado?) ...
A verdade é que estas palavras estranhas acabam
por se liquescer, obrigando-me bebê-las durante três horas à média de 200 a 300
ml a cada 10 minutos. No total, três horas de progressiva bebedeira adocicada!
E para quê?
Para que ao fim de três longas horas, o líquido
volte a sair límpido... e tudo, assim, se mantenha por mais 14/15 horas...
(Estou a
meio da função! Alguém me disse que este procedimento libertar-me-á da
melancolia. A ver vamos, embora já comece a sentir as entranhas...)
24.7.14
Hoje, encontrei um Eurico (noutra versão, um TEO
DURÍCO) na "Relíquia", um Malhadinhas nascido na "Beira
alta", um episódio romântico entre Carlos da Maia e Maria Monforte, um avô
Maia amante da neta, um existencialista acabrunhado com a falta de memória, um
romance ("Amor de Perdição") escrito em apenas duas noites, pois
Camilo estava a ficar cego e admirava os suicidas...
.... uma personagem (Carlos da Maia) que conheceu
uma rapariga (Maria Monforte) que ficou presa na sua cabeça...
Todos estes escreventes admiram a prosa de Eça, de Camilo e de Vergílio
Ferreira.
Ao evitar a citação
procuro fugir do internamento numa casa de saúde mental...
23.7.14
Onde é que estão os países árabes?
A pergunta é de uma palestiniana sob intenso
bombardeamento israelita. Entende-se o desespero da mulher, mas, na verdade, o
problema não é israelo-árabe.
Na Palestina, na Síria, no norte da Ucrânia ou em
qualquer outra parte do globo, o problema tem origem no relativismo cultural
que, desde sempre, desculpabiliza o mais forte…
Enquanto forem permitidos dois pesos e duas
medidas para tratar o desespero humano, tudo continuará como sempre… E para
além do desespero humano é melhor nem pensar!
As imagens de hoje são reveladoras da
incongruência humana – da Holanda, da Palestina, de Israel…
22.7.14
Muito pode o galo no seu poleiro
Hoje, foi dia de 2ª chamada para os candidatos à docência com menos de cinco
anos de exercício. O senhor ministro persiste em selecionar
aleatoriamente os futuros docentes, mandando às malvas a formação universitária
e até a experiência, entretanto, adquirida. O senhor ministro, saído de um
qualquer faval algarvio, persiste na ideia de que governa um país de néscios
desmiolados...
Se ao menos o senhor ministro tivesse coragem
para avaliar as faculdades que certificam os candidatos à docência com menos de cinco anos de exercício, não teria necessidade de
fazer figura tão triste: Muito
pode o galo no seu poleiro.
No meio de tanta prova, também eu fui a exame -
médico. De acordo com os primeiros indicadores, o mais provável é que tenha
reprovado. No decurso do exame, o examinador foi dizendo que o melhor é fazer
um novo exame - mais sofisticado.
Comigo está a acontecer o contrário do que é
habitual: em vez de voltar a estudar a matéria e de repetir a prova no próximo
ano, vou ser examinado até que o SNS se canse de mim...
21.7.14
Custa-me que os bancos permaneçam vazios, apesar
da pátina do tempo. Custa-me que as pessoas tenham de ficar de pé, distantes
dos bancos vagabundos, mesmo se os encontros forem de ocasião ou de negócio
clandestino.
Durante a madrugada, chovera; o piso ainda húmido
apenas testemunha o que a agenda esconde. Não há, todavia, qualquer sinal de
acrimónia. Parece que há acordo sobre o assunto abordado – negócio, crime… algo
em construção
Pelo chão, uma estrutura desfeita, da noite
anterior…
Entretanto, hoje, o amigo Jorge
Castanho ofereceu-me o meu próprio retrato, feito por ele em menos de
trinta minutos. Como eu admiro os artistas que, com um simples lápis, nos fixam
a identidade e, ainda por cima, nos tornam mais jovens!
19.7.14
Dois faróis! Em Portugal, farol é equipamento que
não falta! No entanto, o país continua sem rumo.
Acabo de ler no Expresso, pág. 07, caderno de
Economia – página de publicidade
BES - “MAIS DE 17.000 EMPRESAS PAGAM E RECEBEM À HORA CERTA.» E no
mesmo caderno, pág. 8 “GARANTIA APOIA BANCO SEM CONDIÇÕES”: José Eduardo dos Santos autorizou, em
31.12.2013, o “Ministro das Finanças a emitir uma Garantia Autónoma até ao
valor de USD 5.700.000.000,00 a favor do Banco Espírito Santo Angola, SA…
Será tudo isto verdade?
18.7.14
Há trinta e um anos... Figueira da Foz
Há 31 anos, neste lugar, não era possível
enxergar esta moderna torre sineira. Talvez, o farol fosse o único ponto de
referência. O relógio era um privilégio da Igreja, inimaginável numa praia…
Na verdade, há 31 anos era possível ver a torre sineira, inaugurada em
1947.
Há 31 anos, o dia de cinza acabou numa trovoada
que, por largos minutos, gerou insegurança. Esse acontecimento bem pode explicar
muito do que acontece hoje, sem que alguma vez os protagonistas tenham colocado
tal hipótese.
Há uma dimensão do tempo que nos escapa a todo o
momento, apesar de haver uma hora certa para tudo.
Quanto à altaneira bandeira, às 17h05, ela não
era mais do que um símbolo de caducidade. Um símbolo quase invisível.
E o farol, esse deixou-se cercar, não de ondas,
mas de casario…
17.7.14
Se tivesse aprendido a arte da poda...
“Sabe-se
que a poda orienta o crescimento e apura a produção”, Porfírio Silva, Monstros Antigos
Neto de agricultor, nunca cheguei a aprender a
arte da poda. Jovem desatento, nunca dei a devida atenção ao ato, se bem que soubesse identificar a
tesoura... Pensava que o futuro seria mais promissor se aprendesse a
classificar orações concessivas!
Passados tantos anos, ainda dou comigo a
interrogar-me sobre essa questão fundamental para a «fábrica do mundo» (P.S.):
classifique a oração «se bem que
apreciadas por alguns» linha 25, grupo II, Prova 639 /2ª fase, 2014.
Se tivesse aprendido a arte da poda saberia
orientar o crescimento e não estaria nesta absurda função de censor...
E certamente este meu dia, como todos os
anteriores, seria menos amargo...
15.7.14
Ainda há alunos que querem estudar Latim
Ainda há alunos que gostam de estudar Latim -
alunos que aprendem a amar a cultura clássica; alunos com resultados de
excelência no exame nacional.
O desejo de estudar uma língua clássica pode
parecer surpreendente e anacrónico, pois continua a haver quem pense que o
latim é uma "língua morta", cujo enterro foi oficializado por Eça de
Queiroz e, mais recentemente, confirmado pelo Portugal democrático.
A matéria nunca mereceu grande reflexão ao MEC,
se excetuarmos um ou outro parecer devidamente pago e alinhado.
Na verdade, nos últimos anos, os alunos têm
procurado vencer os entraves à oferta de Latim B, mas sem êxito. As escolas,
apesar da apregoada autonomia pedagógica, inviabilizam sistematicamente
esse desideratum e o MEC
refugia-se na austeridade, na eficácia da utilização dos recursos...
Hoje, continuo impedido de responder
positivamente a um direito dos alunos e a uma necessidade do país!
14.7.14
Há consoantes ásperas no ar...
Apetece-me nada escrever para esquecer, ao
contrário de outras dias em que escrevo para não esquecer... Da primeira vez
que me imobilizei na ideia de nada dizer, surgiu Freud que me alertou para o
perigo dos recalcamentos tardios, apesar da proliferação dos traumas
infantis...
E estava nisto quando Porfírio Silva me alertou:
«O amigo é um animal ingénuo,
que pensa que os outros só podem ver
o que existe.»
Excerto do poema os humanos são grandes
caçadores, Monstros Antigos,
pág. 54, Esfera do Caos Editores
Em síntese, o melhor é ler os poetas e depois ir
dormir...
Vi o Alemanha - Argentina, e a força alemã
sobrepôs-se à força argentina. Já era assim nas arenas romanas! Doravante, o
tempo futebolístico será de organização e de músculo...
Quanto à arte, escassa - apenas a sombra de
Messi! Não compreendi porque representava a Argentina. Ainda se o deixassem
jogar do lado adversário, talvez ele, por um instante, conseguisse sorrir...
Deram-lhe um troféu, e ele, desconsolado, caminhava fechado sobre si, como se
quisesse fugir dali.
Ainda sob o efeito da arena, volto-me para ágora com vontade de esquecer o
tempo perdido, e leio um poeta, para mim, desconhecido - Porfírio Silva, Monstros Antigos, pág.15, Esfera do
Caos Editores, 2013:
Um avião com fadiga do metal
já não é um avião; é outra coisa;
talvez uma escultura
uma escultura perigosa para os passageiros.
(...)
Um corpo com fadiga do metal
já não é um corpo; é outra coisa;
talvez uma escultura;
uma escultura perigosa para os seus íntimos
e reservados passageiros.
E demoro-me a pensar naquele avião que, há dias,
deixou cair umas tantas peças sobre Camarate, sobre o Catujal, talvez uma escultura perigosa para os
moradores...
E demoro-me a pensar se um corpo, como o meu,
cansado, não será outra coisa; talvez uma relíquia de que os passageiros já não
querem ouvir falar...
12.7.14
O último projeto: esvaziar as minhas gavetas
Entre dezembro de 2005 e julho de 2014, os
acontecimentos fúnebres sucederam-se, uns mais distantes outros mais familiares
- as ausências foram substituindo as presenças...
(Enquanto
os rostos se diluem, as silhuetas demoram-se crepusculares.)
Hoje, dei comigo a abrir gavetas e a esvaziá-las.
Imóveis, as gavetas esperaram quase nove anos, e lá de dentro, por entre
aranhiços, ganharam vida os objetos mais inesperados: víveres putrefactos,
perfumes pestilentos, ferramentas enferrujadas, líquidos aviltados, pagelas
conspurcadas, sapatos sem alma e sem par, caixas e caixas de comprimidos fora
de prazo...
(Foi
tudo deitado para o lixo - esse lugar derradeiro que nos faz voltar atrás e
(re)ver os excessos em que vivemos.)
Se, pelo menos, soubéssemos a hora certa para
deitar fora o nosso lixo, as memórias seriam mais leves.
Involuntariamente, abri as gavetas porque, num
certo momento, comecei a pensar que o lixo herdado não deve sobrecarregar as
memórias alheias... Na verdade, hoje aprendi que não posso esquecer-me de
esvaziar as minhas gavetas...
10.7.14
FRANCISCO SARSFIELD CABRAL
«O Banco de Portugal impediu o BES de emprestar dinheiro ao Grupo Espírito
Santo (GES), o grupo da família. E o BES, o banco, está suficientemente
capitalizado para fazer face a eventuais créditos que tenha dado a empresas da
família Espírito Santo antes da intervenção do Banco de Portugal.»
Este enunciado não passa da expressão de uma
crença enraizada na velha cumplicidade entre a política e a finança.
O Governo (e não o Banco de Portugal) deveria
esclarecer qual é a fatia do tesouro português envolvida no capital
"espírito santo" e, também, que montante da dívida portuguesa está
"escondida" nas caves do GES. Infelizmente, o que os políticos e os
banqueiros melhor sabem fazer é atirar os problemas para debaixo do
tapete.
Nos últimos anos, a propaganda e a ação
partidária do eixo da governação, sob o patrocínio de várias organizações
internacionais e do presidente da república, à força de proclamarem as
vantagens da capacidade de autorregulação da iniciativa privada, condenaram uma
parte da população portuguesa ao empobrecimento, ao desemprego, à emigração e,
sobretudo, a um aviltamento inclassificável...
Depois do que aconteceu com o BPN (e a Sociedade
LUSA), este descalabro era previsível. A própria queda de Sócrates já resultou
da revolta dos banqueiros... Só que o novo poder foi chocado precisamente nas
caves "espírito santo". Mudou a plumagem, mas os corvos continuaram à
solta...Pode parecer que não há solução, mas há... e ela passa pela separação
do Estado da Fazenda, tal como no passado foi necessário separar o Estado da
Igreja. E cuidado por que a Igreja continua viva, continua a incubar nas caves
do espírito santo, do Millennium e do BPI...
9.7.14
Há coreto, mas não há festa! Assim me sinto eu,
embora sem o brilho deste – coreto inútil. Talvez o adjetivo seja excessivo,
mas a verdade nos diz que, por vezes, ainda somos úteis para os outros, para os
outros se servirem, só que, a cada passo, sentimos o peso da nossa inutilidade…
Sempre que avisto um coreto, fotografo-o, e
quando não o faço, penso que já houve tempo que havia festa no coreto. Não sei
porquê associo-o à banda da GNR… à charanga, mas esse tempo nunca foi meu…
Hoje, um amigo perguntou-me pela saúde, não soube
responder-lhe de forma objetiva… e logo pensei no coreto. A saúde é como o
coreto: sob o sol ofuscante, brilha, mas por dentro não tem resposta. E como se
sabe não há resposta sem diagnóstico… e eu esforço-me por cumprir os ditames do
sábio, embora lá fundo saiba que o sábio anda errado. Quando ele baixar os
braços, terei oportunidade de lhe dizer que há caminhos sem saída, como coretos
sem festa.
Ah! Como eu gostava de fotografar a saúde! Ou
aqueles que aproveitam os coretos para dar cabo da saúde…
8.7.14
A máscara caiu: Alemanha, 7 - Brasil, 1
A encenação não basta!
A emoção é inimiga da organização!
O individualismo mata o coletivo!
Com Scolari, já tinha sido assim no Europeu.
Com Bento, já tinha sido assim no Portugal - Alemanha...
Scolari nada aprendeu
A continuar assim, o melhor é proibir as crianças de ir ao futebol!
7.7.14
A intensidade e o peso estratégico do nosso relacionamento com Espanha
Dirigindo-se a El-Rei Filipe VI de Espanha, que
não de Hispânia, o nosso Presidente, Cavaco Silva, fez-me correr para o bloco
de notas: «A intensidade e o peso
estratégico do nosso relacionamento…» Apontamento registado, estaquei e
fiquei a pensar na profundidade do pensamento…
Sem palavras, procurei na memória e esta
devolveu-me, sob um verde intenso, o peso da nossa comum miséria: barracas
escondidas, longe do olhar real e presidencial…
A estratégia do relacionamento é demasiado vaga
para que os povos hispânicos a possam abraçar, acostumados que foram ao
afrontamento.
6.7.14
Domingo! Não cumpri nenhum dos rituais em que fui
educado. Não fui à missa. Não descansei. Não vesti fato domingueiro...
Ainda cheiro a diluente! Uma toalha colara-se ao
tampo (tempo?) da mesa da sala, deixando uma penugem esbranquiçada que só com
muito paciência e energia consegui eliminar. À medida que descolava a
substância viscosa ia pensando nos elos que me prendem ao passado, na
dificuldade em superá-los. Compreendi, no entanto, que escrever é aplicar um
diluente que pode dissolver a inabilidade para cortar com o passado em que fui
formatado...
Talvez por isso acabo este domingo a sorrir da
viagem interminável entre a charneca e as primeiras casas da vila de Sintra,
depois de ter dobrado o Arco do Ramalhão, e a pensar que a formação humanística
para além da Literatura não deveria descurar a Filosofia...
Mas esse é outro cavaco, com perdão de Sua
excelência que amanhã irá receber sua alteza, Filipe VI de Espanha...
5.7.14
Por ordem:
Sangrado - a veia, entretanto, vai-se escondendo;
a analista entra em desespero e eu acabo por ter pena dela.
Arrumado, no triplo sentido da palavra - arrumo e
sou arrumado, sobretudo, no supermercado; a cada passo, maior cansaço.
Aliterado - basta voltar atrás, e vejo-me arrasado por três aliterações:
estado em que me encontro por força da agenda que me obriga a nivelar ou a desnivelar 40 provas de
Literatura Portuguesa...
Entediado - o aspirador parece querer sugar-me o
pó que me seca as sinapses...
Esperançado - e se os artistas da bola de hoje
tirassem o protagonismo aos caceteiros de ontem...
... e mais não acrescento para não incomodar nem
os coelhinhos, nem os porquinhos, nem as galinhas!
4.7.14
A agenda em forma de labirinto
A agenda responde por mim.
Devo-lhe obediência plena, e se não cumprir,
alguém ficará muito admirado pois toda a gente espera de mim pontualidade e
eficácia...
Entretanto, eu próprio registo na agenda tarefas
e compromissos a que não poderei escapar. Por enquanto, ainda consigo gerir os
eventos, embora alguns comecem a sobrepor-se e, sobretudo, a questionar a razão
de ser dos restantes.
Legalmente, estou obrigado a cumprir uma
quantidade de tarefas medíocres e, se o não puder fazer, serei
penalizado.
Legalmente, estou obrigado mesmo naquelas
circunstâncias em que a vida se revela escassa...
A Lei impõe-se à Vida, ainda que uns tantos
insistam em falar na "lei da vida"... Nunca percebi que
"lei" é essa, pois a resposta acaba sempre em Morte.
E em tudo isto o mais absurdo é o papel que tenho
tido enquanto regulador, avaliador, coordenador. Também eu determino a agenda
dos outros, esperando deles pontualidade e eficácia, em nome de uma Lei que se
impõe à Vida...
Prisioneiro deste labirinto, escrevo qual Dédalo,
mas a minha sorte parece ser a de Ícaro...
De qualquer modo,
agendo, desde já, que, quando as minhas asas derreterem, não quero que os
pingos sobrantes sejam objeto da bênção e de acompanhamento de qualquer
presbítero. De preferência, os pingos sobrantes deverão ser lançados ao vento
na serra mais próxima...
3.7.14
Triste polémica sobre o lugar de Sophia...
Agora que Sophia foi afastada para o
Panteão Nacional, surge a polémica sobre o lugar da escritora no novo programa
de Português do Ensino Secundário.
Triste polémica!
Sophia faz ou não parte do "corpus" de
leituras obrigatórias na disciplina de Português? - Sim. O MEC até se preocupou
em selecionar a obra, tal como fez para os restantes autores, obrigando os
professores a ministrar a obra selecionada - Navegações - e não outra, eventualmente, mais crítica ou
mais artística...
Na verdade, para o MEC o que é importante é não
dificultar a vida ao IAVE. Este, apadrinhado pelo MEC, encontrou uma receita de
que não quer abdicar para construir as provas de exame nacional e, deste modo,
condicionar a criatividade dos docentes e facilitar a vida às editoras...
O que está em causa para o MEC não é o lugar de
Sophia no Programa de Português, mas, sim, uma certa visão da língua e da
cultura. Basta pensar no argumento de que Sophia pode ser estudada no âmbito da
leitura "orientada", "projeto", "contrato" ou até
na disciplina de Literatura Portuguesa... Para o efeito, fazendo prova de
grande argúcia, o MEC escolheu como leitura obrigatória Contos Exemplares, obra que, no
pós-25 de abril, teve o papel de explicar o que era uma forma simples, mas
culta... Será que o MEC sabe quantos alunos frequentaram a disciplina de
Literatura Portuguesa no presente ano letivo?
2.7.14
O Panteão, o pior de todos os males…
A palavra
Heraclito de Epheso diz:
«O pior de todos os males seria
A morte da palavra»
Diz o provérbio do Malinké:
«Um homem pode enganar-se em parte de
alimento
Mas não pode
Enganar-se na sua parte de palavra»
Sophia de Mello Breyner Andresen, O nome das coisas, 1977
Não me posso associar à decisão da Assembleia da
República, até porque a tradição ensina que quem é trasladado para o Panteão
acaba por ser esquecido…
30.6.14
«Há já mais de um século que se deixou de as
educar para se tornarem adultos. Muito pelo contrário, e o resultado é que os
adultos da nossa época estão educados - estamos educados - para que continuem
crianças.»
Javier Marías, Todas as
Almas, pág. 104, Quetzal editores
Enquanto os pais vivem em permanente alarme, os
filhos, eternas crianças, reivindicam direitos pelos quais nunca mexeram uma
palha, e evitam os deveres que poderiam sinalizar a necessária passagem da
infância para a vida adulta.
Aparentemente, foi criado um estado de
adolescência que deveria durar, no máximo seis ou sete anos, mas que, hoje,
parece prolongar-se indefinidamente. Basta observar que as birras, os amuos, as
zangas, os acertos de contas, as invejas, as traições se tornaram na matéria
noticiosa mais consumida...
A irresponsabilidade, o parasitismo, o logro são
expressão de um ajustamento do sistema educativo que caducou a partir do
momento em que o hedonismo substituiu o estoicismo e o capitalismo deixou de
necessitar do mundo trabalho...
29.6.14
As ameixas chegaram! Suculentas, doces… Serão as
últimas deste cerrado? Junto à eira, agora em ruínas, a ameixeira cresceu e
floresceu sem que o hortelão a tenha mimado. Quem a terá plantado?
A resposta talvez tenha sido dada no último post… Houve um princípio
promissor que agora se vai extinguindo. Entretanto, como estas últimas ameixas
sem remorso.
28.6.14
«O resultado do discernimento é essa obra que
impõe o seu próprio termo: quando o caixote transborda está concluída, e então,
mas só então, o seu conteúdo é desperdício.» Javier Marías, Todas as
Almas
Estou aqui a olhar para centenas de livros mal-arrumados;
se der mais dois passos, encontro mais uma ou duas centenas; na garagem, já
lhes perdi a conta... Verifico que já há títulos repetidos. Passei a tarde, a
desempoeirá-los e fui me apercebendo de que não terei tempo para os ler todos
ou para repetir a leitura.
Não sei quanto investi, mas estou consciente de
que não soube tirar partido da riqueza que estes livros, se devidamente
partilhados, poderiam trazer...
Fechados e empoeirados, estes livros são a
expressão de um desajustamento. A cada dia que passa, sinto que desperdicei
demasiado em trabalhos que me limitaram o tempo de leitura, o tempo de partilha
da leitura...
E a minha perturbação cresce todas as vezes que
entro numa biblioteca para desempenhar qualquer outra tarefa diferente daquela
que o lugar exige. Ao meu lado, à minha volta, altas estantes emudecidas
permanecem sem que uma chave abra uma daquelas portadas... e eu olho-as,
pesaroso, por nada fazer que silencie as vozes que me entontecem...
Chego a compreender os incendiários de pequenas e
grandes bibliotecas tal é a minha revolta: uns não leem porque não querem,
outros fingem que leem, há ainda os que apenas leem o que lhes convém e o pior
é que há quem esteja impedido de ler...
O desperdício é tanto maior quanto venho de um
lugar e de um tempo onde os livros eram raros, os jornais e as revistas
inexistentes!
27.6.14
"... faço agora este esforço de memória e este esforço de escrita, porque de
outro modo sei que acabaria por esquecer-me de tudo.» Javier Marías, Todas as
Almas, 1988
Ontem, decidi enumerar uma série de episódios
para que não acabasse por esquecer-me de tudo, todavia o Facebook impediu-me de partilhar
essas memórias...
Hoje, pouco tenho a acrescentar!
De manhã, repetição do protesto do dia anterior;
a prova de Literatura Portuguesa não incomoda ninguém; ignora, por inteiro, o
século XX...
De tarde, obras, stress, limpeza, despesa e mais
despesa...
Ao anoitecer, o cansaço e a náusea tornam-se
inevitáveis: ainda tento ler o semanário SOL, oferecido por um amigo, mas a
primeira página derrota-me: Ricardo Salgado; Portas; Passos Coelho; Guerra no
PS; Isaltino Morais admite falha ética...
Olho agora para o
alinhamento das palavras e apetece-me riscá-las... só não o faço porque nelas
descortino muito desconforto e, também, alguma alegria. Espero, assim, que
alguém veja neste dia o início de um novo dia...
26.6.14
"... faço agora este esforço de memória e este esforço de escrita, porque de
outro modo sei que acabaria por esquecer-me de tudo.» Javier Marías, Todas as
Almas, 1988
a) Encostado a uma parede, espero pelo serviço e,
mesmo que queira alhear-me da barafunda, sou obrigado a encaixar um conjunto de
protestos já habituais. Parece-me que o que está em causa é o desrespeito
pela hora sagrada do
almoço. Fico a pensar na duração e na extensão da hora: imagino, entretanto,
uma lauta mesa desdobrável em divã para poder gozar a merecida sesta... Por
mim, bebo um café e como uma empada!
b) Atento aos esgares dos examinandos, tomo
conhecimento da preocupação da colega que não sabe se o seu automóvel foi
rebocado, roubado ou, simplesmente, se esqueceu do lugar onde o estacionou.
Horas de angústia da vigilante e dos alunos, embora por razões distintas. Para
não exteriorizar as dores que sinto, bebo pequenos goles de água e espreito o
pátio à espera de que uma qualquer ave anime os plátanos. Relativizando, a
minha dor não é nada que se compare ao sofrimento dos meus parceiros de
infortúnio - alguns, em 210 minutos, não chegam a preencher três páginas...
Durante este tempo, ainda tive oportunidade de ouvir o trinado de um rouxinol e
testemunhar duas situações de sobressalto que prefiro não relatar e que assim
irei esquecer.
c) Ao princípio da tarde, vivo duas situações
inesperadas. A primeira, perturba-me porque só agora tomo conhecimento de que o
Caruma terá afetado a autenticidade crítica de uma colega, vendo-se ela a
braços com uma contestação que revela o estado mental do país em que vivemos
(passado e presente). A segunda situação, de certo modo articulada com a
primeira, deixa-me a pensar na dupla face da moeda ou, se quisermos, na imagem
de que a mão direita ignora o que é feito pelo esquerda... Para não esquecer
deveria ser mais explícito ou até mais frontal, bem sei...
d) Ao fim da tarde, Cristiano Ronaldo é eliminado
do mundial do Brasil. Situação previsível: o Brasil, país independente há quase
200 anos, não iria querer assistir ao regresso de Cabral...
25.6.14
Se para tudo há um limite, não sei do que
espero...
Na verdade, o limite parece que é, mas não é,
pois continua a surpreender sob a forma de dor incapacitante, superável, no
entanto, por analgésico em dose dupla, enquanto a frase ondula em cotovelos
surpreendidos...
Para evitar lamechismos incontrolados, comecei a
ler a novela Todas as Almas,
escrita por Javier Marías,
nascido em Madrid, em 1951, e a pensar, sem saber porquê, na Senhora do Tempo
Antigo (de Bernardim), deixando-me fascinar por algo que eu já imaginara saber,
sem o saber fazer:
«Aquele que aqui conta o que viu e aconteceu
não é o que viu isso e a quem aconteceu, nem sequer o seu prolongamento, nem a
sua sombra, nem o seu herdeiro, nem o usurpador.»
Este narrador vive um piso acima ou um piso
abaixo, fora do mundo e do tempo, mas deixa rasto... E quanto ao autor, embora
um pouco mais novo do que eu, considero-o, desde já, meu familiar distinto,
pois foi professor de Literatura espanhola na Universidade de Oxford, sendo
licenciado em Filosofia e Letras..., tudo domínios que sempre me interessaram.
A diferença é que eu não nasci em Madrid (nem mesmo em Lisboa!)
E de Literatura, pouco sei, até porque não há
nada por saber quando tudo está por fazer...
24.6.14
Em casa, tudo do avesso - até a roupa foi feita
refém! No pátio do prédio, um arranque simultâneo só não terminou em acidente
por uma unha negra.
Na Unidade de Saúde de Moscavide, a entrega de
análises clínicas só com consulta! Ficou marcada para daqui oito dias,
independentemente da urgência...
A cidade tem ruas onde não é possível fazer
entrar qualquer veículo de mudanças, até porque há quem bloqueie a única
entrada. Na mesma travessa, as escadas de acesso aos andares são íngremes. São
tão inclinadas que nem à força de braços se consegue fazer subir o
mobiliário...
Travessa dos Pescadores! Fiquei com a sensação de
que o melhor seria ter à mão uma catapulta ou, em alternativa, um cadafalso. Só
para mim!
Entretanto, o cansaço vai fazendo o seu caminho:
ataca, em simultâneo, os rins e a cabeça, isto sem falar das pernas, dos
joelhos, dos pés.
O corpo virou rotunda, enrola-se sobre si
próprio, misturando as saídas... e ainda faltam quatro horas de circunlóquios.
São horas pesadas, adiadas, que, em certos momentos, parecem trazer consigo um
inevitável desfalecimento...
Se para tudo há um limite, não sei do que
espero...
23.6.14
O IAVE erra porque persiste no erro
Na dúvida, a questão 2.3 deve ser excluída (Exame
639). Neste tipo de pergunta, a ambiguidade é inaceitável.
O IAVE erra ao prolongar a polémica porque:
a) descontextualizou o enunciado (o leitor
desconhece a sequência do texto ensaístico);
b) recorre a especialistas independentes,
pressupondo que existem especialistas ajuramentados;
c) confunde a verdade com a opinião;
d) insiste em verificar conhecimentos de natureza
pragmática com recurso a um tipo de exercício inadequado.
22.6.14
A Madona, de Natália Correia, é
um romance que exige do leitor atenção redobrada.
O título deve a sua origem ao estatuto social da
protagonista, Branca. Madona (do latim, mea domina), figura senhorial que, como norma de vida, quer submeter o
homem:
«Eu acabava de fazer uma descoberta que
satisfazia o que quer que fosse que emprestava à minha alma soturna beleza de
uma flor carnívora. Torturar um homem! Reduzir a cinzas a sua força bruta! Uma
gruta cuja escuridão ia explorar.»
Esse programa é cumprido na exploração mental e
física de Miguel, do Anjo e de Manuel - que acabará por se suicidar. Este
suicídio é, por outro lado, a expressão da (im) potência da ruralidade
portuguesa. Branca reduz Manuel a um objeto bestial, incapaz de compreender que
a domina é estatutariamente mais forte que o vil servo...
A autora, neste romance, evita a contextualização
histórica e geográfica, apesar de criar um lugar bem português - Briandos. Um
lugar onde as ménades (bacantes)
e as erínias (fúrias)
se procuram libertar das grilhetas masculinas, à semelhança do que vai
acontecendo um pouco por todos os lugares europeus percorridos por Branca...
E tudo decorre, sob a forma de evasão do torrão
natal, até que Ereshkigal (divindade
suméria, rainha da terra do não
retorno) dite a sua lei.
Sob os fumos de Maio de 68, Natália Correia
pratica uma escrita densa, elaborada, barroca, surrealista, intimista,
feminista, em que as personagens se encontram ora em fase de construção ora em
fase de demolição identitária pessoal e cultural. E, sobretudo, esta escrita
foge à ideologia explicita, deixando-nos navegar em turbulentas águas míticas
que nos levam dos mitos cristãos
aos sumérios, com passagem obrigatória pelos greco-romanos... A sua
escrita é simultaneamente crua e suculenta...
21.6.14
Preciso de sossego. Há anos ainda cheguei a
pensar que ele chegaria antes de morrer. Hoje, sei que ele já só é possível na
morte.
Outrora, aprendi que o sossego era um estado
interior. E até podia parecer verdade, mas, à época, as paredes chegavam a ter
um metro de espessura e o silêncio só abria em ruído com hora marcada. Hora
efémera!
Agora, instalo vidros
duplos que insonorizam a morada, só que o ruído é um estado interior…
A informação é antevisão, é proclamação, é
repetição, é aclamação, é negação. A informação passou a controlar todos os
meus passos: sei o que não me interessa; sei o que me desestabiliza; sei, de
véspera, ou inopinadamente, que continuo a ser bengala ou bordão; sei que não
tenho tempo para acabar o que comecei… e por isso vou continuar a ler,
devagar, A Madona,
de Natália Correia, ciente de que chegado ao fim, talvez ainda tenha tempo para
voltar ao princípio, sem, contudo, regressar a uns anos 60 que nada tinham a
ver com o que eu era nesse tempo…
É, assim, o país, entre tempos e a vários tempos!
(E eu com saudades do silêncio...)
20.6.14
Apenas tempo ou um pouco mais…
As fotos desaparecidas revelavam e escondiam… as
palavras, neste caso, são apenas um complemento, talvez uma última prova de
vida neste mundo palavroso.
Na primeira, o contraste revela o estado da
governação. Deixo as palavras para o observador.
A segunda esconde vários dramas: o idoso doente e
ignorado, o emprego precário, a imigração prostituída e alcoolizada, a
juventude alienada pela ociosidade e pela droga… Tudo suavemente emoldurado
pelo poder autárquico…
Há, também, por trás, um presidente do município
que gosta de marchas, de magustos… loquaz, mas que cala demasiado, talvez por
falta de tempo para se sentar num banco de jardim… longe dos holofotes…
19.6.14
Há por aí tanta gente irritante! Uns governam,
outros aspiram a governar! Em comum, uma inteligência mínima, mas ardilosa...
Duvido que, apesar dos títulos académicos, esta
gente irritante saiba ler e escrever... No entanto, reconheço-lhe o mérito de
saber acolitar qualquer poder emergente e de saber escolher o lugar que mais
lhe convém.
Na verdade, esta minha irritação tem origem num
pequeno enunciado: O exame de Português do 12º ano de escolaridade (obrigatória!?) serve
para avaliar se o aluno sabe ler e escrever.
E eu que pensava que esse era o objetivo do exame
de Português da quarta classe de
há 50 anos! Se fosse hoje, eu teria entrado diretamente em qualquer
Faculdade...
18.6.14
ONTEM
«Castiguem-se
lá os negros e os vilões para que não se perca o valor do exemplo, mas honre-se
a gente de bem e de bens, não lhe exigindo que pague as dívidas contraídas, que
renuncie à vingança, que emende o ódio, e, correndo os pleitos, por não se
poderem evitar de todo, venham a rabulice, a trapaça, a apelação, a praxe, os
ambages, para que vença tarde quem por justa justiça deveria vencer cedo, para
que tarde perca quem deveria perder logo. É que, entretanto, vão-se mugindo as
tetas do bom leite, que é o dinheiro, requeijão precioso, supremo queijo,
manjar de meirinho e de solicitador, de advogado e inquiridor, de testemunha e
julgador, se falta algum é porque o esqueceu o padre António Vieira e agora não
lembra.»
Bem sei que o exame não visa medir a inteligência
do examinando, mesmo assim, se começássemos por verificar a ligação de
Saramago com Vieira (a intertextualidade), o que é que encontraríamos?
E se o tema da dissertação fosse a
"justiça" neste sorumbático país?
Talvez seja pedir demais...
HOJE
Saramago e Vieira.
Não vale a pena ter lido o romance e o
sermão! Intertextualidade nem cheirá-la! Em vez da
"Justiça", a "Ambição" fundamentada no palpite... Quanto
aos restantes conteúdos declarativos, sumiram... A Gramática está reduzida à rasteira...
Considerando o programa em vigor, bom seria que
alguém esclarecesse quais são os objetivos da Prova de exame, 1ª fase, código
639...
17.6.14
Qual é o seu palpite para o exame de amanhã?
«Palpite não é opinião. Esse é o erro mais
comum entre os palpiteiros amadores. Palpite está para a opinião como a crença
está para o conhecimento. O palpite se funda no que o palpiteiro acha que sabe.
A opinião sobre o que realmente se sabe.»
À pergunta cerimoniosa, respondo que não arrisco
qualquer palpite. Nem mesmo o argumento defensor de uma envenenada homenagem a
Saramago me persuade. A coligação já faz tempo que enterrou a voz do prémio
nobel, a voz do povo esmagada pelo peso do desemprego, da austeridade e do
estrangeiro...
No entanto, enquanto me interrogo se haverá uma teoria geral
do palpite e se, na verdade, não é esta que impera, por exemplo,
nos exames de História, Filosofia e Português, aqui transcrevo um excerto
de Memorial do Convento que
bem poderia servir para verificar a qualidade do ensino e da aprendizagem:
«Castiguem-se
lá os negros e os vilões para que não se perca o valor do exemplo, mas honre-se
a gente de bem e de bens, não lhe exigindo que pague as dívidas contraídas, que
renuncie à vingança, que emende o ódio, e, correndo os pleitos, por não se
poderem evitar de todo, venham a rabulice, a trapaça, a apelação, a praxe, os
ambages, para que vença tarde quem por justa justiça deveria vencer cedo, para
que tarde perca quem deveria perder logo. É que, entretanto, vão-se mugindo as
tetas do bom leite, que é o dinheiro, requeijão precioso, supremo queijo,
manjar de meirinho e de solicitador, de advogado e inquiridor, de testemunha e
julgador, se falta algum é porque o esqueceu o padre António Vieira e agora não
lembra.»
Bem sei que o exame não visa medir a inteligência
do examinando, mesmo assim, se começássemos por verificar a ligação de
Saramago com Vieira (a intertextualidade), o que é que encontraríamos?
E se o tema da dissertação fosse a
"justiça" neste sorumbático país?
Talvez seja pedir demais...
16.6.14
Sem nunca terem entrado em campo
A história da decadência é antiquíssima e a
receita para a superar sempre a mesma. Assenta na criação de ilusões – o sebastianismo. O rosto vai variando:
índia, sebastião, joão, brasil, josé, saldanha, bandeira, costa, sidónio,
antónio, império, angola, mário, eusébio, fátima, língua, rui, figo, ronaldo…
Sempre a esperança no retorno do messias!
A esperança e a desilusão!
Na rua, nas paragens de autocarros, só mulheres!
Esperam conformadas, indiferentes aos ecrãs. Nas televisões, enxames de
comentadores! Só homens! Acusam e deliberam, humilhados sem terem entrado em
campo…
Sem nunca terem entrado em campo…
15.6.14
A época é de pasmaceira e coincide com os exames
O sol cega, o calor mata a leitura - a época é de
pasmaceira e coincide com os exames...
Consciente da inutilidade das letras, registo, em
mofina hora, excertos de Vieira, Garrett, Pessoa, Ruy Belo. Por razões nem
sempre distintas, todos estes excertos deveriam merecer a (nossa) atenção: o
ofício do escritor, a intencionalidade, a expressividade dos recursos
estilísticos, a tipologia textual, a visão do mundo (a identidade e a
alteridade; a temática de cada um, em termos de convergência e divergência) ...
A - «Perguntado
um grande filósofo qual era a melhor terra do mundo, respondeu que a mais
deserta, porque tinha os homens mais longe. Se isto vos pregou também Santo
António, e foi este um dos benefícios de que vos exortou a dar graças ao
Criador, bem vos pudera alegar consigo que, quanto mais buscava a Deus, tanto
mais fugia dos homens. Para fugir dos homens deixou a casa de seus pais e se
recolheu ou acolheu a uma religião onde professasse perpétua clausura. E porque
nem aqui o deixavam os que ele tinham deixado, primeiro deixou Lisboa, depois
Coimbra, e finalmente Portugal. Para fugir dos homens, mudou de hábito, mudou o
nome, e até a si mesmo mudou, ocultando sua grande sabedoria debaixo da opinião
de idiota, com que não fosse conhecido nem buscado, antes deixado de todos,
como lhe sucedeu com seus próprios irmãos no capítulo geral de Assis. Dali se
retirou a fazer vida solitária em um ermo, do qual nunca saíra, se Deus como
por força o não manifestara; e por fim acabou a vida em outro deserto, tanto
mais unido com Deus quanto mais apartado dos homens.»
B - «MANUEL
- Para mim aqui está esta mortalha (tocando no hábito) morri hoje... vou
amortalhar-me logo; e adeus tudo o que era mundo para mim! Mas minha filha não
era do mundo... não era Jorge; tu bem sabes que não era: foi um anjo que veio
do céu para me acompanhar na peregrinação da terra, e que me apontava sempre, a
cada passo da vida, para a eterna pousada donde viera e onde me conduzia...»
C - «Senhor,
a noite veio e a alma é vil. / Tanta foi a tormenta e a vontade! / Restam-nos
hoje, no silêncio hostil, / O mar universal e a saudade.»
D - «Se às
vezes digo que as flores sorriem / E se eu disser que os rios cantam, / Não é
porque eu julgue que há sorrisos nas flores / E cantos no correr dos rios... /
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos / A existência
verdadeiramente real das flores e dos rios.»
E - «Deixai
que em suas mãos cresça o poema / como o som do avião no céu sem nuvens / ou no
surdo verão as manhãs de domingo / Não lhe digais que é mão-de-obra a mais /
que o tempo não está para poesia //(...)// Chorai profissionais da
caridade / pelo pobre poeta aposentado / que já nem sabe onde ir buscar os
versos / Abandonado pela poesia / oh como são compridos para ele os dias / nem
mesmo sabe onde pôr as mãos /»
14.6.14
Depois do filme, fui à Feira do Livro, onde tive
oportunidade de trocar algumas palavras com Lídia Jorge…
Uma leve emoção expressa num aperto de mão, repetido…
Lídia Jorge foi minha professora de Português, em Tomar, no longínquo ano de
1972/73.
No filme de Vítor Gonçalves, tudo ganha vida
desde que a câmara repare, isto é, pare e volte a parar. A câmara, por vezes,
parece imobilizar-se por falta de luz. A penumbra assombra os interiores como
se estes fossem apenas a projeção das personagens masculinas – António e Hugo.
A primeira está lá para que, na morte, anuncie qual será o futuro de Hugo,
cujos últimos seis anos foram de completa submissão ao passado.
Hugo é, assim, uma personagem sem presente nem
futuro; só passado. Até o Terreiro do Paço promete ter melhores dias! Se estas
duas personagens foram delineadas para simbolizar o estado da nação, o objetivo
é alcançado, mas com tal lentidão que desespera qualquer espectador…
Hoje, na sala dois do Monumental, às 15h15, não
estavam mais do que dez espectadores. Entre eles, uma velha senhora que ia
comentando a inação, lembrando que Vítor Gonçalves pertenceria à “escola” de
Manuel de Oliveira, que os parisienses é que iriam delirar com o filme, que
Hugo era “psicótico”, e que Adriana estaria melhor em Amsterdão…
À saída, encontrei um colega, professor de
Filosofia, que já tinha visto o filme e que, de chofre, me disse que não
recomendava A Vida Invisível a ninguém… Eu, ao contrário do
companheiro da velha senhora, não adormeci, tendo apreciado alguns planos
crepusculares, mas penso que o argumento foi muito maltratado e arrastado…
Finalmente, gostaria que, na ficha técnica, não
tivessem chamado Fabiana
à minha filha Susana. Ainda se fosse Sofia!
13.6.14
Miguel Rovisco procurava estabelecer analogias...
Agora que as aulas acabaram, os exames se
aproximam, o calor abrasa e o futebol escraviza, Caruma vai regressar a velhas
páginas de jornais e de revistas com o propósito de (re)parar a ligeireza do
tempo vivido. Por outras palavras, com o propósito de volver sobre si
própria...
Vamos começar pelo (aprendiz de) dramaturgo,
Miguel Rovisco (1960-1987).
Aprendiz porque passou a sua curta existência a interrogar-se, a interrogar o
lugar (Portugal), a ensaiar a escrita de teatro, sem ir ao teatro, mas a ler
teatro...
Escrever para o teatro é em Portugal uma arte
menor! Ir ao teatro é um pouco como fazer um safári... É caro, mal acomodado e
arriscado, por lapso ia escrevendo arricado, neologismo não autorizado...
Em 1988 (Capital, 26 de fevereiro), Tito Lívio,
no artigo "Teatro de Rovisco Revisita a História", escreveu:
«Miguel
Rovisco era um grande admirador das tragédias de Corneille e de Racine de que o
seu teatro acusa claramente a influência ao debruçar-se sobre um tempo passado,
ao estabelecer as analogias claras com o presente que vivemos, mostrando o quão
pouco se terá evoluído em certos aspectos, nomeadamente a tíbia
industrialização do país e a dependência face ao estrangeiro sob o ponto de
vista da importação dos géneros mais fundamentais.»
O crítico, referindo-se à "Trilogia
Portuguesa", no D. Maria II, retrata Rovisco como um incipiente
carpinteiro teatral, desritmado, atabalhoado e desenhador de personagens
alienadas - pobre D. Maria I! Ora essa dificuldade era bem conhecida do
aprendiz que, ao contrário de outros, tradutores apressados de tudo quanto era
moda anglo-saxónica, batalhava, entre quatro paredes, por escrever em português
sobre a questão mental que nos persegue há séculos... Doença coletiva que
procurava exorcizar em si e no palco e que acabou por o levar ao
suicídio...
A consciência da imperfeição fê-lo rasgar muitos
dos seus textos, porém isso não faz esquecer o caminho: a indagação do presente através do
conhecimento do passado, a leitura dos grandes dramaturgos e, sobretudo, a
dedicação à escrita até que o texto se autonomize do escrevente...
Para quem goste de papéis antigos, pode procurar
Miguel Rovisco no Expresso de
6 de fevereiro de 1988.
Se algum dos meus alunos do 12º ano ler esta
prosa, dedico-lhe a citação,
pois, afinal, de Camões a Sttau Monteiro, sem esquecer Almeida Garrett, todos
os verdadeiros autores vivem para estabelecer analogias... Entendê-las é um
objetivo da aprendizagem!
12.6.14
Qualquer Dicionário de Símbolos reafirmará que o verde é a cor da
esperança, da força, da longevidade; a cor da imortalidade, universalmente
simbolizada pelos ramos verdes.
A Literatura dá conta desse simbolismo, por
exemplo, em Felizmente Há Luar!
quando, no dia da execução, Matilde exibe a saia verde que o General Gomes Freire d’Andrade lhe
oferecera em Paris.
No entanto, a maioria de nós fica verde sempre que o Governo anuncia as
medidas de estratégia orçamental!
O que significa que, em Portugal, os símbolos não
são universais…
11.6.14
Foram mais de 500 quilómetros!
Toda a manhã: a velocidade, a luz, a cor, o rendilhado – o coreto e o silêncio…
À tarde: o ruído, a adivinha, a demora, o ensimesmamento, o ar pesaroso e a
histeria – o coreto e a revelação de que eu tenho sido uma espécie de
“padrinho”.
Fantástico! Eu que só tenho um afilhado e que, por sinal, é o meu irmão João
Carlos.
10.6.14
Um desmaio agitou o conformismo
Às Musas agardeça o nosso Gama
O muito amor da Pátria, que as obriga
A dar aos seus, na lira, nome e fama
De toda a ilustre e bélica fadiga;
Que ele, nem quem na estirpe seu se chama,
Calíope não tem por tão amiga
Nem as filhas do Tejo, que deixassem
As telas d'ouro fino e que o cantassem.
Camões, Os Lusíadas, Canto
V, estância 99
*
«Aceito
falar, como eu mesmo, da importância e do significado de Camões hoje, e da
necessidade de ter presente ao espírito esta ideia tão simples: um país não é
só a terra com que se identifica e a gente que vive nela e nasce nela, porque
um país é isso mais a irradiação secular da humanidade que exportou.» Jorge
de Sena, Discurso da Guarda, 1977.
Hoje, na Guarda, o ar era frio e fúnebre; apenas
um desmaio agitou o conformismo. Até Eduardo Lourenço e Mário de Carvalho se
perfilaram!
9.6.14
(...)
Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse e sede imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.
Este rende munidas fortalezas;
Faz trédores e falsos os amigos;
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos;
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências.
Este interpreta mais que sutilmente
Os textos; este faz e desfaz as leis;
Este causa os perjúrios entre a gente
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus omnipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude!
Camões, Os Lusíadas, Canto VIII, estâncias 96 a 99
Amanhã, celebra-se o quê? Será que no tempo de
Camões ainda havia alguma coisa para enaltecer? De regresso à Guarda, mas não a
Jorge de Sena, amanhã ninguém lerá os versos que escolhi e que melhor dão conta
do estado em que a nação mergulhou...
Definido o tema - o encantador dinheiro - e o interlocutor, raro, "o juízo curioso", o Poeta
constrói anaforicamente o retrato da Pátria: o dinheiro tudo compra, tudo
corrompe - realeza, nobreza, clero, ciência, exército, justiça... nem a
inocência lhe resiste... nem a hermenêutica foge à manipulação do texto... o
próprio povo se deixa endemoninhar...
Camões confessa, mais uma vez, o seu desencanto,
sabendo que os juízos curiosos, isentos, são raros porque a isenção
só vive naqueles que todos os dias procuram aprender a ler... E quem souber ler
estas estâncias reconhecerá que as palavras do Poeta são o retrato da Pátria de hoje e
dos homens que amanhã não terão qualquer pejo em citá-lo, mesmo que saibam
que o encantador dinheiro lhes
comprou a alma.
8.6.14
Figueira, videira, oliveira, laranjeira,
amendoeira…
Estávamos nos anos 60 do século passado. O
granizo destruíra a vinha, derretera a flor. O salto fora imediato!
E eu, também, acabei por partir. Para lá das
muralhas, havia um corredor com 15 gabinetes de banho de cada lado. Seriam
mais? Portas sempre abertas para que as sotainas pudessem censurar. O banho era
diário, às 7h15, e durava no máximo 3 minutos… Por vezes, a água fria só
corria!
Para lá das muralhas, havia um dormitório. As
lâmpadas apagavam-se às 21 horas. Inexoravelmente! Silêncio! Os braços
ficavam de fora a acompanhar castas e tácitas promessas…
(…) Eu não nasci em Briandos, nunca lá fui e por
isso não poderei lá voltar, ao contrário da personagem Branca (Natália Correia, A Madona, 1968) que de lá saiu
para se libertar do despotismo patriarcal, não deixando, contudo de lá
regressar.
Branca partiu para Paris com o projeto materno de
ser «bailarina
ou qualquer outra coisa em que sejas tu mesma (…) para que não te
aconteça…». Em Paris entregou-se ao sexo (e à indagação do amor). Em
casa de Françoise, a promiscuidade era absoluta. A emancipação pela assunção da
sexualidade! Nas cidades europeias, Branca procura respostas impossíveis para
as questões existenciais que se lhe vão atravessando ao caminho…
Nos anos 60, o mundo que nos separava era
tremendo: Havia os que procuravam o pão no trabalho ou num Deus castrador, e os
outros, os filhos de Deus, procuravam a felicidade no sexo e na droga… (Da
emancipação à alienação... Todos queriam SER / PODER. E o que restava era
NADA!)
De salto, nos anos 60, chegava-se a Paris. Mas
havia quem lá chegasse com o passaporte na mão!
Nos anos 60, havia quem vivesse cercado por
muralhas, sem esquecer os que não tinham tempo para conhecer o efeito das
minas…
7.6.14
Neste lugar, o pelourinho situa-se mais perto da
Igreja do que da Câmara Municipal. Terá sido este o meio encontrado para
afrontar o Clero?
O nome pelourinho tem sua origem na bola que
encimava a coluna (em latim, denominada de "pirorium") e
que era construída sobre um pedestal, com a escadaria feita de pedras. Na sua
origem, o “pelourinho” simbolizava a autonomia administrativa da vila,
assegurada pelos homens bons (vereadores)…
Os pendentes de ferro ou de bronze já só servem
para me lembrar o quão agrilhoado estou, não por decisão do Fado ou de um Deus
irado, mas por pactuar com os homens que vivem segundo os seus caprichos mesmo
que tal signifique que os abutres me desfaçam as entranhas…
A diferença é que o pelourinho representava o
poder dos povos face à realeza, à nobreza e ao clero e, hoje, enquanto me vejo
amarrado à pilastra, apenas sinto as garras famintas.
6.6.14
Como ondulada capa de miséria / A cobrir de
negrura a cor das chagas, / Assim és tu, crosta de velhas fragas / Sobre o corpo da Ibéria. Miguel Torga, Ibéria
Hoje, quero destacar a singeleza e a beleza
de Cabeço de Vide.
Ao procurar as termas sulfúreas, acabei por me
deparar com o que resta do Portugal de outrora – sinais de grandeza corroída
pela desnecessária fronteira… E, também, comprovei a falta de transporte
ferroviário e viário que deveria ajudar a viabilizar a riqueza natural e
patrimonial…
Infelizmente, não tive tempo para visitar Fronteira, apenas relembro o conto “Fronteira”
de Miguel Torga: «E aí começam ambos a
trabalhar, ele (Robalo) em armas de fogo, que vai buscar a Vigo, e ela (Isabel)
em cortes de seda, que esconde debaixo da camisa, enrolados à cinta, de tal
maneira que já ninguém sabe ao certo quando atravessa o ribeiro grávida a valer
ou prenha de mercadoria.» Novos
Contos da Montanha
5.6.14
Peço desculpa por ter
cedido à tentação de, em post anterior, ter citado Passos Coelho. Deveria ter
evitado tal referência, anódina.
Não deveria envolver-me em questões cavernosas,
pois, desde manhã cedo, me interrogo sobre o que irei fazer logo que a Caixa
Geral de Aposentações me conceda a reforma antecipada, apesar dos 40 anos de
serviço público e privado.
Não tendo sabido responder aos meus alunos do 11º
ano se me voltariam a ver na sala de aula em setembro, sei, contudo, que, a
breve trecho, terei de encontrar uma atividade remunerada fora do Estado.
Pode parecer estranho, mas, na verdade, uma
penalização de 35% (ou
mais), resultante da aplicação da lei
11/2014, de 6 de março, obriga a regressar rapidamente ao mercado de
trabalho.
Claro que há quem pense que o melhor seria
manter-me como funcionário público. O problema é que nunca acreditei em
milagres económicos portugueses! E como não há milagres, os servidores do
Estado continuarão sob a espada de Dâmocles: mais trabalho, menos remuneração,
menos progressão e menos pensão de reforma...
Entrei hoje no limbo. Vamos ver porquanto
tempo!
Passos quer "melhores juízes" no Constitucional, e nós?
Nós queremos melhores governantes!
Nós queremos menos e melhores deputados!
Nós queremos o fim das clientelas partidárias!
Nós queremos o fim dos monopólios!
4.6.14
As palavras dos poetas e as palavras do dia-a-dia
Ao lado, no Auditório da Escola Secundária de
Camões, o Camusicando celebra
o 3º aniversário. O Programa é vasto, dando conta da crescente importância que
a iniciativa da professora Ângela Lopes foi granjeando…
Creio que, hoje, é justo afirmar que o Camusicando é uma verdadeira
atividade integradora, permitindo a aproximação cultural, artística e afetiva a
todos os que ao longo de cada ano vão participando no projeto.
3.6.14
Quando as pernas pesam e os pés hesitam é sinal
de que os neurónios entram em colapso, provocando lapsos de memória e,
sobretudo, desorientação do olhar e intumescimento do rosto...
Nem é preciso espelho! Basta passar a mão pelo
cabelo e pela face para perceber que a disformidade se vai instalando...
Descer a escada começa a ser um ato reflexivo:
Quantos degraus? A que distância uns dos outros? A mão que procura o corrimão
invisível agita-se desajeitadamente. Pouco falta para cair! E esse pouco
encoraja e assusta...
Apesar do ar patético e da voz pastosa, nem tudo
parece perdido sobretudo quando a vontade desperta e impõe a disciplina que há
muito vai faltando...
O problema é que a vontade consome demasiada
energia, porque a vontade é a força que combate a fraqueza e desse combate,
sinto que já só sobra ora a leveza ora o carrego.
De qualquer modo, esta prosa não tem qualquer
utilidade, a não ser a de poder substituir o corrimão.
2.6.14
A finalidade da arte é substituir os factos
Estou
cansado da inteligência.
Pensar faz mal às emoções.
Uma grande reação aparece.
Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo
Na casa antiga da quinta velha.
Fernando Pessoa / Álvaro de Campos
A ideia de as tias mortas desatarem a fazer chá
/ Na casa antiga da quinta velha é bluff. Álvaro de Campos não
teve infância nem quinta nem tias. E se tivesse passado, seria sempre o
inicial, do qual poderia extrair réplicas que iludissem os breves dias...
Citando Álvaro de Campos: (Fernando Pessoa) esquece que o que define uma atividade é o
seu fim; e o fim da
metafísica é idêntico ao da ciência - conhecer factos, e não ao da arte - substituir factos.
A arte exige inteligência, força e por isso
esgota a energia do criador de réplicas. O artista não pode ceder à emoção,
mesmo que as tias insistam em lhe oferecer chá de Ceilão...
E porquê?
Toda a emoção
verdadeira é mentira na inteligência, pois se não dá nela. Toda a emoção
verdadeira tem, portanto, uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que não se
sente.
Os cavalos da
cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam
peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser.
Fingir é
conhecer-se.
Álvaro de Campos, Ambiente, In
«Presença», nº 5, Coimbra 4 de junho de 1927
1.6.14
Ofereço-te um banco onde te poderás sentar a ler...
Vou interromper a minha tristeza para te oferecer
um banco onde te poderás sentar a ler aquelas obras que um dia me prometeste
ler…
Refiro-me apenas àquelas que melhor se adequam ao
enquadramento: Os Lusíadas (em particular, as lamentações do
Poeta); Os Maias (o romance do fim da Pátria); O
Sentimento dum Ocidental (o poema que melhor poetiza as Causas
da Decadência, de Antero) Mensagem (sobretudo, o fervor patriótico e
utópico); A Ode Marítima (do Cais Absoluto) ...
Ainda me prometeste outras leituras, mas vou
fingir que as gaivotas e os corvos me impediram de te ouvir...
Não quero que te preocupes com a minha tristeza!
Ela é antiga! Herdei-a de Sá de Miranda e de Bernardim Ribeiro; de António
Vieira e de Bocage; de Garrett, de Herculano, de Aquilino, de Miguéis, de
Torga, de Saramago...
Talvez um dia ainda te reencontre sentado no
banco que sempre te ofereci!
31.5.14
Não resisto a colorir o texto...
«Todas as portinholas agora estavam fechadas,
um silêncio caíra sobre a plataforma. O apito da máquina varou o
ar; e o comprido trem, num ruído seco de freios retesados, começou a
rolar, com gente às portinholas, que ainda se debruçava, estendendo a
mão para um último aperto. Aqui e além esvoaçava um lenço branco. O
olhar da condessa para o lado de Carlos teve a doçura de um
beijo. O Dâmaso gritou saudades para o Ramalhete. O
compartimento do correio resvalou, alumiado; e com outro dilacerante
silvo, o comboio mergulhou na noite…»
Eça de Queirós, OS MAIAS
Não resisto, perante a incapacidade de o leitor
identificar a diversidade de sensações no momento da partida do comboio de
Santa Apolónia, a colorir o texto de estímulos auditivos, predominantes,
visuais, gustativos e táteis...
Esta incapacidade não é inata! Ela mais não é do
que o fruto da dispersão, de uma atrofia que vai secando os sentidos.
(...) Agora que os exames se aproximam, pode ser
que este triste apontamento ainda possa servir de acendalha...
29.5.14
Contos Municipais, de António Manuel Venda
Ao fim da tarde, irei estar presente no lançamento do livro "Contos
Municipais" de António Manuel Venda. E eu que estava convencido que os
municípios, se tratados literariamente, só poderiam inspirar romances do tipo
"Guerra e Paz", "Crime e Castigo", "Os Meus
Eleitores"...
E lá estive no Auditório da Escola Secundária de Camões...
António Manuel Venda, excelentemente apresentado
por Mendes Bota, Carlos Moreno e pelo presidente da Junta de Freguesia de
Monchique (?)procurou fazer aquilo que os contos, em geral, dispensam: explicar
a génese de uma escrita cujo ponto de partida é a baixa política que nos vai
governando desde as autarquias ao poder central.
Por vezes, António Manuel Venda foi impiedoso com
a corrupção, a intriga, a venialidade; outras vezes, sentimental,
particularmente no que respeita à sua ligação à terra e àqueles que
participaram na sua educação...
Dos 10 contos, apenas li os últimos três. Fica-me
a ideia de que a denúncia presente em cada "estória" se disfarça sob
a capa do realismo mágico ou, até, de um certo animismo, embora não tão
consistente como o de José Lins do Rego, de Luandino, de Mia Couto ou de José
Eduardo Agualusa...
De qualquer modo, vale a pena ler estes contos,
municipais ou não. E com tantos "casos do dia", o autor tem largo
pasto para poder cumprir o desejo do juiz Carlos Moreno: da próxima vez,
escreva 20 contos... Creio mesmo que já terá matéria para escrever um romance
"Cenas da Vida Autárquica"... e se lhe faltar, Mendes Bota não se
importará de lhe dar uma ajuda...
O livro é editado pela Just Media que deverá dar
mais atenção à revisão:
«- Mas,
senhor presidente...
- Tem aí a puta da fatura
ou não?!
- Tenho, senhor
presidente, passada pela senhora dona Maria de Jesus Cadela Silva e descriminando diversos serviços de uma
forma assim um bocado genérica. É alguma consultoria?
- Não interessa o que
ela descrimina na fatura,
homem!! - gritou o presidente. - Ponha-se a caminho do banco e resolva isto!!!» (pág. 80)
Se me engasgo com as palavras, posso morrer em
poucos instantes. Claro que esta afirmação tem todo o ar de excessiva. Quem é
que vai morrer por causa de uma mísera palavra!
Se engulo a língua, é sabido que morro em poucos
segundos. Claro que esta afirmação já não parece excessiva!
Ora se a língua é constituída por palavras, por
que motivo consideramos aceitável que se possa morrer ao engoli-la e achamos
risível que se possa falecer engasgado com as palavras?
Encontrei hoje um poeta que me disse que queria
escrever um poema "confuso"... Perplexo, expliquei-lhe que, quando
lidamos com as palavras, o objetivo é ser claro mesmo que a noite seja
eterna...
Ao fim da tarde, irei estar presente no
lançamento do livro "Contos Municipais" de António Manuel Venda. E eu
que estava convencido que os municípios, se tratados literariamente, só
poderiam inspirar romances do tipo "Guerra e Paz", "Crime e
Castigo", "Os Meus Eleitores"...
28.5.14
« La
Belgique se croit toute pleine d’appas ;
Elle dort. Voyageur, ne la réveillez
pas. »
Baudelaire,
Les Fleurs du Mal
Nos últimos dias, por mais de uma vez me foi perguntado se a avaliação
externa da escola tinha corrido bem.
De facto, não tenho resposta para a questão pois
não consigo determinar a intenção subjacente. Temo o amor-próprio do
interlocutor. Pressinto que devo encarecer a iniciativa cultural, a abertura à
comunidade, o valor formativo da atividade, mas, no íntimo, sei que o
encarecimento pouco importa ao inspetor. Ele apenas quer validar ou, se os
argumentos apresentados forem convincentes e palpáveis, reformular o relatório
final, construído previamente.
Assim, o melhor é continuar a dormir.
Esta mesma atitude pode ser aplicada noutras
situações. Sempre que alguém se mostra feliz, o melhor é não o incomodar.
No entanto, na política como nas instituições,
surge sempre um desmancha-prazeres! Agora que o António, estava tão Seguro, lá
surgiu o outro António, o Costa, a despertá-lo.…Quero, desde já, assegurar que
não me lembro de ter induzido no ilustre Costa tal traquinice!
27.5.14
«E eu sonho
o Cólera, imagino a Febre...», Cesário
Verde, O Sentimento dum Ocidental
- Identifique dois temas no excerto... Hipóteses:
cidade, desigualdade, doença, mulher fatal ...
E a resposta avança pelo campo dentro. É só
liberdade, felicidade, fertilidade, fraternidade, produtividade, candura, ar
puro, sensações eufóricas, sinestesias ensoalheiradas... (Poema Nós,
em versão jesuítica)
Tudo num parágrafo
pletórico de rasuras marteladas...
Passaram três anos. Nada mudou! Os olhos
continuam longe do texto... A inteligência choca contra o MURO...
26.5.14
«E vivemos de maneira / que a vida que a gente
tem / É a que tem que pensar.» Fernando Pessoa, 18.09.1933
Face aos resultados das últimas eleições, apetece
condenar o absentismo e, sobretudo, a falta de sinais claros de mudança. O
contentamento de vencedores e perdedores é um indicador do estado de decadência
a que classe política chegou...
Nestas eleições, o absentismo de mais de metade
da população é que merece ser pensado. Os cadernos eleitorais continuam por
atualizar; o e-fatura é uma realidade, mas o voto eletrónico não passa de
miragem num país onde os jovens, reféns da web, não sabem o que é deslocar-se a
uma mesa de voto ou, emigrados, não podem deslocar-se aos consulados... sem
falar do elevado número de idosos, sem transporte, acamados ou simplesmente
descrentes...
Falta pouco mais de um ano para as eleições
legislativas, e nada irá ser feito, nos próximos meses, para atualizar os
cadernos eleitorais e para introduzir o voto eletrónico.
Finalmente, embora possa apetecer condenar o
absentismo, a verdade é que a maioria dos abstencionistas é o retrato do estado
de pobreza a que o país chegou. E dos pobres idosos, de meia-idade, jovens, não
é de esperar que vão votar a não ser que surja uma esperança de mudança que,
infelizmente, acabará por se elevar dos escombros dos valores democráticos...
Os resultados por toda a Europa já prenunciam um
novo tempo, inevitavelmente, de maior exigência e violência...
25.5.14
O muro é sempre o mesmo. Eu caminho ao seu lado,
perscruto-o e ele nem sequer me devolve o eco das minhas palavras. É verdade
que a culpa não é dele, o meu silêncio é antigo; braços caídos, vou avançando o
passo sem fazer qualquer tentativa para o escalar…
Já nem sei se o muro sempre ali esteve, se fui eu
que o criei. Paradoxalmente, as suas metamorfoses incendeiam-me o olhar.
Fogo-fátuo! A alma ainda se demora um pouco… Por quanto tempo?
«Triste de
quem é feliz! /Vive porque a vida dura.» FP / O Quinto Império
24.5.14
O dia é de reflexão e de futebol. Mas como? As
atividades são incompatíveis. Ainda pensei entrar na igreja, mas o casebre ao
lado lembrou-me o verso de Cesário Verde: «Inflama-se
um palácio em face de um casebre.» Este é daqueles versos que nunca consigo
esquecer...
Entrei na Segunda Circular - por volta das 14h45
- e não vi sombra de invasão castelhana!
A última, a sério, data do século XIV. Ainda
pensei que os castelhanos da atualidade tivessem substituído a cavalaria pela
aviação, mas não enxerguei sinal de qualquer antiaérea no quartel. Deserto como
as ruas, não vi qualquer explicação para a sua manutenção.
No entanto, lembrei-me, de imediato: «Partem patrulhas de
cavalaria / Dos arcos dos quartéis que foram já conventos;
/ Idade Média! A pé, a passos lentos, / Derramam-se por toda a
capital, que esfria.» /
Sempre Cesário Verde!
A reflexão não necessita de Igreja nem de
Quartel. Está feita desde o golpe de estado de 2011...
Na verdade, o que me interessa é a clivagem (o
contraste) entre países, entre profissões, entre ricos e pobres...
O que me interessa é que o dia de reflexão e de futebol não se esgote na alienação..
24.5.14
Na véspera da ida às urnas, a minha reflexão é
simples: jamais compreenderei o ato de todos os que podendo votar o não
fizerem.
23.5.14
Quando o ruído aumenta, procuro o silêncio
discreto das alamedas desertas. Pura ilusão! A vida espreita sem alarme e dá-me
mais um instante. Um instante!
22.5.14
A minha máscara
original é vegetal
How
many masks wear we, and undermasks,
Upon our countenance of soul, and when,
If for self-sport the soul itself
unmasks,
Knows it the last mask off and the face
plain?
Fernando Pessoa,
Sonetos Ingleses
Ah quantas máscaras e submáscaras,
Usamos nós no rosto de alma, e quando,
Por jogo apenas, ela tira a máscara,
Sabe que a última tirou enfim?
Trad. de Jorge de Sena
De tempos a tempos, vejo-me envolvido em jogos de
máscaras. E sempre que tal acontece, surpreendo-me a observar a matéria de que
elas são feitas. A materialidade da máscara! Severa, hilariante, trocista,
cínica, austera, sedutora, imberbe, convencida, secreta, a máscara avança e
arrasta-me numa dança abismal.
As máscaras avançam para mim, mas não se
sobrepõem, podem disputar-me, mas não se atropelam. Se as observo uma segunda
vez, elas põem-se em fuga... elas temem que as denuncie...
Ensinaram-me que a máscara é antiquíssima, que
subiu ao palco para esconder a identidade, para fingir ser quem não é....
Ensinaram-me que a máscara é filha do subconsciente, do padrão de cultura, do
superego, de Zeus...
No entanto, a minha máscara original é vegetal,
uma parra esquecida no Éden à espera da nudez inicial...
21.5.14
Notas de um individualista, trabalhador
O meu problema, de momento, é perceber o que é
um cluster e,
sobretudo, que posição é que eu ocupo no seu interior. Já percebi, entretanto,
que tenho andado desenfiado. Em rigor, eu pertenço ao "cluster " dos
camponeses e deveria estar classificado como excelente, muito bom, bom,
suficiente ou insuficiente -"camponês".
Por ação de uma senhora professora, Mécia, de seu
nome, fui desviado do "meu cluster" e posto a estudar para servir
Deus e o Estado. E aí, perdi-me definitivamente. Entrei num outro
"cluster", que não me estava destinado, e fui subindo, e já longe do
Altar, vi-me certificado como mestre... E como estava muito longe do ponto de
partida, comecei a cair. Hoje, já não sou mestre, nem professor, nem pai (só
pago as contas!), nem aluno, nem trabalhador não docente. Sou, por
enquanto, trabalhador, por
decisão de um "cluster" secreto. Falho de humor e de inteligência,
resigno-me, apesar de desconfiar das certezas que permitem premiar os
esforçados e ignorar os menos prendados, porque consta que a clusterização está normalmente
associada com a análise exploratória, pois envolve problemas em que há pouca
informação a priori acerca dos dados (por exemplo, modelos estatísticos), e
poucas hipóteses podem ser sustentadas. Análise de Dados em Bioinformática – Profs. Moscato & Von
ZubenDCA/FEEC/Unicamp
Precisamente, por haver pouca informação e pouca
verdade, aproveito para lembrar aqui que a focalização é omnisciente se ilimitada quanto ao âmbito e alcance que atinge e aos elementos
informativos que faculta; a
focalização é interna se
condicionada pelo campo da consciência de uma personagem inserida na
história. Carlos Reis, O
conhecimento da Literatura,1995, pág. 366, Almedina.
Servem estas notas vários propósitos. Lembrar
que: Quem rouba a ladrão tem cem anos de perdão e não de solidão; b) O segredo
é a alma do negócio; c) a focalização interna corresponde a um avanço
civilizacional, atingindo o grau de excelência quando a focalização se torna
polifónica; d) o "cluster" é uma nova forma de simular a mobilidade
social e cultural; e) o inquiridor só produz narrativas fechadas e seguramente
omniscientes, tendo necessariamente um poder absoluto sobre o tempo que, todos sabemos,
adora devorar os homens...
I - A análise dos resultados globais dos últimos
três anos mostra que a taxa de sucesso nos Cursos Científico-Humanísticos, no
ano letivo 2012/2013, é ligeiramente inferior à do ano anterior.
Porquê? a) degradação do estatuto social e
profissional do professor; b) aumento das desigualdades sociais; c) aposentação
abrupta e precoce do corpo docente; d) precariedade do exercício da atividade
docente; e) clivagem cultural entre alunos.
II - Quanto à cultura profissional dos
professores, a maioria afirma a sua disponibilidade para trabalhar em grupo,
partilhar materiais didáticos, refletir sobre práticas de ensino. Neste
domínio, as manifestações esporádicas de individualismo tendem a ser
ultrapassadas.
Mostrar disponibilidade não é o mesmo que
fazê-lo. Há, no entanto, parcerias ativas. Quanto ao individualismo seria
conveniente apurar se ele é efetivamente nocivo como parece decorrer do
enunciado...
III - Os professores pensam que há uma cultura de
organização centrada no valor da aprendizagem, que a oferta cultural é
diversificada, que os pais são estimulados a participar na escola e que os
atores educativos se envolvem ativamente nas tomadas de decisão.
Os professores pensam que há uma cultura de
organização centrada no valor da aprendizagem! Neste caso, conviria especificar
o tipo de aprendizagem e, também, se a prática está à altura da convicção.
IV - As lideranças das estruturas de coordenação
educativa e supervisão pedagógica são valorizadas em termos de coordenação,
supervisão, articulação, gestão, cooperação e acompanhamento das atividades.
Estas lideranças são valorizadas por quem? E em
que termos?
V - A nível intradepartamental, o
planeamento e a articulação concretizam-se na definição de objetivos de
aprendizagem e de critérios de avaliação para a sua monitorização.
A monitorização nas condições atuais é
inexequível, tal é quantidade de tarefas atribuídas aos coordenadores de
departamento e de grupo disciplinar.
VI - A interdisciplinaridade, entendida como
instrumento que permite a captação de uma mundividência particularmente
enriquecedora para os jovens, é privilegiada no desenvolvimento de projetos que
favoreçam a criação de sinergias duradoiras.
A interdisciplinaridade, strictu sensu, é
impossível porque ao Conselho de Turma não são asseguradas condições (horas,
ferramentas, espaços) para que possa desenhar qualquer projeto verdadeiramente
interdisciplinar.
VII - O investimento feito nas novas
tecnologias de informação e comunicação, apesar de certas dificuldades de
acesso aos equipamentos que ainda ocorrem, mostra não só a justeza desses
investimentos como a necessidade de continuar essa aposta.
O apetrechamento da maioria das salas é
folclórico. Um espaço de aprendizagem moderno exige que todos os alunos tenham
acesso a computadores em rede.
VIII - A cultura existente na aferição dos
critérios e dos instrumentos de avaliação, bem como os critérios emanados das
estruturas de coordenação e supervisão, aprovados em Conselho Pedagógico, são
evidências do trabalho desenvolvido nesta área.
Nos últimos anos, o Conselho Pedagógico perdeu
importância, estando reduzido a um órgão de consulta, totalmente subordinado ao
Diretor e ao Conselho Geral. A própria noção de "pedagogia"
encontra-se desvirtuada, cedendo o lugar a modelos sociológicos assentes na
análise estatística de expetativas e de resultados alcançados em exames
nacionais elaborados de forma reducionista.
20.5.14
Uma escola amiga e consensual...
Uma escola consensual é aquela em que ouvidos os
diversos corpos, há acordo explícito.
Sintomaticamente, há pleno acordo quanto à falta
de conforto das salas, quanto à abertura da instituição ao exterior e quanto ao
ensinar (97,2%), estudar (89,1%), trabalhar (100%) e ter filhos a frequentar a
Escola Secundária de Camões (94,1%).
A partir daqui as diferenças de perspetiva
tornam-se significativas... Os alunos revelam uma visão mais assertiva e
crítica em relação ao conjunto dos itens em análise.
No entanto, no que respeita à exigência do
ensino, os alunos não divergem significativamente: 75,2% manifestam-se de
acordo, acompanhando os trabalhadores não docentes - 81,8%, os pais - 89,6%, e
os professores - 86,6%.
Um item cujos resultados dão que pensar: 79,1%
dos professores declaram utilizar o computador na sala de aula, no que são
confirmados por 75,8 % dos trabalhadores não docentes. Porém, só 27,2% dos alunos declaram
utilizá-lo na sala de aula...
Este último dado é aquele que é mais preocupante,
pois é um indicador do que distingue a escola portuguesa da escola, por
exemplo, nórdica ou da escola alemã.
19.5.14
Ao longo do tempo fui guardando informação, de
tanta que ela é, já não sei o que lhe fazer. São resmas de notas, páginas
amarelecidas pelo tempo, disquetes, pens, discos internos e externos...
Tudo à mão, mas longe do cérebro!
O inquiridor é manhoso. Nunca diz ao que vem!
Sabe-se que recolhe informação, que tem um guião, que aponta o dedo e espera
apanhar o réu em falso.
O inquiridor traz o tempo contado, espera
clareza, concisão e, sobretudo, aprecia o normativo. Regista, regista tudo e
depois filtra, filtra, mas esconde o filtro...
O inquiridor não tem ideias, toma como suas as do
chefe do Momento...
O inquiridor abomina a dúvida!
Não gosto de inquiridores! Falta-me o tempo para
lhes responder.
(Hoje,
mergulhei num palheiro e só agora consegui erguer a cabeça, mas por pouco
tempo...)
18.5.14
O GTESC apresenta Galileo Galilei
«Os
movimentos dos corpos celestes tornaram-se mais nítidos; mas para o povo o
movimento dos senhores continua ainda a ser imprevisível. A luta para que o céu
se tornasse mensurável foi ganha através da dúvida. Mas a luta da dona de casa
pelo leite, todos os dias é perdida através da credulidade.» Bertolt Brecht, A Vida de
Galileu, pág.195, Portugália editora, 1970.
Encenar e representar em contexto escolar A Vida de Galileu, de Bertolt Brecht, só
pode ser um projeto plurianual. A solução encontrada este ano merece ser
elogiada, pois foi necessário formar novos atores, mesclando-os com outros que
já têm um ritmo de representação mais avançado.
Seria injusto distinguir o desempenho dos atores.
Cada um deles conhece o esforço que a representação desta adaptação da peça lhe
exigiu.
Creio, todavia, que este trabalho lhes terá dado
a conhecer uma diferente forma de construir e de representar o texto, de tipo
não aristotélico (épico)...
Esta tarde, em palco, vi no cenário, na projeção
de imagens e nas músicas escolhidas, sinais de uma forma de fazer teatro, só
autorizada, em Portugal, com o 25 de abril de 1974...
Obrigado ao GTESC!
Considerando o
contexto escolar e os programas, ainda, em vigor, penso que se justificaria uma
maior aposta na leitura das obras de Bertolt Brecht. Essa leitura suportaria
facilmente um projeto
interdisciplinar, envolvendo disciplinas como a História, a Filosofia, o
Português, a Física, as Artes...
17.5.14
A verdade é filha do tempo e não da autoridade.
Biografia de Bertolt Brecht
«A verdade
é filha do tempo, e não da autoridade. A nossa ignorância é infinita, tentemos,
pois, reduzi-la de um milímetro cúbico! Para quê fingirmo-nos superiores, se
podemos vir a ser um pouco menos burros!» Galileu, in Vida de Galileu (1938/39...),
pág. 72, trad. de Yvette Centeno, Portugália editora, 1970.
Numa época em que tudo é feito para esconder a
verdade, em que a palavra é capacho de quem persiste em manter o poder, seja
ele qual for, em que já não sobra tempo para ler nem para escrever, creio ser
oportuno recomendar "A Vida de
Galileu" que, amanhã, subirá ao palco, pelas 16 horas, no Auditório
Camões /Esc. Sec. de Camões.
Mesmo que aos poderosos falte o tempo, os alunos
do 12º ano terão ali a oportunidade de entender a relação dramatológica entre
Sttau Monteiro e Bertolt Brecht.
E se isso acontecer, ficaremos um pouco menos burros!
16.5.14
A minha escola está bué... os plátanos e as tílias cresceram bué!
Nos pátios, ouve-se música bué, doira-se ao sol bué...
O bar tem micro-ondas bué e até as pombas são bué...
No auditório, há teatro bué, cinema bué, convidados bué!
Por toda a parte florescem cartazes bué...
Os trinados são bué, lê-se bué, dança-se bué...
Na Biblioteca, as velhas estantes dormem bué...
As salas têm bué de luz, os transparentes quebraram há bué...
as fendas estremecem bué...
(Até as caves suspiram bué!)
Em maio, os professores são menos que bué!
De manhã, os alunos são mais que bué...
De tarde, há silêncio bué
... à noite, as promessas são bué!
Na minha escola, todos ganham menos que bué!
E a culpa é do Anselmo, bué!
15.5.14
Idade, tempo de serviço e descontos para efeito de aposentação
Idade, tempo de serviço e descontos para efeito
de aposentação. Por esta ordem!
Seria justo que os três factores fossem, de forma
ponderada, tidos em consideração no cálculo. Mas não! Através de sucessivas
alterações no âmbito do OGE, o Governo tem vindo a transformar a “idade” no
fator determinante, menorizando o tempo de serviço e a totalidade dos descontos
feitos pelo funcionário e pela entidade patronal.
Esta situação vê-se, este ano agravada, com a
aplicação da convergência entre a “caixa geral de aposentações” e a “caixa
nacional de pensões”. Em rigor, esta convergência deveria considerar a
totalidade do tempo de serviço no público e no privado e os inerentes
descontos. Mas não é isso que está a acontecer! A convergência só está a servir
para penalizar o funcionário público e a agravar as desigualdades entre aposentados
e entre aposentados e reformados.
Tal como a lei está a ser aplicada, o funcionário
público, ao aposentar-se, apesar de, eventualmente, ter trabalhado mais anos e
ter feito mais descontos, acaba, à data da aposentação, por ser seriamente
penalizado, pois outros funcionários que se reformaram, em anos anteriores –
ver os últimos 10 anos – trabalharam menos tempo, descontaram menos e recebem
muito mais, apesar dos cortes…
Isto sem falar das reformas de privilégio, isto
é, obtidas em tempo record e sem descontos! Ou das aposentações por doença que
continuam imunes no seu cálculo à fórmula que tem sido aplicada aos restantes
funcionários…
Haja justiça!
14.5.14
"Chamam-te a bela imperatriz das
fátuas / A déspota, a fatal, o figurino. " Cesário Verde, A
Vaidosa
Estamos num tempo de fatuidade. A notícia vive um
instante e morre por mais que a repitam.
Houve tempo em que a beleza, porque efémera, só
podia ser vista à luz de um Ideal. Por outro lado, ainda não há muito tempo, a
beleza podia não ser fátua, se interior. A beleza interior inspirava e
compensava-nos da eventual fealdade exterior. Neste caso, a fealdade era um
produto da imaginação, porque particular...
Em Cesário Verde, é a distância que cria a
fronteira social e económica que corrói o modelo de beleza "Dizem que
tu és pura como um lírio (...) e que eu passo por aí por favorito.»
Logo que a beleza cai na boca do vulgo, ela
torna-se chiste, frustrando qualquer tipo de aproximação do "eu",
obrigando-o a ocultar o que nele havia de sedutor-seduzido...
Tudo é distância! Ela é imperatriz, é déspota, fatal, loura, granítica,
frígida... vaidosa, mortífera. Ela é romântica, importada do Norte,
protestante... E ele, aos 19 anos, não querendo ser confundido com o vulgo
burgesso e maledicente, refugia-se na vingança e no cinzel...e vai
escangalhando, poema a poema, a catedral romântica e ficando só...
( Este é o resultado da falta de
comparência de quem, presumido, prefere a fatuidade...De qualquer modo, ainda
não desisti…)
13.5.14
Saber relacionar Fernando Pessoa com Eça de Queirós
Há quem procure a génese do heterónimo Ricardo
Reis na formação helénica e latina de Pessoa numa austral, distante e isolada
Durban. Há quem veja no sobressalto provocado pela Guerra, a rejeição de
uma vida que inevitavelmente conduziria ao sacrifício e à morte de milhares de
seres humanos, e consequentemente este heterónimo viria dar expressão a uma
filosofia de vida, simultaneamente estoica e epicurista, no essencial anti
belicista de raiz humanista. Afinal, o Velho do Restelo camoniano bem poderia
ser apresentado como "pai" de Ricardo Reis...
Hoje, considerando todos aqueles alunos e
professores que andam às voltas com as leituras obrigatórias para o exame de
Português do 12º Ano, proponho simplesmente que olhem de perto para a
"teoria da vida" atribuída por Eça de Queirós a Carlos da Maia. A
teoria «que ele deduzira da experiência e
agora o governava:
Era o
fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma
esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com
a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e dias
suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada que se
chama o Eu ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no Infinito
Universo... Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo, não ter
contrariedades.
De regresso à Europa, Fernando Pessoa devorou e
assimilou o que de mais essencial havia na literatura portuguesa... Nem Eça
terá escapado!
Experimentem, agora, ler Ricardo Reis e digam-me
se é absolutamente necessário ler Horácio ou Eclesiastes para recomendar que
todas as horas devem ser plácidas...
Houve tempo em que também eu fui professor de
Didática, reconhecendo o papel da erudição... De qualquer modo esta não basta.
É preciso saber relacionar não só o que está longe como o que está perto. Para
Fernando Pessoa, Eça de Queirós era uma fonte inesgotável... É só lê-los!
12.5.14
Todos os dias me fazem perguntas a que me vejo
obrigado a responder com humor. Quando me perguntam "o que devo fazer para
subir a nota", primeiro paro, depois suspendo a respiração e finalmente
respondo relembrando uma atividade que já deveria estar concluída. Por exemplo,
ter lido "O Frei Luís de Sousa", o "Memorial do Convento",
alguns poemas de Fernando Pessoa, independentemente do sentido de humor ou do
sentido lúdico do Poeta...
E o meu humor está na lentidão, no cansaço e no
tom com que refiro os autores e os títulos, sabendo que ao meu interlocutor não
lhe passa pela cabeça que ler a obra, ter uma ideia sobre ela, escrever um
apontamento de rejubilo ou de enfado, são as condições exigíveis para que a
nota possa subir...
Hoje, o meu sentido de humor caiu no ridículo,
virou graçola. Respondi com toda a naturalidade para que a nota suba, suba a um plátano e olhe à sua volta.
No essencial, o humor só surge quando o desaforo
se torna inexplicável e não podemos sair do campo da linguagem. É nesse
território que nasce o contraste, a ironia, a hipérbole, a caricatura, o
chiste, o espírito. E esse território é o contexto em que me movo, em que o
autor se move, em que o leitor se poderá mover... Só que as zonas de interseção
são cada vez menores...
À escola compete alargar essas zonas de
confluência, sem que seja necessário que haja sobreposição absoluta. Quando tal
acontece, a liberdade criativa morre!
Hoje, todavia, a escola deixou de cumprir esse
desígnio; a família não exige que tal desiderato seja cumprido; as metas do
ministério da educação são tão primárias que as zonas de interseção passaram a
dar lugar à violência...
Infelizmente, estou a perder o sentido de humor e
a cair na piada ou na graçola. Ou, então, a fazer prova de mordacidade
chistosa...
De regresso à leitura, recordo que já Cesário
Verde, aos 20 anos de idade, em 1875, teve necessidade de exprimir
humoristicamente o seu deslumbrado desprezo pela nórdica, metálica e decadente
flor baudelairiana: «gélida mulher
bizarramente estranha / (...) ó grande flor do Norte! / O
sossegado espectro angélico da Morte!...
Temendo as balzaquianas meridionais, Cesário
Verde, em versos alexandrinos, vira a sua atenção provinciana para a
"milady do Norte":
Balzac é meu
rival, minha senhora inglesa! / Eu quero-a porque odeio as carnações
redondas; / Mas ele eternizou-lhe a singular beleza / E eu
turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas. /
Se ao menos os meus interlocutores não me
fizessem perguntas tão rasteiras! Se ao menos os meus interlocutores não
quisessem ter uma excelente nota sem se dar ao trabalho de ler, de ter uma
ideia, de escrever um apontamento!
Se ao menos os meus interlocutores soubessem
relacionar! Se ao menos os meus interlocutores se dessem ao trabalho de
procurar, de saber o que significa, de criar pontes!
Talvez um dia as soubessem construir e nesse
momento entenderiam que, por vezes, é necessário subir a um plátano e olhar à
volta, sem cair...ou até caindo.
11.5.14
Hoje, fui à Fonte da Telha. Lá verifiquei que
levam muito a sério a recomendação do Ministério do Ambiente.
Nada mudou nas últimas décadas: o pó, o
lixo, os cães, os quintalejos, as construções clandestinas, tudo misturado com
bares e restaurantes prontos a servir uma clientela mais fina… e a areia, muita
areia para os pobrezinhos….
Como ainda há sol e praia, o melhor é deixar que
cada um viva ao seu ritmo. Por mim, prefiro o azul filtrado pela palmeira
(reminiscência infantil!) e a encosta verdejante, sob a ameaça da escarpa…
Sempre gostei de escarpas e de falésias! Elas,
pelo menos, protegem-me das areias tórridas do deserto…
10.5.14
(Anda por aí uma
conchita, neutra, mas com barba... austríaca. Pobre Freud! Será que chegaremos
a 25 de Maio? E para quê?)
Desde que a penugem me começou a atormentar que a
deixei seguir o seu caminho. Várias foram as vezes que tentei ver-me livre
dela, mas as infeções aconselharam-me a desistir de a domar.
Não sendo oficialmente árabe nem judeu, não
encontrava na família qualquer barbudo que pudesse imitar. Chegado, em 1979, ao
quartel das Caldas da Rainha, ainda temi que o regimento me impusesse o corte
diário. Mas não! Tiraram-me a habitual foto de cadastrado sem qualquer
interdito. Depois, promovido a tradutor, nenhum general se preocupou com a
minha apresentação...
Talvez por isso me tenham colocado no Centro de
Transmissões, em Murfacém, localidade da freguesia da Trafaria, onde ainda
haverá vestígios da presença muçulmana, designadamente cisternas... Lá traduzi,
durante 12 meses, o que havia a traduzir, das 18 às 24 horas, e sobretudo, em
suporte "stencil", editei um jornal diário com a transcrição da
informação recolhida, via rádio, telex, escuta…Chamava-se "perbol" o
dito boletim... Ou será truncagem?
Os destinatários eram distintos, mas nunca obtive
feedback... Se calhar tudo não passou de uma cabala! Prometo que ainda hei de
regressar a Murfacém e lá procurarei uma cisterna árabe que, provavelmente,
guardará todo o meu amor à pátria... Só espero não encontrar a conchita
austríaca!
9.5.14
O plano é inclinado, sinto-me cada vez mais
longe. Podia dar liberdade ao corpo, deixá-lo ir, mas vejo-o tropeçar,
despenhar-se na escadaria… O cérebro já não controla os olhos – difusos,
vagueiam desorientados – as mãos deixam de ser tenazes e as pernas parecem de
borracha…
Paro no meio da ruela, ofegante, e penso “quem é
que me trouxe até aqui”. Já não estou em mim, não por capricho, mas porque
apenas oiço um vozear interminável…
Há quem pense que lhe faço falta, mas tal mais não é do que um sobressalto
amigo.
O problema é que cheguei a um ponto em que nem à
quietude posso aspirar… talvez ainda pudesse inquietar. Mas quem? E para
quê?
Na rua nem folhas há! Varreram-nas não fosse eu
escorregar…
Lá ao fundo mais não fazem do que atrasar-me a
corrida!
8.5.14
Canta Aires Rosado:
Por mayo era por maio.
Anda tudo num corrupio
anda tudo numa roda vida.
A troika está de partida
o Pinto da Costa de saída!
Rosado não vê o IVA subir
diz que o IRS já está a cair.
Já não há programa
já não há cautelar!
Já não há nada que roubar...
Só nos resta naufragar!
7.5.14
Cansado de ser o que não sou, ligo a antena e
oiço a embriaguez dos clássicos em ritmos risonhos, sorumbáticos e melífluos:
as máquinas investem nos incêndios reacendidos, os versos tornam-se reféns dos
deuses e as escadas arrebatam para o santo dos santos...e fico à porta do
Templo, na confluência da Filosofia com a Língua, tudo subordinado às sementes
que certo dia esqueci de regar...
Na verdade, nunca esqueci esse gesto inicial e
posso até acrescentar que, apesar do desvio, toda a minha vida foi justa até
que descobri que o champanhe substituíra a água cristalina... E aí chegou o
Tempo por alguns considerado "coisa antiga," mas que mais não é do
que fome de ser sem passado nem futuro. Como tal, abstenho-me de navegar e até
de me desfolhar, não vão querer encadernar-me!
Cansado de ser o que não sou, desligo a antena,
ciente de que, por instantes, cheguei a pensar que os deuses acabavam de perder
uma boa oportunidade. Mas que importa!
Já com a antena
desligada, registo que se faltasse a persistência, o rio deixaria de correr
para o mar e viraria pântano. Neste Dia Aberto, vale a pena enaltecer a
duração porque no seu decurso é que se manifestam "os artistas". Num
colóquio, num concurso, numa exposição, numa experimentação, num boletim é
sempre possível antever um rumo contrário à estagnação. Um rumo feito dos
rostos da Ariana, do João, da Rita, do André, da Alice, da Nazaré, da Ana, do
Eduardo, do Ricardo, do Tiago, do Dinis, da Mariana, do Pedro, da Andrea, da
Madalena, da Margarida, da Adriana, do Duarte, do Guilherme, da Anca...
6.5.14
Assim não lhe sirvo de nada, Senhor Presidente
É justo que o Senhor Presidente não me esclareça!
Ao reler o "post" de ontem, apercebi-me
que faltava um parênteses. Se me tivesse esforçado mais, enunciando o que mudou
de mãos nos últimos anos, talvez o Senhor Presidente se tivesse preocupado com
o meu rigor. Assim, não lhe sirvo de nada!
Claro que o Senhor Presidente já não precisa do
meu voto e sabe muito bem que pouco já tenho de meu, pois nos últimos anos
quase tudo o que tinha mudou para outros mãos. E essas mãos já decidiram o que
fazer comigo nos próximos anos...
O que é inaceitável é que o Senhor Presidente não
nos diga de quem são as mãos que nos têm roubado a alma. O Senhor Presidente é
um dos poucos que pode mandar publicar no Facebook os rostos daqueles que nos
têm devorado o corpo!
E fique o Senhor Presidente a saber que posso
viver na sombra e até cair na miséria, mas detesto que me ponham de lado ou,
sobretudo, que me usem...
5.5.14
Senhor Presidente, esclareça-me agora...
«O que mais
me vem à memória, no dia de hoje, são as afirmações perentórias de agentes
políticos, comentadores e analistas, nacionais e estrangeiros ainda há menos de
seis meses, de que Portugal não conseguiria evitar um segundo resgate. O que dizem agora?» Aníbal
Cavaco Silva (No íntimo, espero que esta diatribe seja apócrifa...)
MATILDE: Sr. Marechal: Quanto vale, para vós, a vida dum homem?
BERESFORD: Depende do seu peso, da sua influência, das vantagens ou dos
inconvenientes que, para mim, resultem da sua morte. (Luís de Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar!)
O Senhor Presidente lembra-me o Marechal, mas ele
era um estrangeiro que zelava, por todos os meios, pelos seus 16 000$ 00. O
Senhor presidente parece gostar da pequena intriga e da traição, o que não fica
bem a quem deveria zelar pela vida de cada português, em concreto, e não em
palavras mal-alinhavadas...
Senhor Presidente fica-lhe mal o ajuste de contas
numa rede social, sem identificar os alvos, sejam agentes políticos,
comentadores, analistas, nacionais ou estrangeiros!
E já agora, Senhor Presidente, esclareça-me: O
que é para si um "agente político"? O que é que distingue um
"comentador" dum "analista", pressupondo que se refere a
espécies políticas? E qual é o verdadeiro significado de "estrangeiro"?
É que, por vezes, penso que, para si, há muitos
"nacionais" que são "estrangeiros"!
4.5.14
Por trás dos olhos
cegos, creio que o verso é de Fernando Pessoa, revela-se no nº 7 da Rua do Vale
um atelier museu pensado e desenhado pelo Arquiteto Álvaro Siza Vieira… e
coincidentemente os mesmos olhos tiveram oportunidade de ver a procissão em
honra de Nossa Senhora da Escada… Uma procissão singela, sem a luxúria das de
D. João V, mas com marinheiros e escuteiros…
Um mar de interrogações num espaço tão reduzido!
Da igreja de Jesus (do distante Colégio
jesuítico), sai a procissão, virando as costas ao Liceu Passos Manuel (de
memória quase tão antiga), indiferente à Rua do Vale (memória quase infantil,
mas onde a obra de Júlio Pomar começa a ser acolhida) e segue em direção à
Assembleia da República, mas não creio que esta Nossa Senhora venha a descer a
escada…
Ela será da Escada porque um dia lançou uma
escada a uma jovem mãe que era perseguida porque roubara um pão para alimentar
um filho ou, hipótese mais consentânea com a encenação de hoje, porque os
marinheiros de quinhentos se habituaram, ao descer ou ao subir a escada, que
ligava a terra ao Tejo, a solicitar ou a agradecer a proteção (haveria, junto a
um dos cais, uma pequena ermida devotada a Nossa Senhora da Conceição!) …
Compreendo que com os olhos a aprendizagem seja
mais dura e menos cética, compreendo que ela tenha ganas de pôr de lado a
razão, mas devo acrescentar que os olhos (e muitas vezes o passado) me obrigam
a procurar o que a luz, por vezes, esconde, tal como Fernando Pessoa, o
próprio, confirma:
Quando era
criança / vivi, sem saber, / Só para hoje ter / aquela lembrança. // É que hoje
sinto / aquilo que ontem fui. / Minha vida flui, / Feita do que minto. / / Mas
nesta prisão, / Livro único, leio/ O sorriso alheio / De quem fui então. // (2.10.1933)
E a propósito da dúvida inicial, o verso do título é de FP / Ricardo Reis (25.5.1930):
Se recordo
quem fui, outrem me vejo, / E o passado é o presente na lembrança. / Quem fui é
alguém que amo / Porém somente em sonho. // E a saudade que me aflige a mente /
Não é de mim nem do passado visto, / Senão de quem habito / Por trás dos olhos cegos. // Nada,
senão o instante, me conhece. / Minha mesma lembrança é nada, e sinto / Que
quem sou e quem fui / são sonhos diferentes. //
3.5.14
Faleceu hoje o homem que escancarou as portas ao
regime democrático.
Foi ministro da educação nacional entre 1970 e
1974, levando a cabo uma profunda reforma do sistema de ensino. Já antes, em
1963, fundara a Universidade de Lourenço Marques. E enquanto ministro da
Educação, foi responsável pela criação das Universidades de Aveiro e do
Minho...
Em todos os cargos que desempenhou, antes e
depois do 25 de abril, revelou ser um homem que acreditava e apostava nas novas
gerações e na necessidade de abrir o país ao mundo, nas áreas da educação, da
ciência e da investigação...
Conheci-o de relance, há 41 anos, em maio de
1973, aquando da realização, em Tomar, do único congresso da Ação Nacional
Popular. Nessa data, o ministro Veiga Simão visitou o Liceu de Tomar, sendo
alvo de alguma hostilidade, compreensível à época, sobretudo porque acompanhava
o presidente do conselho, professor Marcelo Caetano, preocupado em provar a
multirracialidade da pátria portuguesa...
Hoje, vejo, no momento da partida, um homem
distinto que sabia que só a educação libertaria Portugal do obscurantismo.
2.5.14
Os arbustos e as árvores do presente...
«Numa terra
onde se cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos...» Luís
de Sttau Monteiro, Felizmente Há
Luar! (Matilde)
Bem sei que estou a ficar maçador, mas vivo o drama do desinteresse pela
leitura ativa, aquela em que o leitor lê o passado com olhos de presente,
os olhos da vida apagada e triste. E é esta dimensão do presente que
encontro em obras como a de Luís de Sttau Monteiro.
Pelo contrário, os meus interlocutores veem esta
peça como uma velharia imposta por um qualquer ser bolorento e desfasado da
realidade e, como consequência, limitam-se ao resumo e ao estereótipo... até
porque hoje já se encontram extintos os informadores, os denunciantes, os
falsários, os mercenários, os iluminados, os hipócritas, os intriguistas, os
populistas, os racistas, os corruptos, os conspiradores, isto é, os vicentes,
os corvos, os sarmentos, os sousas, os miguéis, os beresfords, os polícias, os
catrogas, os coelhos, os portas, os gaspares, os borges, os frasquilhos,
os moedas, os luíses, os durões, os rasmus, os thomsens...
Os arbustos vão ocupando tudo de acordo com um
princípio já antigo, assumido pelo marechal inglês Beresford, marquês de Campo
Maior:
O VELHO ESTÁ SEMPRE A CEDER PERANTE O NOVO E O
NOVO SEMPRE A DESTRUIR O VELHO...
E vou anotando com uma réstia de esperança de que
o presente se
encarrega de desfazer:
«Sempre
que há uma esperança os tambores abafam-lhe a voz... Sempre que alguém grita os
sinos tocam a rebate... (...) E cai-nos tudo em cima: o rei, a polícia a fome
(...) Até Deus! (...) E ficamos pior do que estávamos... Se tínhamos fome e
esperança, ficamos só com fome... Se, durante uns tempos, acreditámos em nós
próprios, voltamos a não acreditar em nada...» (Felizmente, Há Luar! Manuel)
1.5.14
Afinal, os regentes são só dois...
«Há gente, senhores, que sente grande ardor
patriótico sempre que os seus interesses estão em perigo.»
(D. Miguel Forjaz, in Felizmente Há Luar!)
Tradicionalmente, os principais agentes desse
ardor eram os frades, os fidalgos, os oficiais e os tambores. Juntos acabavam
por aplicar a mesma "teoria das emoções": as bandas e os sinos não
paravam de tocar, os frades de gritar e os aldeãos de empunhar a bandeira...
Hoje, os agentes do ardor patriótico são senhores da comunicação social ou
vivem enquistados nos partidos. São cada vez mais jovens, herdeiros...
iletrados e demagogos.
No meio da trapalhada em que vivemos, a verdade
cede o lugar à emoção, já que esta «nem carece de provas, nem se apoia na
razão.» (op. cit., D. Miguel Forjaz)
A Troika lava as mãos, qual Beresford que se
apresenta como «um simples técnico
estrangeiro (...) rodeado de inimigos: o clero odeia-me porque não sou da sua
seita; a nobreza, porque lhe não concedo privilégios; o povo, porque me
identifica com a nobreza, e todos, sem excepção, porque sou estrangeiro...» (op. cit., Beresford)
Neste mês de maio, o ardor patriótico será tema
dominante da campanha eleitoral: "a saída limpa", "a partida da
troika", a recuperação da soberania por aqueles que ao longo destes três
anos ajoelharam e pediram a bênção...
E nós, cada vez mais endividados, movidos pelo
ardor patriótico, hesitamos e acabamos por acreditar em quimeras.
Tal como em Felizmente Há Luar! os regentes são só dois, os restantes
são técnicos, estrangeiros e
hereges, odiados por todos, ainda que por diferentes motivos.
30.4.14
Dona Olinda, no Portugal de Abril
Dona Olinda disse-me esta manhã "este dia só
termina à meia-noite". Amanhã, Dona Olinda já não estará ao serviço. Cessa
uma "servidão" de 40 anos. O termo parecerá excessivo, mas transmite
por inteiro a sua dedicação à Casa em que entrou há 40 anos. Dedicação à Casa e
aos sucessivos inquilinos que, por vezes, exigiam como se fossem senhores... e
ela, discreta, a todos servia... Sorriso luminoso quando a ouviam com atenção,
sorriso fechado quando lhe ignoravam a presença...
Ao chegar à Casa, em 1998, percebi de imediato
quem poderia ser meu interlocutor. Compreendi que sempre que necessitasse de um
esclarecimento na Biblioteca, de uma chave, de uma sala devidamente preparada
para uma qualquer reunião de última hora, de umas flores para um velório ou
para receber um convidado, bastava dirigir-me à Dona Olinda. Descobri ainda que
ela sabia o nome de todos os professores, funcionários e, até, da maioria dos
alunos. E também descobri que ela sabia o lugar de todos os equipamentos e de
todos os livros, conhecendo-lhes, muitas vezes, a função e, sobretudo, que
escutava, em silêncio, a história de muitos que procuravam o palco e o
aplauso...
Por tudo isto, ultimamente, sempre que me cruzava
com Dona Olinda, eu sentia-me triste se a via a varrer a flor dos plátanos ou
se me apercebia que ela executava uma qualquer tarefa porque outrem tinha
faltado ao serviço ou simplesmente não cumprira o seu dever.
E hoje não posso deixar de me sentir triste, não
porque ela se aposente, mas porque parte com uma pensão miserável que a irá
obrigar a continuar a servir.
No dia 1 de maio de 2014, dia do trabalhador,
Dona Olinda que dedicou toda a sua vida ao Liceu / Escola Secundária de Camões,
não deixará de pensar que a recompensa para tamanha dedicação é, afinal,
mesquinha...
29.4.14
Fernando Pessoa trata o coração como um comboio
de corda que vai entretendo a razão. A ideia seduz o racionalista que aposta na
técnica (na arte) como expressão de uma individualidade singular ou, no melhor
dos casos, na desmultiplicação das peças que devidamente agregadas procuram, em
vão, reconstruir o puzzle humano.
Para trás, o Poeta deixa um coração estilhaçado e
desnorteado. Um coração vítima da razão que acusa de lhe não garantir a
imortalidade. Um coração efémero, humano!
É esta noção de coração que transforma a memória
num artifício literário. A infância, o cais, a música, a nora, o gato, o
quintal, o teatro, a loucura, a palmeira, Lisboa são lugares revisitados sem
vida, sem renovação. Em Pessoa, há memória, mas não há recordação, no sentido
em que recordar significa fazer voltar ao
coração.
A razão não chega para acordar nem para concordar.
O Português é a língua do coração (cor, cordis) e não da razão. Só podemos acordar, concordar e
recordar com o coração cuja pulsão é fonte de vida.
28.4.14
A Técnica abre as portas ao Absurdo
Enquanto os magos da política criam uma cortina
de fogo,
enquanto os magos da política fingem prestar homenagem a quem os serviu, eu
interrogo-me sobre o alcance do verso de F.P./ Álvaro de Campos, «Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro
da técnica.»
De todos os heterónimos de Fernando Pessoa,
Álvaro de Campos é a assunção da ideia de que o desenvolvimento tecnológico
traz consigo o fim da vida gregária tal como foi construída até ao início do
século XX. Por outros palavras, o futurismo (a técnica) combate as estruturas
coletivas: a igreja, o estado, a família, a educação, a moral...
Assim, o técnico, ao dar vida à artificialidade,
destrói a natureza como criação divina. Coloca-se no lugar de Deus, e encara a
realização individual como arte poética, isto é, como técnica, extensiva a
todas realizações, a todas as performances... as fronteiras diluem-se, as
narrativas fragmentam-se, e perante um universo escaqueirado a colagem torna-se
a arte suprema...
Nos bastidores, o encenador, à medida que as
personagens sobem ao palco, toma consciência da inevitabilidade trazida pelo
modernismo: a infância, a Lisboa antiga, o Tejo de outrora nada significam. A
técnica substitui a saudade pelo nada que é tudo, abrindo as portas ao
Absurdo...
27.4.14
Escrever, traduzir e viver para os outros
Vasco Graça Moura
morreu este domingo aos 72 anos, vítima de cancro.
(…) “Podes partir. De nada mais preciso /
para a minha ilusão do Paraíso.” David Mourão-Ferreira
Homem político, culto, trabalhador, eloquente,
afável, disponível, Vasco Graça Moura serviu a república, sem esperar
recompensa.
Das opções literárias, não esperava benevolência
nem compreensão imediata...
De fortes convicções políticas, sabia que os
seres vertebrados odeiam as meias tintas e por isso tinha tantos inimigos e
alguns amigos...
Verbete incompleto:
Moura, Vasco Graça (Foz do Douro,1942 - Lisboa, 2014) – Modo Mudando (poesia satírica,
1963)[1]; Semana Inglesa (1966); O Mês de Dezembro (1977) Sonetos de Shakespeare (trad.1977); A
Variação dos Semestres deste Ano (1981); Nó Cego (1982); A Morte de Ninguém; 50 Poemas de Gottfried Benn[2] (1982) Os Rostos Comunicantes (1984); Quatro Últimas Canções (1987); A Furiosa Paixão pelo Tangível (poesia)[3]; Naufrágio de Sepúlveda (1988); Partida de Sofonisba às Seis e Doze da Manhã (1993); Sonetos Familiares (1994) Nó Cego, o Regresso (1982 /2000[4]); Meu Amor, Era de Noite (2001); Enigma de Zulmira (2002); [5]Lacoonte, Rimas Vária, Andamentos Graves (2005); Poesia 2001/2005 (2006)
[1] - Na perspectiva de João Gaspar Simões, Modo Mudando girava, à maneira de satélite, em torno do
orbe lírico do poeta de No Reino
da Dinamarca (Alexandre O’Neill). Por seu lado, Nó Cego aproxima-se
de Ostinato Rigore, de
Eugénio de Andrade.
[2] - Poeta alemão (1886-1956)
[3] - Maria Lúcia Lepecki, no artigo “Tocar de Ouvido”, publicado no DN
de 24 de Janeiro de 1988, expõe os pontos convergência etimológica entre
«tangível» [TAG, de que também descendem ‘toque’ e ‘tacto’] e «dizível» [DEIK,
cujo primeiro sentido é rigorosamente mostrar]. Estabelecida esta associação,
refere «o primeiro traço pelo qual em
VGM o dizível-dito se faz também tangível relaciona-se com uma dinâmica de
materialização. Qualquer coisa que dá ao lido o efeito de tocável, dando aos
corpos falados o efeito de existência como volume, peso, forma e cor.»
(…) A função da imagem «é trazer no mais concreto sinal do mais abstrato,
conferir corpo físico – peso, volume, forma e cor, movimento – ao que de
«físico» pouco teria…» E ainda: «ficamos nós entre o ver e o ouvir,
duplo investimento sensorial espaço e experiência intermédios onde mora a
pessoa, o ser mais profundo, da poesia de Graça Moura.
[4] - reedição com 15 aguarelas de Mário Botas.
[5] - Ver crítica de Miguel Real, JL de 13 de Novembro de 02: vê duas
fases na obra deste autor – a fase estético-realista, em que
denuncia os mitos arqueológicos da esquerda portuguesa...
26.4.14
Ler para os outros quando não lhes apetece ler...
«Aqueles dias de horror tinham sido
um sismo que num ápice abrira e fechara uma fenda do inferno na superfície
clara da sua vida.» Natália
Correia, A Madona.
À minha frente, Felizmente Há Luar! de Luís Sttau Monteiro. Será que vou
reler esta peça para os outros, uma peça escrita em 1961 e representada pela
primeira vez em 1969 e finalmente apresentada em Portugal em 1978? Uma peça que
vi representar em 1978! Uma peça que já vi representada, pelo menos, uma dezena
de vezes, pela Malaposta, pela Barraca...?
Ler para os outros quando não lhes apetece ler!
Ler para os outros, quando haveria tanto a dizer sobre 1961, sobre a Guerra
colonial e os movimentos de libertação, sobre a literatura e a emancipação dos
povos, sobre o lusotropicalismo e a lusofonia, sobre Brecht, sobre a PIDE,
sobre a censura, sobre Humberto Delgado, sobre a maçonaria, sobre a Igreja
Católica, sobre a ocupação estrangeira, sobre a perda de soberania, sobre o
despotismo e a liberdade, sobre a traição, sobre Carlos César, o encenador! Ler
para os outros quando estes preferem não o fazer?
Já não me apetece ler para os outros porque de
mim só querem meia dúzia de frases feitas! Ler cansa-me e dizer ainda mais!
Dizer uma qualquer receita para o sucesso imediato...
Em vez de ler, procuro quem leia por mim, e
registo: Traços épico-brechtianos
na dramaturgia portuguesa, O Render dos Heróis, de Cardoso Pires, e
Felizmente há Luar! de Sttau Monteiro, por Márcia Regina Rodrigues.
A cada passo se encontra um académico capaz de me
substituir com proveito. Temo, todavia, que o não queiram ler...
Ao contrário do que se apregoa, lê-se cada vez
menos, sobretudo, diz-se muito menos. E porquê? Porque já ninguém quer ouvir! A
não ser a voz das sereias e dos sátiros!
Hoje, o que me apetece é interpretar o sentido das palavras daquele
ministro que se diz tolerante com os velhos militares e os velhos políticos,
que ele respeita pela ação pretérita, mas não pelo que dizem.
Sempre desconfiei que a tolerância era uma forma de cinismo e este
aguiar branco nem tira a máscara.
25.4.14
As flores podem ser brancas ou vermelhas,
as canções podem ser de nostalgia ou de luta,
as palavras podem ser ou não ser...
O que não se pode esconder:
as armas de brincar
e os beijos de perfídia
O que não se pode esconder:
o desespero
o desemprego
a doença
a deseducação
a desertificação
a dívida
o despejo
a emigração
a fome
O que não se pode esconder: tudo o que andamos a esconder há 40 anos...
24.4.14
Hoje, as ratazanas, amanhã, os lobos…
Enquanto caminho, penso no curso do dia e recordo
que, num certo momento, associei a «sombra da azinheira» do Zeca Afonso à
azinheira sobre qual «Nossa Senhora apareceu aos pastorinhos», na Serra d’Aire.
Lembro a música ensurdecedora que se foi levantando nos pátios e o fascínio dos
jovens pela lenda que vai sendo tecida em torno do 25 de abril…
A mesa de montagem tem triturado as imagens e as
palavras, criando um cenário fabuloso que, infelizmente, impede o sobressalto
democrático imprescindível à mudança de uma classe política incompetente. O dia
de amanhã, em vez de ser gasto em cerimónias patéticas, deveria mostrar a
revolta de todas aqueles que, nos últimos anos, têm vindo a ser condenados à
pobreza…
E enquanto caminhava, surgiu diante de mim uma
ratazana pachorrenta que me trouxe de volta à crueza dos dias. Subitamente,
interroguei-me se ela seria do campo se da cidade… Revisitei Sá de Miranda:
Agora, por que
vos conte / quanto vi, tudo é mudado; / quando me acolhi ao
monte, / por meus vizinhos defronte / vi lobos no povoado. / Carta A Seu Irmão Mem de Sá.
Neste 24 de Abril, as ratazanas, não sendo
fabulosas, estão cada vez mais vorazes…
23.4.14
Pode ter sido bela, irreverente, mas não deveria ser esquecida...
Pessoas há que quando morrem, logo são
esquecidas. É o caso de Natália Correia! Pode ter sido bela, irreverente,
ter-se colocado do outro lado da barricada..., todavia, hoje, não gostei que
tenha sido esquecida... Ao editar Novas
Cartas Portugueses Portuguesas, em 1972, mostrou a fibra de que era
feita.
Essa edição foi apreendida e destruída, mas nem
por isso as autoras que acolhera na Estúdios Cor deixaram de fazer o seu
caminho, de subir ao Olimpo.
Nas palavras eloquentes de Maria Teresa Horta, a guerra de libertação
autorizada pelo esforço heroico do partido comunista visava arrancar a mulher à
condição de escrava do pai, do marido, do estado - tudo figuras masculinas,
figuras despóticas milenares.
Curiosamente, MTH parece ignorar que o PC também
se estruturava em torno de figuras masculinas, em regra, despóticas.
Vale a pena relembrar que Natália Correia, cedo,
se colocou do lado da MÁTRIA, porque bem sabia que havia caminho a percorrer,
tal como, involuntariamente, é reconhecido no "monólogo de uma mulher
chamada Maria com sua patroa", monólogo esse escrito por uma das três
Marias:
«Muito
obrigado isto passa, não é preciso chamar o médico, minha senhora, isto passa,
até já estou habituada, são uns ataques que me dão, fico assim sem
conhecimento, sem alentos e depois torno a mim como boa, pode estar certa, não
se aflija e desculpe, não quis assustá-la minha senhora, ora logo o raio do
ataque me havia de dar aqui em casa...» Maria Isabel Barreno, Maria
Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Novas
Cartas Portuguesas, editorial Futura 1974
Não fossem os mitos urbanos, a empregada que pede
desculpa à «minha senhora» seria vista como uma mulher explorada por uma
"igual" só que de uma classe social privilegiada. Essa trabalhadora,
se ganhasse o suficiente para ir ao médico e à botica, seria despedida.
Trabalhador pobre, homem ou mulher, não pode
ficar doente, não tem dinheiro para transporte, e livre-o Deus, outra figura
masculina e despótica, de desmaiar de fraqueza no local de trabalho...
(Texto escrito, numa hora amarga, por um homem
que detesta a demagogia, o compadrio e o comadrio...)
22.4.14
Saibam quantos meus versos não
ignoram
Que os meus danos para fora riem,
Minhas risadas para dentro choram.
(...) Natália Correia, Sonetos Românticos, Na câmara
de reflexão onde a simulação é um crime I (1990)
A euforia de uns é a tristeza de outros.
Deixo de rir porque o palhaço despreza o outro. O palhaço manda rasteirar o
estrangeiro, lembrando-lhe a sua condição de bárbaro...À boca de cena, o
palhaço agiganta-se até se esfumar por detrás da cortina.
Entretanto, o palhaço veste a pele do lobo mau e,
sorrindo da própria perfídia, atira-se à mão que lhe serve exóticas iguarias.
Chega de criminosa simulação!
21.4.14
Milady já não é britânica
deixou de ir à boutique
não precisa de guarda-roupa
Milady prefere o ouro o carmim
o brilho do ébano
à carnação ebúrnea
Milady esconde os olhos
alonga-se na nudez
vê no umbigo a rosa do mundo
Milady ainda vai à escola
as páginas dos livros troca
pelo bâton pelo verniz
espera ser feliz
Milady faz beicinho
se a nota não lhe faz jus...
20.4.14
A bênção pascal já chegou às pastelarias!
Padre e acólitos começaram por entrar na
pastelaria! Foi mais fácil do que entrar no prédio ao lado! Os moradores ou
estavam ausentes ou escondiam-se por detrás das portas… Nem a chuva se apiedou
do cordeiro pascal! Quanto à ressurreição, parece que ela chegou ao Estádio da
Luz. Vamos ver por quanto tempo!
19.4.14
Ai o destino das flores, Gabo!
Pelo contrário, Francisco Marques, morto de saudades, declara que «esta
noite em companhia da mulher é que ninguém lha tiraria.» (Saramago, MC)
|
|
«Ai o destino das flores, um dia as meterão nos canos das espingardas, os
meninos do coro, a basílica de Santa Maria Maior, que é sombreiro, e também a
basílica patriarcal, ambas de gomos alternados, brancos e vermelhos, se daqui
a duzentos ou trezentos anos começam a chamar basílicas aos chapéus-de-chuva,
Tenho a minha basílica com uma vareta partida, Esqueci-me da minha basílica
no autocarro…» (J. S., MC) |
Para ti, as flores eram amarelas; para nós,
brancas e vermelhas. Quantos frutos amadureceram à tua sombra! Quantas linhas
ganharam asas sob a tua ousadia!
Quantos mortos saíram da sombra porque seguraste
o globo da magia, sem precisares de manto nem de um mar novo!
Sem ti, os Marques e os Elvas nunca teriam
sacrificado a vida sob o olhar pasmado do diabo ou sido os nossos olhos na
troca de princesas…
(E tudo
num implacável universo jesuítico e hispânico…)
18.4.14
Citado pela Autoridade Tributária para pagar uma dívida de um avô…
Citado para pagar uma dívida da herança de um
avô, falecido há 20 anos, hoje fui à Serra d’Aire à procura das oliveiras que
justificam a execução. Refira-se que não faço a menor ideia de quais são as
oliveiras, se ainda estão de pé ou se já arderam até porque o terreno não é
pertença nem do avô executado nem do cabeça de casal da herança, também já
falecido, nem meu, também cabeça de casal, para azar meu, ainda vivo…
Se não pagar a dívida agora apresentada no prazo
de 30 dias, tendo início em 2008, lá serei penhorado e não estarei sozinho
porque todos os meus 4 tios “receberam” a mesma notificação, um deles também já
falecido. A Autoridade Tributária e Aduaneira espera uma colheita farta, pois
não esclarece se o valor da dívida é global ou individual…
Enquanto procurava as oliveiras certamente
envolvidas em silvas ou em rebentação, lá fui pensando se qualquer dia não
seremos todos citados por uma qualquer dívida de D. Afonso Henriques, cabeça de
casal de D. Henrique e D. Tareja …
A demanda acabou por ser interessante porque
descobri uma realidade que desconhecia: os terrenos são férteis; o orvalho
noturno é suficiente para regar as hortas que por ali vão crescendo à sombra
das oliveiras e das azinheiras; os desvairados pássaros cantam ao desafio; e
até um velho moinho de água em ruínas espera que a ribeira que o alimentava
volte ao seu leito natural…
Só espero que a AT não se lembre de me fazer
pagar com juros de mora a água da ribeira do furadouro que por ali corre, isto
sem falar do moinho!
Para quem quiser aventurar-se por estes caminhos
da Serra d’Aire, basta visitar os moinhos da Pena e depois embrenhar-se pelas
encostas da serra…
17.4.14
Carvalhal do Pombo, freguesia de Assentiz
A ideia é simples!
Contar a "estória" de cada família que
se instalou e se enraizou em Carvalhal do Pombo.
Nesta blogue, há espaço para narrativas e
imagens. Quem quiser contribuir, tem toda a liberdade para o fazer.
No que me diz respeito, sou fruto do casamento
dos Cabeleiras com os Gomes, estes oriundos das Moreiras Pequenas...
Caso haja colaboração, estou disposto a escrever
a história desta aldeia do concelho de Torres Novos, cujos rebentos se
espalharam pelo mundo...
PS. Parece que a proposta não teve acolhimento,
sobretudo, por falta de leitores.
Quando um
livro – O Caso de Barbacena - nos faz pensar e procurar
O livro O Caso de Barbacena – Um Pároco de Aldeia entre a Monarquia e a República,
de Margarida Sérvulo Correia tem certamente muitos méritos, entre os quais o de
dar a conhecer a vida de um sacerdote, João Neves Correia, que soube colocar-se
do lado dos mais fracos, defendendo-lhes os interesses, mesmo quando estes
faziam opções que não ajudavam a resolver o problema.
Ler este livro (e viajar por estas terras)
mostra-nos como a vida das populações e do seu pároco era dura e, sobretudo,
como era necessária muita coragem e resistência física para calcorrear aquelas
distâncias ao frio, à chuva e ao calor…
Barbacena (ou Barvacena?) é lugar antigo que
parece, ao fim de tantos séculos, não se ter libertado das regras feudais! A
herdade da Font’Alva lá continua improdutiva ao mesmo tempo que meia dúzia de
aldeãos queimam o tempo num banco da Igreja paroquial.
Enquanto circulei pela Estrada de Barbacena fui
vendo que alguns proprietários estão a apostar no cultivo da vinha, mas a
maioria dos terrenos continuam subaproveitados… A certa altura, dei comigo a
pensar em qual será o valor do IMI para uma herdade da dimensão da Fonte
d’Alva! Se alguém tiver resposta, gostava de a conhecer…
16.4.14
De um lado, a superioridade; do outro lado, a
inferioridade. De um lado, o Eu; do outro lado, o Outro...
A língua é o espelho da relação estabelecida
entre os dois lados. A língua é a imagem. A língua é o palco.
A língua é, também, o risco. Falar é arriscado,
quando não se tem plena consciência da matriz cultural da palavra.
E assim sendo, o escritor corre o risco de
brincar com as palavras sem se aperceber que, ao fazê-lo, está a brincar com o
fogo. Há escritores para quem dar nome às coisas e às pessoas de um e do outro
lado é suficiente para assegurar a imparcialidade. E fazem-no com tal profusão,
com tal realismo, sem dar conta de que o tempo e a distância matam a
referência...
Vem esta nota a propósito de uma pequena e
inofensiva expressão que encontrei no romance de Teolinda Gersão, A Árvore
das Palavras: «... a mulher
dele é que cozinhava, frango com
piripiri, que também se chamava à cafreal.»
Basta consultar uma lista de restaurantes e (ou) de pratos para encontrar o
termo cafreal.
E quem é que se interroga sobre o seu
significado, a sua origem? Ora, o termo tem origem em kafr que, originariamente,
designava os que não professavam o islamismo. No século XVI, os portugueses
aportuguesaram-no como cafre,
nomeando os indivíduos atrasados que habitavam o interior de África. No século
XVIII, o mesmo vocábulo já se refere aos escravos... Em Angola, por seu turno,
encontramos o adjetivo cafrealizado,
indicando um branco abjeto, miscigenado... Isto é, tudo que deriva de kafr é expressão de desvalorização
do Outro...
Podemos ter muitas razões para gostar do frango à cafreal, mas isso não
impede que a designação seja uma forma de inferiorização, não do frango, mas,
neste caso de quem inventou a receita... certamente, indiana...
E já que referi "A Árvore das
Palavras", aproveito para confessar que me parece que o romance bem
poderia ter terminado em: «Um país malgovernado.
Mal pensado. Mas podia-se fazê-lo explodir, para obrigar a pensar tudo de novo.
O Velho estava sentado no seu trono - mas não era verdade que podíamos
derrubá-lo?»
E na verdade, o Velho foi derrubado e substituído
pelo Novo! Só que 50 anos mais tarde, parece que nada mudou. O risco voltou: de
um lado, a raça branca; do outro lado, os novos cafres...
15.4.14
Um museu que parece um silo em Badajoz
MEIAC de Badajoz
Este museu visto de fora parece um silo! Poderia
guardar os cereais necessários à subsistência do corpo, mas expõe as obras que
nutrem o espírito. Deste modo, a forma mais do que metáfora é alegórica até
porque vivemos tempos de exuberância, efemeridade e desmedida…
Por fora, o espaço envolvente denuncia
esgotamento de recursos, de tal modo que o visitante tem alguma dificuldade em
identificar o Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo de
Badajoz.
No interior, no piso zero, dois pintores: Timoteo
Pérez Rubio (1896-1977); Godofredo Ortega Munoz (1905-1982). Pisos 1 a três –
fechados ao público. Piso quatro - 12 vídeo projeções de 12 autores: Jose Félix
González Placer; Manu Arregui, On My Own. 2003 – uma obra que reflete sobre por que motivo uma política da vida ameaça
sempre com uma ação de morte; Estibaliz SÁDABA; Karmelo Bermejo…
No piso subterrâneo, um conjunto de obras da
coleção privada de arte contemporânea do MEIAC, iniciada em 1995, em que
sobressaem obras dos portugueses Rui Chafes, Manuel Casimiro, Joana
Vasconcelos, Rita Magalhães, Rui Toscano, Carlos Vidal, Pedro Calapez, Luís de
Campos, Júlia Ventura, Fernanda Fragateiro, Marta de Menezes…
Um museu com entrada gratuita que valoriza a
cultura portuguesa!
14.4.14
No dia em que os reis de Portugal e de Espanha trocaram princesas
O que Saramago não diz
no XXIII capítulo de Memorial do Convento. A Igreja de S. João Batista foi
levantada no século XVIII (…) com a ajuda outorgada pelo rei de Portugal, D.
João V, pelo casamento em Badajoz da filha Bárbara de Bragança com Fernando VI.
Saramago coloca a ação numa «casa onde se encontrarão os reis e os
príncipes, a qual foi construída sobre a ponte de pedra que atravessa o rio.
Tem essa casa três salas, uma de cada lado para os soberanos de cada país,
outra central para as entregas, toma lá Bárbara, dá cá Mariana (…) do nosso
lado são tudo tapeçarias e cortinados de damasco carmesim com sanefas de
brocado de ouro, e igualmente a metade da sala do meio nos pertence, e no
tocante a Castela os adornos são tiras de brocado branco e verde, tendo ao meio
um grosso ramo de ouro donde aquelas saem, e ao centro da sala de encontro há
uma grande mesa com sete cadeiras do
lado de Portugal e seis do
lado de Espanha, todas forradas de
tissu de ouro as nossas, e de prata as deles…»
Se os portugueses tivessem atravessado o rio
teriam compreendido que o rei de Portugal não admitia ficar para trás. A igreja
de S. João Batista, não muito longe da Catedral de Badajoz, é prova de como D.
João V era magnânimo, piedoso e despesista.
13.4.14
Badajoz, Iglesia de la
Concepción. |
Beato Ceferino Giménez
Malla, «El Pelé» (1861-1936)
(Recentemente foi me
perguntado por que motivo viajava na carroça com os ciganos… Porque os homens
não devem ser classificados em função da origem, do grupo identitário, da
religião, da ideologia…)
Gitano,
el primer beatificado de su raza, conocido familiarmente como «el Pelé»,
seglar, de la Tercera Orden Franciscana. Tratante de caballerías, hombre cabal
y honrado, era muy devoto de la Virgen y de la Eucaristía, generoso con los más
necesitados y preocupado por la catequesis de los niños. Le llevaron al
martirio en 1936 la defensa de un sacerdote y el empeño en seguir rezando el
rosario.
(…)
Al inicio de la guerra civil
española, en los últimos días de julio de 1936, fue detenido por salir en
defensa de un sacerdote que arrastraban por las calles de Barbastro para
llevarlo a la cárcel, y por llevar un rosario en el bolsillo. Le ofrecieron la
libertad si dejaba de rezar el rosario. Prefirió permanecer en la prisión y
afrontar el martirio. En la madrugada del 8 de agosto de 1936, lo fusilaron
junto a las tapias del cementerio de Barbastro. Murió con el rosario en la
mano, mientras gritaba su fe: «Viva Cristo Rey». Juan Pablo II lo beatificó el
4 de mayo de 1997, y estableció que su fiesta se celebre el 4 de mayo.
10.4.14
«Aquela dor
de ser excluída. Havia, portanto, lugares proibidos, portas que só se abriam
para alguns. Assim era, pois. Esse noivo distante que a mandava ir não lhe
abria essas portas.» Teolinda Gersão, A Árvore das Palavras.
Avanço lentamente na leitura deste romance,
publicado em 1997, mas a cada momento penso que esta narrativa bem poderia ser
analisada nas aulas de História que visem compreender a realidade sociológica
portuguesa nos anos 60 e 70...
Amélia descobre ainda antes de chegar a
Moçambique que o casamento não lhe iria trazer a felicidade e a ascensão
social... Amélia compreende que havia portas que não poderia atravessar por
mais ambiciosa que fosse. Era a sua condição, a condição da maioria da
população portuguesa...
Entretanto o 25 de Abril derrubou essas portas
inexpugnáveis e permitiu que milhões de portugueses entrassem e dançassem nos
salões outrora proibidos. Os Capitães de Abril devolveram a esperança de
uma melhor distribuição da riqueza e por um tempo tudo parecia ajustar-se. Mas
foi sol de pouca dura! As portas, com a mudança de milénio, começaram a
fechar-se e, hoje, a maioria dos portugueses já só bate às portas dos salões e
sonha com o Euromilhões e com audis alemães...
Até os Capitães de Abril, apesar de ainda poderem
entrar nos salões, já só o podem fazer em silêncio...
Tal como aconteceu a Amélia na longa odisseia da
Metrópole para Moçambique, também nós sabemos que a primeira classe deixou de
estar ao nosso alcance...
9.4.14
O povo cigano... e a classe cigana
Entre os povos sem pátria, avultam os ciganos.
Oriundos dos jinganis, veem-se, desde tempos imemoriais, obrigados a
viver de expedientes e, sobretudo, de vendas em feiras e praças.
Objeto permanente de xenofobia, o cigano,
reduzido à condição de nómada, confronta-se atualmente com a diminuição
drástica de territórios onde permanecer temporariamente. Por outro lado, mesmo
que não possam fugir à sedentarização, ninguém os quer por perto.
O povo cigano é vítima de anátema e porque
desterritorializado acaba indevidamente classificado como minoria.
Para além do povo cigano, há uma outra classe cigana que
encaixa bem na definição do adjetivo correspondente: «trapaceiro, ladino, traficante de mercadoria subtraída aos direitos».
Nas últimas décadas (em pleno cavaquismo), nasceu
e cresceu à sombra dos partidos políticos, uma classe trapaceira (mente e
manipula a toda a hora) e que se habituou a desrespeitar os direitos de quem trabalha ou trabalhou longa
e honestamente. Para além de defender um miserável salário mínimo, não descansa
enquanto os restantes salários e pensões não forem de miséria.
Ora em tempos de pobreza e de acentuada
iliteracia é mais fácil discriminar o povo cigano e outros grupos de origem
africana ou asiática do que erradicar a nova classe cigana.
8.4.14
Dia internacional dos ciganos numa pastelaria de referência
Dia internacional dos ciganos
C’est le 8 avril 1971,
que les Roms, qui représentent la première minorité de l’Union européenne,
choisissaient, malgré une situation encore difficile, les symboles de leur
communauté ainsi que leur drapeau et leur hymne...
Manhã cedo, três ciganas, tagarelas, sentam-se a
uma mesa de uma pastelaria de referência. A mais idosa levanta-se, dirige-se ao
balcão e pede um café num copinho
de plástico. A resposta seca diz-lhe que ali não há copinhos de plástico!
A velha cigana não desiste, volta para o lugar e
pede um café em chávena escaldada e um pãozinho de leite tostado... Ao balcão,
vários clientes censuram a ousadia quando a cigana devolve o café porque quer a
chávena cheia...
Do lado de lá do balcão, já se condena o RSI (o
rendimento social de inserção) e tudo aquilo que o leitor esteja habituado a
pensar...
Uns minutos mais tarde, a TSF entrevista um
distinto cigano que refere que nas escolas pouco é feito por esta comunidade e
que mesmo que os ciganos concluam os estudos com sucesso ninguém os contrata...
Por seu turno, a Alta-Comissária para a Imigração
e Diálogo Intercultural, Rosário Farmhouse, aponta que a situação atual dos
ciganos não é muito diferente da vivida em 2008 e, sobretudo, que o número de
queixas de discriminação desta comunidade não tem aumentado. Se algum problema
existe, a culpa é da crise!
Em síntese, há séculos que a minoria cigana é
discriminada e continua a sê-lo até no facto de estar sob a alçada de um
pomposo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural. Afinal, a
quem é que serve a existência de minorias, se o objetivo é a integração?
7.4.14
Não é que durante o dia tenha pensado em
figueiras e muito menos em figos lampos, só que por volta das 19 horas dei
conta que uma das figueiras que saltam o muro do Seminário dos Olivais já exibe
o fruto temporão.
Estranhei a pressa daquela figueira, mas como ela
se encontra em terreno sagrado, logo pensei que, talvez, ela tivesse sido
plantada pelo Diabo… Afinal aproxima-se o dia do enforcamento de Judas…
E os figos lampos? Pessoalmente, houve tempo em
que os apreciava, embora desconfiasse da excelência da sua natureza temporã …
porque, no geral, este tipo de figueira, depois de afirmar a sua virtude,
deixa-se cair no pecado da preguiça…
Agora entendo que há sempre quem abocanhe os
figos lampos e sobretudo que os lampeiros continuam ativos. E o dia de hoje não
foi exceção!
6.4.14
A voz é o suporte acústico da palavra. Quando a
voz se torna ininteligível, perdemos a emoção, embora, em muitas
circunstâncias, a alteração da voz resulte da irrupção de uma tensão interior
capaz de provocar comoção exterior ou, em alternativa, condenação pública.
Hoje a voz de João Perry (O Regresso a Casa, de Harold Pinter) fez-me lembrar uma outra voz de que já perdi o som, mas
cuja emoção me acompanhará sempre...
Sei agora que mais do que as vozes memorizo
emoções, pequenos gestos... Estes gestos e estas emoções ficam em mim como
expressões de sensibilidade, de aproximação...
Em O Regresso a Casa (encenação de Jorge Silva Melo, também ele de regresso ao palco do D.
Maria II), as múltiplas vozes enunciam ideias dos anos 60, libertárias,
mas que se extinguem na enunciação que parece ser a verdadeira substância da
vida. No lugar das palavras também há gestos, mas falta-lhes a emoção, como
expressão de sensibilidade, aproximação...Para Harold Pinter tudo não passa de
jogo...
5.4.14
Vladimir. – Mais tu as bien été dans le Vaucluse ?
Estragon. – Mais non, je n’ai jamais été dans le Vaucluse ! J’ai coulé
toute ma chaudepisse d’existence ici, je te dis ! Ici! Dans la Merdecluse! Samuel
Beckett, En attendant Godot, 1952
Pouco importa onde morámos, onde sonhámos, se fomos felizes…
Um dia, uma qualquer alcateia deu cabo de tudo e nós ficámos, em definitivo, à
espera…
Todos os dias à espera, acordamos e adormecemos, sem coragem para levantar a
forca…
Incapazes de nos calar, continuamos a olhar a árvore…
Sobra-nos a corda do olhar…
e pouco importa onde morámos…
um dia uma alcateia deu cabo de tudo…
… e nós sem coragem para levantar a forca!
4.4.14
"Voltaremos!" é palavra de ordem. E
podem voltar as vezes que quiserem, pois, o plano está em marcha e só estará
concluído quando o Estado tiver fechado as portas.
Vão fechar hospitais, tribunais, escolas e repartições de finanças! Compreendo
o motivo do encerramento de hospitais, tribunais e escolas, afinal, são
sectores que só dão prejuízo. Só não entendo a decisão de encerrar as
repartições de finanças... Será que já não sobra ninguém para tributar?
E claro também não entendo por que motivo não
encerram as esquadras, os quartéis, as câmaras municipais e a assembleia da
república, que oficialmente cheira mal...
3.4.14
Um português que não sabe qual é a sua pensão de reforma
Daqui não se vê, mas posso assegurar que se trata
de um ser atarracado, braços cruzados sobre o dilatado ventre, sorriso aberto e
luminoso sob testa ampla ainda coberta por nívea cabelama. Não fosse a veste
negra e a gravata rosada, poder-se-ia imaginar um albino de origem
nacional-socialista. Um qualquer farsista ter-lhe-á roubado o bigode de pequeno
hitler, deixando, no entanto, adivinhar um dentinho de ouro…
Rotundo desde tenra idade, cedo descobriu que
estava destinado a ganhar uma fortuna. Já nos anos 70, auferia 100 contos numa
daquelas empresas privadas cujo monopólio era assegurado pelo Estado… De lá
para cá, ainda não parou de ganhar dinheiro e nem no tempo do Vasco Gonçalves
soube o que era ficar sem emprego. Apesar de tudo, recebia 50 contos. (Vale a pena recordar que um professor
ganhava 5 ou 6 contos a explorar o Estado!)
Já reformado, este indefetível amante da pátria
continua a trabalhar na EDP, em tempos, empresa pública, que ajudou a vender, e
a fazer a parte de tantos conselhos fiscais e de administração que já lhes
perdeu a conta…
E foi certamente essa falta de memória que levou
Catroga a afirmar: «Eu neste momento
não sei qual é a minha pensão de reforma.»
De referir que este tipo de português é uma espécie vaidosa que se baba
com facilidade e que não tem sentido do ridículo.
2.4.14
EPIS (Empresários Pela Inclusão Social)
Hoje, no Auditório "Camões", com o
patrocínio da EPIS, David Justino, sociólogo da Universidade Nova de Lisboa e
antigo ministro da educação, apresentou de forma detalhada um estudo sobre o
"abandono e insucesso escolares", com base em dados referentes ao
período 2007-2012.
Confesso que não percebo nada de análise
estatística, mas não sou completamente insensível ao jargão e às conclusões.
Não costumo ter paciência para assistir a este
tipo de "lições", no entanto, terminadas as tarefas avaliativas do
dia, a qualidade do investigador acabou por me arrastar para o Auditório. Não
estava cheio, sobretudo não havia muitos professores do Camões, mas, quando
entrei, atrasado(?), o público amigo escutava disciplinadamente.
Explicados os conceitos, o discurso
desenvolvia-se de forma redundante: em Portugal, cultiva-se uma "cultura
de retenção", a começar pelo 1º ciclo, o que provoca uma "elevada
taxa de atraso"; o insucesso escolar está, por um lado, ligado, à
ruralidade ou às periferias das grandes cidades e, por outro lado, deve ser
associado aos pais sem instrução.
Este estudo aponta, ainda, para uma nova
variável: o sucesso dos alunos sobe quando as mães detêm um curso superior...Os
pais pouco acrescentam...
Em conclusão, a ineficiência do sistema resulta
em grande parte da «cultura de retenção» do corpo docente, provavelmente
herança do Estado Novo! (Esta ideia é minha!)
Claro que o estudo também dá conta dos concelhos
em que "as boas práticas" conseguem reverter as estimativas
negativas!
O que estranho é que tanto conhecimento sobre as
assimetrias geográficas não resulte num plano educativo nacional que transforme
o insucesso em sucesso e principalmente deploro que a variável
"docente" raramente seja considerada como promotora de sucesso...
De qualquer modo, para David Justino, o
centralismo jamais será capaz de resolver os problemas locais...
Adivinhem lá quem vem jantar!
1.4.14
Fazem-se transportar em luxuosas viaturas de alta
cilindrada por ruas donde os pobres foram expulsos e dizem a todo o momento que
os portugueses compreendem que não é possível voltar às remunerações e pensões
de 2011...
Asseguram a todo o momento que não estão a ser
aprovados novos cortes e mal fecham a boca, a comunicação social anuncia que os
cortes chegam já em abril...
Orelhas moucas, asseguram que o pós-troika é
decisão deles, que em Bruxelas colhem opiniões. Invertebrados, aceitam ordens
na esperança de uma recompensa futura num qualquer areópago
internacional.
(...)
E nós pasmados, vítimas de aleivosia, continuamos
a ouvi-los mentir e, sobretudo, a ser insultados, como ainda hoje
aconteceu.
Diz o senhor professor doutor Nuno Crato: Daqui a 10 anos,
iremos ter os melhores professores de sempre. Daqui a 10 anos!
O senhor professor doutor Nuno Crato insulta os
professores como nunca ninguém o fez. Os professores de ontem e de hoje!
Agora que a extrema-direita vai fazendo o seu
caminho, melhor seria que o senhor professor doutor seguisse os conselhos de
Marinetti (20 de fevereiro de 1909):
«Nós
queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o
patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias que matam, e o
menosprezo da mulher.»
«Nós
queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo...»
31.3.14
Uma pessoa
sensata! Parece ser um elogio... No intervalo uma
linha preenchida por pontos anónimos.
Escrever sobre pontos e linhas pode não fazer
sentido, mas tem uma vantagem, não desassossega a não ser quem se sente
desfasado, forma passiva de uma ação cujo sujeito mais vale ignorar...
A alternativa é colocar os pontos nos is... Para
quê?
(...)
Desfazer o enigma? Suspensos os dedos, os
pensamentos saltitam: um vulto atrás de um ecrã, imagem estática, quotidiana,
medeia interesses; outros vultos, todos atrás de ecrãs, recebem ordens
escondidas; ainda outro vulto delira com a vitória programada; há mesmo um
vulto diante do ecrã que finge que os 7% da extrema-direita francesa podem ser
anulados por uma baixa de impostos...
(...)
O problema é que todos estes vultos, peões de brega, estão ao serviço da
mediocridade de que se valem os Senhores para governarem o mundo a seu belo
prazer.
30.3.14
Em algumas horas, a linha pode virar ponto. E ao
pensar-se que finalmente a ânsia foi esbatida, eis quando do outro lado da
linha nos dizem que o ponto se transformou em fila (bicha voraz) porque parte
da bagagem ficou retida num tapete rolante para lá da distância esbatida... e
não ficou sozinha, de tal modo que múltiplos pontos se veem no labirinto
burocrático...
No caso, nem as asas de Dédalo nem as esferas de
âmbar de Bartolomeu se mostram capazes de trazer de volta as malas, por ora,
turcas...
Lá as eleições municipais deram cabo do zelo
reparador - os turcos preferem o confronto direto mesmo que isso lhes traga a
morte, porque para Erdogan a «questão é de vida ou de morte» ...
Cá o faz-de-conta burocrático obriga o viajante a
fazer morosa prova dos objetos retidos... Talvez venham no próximo voo e
sabe-se lá em que estado!
Entretanto, o zeloso funcionário, desconfiado,
vai exigindo a chave de cada cadeado...
29.3.14
Se começar a ligar os pontos, tenho uma linha.
Uma linha com tantos pontos que os não consigo abranger. Alguém se lembrou de a
medir, não em pontos, mas em quilómetros, e para me tranquilizar (ou
assustar?), dizem-me que são mais de 4.500 km...
De facto, eu não passo de um ponto (ou de
conjunto de pontos) e ninguém se propõe medir-me em quilómetros. No meu caso, a
medida é em centímetros! Mais do que uma linha, vejo-me como um novelo
debruçado ora para dentro ora para fora.
Hoje é um daqueles dias em que muda a hora, em
que os pontos parecem reduzir-se tornando a linha mais tensa, mas a qual, de
verdade, não deixa de ter mais de 4.500 km...
Em rigor, quero acreditar que, à medida que as
horas passam, a linha vai encurtando, os pontos vão diminuindo...
Tenho uma linha! Mas como, se não passo de um
ponto?
(Entretanto,
a linha invisível está a aproximar-se: o espaço diminui à medida que o tempo
avança. Quem diria que o tempo pode avançar ou recuar? A noite desalinhada foi
dizendo que o tempo é um malfeitor, pois até os telemóveis necessitam de ser
reiniciados sempre que a hora muda... e se não o soubermos, a ansiedade cresce
mesmo que a extensão diminua...)
28.3.14
A batata, a erva daninha e os bastardos
A diferença entre esta batata e o governo é que
ela faz pela vida. Deem-lhe um pouco de água e de sol, e enraíza, ganha folha e
flor. Torna-se produtiva e bela. E não precisa de muito tempo para assegurar a
mudança…
Também se pode pensar que o governo enraíza, mas
trata-se de um erro. O governo é a erva daninha que há muito dizima o batatal.
O governo é improdutivo, gasta o tempo a cortar. Não precisa nem de água nem de
sol, basta-lhe uma foice ou uma gadanha para limpar a seara…
E zelosamente, vamos sendo ceifados pelo governo
e pela parte bastarda de nós…
27.3.14
As redes sociais incomodam o poder instalado. E
como tal transformaram-se no alvo incontornável dos poderosos... A médio prazo,
qualquer rede social acaba controlada ou silenciada pelos inimigos da
transparência...
O exemplo mais recente, provavelmente mais grave,
é turco. Portugal, por seu turno, já encontrou o pretexto para exercitar uma
velha competência - indexar, censurar. O nosso ministro da educação consegue ir
mais longe do que ERDOGAN: começou por limitar o acesso ao Facebook... A Turquia
só o fará com a mudança de hora...
26.3.14
(...) Insisto que, n' Os Maias, o discurso vale
mais do que a história, que a leitura pausada e repetida de uma página pode
criar uma relação de cumplicidade inesquecível com o autor, pode ensinar a
equacionar a realidade de ângulos surpreendentes, pode abrir as portas para um
inevitável e retrógrado choque de culturas, para a expressão da incapacidade de
resolução de um problema vivido interiormente, sobrando apenas o riso amargo e
vencido da ironia pessoal e coletiva... Para atrás vão ficando os adjetivos, os
advérbios, os polissíndetos, os assíndetos, as metonímias preguiçosas, as
hipálages audaciosas, os paradoxos e os oxímoros, a lógica e a retórica, os
tropos e as figuras, os retratos e as caricaturas, as descrições, as cores,
rosadas, rubras e cerúleas, ... e, por força, as personagens, o tempo que que
avança e recua e o espaço que se contrai e se expande em avenidas, corpos e
fantasias... as nódoas de sangue...
(E a
espaços uma voz se levanta: - É necessário ler o romance? E qual é a Gramática?)
Sem resposta, desço pela Conde Redondo, as ruas
esventradas, não sei se o gás se a eletricidade? Procuro uma loja de
acessórios, fechada? Definitivamente. Mais abaixo, uma informação: - Procure
rua António Pedro (o ator) ... Agora subo, entro na dita rua, também ela
esventrada - desapareceram uns tantos números. Desço e volto a subir, estou
quase no Chile - uma Churrascaria pegou fogo! Os mirones do costume, um cerco
de bombeiros e polícias, o trânsito desviado e deixado à sorte do fluxo... e eu
entro, finalmente, na loja de acessórios que não tem terminal de multibanco e
passa recibo em euros e escudos. Saio satisfeito porque o stock não estava
esgotado como na farmácia. Regresso à Pascoal de Melo, caminho sem pensar na
traição da classe aristocrática, quando, de súbito, uma placa chama a minha
atenção: Fernando Pessoa morou ali no 3º direito durante uns meses em 1914. Uns
meses! Quais? Que importa? Sigo caminho, passo ao lado do Neptuno sem lhe
prestar atenção, já com a mira no novo edifício Pessoa. E claro, Pessoa também
morou ali na Almirante Barroso, 12, por cima da Leitaria Alentejana. Dormia de
empréstimo e favor do venerável e iletrado Sr. Sengo... e quem quiser saber
mais e ficar desorientado faço favor de revisitar o Sr. João Gaspar Simões,
sobretudo o capítulo VIDA QUE PASSA, título de uma Crónica que Fernando Pessoa
foi escrevendo até um que a associação de classe dos chauffeurs da capital lhe acabou
com a carreira de jornalista...
E há só um caminho para a vida, que é a vida... Álvaro de Campos
25.3.14
Perante o problema da opção sexual de Fernando
Pessoa, custa-me que haja um problema por resolver, sobretudo, nos dias que
correm... Nem creio que essa opção pudesse ser feita. Primeiro: faltou-lhe a
amizade de Mário Sá-Carneiro.
Segundo: Pessoa parou no Espírito.
De qualquer modo, questionado, decidi consultar
"Páginas Íntimas e de Autointerpretação" e a páginas 27 e 28
encontro a reposta:
a) «Não encontro dificuldade em
definir-me: sou um temperamento feminino com uma inteligência masculina.»
b) «A minha sensibilidade e os movimentos que
dela procedem (...) são de mulher.
As minhas faculdades de relação - a inteligência, e a vontade, que é a
inteligência do impulso - são de
homem.»
c) «Reconheço sem ilusão a natureza do
fenómeno. É uma inversão sexual frustre. Pára no espírito.»
d) «Sempre me inquietou (...) que essa disposição
de temperamento não pudesse um dia descer-me
ao corpo.»
e) «Não digo que praticasse a sexualidade
correspondente a esse impulso; mas
bastava o desejo para me humilhar.»
Quando o saldo negativo é positivo
A execução Orçamental de fevereiro apresenta um saldo negativo de 30
milhões de euros, de acordo com os critérios da troika. O ministério das
Finanças destaca que é uma melhoria de 150 milhões de euros, em comparação com
o mesmo período do ano passado.
Os portugueses estão mais pobres! O saldo da
execução orçamental de fevereiro é negativo! O governo vê algum problema? Não.
Menos + menos = mais
Até 25 de maio, vai ser sempre assim: o sol
brilha, a areia regressa, o mar recolhe, a troika vai a banhos para a Ucrânia,
a Merkel fia audis para que um ou dois portugueses possam ficar mais
endividados, as palavras de apoio abundarão...
24.3.14
«Imaginar é ausentar-se, é lançar-se
numa nova vida.» Gaston Bachelard, O Ar e os Sonhos
Muitos dos meus alunos entendem que
"imaginar" é sair de si, evadir-se da prisão em que se encontram:
casa, sala de aula, trabalho... Enamorados de si ou siderados por um outro
passam instantes fantásticos, longe dos problemas. No sonho, no cinema, na
praia, nos mares do sul ou, simplesmente, navegam na net ao encontro de
imagens de vitórias e de ecos. Fumam a vida!
Outros compreendem que "imaginar" não
pressupõe que se abandone o corpo, o lar, a sala de aula, o trabalho... apenas
sentem que imaginar é equacionar o problema e não descansar até que os sonhos,
as tentativas, os erros se materializem em novas ferramentas...
A diferença está em que os primeiros se ausentam
de si, se tornam improdutivos, ociosos, enquanto os segundos se esquecem de si
para gerarem vida...
23.3.14
Não acredito
em Deus porque nunca o vi.
Se ele
quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que
viria falar comigo
E entraria
pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Alberto Caeiro, Há metafísica bastante em não
pensar em nada…)
O diálogo com Deus é questão antiga. Não vou
reacendê-la, porque não estou em condições para o ver entrar pela janela, pelo
menos enquanto ela não for de alumínio lacado...
E bem sei que Saramago nunca deixou de acertar
contas com esse Deus tirano que permitiu que por muito tempo ele crescesse
longe da abundância e da igualdade.
Compreendo, assim, que Saramago preferisse a
simplicidade de Caeiro para quem a vírgula era sinal suficiente para apreender
a realidade, desfazendo toda a metafísica de quem não sabe caminhar por si, de
quem não sabe sentir por si...
E de repente tudo começa a fazer sentido quando a
Marta N. Leite resolve enviar-me um mail a explicar-me que, tendo colaborado e
estado presente no lançamento do livro "A Sala de Aula", de
Maria Filomena Mónica, sentia necessidade de agradecer-me por desafiar os
alunos a pensarem por si e não a reproduzirem saberes inócuos...
Esta simpática aluna tem toda a razão! Durante 40
anos foi esse o meu desafio. E também era o de Pessoa / Caeiro e de Saramago...
e já agora de Camões!
Não por limite de idade, mas porque o
Ministério da Educação reduziu o pensamento a um sistema binário no qual não há
lugar para a dúvida... nem para a surpresa da vírgula, informo que brevemente
abandonarei o ensino.
22.3.14
O passado de pouco nos serve, apesar de haver
quem nos queira infernizar os dias com histórias mal ordenadas. Também há
aqueles que tudo fazem para colocar uma pedra sobre atos que condicionam as
nossas vidas.
Por omissão ou por saturação tudo se torna
passado e deste modo o presente desfaz-se em euforia para os que servem o poder
e em disforia para os que não conseguem fugir ao seu raio de ação.
A transição entre passado e presente deixou de
ser objetivo da educação e como tal os sistemas educativos já não fazem
sentido...
Ainda há quem viva dessa mediação, mas será por
pouco tempo. E quem o não compreender, não sobreviverá.
O passado não é exemplo, porque deixámos de ter
rumo. À deriva, nos desencontramos...
21.3.14
Falta-nos a cólera do filho de Peleu
Canta-nos,
deusa, a cólera de Aquiles,
o filho de
Peleu;
a cólera fatal
que tantos males
provocou aos
Aqueus;
a cólera que
tantas nobres almas
nos infernos
prendeu
e que de
tantos corpos fez pasto
para as aves
do céu.
Pois deste
modo é que se ia cumprindo
o desígnio de
Zeus.
Homero, Ilíada, Canto I (trad. David Mourão-Ferreira)
Falta-nos a cólera
Falta-nos a cólera que desfaça a desfaçatez dos tiranos
Falta-nos a cólera que dilua a untuosidade dos interesses
Falta-nos a cólera que combata a indiferença dos amorosos
Falta-nos a cólera de Aquiles
Tudo porque Zeus deixou de ter qualquer desígnio...
Nem no dia da Poesia a Deusa pode cantar o filho de Peleu...
E as aves do céu bem podem esperar!
Se a poesia queremos celebrar
Que a cólera não nos falte
A cólera...
20.3.14
A Primavera nem é prima nem é vera! Não é vera
porque tudo soa a embuste e não é prima porque já vem gasta...
Até parece que os sinais de vida só agora começam
a piscar... um pouco como se no resto do ano estivéssemos de luto.
Pássaros tontos, andamos por aqui às voltas, à
espreita da semente podre até que o passarinheiro nos capture.
19.3.14
Com a idade aprendemos que há comportamentos que
não mudam mesmo que as certezas diminuam. Isso acontece geralmente com os
falsos rebeldes que, na verdade, tudo fazem para esconder as fraquezas que os
atormentam...
Num país de gente fraca, quem comanda é a
fanfarra, e a fanfarronice torna-se genuína. Irresistível!
No entanto, no mesmo país, ainda há gente
aprumada, que merece a nossa consideração, sobretudo quando, pelo trabalho e
pela inteligência, se supera e nos surpreende...
Com a idade aprendemos a tolerar os primeiros e a
incentivar os segundos. Convém é que o façamos com elegância!
18.3.14
I - Sempre gostei da convicção e do sentido de
humor de Medeiros Ferreira (1942-2014).
Homem sólido na argumentação, profundo conhecedor
do passado que lhe servia de trave-mestra para projetar o futuro, habituei-me a
escutá-lo com atenção...
Incómodo para muitos, sem voltar a cara à luta,
viu-se preterido por jovens turcos sedentos de poder. E por isso o país perdeu
ao não aproveitar plenamente o seu conhecimento, a sua inteligência, a sua
visão...
II - E a propósito de outros jovens, não posso
deixar de anotar quão desagradável é lidar com juvenis certos de que já são
adultos, que a toda a hora gritam a sua mediocridade, apesar de convencidos que
já encontraram a chave do mundo... um mundo pequenino, todo feito de grunhidos,
empandeirado, tolo.
III - À porta fechada, Passos e Seguro
negociaram, convencidos da «insanável divergência». Em política, não pode haver
lugar para discordâncias irremediáveis. E se tal acontece é porque a classe
política não passa de um bando de jovens turcos, de juvenis convencidos!
17.3.14
De fora ou de dentro, recanto. Outrora, portão de
acesso ao Jardim Botânico. Fechado a cadeado ferrugento, ninguém ali atravessa…
De fora ou de dentro, recanto envelhecido,
abandonado, por vezes latrina. Descrevê-lo é percorrer o tempo, mas quem quer
fazê-lo?
Hoje, procurei explicar que a descrição não é
apenas criação de espaço; a descrição dá conta do tempo, narra um tempo de que
as personagens se afastaram. Na pena de escritores como Eça ou Saramago, a
descrição é personagem que, se incompreendida, vira recanto…
O sonho do escritor só se afirma pela descrição
criativa, mesmo que sob a forma da analogia. E por isso também procurei
explicar a analogia, pois navegar no espaço (ou na net) pressupõe a derrota das
naus…
E quando o objeto da descrição parece tristonho,
frio e severo, o escritor lança mão da ironia…
Como o esforço de nada serve, a personagem sai,
fica somente a cena…
16.3.14
As árvores continuam de pé. O borboletário só
abre a 21 de março.
Os periquitos-de-colar ausentaram-se sem aviso
prévio. No entanto, depois de olhar a copa das árvores, percebi o motivo da
ausência: faltam as sementes e as bagas…
Há neste jardim uma particularidade intrigante. À
exceção de três ou quatro espécies comuns, as aves não abundam. Parece que os
jardins universitários perderam o pio!
Ainda assim, sempre é possível observar uma
escultura vegetal em fim de ciclo e uma instalação cubista sem qualquer
explicação. Cansado como ando, pensei em acampar ali…
Claro que outros olhos, mais deslumbrados, terão
dado conta das hierofanias, terão ligado terra e céu, terão mergulhado no
sagrado! Só que esse deslumbramento vai morrendo na velha árvore que, na melhor
das hipóteses, alimenta os vermes da terra…
15.3.14
O rei coelho descontextualizado
«... os
coelhos são sempre os mais espertos, nas histórias. O coelho leva sempre a
melhor ao leão, ao javali, ao elefante, ao leopardo e a todos os animais da
selva. E porque é o mais forte, é ele o rei.» Teolinda Gersão, A
Árvore das Palavras, 1997.
Embora não conheça pessoalmente Teolinda Gersão,
prometi-lhe que iria ler o seu romance "A Árvore das Palavras". Como
detesto incumprimentos, comecei hoje a leitura desta obra cuja ação decorre em
Moçambique.
O desenho da narração, apesar do tom lírico, não
foge por enquanto à tradicional dicotomia branco vs. negro e o ponto de vista
do narrador favorece a alma negra...
Só que repentinamente a leitura suspende-se,
descontextualiza-se e lembra-me um outro coelho, que outrora viveu em
Angola...
E não posso deixar de cismar quão perniciosas
podem ser as histórias de animais contadas a certas crianças!
14.3.14
Procuro a palavra que melhor dê conta do meu
estado. Faço uma lista em que não faltam cansaço, frustração, desilusão, humilhação, roubo, engano..., mas nenhuma delas exprime a totalidade do meu
estado... Basta-me dar dois passos e, de imediato, sinto o peso do corpo. Um
peso insuportável, asfixiante!
Se paro, logo uma nuvem negra rompe sobre o lado
esquerdo e fica a pairar, ameaçadora... Poder-se-ia pensar que o repouso seria
capaz de afastar o agouro, mas não.
De todas as palavras enunciadas, há as que são externas- frustração, desilusão, humilhação, roubo, engano.
Todos conhecemos os agentes e a impunidade em que
vivem. Todos sabemos os nomes dos que nos oprimem! Há, todavia, uma palavra que
é visceral - o cansaço -
e que, no meu caso, se manifesta em peso, nuvem fechada...
(Por um
instante, penso que, também, eu parti no avião malaio e que o meu peso foi
suficiente para o abismar.)
13.3.14
O Presidente veta, o Governo ignora o veto
O Governo manteve a
taxa de descontos dos funcionários públicos, pensionistas, militares e polícias
nos 3,5%, apesar do veto de Cavaco Silva. Perante as dúvidas do Presidente da
República, o Executivo decidiu enviar o diploma para o Parlamento.
O Presidente despede os consultores e torna-se o
bobo da festa. No dia seguinte, para salvar a face, o Presidente veta o
aumento de 1% para a ADSE. Entretanto, o Governo ignora-o.
Uma história de proveito e exemplo: Mau exemplo e
muito proveito! Uma história de compromisso e de chantagem!
Se assim não fosse, o Governo não se atreveria a
desrespeitar o Presidente...
12.3.14
O melro na sala de professores
Ainda pensei que fosse um corvo! Mas não, era um
melro que, percorrida a galeria, entrou inconscientemente na sala à procura de
migalhas.
Convencido de que ninguém o iria perturbar,
percorreu o espaço e voltou a sair… e eu fui ficando a pensar em todos os que,
conscientemente, transgridem os limites…
11.3.14
Se não se quer chegar ao limite há que ser
rigoroso nas opções, mas nem sempre é fácil, pois os sinais podem ser mal
interpretados ou mesmos descartados. E tal acontece quando o perito se limita a
analisar o seu território, deixando à sorte a determinação de considerar o que
fica de fora do campo de atuação do especialista.
Perante um motor afinado, o perito declarará que
se aquele não funcionar bem, a responsabilidade será das válvulas ou da
qualidade do combustível e, entretanto, segue o seu caminho...
Hoje, ao subir a Duque de Loulé, compreendi que o
melhor é desconfiar dos peritos, pois a lentidão do motor mostrou-me que as
palavras sábias que acabara de ouvir não tinham qualquer pertinência. A subida
revelava-se necessária e dolorosa e só eu sabia porquê, só eu sei que opções
terei de fazer...até porque a lentidão também se faz sentir em plano
inclinado...
Indiferentes às minhas sensações e às minhas
cogitações, centenas de convidados e de mirones esperavam pela inauguração das
novas instalações da Polícia Judiciária que, oficialmente, custaram 87 milhões
de euros!
Num esforço derradeiro, acelerei e, mais uma vez,
entrei no velhinho e esquecido Liceu Camões...
10.3.14
Uma geração que se vai perdendo…
(Ontem,
no Museu do Teatro e no Jardim do Museu do Traje; hoje, na Biblioteca da ES
Camões.)
No âmbito da Semana das Profissões, um dos oradores (investigador no IST)
esclarece que, na cidade de Lisboa, a água utilizada tem, na quase totalidade,
origem na Barragem de Castelo de Bode, ignorando as águas subterrâneas, à
exceção de dois ou três lugares, em que elas são aproveitadas para regar o
parque florestal como acontece nos jardins dos Museus do Traje e do Teatro.
A cidade de Lisboa, tal como outros lugares,
desperdiça as águas subterrâneas e onera os munícipes que são obrigados a pagar
muito mais caro pela água à EPAL.
O problema está na atitude dos decisores, mas esta forma-se na família e na escola.
Basta ver o comportamento de muitos dos jovens que, hoje, na Biblioteca,
passaram o tempo a brincar uns com os outros ou a dormitar ou fazendo tábua
rasa da experiência dos oradores pois que, no seu juvenil entendimento, o que
era dito não passava de história acabada, o mundo mudara, e o que eles queriam
saber era quais são os cursos que dão emprego e dinheiro… e já agora quais são
os países que concedem bolsas…
Quanto ao esforço, quanto ao trabalho… Uma
geração que se vai perdendo antes de tempo!
9.3.14
O Museu do Teatro e o escolástico protótipo conversacional…
Ainda pensei em fotografar o cadeirão em que
Garrett se sentava no Conservatório Real, mas mudei de ideias ao encontrar os
bonifrates de António José da Silva (8.05.1705 – 19.10.1739)
«Havia
multidão em S. Domingos, archotes, fumo negro, fogueiras. Abriu caminho,
chegou-se às filas da frente, Quem são, perguntou a uma mulher que levava uma
criança ao colo, De três sei eu, aquele além e aquela são pai e filha que
vieram por culpas de judaísmo, e o outro, o da ponta, é um que fazia comédias
de bonifrates e se chamava António José da Silva…» José
Saramago, Memorial do Convento
D. João V reinou de 9.12.1706 a 31.07de 1750
Comentário: O aluno do 12º ano tem de dar prova
do seu conhecimento dos diversos protótipos textuais. Quanto à história da
injustiça, que importa? O melhor seria passar pelo Museu do Teatro e deixar-se
de formalismos... Pode fazê-lo, sem custos, ao domingo, das 10 às 14 horas.
8.3.14
Há quem vá jantar fora
e quem não tenha dinheiro para jantar!
Eu, dizem-me, fui convidado para ir jantar fora,
mas estou proibido de jantar fora e dentro!
Só uma sopinha e, talvez, um chá de ervas...
Na verdade, preferia não ir jantar fora
que fosse quem não tem dinheiro para jantar...
Assim como está, é uma maçada jantar fora!
O ideal era ir, mas sem jantar...
Poderia até sentar-me à mesa!)
7.3.14
O bâton e o verniz valem mais do que um poema
À maneira
proençal, inventaram um dia mundial da poesia e passou a ser moda, em
certos lugares, declamar ou ler em silêncio o poema eleito... Ninguém sabe bem
como escolhê-lo e, sobretudo, todos esperam que alguém aponte a dedo o demiurgo
que o terá gerado...
O problema é que a leitura dos poetas é coisa
rara num país que até tem parques de poetas, ruas de poetas, cais de poetas,
mas que deles faz poetas de rua...
À maneira
proençal, vivemos num tempo em que o bâton e o verniz valem mais do que
um poema, porque ignoramos que o poeta também tem lábios e unhas e procura o
sol nas manhãs de inverno...
Nemésio disse um dia: «O meu cavalo é
todo memória: / Um fio de vento contra as estrelas, /A lanterna
que sai da cocheira, como elas / Do pó da noite para as nuvens altas.» Memória
e Queda (1963)
Também eu tive uma lanterna que entrava no
palheiro
Lá não havia cavalo apesar das estrelas
Primeiro uma mula velha
Depois uma burra fogosa que me atirava ao pó da
rua...
Nos poemas (e nas terras dos ricos) encontrei
cavaleiros e amazonas
(...)
Hoje, nem cavalo nem burro
Desfolho o poeta
e sinto que «O
anoitecer situa as coisas na minha alma / como as cadeiras
arrumadas / Quando os amigos partiram.» Eu, comovido a Oeste
(1940)
Não compreendo por que motivo, à maneira proençal, se lembraram de
inventar o dia mundial da poesia se nunca entenderam a fosforescência da
lanterna... ao contrário de D. Dinis, Políbio Gomes dos Santos, Vitorino
Nemésio, Vasco Graça Moura e de todos aqueles que nos versos conseguem tecer os
fios que os prendem ao universo.
6.3.14
Uns vão construindo o muro, os outros tentam
derrubá-lo.
Já lá vão duas horas!
O jogo policial continua empatado e assim
continuará. Enganaram-se na definição do alvo, pois seguem uma estratégia
errada...
Bastava uma força de segurança unida, de braços
caídos, para fazer cair um regime que, desde a entrada na união europeia, vem
destruindo o país...
Há muito que a democracia foi feita refém pelos
filhos e netos do Estado Novo. O que hoje decorre em São Bento envergonha
Abril!
5.3.14
No geral, as palavras são desnecessárias e,
frequentemente, causam desaguisados. Em nome do quê? Em nome de causas menores,
causas mesquinhas!
Há, no entanto, dias em que as palavras fazem
faltam! Só elas podem conter a ansiedade. Só elas podem evitar que as armas
desfaçam a racionalidade, pondo em causa a humanidade...
No meu caso, não preciso mais do que uma palavra:
ouvi-la ou vê-la escrita basta!
Temo, porém, que, de todas as palavras, só não
receba aquela que me poderia sossegar...
4.3.14
“L’homme n’est qu’un roseau, le
plus faible de la nature ; mais c’est un roseau pensant. Il ne faut pas que
l’univers entier s’arme pour l’écraser : une vapeur, une goutte d’eau suffit
pour le tuer. Mais quand l’univers l’écraserait, l’homme serait encore plus
noble que ce qui le tue, parce qu’il sait qu’il meurt, et l’avantage que
l’univers a sur lui, l’univers n’en sait rien.” Blaise Pascal
É no mínimo discutível que o homem pascaliano
seja mais nobre do que aquilo que o mata, pois, a morte é cada vez mais uma
invenção do homem. Os sinais de que certos homens preparam minuciosamente a
morte dos outros homens proliferam em Portugal, na Grécia, na Síria, na
Ucrânia, na Venezuela, no Quénia, na Nigéria…
Sob a intempérie, a cegonha mantém-se firme…
3.3.14
Não se sabe quando irão morrer, embora se possa
saber quando foram edificadas, estas formas já não cumprem qualquer função. A
primeira, gaiola de pássaros por aprisionar, nasceu da opulência; a segunda
abrigou ganhões de sequeiro a quem faltou o cimento e o ferro… por perto, ainda
crescem flores quaresmais…
Imagine, se ainda pode...
2.3.14
Em S. Marcos de Ataboaço, por detrás da bela fachada da igreja, o bairro
degradado…
Do alto da ermida de Aracelis, o latifúndio…
Tudo isto me faz pensar que algum latifundiário latinista se terá lembrado
de erguer a ermida «ara caelis» – o altar do céu – para que os servos pudessem
uma vez por ano aproximar-se do céu, já que a terra diária seria um pesadelo.
Também eu procurei esse altar divino, mas só ouvi a fúria do vento que
ramalhava os eucaliptos…
1.3.14
A propósito de mitos fundadores desta pátria tão
maltratada, aqui registo o lugar identitário, físico e duplamente simbólico…
Como a identidade não
é apenas de natureza nacional, assinalo, também, para os que vão passando pela
Escola Secundária de Camões, o nome de SEVERO PORTELA, cuja obra merece ser visitada no Museu Municipal
de Almodôvar.
Nota 1: Severo Portela frequentava o Camões em 1918, à data da pneumónica.
Nota 2: «Grassando em Espanha desde Maio de 1918,
a gripe pneumónica deteta-se já em Portugal em finais desse mês. Em Leiria, o
primeiro caso de morte registado, devido à gripe, data de 4 de Junho de 1918.
Da fronteira terá irradiado para o litoral a partir de dois pólos distintos:
um, situado mais ao Centro, envolvendo concelhos raianos dos distritos da
Guarda e Castelo Branco e o outro, mais a Sul, englobando concelhos dos
distritos de Beja e Évora. Progredindo rumo ao litoral, a gripe, na sua
primeira onda epidémica, entre finais de Maio e meados de Julho, rapidamente
atingiria os grandes centros urbanos de Lisboa e Porto. A partir destas áreas
metropolitanas, na segunda e última vaga epidémica, de início de Agosto a
finais de Novembro de 1918, estender-se-ia a todo o território continental,
provocando uma autêntica razia demográfica, com graves repercussões sociais e
económicas.»
Nota 3: - «Nunca vi uma coisa destas,
Tibúrcio! Em Lisboa no Convento das Trinas e no Liceu Camões tiveram de improvisar hospitais de campanha, e
está em curso a criação de uma comissão de socorro cá para Sintra. Até médicos
retirados tiveram de ser chamados, imagine!»
|
28.2.14
Castro Verde. Apenas funcionários municipais e
eclesiásticos… servos do mesmo deus! Neste caso, D. João V deu uma ajuda com a
Basílica Real, apesar desta servir para que sua majestade pudesse ser
adorada... À sexta-feira, o movimento é reduzido.
Em silêncio, os mitos fundadores: D. Afonso
Henriques e o milagre de Ourique.
27.2.14
As ideias não são boas nem más!
Há ideias que trazem paz e outras, sangue...
Entre ambas, pouco há a dizer.
O Poeta, no entanto, em tempo de abulia, lá ia recitando: «Nem paz nem
guerra / nem lei...»
O resto é Disputa!
25.2.14
Há quem teça para se esconder, apenas a paisagem
espera que taciturnos figurantes a atravessem. Sob o arco, de costas para as
colunas, os olhos ofuscados adivinham a forma da muralha alcandorada num tapete
verde que, do lado invisível, se precipita para o mar adiado...
O arco pode ser do triunfo e ter sido construído
para celebrar a chegada de Joaquina e João. O Povo apinhado, olhos ofuscados
pelo esplendor não deixaria de celebrar as vestes reais.
Na retina, grupos juvenis, sentados no empedrado,
ainda procuram sob a moldura os dourados que descem do sol e, por momentos,
fica a sensação de que no lugar do carvão deveria estar o ouro ou a lágrima da
moura expulsa da alcáçova...
Não muito longe, a torre sineira, sem cabaça, dá
notícia da masmorra... e eu deixo de fora uma mão que vai afagando os pés de
algum transeunte inseguro, mesmo que possa acabar exposto no pelourinho
fronteiriço à gula da real.
Perante a prosápia que hoje tive de suportar, nem
o marquês nem maria, nem joão nem joaquina, com ou sem bigode, serão capazes de
me fazer descrever a viagem do maestro ao volante de um fulminante Chevrolet...
24.2.14
Bem-vindos à plastisfera do Teste intermédio
Ao contrário da caruma, o plástico não é
biodegradável. Aos poucos, o planeta vai sendo plastificado e a caruma mais não
é que acendalha involuntária.
Na pessoana ilha extrema do sul ainda haveria
caruma, apesar do poeta, cedo, ter prescindido do leito vegetal em que os
amantes saboreariam o leite de coco... Em Pessoa, o amor é antecipadamente
plastificado... e nem o luar o pode alegrar nem atear.
Já para o Príncipe dos Poetas não se podia viver que, a todo o momento, lhe
podiam furtar a esteira, a escrava, a pena e o tinteiro, sem esquecer a própria
vida... O que ele mais temia era o céu sereno, isto é,
plastificado, porque a sua impassibilidade escondia a perfídia que lhe roubaria
a amada e a deitaria ao abismo.
Quanto ao imperador da língua portuguesa, ao
plástico preferia o cartão! As naus da Índia, da Soberba, da Vingança, da
Cobiça e da Sensualidade jazem num mar de sargaços...
Da alegoria fingida, os autores do Teste
Intermédio não quiseram ver o que se esconde por baixo do terraço e por isso
eliminaram a Nau da Cobiça e a Nau da Sensualidade. Eliminaram as figuras de
autoridade e mataram a competência argumentativa de Vieira... talvez porque
pensassem recuperá-la no Grupo III: «Defenda um ponto de vista pessoal sobre o papel que a palavra pode assumir no
mundo atual.»
- Um belo exemplo de enunciado plastificado!
23.2.14
«... e os bonitos, ou os que querem parecer,
todos esfaimados aos trapos; e ali ficam engasgados e presos, com dívidas de um
ano para outro ano e de uma safra para outra safra, e lá vai a vida.» Padre António Vieira
Pouco interessa o século, pouco interessa o
Sermão! No essencial, nada muda na exploração, na vaidade e na dívida. Para
evitar males maiores, já deveria ter sido criada uma disciplina que ensinasse a
história da dívida aos jovens deste país. E, assim, já estariam familiarizados
com o campo lexical da dívida, evitando erros desagradáveis, porque o erro não
resulta apenas de disléxica teimosia, interna desatenção, rebaixamento
social...
Apesar da dívida ser tema nacional, alguns dos
meus alunos preferem escrever "individados" a endividados. E temo
que, um dia destes, os novos gramáticos, se tal categoria ainda sobrevive,
legitime, após aturada análise estatística, a opção "individados".
Explicá-la-ão como resultado de um processo fonológico de assimilação completa,
pois terá obedecido à lei do menor esforço e, sobretudo, a um ato de
autofagia...
22.2.14
CARUMA deveria extinguir-se hoje!
Em 2005, a caruma era tapete para a autocaravana
que iria acompanhar-me na reforma logo que chegasse aos 36 anos de serviço
efetivo. Em 2005, ainda parecia possível viajar, conhecer os lugares mais
recônditos, aproveitar a vida antes que ela desfalecesse...
Só que ainda em 2005, tudo começou a mudar para
pior. As leis tornaram-se voláteis, colocando-se ao serviço do oportunismo
político do momento. De lá para cá, a remuneração não parou de diminuir, os
preços dos combustíveis e das portagens não pararam de aumentar. As regras da
aposentação deram paulatinamente lugar a novas regras: o cálculo do valor da
reforma foi mudando e valor a auferir diminuindo sob o dictat da TROIKA.
Entretanto, a autocaravana foi-se imobilizando e
tornou-se uma fonte de prejuízo, facto que retirou a caruma de cena... agora já
era só asfalto.
Assim, no dia em que Passos Coelho vê um futuro
radioso, a autocaravana partiu, e eu vejo-me obrigado a antecipar a reforma,
com a penalização que os políticos do momento decidirem... O problema é que a Nau vai cheia de
desiludidos como eu!
Doravante Caruma
continuará, mas sem chama...
21.2.14
«Cortámos
aos que têm mais para poupar os que têm menos!» O democrata Passos Coelho
dixit.
O princípio parece correto, cristão e até
social-democrata, agora que a social-democracia quer voltar a esconder o
partido popular democrático...
O princípio também parece decorrer da doutrina
social da igreja e até o papa franciscano não lhe poderá ser indiferente!
O problema é que o corte é cego e repete-se duas
a três vezes ao ano, sem dar conta que, entretanto, muitos dos que tinham mais
passaram a ter menos e que alguns dos que pareciam ter menos têm agora mais e,
principalmente, que há uns tantos que passaram a ter muitíssimo mais.
O termo MAMÃO não é
muito elegante, mas serve para designar dois grupos fraternos que se têm
multiplicado à sombra da social-democracia - o dos que não param de mamar e o
dos parvos.
De qualquer modo, a simples ideia de que governar
é cortar a torto e a direito só pode pertencer a alguém que nunca percebeu o
ideário social-democrata ou a doutrina social da igreja.
Enfim, estamos a ser governados por praxistas
mamões! Só resta saber se sadomasoquistas, se ressabiados...
20.2.14
Ainda antes de confirmar que o FMI segue cartilha
diferente da do Governo, comecei o dia a pensar em situações de dissonância.
Por exemplo, na capital portuguesa, há uma escola
secundária que, em certos dias, quer ser básica, mas que, na verdade, se
considera liceu.
Uma escola que acaba de recuperar o ESCUDO em
tempo de EURO e que se prepara para continuar a substituir as janelas da
fachada quando as fissuras se escancaram...
Uma escola onde há plátanos que impõem trabalhos
forçados a funcionárias mal remuneradas...
Uma escola onde há avenidas de tílias, galerias
sob beirais maltratados... uma escola onde a figueira de judas se esconde lá
para os lados da horta ou será do horto?
Nesta escola que, orgulhosamente se considera
liceu, há música nos intervalos e nos salões. E nas altas estantes há livros
que ninguém folheia. E também há alunas e alunos foliões e professores
reduzidos a tostões...
Alheias a tudo, chegam
as vassouras com a missão de desenhar uma saída limpa para a nação, e nós lá
vamos dando uma mãozinha e dobrando a espinha.
19.2.14
«Para todos
a entrada na vida é a mesma, e a partida semelhante.» Palavras de
Salomão
Escuto palavras arrogantes. Assisto a decisões
unilaterais. Observo juízos viciosos. E penso se haverá alguma razoabilidade em
tais comportamentos...
Não tenho heróis, não sigo doutrinas, nem conheço
a origem da inteligência. Desconfio, no entanto, que a luz nos cega de tal modo
que preferimos a soberba à paciência, a vaidade à modéstia, a palavra ao
silêncio...
Enlameados, esquecemos que a porta que
atravessámos uma vez é a mesma a que regressaremos. E quando tal acontece, nada
resta da soberba, da vaidade e da palavra...
Já não me oiço, a luz entra pela porta... e lembro que pensara escrever
sob Job. Todavia, desisti de Job, temendo que o Senhor lhe premiasse a
paciência e, sobretudo, a autenticidade das suas palavras, pois não custa ser
genuíno quando a Sabedoria nos põe de sobreaviso.
18.2.14
Quando os campos estão alagados e o sol começa a
aquecer, do torrão saltam, à má-fé, as minhocas.
Sem crânio nem coluna vertebral, as minhocas
avançam sorrateiramente. Relembro-as, longilíneas, onduladas e rosadas. Nunca
percebi bem o que é que elas demandam. Sei, no entanto, que, na sua teimosia,
não se importam de ser esmagadas.
Diria, assim, que para as minhocas o problema da
duração não se coloca. Satisfazem-se com a sua extensão, indiferentes aos
vertebrados que ousam pensar e não se deixam conduzir por caprichos
alucinatórios.
17.2.14
Salomão, vítima de um pregador anacrónico
«Salomão prestou culto a Astarté, deusa dos
sidónios, e a Melcom, idolo dos amonitas. Fez mal aos olhos do Senhor e não Lhe
foi inteiramente fiel como seu pai David. Por esse tempo edificou Salomão sobre
o monte, que está frente a Jerusalém, um lugar alto (templo) a Camos, deus de
Moab, e a Moloc, abominação dos amonitas. E o mesmo fez para agradar a todas as
suas mulheres estrangeiras, que queimavam incenso e sacrificavam aos deuses.
Então o Senhor irritou-se contra Salomão...» Primeiro Livro dos Reis
Estranha citação, mas necessária!
Há dias entrei num templo cristão, católico,
acabando por ouvir o pregador a condenar o rei Salomão por ter prestado culto
aos ídolos estrangeiros. Habituado a venerar o Rei Salomão como sábio,
justiceiro e grande arquiteto, fiquei inquieto com a condenação.
Já me era difícil imaginar que o Padre Eterno
acusasse de devassidão as 700 esposas de sangue real e as 300 concubinas do Rei
- «e as mulheres perverteram o seu
coração», quanto mais vê-Lo, sem qualquer rebuço, condenar Salomão só
porque este era cortês com os reinos que subjugava, com as princesas que lhe
enchiam o harém...
Em pleno século XXI, não é fácil ouvir pregar uma
história xenófoba, machista e sem qualquer noção do espírito comunitário
salomónico.
Ainda se o Senhor tivesse acusado Salomão de
esbanjador de recursos, de luxúria, talvez aquela homilia fizesse sentido.
Assim não, até porque o Senhor, a propósito da edificação do Templo, lhe disse:
«Santifiquei
esta casa que me construíste a fim de permanecer nela o Meu nome para sempre;
os Meus olhos e o Meu coração estarão aí fixados perpetuamente.»
16.2.14
De passagem pela exposição fotográfica (de Ana
Gaiaz e Márcia Lessa) realizada no âmbito do Programa de Renovação do Grande
Auditório (15 de fevereiro a 2 de março), houve uma série de pormenores que
despertaram a minha atenção, a começar pelo nome das fotógrafas. Algo me diz
que há quem não goste dos patronímicos...
Por outro lado, na memória descritiva, surge o
neologismo "canópia" para designar a "cobertura" ou a
"abóbada" do Grande Auditório. Provavelmente, não estou atualizado!
Parece-me que, também, aqui, a língua materna se vê afastada sem grande
motivo. A ideia de que sem a língua inglesa não somos ninguém perturba-me, pois
habituado fui a pensar que a identidade se exprime melhor na língua materna...
Nada disto teria grande significado para mim se o
Dicionário Terminológico do Português não sofresse dos mesmos males: a origem e
a história da língua são substituídos pelo modelo anglo-saxónico por quem há
cerca de 40 anos eliminou os estudos clássicos e acabou por reduzir a quase
nada as línguas novilatinas ou românicas...
E acrescento que também não gostei da exposição
fotográfica: falta-lhe a sequência, apesar da datação. Parece que as fotógrafas
chegaram já o estaleiro estava instalado e o espaço esventrado...
15.2.14
Sem grilhetas, construímos retalhos bem
elucidativos do caos mental que nos desgoverna. Oferecemos cravos, mas é o tojo
que se dissemina. Corrompidos pelo poder e pelo euro, semeamos a miséria nos
campos e nas cidades…
Em nome de falsas autonomias, gerimos a nosso
belo prazer e propagandeamos que as atuais gerações são mais cultas, mais
instruídas do que as anteriores… Sem vergonha o repetimos na cara dos mais
velhos, dos trabalhadores, dos que têm menores habilitações académicas…,
discriminando em nome de uma verdade néscia e sem pudor.
14.2.14
Manda quem pode, obedece quem quer!
Este provérbio é expressão do saber popular.
Todavia, nos dias que correm, parece que já só aplicamos a primeira parte. Logo
pela manhã, passou por mim, com ar desalentado, uma senhora que exclamava:
Manda quem pode!
De facto, todos os dias obedecemos não porque
queremos, mas porque nos resignamos….
Até na natureza, a figueira, de judas ou não,
obedece, apesar da chuva e do dia de cinza. Esta figueira, porém, salta o muro
e foge do terreiro do seminário, mesmo que a espere a mão gulosa e o riso
mofino.
13.2.14
O polvo prega, comunga e condena à fogueira
I – O planeamento e a agricultura de mãos dadas!
Não posso deixar de admirar a comunhão das malvas com as favas…
II – Entretanto, «o polvo vestiu-se de todas aquelas cores a que está apegado» e foi
comungar. Será que se confessou?
III – «O
polvo, com aquele seu capelo na cabeça parece um monge; com aqueles seus raios
estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a
mesma brandura, a mesma mansidão. (…) O polvo é o maior traidor do
mar.» Padre António
Vieira, O Sermão de Santo António.
O polvo de Vieira é o dominicano que, morto D.
João IV (1656), o persegue e o manda prender. O traidor dominicano, responsável
pelo tribunal da Inquisição, que abraçou a Cristo e o prendeu…
Curiosamente, tendo o Sermão de Santo António
sido proferido no dia 13 de junho de 1654, os estudiosos de Vieira não
identificam os pregadores que não salgavam a terra com a ordem dos dominicanos,
cuja missão principal era pregar e, sobretudo, não veem no polvo o retrato do
principal inimigo político de Vieira – o dominicano.
Provavelmente, no sermão pregado em 1654, no Maranhão,
Vieira não terá feito qualquer referência à figura alegórica do polvo-traidor
que só montou o auto-de-fé depois da morte de D. João IV. Apenas, quando
estabeleceu o texto para publicação, Vieira terá introduzido «o salteador, que está de emboscada dentro do
seu próprio engano…»
12.2.14
E para isso se matam todo o ano!
Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça ou na cana, ou no engenho ou no
tabacal; e este trabalho de toda a vida, quem o leva? Não o levam os coches, nem as
liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros, nem os pajens, nem os lacaios, nem
as tapeçarias, nem as pinturas, nem as baixelas, nem as joias. Pois em que se vai e despende toda a
vida? No triste farrapo com que saem à rua. E para isso se matam todo o
ano! Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos
Peixes
No dia em que tomei conhecimento de um novo
decreto-lei, o nº 22/2014, de 11 de fevereiro, que visa enquadrar e
regulamentar a "formação contínua de professores" tive necessidade de
explicar aos meus alunos que o Padre António Vieira utilizou o sermão para
defender os moradores do Maranhão do apetite voraz dos "homens do mar",
um insaciável apetite branco europeu. De forma lúcida, António Vieira denunciou
a ação das ordens militares, fossem elas de malta, de avis, de cristo ou de
santiago. Sem qualquer tibieza, Vieira denunciou a cultura de morte que
caracterizou o espírito de cruzada e de posterior conquista do novo
mundo.
A permanente preocupação com as condições de vida
do homem tornam Vieira um verdadeiro precursor de todos aqueles que se empenham
na defesa dos direitos humanos.
Se me refiro ao decreto-lei 22/2014 de 11 de
fevereiro e a Vieira é porque no ato governativo, subscrito por Nuno Crato e
Passos Coelho, nada encontro que possa ajudar os professores a educar os seus
jovens alunos. Não é com burocracia, catecismo, manual de instruções,
formadores de formadores ad hoc,
sessões de três e seis horas, que se aprende, que se aprofunda o que há de
essencial na cultura humana...
Se os governantes tivessem aprendido a ler o
Padre António Vieira não haveria tanta ignorância, tanta cegueira, tanta
vaidade, tanta cobiça... tanto homem «no triste farrapo com que saem à rua».
11.2.14
Para mim, não há inverno sem chuva ininterrupta.
Hoje, sim, choveu de forma persistente, quase sem intervalos... O vento e o
frio são apenas acessórios!
A chuva traz-me esperança de renovação, a vida no
estado puro. Sempre que sinto a chuva, acredito que o mundo pode ser melhor,
reduzir a fome, secar a guerra.
Bem sei que esta emoção só é partilhada por quem
habita os desertos áridos, abandonados pelos rios exauridos pelo sol... e, no
entanto, oiço com atenção todos aqueles que se queixam da chuva e têm pressa de
libertar-se dela, como se ela fosse fonte de morte. Oiço-os sonhar com a areia
da praia sob a canícula doirada e vou pensando como podemos ser mal-agradecidos.
Queremos a vida e vivemos na demanda da morte!
A ideia pode ser arguta, mas o que eu queria
dizer era coisa diferente! É que, apesar da chuva, fonte de vida, sinto-me
empurrado para a idiotia ou, em alternativa, para o silêncio absurdo. Suspeito
de mim mesmo, vigio os meus gestos, peso as palavras e ainda peço desculpa pelo
incómodo da minha presença. E já não preciso que me deem um empurrãozinho... Em
dia de chuva, eis um retrato patético!
(A nau
da Governação leva a bordo Cila e Caríbdis, empurrada por uma multidão de
patetas! O que será feito de Zeus?)
10.2.14
«Quantos,
na nau Sensualidade, se iriam perder cegamente em Cila ou em Caríbdis, se a
rémora da língua de Santo António os não contivesse (...)?» Padre António Vieira
Não é que a nau Sensualidade tenha deixado de ser
um problema, mas o que hoje mais preocupa é a nau Governação.
À abordagem cognitiva, há quem prefira a
abordagem alegórica, por isso convém esclarecer a interessante figura criada em
torno de Caríbdis e
de Cila.
Caríbdis e Cila revelaram-se inicialmente
como ninfas, porém acabaram
transformadas em vorazes monstros
marinhos, zelosos defensores das fronteiras marítimas,
deixando uma figueira negra ao
homem como única escapatória.
Vale a pena relembrar que o monstro Cila,
anteriormente ninfa, continua a
apresentar o torso de uma bela mulher, cuja cintura é cingida por seis cabeças
de serpente com três fileiras de dentes e por um círculo de doze mastins ...
Como a compreensão da alegoria exige a
colaboração do interlocutor, abstenho-me de explicar quem vai na Nau da Governação, apesar de adiantar
que Cila e Caríbdis, desta vez, se encontram a bordo...
9.2.14
Acordei um pouco mais tarde, talvez porque tenha
adormecido a pensar que Camilo Castelo Branco fora um homem pouco escrupuloso
no que às mulheres respeita, apesar da glória literária de que ainda se
alimenta. A glória pode, assim, alimentar-se da borracha que vai apagando a
biografia, substituindo-a pela cristalização. O mito.
Hoje, a falta de escrúpulos generalizou-se e não
há dique que a trave.
Entretanto, fui acometido por uma reflexão, até
ao momento, inconsequente: a relação entre a sensação e o sentimento. Seguro de
que a sensação não pede autorização para se instalar, sei, contudo, que ela é
efémera, vaidosa, excessiva quando se proclama doce ou amarga, gélida ou em
fogo. A sensação mais não é que paixão... e esta dura o tempo da sensação ou
não sobrevive sem repetição.
Quanto ao sentimento, um pouco além da emoção,
pode durar para além da sensação, pode viver da repetição e sobretudo da prisão
voluntária ou não. E na verdade, o pensamento matinal embrenhou-se na duração
do sentimento, no apagamento do sentimento, nas condições em que o sentimento
desfalece...
E aí a morte do objeto e a cegueira progressiva
do sujeito acabam por diluir o sentimento até à sensação de vazio que solicita
que o lugar seja preenchido...
8.2.14
Não penso (…) existo mesmo se ao lado do risco …
Há um risco humano e outro vegetal, talvez apenas reflexo, não sei ao certo….
A incerteza escolhe a dúvida e eu não resisto a
seguir-lhe o traço. Poderia inventar-lhe um passado, dar-lhe um sorriso,
deixá-lo morrer, mas para quê? Nomes, praças, estátuas, pombas, gaivotas,
esteiros – tanta história já narrada e esquecida!
E no meio relembro aquele impiedoso aluno que me
questiona: – Para que diabo escolheu ser professor (executante de manuais) se
poderia ter sido tanta outra coisa mais útil na vida?
O que o jovem ainda não sabe é que ao ter razão
não irá gostar da minha resposta. E eu também não!
7.2.14
Eu não penso (…) existo enquanto não for riscado.
Até lá, alimenta-me o risco lento da pena, só leve na página.
Por isso caminho, sem traçar um ponto de chegada
– o objetivo. Evito chegar e perco-me ao não pensar no que poderei encontrar.
Basta-me a pena que ando a cumprir!
6.2.14
A lápis sempre com borracha ao lado
A lápis sempre com a borracha ao lado, em
movimentos de avanço e de recuo, de sobe e desce, à procura da sequência, sob a
forma de período ou de parágrafo, sem saber se a ideia se solta ou é feita
refém... Sem plano, as palavras contíguas alinham esquecidas do paradigma que
as vai libertando e limitando até ao momento em que eclodem ou, sem rumo,
fenecem...
No entanto, não faltam as palavras tornadas
sintagma. Repetem pessoas, objetos, fúrias estimadas; soltam-se em ondas
encantadas, narcísicas; deslumbradas martelam embustes e libertam falsários...e
eu vejo-as, em árvore, da raiz para o tronco que suporta a ramagem, mas,
insatisfeito, desço abruptamente da ramagem à raiz...
e apago-as. Pego no lápis e regresso à sequência,
deixando que o paradigma abra o leque e inunde a linha apesar do vento que
sopra em bebedeira desnecessária...
5.2.14
Enerva-me o refrão
da antevisão
da visão
ão...ão!
Sobe-me a tensão
da explicação
sem solução
ão...ão!
Mata-me a pretensão
da razão
sem razão
ão ...ão!
... Só me falta ficar
sem colchão
ão... ão!
Dito de outro modo: domus, dominus, domesticus... Só os peixes, por
natureza, se não deixavam domesticar. Por prudência, os restantes animais são,
pelo menos em potência, domesticáveis! Em particular, os mamíferos.
…Lição não autorizada
por Aristóteles, mas bem fundamentada pelas Escrituras e pelos doutores da
Igreja, incluindo José Saramago ...
4.2.14
Sugere o meu amigo António Souto que, depois dos
50, nos começamos a esgueirar do tempo (O meu tio da América, Human, fevereiro 14). Pode ser que
seja verdade, embora no meu caso o mecanismo não funcione. Primeiro porque
nunca tive um tio da América. Na verdade, um tio meu viveu muito tempo em
África, em Angola. Hoje, vive na Madeira; não sei se ainda é África ou apenas
uma ilha com jardim à espera de se juntar à Atlântida...
Mesmo que tivesse um lugar para onde me evadir, a
viagem seria sem sentido: não mora lá ninguém! Alguns objetos desenham
círculos, mas apenas os necessários para isolar a distância: o avião parado
sobre o guarda-fatos, o pião por rachar preso ao interdito, o crivo vazio... o
joio asfixiou o trigo...
A memória é já só do presente e lembra-me que,
também, eu posso ser escravo numa engrenagem que não me pertence. Escravo de
uma ordem caprichosa, prenhe de omissões e de compromissos que nada me dizem.
Bom seria que a memória me desse uma mão e me
levasse para uma encosta esquecida de que amanhã continua a ser dia!
3.2.14
A nora não perdoa! Hoje, no entanto, a voz
voltou a surpreender-me.
Na visita de estudo ao Palácio nacional de Mafra
com os meus alunos do 12º J, o guia, Carlos Coxo, subitamente interrompeu-me,
pois, reconhecera na minha voz o seu antigo professor de Português dos anos 80
da Escola Secundária de Santa Maria, Sintra. E espantosamente, o Carlos
relembrou o nome que me identificava à época: cabeleira. Tudo o
resto envelhecera, mas a voz continuava a mesma!
Os meus atuais alunos, felizes com o reconhecimento, tornaram-se
mais atentos e disponíveis para “viver” a visita durante duas horas.
Obrigado, Carlos Coxo!
2.2.14
O de ontem era um mar tranquilo! O de hoje consta
que está revolto! Não espanta, pois há tempo que ousamos dizê-lo nosso!
Nada é nosso nem o próprio nada. Somos nados sem
saber porquê e partimos quando menos desejamos… No intervalo, fingimos que
somos senhores e, demasiadas vezes, utilizamos esse tempo a humilhar quem não
mais nem menos é que nós.
E quando nos dizemos nós é porque nos vemos donos
do mar…
Hoje não fui ver o mar! Ele veio ter comigo e
estive a pô-lo por ordem à semelhança do cronista para o melhor o poder escutar
quando ele não estiver comigo… e vou ficar assim…
1.2.14
Tudo tão próximo e tão distante!
Dois planos: 1º plano: construído; 2º plano: em construção.
Duas linhas: 1ª linha: estável, embora finita; 2ª linha: instável, embora
sonhadora.
Duas atitudes: 1ª atitude: passiva-institucional; 2ª atitude: ativa
–construtiva: individualista; coletivista.
Se saltar da linha, do plano e da atitude, sobram dois grupos: o 1º procura
o sol de fevereiro; o 2º procura libertar as rochas do lixo do primeiro.
Se saltar da linha, do plano e da atitude, sobram dois grupos: o 3º
procura, através de uma insólita orquestração, o dinheiro que lhe permita, um
dia, ocupar a casa dos seus sonhos.
A ação decorre entre o Guincho e Cascais no dia 1 de fevereiro de 2014. Não
se vê nem se ouve o vento, mas ele está sempre presente…
31.1.14
Desde o princípio do mundo que me insultam e me caluniam. Os mesmos
poetas ― por natureza meus amigos ― que me defendem, me não têm defendido bem.
Um ― um inglês chamado Milton ― fez-me perder, com parceiros meus, uma batalha
indefinida que nunca se travou. Outro ― um alemão chamado Goethe ― deu-me um
papel de alcoviteiro numa tragédia de aldeia. Mas eu não sou o que pensam. As
Igrejas abominam-me. Os crentes tremem do meu nome. Mas tenho, quer queiram
quer não, um papel no mundo. Nem sou o revoltado contra Deus, nem o espírito
que nega. Sou o Deus da Imaginação, perdido porque não crio. É por mim que,
quando criança, sonhaste aqueles sonhos que são brinquedos; é por mim que,
quando mulher já, tiveste a abraçar-te de noite os príncipes e os dominadores
que dormem no fundo desses sonhos. Sou o Espírito que cria sem criar, cuja voz
é um fumo, e cuja alma é um erro. Deus criou-me para que eu o imitasse de
noite. Ele é o Sol, eu sou a Lua. Minha luz paira sobre tudo quanto é fútil ou
findo, fogo-fátuo, margens de rio, pântanos e sombras. Fernando Pessoa, A Hora
do Diabo.
No Meco, com praxes ou sem praxes,
a hora era lunar!
a hora era do sonho!
a hora era da brincadeira!
a hora era da imaginação!
De uma imaginação que não cria... e o Diabo foi Deus na onda que pôs termo à
vida...
Mesmo assim preferimos o abraço da noite...
30.1.14
I - Às 7h00, a TSF notícia que, segundo o MEC, em
2012, os episódios de violência diminuíram nas escolas.
II - Às 7h30, a TSF notícia que, segundo o MEC,
94% das escolas não registaram na plataforma digital os episódios de violência.
III - Às 13h30, leio uma resposta do MEC a um
pedido de esclarecimento e concluo que fiquei ainda mais confuso. Fiquei, no
entanto, com vontade de solicitar novo esclarecimento: - Quando é que termina o
ciclo avaliativo de um docente que em 1999 chegou ao décimo escalão e, hoje, se
encontra no nono? Se um ciclo avaliativo durar quatro anos, quantos são
necessários para o perfazer em tempo de congelamento indefinido da progressão
na carreira? Quando é que o ciclo avaliativo termina para que o docente possa ser
avaliado e, por exemplo, requerer recuperação de avaliação obtida em ciclo
avaliativo anterior?
IV - Às 14h30, na Almirante Reis, uma negra com a
mão esquerda entrapada arranca parte do trapo sujo para limpar as costas
ensanguentadas da mão direita em carne viva. Parado pelo vermelho do semáforo,
nem quero acreditar no que observo. Entretanto, uma branca aproxima-se, abre a
mala de mão, retira uns lenços de papel e começa a limpar-lhe as feridas... a
negra sorri e eu arranco, um pouco mais calmo...
V - Às 16h00, entro no consultório da médica de
família. Ela mede-me a tensão e exclama "Isto não pode continuar
assim!" e parte a buscar um comprimido milagroso.
O problema é que, no meu caso, ninguém sabe
quanto dura o efeito da pílula miraculosa!
29.1.14
Há uma história por contar em Portugal: a da
génese e da expansão do ensino superior privado em Portugal. Quem acompanhou
alguns dos empreendedores sabe que a maioria, cedo, viu na educação superior
uma oportunidade de negócio.
Por "cedo" entenda-se início dos anos
70 e, sobretudo, pós-25 de abril, pois muitos dos regressados, professores
universitários ou funcionários do aparelho colonial, perceberam, ao chegar à
metrópole, que o ensino superior público era incapaz de satisfazer a procura...
Muitos dos criadores das sucessivas cooperativas
de ensino superior, sempre resultantes de cisões, não tinham o adequado perfil
académico para instruir uma nova geração proveniente das franjas sociais, até à
data, impedidas de entrar na universidade.
No entanto, isso não os coibiu de procurar na
academia ou, em particular, entre os saneados pelo PREC quem lhes assegurasse o
número mínimo de doutores exigido para que o desejado alvará fosse concedido.
Os doutores contratados eram apresentados como
coordenadores dos múltiplos departamentos e o Ministério da Educação, ocupado
por compadres, também eles, provenientes das ex-colónias ou de gabinetes de
estudo, entretanto, extintos, legalizava universidades, extensões
universitárias, escolas pré-universitárias, institutos...
A contratação de docentes obedecia a critérios
supostamente democráticos: em primeiro lugar, cooperantes e familiares; em
segundo lugar, doutores politicamente ostracizados; em terceiro lugar,
conselheiros e outros jubilados de renome; em quarto lugar, políticos de
todos os quadrantes, da extrema direita à extrema esquerda... neste caso, uma
simples licenciatura era suficiente para entrar na categoria de professor
auxiliar; em quinto lugar, alguns docentes do ensino secundário para
"alfabetizar" alunos que "dificilmente" obtinham a nota
mínima que lhes franqueava a entrada no mundo das praxes civilizadoras...
Com a passagem do tempo, os licenciados subiam a
mestres (os mais afoitos a doutores por Salamanca!) ... e a porta ia-se
escancarando para que alcançassem o almejado patamar de doutores, com
equivalência ou sem ela...
Quanta investigação, quanta ciência, quanta obra!
Por tudo isto, não surpreende que haja
licenciados que raramente puseram os pés numa sala de aula.
Por tudo isto, não surpreende que haja doutores
que sempre tiveram os pés à porta da sala de aula, mas que confundem as praxes
com brincadeiras de crianças.
PS. De
tudo isto não decorre que nestas instituições não haja, ou não tenha havido,
alunos, funcionários e professores que cumprem zelosamente a respetiva missão,
apesar da rede de cumplicidades e de promiscuidades que paulatinamente geram
uma cultura de corrupção e de idiotia.
28.1.14
Todos os dias alguém me recomenda que vá ao
médico. Outros dizem-me que isso não é nada, pois estamos todos doentes...
Só que nem uns nem outros se preocupam em reduzir
as causas do stress que
me deixa à beira da implosão! Há mesmo aqueles que me estendem o tapete...
Fazem-no como se eu fosse portador de um crime antigo!
Que eu saiba nunca roubei nada a ninguém...
Por estes dias, o mais que posso fazer é ouvir...
se não falarem todos ao mesmo tempo.
Os meus argumentos esgotaram-se!
27.1.14
Há pouco tempo, reencontrei a Selecta de Língua e História Pátria - Meu
Portugal, Minha Terra, de Beatriz Mendes Paula e Maria Nobre
Gouveia.
O meu exemplar traz o nº 26427, autenticado pelo Ministério da Educação
Nacional, com a classificação LIVRO ÚNICO. «Aprovado oficialmente como
livro único - Diário do Governo nº 46 - 2ª série, de 24 de Fevereiro de 1965.
Por esta Selecta estudei (?) no 2º Ano do 1º
ciclo dos liceus. Interrogo-me se estudei, pois, a Selecta está de perfeita
saúde, com parcas anotações, cuidadosamente redigidas. Nela também se encontra
o meu número de ordem: 252. Este número perseguia-me para todo lado...
A simples observação do Índice dá-nos conta da criteriosa
escolha de autores e respetivos textos, e sobretudo, da adequação à época
vivida: António Botto (3), Maurício de Queirós (2), Mário Domingues (4), Tomás
Vieira da Cruz, Maria Archer (2), M. Angelina (2), Raul Brandão (4), J. de
Vilhena Barbosa, Mário Mota, Gastão de Sousa Dias, Eça de Queirós (3), Maurício
de Queirós, A. Fontes Machado, A. Campos Júnior, Sophia de Mello Breyner
Andresen (2), Fernando Pessoa (2), Aquilino Ribeiro (6), Fernando Pamplona (2),
Ramiro Guedes de Campos, A. Simões Muller (5), A. Correia de Oliveira (3), Luís
Reis Santos, Luís de Oliveira Guimarães (2), Conde de Monsaraz, Conde de
Sabugosa (3), Sebastião da Gama (2), P.e Moreira das Neves (2), Martins
Fontes, João de Deus (2), Orlando de Albuquerque, Vitorino Nemésio, Nuno de
Montemor, António Giraldes, Cecília Meireles (2), Trindade Coelho (2), Júlio
César Machado, Gomes Leal, Cardeal Saraiva, Maria Madalena Martel Patrício,
Ramalho Ortigão (3), O Menino-Deus, Virgínia de Castro e Almeida (3), Miguel
Torga (4), Luís Filipe, Manuel Bandeira (3), Guerra Junqueiro, Azinhal Abelho
(3), Pedro Homem de Mello, Manuel da Fonseca, António Cruz, Francisco Cunha
Leão, Conde de Ficalho, José Régio (2), João Teixeira de Vasconcelos, Pedro
José da Cunha, Alves Redol (3), Almeida Garrett, A. Fontes Machado, Julião
Quintinha, Rui Knopfli, Matilde Rosa Araújo, Ferreira de Castro, A Sombrinha,
Alexandre O'Neill, Manuel Bernardes, Afonso Duarte (2), Manuel da Costa
Lobo Cardoso, Teófilo de Braga, A. Pinto Correia, Francisco Manuel de Melo,
Afonso de Castro, Luís Reis Santos, Carlos Queirós (2), Mário Beirão, Gustavo
de Matos Sequeira, Diogo Couto, Vasco de Lucena, António Patrício, Rebelo da
Silva, Fernando Amaral, Armando de Lucena, A. Fontes Machado, Nicolau
Tolentino, Carlos de Seixas, Mário de Sampayo Ribeiro, João de Freitas Branco,
Fernando Pamplona, Tomás Ribeiro, António Quadros, Francisco Bugalho (2),
Caetano Beirão, José Gomes Ferreira (2), Agostinho de Campos, Ester de Lemos,
Antero de Figueiredo, Rómulo de Carvalho (2), Castro Soromenho (2), Marcelino
Mesquita, Augusto Gil, Leitão de Barros, Guilherme de Melo, Luís Teixeira,
António Mora Ramos, Castro Pires de Lima, M. Sarmento Rodrigues ...
... em 243 páginas, Aquilino Ribeiro leva de
vencida gente ilustre e outra mais esquecida, nos anos 60, em plena guerra
colonial... e, n' O País dos
Outros, Rui Knopfli escrevia ILHA DOURADA
A fortaleza mergulha no mar
os cansados flancos
e sonha com impossíveis
naves moiras.
Tudo mais são ruas prisioneiras
e casas velhas a mirar o tédio.
As gentes calam na
voz
uma vontade antiga de lágrimas
e um riquexó de sono
desce a Travessa da Amizade.
Em pleno dia claro,
vejo-te adormecer na distância,
ilha de Moçambique,
e faço-te estes versos
de sal e esquecimento.
Tudo esqueci, mas imagino o tom apologético daquela aula em que a Ilha
dourava ao Sol do Índico...
26.1.14
Praxes académicas. Que lhes sejam riscados os cursos!
Em 1727, D. João V determinou o seguinte: “Mando
que todo e qualquer estudante que por obra ou palavra ofender a outro com o
pretexto de novato, ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos.”
As praxes estão na ordem do dia!
Definição de 'praxe académica": conjunto de costumes que governam as
relações académicas numa universidade, baseado numa relação hierárquica.
Por outro lado, a praxe é um manual de desmame e /ou de iniciação para quem
aspira a integrar uma "ordem", uma "obra", uma
"loja", um "falanstério", uma "seita"...
Sobreviver à praxe dá acesso à falange, imprescindível à conquista da economia,
da utilidade e da magnificência...
Entretanto, o ministro Crato, acossado pelo alarme público, resolveu convocar
as academias para debater o tema. Seria melhor que, a exemplo de D. João V,
anulasse os cursos aos caudilhos...
25.1.14
Se Virgínia fosse rica, Camilo frasearia noite e dia...
«Estou farto de frasear, amigo A. A espiritual
Virgínia obriga-me a bolear, brunir e arredondar o período.» Camilo
Castelo Branco, Carta VIII, Porto, 25 de Junho de 1854
No entanto, o cansaço de Camilo tinha uma outra
razão de ser: Virgínia (Gertrudes da Costa Lobo) não era rica. Se o fosse,
Camilo frasearia noite e dia: - A mulher nascida para mim és tu. (...) Não podes ser
minha, porque não sou rico!
À ficção basta, por vezes, virar do avesso a
boçalidade, e no caso de Camilo isso é por demais evidente. Os sentimentos das
personagens de Amor de Perdição surgem
limpos do lodo que lhes dá "vida", e nós acreditamos neles...
Na verdade, as cartas de amor de Teresa e Simão
têm a sua génese na correspondência entre Camilo Castelo Branco e Gertrudes da
Costa Lobo. Esta desconhecida mulher
revela nas suas cartas tal capacidade de autoanálise e espírito crítico que o
próprio Camilo se lhe refere nos seguintes termos: «Virgínia estava ab ovo
destinada a fazer suar o topete do autor do Secretário dos Amantes. Queria ver
como o homem se tirava de apertos em correspondência com esta literata, que
segundo me dizem, entende o Fausto, e o Kant. O Kant, amigo A.!»
- Infelizmente, o espartilho ainda continua na
moda, embora sob a forma de palas!
PS. O idiota, hoje, passou o dia a vestir-se de prata. Só fala de prata e se
saísse à rua, de prata seria! Quando for a enterrar, há de ser cremado em banho
de prata...
24.1.14
Podia escrever sobre os 35 milhões de curdos a
quem não é reconhecido o direito a constituir uma nação ou, em alternativa,
sobre o glorioso déficit português que, ontem, era de 4,4% e, hoje, de 5,3%...
e amanhã, provavelmente de 7% ...
Podia escrever sobre cata-ventos, dissimulados,
hipocondríacos, avarentos, cabeçudos e idiotas, mas para quê?
Hoje, quero apenas assinalar que um automobilista
que se atreva circular nas ruas laterais da Avenida da Liberdade, em Lisboa,
deve estar preparado para ficar para sempre no labirinto. De facto, a CML não é
amiga nem do automobilista, nem do ciclista, nem do peão, nem do ambiente...
23.1.14
Com três ou dez mais pequenas...
«É uma pedra só, por via destes e outros tolos
orgulhos é que se vai disseminando o ludíbrio geral com suas formas nacionais e
particulares...» José Saramago, Memorial do Convento
Nestes dias de glória governamental, relembro a
lição da varanda do Convento de Mafra que não necessitava de uma pedra tão
grande - «com três ou dez mais pequenas
se faria do mesmo modo a varanda.»
De D. João V a Passos Coelho, sem esquecer
Salazar, a glória do governante aumenta na exata proporção do empobrecimento do
cidadão. Todos eles, homens fracos, procuram a glória através da humilhação da
nação. Orgulhosamente sós ou bajuladores do estrangeiro, procuram o
reconhecimento nos compêndios da História...por isso não espanta que uma das
vítimas do aparelhismo que os serve seja o romance Memorial do
Convento...
22.1.14
A - Nos
anos letivos de 2017/2018 e 2018/2019, a obra a estudar será,
obrigatoriamente, O Ano da Morte de Ricardo Reis. Com esta
indicação, pretende-se fomentar o conhecimento desta obra, tornando-a tão
divulgada junto de professores e alunos quanto Memorial do Convento,
permitindo que a opção por uma das obras, no futuro, seja mais sustentada. Programa e Metas Curriculares de Português
Ensino Secundário
B - Tão grande fora o sofrimento durante este
arrastado dia, que todos diziam, Amanhã não pode ser pior, e, no entanto,
sabiam que iria ser pior mil vezes. José Saramago, Memorial
do Convento
Dá gosto ver o modo como o povo é suspenso por dois anos,
sem recurso a julgamento.
Dá gosto pensar que os alunos, em 2019/2020, irão
suspender a sua entrada no ensino superior para poder cotejar as duas obras de
Saramago.
Dá gosto saber que os professores, em 2019/2020,
vão livremente escolher um dos dois romances...
Todos sabemos que foi isso que aconteceu nos
últimos 40 anos! Uma Abelha na Chuva, O Trigo e o Joio, Guerras de Alecrim e Manjerona, O Judeu, A Sibila, Aparição continuam a ser objeto da maior atenção de
professores e alunos!
21.1.14
Uma única palavra poderia dar conta do modo como
me sinto. Desfasado.
Hoje, participei numa missa de 7º dia que,
afinal, era de 8º dia! Durante a liturgia, o sacerdote explicou que o assunto
era o martírio de S. Vicente, padroeiro da diocese de Lisboa, e que só deverá
ser celebrado amanhã.
Uma missa instrutiva, pois o sacerdote explicou
por que motivo S. Vicente já foi padroeiro da cidade de Lisboa... As relíquias
tinham sido trazidas de Sagres (lugar sagrado) para Lisboa por ordem de D.
Afonso Henriques para recompensar a precipitação dos seus cavaleiros que tinham
degolado o bispo cristão do burgo... um bispo moçarabe. Na verdade, alguns
cristãos, ao partilharem os costumes dos muçulmanos, davam origem a equívocos
fatais!
Com o tempo, tudo o que tinha como seguro vai
sendo questionado. O próprio grão lançado pelo semeador à terra, em vez de se
enraizar e de florescer, deverá, para nosso bem, perecer... pois só assim
renascerá. A ideia não me é estranha: o Pai envia o Filho à Terra para morrer
às mãos dos seus, pois só deste modo pode ressuscitar e salvar-nos.
Só o sofrimento nos traz consolo!
Desfasado e desconsolado, começo agora a
relembrar o Vicente de Torga e apetece-me imitá-lo.
20.1.14
Ainda oiço as vozes daqueles que a cada passo
exclamavam: Salazar é um homem de contas certas! Salazar trouxe ordem às
finanças e às famílias... Nunca compreendi os louvores ao homem exemplar e
austero. Na aldeia, o povo era tão frugal na alimentação que a batata solitária
era o sustento diário. Só ao domingo, o naco de toucinho saía da salgadeira dos
mais abastados ou a petinga se misturava em tomatada com o já mencionado
tubérculo...
Naquele tempo, os homens começaram a dar o salto.
A clandestinidade popularizou-se, embora as razões políticas estivessem
reservadas aos iniciados. Salazar, de tempos a tempos, deslocava-se a Santa
Comba. Quando tal acontecia, a linha de caminho de ferro era antecipadamente
policiada - um guarda aqui, outro mais acima - e as cortinas corridas das
carruagens anunciavam que Sua Excelência estava em trânsito...
Outros aldeãos, mancebos, partiam para meses mais
tarde regressarem em urna definitivamente fechada ao cemitério familiar. Na
escola próxima, nós decorávamos e recitávamos "Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena / Quem quer
passar além do Bojador / Tem que passar além da dor."
De alma acanhada, sem saber o que era a poesia,
deixava de ouvir as vozes e começava a pensar que o mundo deve ser um lugar
muito pequeno em que o relógio parou...
19.1.14
Na Turquia, ainda há quem sorria...
Durante o dia, procurei informação sobre a
situação política na Turquia e o resultado não foi nada positivo.
De acordo com as agências noticiosas, parece
estar a decorrer uma purga que
vai afastando todos aqueles que, de algum modo, lutam pela liberdade de
expressão.
Oficialmente, o afastamento de milhares de
funcionários públicos visa combater a corrupção e a fuga de capitais...
A situação torna-se preocupante, entre outros
motivos, porque o governo turco está a dificultar o acesso à Internet,
designadamente às redes sociais... Apesar de tudo, por mais negra que seja a
situação, ainda há por lá quem sorria...
18.1.14
Na corte, a etiqueta era essencial e por isso se
dava espaço à cortesia. Ser cortês era uma forma de se diferenciar da plebe e,
também, uma forma de marcar o território no interior da aristocracia. Na corte,
o amor ganhou a cor da submissão e da reverência, ganhou paciência e até se
tornou platónico, divino... E a plebe, entregue a si própria, só conhecia a
lição da besta demoníaca... as fronteiras eram derrubadas sem qualquer etiqueta
e cumprida a função cada um seguia o seu caminho. Da selva à corte parecia
cavar-se uma distância intransponível.
Em democracia, a cortesia vê-se substituída pelo
espírito democrático que exige que se seja cortês. Porém, o idiota de serviço
reclama que o oiçam, mas despreza a resposta à pergunta que acaba de fazer.
Ungido pelo sangue ou pela plebe, o idiota de serviço sente-se mandatado para
tomar as decisões que bem lhe apetece e passa adiante, não sem antes ter
humilhado e frequentemente destruído quem se lhe atravesse no caminho...
Como não há efeito sem causa, quero esclarecer
que a razão deste excurso tem origem na quantidade de idiotas que exigem
mesura, que se consideram democratas, mas que se estão nas tintas para a
resposta obtida...
17.1.14
O ministro da Saúde e a assistência clínica
"Estamos a receber no Serviço Nacional de
Saúde (SNS) muitas pessoas de lares", adiantou, indicando que, "nas
urgências, o que se nota é um
perfil de pessoas mais idosas". Assim, na opinião do ministro da
Saúde, importa "verificar se as pessoas nos lares estão a ter toda a
assistência clínica, quer ao nível de enfermagem, quer em termos médicos", prevista na lei.
Para o ministro da Saúde, o SNS é vítima da
incúria dos doentes e, no caso dos idosos, da falta de assistência clínica nos
Lares. Que bom seria se o Inverno
não nos batesse à porta! Que bom seria se não envelhecêssemos!
Há, todavia, muitos idosos sem condições
financeiras para poderem recorrer a um Lar e que estão à mercê dos humores de
familiares ou, até, que vivem sozinhos e que só chegam às urgências em
situação-limite.
Bom seria que o ministro da Saúde passasse, pelo
menos, 24 horas nas Urgências de modo a observar o calvário a que o utente é
submetido - da triagem à consulta, da consulta ao diagnóstico clínico, do
diagnóstico ao SO, do SO ao internamento, do internamento ao tratamento, e do
tratamento à "alta" porque a lista de espera é infinita...
O ministro da Saúde despede para mais tarde
contratar. O ministro da Saúde encerra para depois reabrir ou alargar o
horário. O ministro da Saúde é o "rei" da poupança para depois se
queixar. O ministro da Saúde promove a precariedade e os baixos salários. O
ministro da Saúde empurra médicos e enfermeiros para a emigração...
Por isso, o utente quando observa o funcionamento
do SNS acaba por não encontrar nem médicos nem enfermeiros. Só administrativos
e seguranças! E percebe-se porquê!
Para o ministro da Saúde, como para o Governo de
que faz parte, austeridade rima com morte...
16.1.14
Subitamente o coração acelera, os estímulos
reorientam-se, deixando de fora as rotinas. Ao mesmo tempo, os passos
impossíveis travam-nos o movimento e ficamos atentos às contrariedades. Uma vez
mais percebemos a raiz da encenação - a desresponsabilização.
Entramos no círculo de luz e ficamos lá até que o
frio nos expulse.
Então, o coração desacelera, as rotinas regressam
e os estímulos confundem-nos até que a orquestra emudeça.
Não compreendemos a vantagem de receber a
notícia, porque a ideia chega mal formulada: a notícia não traz com ela
qualquer alternativa. O antes e o depois do acontecimento nada destapam da
verdade...
E, entretanto, vamos criando verdades até que o
frio nos expulse do pântano que nos reflete.
15.1.14
Simples fragmentos podem transformar-se em
narrativa, em ciclos de vida. O que hoje se encerra teve início em 1974. Para
trás ficavam esferas distintas, desconhecidas. Caminhos tão antagónicos que a
probabilidade se cruzarem era mínima...
No entanto, só hoje, quando o presbítero lembrou
que «Deus está à nossa espera», compreendi que se tivesse correspondido à
vontade divina, o ciclo que hoje se conclui não teria tido início...
De nada serve avaliar se a escolha foi a mais
acertada, porque, ao passarmos o limiar, uma nova casa se abre deixando a fúria
respirar, os olhos das molduras cintilar, as flores da varanda desabrochar...
enquanto o sol por instantes aquece o que sobra da ternura...
Durante este tempo, a viagem levou sempre à casa
que nunca habitara, à areia da praia que não frequentara, a vozes que não
ouvira, a uma fome que não a minha...
Podemos passar o limiar, sem nunca habitar
plenamente a casa porque já chegámos tarde... Assim, o melhor é regressar ao
ciclo inicial... antes que a linha quebre.
14.1.14
No que ao SER diz respeito, quanto maior é a
duração, menor é a extensão... e talvez seja essa a lei que explica a vontade
insaciável de tudo possuir, de tudo devorar, de ser tudo de todas as maneiras...
Apesar da Hora ser única, a consciência pessoana
atravessa-se no caminho para nos trazer mal-estar, porque a eternidade tem
custos que a nossa extensão nos impede de suportar.
13.1.14
Caiu o nevoeiro e depois a chuva. O sol
espreitou! E o nevoeiro e a chuva confundiram-se. Foi assim ao longo de 91
anos.
Como bem se sabe, o nevoeiro e a chuva colam-se
ao corpo e, hoje, pela última vez, esconderam o sol....
12.1.14
Quase escondido, o Largo do Cruzeiro corre
paralelamente à Rua Principal. Símbolo de soberania, vive do tempo em que o
carvalho ainda medrava e acoitava os pombos que por ali passavam. É hoje um
Largo sem notícia, esquecido por quase todos.
Em tempos, para mim, o Largo do Cruzeiro mais não
era do que um atalho…hoje, sinto-o mais próximo, mais solene, a espreitar a
Serra d’Aire.
11.1.14
Há quem faça balanços com grande facilidade! Eu
não!
Para começar, desconfio da memória - fraca e
seletiva. Por outro lado, dificilmente podemos estar presentes em todos os
eventos que marcam o dia a dia de uma instituição eclética; frequentemente, não
nos sentimos motivados ou nem sequer nos apercebemos da importância de certas
iniciativas.
Assim, um balanço deveria ser construído a partir
do testemunho sistematizado dos vários públicos.
Infelizmente, tal não acontece! Deste modo, pondo
de parte a memória e os afetos, socorro-me de balanços de atividade dos
responsáveis pelas iniciativas. Só que rapidamente descubro que nem todos os
dinamizadores se dão ao trabalho de redigir o respetivo relatório, ou porque o
não valorizam ou porque preferem guardá-lo para outro interlocutor ou outra
circunstância.
Regresso ao início, não podendo fiar-me na
memória nem nos afetos, não obtendo feedback dos públicos nem tendo acesso à
totalidade dos balanços intermédios, ou porque escondidos ou porque
inexistentes, fico em balanço, sabendo, de antemão, que a maioria dos balanços
das organizações não passa de falcatrua.
E é sobre essa falcatrua que depois se produzem
avaliações externas que irão ditar os planos de melhoria das instituições! Se
as avaliações externas, por exemplo, das instituições de ensino, fossem
rigorosas e isentas nada do que nos tem vindo a acontecer teria razão de ser...
10.1.14
De três laranjas fiz um sumo
longilíneo solar
comprara-as minutos antes como reforço vitamínico
não para mim que desconfio de suplementos
para ti sempre frágil
não quiseste açúcar só palhinha!
O Poeta, da laranja lembra
«peso, potência. / Que se afinca, se
apoia, delicadeza, fria abundância
(...) Laranja. Assombrosamente. Doce demência, arrancada à monstruosa /
inocência da terra.»
Eu recordo três laranjeiras
ora em flor
ora curvadas de frutos
verde laranja
( O Poeta é Herberto Hélder, Última Ciência)
9.1.14
No dia em que estive presente num workshop que
visava ajudar alunos do 12º ano a "tomar uma decisão", fiquei tão
traumatizado que resolvi ensaiar uma resposta a uma pergunta de um aluno do 11º
ano: - E se, no âmbito do contrato
de leitura, eu apresentasse uns poemas de Herberto Hélder à minha turma!?
Sempre que me surge um especialista deste poeta,
sinto um calafrio e indago da experiência de leitura do audacioso, adiando a
minha resposta o mais possível, pois do lado de lá está um público pouco
familiarizado com qualquer tipo de poesia.
Ainda combalido da experiência matinal, em que
uma informalíssima psicóloga me quis convencer da bondade de enunciados do
tipo É
normal tomar uma má decisão! ou Só faço aquilo de que gosto, atirei-me
ao volume OU O POEMA CONTÍNUO para ver se lavava a alma e o corpo...
Abro o TRÍPTICO de Herberto Helder e
surge-me o amador de
Camões: Transforma-se o amador
na coisa amada com seu / feroz sorriso, os dentes, / as mãos que
relampejam no escuro. Traz ruído / e silêncio. Traz o barulho das ondas
frias / e das ardentes pedras que tem dentro si. / E cobre esse ruído
rudimentar com o assombrado / silêncio da sua última vida. / O amador
transforma-se de instante para instante, / e sente-se o espírito imortal do
amor / criando a carne em extremas atmosferas, acima de todas as coisas mortas.
E fico a pensar no olhar perdido e petrificado
do amador camoniano que,
à força de misturar imagens, reprime o desejo e apazigua o corpo, passando a
viver do fulgor de um momento para sempre perdido, enquanto o amador de Herberto Helder, no
lugar da imaginação, coloca o peso e o vigor do corpo até que a amada lhe corresponda o grito anterior de amor...
Quanto ao meu aluno do 11º ano, ele que tome a
decisão que quiser, desde que seja capaz de mostrar que aprecia a poesia de
Herberto Helder, e se nos enganar a todos também não há problema, pois tudo é
normal neste país ocupado.
8.1.14
É melhor estar cansado e não o dizer! Se estiver
desiludido, não o diga, porque se o fizer, de imediato, surge uma multidão
cansada...
Solidários com a desgraça alheia, os nossos
amigos não revelam qualquer pudor ao descreverem-se como ainda mais cansados,
ainda mais desiludidos...
Se pressentir que vai desfalecer, afaste-se e
deixe-se cair onde ninguém o veja, pois, caso contrário, ver-se-á rodeado por
uma multidão ofegante que o irá asfixiar...
Evite o Facebook ou qualquer outra rede social!
Impeça que lhe passem a mão pelo pêlo! Se detesta o plágio, deixe de ler! Oiça
as palavras, procure-lhes o timbre e leve-as consigo para longe da turba..., mas
não espere que lhe oiçam as palavras cansadas, a respiração ofegante! Não
espere...
7.1.14
Ainda não percebi se a desilusão é absoluta. Os
sinais avolumam-se. Cada vez mais desfocado, começo a fugir do envolvimento.
Não porque espere qualquer gratificação, mas porque a penalização vai
alastrando. Por enquanto, vou rumando contra a enxurrada, mas esta acaba por me
enlamear.
6.1.14
Sempre que numa sala de aula me refiro à
"alma", sinto-me constrangido. O rosto fechado dos meus
interlocutores interroga-me sobre aquele conceito, como se ele nada lhes
dissesse. De imediato, lastimo os poetas que, durante séculos, investiram na
alma, chegando ao ponto de a dissociar do corpo.
Nos últimos duzentos anos, o corpo ganhou tal
relevo que a "alma" se ideologizou. As nações ganharam vida e a
"alma" justificava as batalhas, os triunfos e a morte ao serviço da
entidade coletiva. A alma lusa alimentava-se da necessidade de um povo triste e
miserável recuperar a esfumada grandeza passada.
Os políticos habituaram-se a evocar essa alma
coletiva para justificar as suas ambições pessoais, para legitimar visões do
mundo desfasadas da realidade, e até fingiram que homens de raiz africana, como
Eusébio, homens que no íntimo e no círculo dos amigos desprezavam, eram a
expressão genuína da multirracialidade que suportava o império...
Passos Coelho não resistiu à tentação de apresentar Eusébio como "a alma
portuguesa". O político, que não serve e ignora o povo, mostrou-se como
genuíno herdeiro da austeridade e da cegueira do estado novo. Por seu turno, a
presidente da Assembleia da República, ao questionar o custo da eventual
trasladação dos restos mortais de Eusébio para o Panteão, mostrou não ser uma digna
representante do povo português.
Estes políticos de rosto fechado nunca compreenderam que há homens que são a
luz da humanidade.
5.1.14
Há algumas pessoas que me emocionam! Poucas, é
verdade!
Eusébio sempre me comoveu: quando arrancava para
a bola, quando driblava o adversário, quando fuzilava a rede, quando falava de
si e dos outros. Nunca se punha em bicos dos pés!
Homem simples, sem preconceitos, teve de suportar
interesses públicos e privados, conseguindo ser um verdadeiro mediador cultural, no sentido que
alguns historiadores (Michel Vovelle, Roger Chartier, Robert
Muchembled) lhe atribuíram:
«Mediador cultural é aquele que assegura
passagens entre esferas culturais diferenciadas.»
E nesse sentido, Eusébio é um mito, e como tal
deixa de haver registo do ciclo da vida... Eusébio é emoção pura!
4.1.14
De Negro Vestida, um livro "feliz" com um título triste
Em LER A TRISTEZA escrevi que "os livros do meu país são tristes,
todos!»
Para contrariar o meu pessimismo, João Paulo Videira escreveu
um livro "feliz" com um título triste "DE NEGRO
VESTIDA"...
Agora que concluí a leitura, verifico que o autor revela uma fé
inabalável no «poder resiliente do
amor», isto é, na capacidade de recuperar de relações de conveniência,
de submissão, de corrosão de sentimentos, atribuindo essa competência à mulher
que, quando imbuída da vontade de mudança, consegue contaminar todos os que lhe
são mais afins, como acontece com Maria de Lurdes e filhos...
Esta vontade de combater a submissão da mulher resulta
aparentemente de uma consciência traumatizada pela secundarização da
mulher-mãe, a doméstica", confinada à função procriadora e, em tudo o
resto, desprezada. Até na hora da morte!
Este romance, ao dar voz à mulher, ajusta contas com o homem. Incapaz de
distinguir o sexo do amor, incapaz de respeitar a mãe dos seus filhos. O homem
cobridor!
A este homem cobridor é lhe atribuído um instinto predador que só algumas
mulheres possuiriam, sem, todavia, o poderem consumar...
Em síntese, este longo romance, 356 páginas, mais 10 do que
o Memorial do Convento, por um lado, ajusta contas com o homem machista do
estado novo, mas também da revolução dos cravos; por outro lado, surge como uma
forma de esperança num tempo de acentuada degradação das relações interpessoais
e familiares.
Finalmente, a leitura do intertexto deixa ver o fascínio do autor, do
narrador, do contador de histórias, do «maestro das palavras que orquestrou sua
sinfonia» pela narrador saramaguiano. Fascínio pela luz e pela sombra, em
particular por uma «visão» que, se não vê por dentro, "fala" ao
coração...:
«E veem a vida passando por si
enquanto passam por ela. E tudo o que veem, sentem nas mãos que levam dadas e
recebidas...»
E para concluir, relembro, de memória provavelmente truncada, Alexandre
O'Neill: "Sempre que escrevo um verso, viro-me de costas para o Fernando
Pessoa".
A calibrar o conceito de idiota
Osório morreu de desgosto porque, segundo se diz, os filhos morreram
cedo. Eu, todavia, não acredito na voz do povo porque, se fosse verdade, eu não
teria necessidade de calibrar o conceito de idiota.
Há mesmo idiotas que falam, que se pavoneiam, que fogem às
responsabilidades, que fingem ouvir o contrário do que lhes é dito, que,
apenas, pensam em figurar na galeria dos notáveis... Lá, no fundo, estes
sujeitos só se sentem bem na "família" dos idiotas...
E este idiota, que deseja a morte dos outros e não quer morrer, anseia,
muito mais tarde, jazer no jazigo de Osório.
3.1.14
O idiota de família
«O idiota define-se como sendo um
sujeito que nunca ultrapassará dois ou três anos de idade mental. Incapaz de
prover às suas necessidades, não fala. Os seus sentimentos são rudimentares. A
aprendizagem da marcha e da limpeza é, muitas vezes, incompleta.» Michel e Françoise Gauquelin,
Dicionário de Psicologia, Verbo
Hoje surgiu-me por diante um idiota que exigia que a mãe ficasse
internada no hospital ou, em alternativa, que o hospital a atirasse para o lixo
que ele lá estaria para fotografar a cena.
Como acontece com muitos outros conceitos, esta definição
de idiota necessita de ser calibrada, pois há certos idiotas que
são asseados, desportistas, eloquentes, vaidosos, imaginativos, insensíveis e
egoístas. No entanto, por detrás de tantas qualidades, estes sujeitos não
ultrapassam dois ou três anos de idade mental.
Começo a temer que um destes dias não resistirei a esbofetear o primeiro
idiota que me saia ao caminho, mas nesse momento perderei a razão.
2.1.14
Osório
Durante duas horas, a narrativa estendeu-se da roda dos enjeitados,
apesar da caxemira, às vivendas do tempo em que o Marquês ainda não contemplava
o Parque: os quartos eram catorze e desaguavam numa cozinha que dava para um
quintal. Desses quartos, havia dois habitados pelo casal que, dormindo em
separado, «lá se entendia, só Deus sabe como!»
Ele, Osório, enriqueceu com o negócio dos bordados da Madeira, reservava
outro quarto para as fazendas e para os já mencionados que, para meu
esclarecimento, faziam parte de todo o enxoval de menina prendada, rica..., o
que significa que a arte de comerciante estava no saber lisonjear a mãe da
menina. Antes de comerciante, importava ser cavalheiro. Distinto. Daqueles
cavalheiros que as mães de família não se importam de convidar para tomar chá!
No caso, a gentileza do comerciante era tanta que, por vezes, a bela neta
também era convidada...
O resultado do negócio era guardado num enorme cofre em aço que,
curiosamente, estava acomodado no quarto da esposa, Mariana. Ao fim do dia, de
regresso a casa, Osório dirigia-se ao cofre, começando por observar se o
segredo se mantinha intacto. Inevitavelmente, a voz de Osório acordava a esposa
de qualquer tarefa que a cozinha lhe impusesse: - Mariana, tu mexeste no cofre!
Osório morreu de desgosto, pois os filhos morreram cedo!
1.1.14
2014 trouxe um Presidente alinhado
I - Não há uma única imagem, não há um único argumento que evidencie que
2014 possa ser melhor do que 2013? Infelizmente, ainda continua a haver quem
acredite que a mudança resulta de um golpe de ilusionismo ou de retórica.
Isso não apaga, no entanto, a ineficiência dos serviços! Ainda há uma
hora, nos Olivais Norte, um infeliz transeunte caído na estrada esperou pelo
menos trinta minutos pelo INEM…
Não são só os governantes que não servem! Somos nós todos que não
cumprimos e que celebramos a esperança de que o problema se resolva por si
próprio… E por isso apostamos na greve dos transportes, na acumulação de lixo,
em encerrar a repartição o mais cedo possível, nas drogas, nas manobras
perigosas, em tudo o que nos anestesie e, consequentemente, nos destrua…
II - Às 21 horas, o P.R.
pôs em causa tudo o que escrevi duas horas antes! Qual porta-voz do Governo, o
P.R., em nome de "uma democracia consolidada e estável", veio
defender "o compromisso político nacional", chantageando a oposição e
ofendendo todos os que perdem o emprego, todos os que são obrigados a emigrar e
todos os que veem os seus direitos aniquilados. De facto, o P.R. de 2014 surge
bastante maquilhado, a começar pelas sobrancelhas...