terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Diário_2019

 

31.12.19

45 anos de serviço público

Bem, estão concluídos 45 anos de serviço público. Ficam com quem os sofreu, porque o seu exercício nunca foi fácil, embora, por vezes, fosse gratificante… 

Ficam com quem os sofreu porque, demasiadas vezes, o sujeito de aprendizagem perdeu identidade para se transformar num objeto de ensino… 

Quando a Memória destes 45 anos se esbate, ao contrário de muitos outros que se orgulham de numerosos sucessos, resta um gosto amargo por não ter conseguido aplicar uma pedagogia diferenciada que libertasse cada aluno da formatação imposta pelo sistema educativo…

Resta um gosto amargo porque, ao longo destes 45 anos, os conteúdos foram perdendo significado, criando um tal vazio que poucos são, hoje, capazes de distinguir a verdade da mentira, como se a Ilusão nos bastasse…

 

30.12.19

A gaivota do 12º andar

Sobre o aparelho de ar condicionado do 12º andar, enquanto a gata dorme, a gaivota alimenta-se, sem perceber que está a ser observada…

Sem perceber? Esta certeza é capaz de ser exagerada… Afinal, o que sei eu da perceção das gaivotas…

E a Sammy continua a dormir, ela que espera horas pela visita de uma qualquer ave…

Por mim, vou continuar a leitura de Orlando, que já se encontra na fase fêmea, sem que eu compreenda como é que, à época, se passava de macho a fêmea com tamanha facilidade. 

Alquimia literária! De qualquer modo, amanhã a gaivota regressará. A mesma? Macho? Fêmea?

 

29.12.19

Não há quem regule o trânsito

Os autocarros aproximam-se do terminal rodoviário na faixa que lhes foi destinada, no entanto ficam bloqueados. Ninguém parece preocupar-se.

Centenas de passageiros que optaram pelo transporte coletivo esperam impacientemente por terminar ou iniciar a viagem.

Não há um agente que regule o trânsito, que ponha cobro ao egoísmo de quem só pensa na sua comodidade…

A verdade é que dois ou três agentes na zona da Estação do Oriente seriam suficientes para tornar o trânsito mais fluido e para evitar o aumento da temperatura na zona - cerca de 2 graus.

E depois queixam-se das alterações climáticas, sem esquecer o estado depressivo em que vamos caindo…

 

27.12.19

Os nomes nada acrescentam

Não é por lhes citar os nomes que se tornam conhecidos. Os nomes não acrescentam nada. Sem obra individual, não há renome…

Há obras coletivas cujos trabalhadores morrem no anonimato, mesmo que os Saramagos percorram o alfabeto da nomeação. Um João, por exemplo, seja o primeiro ou o quinto, persiste por mais tempo na Memória… ainda que a resistência seja cada vez mais breve…

Entre tantos manuéis, só o primeiro assegurou um estilo, sem ter entrançado uma corda, que se saiba.

Já nem as lápides cumprem o ofício!

 

26.12.19

Faltam 185 dias

Dizem-me nesta data - e quem o diz não é profeta! - que faltam 185 dias. Não sei se acredite, até porque Virginia Woolf (Orlando) assegura que

 «Infelizmente, o Tempo faz fauna e flora crescerem e definharem com espantosa regularidade, mas não tem o mesmo efeito tão simples na mente humana. Mais: a mente humana acaba por agir de forma correspondentemente estranha sobre o decorrer do tempo.»

A verdade é que os 185 dias podem ser mais ou menos, pois a duração não depende de nenhum robot, mas sim da mente que tiver lido (ou ignorado) um simples e-mail. Se a leitura for ativa, o tempo será significativamente encurtado. Caso contrário, os dias ficarão esquecidos no computador do burocrata… e eu às voltas com o biógrafo de Orlando: 

«Uma hora quando alojada nesse elemento tão bizarro que é o espírito humano pode ganhar cinquenta ou cem vezes a sua extensão segundo o relógio; inversamente, uma hora pode ser fielmente retratada no relógio mental como tendo durado um mero segundo.»

No meu caso, o tempo psicológico dá cabo de mim, porque uma vezes passa apressado; outras, de tão lento, acelera-me o tic-tac.

 

24.12.19

Boas Festas!

BOAS FESTAS A TODOS OS MEUS FAMILIARES, AMIGOS E CONHECIDOS!

Obrigado pela companhia!

 

22.12.19

O parque de estacionamento "Oceanário" é caro e serve mal

O parque de estacionamento 'Oceanário' fica ali ao lado - serve o Teatro de Camões, o Oceanário, a marina… 

Porém, serve mal!

Logo, à entrada, surge o aviso de que a Via Verde não está disponível. A caixa de pagamento fica no piso 0, o que nos dias de maior afluência provoca inevitáveis e demoradas filas. Apesar do elevado custo, o multibanco também não funciona...

Quanto aos acessos ao exterior, ninguém se ocupa da sua limpeza, sobretudo, em dias de chuva e nas horas em que os javardos vomitam escada abaixo, gerando situações que podem provocar quedas extremamente graves…

E claro, vigilante, assistente, funcionário, ninguém lhe(s) põe a vista em cima. Será por ser domingo?

 

21.12.19

Que Zeus nos acompanhe por estes dias!

Tem chovido, valha-nos o deus da chuva!

A comunicação social apresenta a chuva como inimigo do homem - tomba as árvores, destrói os jardins, inunda as casas, corta as vias de comunicação… indo ao ponto de desalojar e de retirar vidas. A chuva arruína o natal dos glutões e dos vendilhões. A chuva dá cabo do negócio, à exceção do da comunicação social…

Ninguém questiona o motivo por que a chuva dos ribeiros corre para os afluentes e destes para grandes rios e se precipita no oceano… 

Parece que a montante não há ninguém que perceba que a oportunidade é única. Não há quem trace um plano de desvio dos caudais de modo a criar reservas capazes de suprir a cada vez maior escassez de água… não há quem trace um plano para acabar com o assoreamento … não há quem trace um plano para retirar o edificado dos leitos e das margens dos cursos de água…

Neste abençoado país, só há catastrofistas que sonham em ir a banhos.

 

19.12.19

Abençoada chuva

Vivendo o tic-tac, hoje, com chuva, ventos fortes e mau humor…

A alternativa de seca, calmaria e festa seria certamente mais atrativa, mas tão depressiva como as depressões que vêm atravessando a Península Ibérica.

Esta chuva tão arisca arrasta consigo a necessária limpeza e a reposição das reservas de água fundamentais ao bem-estar das gentes, da fauna e da flora, sem esquecer os minerais… Por isso a insatisfação deveria dar lugar ao agradecimento, apesar das constipações e similares.

Este tic-tac dos dias martela-me as meninges já cansadas da profissão. No entanto, sempre que chove sinto alívio e vontade de continuar.

A chuva que conforta a alma. Que seria de nós sem ela?

 

18.12.19

Do lado de cá...

Colocar a hipótese de que algum ser humano possa ser godot é uma presunção saída do inconsciente individual, incapaz de descortinar a fronteira entre a conveniente modéstia e a desmesurada soberba…

Pressinto que a modéstia não deve ser avaliada pela conveniência, mas é da natureza humana graduar tudo como se, habituada a rever-se no espelho, saltasse para lá do caixilho, à espreita de uma dimensão que sempre lhe foi vedada…

Do lá de cá não mora nenhum godot, mesmo que o façamos nascer entre as palhas de um estábulo ou nos alimentemos do corpo e do sangue - rituais de apropriação de quem receia não SER.

E será que há, por detrás dos rituais e dos sonhos, um qualquer godot, relojoeiro do multiverso? Eu simples relógio me confesso, vou vivendo até que o tic-tac se esgote. E basta!

 

17.12.19

Não sendo Godot

Não sendo Godot nem estando à espera dele, não deixa de ser estranho que, frequentemente, pense nele…

Tempos houve em que poderia esperar sentado à sombra de uma figueira… agora, sentado ou de pé, distante do quase inexistente figueiral, espreito os dias como se eles me fossem exteriores…

Espreito-os a desoras, à espera de que se tenham esfumado só para me surpreenderem num regresso a horas ociosas de que nunca tirei proveito… 

E, apesar de o não querer confessar, sei que, mesmo que Godot pudesse desfazer a espera, hei de continuar à espera, o que não faz qualquer sentido…

Antes que se faça tarde, vou apanhar o metro e regressar à escola donde, verdadeiramente, nunca saí… Ultimamente, assalta-me a dúvida se alguma vez lá entrei.

 

15.12.19

O movimento das sardinhas em Itália

Não queremos, mas votamos na mentira dos políticos… 

Não queremos, mas ignoramos a prescrição das coimas que os partidos deveriam pagar…

Não queremos, mas fazemos vista grossa à sofisticação do mercado ilegal das drogas…

Não queremos, mas consumimos desalmadamente no natal e na passagem de ano…

Não queremos, mas hipotecamos a vida a todo o momento…

… e o pior é que não sabemos que, por vezes, a vontade é o nosso maior inimigo. 

 

12.12.19

Estetas do absurdo

Cansamo-nos de tudo, exceto de compreender. O sentido da frase é por vezes difícil de atingir.

Cansamo-nos de pensar para chegar a uma conclusão, porque quanto mais se pensa, mais se analise, mais se distingue, menos se chega a uma conclusão.

Caímos então naquele estado de inércia em que o mais que queremos é compreender bem o que é exposto — uma atitude estética, pois que queremos compreender sem nos interessar, sem que nos importe que o compreendido seja ou não verdadeiro, sem que vejamos mais no que compreendemos senão a forma exata como foi exposto, a posição de beleza racional que tem para nós.

Cansamo-nos de pensar, de ter opiniões nossas, de querer pensar para agir. Não nos cansamos, porém, de ter, ainda que transitoriamente, as opiniões alheias, para o único fim de sentir o seu influxo e não seguir o seu impulso.

Bernardo Soares

Gostaria de acompanhar Fernando Pessoa quando defende que não nos cansamos de compreender, e que o fazemos por uma «atitude estética», desinteressada da utilidade e da verdade... 

Parece que abdicamos da nossa vida, apenas para fruir a (as) dos outros..., sem, no entanto, os tomarmos como exemplo... 

Pelo menos, se não caminhamos por nós, também não o fazemos pelos outros...

Estetas do absurdo, adormecemos sobre o mundo, enquanto a chuva fustiga a o pátio.

Voltando atrás, creio que estes estetas são cada vez mais raros, mergulhados que andamos na mentira e no interesse.

 

11.12.19

Piprô

Árvore. Talvez, eu não consiga atribuir-lhe qualquer relação com o sagrado, ou não queira envolver-me nessa hierofania, que permitiria colocá-la, lá longe, na Índia, como expressão da amizade entre irmãos de ambos os sexos.

Se me deixasse de hesitações, diria que esta árvore foi classificada como 'ficus religiosa' ou, noutra versão, como figueira do pagode, sem dança, apenas como celebração própria de um templo hindu.

Custa-me aceitar o sagrado, quando ele não é capaz de modificar sociedades, em que a defesa da honra autoriza a lapidação e deixa a violação impune.

 

10.12.19

Com ou sem marquês

Com ou sem marquês, bom seria que nesta quadra não persistíssemos no fervor das iluminações…

Pode parecer bonito, mas fica caro!

Quanto custam as iluminações de Lisboa? Será que a despesa não seria suficiente para retirar dos hospitais e das ruas todos aqueles que pelas mais diversas razões foram e vivem abandonados?
«José Lopes foi encontrado morto na tenda onde vivia, nos arrabaldes de Sintra, junto a uma estação de comboios. As causas não são conhecidas, nem sequer o dia ou a hora exatas da sua morte. Aos 61 anos, o ator vivia com as maiores dificuldades, e a notícia de que um amigo deu com ele um par de dias depois de se ter finado circulou nas redes sociais, com as mensagens de pesar misturando-se com a prece a um deus-remorso

 

9.12.19

Um medronheiro na Portela!?

João Gama, da delegação da DRAPC da Sertã e responsável pelo núcleo da Pampilhosa da Serra salienta que “esta é uma cultura ainda pouco estudada, sendo uma planta difícil de apreender porque tem um ciclo muito diferente do habitual, com a floração a ocorrer ao mesmo tempo da frutificação, só perde algumas folhas na primavera e o fruto leva 11 meses a amadurecer é, assim, muito diferente das outras fruteiras, não há mais nenhuma igual”. 

Se tudo fosse igual, seria uma chatice!

Não vem a propósito, mas surgiu-me agora um novo provérbio adequado à estupidez dos últimos tempos: 

A franga canta porque quer galo! O PAN assobia porque quer galho!

 

8.12.19

Talvez por ser domingo...

Zeus destruirá também essa raça de humanos de fala articulada,

quando acabarem nascendo já com as têmporas grisalhas.

Nem o pai será concorde com os filhos, nem os filhos com o pai,
nem hóspede com anfitrião, nem companheiro com companheiro;

nem um irmão será querido, tal como era antes.

Desprezarão os pais logo que envelheçam,

e vão repreendê-los proferindo duras palavras,

os cruéis, ignorando a vingança divina; e nem mesmo

dariam aos velhos pais retorno pelo alimento que tiveram na infância.

O direito da força: um saqueará do outro a cidade.

Nenhum apreço haverá por quem é fiel aos juramentos, pelo justo.

ou pelo bom: antes o malfeitor e o homem - violência

honrarão. A sentença estará na força; reverência

não existirá. O cobarde fará mal ao homem de maior valor

 com discursos tortuosos, e a seguir dirá “juro”.

 A inveja todos os humanos miseráveis

 acompanhará, voz dissonante, face odiosa, comprazendo-se no mal.

 Será então que, da terra de largos caminhos, partindo para o Olimpo,

 a bela tez a cobrir com véus brancos,

 irão ter com a tribo dos imortais, deixando os humanos,

Reverência e Indignação. E ficarão para trás dores amargas

 

para os humanos perecíveis: não haverá defesa contra o mal.

Hesíodo (meados do séc. VII a C.), excerto de Os Trabalhos e os DiasO mito das cinco raças

Talvez por ser domingo, resolvi visitar Hesíodo porque, como diz a tradição, ele terá vencido Homero num concurso poético, pois preferia a paz e o trabalho à guerra e ao combate.

7.12.19

Com Nuno, guerreiro ou santo

Com Nuno, guerreiro ou santo, a cidade também vive às costas dele…

Consta que era excessivamente puritano e inimigo das mulheres e que, apesar de tudo, não se dava nada mal com os fidalgos castelhanos…

É difícil acreditar em tudo o que se diz, e isso já nada importa, o que vale é ouvir-lhe a história e deixar-se levar pelo brilho da cidade e ainda pelo espanto de ouvir um brejeiro adolescente espanhol ensaiar para um público familiar a primeira quadra de um soneto - aplaudida com entusiasmo…

Que pena não ter o ouvido do Fernão Lopes!

 

6.12.19

Nada falta nem a língua de pau!

Já não é o leão que ruge. Está em extinção, o rei da selva! À falta dela, nem o circo ou o zoo o podem salvar... Domesticá-lo também não faz sentido, a não ser em Alvalade.

Ligo a televisão e vai por aí uma tal confusão, com uns a entrar e outros sair, que já não sei para que servem as igrejas e os tribunais - tudo se passa no mundo virtual.

Nada falta nem a língua de pau!

Só uns tantos estão a mais - os idosos, os reformados, os doentes, os sem-abrigo, os desempregados, os precários, os enfermeiros, os professores, os polícias, os agricultores, os pescadores e até uma boa parte dos doutores… De qualquer modo, os sicários já começaram a afiar as facas.

E ainda se queixam do clima! Viva o Menino Jesus e o negócio do Natal! 

 

 

 

 

5.12.19

Zurzidela

«Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade, e a hiperexcitação.» Bernardo Soares, Livro do Desassossego

Já só há um manicómio, a Terra toda - o planeta dos estúpidos, onde 'os inteligentes são igualmente estúpidos' Fazer-se passar por inteligente deixou de ser necessário à falta de interlocutor… Só o silêncio poderá pôr cobro à vertigem destruidora…

No entanto, até o silêncio é estúpido porque é humano. Já pensei em medir o silêncio, mas sou incapaz porque não consigo libertar-me desta tendência para zurzir a torto e a direito...

 

4.12.19

(Des)contextualizando

«Quando nasceu a geração, a que pertenço, encontrou o mundo desprovido de apoios para quem tivesse cérebro, e ao mesmo tempo coração. O trabalho destrutivo das gerações anteriores fizera que o mundo, para o qual nascemos, não tivesse esperança que nos dar na ordem religiosa, esteio que nos dar na ordem normal, tranquilidade que nos dar na ordem política. Nascemos já em plena angústia metafísica, em plena angústia moral, em pleno desassossego político.» Bernardo Soares, Livro do Desassossego

A geração de Fernando Pessoa / Bernardo Soares, nascida no final dos anos 80 do século XIX e entrada na vida adulta na segunda década do séc., é aqui retratada como se tivesse sido empurrada para um beco sem saída… O retrato parece acertado…

No entanto, eu, que nasci na década de 50 do século passado, ao ler este fragmento de Bernardo Soares, vejo-me a pensar que a minha geração, do ponto de vista religioso, era descrente; do ponto de vista doméstico, vivia à deriva. E quanto ao rumo político, parte da minha geração vivia na completa ignorância, formatada numa ideologia aviltante…

A verdade é que a angústia e o desassossego cresciam no esplendor do existencialismo e, sobretudo, nos campos rubros de papoilas povoados por orquestras anestesiantes, idolatradas como se os deuses tivessem descido à terra.

E hoje, por onde é que andam a religião, a moral e a ideologia? Há quem as veja nas mesquitas, nos areópagos, nos cais. Em cascatas ou em fiapos…

 

3.12.19

Gretado

Sinto-me gretado!

Dito deste modo, até parece que sou mais um dos fãs da jovem Greta. Compreendo o espírito da sua cruzada, mas nunca fui adepto de causas fraturantes…

Todos sabemos que a maioria das populações nada pode fazer para combater as causas das alterações climáticas nem mesmo para assegurar a sua própria sobrevivência. 

As decisões fundamentais têm de ser tomadas por meia dúzia de nações que há muito contribuem para o atual estado de coisas e que insistem que não há qualquer problema.

Como diria Bernardo Soares: «Uns inteligentes, outros estúpidos, são todos igualmente estúpidos. Uns velhos, outros jovens, são da mesma idade. Uns homens, outros mulheres, são do mesmo sexo que não existe.» 

E é esta a história da Humanidade. Raramente, os inteligentes conseguiram alterar o rumo traçado pelos estúpidos.

 

2.12.19

Capas

É isso, o povo gosta de capas!
O povo capado satisfaz-se com capas…
Outrora, também gostava do suco, do tutano, da seiva.
(…)
Por mim, não sei do que gosto, mas sei do que não gosto - de capas, de máscaras.
Bem sei que elas dão jeito para sairmos janotas, pobres idiotas.

 

1.12.19

Abre-se a Serra, gruta de Alvados

Abre-se a Serra e do interior jorram formas múltiplas capazes de nos fazer sonhar com outras vidas, silenciosas e milenares…

Apenas sonhar, porque o tempo nos falta para lhes acompanhar o movimento e a linguagem. Sim, porque a Serra fala uma língua particular, diferente, por exemplo, da do mar.

À superfície, no entanto, o vento continua a soprar e o trovão a ribombar, lembrando-nos quão pequenos somos se não nos recolhermos a meditar.

Para quê, pode alguém perguntar… Talvez para que a alma possa voltar a vibrar antes que o corpo nos falte, de vez.

O resto, a própria pátria, não passa de ilusão. 

 

 

 

30.11.19

A desproporção esmaga, gruta de Alvados

Por aqui o tempo é desumano, arruma-nos a vida em menos de um centímetro…

Vista, deste modo, a desproporção esmaga, mas, na realidade, quem nos põe em sentido é a Natureza, essa criadora insaciável que já deve andar farta de nós.

No entanto, continuamos absortos nas nossas vaidades, nos nossos interesses, sem perceber que quem tudo tem a perder é a humanidade.

Na Serra d'Aire, a Natureza é um livro aberto da sua Arte e da nossa imbecilidade. Não esqueçamos que a Serra d'Aire é um aquífero insubstituível.

Esperemos que por aqui não haja lítio...

 

29.11.19

Mesmo sem carpinteiro

Ainda estamos em novembro, mas o presépio já está em construção... Mesmo sem carpinteiro! 

Já lá vai o tempo em que não bastava o Espírito Santo… Nem era aceitável que pusessem em causa o papel do homem, mesmo que se tratasse de um José ludibriado...
Quanto ao Espírito Santo, disfarçado de pomba, tem feito a vida negra a crentes e descrentes, e não há quem lhe quebre a asa.

Por mim, já que a veneração pelo burrinho e pela vaquinha não diminui, creio que o melhor seria não esquecer a pomba branca, colocando-a sobre o alpendre que necessariamente abrigará a castíssima Maria e o menino que, a esta hora, já estará arrependido de ter permitido que lhe chamassem Jesus…

(Porto de Mós, Igreja de São Pedro)

 

28.11.19

Do erro se faz culto... Saldanha Residence

Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade

Nem veio nem se foi: o Erro mudou.

Temos agora uma outra Eternidade,

E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.

Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.

Um novo Deus é só uma palavra.

Não procures nem creias: tudo é oculto.

                 Fernando Pessoa

 

Se tudo é oculto, para quê tanto barulho?

Se tudo é oculto, para quê tanto brilho?

(Do erro se faz culto...)

 

27.11.19

Os seguidores

Há quem nos siga por curiosidade e, talvez, por simpatia. Nunca sabemos ao certo o motivo nem se tal acontece de forma persistente.

Nos blogues, os seguidores parecem eternizar-se mesmo que já não nos visitem há muito. Poderíamos, talvez, bloqueá-los como nos é sugerido… mas nunca temos a certeza de quem, efetivamente, nos segue e porquê. 

Exceto, quando nos apercebemos de que o seguidor já faleceu. Surge, no entanto, uma dúvida: - Será que o finado não continuará, lá onde se encontra, mais atento do que os que ainda se mantêm vivos?

 

26.11.19

Estes pingos

Estes pingos irritantes martelam-me a cabeça como se ela fosse de lata ou de zinco. Para o caso tanto dá…

Fazem certamente falta estes pingos, mas a mim, que gosto de cheias, que imagino um país bem governado sempre que os rios e as barragens extravasam, estão a levar-me à insanidade de querer fugir deste monobloco, definitivamente...

Ainda pensei que Pessoa me pudesse acompanhar no desespero, mas ele prefere simplesmente entediar-se e passar a emoção a outro que a não possa ter e muito menos conceber... São de zinco os pingos de Pessoa e caem para além das cubatas de que outrora se terá aproximado, a medo… Ou talvez não!

No Arquivo de Fernando Pessoa não há cubatas… Por enquanto!

 

 

 

25.11.19

Não obstante

Em canteiros não calcados, um ar da sua graça, embora a graça não seja da flora, apesar de atribuída à Deusa…

Se não entenderem não faz mal, a Flora não vos leva mal, pois andais entretidos em jogos florais com artificiais desfechos intestinais.

Longe anda a Moira, também não quer saber, nem já sabe como reformular 'o que tem de ser tem muita força.'

Os canteiros que sigam o seu caminho que nós, à força de ir por atalhos, continuaremos metidos em trabalhos, mesmo que involuntários… Já de pouco servimos, assim tão arrumadinhos. Nem para soldadinhos!

 

24.11.19

De Hipócrates a Balaão

Por estes dias, decorre o Juramento de Hipócrates pelos novos médicos… 

Duvido que a maioria tenha noção de quem foi Hipócrates (c.460-370 a.C.) e sobretudo que entenda que alguns dos evocados não são de confiar, a começar por Apolo…

Tendo em conta a exemplaridade da oração, transcrevo parte, esperando que os jovens médicos não acabem por trocar Hipócrates por Balaão:

«Juro por Apolo médico e Asclépio, por Higeia e Panaceia e por todos os deuses e deusas, tomando-os por testemunhas, que cumprirei este juramento e compromisso, conforme as minhas forças e o meu entendimento. Terei pelo meu mestre nesta arte consideração igual à que tributo aos meus pais; compartilharei da sua vida; quando estiver falto de meios, eu lhos porei à disposição; estimarei a sua família, como se meus irmãos foram; e lhes ensinarei esta arte, se carecerem de aprendê-la, sem salário nem contrato…» (Tradução de Maria Helena Rocha Pereira, Hélade, Antologia de Cultura Grega)

 

23.11.19

Em linhas quebradas

Do que sei, não sei, a não ser esta vertigem de associar os contrários sem qualquer efeito prático, pelo menos inteligível…

Resigno-me na ideia de que outrora sabia, mas como se o esqueci, eu que sempre defendi que só sabe quem não esquece.

À minha volta, são tantos os que não esquecem, e poderiam ser bem mais se eu os não tivesse esquecido.

Tudo parece estar bem, não fosse essa ideia de perda que, por vezes, se transforma em fulgurações instantâneas, pleonásticas e absurdas.

Desadormeço e fico à espera desse retorno que, enquanto for dia, se revela impossível, a não ser em linhas quebradas…

 

22.11.19

Uma regressão espúria

Outono. Uma nespereira em flor. O sol, depois da chuva, disfarça o caixote de lixo… Despedido o guarda-chuva… tudo invertido, como se a seca já tivesse sido vencida…

Sigo na direção da Praça José Queirós, pintor e arqueólogo (13.7.1856-31.07.1920), fundador do Grémio Artístico que estaria na origem da Sociedade Nacional de Belas Artes… e vou pensando na descontinuidade das memórias que facilmente caem em associações espúrias - termo apelativo, mas que pode adjetivar uma regressão, isto é uma relação estatística entre duas variáveis, sem que, no entanto, nenhuma relação causa-efeito exista.

Neste caso, a flor da nespereira, a não ser na cor, nada diz deste José Queirós e muito menos de outros universos queirosianos, mesmo se coevos. E, ao contrário do que seria de supor, a nespereira floresce no final do outono ou no inverno…

 

21.11.19

Na língua sem algemas

Ignorar em nome da tolerância - cínica condescendência - pode causar náuseas… Vê-los fechados em celas de autossatisfação dá vontade de os esganar… Mas para quê?  Continuar a explicar palavra a palavra - o étimo, a família, o sentido, o uso, a posição - dá-lhes cabo da alma, que não sabem que ainda têm, sobretudo se lhes faltar a religião anestesiante dos rebanhos...

Tresmalhados, não entendem que a língua que lhes convém é a antiga e não a dos empréstimos e dos grunhidos… e que, por ser antiga, a língua é a luz à sua disposição, porque nela vive toda. O tempo pode deprimir. Não no tempo, mas na língua é que a viagem pode conduzir ao âmago do Ser.

 

18.11.19

Não há aumentos...

Incapaz de definir as necessidades de recursos humanos para um funcionamento ajustado do Estado, o Governo continua a penalizar a função pública. Pouco importa quem governa, a direita insiste numa diminuição cega do número de funcionários públicos; a esquerda procede à engorda cega do mesmo Estado, sem, no entanto, satisfazer as necessidades nas áreas essenciais…

Incapaz de determinar as necessidades, o Governo aposta na descentralização, duplicando as funções, criando microestados conforme o estado de alma do senhor primeiro-ministro, aumentando a despesa pública… E como tal não há aumentos para ninguém!

Claro que não irá faltar o argumento do aumento do salário mínimo e da reposição de vencimentos e de pensões, porém todos sabemos que isso é mentira.

Por exemplo, qual é a família portuguesa que, após a martelada reposição, está em condições de comprar casa com o mesmo peso no orçamento familiar que teria no ano 2000?

 

17.11.19

Mexericar

Ora aí está uma palavra que eu não devo utilizar, pois 'não é própria de gente educada' - mexericar.

Diz o escritor Joel Neto que «se a literatura não vencer os grilhões do seu tempo não serve para nada», como se o inimigo fossem as redes sociais, espaço de mexericos... 

O escritor parece querer ignorar que uma boa parte da literatura ocidental teve origem no mexerico e que, em muitos casos, se limitou a tricotar a vida alheia.

Parece-me que as redes sociais são um dos 'lugares' onde o escritor pode beber as intrigas do seu tempo - claro que se não tiver o engenho e arte, nunca ganhará a batalha!

Por mim, não me interessa intrigar, apenas confesso que, ontem, ao anoitecer, fui, a pedido, à praia de Carcavelos e por lá tudo estava sossegado. A brisa era suave, a temperatura desceu aos 10 graus, a ondulação leve... Só não senti o cheiro do mar, e talvez a culpa fosse das minhas narinas...

Em conclusão, não tenho jeito para mexericar. (Praia de Carcavelos)

 

16.11.19

Bem tento ver apenas o trigo...

"- Senhor, não semeaste tu no teu campo boa semente? Por que tem, então, joio? E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres, pois, que vamos arrancá-lo? Porém ele lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: colhei primeiro o joio e atai-o em molhos para o queimar; mas o trigo, ajuntai-o no meu celeiro. “Mateus 13

Há tarefas que me trazem de volta a parábola do trigo e do joio, mas que, pensando bem, não posso aplicar sem reservas nesta minha função, em particular, por estes dias… 

Arrancar o joio numa escola, oficialmente, inclusiva? Nem pensar! Que medre sem obstáculos, mesmo que asfixie o trigo…

Queimar o joio no final do ano letivo numa escola sem retenções? Impossível!

Do trigo que sobrar, o Senhor acabará por me perguntar por que motivo a tulha anda tão vazia…

Creio que o Senhor nunca terá imaginado - passe a blasfémia! - que o melhor seria não ter criado a erva daninha.

Por mim, bem tento ver apenas o trigo, mas o que oiço e leio dana-me os ouvidos e entorta-me os olhos.

 

15.11.19

Uma chave esquecida

E se uma chave esquecida fosse capaz de provocar um pesadelo? Qualquer lapso pode ter consequências indesejadas… No entanto, a interpretação do sonho parece apontar para a necessidade de não falhar os pagamentos à Segurança Social, pois esta é implacável com os faltosos, indo ao ponto de recorrer à penhora de quem se encontre nas redondezas…

Ora uma chave esquecida (e nunca mencionada) pode ser o meio para 'recuperar' uma autocaravana, anteriormente vendida, dando início a uma longa viagem por vales e montanhas, sem qualquer remorso…

O problema é que toda a viagem tem um fim, trazendo à tona a necessidade de devolver o veículo, esperando que o novo dono não tivesse dado conta do seu desaparecimento…

Ainda se o sonho tivesse sido interrompido e a memória dele apagada, mas não… a infração continua presente. Há mesma uma tentativa desesperada de convencer o proprietário, mas quem atende o telefone é uma criança que nada questiona, apenas ouve… até que uma voz pesada ordena: - Desliga o telefone!

Ciente de que o crime foi descoberto,  o ladrão procura um público (no caso, à beira de um coreto de um jardim familiar) que lhe possa aliviar a consciência ou, sobretudo, ajudá-lo a encontrar argumentos que lhe evitem os calabouços… e é, então, que, no meio da esplanada, avista o bastonário que, de imediato, lhe assegura que nunca tomou nota de um caso daquele tipo, mas que há solução para tudo… e no ato pede-lhe o número de telefone…  e 500 euros adiantados para dar início à defesa.

Felizmente que tudo não passou de sonho repetido, à exceção da cartinha registada da Segurança Social e da chave da autocaravana já deitada fora, que não da maldita memória…

 

14.11.19

Vidas

O que é que eles estão ali a fazer? Será por vaidade? Estarão a sonhar ou simplesmente pensaram ver ali o tronco de um velho plátano camoniano?

A leitura não parece interessar-lhes… o que não surpreende quem por ali passa… 

(Ainda agora o átrio vergava ao peso da efemeridade de uma vida, sem dar conta de outras vidas que por ali passaram…)

Os rios oceânicos de Sena corriam longe dos salgueirais e contra a estupidez que nunca percebera o legado do Poeta - o único que carregara a Pátria até ao fim.

 

13.11.19

É tudo tão...

É tudo tão fútil
que se quisesse
rimava com inútil

Despegados do ecrã
apagam-se os olhos
esgueira-se o sorriso

Já no vazio
alheios seguimos

É tudo tão inútil
que se quisesse
rimava com fútil

Já no vazio
seguimos alheios
Ou talvez não.

 

12.11.19

A prosa inútil dos dias

Um trambolhão ou uma escorregadela pouco importam! 

Com um pouco de sorte, pode haver quem veja no ato um poema, com ou sem narrativa, sob forma métrica ou dessa outra coisa indistinta a que chamam prosa…

Talvez fosse melhor reduzir tudo a poema para o qual se olhe como se fosse uma maçã, mas sem qualquer vontade de a cheirar ou de a comer… 

Um poema sem ideias, sem ritmo - um poema deitado. À espera de que o levantem da prosa inútil deste ou de qualquer outro dia.

Ainda se o dia fosse poema!

 

11.11.19

Da pouca sorte

O melhor é não confiar na Providência!

(Na vida avance só depois de se assegurar que o piso está seco ou se não há nenhuma grelha em falta ou mal colocada...)

Não foi o caso, mas também não é recomendável caminhar com o olhar preso ao telemóvel... a verdade é que a senhora, descida a escadaria do metro de Moscavide, tropeçou numa grelha, ficando muito combalida... e nas mãos de outros passageiros, felizmente, já que pessoal de segurança da estação nem vê-lo...

Poder-se-ia pensar que a senhora teve pouca sorte, mas a 'pouca sorte' resulta quase sempre da nossa inércia ou da nossa confiança infinita...

Para superior entendimento do tradicional grito de pouca sorte nacional, o melhor é consultar O Labirinto da Saudade de Eduardo Lourenço.

 

10.11.19

A canalhice

O problema é que há cada vez mais gente a gostar de canalhas, seja qual for a orientação política ou religiosa.

Farta de votar ou de seguir canalhas, em vez de tudo fazer para os eliminar, a gente cai nos braços de canalhas de sinal oposto, aparentemente.

Em síntese, com tanta canalha à solta já ninguém se safa de ser incluído no coletivo.

 

9.11.19

'Munição ao canalha'

O Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, pediu hoje aos brasileiros para não darem "munição ao canalha”, que disse estar "livre, mas carregado de culpa", um dia depois da libertação do antigo chefe de Estado, Lula da Silva.

Ao que o Brasil chegou!
A cultura democrática enlameada…
Por este andar ninguém se aproveita!

E nós vamos pelo mesmo caminho…. 

 


8.11.19

Uma jovem desesperada vai para a prisão

Uma jovem desesperada, que deita o bebé no caixote do lixo, vai presa, como se pudesse repetir o ato nos próximos dias. 

O pedófilo continua por aí à espera de julgamento.

Os autores de violência doméstica, quando identificados, regressam a casa…. ou às redondezas.

Os criminosos de colarinho branco andam à solta, rindo-se na cara dos que foram e continuam a ser roubados

Não entendo o que é que o legislador tem andado a fazer, a não ser que seja agressor e ladrão.

 

7.11.19

De boas intenções está a educação farta

O programa do Governo, conhecido no final de outubro, prevê a criação de um “plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades”.

Quantas vezes o propósito já foi proclamado? Quanto dinheiro já foi desperdiçado?
Elaborar um plano nem é assim tão difícil! O problema surge na implementação do plano. 

Quais são os recursos humanos e materiais disponibilizados, considerando os múltiplos perfis de insucesso?

Como é que são selecionados e formados os agentes dessa ação «intensiva e diferenciada»? E por quem?

Finalmente, um plano desta natureza não pode ser elaborado a partir da ideia economicista de que, no final, a despesa será menor do que a que resulta da retenção.

Nesta matéria, a solução não está na poupança, mas, sim, no investimento.

 

6.11.19

Não vou citar a Sofia...

Não vou citar a Sofia, com ou sem /ph/, nem vou procurar a máscara que melhor convenha à poesia, vou (in)disciplinadamente cumprir mais um dia…

Nem no muro vou abrir qualquer fenda… Basta caminhar na rua, em qualquer rua, para a ver desconsolada, de mãos vazias, ainda adulada por uns tantos corifeus, avessa a que lhe recordem que já cá não está.

No areal, os cavalos sem crinas ao vento galopam desnorteados… e eu sem rédeas, sigo ou fujo não sei se dos mortos se dos vivos. 

Tanto faz, não importa se sigo ou fujo, o importante é que não pare, porque mesmo que o quisesse fazer, a decisão nunca foi dela e muito menos minha.

 

5.11.19

O dia de hoje é de tristeza!

O dia de hoje é de tristeza. O colega Eduardo Pinheiro partiu sem aviso ou, talvez, tenha sido eu que me distraí.

De qualquer modo, o aviso, nesta despedida, também não serviria de nada.

Do Eduardo fica-me a ideia de alguém que acreditava que o ensino pode contribuir para melhorar a condição humana e que por isso se empenhava intensamente mesmo que nem sempre fosse compreendido.

Por vezes, mais vale uma pitada de incompreensão… 

As palmas só confortam quem não segue, por ora… 

 

4.11.19

O milagre dos chumbos

Acabar com os chumbos dá 250 milhões. 

Não se pense que acabar com os chumbos pode custar 250 milhões de euros… É muito mais fácil, decreta-se o adiamento dos chumbos… Sem avaliar o custo!

De qualquer modo, com ou sem chumbos, a evidência do falhanço do sistema de ensino está aí: no parlamento, no conselho de ministros, no ministério da educação, no ministério da saúde… no ministério das finanças…

Em vez de se apostar na reforma do sistema de ensino, adaptando-o às necessidades do século, corta-se...

Mas não segundo a divisa "Inutilia truncat".

 

3.11.19

Com tanta ciência!

Quanto ao aeroporto no Montijo, a escolha desagrada-me. Na amplidão do Alentejo, não deveria ser muito caro construir as pistas necessárias para libertar Lisboa, deixando-nos mais próximos da Europa, de África, das Américas… E depois as aves agradeceriam, creio eu.

Com tanta ciência, parece incrível que esta não tenha peso na decisão. Só o dinheiro ordena! Nem os nefelibatas compreendem tamanha burrice.

 

2.11.19

Jorge de Sena em dia de finados

Talvez porque nascera no dia de finados - faz neste sábado 100 anos - Jorge de Sena terá sentido necessidade de contrariar a lamúria humana… 

(Rezar por rezar que se reze pela vida para que esta seja menos estúpida e tétrica…)

 

De morte natural nunca ninguém morreu.

Não foi para morrer que nós nascemos, 

não foi só para a morte que dos tempos 

chega esse murmúrio cavo,

inconsolado, uivante, estertorado,

desde que anfíbios viemos a uma praia

e quadrúmanos nos erguemos. Não.

Não foi para morrermos que falámos,

que descobrimos a ternura e o fogo,

e a pintura, a escrita, a doce música.

Não foi para morrer que nós sonhámos

ser imortais, ter alma, reviver,

ou que sonhámos deuses que por nós 

fossem mais imortais que sonharíamos.

Não foi. (…)

Jorge de Sena, De morte natural…, 1 de Abril de 1961, Sábado de Aleluia

 

1.11.19

Uma situação educativa insólita


Ontem, um grupo de professores da Estremadura espanhola visitou a Escola Secundária de Camões entre as 21 e as 23 - horas tardias pouco adequadas à visita do edifício, em obras…  Apesar disso, tiveram oportunidade de admirar a frontaria, o Ginásio, a Biblioteca Velha, a BE/CRE e uma sala de aula matricial… quase tudo do Ventura Terra.

O grupo era constituído por professores de Português - língua estrangeira - que se deslocaram a Portugal motivados pela leitura da "A Viagem do Elefante" de José Saramago e, também, com "o objetivo de potenciar relações que permitam estabelecer intercâmbios entre instituições espanholas e portuguesas"...

Não creio que esta visita tenha cumprido os objetivos, porque escolhi uma abordagem cultural, fazendo uma exposição sobre a história dos edifícios escolares, em particular do Liceu Camões, e sobre o sistema de ensino no século XX, conduzindo posteriormente os docentes espanhóis - cansados da viagem e sem jantar - para o 'monobloco' 06 instalado no antigo estacionamento...

E lá chegados foram contemplados com a 'oferta formativa' do presente ano letivo e, sobretudo" com uma seleção de textos de Fernando Pessoa que, recorrendo eu ao velho comentário textual e cultural, os terá deixado com vontade de não voltar tão cedo ao "Camões"... Entretanto, os poucos alunos do 12º ano, turma 3, que se dignaram ir à aula das 22 horas ainda devem estar a pensar no insólito da situação...

De qualquer modo, todos os presentes tiveram oportunidade de "viajar" no "chevrolet" do engenheiro Álvaro de Campos - de Lisboa a Sintra… perto da meia-noite, ao luar/ cada vez menos perto de mim...

 

31 outubro 2019

Álvaro de Campos

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,

Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,

Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco

Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,

Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,

Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,

Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?

Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,

Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.

Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,

Sempre, sempre, sempre,

Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,

Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida..

Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,

Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram.

Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.

Em quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!

Quanto me emprestaram, ai de mim! eu próprio sou!

À esquerda o casebre — sim, o casebre — à beira da estrada.

À direita o campo aberto, com a lua ao longe.

O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,

É agora uma coisa onde estou fechado,

Que só posso conduzir se nele estiver fechado,

Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.

À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.

A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.

Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é feliz.

Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do andar que está em cima

Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho, uma fada real.

Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela da cozinha

No pavimento térreo,

Sou qualquer coisa do príncipe de todo o coração de rapariga,

E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva em que me perdi.

Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os deixa?

Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel emprestado que eu guio?

Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite,

Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,

Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço,

E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,

Acelero...

Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei ao vê-lo sem vê-lo,

À porta do casebre,

O meu coração vazio,

O meu coração insatisfeito,

O meu coração mais humano do que eu, mais exato que a vida.

Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,

Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,

Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,

Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim...

11-5-1928

29.10.19

O Jardim (a escola) de Epicuro

Epicuro (341-270 a.C.) Ateniense, apesar de nascido em Samos. De saúde frágil, suportou 'estoicamente' a dor durante muitos anos.

Em 306, estabeleceu a sua escola filosófica (o Jardim) em Atenas, com o objetivo de promover a philia, a amizade e a felicidade.

Em termos de doutrina, Epicuro nega a providência divina dos estoicos, admitindo a existência de deuses que, no entanto, não se preocupam com o homem. 

Ao contrário da lição corrente, o seu epicurismo nega o deboche por causa do sofrimento que ele acarreta, e a felicidade só existe se for expressão da ausência de paixão e de perturbação, equivalendo à ataraxia interior do filósofo, que, assim, o aproxima dos deuses.

Em termos de vida pública, o epicurista deve viver, escondendo-se.

De destacar que sete mulheres integraram a escola de Epicuro. Só uma era casada; as restantes eram prostitutas que teriam renunciado ao seu ofício, ao converterem-se à filosofia. Na época, o facto de o Jardim acolher mulheres e escravos era escandaloso.

(Bibliografia: Maria Helena U. Prieto, Dicionário de Literatura Grega, Verbo, 2001)

 

27.10.19

A dívida interna

Para frente é que é o caminho! Não faço ideia de quem inventou tal máxima, mas compreendo a intencionalidade. O problema é que os espinhos podem ser muitos e faltar a disposição para os extirpar. 

No discurso político dos últimos dias, assomam as promessas eivadas de uma certa magia que não deixam de me arrepiar. 

Parece que se parte do zero, quando, no ponto de partida, o que está por pagar são milhares de milhões… e a dívida mais preocupante é a interna - vastos sectores profissionais são miseravelmente remunerados, a maior parte dos fornecedores esperam desesperadamente por umas migalhas do orçamento. Sem esquecer que, em nome do aumento do consumo, continua a estimular o endividamento de cada português. Por vezes, é necessário fazer marcha atrás se se quer acertar o passo.

 

26.10.19

O figurino e a ordenança

Há imagens da atualidade que associamos de imediato a imagens antigas, só que o significante verbal esfumou-se. Porém, o significado permaneceu ao longo dos tempos.

Falamos de um soldado ao serviço particular de um oficial.

Entretanto, a pesquisa deu resultado já que a memória não devolvia o significante.

Consta que na Assembleia da República há centenas de ordenanças que, pensava eu, tinham como missão disfarçar a ignorância dos seus senhor (peça desculpa pela medieval ausência da forma feminina e da presença da sintaxe bantu!), mas parece que não é bem assim: o ordenança continua a zelar pelo figurino, a aliviá-lo do peso e a contracenar com ele…

Seja como for, espero que não levem a mal a associação, pressupondo que tenham estado atentos ao empastelamento destes últimos dias… e não há por aqui qualquer remoque aos ordenanças de Belém...

Finalmente, aviso que este post foi escrito sob a influência de um dicionário de Literatura Grega que permanentemente me adverte para a minha ignorância e para o perigo da consequente estupidez.

 

25.10.19

A soma das notas

À verdade da história só se aplica o critério da verosimilhança, porque a matéria da história é de natureza verbal - a realidade pode ser o ponto de partida ou a outra face da moeda, mas sem qualquer compromisso.

Há, todavia, quem insista na anotação do real, como se a soma das notas correspondesse a uma paisagem segmentada no tempo, numa sequência temporal.

O passado, porém, é irrecuperável - um monte de cacos que nem um arqueólogo consegue reconstruir -, uma ânfora perdida no fundo de um galeão destruído por corsários (ou seriam piratas?) ao serviço de Sua Majestade.

A história com maiúscula não existe!

Fiquemo-nos, assim, pelas histórias, se o tempo sobrar. E esse parece ser o maior desafio, o do tempo sobrante… o das histórias que o poderiam preencher, em que a verdade e a mentira litigam entre si...

 

24.10.19

A rua dos trastes

A rua não pode ser uma lixeira para onde se lançam os detritos, os trastes, os filhos, os desadaptados, os desempregados, os estropiados, os delinquentes e os idosos…

A rua das esplanadas e das ciclovias não consegue esconder a pobreza social e cultural que prolifera nas cidades, pretensamente modernas... 

A rua dos trastes, um destes dias, será dos corvos.

MARCHA FÚNEBRE

Com lixo, dinheiro dos outros, e sangue inocente,

Cercada por assassinos, traidores, ladrões (a salvo)

No seu caixão francês, liberalissimamente,

Em carro puxado por uma burra (a do estado) seu alvo,

(…)

Passa para além do mundo, em uma visão desconforme,

A República Democrática Portuguesa.

O Lenine de capote e lenço,

Afonso anti Henriques Costa.

Mas o Diabo espantou-se: aqui entram bandidos

Até certo ponto e dentro de certo limite.

Assassinos, sim, mas com uma certa inteligência.

Ladrões, sim, mas capazes de uma certa bondade.

Agora vocês não trazem quem tivesse tido a decência

De ao menos ter uma vez dito a razão ou verdade.

Fernando Pessoa

 

23.10.19

A sala de aula não é a rua

A sala de aula é, por definição, um espaço social.

Desde o início, as regras devem ser claras, sobretudo as consagradas nos estatutos do aluno e do professor. 

Para professor e aluno, há direitos e deveres específicos, sendo necessário conhecê-los e, se necessário, debatê-los de forma disciplinada...

Em síntese, a relação é tanto mais problemática quanto mais os intervenientes desprezarem o processo de construção de uma relação saudável que visa a consolidação do processo de ensino-aprendizagem...

A sala de aula não é igual a tantos outros espaços sociais, sejam o pátio, a rua ou até o jardim em frente. Por exemplo, a linguagem, os gestos, o tom de voz obedecem a regras específicas que é preciso aprender - tanto professor como aluno.

Aprender pressupõe formação e, neste aspeto, há muito que o Ministério da Educação descurou as chamadas "ciências da educação" - para não lhes chamar 'pedagógicas' - e há muito que as famílias, ao questionarem o modelo de educação, se deixaram cair no 'deixa andar' ou, em alternativa, na constante desautorização dos professores.

(Este apontamento resulta da informação diária de que está na moda agredir alunos e professores.)

 

20.10.19

A vida

'Caem folhas secas no chão irregularmente,
Mas o facto é que sempre é outono no outono,
E o inverno vem depois fatalmente,
E há só um caminho para a vida, que é a vida...
'
Álvaro de Campos, A Passagem das Horas

No Facebook, ainda há almas sensíveis atentas à passagem das estações que, acima de qualquer outro valor, colocam a Vida, até porque o Sol regressa todos os dias, mesmo se oculto.

A mensagem de vida é constante na poesia de Fernando Pessoa - para além da vida, Nada, só a Vida...

 

19.10.19

A casa ibérica

Barcelona out 2019

A metáfora atrai e chega a entusiasmar os iberistas que acreditam que a Ibéria deveria ser um espaço de acolhimento de todas as culturas que nela tentaram desabrochar ao longo dos séculos…

O problema é que neste espaço foram sendo erguidos demasiados castelos que foi necessário defender e assaltar de armas na mão… 

Na Ibéria, o cavaleiro e o monge preferiram sempre a cruzada - a conquista. 

Na Ibéria, dos fracos não reza a história, mesmo quando estes possam ser maioria.

Na Ibéria, o espírito democrático nunca prevaleceu. Muito menos, a ideia de uma casa federada.

 

18.10.19

Talvez não

Em descanso e desinteressado? Talvez não.  

Olhar de desilusão? Talvez não.

Desleixado? Talvez não.

De facto, nem ela, a estátua, conhece a razão por que se encontra naquele largo...

Nem eu sei por que razão ela chama a minha atenção.

Sinto! 

Como se fosse possível dizer o que sinto! Como se houvesse alguma relação do sentimento com a sensação!

Contentar-me-ia se pudesse voltar a olhar a estátua escondida num recanto de agosto - mais do que olhar é já perversão...

Talvez não.

 

17.10.19

Falam-te de água...

Basta uma palavra, inesperada, para nos fazer saltar...
Por exemplo, 'trinfar'...

Falam-te de água as
andorinhas no trinfar dos beirais

cedo te falarão de mim
ainda que não saiba quando a
próxima primavera
António Souto, O Milagre do Entardecer, circularidade, Onyva, 2019

Sim, 'trinfar' existe: 'soltar a voz' (falando-se da andorinha).…  

E assim o leitor procura as águas dos beirais, que anunciam a migração, ao entardecer, na expectativa, que haja regresso da fala, sempre primaveril, bucólica.

… haja regresso da poesia do António Souto.

Por agora, a chuva cai dos beirais e fala-nos do milagre do anoitecer...

 

16.10.19

Neste dia

Maria Antonieta foi julgada, condenada por traição, e guilhotinada em 16 de outubro de 1793. Já lá vão 226 anos. O edifício do Liceu Camões foi inaugurado em 16 de outubro de 1910. A desejada reabilitação está em curso lento, com ou sem nevoeiro...

. Este que aqui escreve veio ao mundo, com bastante dificuldade e alguma dor, no dia 16 de outubro de 1954, pelas 6 horas da manhã. Talvez seja esse o motivo por que gosta de se levantar cedo...

Presentemente, sente-se mais próximo do edifício projetado pelo Ventura Terra do que da Maria Antonieta pois, apesar de tudo, prefere submeter-se a algumas obras de conservação a imaginar a cabeça a separar-se do pescoço. Enfim, há quem diga que hoje tem início uma nova vida, mas não me parece. Talvez, alguns descontos aqui e ali… sem regresso ao ponto de partida, e já distante do tempo da caruma.

 

15.10.19

Escrever

Há quem escreva porque tem muito para dizer e procure dizê-lo de vários modos, uns mais tradicionais, outros mais audaciosos. No entanto, muitas vezes, a audácia é filha da preguiça de quem não quer fazer o caminho antigo… Dir-se-ia que o disparate compensa…

Dizer muito ou pouco nada adianta, porque já só interessa não o que é dito, mas o que se deseja no momento, e o desejo não respeita qualquer tradição, qualquer moral… nem pode mesmo ser confundido com o cio, pois este costuma ser sazonal.

Forçado a fugir do caminho antigo, eu já só escrevo porque nada há para dizer, no sentido do interdito.

 

13.10.19

Por maior que seja a dor

« Il y a quelque chose de vrai quand je dis que tout bien, et même toutes les créatures, sont par rapport à Dieu moins qu'une fève comparée au monde entier. C'est pourquoi, si j'étais un homme bon et avisé, je devrais à juste titre renoncer à prier Dieu qu'il me donne la santé. » Maître Eckart (1260-1328), La Divine Consolation

Eu que, só por distração, peço qualquer coisa, começo a apreciar a teologia de Maître Eckart. Nunca me passou pela cabeça que, devido à minha incapacidade de aceitar a existência de Deus, viesse a reconhecer que um mundo sem Criador fosse absurdo… A questão para Maître Eckart colocava-se de um modo distinto - se havia criaturas tinha que haver criador. E esse criador tudo definira no tempo da criação… À criatura, por maior que seja a dor, só resta agradecer os momentos em que ela se ausenta.
No essencial, a minha incompreensão nunca teve nada a ver com o Criador, mas, sim, com o Deus de dor (Cristo / o Filho) a que me deveria submeter. A consolação não passa pela submissão.

A consolação é um modo de aceitação, em que, apesar de grão (fève), disponho de um certo número de oportunidades e, sobretudo, a oportunidade de não cortar as pernas às criaturas, minhas vizinhas.

 

12.10.19

À sombra da NATO, a Turquia

Rojava (o Curdistão sírio ou Curdistão ocidental) está sob ataque militar de um membro da NATO - a Turquia.

Rojava localiza-se a oeste do rio Tibre ao longo da fronteira turca. A sua população é constituída por curdos, árabes, assírios, turcomanos, arménios e circassianos…

A Turquia com este último ataque, em nome da defesa da fronteira turca, visa impedir a aproximação de Rojava do Curdistão turco (ou Curdistão do norte), isto é, impedir por todos os meios o reforço dos laços culturais entre os curdos e, através da eliminação física programada, dissuadi-los de qualquer projeto autonómico.

E a NATO, o que faz? Nada.

 

10.10.19

A bandeira da Guiné-Bissau incomoda

«Uma das coisas necessárias é desfazermo-nos de todos os elementos do passado que possam pesar sobre a nossa delineação cultural. Devem desaparecer as colónias portuguesas. As colónias portuguesas são uma tradição inútil. Nós não temos o direito de ter colónias. Na nossa mão, elas não nos servem, não servem aos outros, e pesam sobre nós, alimentando uma tradição funesta, que foi bela enquanto foi glória inútil, porque foi glória; mas tendo deixado de ser glória, ficou sendo inutilidade apenas.
Que o imperialismo seja a nossa tradição; e não o imperialismo colonialista e dominador!»
Fernando Pessoa

Uma bandeira está a provocar uma reação idiota que, só o não é, de facto, porque a mentalidade imperialista colonialista, que deveria ter cessado há muito, persiste. 

 

9.10.19

A idiotia cansa

A facilidade com que se atira a primeira pedra é assustadora. Esta constatação vem na sequência de uma ideia inacabada que poderia resumir a tentativa de sintetizar uma atitude comum de quem, não sendo capaz de se compreender o objeto artístico, se atira ao criador, classificando-o como degenerado ou irremediavelmente louco.

A análise metódica e a ponderação andam totalmente arredadas da formulação do juízo - pedra solta da calçada, pronta a ser arremessada…

Por maior que seja a condescendência, a idiotia cansa, sobretudo quando esta se manifesta a todo o instante, prazenteira e desafiadora.

 

7.10.19

Sem esquecer os 'ricos'...

A expectativa era baixa… O masoquismo nacional persiste, com laivos de sadismo.
Sem esquecer os 'ricos' que não foram votar, porque, há muito, fogem aos impostos…

As cenas dos próximos capítulos são previsíveis: muita ronha, muita chantagem e, sobretudo, barulho… 

 

6.10.19

Hoje, fazer é dizer!

Dire c'est faire! (O. Ducrot)

Hoje, fazer é dizer! 

Nem que seja por aqueles que lutaram e já não o podem fazer...

 

4.10.19

Só nos resta meditar...

São 4599 os candidatos. 230 as cadeiras, a maioria já reservada… 

Apesar desta certeza, a ansiedade continua hoje a ser dramatizada, ao ponto de o eleitor ter sido convidado a guardar silêncio na véspera da decisão popular, dia da República… e dos professores, outrora essenciais à formação do cidadão republicano, e caídos em desgraça nestes últimos anos…

Um sábado em que o último "pai" desta democracia, o Professor Freitas do Amaral, vai a enterrar, e em que o Professor e Poeta José Tolentino de Mendonça é elevado a Cardeal.

Só nos resta meditar… se o Professor Rebelo de Sousa deixar…

(Aposto que o bichano, apesar de pouco familiarizado com os monoblocos) não vai perder a oportunidade de se aproximar da urna.)

 

 

3.10.19

Agora é tarde!

Passaram por cá, trabalharam incansavelmente… 

Incompreendidos, foram vilipendiados, esquecidos… e agora não há lagartixa que não deite a cabecinha de fora para um último elogio...

Agora, na hora da morte de Freitas do Amaral (1941-2019).

Agora é tarde, porque quem perdeu foi o país que preferiu a mediocridade e a vilania ao estudo, ao rigor, à seriedade.

 

1.10.19

4599

Sem imagem, não há leitor. O tempo é de voyeurs… de mirones, caso o galicismo incomode. Perdoe-se o hispanismo!

Mesmo que não haja interioridade, há o jogo. Não é que se vá a jogo, mas há o gosto em espreitar o jogo alheio…

Na retina, o voyeur é um bisbilhoteiro debruçado sobre o tabuleiro, candidato a batoteiro. 

Por estes dias, os candidatos são 4599.

 

29.9.19

A pagela

À porta do Centro Comercial da Portela, por volta das onze horas, recebi um desdobrável com as caras de santinhas e de santinhos que anseiam pelo meu voto… 

Logo pensei na palavra «pagela», tendo tido a ideia de a escarrapachar numa mensagem… No entanto, desisti. 

Lembrei-me, a tempo, das decisões conciliares dos anos 60, apesar de ter ouvido o mordomo da arruada incentivar os camaradas a deslocarem-se para a porta das igrejas - Campo Grande e arredores - neste esplendoroso dia do Senhor.

 

27.9.19

Tudo o que queiram imaginar

"Isto" é tudo o que queiram imaginar… 

A definição é absurda, pois centra-se na ausência do nome, na ausência das coisas. O indefinido campeia não se sabe ao certo onde, ainda se fosse Deus, Ele andaria por perto e nós não teríamos razões para desabafar…Sobretudo, se vivêssemos despegados e despojados das coisas efémeras. Com Deus, seríamos eternos, verdadeiros, justos e bons… porque partilharíamos da sua bondade, da sua verdade e da sua justiça… 

Se estivéssemos com Deus, n'Ele encontraríamos a consolação, a misericórdia, em vez da desolação e da descrença…

"Isto" não é maneira de iniciar uma relação e muito menos uma conversação, mesmo que o Poeta se tenha deixado deslumbrar pelos boatos que ele próprio lançara.

 

26.9.19

Subertúgios reinóis

Uma coisa é saber, outra é ser conivente. No exercício de certos cargos políticos, quando se dispõe de todas as ferramentas, é um crime não saber. 

No topo da hierarquia, não pode haver ocultação da informação. Se tal acontece, é porque há traição… e como tal, é necessário agir contra os traidores…

Do que vou ouvindo e lendo, parece que o principal problema é a falta de carácter. As demissões nunca são impostas, resultam sempre de razões pessoais que, como se sabe, são subterfúgios para iludir o vilão, na aceção medieval do termo.

 

24.9.19

À noite, ainda há almas...

Ainda não determinei a cor da chuva e ela, por aqui, tem sido tão pouca… O outono já chegou, cinzento ou, talvez, mais grisalho, só que, à noite, a cor do outono torna-se indistinta… 

Perguntam-me pela mudança - da manhã para a noite - e não sei bem o que responder, embora a luz noturna seja baça, o ruido sufocado e as almas ainda povoem as sombras…

As almas! Acabo de perceber que, à noite, ainda há almas que parecem procurar um rumo, sem, no entanto, terem tido qualquer notícia das calhas de outrora - da nora que jaz no quintal.

 

21.9.19

A cor da chuva

Às 8 da manhã, apanho o elevador, ainda com a ideia de que este não é seguro, mas que fazer quando se vive no 12º andar. Chego à rua, não chove, mas nas floreiras há gotículas da hora anterior e, de súbito, penso na cor, que não é de Sol. Será que a chuva tem cor?

Incompetente em questões de cor, como em tantas outras, fico a pensar nos jesuítas que já não querem salvar as almas. Agora o que importa é salvar o planeta, começando por sacralizar a vaca e eliminar o touro. Talvez, ainda haja lugar para o boi manso… há sempre um tasco, à porta da cantina universitária, ávido de vender um suculento naco de carne!

O melhor é desligar antes que proíbam a Internet. Vou sentar-me a ler um livrinho cujo título é apelativo - La Divine Consolation - escrito por Maître Eckhart (1260-1328). Talvez ele me possa ajudar a compreender de que cor é a chuva.

 

20.9.19

O valor dos homens na Rússia do Imperador Alexandre I

« L’Empereur a fait le Prince Kutusoff Maréchal, et lui a donné 100.000 roubles ; sa femme a reçu le portrait, c'est de part et d'autre le nec plus ultra des honneurs. L'empereur a donné plus de 100.000 roubles au Prince Bagration et 5 roubles à chaque soldat qui a combattu à Borodino. » Joseph de Maistre, Lettre à A. M. Le Comte de Front, Saint-Pétersbourg, 2(14) septembre 1812

Naquele tempo, um marechal valia 20000 soldados… a mulher do marechal tinha direito a retrato na galeria imperial… E um soldado, o que é que fazia com 5 rublos? Bebia-os.

E hoje, qual é a proporção, mesmo sem Napoleão?

 

17.9.19

Espero não ter de lá voltar

Não é que tenha grande significado, mas há um calendário a que nos habituamos e que, em certos casos, rege as nossas vidas. O calendário escolar, por exemplo.

Por estes dias, tem início um novo ano letivo, eu, porém, estou com a sensação de que o ano letivo de 2018-2019 só terminou hoje por volta das 13 horas.
O recuo no tempo é fisicamente impossível. Espero, contudo, não ter de lá voltar.

 

16.9.19

Precipitação

Por bastante tempo, convenci-me que Joseph de Maistre e (François) Xavier de Maistre eram a mesma pessoa… que Chambéry era um lugar da Saboia, quando, afinal, à época, a Saboia fazia parte do reino da Sardenha, com a capital em Turim… que quem escrevera du "Pape"… e "Voyage autour de ma Chambre" era a mesma personalidade… 

Afinal, Joseph e François eram irmãos, ambos ligados à Rússia, mas com histórias de vida bem distintas.

Joseph nasceu em 1753 em Chambéry e faleceu em Turim em 1821. O irmão, François, nasceu em Chambéry em 1763 e faleceu em 1852, em São Petersburgo.
Não é só a memória que nos atraiçoa. A pressa com que lemos e observamos o que nos cerca, precipita-nos no erro sem que, na maior parte das vezes, possamos corrigir a nossa perceção, quanto mais a daqueles, que, de algum modo, influenciamos.

 

13.9.19

Cuidado!

Cuidado com os Simuladores! (CGA, Segurança Social, Bancos…)

Ninguém sabe quem é que introduziu os dados nem se são verdadeiros.. Nem em que data foram introduzidos, num quadro legislativo em permanente mudança… E depois há a velha preguiça de quem toma a decisão final!

Estes simuladores que têm vida própria podem dar cabo da vida - a verdadeira - de muita gente com grande proveito. Resta saber para quem…

Atrevo-me a questionar a inteligência e o anonimato dos Simuladores, porque vou ouvindo cálculos de pensões muito diferentes para pessoas do «nosso tempo», com carreiras contributivas muito semelhantes, mas com valores finais muito distintos.

 

10.9.19

Só o mar...

Já nada é insignificante. 

Tudo é mais do que parece…

Quem cumpre é facilmente acusado, mesmo que seja sempre bem-educado…

É preciso caminhar com um olho no peixe outro no gato…

(E procurar não subir às cegas a árvore-ouriço.)

Ser equidistante é tramado,

pois todos sabem para que lado anda o rabo alçado.

Um destes dias, o sangue descerá a Avenida e só o mar lhe atalhará o passo.

 

6.9.19

Resposta a um jovem inquieto

Lembro-me do professor responder “Não, o sentimento é sempre o mesmo. A “tristeza” é a “tristeza.”” Acontece que dou por mim a ler livros onde, por exemplo, a palavra “soturnidade” é usada em detrimento da palavra “tristeza” e tenho a perceção que por isso não consigo perceber o livro da mesma maneira. Julgo que seja uma tristeza que eu não tenha vivido, e por isso se encontre escrito com uma palavra mais “colorida”. Só que isto parece reforçar a ideia de que esta “tristeza” não é a tristeza e que existem vários tipos de tristeza… (de um jovem inquieto)

 

O modo como exprimimos o sentimento é que varia… Sentimos antes da representação, verbal ou outra. E essa representação é que é determinada pelo objetivo que queremos atingir…  Ao anunciarmos que o sentimento foi de "tristeza" ou de "soturnidade", já estamos a pensar num efeito mais genérico ou mais sensorial… 

A sinonímia ajuda-nos a tipificar sensações, a graduá-las segundo conveniências, por vezes, inconfessáveis.

Na verdade, nós não lemos sensações, esforçamo-nos por interpretar representações, verbais ou outras, de alguém que tem o poder de nos enganar. 

 

5.9.19

A história de uma cor

Não sei se este meu amigo gosta da cor verde, mas, depois de sair da Estufa Fria, entrei na Livraria Francesa, e dei de caras com um livrinho de Michel Pastoureau, Vert, Histoire d'une Couleur… 

Pensei, talvez este meu amigo goste mais do azul ou, até, do amarelo, de qualquer modo ainda vai a tempo de ensaiar uma ou mais crónicas sobre o efeito da cor na vida do ser humano…
Entretanto, enquanto não recebe o livrinho, este meu amigo pode começar a alinhavar umas tantas memórias e a ordená-las de modo a criar um efeito de surpresa no futuro leitor.
E, claro, o editor pode começar as esfregar as mãos, ele que tanto valoriza a cor...

 

4.9.19

Da impiedade

« Ce ne fut donc que dans la première moitié du XVIII è siècle que l'impitié devint réellement une puissance. » Joseph de Maistre, in Essai sur le principe générateur des constitutions politiques

Na minha abordagem, a impiedade não é traço de qualquer programa. É, apenas, a expressão irónica de rejeição da sabujice que vai alastrando… 

Está na moda publicar listas de todo o tipo de objetos e de pessoas. O objetivo, no primeiro caso, é mercantil e, no segundo, é devassar…

Por exemplo, pela enésima vez, é publicada a lista das pensões vitalícias, sendo os seus beneficiários julgados na praça pública, como se delas se tivessem apropriado ao arrepio da Lei...

Estou em crer que quem as recebe as terá merecido ao prestar um serviço publico por nós solicitado… 

Se houve apropriação indevida, não sei... De qualquer modo, não me parece razão suficiente para que o jurista André Ventura faça uma vigília à porta do Tribunal Constitucional, mesmo que alguns membros do mesmo tenham beneficiado de tal prorrogativa...
Esta estratégia não passa de um modo de nos atirar poeira nos olhos em tempo de campanha eleitoral.

 

1.9.19

O interior

Até tem uma certa beleza, ígnea.

Uma beleza que tudo envolve, indiferente à mão humana…

Se nela nos perdermos, ela enlear-nos-á como se lhe pertencêssemos, como se fossemos o ouro inicial...

De regresso a um tempo anterior, ígneo, onde

nunca houve poeta, nem biblioteca, nem cardeal...

No palácio, o presidente já sonha que o poeta seja eleito pontífice...

Até tem uma certa beleza, ígnea, o interior - sem remorso.

 

Em setembro

Dormi mal, às voltas com um velho sofá, preocupado com as medidas - talvez não caiba no elevador!

Em setembro, regressa o sofá que, agora, alguém quer trocar por 'um bacalhau assado no forno' ou, talvez, gratinado...

Mas o problema de setembro não é o sofá, mas, sim, a dificuldade em libertar o presente do passado - estas horas já tão esfíngicas...

E a propósito de setembro, está na hora de voltar aos figos de outras idades - sem qualquer espécie de nostalgia, até porque a canícula derretia as juvenis esperanças de sono eterno.

 

31.8.19

A CASA

« Vous croyez être un édifice, vous n'êtes que des pierres. » Joseph de Maistre, in Contre la Grèce et les Églises séparées

Joseph de Maistre tinha horror do individualismo. Acusava-o de soberba e de gratuidade. Nada mais absurdo do que um protestante que, apenas, existe para destruir… 

Por estes dias, só vejo pedras, cada uma com o seu projeto de edifício, mesmo que isso signifique destruir a CASA …

 

29.8.19

Problemas

Problemas não faltam. Todos os temos. Alguns têm solução, outros, não. Óbvio!

O mais frequente parece ser o da falta de educação dos governantes e por aí abaixo...

Hoje, acordei com um problema de pontuação. Por mais que me esforce, saio quase sempre na paragem errada.

Estou em crer que a causa do meu problema é o excesso de peso. Lá dizia o doutor: «ao menino para engordar basta uma corrente de ar», sem pausa na assopradela...

 

28.8.19

Que mais?

Quando a perceção é desequilibrada, a razão desliga; só a vontade tudo atropela.

A vontade de ter. A vontade de ser.

No melhor dos casos, os outros são áulicos. No pior, são vítimas. 

 

25.8.19

Uma ideia sem futuro

« Une idée nette est une idée sans lendemain. » E. M. Cioran

Felizmente que com a idade, as ideias se tornam raras e, sobretudo, pouco claras...Caso contrário, pensar seria um desperdício. 

Aposto que por estes dias, uma foto, mesmo que pouco nítida, desperta muito mais atenção… e não necessita de ser necrótica.

 

23.8.19

De regresso ao português

Já deixei atrás um apontamento sobre o capitão que só falava alemão. Em Hamburgo, é extremamente difícil comprar uma revista ou um jornal em inglês ou em francês. Só, ontem, consegui, já no aeroporto, comprar o LE MONDE… Nas caixas das galerias comerciais, na restauração, mesmo que digas que não compreendes, continuam a fazer perguntas e a dar explicações em alemão… 

No regresso, excecionalmente, encontrámos um taxista iraniano que se preocupava em saber qual era a origem dos passageiros e que, durante o percurso, descobriu uma aplicação em português para se identificar e, sobretudo, para vincar que a mãe era arménia, talvez porque eu lhe dissera que o "Irão era um grande país"... No entanto, este cidadão do mundo nem sabia que Portugal existe e que, quando nos descobriu no mapa, logo quis saber se eramos cristãos… Desisti de lhe explicar que há mil anos havia por cá muitos árabes...

No aeroporto, nos controlos rigorosos, ninguém explicou as situações por que íamos passando e, principalmente, que íamos viajar na AIR LAUDA, ao serviço da Ryanair, com uma tripulação austríaca (?) e que os lugares, pagos antecipadamente, poderiam ser ocupados por um casal teutónico, cujo macho se revelou irremovível… À volta, tudo era tedesco!

 

21.8.19

O capitão que só falava alemão

A navegação era de uma hora no lago Alster, Hamburg… 

A paisagem deslumbrante, a linha de terra rica, os desportos de vela dominavam… só o capitão narrava divertido algo que me pareceu ser sobre o custo dos imóveis que se alinhavam em torno da toalha de água. Vislumbrei por instantes a Casa Branca com bandeira americana, mas não percebi o que é que os americanos faziam por ali… depois de terem destruído uma boa parte da cidade e do porto de Hamburgo em 1943 e 1944.

Alguns passageiros sorriam dos dizeres do capitão… os restantes, orelha murcha, nada entenderam, embora eu tenha pensado que aquele capitão tinha uma segunda profissão - agente imobiliário.

 

19.8.19

Hamburgo

Chuva no sábado e no domingo, apesar de não ser muito intensa. Temperatura agradável para quem não tem o 'termostato' avariado, o que se pode tornar numa carga de trabalhos...

Hoje, o sol fez a sua aparição logo pela manhã, mas sem grande convicção.

As ruas são enormes, lateralmente fechadas, provavelmente para evitar os corredores de vento… não creio que corram todas para o rio, com sinais de opulência pós-guerra, e desvairadas gentes, como diria o Fernão Lopes. No caso, as gentes tanto são múltiplas, diferentes, como dão sinais de degradação social e, sobretudo, pessoal… 

Ainda não compreendi se existe um grande projeto, mas a verdade é que a cidade está transformada num enorme estaleiro.

 

 

17.8.19

A prova

A prova que faltava da minha vontade de visitar a Susana em Hamburgo. Durante 16 dias li A Montanha Mágica e ao 17º aterrei num lugar um pouco cinzento… e húmido. 

Amanhã, ver-se-á.

 

16.8.19

Terminei a viagem à Montanha

Chegado a Agosto, tinha a clara intenção de ler A Montanha Mágica de Thomas Mann. A edição da Dom Quixote pesa mil e 100 gramas, e a letra é pequeníssima - mais uma dificuldade! (1.08-2019)

 

A 16.08.2019, terminei a leitura. Não me sinto defraudado, apesar das minhas expetativas românticas não se terem realizado.

Hans Castorp passou 7 anos no Sanatório, desprendendo-se do Tempo e da Planície e, quando parecia que por lá continuaria, a política internacional despertou-o para uma guerra que fora arduamente antecipada por Settembrini e Naphta, cujo antagonismo descambara em inevitável irracionalidade… que se desenvolveu no solo europeu de 28.7.2014 - 11.11.1918...

 

Por AQUI

Por AQUI se pode aferir que o grau zero da leitura é possível. As alternativas são imensas, nem sei mesmo se a leitura ainda é considerada 'alternativa' em certos meios...

Não querendo contrariar a tendência, meti-me, no entanto, a caminhar pela 'Montanha Mágica' e estou a chegar ao fim da estadia. Ainda não sei porque é que a dita é 'mágica', apesar da escrita ser fascinante…

 

15.8.19

Entretanto

Entretanto, Clawdia partiu sem explicações ao leitor, pelo menos até à página 787...  Quem regressou foi o fantasma de Joachim, a solicitação do primo Hans durante uma sessão espírita... 

O Sanatório parece ter caído nas mãos do doutor Krokowski e estar 'presentemente' dominado pela irracionalidade que, na perspetiva de Settembrini, também alastra rapidamente na planície.... 

A música passou a ser o único porto de abrigo de Hans Castorp, o que revela um afastamento cada vez maior da realidade... da passagem do tempo social...

 

14.8.19

Por este andar...

Por este andar, vou deixar de rabiscar.

Diga-se, de passagem, que o verbo me parece duvidoso, mas que fazer nestes tempos de puritanismo filisteu!

A razão é objetiva - não consigo sair da 'Montanha' e já percorri o caminho até ao misterioso suicídio de Pieter Peeperkorn, 'personalidade' de grande 'envergadura'.... Isto há cada apelido!

A três dias de partir para Hamburgo, sinto-me ansioso por saber se Hans Castorp, acompanhado de Clawdia Chauchat, terá regressado à planície, à cidade do norte da Alemanha de onde saíra, já não se sabe há quanto tempo - lugar onde, para todos os efeitos, já teria sido esquecido...

No entanto, há sempre uma outra hipótese: Wehsal assassina a Beatriz de Hans. Vamos ver se chego a tempo.

 

12.8.19

De regresso

Ontem, nem sequer cheguei a entrar na 'Montanha', lembro agora, o que me deixa pesaroso, como se a ficção fosse mais interessante do que as filas para atestar o depósito de gasolina. Eu, que raramente o faço, lá me sujeitei ao ritual deste último domingo, em vez de entrar num qualquer templo religioso como mandaria a boa educação…

De regresso à 'Montanha' e a casa, avancei, entretanto, até à página 610, por entre debates fervorosos de Naphta e de Settembrini sobre a natureza das ações do homem ao longo dos séculos - obscurantista e iluminada - sem que Hans Castorp se disponibilize a favorecer um dos seus mentores… posto que tal lhe inviabilizaria, por exemplo, a experiência alucinatória vivida durante um nevão.

De significativo, no VI capítulo, o retorno e a morte plangente tenente Joachim, sem que o patético deixe de nos convidar à gargalhada nos momentos mais solenes:
«A senhora Stohr chorou com entusiasmo perante a transformação que o corpo de Joachim exibia:

- Um herói! Um herói! - gritava sem parar, enquanto pedia insistentemente que tocassem a «Erótica» de Beethovem na hora do enterro.»

 

 

10.8.19

Se não tivesse entrado nesta Montanha

Por aqui, o vento sopra forte. Na Montanha, há imensas páginas em que não há referência ao estado do tempo - e já vou na página 520. Talvez a ventania tenha um efeito benéfico no avanço da leitura! 

Assisto a um debate intensíssimo sobre a religião e a racionalidade humanista, protagonizado, respetivamente pelo jesuíta Napta e o já apresentado italiano Settembrini, atirando o protagonista Hans Castorp para o lugar do aprendiz dos mistérios da vida e da morte, do espírito e do corpo… da eternidade e do tempo… 

Da leitura fica-me a convicção de que, afinal, a disciplina a que fui submetido durante a adolescência foi ministrada por jesuítas, mesmo que não estivessem conscientes da essência do seu ministério… Não era só o edifício que fora construído de acordo com a regra de Santo Inácio… também as camaratas obedeciam ao princípio da organização em "divisões" militares - lembro-me que pertencia à camarata de São Condestável… e depois havia as refeições em silêncio cortado pela leitura de excertos bíblicos, sem esquecer as deslocações em fila para todos os atos diários… 

No entanto, publicamente, não me lembro de ter ouvido uma única palavra sobre esta 'diabólica' doutrina…

Se não tivesse entrado nesta Montanha, talvez não tivesse chegado a esta conclusão.

 

9.8.19

A temperatura

Nem sei por que motivo um Pardal interferiu na leitura da Montanha. Lá não se ouvem as aves do Céu nem da Terra, pelo menos até à página 414... e por aqui, há uns tantos pardais, comilões, mas inofensivos…

Por lá, as matérias perigosas são de natureza fisiológica e cada um carrega as suas, e quando o trenó entra em ação é mau sinal - é mais um corpo que é levado de forma sigilosa e definitiva.

Por aqui, o tempo mudou, desrespeitando o verão ou, talvez, a mudança seja apenas para baixar a temperatura, coisa que lá em cima se afigura difícil, infelizmente…

 

8.8.19

Anda um Pardal à solta

Um olhar despreconceituado, isso existe? Sobre a matéria, talvez, mas sobre o tempo?

A epígrafe é frágil, porém não tem incomodado, mas essa é outra questão.

 

Em muitas situações, o tempo nem sequer é nosso. Não temos o mínimo de liberdade para o gerir, quanto mais avaliá-lo de forma isenta.

As horas são determinadas pelo capricho - forma excessiva, porque previsível - de outrem que acha natural dispor…

E as horas podem ser a vida, mesmo que o outro não seja sempre o mesmo.

Por estes dias, anda um Pardal à solta a impor a sua vontade a milhões de almas, a dar-lhes cabo da vida...

 

7.8.19

Aselha, talvez

«Chegavam mesmo a considerar essa dependência dos livros uma inépcia própria de aselhas. Bastava perfeitamente ter, quando muito, um livro no colo ou sobre a mesa de apoio para sentirem as suas necessidades supridas.» Thomas Mann, A Montanha Mágica, pág. 309, edição D. Quixote

Não desisto de subir a montanha para lhe captar a magia, no entanto não posso deixar de me confrontar com a minha inépcia, apesar de uma vida dedicada à leitura. 

Hoje, por exemplo, comprei 1/2 dúzia de ovos por 2,99 €. Há dois ou três dias, levantei 100€ numa ATM, percebendo agora que paguei + 7 € pelo levantamento…

Entretanto, na Montanha, encontrei uma referência ao Terramoto de 1755, no debate entre a Natureza e o Homem. A única até ao momento - é um pouco como se a Ibéria não existisse, quanto mais Portugal.

Finalmente, à medida que avanço, vou-me interrogando sobre quantos leitores terão chegado ao cume desta obra… o editor diz que esta é 8ª edição, sem referir o número de exemplares…

E ainda me falta descobrir a natureza dos ovos...

 

6.8.19

O tempo de leitura

A Hans Castorp também faltava o fôlego, sobretudo quando decidia desrespeitar a disciplina do Sanatório Internacional Berghoff - afinal, ele não passava de um visitante que, entretanto, apanhara uma constipação, dizia ele, interessado em analisar as múltiplas expressões do 'tempo'.

Este 'também' pressupõe que o leitor o seja de facto, e não apenas alguém que está de passagem. 

Já lá vão sete semanas naquela montanha suíça, e eu só avancei 258 páginas. Hans Castorp acabou por baixar à cama para conter o sopro pulmonar e, principalmente, o rubor que lhe assaltava o rosto, já que não conseguia descer dos 37,7º, ficando à mercê do enigmático Behrens...

A vida na montanha decorre para uns como antecâmara da morte e, para outros, quase como estância turística. De notável, os diálogos entre Hans Castorp e o italiano Settembrini…
(…)

Por aqui, junto ao mar, o tempo de leitura parece ser o de quem lentamente sobe a montanha… Há horas em que o vento incomoda, mas nunca neva...e a salada algarvia surpreende.

 

4.8.19

Hans Castorp

Vou titular este post com o nome do protagonista - Hans Castorp para que percebam que não fui eu que subi à montanha. Agora, encontra-se na sala de jantar, pela terceira vez no mesmo dia. Muito se come naquele sanatório!

Eu encontro-me muito mais a sul, num país do Sul, a apanhar sol forçado, pois detesto areia e calor. Nos intervalos, sigo Hans Castorp, apesar de, hoje, na praia da Torralta, ter sentido inveja de Thomas Mann - ele não teria perdido a oportunidade de relatar o cavaco daqueles dois «amigos» que, de pé, e ao sol, falaram de tudo durante mais de duas horas… A mim, falta-me o fôlego… 

 

3.8.19

No Sanatório

Já viajei de Hamburgo a Davos. Agora, encontro-me no Sanatório, rodeado de criaturas debilitadas para quem o tempo se mede por parâmetros distintos dos meus… Ainda defendo que me encontro de perfeita saúde, apesar da anemia que me vai esverdeando… Começo, no entanto, a duvidar se as três semanas que reservei para esta viagem serão suficientes, mas nada mais posso acrescentar, exceto que… Fica para outro dia!

 

1.8.19

A Montanha

«Entrei em julho muito cansado, a precisar não sei bem do quê, pois nos meses de julho e de agosto sempre me vi em trabalhos inesperados.» 5.07.2019

E este julho não fugiu à tradição. Mais não posso dizer. Não sei se se trata de maldição!

Chegado a Agosto, tenho uma clara intenção: Ler A Montanha Mágica de Thomas Mann. A edição da Dom Quixote pesa mil e 100 gramas, e a letra é pequeníssima - mais uma dificuldade! 

Quanto ao trabalho, desta vez, é procurado e sinto que não posso perder esta oportunidade… 

No fim, se lá chegar, veremos se a "montanha" é "mágica"...

 

31.7.19

Os abençoados fiéis

Só por ironia é que estes fiéis são abençoados, pois nem nome de igreja têm. Os nomes são de casa ou de vizinhança - e são emblemáticos como não poderia deixar de acontecer em meios pequenos. Alferce lembra-me a minha aldeia em que cada fogo abrigava uma linhagem de proezas, constantemente rebaixadas pelos vizinhos… É certo que lá não havia uma bruxa do calibre da Corte da Pomba, mas havia umas bruxinhas capazes por o Demo em sentido, quanto mais o 'abade' itinerante, pois os indígenas andavam por terras mais férteis, de preferência na capital ou nas redondezas…

A composição de António Manuel Venda revela-se coesa, porque as ações de cada 'individualidade' se enredam de tal modo que o leitor consegue progressivamente recriar aquele espaço algarvio nos seus constituintes mais genuínos, a começar pelo decantar da língua, ficando com vontade de o procurar numa das próximas viagens, mesmo que pressinta que uma parte só a leitura no-la faculta…

 

29.7.19

Para fugir da redundância

No beco… sem saída.

A ideia que fica é que não é possível voltar para trás, fazer inversão de marcha. De qualquer modo, para esclarecer a redundância, é necessário identificar o sujeito da ação. Desde que o sujeito seja outro, que não o próprio, tudo parece possível.

Tudo o que caminha vai e volta ou, pelo menos, acreditamos que sim. Só o próprio é que caminha, o mais lentamente possível, até bater na parede, na meia-noite da Sintra pessoana - a tal inevitável metáfora do chevrolet, que ainda não entendemos que é nome de todas as figuras. 

 

28.7.19

No beco

Ao balcão, a senhora abre a mala. O lojista pergunta-lhe: - Quer alguma coisa? Ela, hesitante, responde: Sim, mas não sei o quê?

Paciente, ele diz: - Talvez um maço de tabaco! 

Ela confirma, mas parece perdida. Não compreende que deve pagar 4.90 € pelo tabaco ou, talvez, quisesse comprar O Sol… sem pombos!

Entretanto, afastei-me. Percebi que para o vendedor a situação não era insólita… e pensei que entrar no beco era isso, mas sem saber.

 

27.7.19

Saber viver com os achaques

« L’important n'est pas de guérir, mais de bien vivre avec ses mau. » Palavras do abade Galiani a Mme. de Épinay

Num tempo em que a cura é o primeiro objetivo de novos e velhos, e é prometida e vendida por mercadores de todo o tipo, as palavras do abade-economista fazem todo o sentido, mesmo se as das Épinay de hoje reduzem tudo ao ginásio e à farmácia…

Conhecer as limitações, não se deixar dominar por elas, testá-las é, afinal, o caminho… e, sobretudo, não acreditar em milagres de qualquer natureza - pensamento proibido a um abade!

E aproveitar o que se nos atravessa no caminho. Neste caso, por atalhos de David Mourão-Ferreira e de André Gide, voltei ao século XVIII, mesmo que seja mais fácil bater à porta de Mme. de Épinay do que de Ferdinando Galiano (1728-1787), autor de Della Monetta, 1750; Dialogues sur le commerce des bleds, 1770; Doveri del principe neutrali, 1782.

 

24.7.19

Desta vez, a prova 639...

Desta vez, na prova de Português (639, 2ªfase) não há nenhum crime lesa-aluno, ao apresentar um excerto do Canto VI de "Os Lusíadas". Tal só teria acontecido se o excerto camoniano tivesse sido colocado na Parte C do Grupo I, mobilizando conhecimento global da epopeia.

Se alguma crítica se pode tecer é ao modo como o fio temático é tratado. Creio que os jovens examinandos terão tido alguma dificuldade em situar-se nos cenários de Alegre e de Lobo Antunes, bastante neogarrettianos…

O universo familiar atual é bem distinto e falta-lhes o recuo necessário para cotejar "visões do mundo"...

 

22.7.19

Em defesa dos bombeiros

Não falta combustível, como agora se diz, o que falta são acessos que permitam a rápida deslocação dos carros de bombeiros.

No caso concreto, para aceder a este terreno, necessito de fazer mais de 500 metros a pé… 

Dizem os autarcas e os populares que os bombeiros chegam tarde. Do povo, compreendo a queixa, agora dos presidentes de junta de freguesia ou da câmara, censuro a atitude, porque uma das suas atribuições é precisamente abrir caminhos onde sejam necessários. Ou será que estou enganado?

 

21.7.19

Para quê o rabisco?

Tudo o que escrevo é inútil. Para quê, então, o rabisco mais ou menos quotidiano?

No fundo, é um pouco como no tempo pós-vindima - há sempre alguém que dá a volta à vinha, não tanto porque tenha fome, mas porque o esgalho esquecido se torna guloso…

O que me leva a pensar que escrever é do âmbito da gulodice e não da utilidade, pelo menos, na aceção anglo-saxónica.

O que a seguir vou rabiscar é inútil, porém não o vou calar. 

Alguns dos meus vizinhos homens são humanos como eu, só que vestem túnicas, uns, brancas, outros, acinzentadas. Deixam crescer as barbas, como eu, mas muito mais do que eu (ainda não percebi porquê). Calçam sandálias, poupando nas peúgas…, e deslocam-se em mercedes, volvos… não os vislumbro nos transportes públicos. Cruzamo-nos uma ou duas vezes por dia e raramente nos saudamos. 

Detesto-me quando penso que eles são árabes, muçulmanos, magrebinos, estrangeiros, ricos ou pobres, simpáticos ou antipáticos…  O que eu gostaria era de conhecer o nome próprio de cada um…

 

20.7.19

Por entre aparas

No geral, as borrachas, que utilizo, sujam mais do que apagam. O primeiro ato é, assim, de limpeza para que possa eliminar o que não convém, embora a conveniência possa ser problema alheio.

- Vá lá, meu menino, passa a limpo que fica melhor!

Ser cortês é isso - aprender a limpar, aprender a apagar.

Tanto apagamos que pouco sobra! 

Ser cortês aprende-se a limpar, a apagar, a rasgar… de tal modo que as aparas se amontoam sem nos apercebermos do vazio que criamos…

Até que um dia, nos exigem que refaçamos o que apagámos - «o peito oculto», como se ele não tivesse sido eliminado antes, mesmo, de termos nascido…Nós, os que crescemos por entre aparas...sem acesso ao peito das reticências nem das metáforas e muito distantes das anástrofes da vida.

17.7.19

As dúvidas adensam-se

Ao contrário de quem «só sabe», eu sei cada vez menos… as dúvidas adensam-se a toda hora-as certezas esmorecem.

Oiço, mas fico sem saber se as palavras que me chegam refletem o pensamento de quem as profere, máscaras simpáticas do momento… que também podem ser odiosas… só porque não satisfazem os caprichos…

Emudeço na dúvida.

 

15.7.19

Desligar

Não sei se vai ser fácil desligar…

Há anos que o procuro fazer sob a forma de distanciamento, mas acabo sempre enredado… pois continuo preocupado, sobretudo quando a vaga de sabotadores vai engrossando… Uma vaga cuja retaguarda é constituída por encarregados de educação incapazes de distinguir quem recorre à disciplina para poder instruir de quem apenas os lisonjeia… porque vivem na ribalta política, académica, artística, ou ainda usam monóculo ou pingalim…

No próximo ano, vou trocar a luz pela penumbra.

Pode ser que, assim, desligue de vez…

 

13.7.19

Tudo é efémero

Continuo atento, mas a energia falta. As pernas já não acompanham a vontade e mesmo que as obrigue a cumprir a caminhada, elas encontram sempre forma de me lembrar que as não posso utilizar a meu belo prazer…

Entretanto, tudo convida as que lhes dê descanso ou que as substitua - o negócio da preguiça está por toda a parte, mesmo que saibamos que, daqui a um ano ou dois, os novos empreendedores consigam a salvífica declaração de falência. 

As offshores resolvem… Dizem-me que 30.000 milhões de euros atravessaram a fronteira!

 

 

 

 

11.7.19

O passageiro esturricado

O painel informativo regista um intervalo de 15 minutos entre o 783 Prior Velho e o 783 Portela. O passageiro prepara-se para na paragem do Aeroporto abandonar o primeiro e esperar pelo segundo autocarro, quando, na Rotunda do Relógio, se dá conta de uma outra alternativa - o 722 vem na roda. Afinal, com o calor das 14 horas, a mudança inesperada alivia da canícula…

Entretanto, o 783 Prior Velho liberta o passageiro na paragem do aeroporto… e o autocarro 722, numa ultrapassagem vertiginosa, deixa-o a esturricar mais 15 minutos à espera do 783 Portela… 

Os factos aqui ficam. Dos comportamentos é melhor nada dizer.

O que é curioso é que o passageiro há dias que se interroga se os comportamentos podem ser considerados factos…

 

9.7.19

Se fosse neutro

«Que o verbo seja um espelho…» David Mourão-Ferreira

Se fosse neutro, o verbo poderia ser o reflexo de uma escada que ligasse a terra ao céu…
Em baixo, o grotesco; no topo, o sublime; no intervalo, a diversidade…
Em baixo, o sublime; no topo, o grotesco; no intervalo, a diversidade…
A escadaria poderia ser bela, não fosse a soberba que nos faz discriminar a cada passo…
Não fosse a soberba (…) a escadaria poderia ser bela.

 

7.7.19

Um homem deve ler de tudo

«Um homem deve ler de tudo, um pouco ou o que puder, não se lhe exija mais do que tanto, vista a curteza das vidas e a prolixidade do mundo.» José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, pág. 159.

Por estes dias, 'de tudo' é a locução adequada. Todo o tipo de folhas, a maioria caduca… Por vezes, uma centelha, outras, uma orientação na floresta desavinda… sem esquecer o rigor do David Mourão-Ferreira do Motim Literário, textos dos anos 50 e 60 do século passado… 

(Um destes dias, volto a falar do crítico literário…)

 

 

 

5.7.19

Entrei em julho

Entrei em julho muito cansado, a precisar não sei bem do quê, pois nos meses de julho e de agosto sempre me vi em trabalhos inesperados.

Doravante, o que preciso é de serenidade, de traçar um rumo e alhear-me da realidade imediata - um metódico fechar de olhos e de ouvidos… como se nada estivesse a acontecer.

A ilusão é agradável, mas os dias não se deixam enganar… e eu já ficaria contente se nada tivesse a relatar. 

 

3.7.19

Ainda vai sobrar para nós

Em comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), os 'encarnados' informam que o Atlético de Madrid “pagará a pronto um valor de 30 milhões de euros e que a Benfica SAD efetuará uma operação de desconto sem recurso dos restantes 96 milhões de euros, sendo os custos financeiros associados a esta operação de seis milhões de euros”.

Afinal, quem é que «paga» o João Félix?

Espero que não tenha sido a Caixa Geral de Depósitos (ou o BCP) a financiar a negociata… Ainda vai sobrar para os contribuintes portugueses.

 

2.7.19

Águas revoltas

Hoje já há acordo: a França e a Alemanha acordaram e dividiram. As migalhas ficam para os belgas e para os espanhóis… Os portugueses contentam-se com o Centeno e com alguma sobra que venha a cair… 

De tudo o que li até ao momento, só me agrada a escolha da federalista Ursula von der Leyen e preferia que a senhora Christine Lagarde se mantivesse no FMI - quanto mais longe melhor!

Entretanto, parece-me que o António Costa deve ter saído bastante frustrado desta cimeira europeia… 

 

1.7.19

Sem sal

«Foram muitas as reviravoltas, mas no final ficou tudo como estava: em águas de bacalhau.» 

 

Coitados, falta-lhes o tempero!

E dão um péssimo sinal ao não se entenderem na partilha dos tachos… O problema é que nos vão dar cabo da cabeça por muito mais tempo, pois parece que quanto menor for a quantidade de sal maior é a esperança de vida...deles, que não a nossa.

 

30.6.19

Preocupante

Rapidez, facilidade… as portas da informação. Má ou boa, pouco interessa!

Preocupante é a confusão entre informação e conhecimento.

Preocupante porque o conhecimento nada tem a ver com a pressa e, sobretudo, porque nunca é fácil.

Ao contrário do que muitos acreditam e até desejam, ainda não chegou o tempo de destruir o património e, sobretudo, de queimar as bibliotecas e, muito menos, de eliminar as línguas… 

 

29.6.19

Sem notícias do azul

Já não sei se penso. Talvez, só repita.

E à força de repetir, começo a duvidar se o intelecto não é apenas uma ferramenta enferrujada… Outrora, chamavam-lhe faculdade - a mais desenvolvida entre os intelectuais.

A transformação da faculdade em ferramenta é comummente aceite, o que me leva a pensar que o melhor é comprar uma ferramenta que me desfaça a dúvida inicial…

(Acabo de ouvir uma ideia de dieta que me apetece repetir: E se organizássemos a semana, reservando o domingo para o vermelho, e os restantes dias para o verde?)

28.6.19

Entre cotejar e cortejar

Não fosse a nobre tarefa de sublinhar desvios (erros) à norma europeia da língua portuguesa e de cotejar (cortejar?) dislates com assertivos cenários de resposta, o que seria de mim?

 

Entre cotejar e cortejar, a diferença parece mínima, mas, na realidade, existe um abismo. Apesar de nunca termos sido convidados para a corte, inebriados de cidadania, agimos submissos como o boi ou o bugio de Vieira…

Pobre Vieira que não chegou a imaginar que um dia a aquicultura viria ostracizar o gado de Proteu!

 

26.6.19

A Estela ainda não desligou

O sujeito sabe do que está a falar. A Estela não quer acreditar no que está a ouvir… e eu só oiço: - Estela! Estela! Tu não me conheces, Estela… Estela, "yesterday", eu bem tentei desfazer o negócio, mas eles não quiseram saber. Estela, só tu me podes salvar, Estela…

Dez minutos mais tarde. 

O sujeito não parou de interpelar a Estela, eu é que fui tomar café… - Estela, meu amor! Qual amor? Apenas - Estela, tu é que podes desenrascar-me (pausa) -Tu não me conheces, Estela! É isso, tu não me conheces, Estela…

Já passaram quarenta minutos, e a Estela ainda não desligou… Será que ela existe?

 

25.6.19

O veludo da fava

Não tenho paciência para descascar favas e quando o faço é porque um súbito e raro apetite me invade - no máximo, duas vezes por ano e basta… Mesmo que as favas sejam verdes, recordo sempre a brotoeja que associo a tulhas de fava seca - uma comichão miserável invade-me o corpo, esganando-me com as minhas próprias mãos… Quem me mandou a mim entrar para onde não fora convidado!

(Lá está! Acabo de ser vítima da inevitável repetição.) 

E até na «ilha ao sul de tudo», encontro o «veludo» da fava que, por estes dias, me irrita o couro cabeludo…

 

24.6.19

A cacofonia

Dá vontade de desistir, mas do quê se não há propósito?

Lemos e voltamos a ler e alguma coisa destoa, mas o quê?

Talvez a coisa e, sobretudo, a palavra repetida. Há sempre uma palavra repetida, há sempre uma mosca e outra mosca. Nem com vinagre se evita a falha… 

Dá vontade de desistir, mas do quê se não há mais-valia?

 

Mais valia ter ido ao neurologista, mas já é tarde! E se lá tivesse ido, ele não me teria evitado a cacofonia… 

 

23.6.19

Entrado o Verão

Entrado o Verão, acabei por ir assistir, na Igreja de São Roque, à apresentação da PAIXÃO SEGUNDO SÃO JOÃO, de Johann Sebastian Bach, na versão da Escola Artística de Música do Conservatório Nacional.

O espetáculo foi soberbo, muito acarinhado pelo público que encheu o templo barroco, e em perfeita conformidade com o referido estilo.

Embora na performance deva destacar o coletivo, não quero deixar de mencionar a novíssima soprano Ema de Sá, que revelou segurança e confiança, o que certamente resultará da grande capacidade de trabalho - não só do engenho, mas, sobretudo, da arte, como diria o Poeta.

Felizmente, hoje chove!

 

20.6.19

Ao contrário da cigarra

Não faz calor, no entanto, por estes dias, seco… tanta é a burrice e o despudor.
E em tempo de seca, ao contrário da cigarra, calo-me.

 

18.6.19

A anáfora no exame nacional de Português

La anáfora es una figura literaria y, como tal, tiene unas funciones concretas. Si bien este recurso literario necesita de la creatividad del autor o del poeta para significar una u otra cosa, hay algunos empleos en los que se observa con mayor frecuencia.
La anáfora puede emplearse para otorgar una mayor importancia o notoriedad a un aspecto del que se está hablando que puede ser un lugar, un tiempo, un sujeto, un sentimiento… Esta figura literaria es muy recurrente en tanto que ofrece dinamismo y velocidad (en ocasiones) a los versos o al texto en cuestión. Es también un recurso que ofrece ritmo y melodía en un poema o en la prosa. Además de centrar la atención en la palabra o palabras que se repiten ayudan al lector a familiarizarse con el texto creando mayor atracción y facilidad para comprender

Querer reduzir a anáfora ao(s) sentido(s) é abusivo. Revela insensatez, sobretudo quando o poeta se chama Fernando Pessoa.

 

17.6.19

O senhor Professor

«Irás ao Paço irás pacientemente

Pois não te pedem canto mas paciência

Este país te mata lentamente»

Sophia Andresen

O senhor Professor, patrono dos professores, anda incomodado com os professores. Recebeu-os no seu palácio, mostrou compreensão e pediu-lhes tempo - anos, meses e dias - e, sobretudo rogou que fossem pacientes…

O senhor Professor tem obrigação de saber que entre os professores há muita desigualdade e que para a combater não bastam umas tantas selfies e paciência, muita.

O senhor Professor deveria saber que, para além dos professores, quem perde é o País de que se orgulha de ser Presidente.

 

16.6.19

Ligações perigosas

«Sem espírito crítico e sem ler as obras, isso de história da literatura é cousa escabrosa de se executar.» António Sérgio, Ensaios III, pág. 192.

A ideia, à época, fazia todo o sentido. 

Sérgio rejeitava o biografismo, a psicocrítica mais ou menos freudiana, a sociocrítica, pois ao crítico literário e ao estudioso o que deveria interessar era a obra - ler na obra o que ela acrescenta…

Entretanto, os tempos mudaram. O facilitismo instalou-se e o que agora está na moda é estabelecer 'ligações' entre textos, que se me afiguram de enorme risco - intertextualidades.

E porquê? Porque, simplesmente, raros são os que leem.

Terça-feira será dia de detetar ligações, de inferir estados de ânimo, de exprimir opinião. A dissertação já terá ficado para trás… e a argumentação, envergonhada, cairá sob exemplos estafados de futuros por achar.

Nem o eclético borboleteio impressionista se fará sentir… Até lá só ingurgitação!

 

14.6.19

Um assunto anódino

Afinal, mesmo vazio, o cacifo mantém o odor. A quê? Não sei.

Na paragem de autocarro, hoje, havia outros cheiros que não me impediram de apanhar o 783 para o Prior Velho - destino dele, que o meu passou a ter uma componente pedestre, o que até faz bem, dizem, à saúde, mas agrava o estado das varizes… 

Até aqui o assunto é anódino e as hipóteses de o melhorar são escassas. 

De manhã, ainda pensara que a prioridade era Ler. Ler livros. Livros antigos que os atuais são fúteis, mentirosos e estéreis… Ler Homero, Platão, Sófocles, Horácio, Virgílio, Santo Agostinho… até chegar a Goethe… e ficar por aí até ter coragem para retomar a leitura dos antigos. Molière, Vicente, Shakespeare… e Camões, mas bem longe das salas de aula, isto é, bem longe do Paço, talvez nas margens do Tejo ou na serra da Arrábida… 

E depois, esqueci a prioridade e fiquei à espera de que o Vara cumprisse o que prometera, que era não falar, mas falou sem saber se a prioridade era o ovo ou a galinha, o que me fez recordar que o Luandino Vieira um dia, no Tarrafal, também se esmifrou a tentar explicar se o ovo era da dona da franga ou da vizinha grávida proprietária do terreiro onde o traseiro largou o dito.

 

13.6.19

O perfume dos santos populares

É como se os olhos e os ouvidos se tivessem retirado. O que vejo esfuma-se e o que oiço é tão soez que prefiro esquecê-lo… 

De permanente só o odor, por vezes, perturbador. Nas mãos, há sempre o vestígio de presenças persistentes. Até o nariz parece querer impor um cheiro específico, indizível.

Ultimamente, a memória persegue-me com situações que não sei como tratar.

A semana passada, avisado de que iria ser necessário esvaziar um cacifo, entusiasmei-me porque vi na necessidade a oportunidade de o libertar de uma fragrância desagradável que se tinha acumulado em mais de vinte anos - o papel acumulado agredia-me as narinas sem eu saber porquê… Agora que o depósito está quase vazio, a perturbadora sensação desapareceu. Abro o armário, e nada…

Ontem, chegado à paragem do 783 no Saldanha, já aborrecido com o ferrugento placard que nada instrui, sentei-me num banco e, de súbito, lá estava o odor… um odor de quem não toma banho ou de quem não teve oportunidade de se lavar ou, simplesmente, de quem abomina a água… O impacto foi de tal ordem que preferi deixar seguir o autocarro com o meu incómodo vizinho.

Entretanto, vou-me apercebendo que os espaços coletivos estão cada vez mais impregnados dos mais diversos cheiros e que os temo de uma forma, talvez, doentia…

De momento, não consigo libertar-me do perfume dos santos populares. 

 

 

 

11.6.19

Velhacaria

Nem precisavam de conversar! Todos sabiam ao que iam! Agora, trata-se de velhacos desconhecidos…

E confiam na nossa falta de memória...

 

10.6.19

10 de junho de 2019

Não sei se este 10 de junho foi diferente do dos anos anteriores. Mudaram os oradores, mas os protagonistas continuam os mesmos… Poucos se atrevem a subir ao palco, apesar de um outro sapateado fervoroso, mas mentiroso…

O Presidente Marcelo continua sem saber de quantos «portugais» Portugal é composto e, mais grave, ainda se rege pelo mapa do império - tudo em nome da lusofonia!

 

9.6.19

Das duas odes, prefiro esta

Sofro, Lídia, do medo do destino.

A leve pedra que um momento ergue

As lisas rodas do meu carro, aterra

Meu coração.

Tudo quanto me ameace de mudar-me

Para melhor que seja, odeio e fujo.

Deixem-me os deuses minha vida sempre

Sem renovar.

Meus dias, mas que um passe e outro passe

Ficando eu sempre quase o mesmo, indo

Para a velhice como um dia entra

No anoitecer.

            Ricardo Reis

Das duas odes que Fernando Pessoa atribuiu a Ricardo Reis, prefiro esta sobre o medo do destino. Não se trata de medo, mas, nesta fase, não sinto qualquer necessidade de sobressalto, de aceleração… Prefiro que o minuto dure sessenta segundos, nem mais nem menos… E as pedras do caminho, passo bem sem elas.

Sobretudo, sofro que queiram que eu mude de máscara de acordo com as conveniências. 

 

8.6.19

Peixe com história por contar

Provavelmente, este peixe é da estirpe daqueles que tiveram paciência para ouvir o franciscano António ou o jesuíta Vieira…

No presente caso, o peixinho, na tentativa de descobrir em mim um despertador de consciências, acabou fotografado frontalmente… Creio que, mais do que curiosidade, o que ele me pedia é que o libertasse daquele fluviário de Mora tão distante do oceanário de Lisboa…

Se eu o tivesse trazido comigo, talvez se passeasse a esta hora pelo Parque Eduardo Sétimo e por lá encontrasse outros pregadores…

 

7.6.19

Olá, por aqui!

Públio Terêncio Afro terá deixado escrito, uns 150 anos a.c. - Homo sum: humani nihil a me alienum puto. Tradução pessoal - Sou homem: penso que nada do que é humano me é estranho.

Talvez seja verdade! No entanto, a não ser que feche os olhos e os ouvidos, começo a duvidar da universalidade da máxima. E também não sei se estou preparado para me metamorfosear de todas as estirpes com que me cruzo…

Há dias em que não me importo de ser eu o estranho, apesar de não resistir a saudar: - Olá, bom dia, boa tarde...

 

6.6.19

O futuro próximo

A entrada dos monoblocos não é fácil. Parece que se esqueceram de tirar as medidas ao portão!

E quanto às futuras salas de aula, pressinto que o melhor será organizar muitas visitas de estudo… ao ar livre… O novo espaço afigura-se-me irrespirável, independentemente do ar condicionado… sem falar das inevitáveis alergias… A inclusão acomoda-se!

 

 

 

 

3.6.19

Do lado de Agustina

«O mundo tornou-se categórico quanto ao que é demonstrável; o que é iluminado desconcerta-o.» Agustina Bessa-Luís, O retrato, 28 Agosto 1968.

Tantos foram os anos a ler "A Sibila", no tempo em que ainda havia leitores para aquele matriarcado intratável, que, desconcertado, eu imaginava que aquele não era o meu país, mas deixava-me conduzir aos lugares mais sagrados e abjetos de que ainda guardo memória - os cheiros pestilentos, as calosidades rochosos, os segredos biliosos, as invejas de morrer. A insídia. A morte suja que não abria as portas do paraíso, a não ser a algum custódio…

Havia um outro lado, que se iluminava nas páginas de Agustina, e que agora se extinguiu, a não ser que os leitores regressem, o que se afigura nada provável… 

 

4.6.2019

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse hoje que Agustina Bessa-Luís, escritora que morreu na segunda-feira, "está no Panteão do coração de todos os portugueses"

Ainda se estivesse no coração, agora no "Panteão do coração"... Rima, mas é só verborreia.

 

2.6.19

Sitiado

Situado, mais do que localizado, sitiado.

As circunstâncias dão cabo do homem, transformam a notoriedade em efemeridade ou, em alternativa, agrilhoam-no… 

O texto não passa de tentativa caduca em que, apesar de tudo, algumas linhas se precipitam das ameias do ser.

Segui-las, talvez, possa ser a última oportunidade de furar o cerco.

 

1.6.19

O desconcerto dos professores

Talvez seja hoje o dia certo para lembrar que milhares de professores, neste fim de semana, se encontram em regime de reclusão a classificar os derradeiros testes e a preparar a avaliação que antecede os exames finais… Não creio que a maioria dos professores tenha trocado essa tarefa por um fim de semana no areal…

Talvez seja o dia certo para lembrar que muitos professores não têm tempo disponível para acompanhar as suas crianças porque, afinal, continuam ao serviço de centenas milhares de jovens que se comportam diariamente como crianças…

Assim que só para os professores / anda o mundo concertado.

 

31.5.19

Mais um parecer jurídico?

A Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA) vai pedir um parecer jurídico aos serviços da Assembleia da República sobre a informação que pode ser divulgada sobre os grandes devedores da banca, disse hoje a presidente da comissão. 

Tanto pedido de parecer jurídico já aborrece! Fui consultar o Regime do Segredo de Estado por causa das dúvidas e não encontrei razão para tanta delonga. Só as cumplicidades parecem explicar o estado a que chegámos… 

«Consideram-se interesses fundamentais do Estado os relativos à independência nacional, à unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna ou externa, à preservação das instituições constitucionais, bem como os recursos afetos à defesa e à diplomacia, à salvaguarda da população em território nacional, à preservação e segurança dos recursos económicos e energéticos estratégicos e à preservação do potencial científico nacional.» Diário da República n.º 150/2014, Série I de 2014-08-06 

Antes que se faça tarde, o melhor é começar por averiguar a dimensão do negócio dos pareceres jurídicos…

 

30.5.19

Também eu me queria a milhas...

Desviei na Ribeira Grande (Fronteira, Alentejo) no regresso para ver a Praia Fluvial, mas fiquei-me pela estreita ponte, assustando a passarada que, entretanto, se pôs a milhas…

Também eu me queria a milhas da canícula alentejana… e da propaganda que um dia apregoou urbi et orbi a reforma agrária que continuo a não vislumbrar, a não ser que ela se tenha materializado nos extensos olivais que cobrem, por exemplo, as extensas encostas de Avis.

Parece que Abril não foi capaz de seguir o exemplo do Mestre que, justa ou injustamente, lá foi redistribuindo as terras para pagar os serviços de quem o colocou no trono…

 

29.5.19

Andamos todos de partida

Só oiço queixas, exigências!

Todos querem qualquer coisa, independentemente dos meios…

É só sonhar e a porta escancarada abre para o mar da fantasia.

Esse mar fica longe, vai-se de avião com hotel reservado e carro alugado. Tudo pago! Não interessa por quem, se por ninguém… 

Não ser o último a partir é a única preocupação.

Já ninguém quer ficar!

Ninguém quer ser!

Andamos todos de partida, mesmo arriscando a chegada...

 

27.5.19

Suspeito que

«E tudo se passava numa outra vida / E havia para as coisas sempre uma saída», Ruy Belo, E tudo era possível (poema)

Suspeito que o que andamos a pedir não é assim tão simples!

Se descermos ao particular, à experiência de vida, essa outra vida pode nunca ter existido. O poeta, abençoado, já experimentara tudo nas páginas dos livros. 

Só que, para muitos, não houve 'leitura' do mundo porque não havia livros, só pagelas de piedosas figuras martirizadas… 

A saída de casa dos pais não significava perda mas, sim, descoberta, mesmo se os obstáculos diários pareciam inultrapassáveis…

Neste hora pastosa, suspeito que para muitos talvez não haja condições para compreender a nostalgia do poeta, e que a escola atual seja um impedimento maior.

 

26.5.19

Eleições europeias 2019

Le taux de participation est « le plus élevé en 20 ans », avec une estimation de 51 % pour les 27 pays de l’UE, sans le Royaume-Uni. Le Monde avec AFP Publié aujourd’hui à 19h43, mis à jour à 22h43 

Em Portugal, a taxa de participação parece ser a mais baixa de sempre. Falta de civismo?
Mais de 68% não foram às urnas!

 

Não se vê...

É azul, mas não se vê, a borboleta! Resta o passadiço, o verde e a luz, o que já não é pouco…

Para quê o azul da borboleta? Por ora, a informação da sua existência é suficiente.

Não tive tempo de lhe perguntar se foi votar na esperança, mas deve ter ido que as borboletas não perdem a ocasião… ao contrário de muitos bípedes que desprezam a sorte que têm…

 

25.5.19

Em finais de Maio...

Este maio é mais subjetivo. Já não o vejo na sequência do eterno retorno… vejo-o como derradeira expressão de um observador que, durante mais de vinte de anos, se habituou a procurar as folhas e as flores, e se foi apercebendo que nem sempre os jacarandás cumprem as expetativas… 

Apesar da goma escorregadia, a cor enfeitiça!

 

23.5.19

Tal como as borboletas

Tal como as borboletas, nada tenho a acrescentar. Saltito de tarefa em tarefa, desligado da campanha que atravessa o calendário das feiras… 

Não imagino o que as borboletas possam pensar quando as caravanas se aproximam, mas observo que elas se escondem ou, pelo menos, volteiam como se temessem pela vida…

Instintivamente, procuramos a vírgula que nos retenha a respiração, não vá ela abandonar-nos de vez… ela, ambígua, a respiração ou a vírgula?

Tanto faz! 

21.5.19

O Imaculado Coração de Maria e o rosário...

No dia 18 de maio, em Itália, rodeado de comparsas da extrema-direita, Matteo Salvini empunha o rosário e evoca os seis «santos patronos» da Europa, segundo a Igreja Católica: Benoît de Nursie, Brigitte de Suède, Catherine de Sienne, Cyrille et Méthode, et enfin Thérèse-Bénédicte de la Croix (née Edith Stein, morte à Auschwitz en 1942). Avant de vouer l’Italie, et sa victoire électorale prochaine, « au Cœur immaculé de la Vierge », le tout en agitant un rosaire avec des gestes de bateleur. A extrema-direita europeia

Matteo Salvini, deliberadamente, esquece Robert Schuman, Jean Monnet, Altiero Spinelli e Alcide Gasperi, para além de renegar o paganismo do último chefe de fila da Liga do Norte, Umberto Bossi… O que importa é conquistar o voto da Itália mais conservadora...

 

 

20.5.19

VOTO FÚTIL!

Mais depressa do que podia imaginar, um 'ambicioso' chegou-se à frente e gritou: - Se queres uma Europa federal e solidária, VOTA FÚTIL!

Agora só me resta continuar atento aos 'ambiciosos' de serviço.

 

19.5.19

O regabofe

Anda por aí um banqueiro a apregoar que 'ao povo português falta ambição'. É possível, mas não é por falta de gente ambiciosa.

Basta ver o que se passou nos bancos portugueses nos últimos anos para perceber que muita gente procurou o estrelato à custa do pagode. Foi um regabofe!

Em matéria de psicologia coletiva, é difícil alterar atitudes antigas, no entanto, bom seria que não tivéssemos de assistir às cenas dos últimos dias - do parlamento aos estádios, passando pelas televisões, redes sociais e, sobretudo, pelas folclóricas arruadas.

Faltam 8 dias para as eleições - há até quem já tenha votado! - e eu ainda não encontrei um 'ambicioso' que me explique porque devo ir votar no dia 26 de maio.

E eu que até sei que Europa quero, não encontro quem a defenda - uma Europa federal, solidária.

 

18.5.19

Tremor de terra na União Europeia?

Dans un entretien accordé au Parisien, M. Bannon dit avoir choisi de venir en France parce que « de toutes les élections qui auront lieu le week-end prochain en Europe (…) c’est de loin, ici, (…) la plus importante » et ce à cause du « positionnement mondialiste » d’Emmanuel Macron. « C’est un référendum sur lui et sa vision pour l’Europe », a ajouté M. Bannon qui prédit un « tremblement de terre » dimanche 26 mai.

Pois é, a queda parece inevitável, exceto, aqui, em Portugal, no país das melgas... Ou será dos comendadores?

 

17.5.19

A estátua do comendador

Joe Berardo é Comendador da Ordem do Infante D. Henrique desde 1985, tendo recebido ainda a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, em 2004...

O alarido em torno do senhor José Manuel Rodrigues Berardo parece-me exagerado. Não creio que dois presidentes da República se tenham enganado ao distingui-lo… 

A narrativa da queda cheira-me a esturro. Só o estudo rigoroso do assalto ao poder entre 12 de março de 2005 e 21 de junho de 2011 poderá explicar o buraco negro, entretanto, criado.

A altivez e o riso alarve do senhor José Berardo são compreensíveis. Afinal, a comissão parlamentar não se tinha preparado para interrogar a estátua do comendador.
Durante anos foi um investidor na bolsa portuguesa e é aqui que surge o problema. Joe Berardo comprou um lote de ações do BCP, em 2007, quando se preparava uma luta de poder pelo banco, com a queda de Jardim Gonçalves e a demissão de Paulo Teixeira Pinto. A 4 de janeiro de 2008, o Público noticiava que apoiantes de Carlos Santos Ferreira, ex-presidente da Caixa, tinham pedido empréstimos ao banco público para comprar ações do BCP. Queriam abrir caminho à entrada de Santos Ferreira (com Vara) para liderar o BCP. Santos Ferreira acabou por presidir ao BCP, mas Berardo, viu o investimento desvalorizar em catadupa. Nos últimos anos, deixou de ser um dos mais ricos do País. 

 

16.5.19

O falso método de estudar

«Quando chegam aos exames e provas de aferição, “os alunos não falham na memória (…) falham na análise e na crítica”, disse o secretário de estado da Educação, lembrando os problemas que os estudantes têm revelado nas provas quando lhes é pedido para raciocinar, argumentar ou relacionar conceitos.» João Costa 'Ensinar e avaliar'

Os alunos não falham no exames, falham todos os dias. Porquê? Porque o que se exige diariamente é muito pouco - estar, se possível, sem perturbar.

Paradoxalmente, aprendem cedo a criticar, embora não queiram analisar, pois tal significa empenho, trabalho, raciocinar, extrapolar…

Neste caso, quem me surpreende é o secretário de estado da Educação que, no cargo em que foi investido, já poderia ter acabado com este falso método de estudar. Já teve tempo para por cobro à ditadura das Editoras e do IAVE. 

 

14.5.19

O homem de lata

Não fez parte da minha infância, o homem de lata. A distância era intransponível, apesar dos 50 anos decorridos desde que ele surgira na América… No entanto, o homem de lata ocupou muito do tempo dos meus filhos…

Ao vê-lo no ecrã, ia pensando que, apesar da bondade, havia ali um mundo sem alma, sem Deus. E esta ausência, à época, não me afetava por aí além. No caso, a distância também era intransponível…

Hoje, no metro, lembrei-me dos escritos - os escritos na vidraça que indiciavam que a casa 'se alugava ou se vendia'.

Hoje, no cais, lembrei-me dos escritos - os corpos que por ali passavam surgiam todos anotados, como se houvesse algures um Escriba Supremo…

Ainda pensei numa possível exegese, mas recuei não fosse descobrir «o triunfo puro da mercadoria». (Eduardo Lourenço)

 

13.5.19

Descaramento

António Costa disse no Parlamento que todo o país está "chocado" com o "desplante" de Joe Berardo perante a comissão de inquérito à Caixa. O país deveria estar chocado com o 'desplante' de um Estado que deixa à solta indivíduos da estirpe de Joe Berardo…
Quantos outros estão presos por dívidas bem menores?!

 

12.5.19

O velho professor

O velho professor encontrou quem lhe desse um bordão. No entanto, nos dias que correm, para os professores só há bordoada.

Reparem que, no caso do 'velho professor', até lhe foi melhorada a visão, talvez para poder ver que os tempos dos mais novos não andam de feição. 

 

11.5.19

Às arrecuas, a União europeia

O federalismo
Formação_federalismo

Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, Temas e Debates, Círculo de Leitores, p.349:

«No domínio conceptual encontramos a raiz da objeção contra o federalismo efetuada em nome do privilégio da homogeneidade, sob todas as suas formas. Na verdade, ela abriga-se, não num conceito, mas sim num preconceito, que poderemos designar como uma metafísica naturalista da identidade política.» 

Nestas eleições para o Parlamento Europeu, como só me interessam as invisíveis propostas federalistas, sinto-me incapaz de avaliar o que se está a passar em diversos países… até porque não me é dada a possibilidade de votar numa proposta transnacional… 

Resta-me voltar a ler Kant e procurar compreender porque é estou a andar ao contrário.

10.5.19

Inaudíveis, as palavras

Quando as vias respiratórias superiores claudicam, as palavras tornam-se inaudíveis. Do outro lado, alguma compreensão, embora, em certos casos, predomine a indiferença e até um certo desafio…

Hoje, no entanto, vi-me confrontado com alguma amargura, porque os poetas (os escritores) parece que desconhecem a alegria: é só tristeza, dor, pequenez…

Apesar do dia não ser o mais alegre, lá fui explicando que a poesia ou é narcisista ou lacrimejante - celebra a glória pessoal e coletiva; celebra a perda…

Na literatura portuguesa predomina um sentimento de perda (de impotência individual e nacional) ou, então, de nostalgia mais ou menos infantil, mais ou menos patrioteira…

E daqui não saímos, nem mesmo quando nos oferecem bilhete para construir uma outra europa -federalista e solidária…

Quando as palavras se tornam inaudíveis, há que desconfiar das reticências.

  

9.5.19

História da pontuação

C’est au IIe siècle av. J.-C. que l’on estime la naissance de la ponctuation grâce à Aristophane de Byzance (257- vers 180), alors conservateur à la bibliothèque d’Alexandrie, qui utilisa un système de trois points pour couper les phrases : le « point parfait », positionné après la dernière lettre, en hauteur, indiquait que le sens de la phrase était complet ; le « point médian », situé à mi-hauteur, avait la fonction de notre point-virgule actuel ; quant au « sous-point », placé à l’extrémité inférieure d’un mot, il faisait office de point final. On retrouve d’ailleurs dans ce système de points l’étymologie du mot « ponctuation », du latin punctus qui signifie « point ». A história da pontuação

Au Moyen Âge, Gasparino Barzizza, (1370-1431), rédige le premier traité de ponctuation, La Doctrina punctandi.

La ponctuation s’est surtout développée avec l’apparition de l’imprimerie (vers 1440). Goeffroy Tory (1480-1533), par exemple, invente l’apostrophe et le point crochu qu'Étienne Dolet (1509-1546) renomme « virgule » dans son ouvrage Traité de la ponctuation de la langue françoise plus des accents d’ycelle. La Renaissance est également l’époque où l’on invente les signes diacritiques (comme la cédille et les accents). Les signes de ponctuation tels que nous les connaissons sont des apports successifs liés à l’essor de l’imprimerie. Ils seront pleinement organisés à partir du XVIIIe siècle. Dans l’article Ponctuation de L’Encyclopédie, Nicolas Beauzée défend avec force l’intérêt de la ponctuation. Il la règle sur les besoins de la respiration.

No início do século XV, o ponto, a vírgula e os dois pontos tornaram-se frequentes. No século XVI, surgem as maiúsculas, a apóstrofe e o ponto de exclamação.

No entanto, até ao século XVIII, a pontuação só tem o valor de «respiração». A partir dos finais do século XVIII, a pontuação passa a ter uma função gramatical - ela influencia o sentido da frase.

No século XX, a utilização da pontuação é regulamentada, apesar de todo o tipo de transgressões.

Le XXIe siècle et l’apogée de l’Internet ont vu la ponctuation se métamorphoser ; les smileys et le langage SMS apportent des éléments nouveaux, propres à l’époque dans laquelle nous vivons

 

8.5.19

O Nogueira do Sindicato

Ouvi dizer que o Nogueira do Sindicato está a pensar em abandonar o Partido Comunista. Surpresa! Espanta-me que o PC acolha árvores de tal porte… Sempre me habituei a pensar num Partido rigoroso… por vezes, até demais.

Os tempos andam revoltos. Hoje vi tratar o Nogueira como «o professor de Coimbra» e logo pensei que se trataria da reencarnação do de Santa Comba…

A esta hora, o Nogueira deve estar a acender uma vela à UTAO!

Mais 398 milhões de euros: é este o custo que teria a recuperação integral do tempo das carreiras especiais, estima a UTAO.

Só que o Governo discorda: Descongelamento de carreiras: “Cálculo da UTAO é totalmente arbitrário.

 

7.5.19

Memórias de Tomar

Faleceu José Carlos Camolas, jogador do União de Tomar no tempo em que eu estudava na cidade nabantina - 1971-73. Creio que na mesma época lá jogou o Eusébio...

No entanto, nunca entrei no estádio, embora, inicialmente, vivesse muito perto dele. Hoje, ao ler que falecera Camolas, lembrei-me que sempre associara aquele nome ao proprietário de uma loja, onde comprei duas ou três garridas camisas aos quadrados…

Ainda recordo a rua estreita, a montra da camisaria, a pensão em que vivi temporariamente, e sobretudo a Biblioteca, da qual ainda hoje conservo uma pequena obra de David Mourão-Ferreira, Motim Literário, editada pela Verbo em 1962, com o carimbo da Fundação Calouste Gulbenkian.

Confesso que nunca foi minha intenção ficar com o livrinho cujo título fora roubado a José Agostinho de Macedo, mas da última vez que passei por Tomar, apercebi-me que a Biblioteca mudara de lugar tal como eu…

Entretanto, espero que esta memória não seja falsa!

 

6.5.19

Não é fácil ser...

Não é fácil ser… num país que não perde a oportunidade de adular a inteligência do chefe, sobretudo, quando se trata do primeiro-ministro.

A natureza do chefe é virtuosa e temporã. Desperta nos humildes e nos invejosos atitudes próprias dos hienídeos.

Não é fácil ser… quando o chefe é venerado por hienas cabeçudas que só sabem abanar a cauda.

(Infelizmente, as hienas não correm perigo de extinção.)

 

5.5.19

Em desiquilíbrio

À boleia do equilíbrio orçamental, velejamos mesmo que a seca se aprofunde. O paradoxo ignora a dívida, a baixa produtividade, a fragilidade da iniciativa pública e privada… 

Na origem do desequilíbrio estão as alterações climáticas - a inteligência diminui a cada hora que passa, com perogrulhada ou não - como é óbvio, em tradução portuguesa.

Lá dizia Saramago "Nunca tivemos melhor filósofo do que Pero Grullo".

 

4.5.19

A peste

Ainda estou a recuperar do castigo… do tempo perdido.

Face à balbúrdia instalada, só me resta aquietar-me, não venha o velho Tirésias revelar-me que sou fruto de algum desmando ancestral, e que para sempre devo penitenciar-me… cegar-me. 

 

3.5.19

O canivete português

Ainda pensei na espada de Dâmocles! Depois pensei na Excalibur… no gládio ungido do Mestre da Paz… no entanto, vou ficar-me pelo canivete português - à sorrelfa, o truão lá vai repartindo o quinhão.

O resto é conversa de empanturrar! Por exemplo, diz o enfatuado: - "O professor no topo de carreira ganha «à roda de três mil euros.» Ganha mas não recebe! Em muitos casos, não chega a receber 1900 euros líquidos… Vá lá! Multipliquem por 14...

 

2.5.19

Amanhã

Francisco Goya, 3 de maio de 1808

Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya
 (Poema lido por Eunice Muñoz)

(…) Tudo é possível,  

ainda quando lutemos, como devemos lutar,  

por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, 

ou mais que qualquer delas uma fiel  

dedicação à honra de estar vivo.  

(…)

Jorge de Sena

O espantoso quadro de Goya é uma das imagens mais memoráveis da desumanidade do homem para com o homem. Os exércitos de Napoleão ocuparam a Espanha, mas no dia 2 de maio de 1808, os cidadãos de Madrid levantaram-se contra os franceses. No dia seguinte, o exército francês revidou com uma terrível vingança, executando centenas de rebeldes e muitas outras pessoas que eram apenas observadores dos inocentes. Goya só conseguiu registar esses factos alguns anos depois, quando o rei Fernando VII foi reconduzido no trono espanhol. O quadro transcende o contexto histórico específico e demonstra duas características principais da arte de Goya: suas imagens marcantes e diretas, e sua moralidade que questiona mas, em última análise, é distanciada.
Este quadro de Goya intitula-se O 3 de Maio de 1808 em Madrid: Os Fuzilamentos na Montanha do Príncipe Pio, embora também seja conhecido por Os Fuzilamentos da Moncloa.
É pintado de forma totalmente anti-retórica: num charco de sangue, três cadáveres no chão, enquanto um frade e alguns camponeses esperam receber a descarga; aproxima-se deles uma outra fila de condenados que vão morrer. É noite; contra o céu escuro recorta-se o perfil da capital e, em primeiro plano, rodeado de luzes e sombras projetadas de encontro ao muro por uma lanterna, tem lugar a execução brutal e sem piedade.

A atenção concentra-se na figura do condenado de camisa branca e com os braços em cruz que desafia os soldados sem rosto, curvados e fixos no ponto de mira, enquanto o frade reza e os restantes fazem gestos de desespero, numa atmosfera ainda mais gélida, devido ao sangue que se espalha pelo chão e que chega aos pés dos algozes.
A camisa imaculada, prestes a ser trespassada pelas balas, converte-se no estandarte de uma denúncia universal contra a guerra.

              Simone Martins, 7 de outubro de 2017

 

30.4.19

Varado

Ao fim de 45 anos, Armando Vara decidiu abandonar o Partido «para evitar qualquer embaraço» ... E eu que pensava que ele já tinha sido expulso!

São estas cumplicidades que vão dando cabo da Democracia. 

Diz o ministro das Finanças que o País não pode suportar encargos de 635 milhões de euros com os professores. Talvez! O número é de tal dimensão que tenho dificuldade em acreditar na palavra de Centeno. 

No entanto, o mesmo ministro está preparado para gastar mais de mil milhões de euros com o Novo Banco…

 

28.4.19

De plantão

Lembra-me aquele dia em que assentei praça no Quartel das Caldas da Rainha e, logo ali, fiquei de plantão. Nem os azulejos das casas de banho me escaparam…

Há dias assim! Cada vez mais, sempre a servir, caso contrário o caos instala-se definitivamente. Não se trata de uma condenação, mas de contenção da irracionalidade - o aluvião.

Fico-me por aqui! 

Se não me entendem é porque nunca estiveram de plantão. Explicar para quê?

Em Espanha, por exemplo, andam todos cheios de razão, porque nunca enfrentaram um pelotão de fuzilamento… Já passaram 80 anos!

 

27.4.19

O talento português

«... proponho que olhemos o talento como 'uma expressão concentrada de saberes e competências', dirigidas para a realização de algo concreto.» Luís Bento, O Prazer da Transgressão, pág. 26, On y Va, 2019

No entanto, com tanta gente jeitosa na montra, esperar-se-ia mais obra, mas, infelizmente, esta é pouca e de qualidade ranhosa.

Por exemplo, depois de nos dizerem que 'a europa é aqui' ou que 'nós somos a europa', agora querem convencer-nos que devemos 'gastar bem os dinheiros da europa'... 

Nem era preciso afixar cartazes com tais proclamações. 

Houve sempre quem revelasse um talento especial para se apropriar das especiarias da Índia, do ouro do Brasil, do bacalhau da Terra Nova, das remessas dos emigrantes, dos diamantes e do café de Angola, São Tomé e Timor, dos fundos estruturais europeus, dos empréstimos do FMI e do BCE…

Não nos faltam nem manhas nem ardis para fintar todo o mundo e ninguém. Não me venham é dizer que a 'europa é aqui' ou que 'nós somos a europa'. Por favor, não desvirtuem o glorioso passado!

 

26.4.19

Uma conversa esclarecida

«O António Barrasquinho, o Batola, não tem ninguém para conversar, não tem nada que fazer. Está preso e apagado ao silêncio que o cerca.» Manuel da Fonseca, Sempre é uma companhia.

Se me colocar no lugar do Batola, apenas conversarei sobre o tempo e, talvez, sobre a desertificação da planície sem pedir contas aos holandeses e aos franceses que alugam as herdades…

Se vestir a pele do António Barrasquinho, não o acompanharei no assombramento que o invade, mas estarei com ele no que respeita à inexistência de parceiro para conversar…

Uma conversa esclarecida sobre o que nos cerca faz falta. Por exemplo, sobre o que acontece por estes dias em Espanha, em França, em Marrocos ou na Argélia…

A novidade do que por lá ocorre seria uma boa ajuda para sacudir o marasmo que nos asfixia ou escrutar a «mão de vaca» do Centeno.

 

25.4.19

No 45º ano de abril

No ano passado escrevi:

«No 25 de Abril, continuámos a olhar para trás e, felizes, sentimo-nos superiores aos espectros do Estado Novo... No intervalo, contentamo-nos com a devassa, sempre invejosos dos sucessos e das malfeitorias dos nossos semelhantes…»

Hoje, verifico que uns foram trabalhar e que outros aproveitaram para celebrar e passear. 

A novidade é que o 25 de Abril já não necessita dos espectros do Estado Novo. A cúria envelheceu de tal modo que o espelho que a reflete se desfaz em cacos, que se pavoneiam pelos palcos que lhes vão oferecendo à custa do erário público…

Interessante seria saber qual é a percentagem dos que trabalham, dos que celebram e dos que passeiam e como é que a atividade deste dia se materializa nas urnas.

Quanto à devassa, à inveja e às malfeitorias, não encontro nenhum indicador de mudança. 

 

 

 

24.4.19

No desconcerto

Cansado. Física e mentalmente. Passo e palavra desconcertados.

Revê o passado e nota que as vozes de hoje não passam de réplicas de outras vozes, agrestes e acusativas - rejeita o determinismo, mas a evidência insiste em contrariá-lo.

Hesita entre a primeira e a terceira pessoa do singular. O plural desenha-se como arquipélago para onde nunca viajou. Até o género o faz titubear - a hora é de preposição; isto é a 'loja é de cidadão' - dizem que a redução dá votos…

No desconcerto, vislumbra que talvez possa aprender, que 'talvez' é imprescindível, e que ensinar é adiar… porque ao servo apenas lhe é mudado o dono: a herdade continua lá; na herdade já não há ratinho, mas há nepalês… o indígena gasta os dias no jardim autárquico…

E depois, chega a unidade - a grande mentira - nem no início! 

 

23.4.19

Atordoado

Dizem que o tordo, na época em que as uvas estão maduras, anda quase sempre atordoado.

Esta manhã, olhando aqueles jovens rostos, comecei a pensar que uma boa parte estaria alienada - a consciencialização de que há vida para além do EU tornara-se impossível! Como explicar a 'alienação'? 

De repente, pensei que estariam simplesmente atordoados. Quis acreditar que aqueles jovens eram vítimas de excesso de informação, de notícias falsas… Vítimas? Como os habitantes da Alcaria de Manuel da Fonseca?

Também eu já macerado, sentia-me atordoado. E o meu atordoamento agravou-se ainda mais quando compreendi que não fora informado do falecimento da Isabel Rodrigues… A Isabel que conheci com outros apelidos em tempos distintos - que conheci no ITAU em 1973... A Isabel que se esgotava no seu perfecionismo… e a quem fui dando a mão em tempos difíceis… partiu, para mim, inesperadamente, sem um singelo aceno…

 

22.4.19

Não vejo a chama...

O medalhão de pescada, apesar de se encontrar no centro da frigideira, não aloura como os que o circundam. Viro-o e o resultado é o mesmo. Não faz sentido… Só depois de observar a posição da chama, percebo que o centro não corresponde ao que eu vejo…

Ainda pensei que a minha labuta tinha um sentido: reduzir o caos. Recordo que, há mais de 40 anos, José Rodrigues Miguéis apostava na «programação do caos» ... Ora, a experiência pessoal ensina-me que, na maioria dos casos, a realidade não corresponde nem ao que vejo nem ao que anseio…

Talvez seja por isso que lido mal com as celebrações privadas e públicas, se a distinção ainda faz sentido…

Sinto-me afetado pela desproporção, tantas são as evidências… e por aqueles que, por estes dias, agitam bandeiras de um tempo morto.  

 

21.4.19

Um dia que fugiu do calendário

Tudo um pouco diferente, sem chuva nem vento, com alguma família mais ou menos azafamada.

Um dia de árdua satisfação, apesar do peso nas pernas e da leve irritação que me assalta as meninges - mesmo agora me vi forçado a destrinçar quem era o Mário Emílio Forte Bigotte Chorão, tudo porque José Régio o menciona na sua correspondência… Começo a pensar que o Régio seria hipocondríaco, versão portuguesa do amado Marcel Proust.

Olho para o que falta, e pressinto que a azáfama ainda não terminou. Os dias de festa são assim: há uns que aproveitam e outros que amargam.

(…) E agora que é tempo de Páscoa, mandou o governo devolver o IRS que cobrou indevidamente…

Ou como escreveu Saramago: «Agora que veio o tempo da Páscoa, o governo mandou distribuir por todo o país o bodo geral, assim reunindo a lembrança católica dos padecimentos e triunfos de Nosso Senhor às satisfações temporárias do estômago protestativo.» O Ano da Morte de Ricardo Reis, pág. 306, Porto editora.

 

20.4.19

Chegada à Portela

Chegada ao aeroporto da Portela, logo perguntou pelo mar - pela cor, pela areia, pela água…

Partimos de imediato para a Ericeira. Chegámos rápido, com a sensação de que a chuva de abril poderá vir a ser insuficiente - apesar do amarelo e do verde, a terra parecia seca, arenosa.

Na Ericeira, muita gente espraiava-se pelas ruas, pelas amuradas e pelas esplanadas… e alguma, deitada nas exíguas línguas de areia, desfrutava o sol e o vento da tarde deste ameno sábado. (A penumbra esbatera-se!)

Ela desceu ao areal, mergulhou, por momentos, os pés nas águas atlânticas, e regressou em silêncio como se São João Batista acabasse de a libertar de todas as impurezas da Alemanha imperial…

 

19.4.19

Penumbra

A única palavra-síntese que me dá conta da luz do dia é 'penumbra'. 

Lá fora, o rio-cinza espreguiça-se, incapaz de seguir o seu destino. Preguiçoso, contorna a única língua de terra que avisto, embora a afirmação não seja totalmente verdadeira, pois uma via rápida dá-me conta do fluxo do trânsito que se dirige maioritariamente para Sul… para lá da penumbra…

Nesta sexta-feira, para uns tantos, santa, eu até gosto desta quase sombra, prenúncio de acalmia mesmo se efémera.

E se, afinal, a ressurreição mais não fosse do que a passagem da luz para a sombra? 

Sei que a hipótese é um pouco herética, mas já estou cansado de tanta 'aleluia'...

 

18.4.19

Mais perto do chão

Nada tem avançado, mas dizem-me que estou mais perto.

Talvez por isso, hoje decidi aspirar a casa. O Kirby foi contemplado com dois novos acessórios, o que me levou a querer pô-lo à prova. 

A publicidade diz que o Kirby é o Ferrari dos aspiradores! Pensa-se que com ele 'tudo será mais fácil, tudo será mais rápido, mais leve', mas, no meu caso, não tendo recebido formação - na rua dos Soeiros, Lisboa, propuseram-me umas aulas para melhor manuseamento do protótipo - acabei derreado…

Estou mais perto do chão… Porém, não estou só! 

Ainda ontem, ouvi que a Ilha da Madeira não dispunha dos sacos funerários necessários, apesar dos milhões gastos em fogo de artifício no Funchal.

Em 2018/2019, foi estabelecido um novo recorde madeirense, com mais de 174.000 fogos de artifício lançados com um total de 26 toneladas de explosivos.

 

 

 

 

 

17.4.19

Não se incomodem!

Uns pagam o mínimo possível e ninguém lhes põe a vista em cima. Outros são mal remunerados, são manipulados… dizem o que lhes mandam: todos adoecem, têm família, e nesta páscoa querem um futuro melhor; na próxima logo lhes dirão o que fazer…

O governo zela pelo cumprimento da lei da greve, mesmo que esta afete sectores vitais da atividade económica, da vida doméstica - os indicadores apontam todos na mesma direção: não incomodar o capital, público ou privado.

 

 16.4.19

Oremus pro nobis!

Dentro de cinco anos, a catedral de Notre Dame estará restaurada. Os milhões de euros necessários não faltarão. Os ricos já estão a reservar o lugar na catedral e no céu, e os pobres também querem ajudar para garantir a vida eterna… 

Cá nesta vida, daqui a cinco anos, as vítimas do Ciclone Idai já terão morrido ou continuarão sem habitação, sem pão, sem educação, sem os devidos cuidados médicos...

 

15.4.19

A Catedral

«Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois não se dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que não se sente.» Álvaro de Campos

A catedral arde em Paris. Não resiste à voragem do fogo e, provavelmente, à imperfeição humana, para lhe não chamar incúria ou mesmo malvadez…

A hora é de emoções para muitos.  A hora é solene para uns tantos… mas, neste caso, fingir (não) é conhecer-se…

«Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser. // Fingir é conhecer-se.»

 

14.4.19

D. João III em Portalegre

Nunca gostei do D. João III! Sempre o associei a uma inflexão negativa do rumo político, em que o homem se viu obrigado a submeter-se à Igreja mais conservadora e inquisitorial…

De qualquer modo, em 1550, elevou a vila de Portalegre a cidade… e pela observação que pude fazer ao percorrê-la, na segunda metade do século XVI, havia suficiente riqueza para edificar um vasto património, consolidado nos séculos seguintes, mesmo durante a ocupação vizinha…

Não sei se a Contra-Reforma já foi extinta nestas terras, tantas são as extensões de terra de tão poucos proprietários. 

Os Cristos de José Régio, por outro lado, despertam em mim a ideia de que o colecionador, mais do que um penitente, era um libertador das mentes retrógradas que por ali habitavam, resignadas e submissas.

 

13.4.19

Da criação do José Régio

Ainda há quem viva noutro país - o atual está cheio de sinais de proibição! - entre a igreja e o pasto. Hoje, é mais pasto para turista consumir! 

As ruas de Portalegre são íngremes e estreitas, com memórias restauradas para forasteiro ou, então, em ruína com promessa de requalificação para gentes que hão de vir de fora…

Também eu pareço ser da criação do José Régio - os sinais multiplicam-se como se eu continuasse a viver noutro tempo…

Só a pé consigo dar conta desse tempo … O problema é que para o conseguir, necessito do silêncio monástico que me está, de todo em todo, interdito.

Ao visitar a Casa-Museu de José Régio, pensei que os professores, a partir de 1927, em Portalegre, deveriam ser muito bem remunerados… No entanto, sei que a explicação terá que ser outra… a começar pela ignorância dos campónios…

 

12.4.19

Da efemeridade dos homens

Assim se comprova a efemeridade dos homens.

Se passar por Portalegre, não se esqueça de visitar o frondoso plátano, com vista para o Hotel José Régio, e, sobretudo, de observar a sua vitalidade. José Régio que um dia escreveu 

Toada de Portalegre

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu Morar nela...
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego. 


11.4.19

O lenhador

Apesar do ar decrépito da árvore, o lenhador terá decidido que a hora dela ainda não soou. Por ora, serve de abrigo às aves que, ao anoitecer, nos embalam nos seus finos trinados, apesar dos finórios que se nos atravessam no caminho…. e que se multiplicam a cada dia que passa.

 

10.4.19

Em três sílabas

«Ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato.»

          Alexandre O'Neill

A opção de Alexandre O'Neill pelo plástico revela-se hoje politicamente incorreta. Azar de Poeta! Com três sílabas, bem poderia ter optado pela 'cortiça' ou pela 'madeira', certamente mais caras…

Teríamos, de qualquer modo, um Portugal florestal prestes a arder em três sílabas, deixando atrás de si nuvens de cinzas ecologicamente incorretas…

Não entendo o empolgamento do comissário Carlos Moedas com a primeira imagem de um buraco negro.

                                      

9.4.19

... a tentar perceber...

… a tentar perceber o que é que move os políticos - os sinais são contraditórios: uns agarram-se com unhas e dentes à família, outros procuram afundá-la; há quem não queira sair da Europa, embora também haja quem procure entrar para a desmantelar…

… a tentar perceber o que é feito da prometida regulamentação das promessas eleitoralistas…

… a tentar perceber aquela brasileira que, chegada a Portugal, descobriu que 'o regime é socialista e que se soubesse não tinha vindo'...

… a tentar perceber se a senhora May é mesmo tola ou se o brexit é, afinal, um sinal da queda da europa…

… a tentar perceber se o militarismo do Bolsonaro é a expressão da incapacidade da classe política…

… a tentar perceber tanta crise existencial juvenil, tanto laxismo parental, tanta burrice institucional… 

 

8.4.19

As eleições europeias

«Os Europeus têm de escolher entre continuar no atual mergulho em direção a um sistema internacional entrópico e destrutivo, ou inverter o rumo, deixando frutificar as sementes federais que sempre existiram nos projetos de construção europeia. A escolha é entre a desordem de Behemoth e a esperança de paz e progresso de Leviatã.» Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, pág. 207-208.

Até à data, ainda não ouvi (nem li) nenhuma proposta de clarificação do rumo europeu. Parece que o importante é assegurar o lugar… 

Os candidatos a eurodeputados deveriam prestar provas escritas sobre o pensamento político de Thomas Hobbes (1588-1769) e Immanuel Kant (1724-1804).

Aos candidatos portugueses, considerando as suas limitações, recomendo a leitura da Obra «Portugal na Queda da Europa».

 

7.4.19

Porque será?

O número de tolos é infinito.

Ninguém é tão tolo como um tolo intencional.

Ninguém é tão tolo que não possa ensinar…

… a verdade é que a maioria prefere 'viver debaixo da vassoura'. Porque será?

Quem começa pela 'verdade' acaba a mentir… 

O melhor é seguir a lição de Pieter Bruegel, O Velho.

 

 

 

6.4.19

Come un Gatto...

Come un Gatto in Tangenziale, filme de Riccardo Milani, 1977 (12ª festa do Cinema Italiano)
Uma comédia divertida sobre políticas de integração. 

Dito de outro modo, tudo começa a mover-se no dia em que o intelectual Giovanni, defensor da integração social negociada em Bruxelas e Estrasburgo, se vê obrigado a entrar num bairro dos subúrbios de Roma, por causa dos amores da filha…

Apesar das dificuldades encontradas, Giovanni sempre acaba por aprender alguma coisa, ajudando a salvar (a integrar) algumas almas, muito por força da 'angélica' Mónica...

 

5.4.19

A questão não está em saber quem cunhou a ministra

Vieira da Silva sobre filha no Governo: “não tenho interferência nenhuma” 

Nem S. José, o carpinteiro, ousou blasfemar de tal modo sobre o filho que Deus lhe outorgou.

A questão não está em saber quem cunhou a ministra, mas em perceber se não havia ninguém mais qualificado…

Num país de gente desqualificada, quem tem meio-olho é rei!

 

4.4.19

Um olvido demolidor

Face ao alarido que se abateu sobre a classe política, designadamente a governamental, concluo que não tenho família ou, pelo menos, não tenho familiares colocados na área política… a não ser que a família tenha concluído que me faltam requisitos para motorista, porteiro, chefe de gabinete, secretário…

Numa época, em que o propósito parece ser o de demolir as instituições, creio que esta balbúrdia se justifica. Sendo a 'família' um pilar do Estado Novo que entrou em convulsão na Terceira República, o que não se compreende é este favorecimento, a coberto de um olvido demolidor… embora, pessoalmente, não estranhe a situação, pois raramente os meus interlocutores se lembram do que era suposto terem feito no dia anterior ou até no próprio dia…

Na semana passada e nas anteriores, eram os banqueiros e os governadores, todos amnésicos, e já me esquecia do excelentíssimo da fonte termal / Boliqueime. De acordo com a lenda, quem nela mergulha passa a sofrer de distorção da memória.

 

3.4.19

'Quase pouco'

«Talvez porque o escuro junta as coisas, costura os fios do disperso.» Mia Couto, O pescador cego

Logo pela manhã contaram-me a estória de um pescador que perdera um olho porque se esquecera do isco para a pescaria… A razão pareceu-me não ser da ordem do esquecimento. No entanto, o esclarecimento não chegou. O peixe não resistiu ao engodo vítreo… A estória amputada acabou nos braços da esposa outrora rejeitada, como se Jocasta tivesse, de novo, acolhido no seu seio filho e marido pelos peixes do olimpo castigados…

Com a chegada do escuro, lá fui revisitar o pescador de Mia Couto e, afinal, trata-se da estória de um CEGO MACHO e não de qualquer Édipo freudiano, mesmo se «quase pouco» ...

 

2.4.19

Ainda há «engenhos"...

Ótimo aproveitamento dos componentes de computadores atirados para a sucata, que, desolado, fui observando sob as escadarias laterais que dão acesso ao primeiro piso…

Por ali passou algum zéfiro que decidiu brincar com o velhinho maltratado que persiste à entrada do Liceu Camões…

Afinal, ainda há "engenhos" capazes de interpretar o tempo em que vivemos - metálico e digital…

Os meus parabéns aos estatuários!

 

1.4.19

A mentira

O povo está feliz! Já pode inverter o percurso e ir viver para o campo ou para a praia. 

Vem aí a boa vida! A semana de trabalho de três dias e trabalho para todos, mal remunerado - que importa? 

Com a poupança no passe, já é possível pagar o infantário e o colégio das crianças e até amortizar umas tantas imparidades familiares.

Anuncia-se, entretanto, que a taxa de casamentos vai aumentar e a de divórcios diminuir, sem esquecer a multiplicação de carrinhos de bebé nas faixas criadas para os velocípedes…

O metro já começou a acelerar, reduzindo em 5% o tempo de espera; nos cais, os cachos humanos diluem-se. 

Nas paragens de autocarro, a vontade de conviver intensifica-se; afinal, os atrasos não passam de uma abordagem subjetiva de quem não compreende a mudança em curso…

E depois há os novos comboios, as novas carruagens, os novos catamarãs, os novos autocarros a gás e a hidrogénio… tudo novinho, a baixo custo, a chegar dentro de momentos...

E se esperarem um pouco mais, também não faltarão os novos hospitais, as novas escolas, os novos presídios, as novas barragens, os novos albergues, os novos fontanários. Tudo novo!

Tal qual como no Estado Novo!

Eu por mim, já encomendei o passe! Só não sei é se irei chegar a horas! Pouco importa!

 

31.3.19

A hora mudou!

A hora mudou! Será verdade? Estou a sentir-me roubado… E parece que amanhã vou ser enganado!

Já não há respeito pelas estações. Até há quem diga que elas estão a mudar. Não creio.

A mudança deve ter causa humana! A ração está atrasada. O arame farpado só pode ter sido inventado por uma mente perversa… a mesma que inventou os direitos e os deveres, sem esquecer os calendários…

 

30.3.19

Qualquer coisa

'Qualquer coisa' é expressão indefinida, vaga… afirmação 'empacotada'. É menos do que 'azul', cor do céu e do mar e da maioria das linhas que me preenchem o sábado.

Ao contrário de 'qualquer coisa', não desgosto do azul… Sei que há quem veja nele ´qualquer coisa" de divino e quem o contraste com o rosa, como se a humanidade ignorasse o arco-íris… 

O curioso é que por causa de 'qualquer coisa', as linhas azuis estão a ficar avermelhadas, forma eufemística de evitar os cravos que deveriam macerar as carnes…

Em 'qualquer coisa' não há substância, nem forma, nem cor, mas pode tornar-se uma maçada. Para uma massada, tenho necessidade de algo mais sólido, mais definido, mesmo se empacotado…

 

 

 

29.3.19

Só a desaceleração

O fio de Ariadne pode tornar-se desesperante para quem não dá conta da mudança de protagonistas - ano após ano, o iniciado procura desenvencilhar-se dos obstáculos, com o erro aprendendo o caminho, pensar-se-á…

O problema é a inércia mental daqueles que fazem fé na evolução humana, ofuscados com o progresso que os embala.

(Só a desaceleração pode evitar que o fio quebre.)

Deixemos as mãos colher a terra, a água transformá-la em barro… e depois o sol, em dia de calor ou de forno…

 

28.3.19

A política da miséria

«Quem não sabe encontrar causas, gosta de encontrar culpados.» Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, pág. 119

Antero de Quental soube identificar as "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares". Punha de parte a política ultramarina e apostava no federalismo ibérico...

Até à data, a União europeia não soube (ou não quis) apostar no federalismo da União. Nós embarcámos sem avaliar as consequências... mas elas são evidentes: 

  • Remunerações de miséria.
  • Dependência absoluta da política de crédito.
  • Incremento de todo o tipo de subsídios com o inerente clientelismo, familiar ou outro, pouco interessa.

 

27.3.19

A perseveração

perseveração - manifestação de inércia mental que se traduz pela sustentação de uma forma de atividade quando uma forma diferente deveria tê-la substituído. (Porto editora)

São 10 horas!

O corpo move-se lentamente na galeria; latejante, a cabeça procura na névoa ocular uma explicação fisiológica - bem sei que existe um diagnóstico de maculopatia ocular da idade… 

No entanto, perseverante, procuro a causa fora do cérebro. Encontro-a no Dicionário, no verbete acima.

Confronto a definição com o que se passou nas duas horas anteriores e com o que se irá passar nas horas seguintes. Em cheio!

Em tempo de inclusão, só me resta ser contemporâneo…

 

26.3.19

Os figos de março

Os figos de março começam a amarelecer. 

Resta saber se estão com pressa de amadurecer ou se simplesmente já estão a definhar.

"Tanta vida" é expressão frequente de iniciativa, de dinamismo, de entusiasmo e, depois, inesperada a notícia da morte serôdia, injusta…

Mas porquê, se os figos despontam tantas vezes fora de tempo… 

 

25.3.19

Uma figueira extemporânea?

Estamos em finais de março! E a figueira carregada de figos parece estar ali plantada para chamar a atenção para o desnorte do Tempo que, benévolo e irónico, insiste em trocar-nos as voltas…

Há quem pense que este fervor da figueira é uma consequência das alterações climáticas. Por mim, este argumento é inconsistente.

Por mais que façamos, o Tempo (o que nos governa ou nos devora) ora é cruel ora é magnânimo para que não esqueçamos quão efémeros somos e, sobretudo, que estamos à sua mercê…

Entretanto, esperemos que o Tempo não nos dê cabo dos figos lampos.

 

24.3.19

Aprender com as térmitas

Vus à hauteur d’homme, les termites ne sont rien d’autre que des petits êtres nocifs : de médiocres fourmis blanches, tout juste bonnes à dévorer nos charpentes et à nourrir d’autres insectes. Mais qui s’est rendu un peu plus au Sud, sur le continent africain, et a admiré les cathédrales de 6 à 8 mètres érigées par certaines colonies pour y cultiver les champignons dont elles se nourrissent, abandonne immédiatement tout mépris. (…)

Pois é, parece que o nosso desprezo quase instintivo não passa de soberba precipitada… Os nossos sentidos, embora essenciais, revelam-se fonte de enganos. A nossa pressa de vencer derrota-nos a cada momento…

(…) De manhã, dois mestres concordavam na ideia de que conquistar países é uma caraterística humana. Nem sequer punham a questão em termos de necessidade de alargar o território…

A cegueira humana é desesperante. Veja-se o caso do Reino Unido que insiste em arrastar o processo "brexit" até à véspera das eleições parlamentares europeias… Quem é que pode confiar na lucidez humana?

Talvez as térmitas nos possam ensinar a resolver as nossas idiotices…

23.3.19

Neste terreiro de papel

Aqui estou eu a descer e a subir páginas, sem me cruzar com qualquer marquês nem respirar o carbono da avenida, dita, da liberdade… 

No centro da página, não há vestígio de imperador - apenas súbditos - e nas margens, vão-se acumulando hieróglifos vermelhos em perda de intencionalidade…

No paço, apenas o cavalo, apeado, por força de uma austeridade cuja origem continua encoberta, porque, à época, o que interessava eram os fundos de coesão.

De qualquer modo, neste terreiro de papel, o futuro parece esconder-se numa linha invisível pronta a sumir-se com ou sem palha…

 

22.3.19

Esta notícia só pode ser falsa

Uma notícia fere-me a vista.

Cerca de 23 mil euros (18,943,20 euros + IVA) foi quanto custaram a mesa de reuniões e as 22 cadeiras que o gabinete do ministro de Educação adquiriu.

Espero que o senhor Tiago Rodrigues não tenha sido ouvido nem achado na decisão. Seria paradoxal caso ele tivesse encomendado tal mobiliário para o seu gabinete, já que, até ao momento, o ministério da educação tem sido governado pelo ministério das finanças. 

Em matéria de gestão do orçamento, o senhor ministro tem sido tão cumpridor e submisso que provavelmente a notícia será falsa.

 

21.3.19

Os escritores

Parecem um nadinha pálidos, redundantes, confusos, densos, lentos - os escritores.

Não percebem nada de pontuação! Nunca respiram! Uns totós sedentos de atenção! Têm a mania que são profundos, que percebem de filosofia e de religião, de história e de geografia, e, em particular, de política… Vivem em jarras de flores murchas e nutrem-se de paraísos perdidos… E depois todos os anos deitam cá para fora dois ou três livrecos para nos martelar os miolos… sem perceberem que o resultado é uma massa consistente, fétida…
Peço desculpa, no dia da Poesia, deveria ser proibido deitar o lixo pela janela. Só que os Poetas não são escritores…

«Um génio antipatriota é um fenómeno, não direi vulgar, mas aceitável. Um operário antipatriota é simplesmente uma besta.» Fernando Pessoa, Em arte tudo é licito desde que seja superior.

 

20.3.19

Insatisfação... quântica

Peso as palavras. Cansaço. Esgotamento. Impaciência…

Um grama a mais, um grama a menos. Um problema de género, jansenista.

Insatisfação semântica… quântica, outro modo perdido de distribuir e combinar as partículas.

Talvez saturação, quem sabe, desorientação, realidade tão pesada que nem a fuga conseguirá fazer recuar…Nem o sorriso escarninho que ilumina o gaveto me serena - nem o silêncio.

Peso as palavras ruidosas.

 

19.3.19

No dia de S. José

O meu pai não se chamava José e era agricultor. S. José não era pai de verdade, e consta que era carpinteiro. Eu também não sou carpinteiro nem sou José.

Sou pai, mas não quero que seja o meu dia, esse já foi, e já pouco interessa, ficou noutro lugar bem longe de Belém sem ter tido necessidade de me esconder de Herodes… 

A verdade é que não quero ser o Orfeu que perdeu a Eurídice, irremediavelmente.

Estou em crer que S. José detesta pombas e que lho recordem.

 

18.3.19

fora de qualquer pontuação

(…)
Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa
(…)
João Cabral de Melo Neto

eis uma sensação antiquíssima 

cada vez mais pesada 

explosiva que de tão contida

se deixa cair pelos dedos abaixo

fora de qualquer estação

fora de qualquer pontuação

apenas o ainda branco respira 

apara a queda das pétalas 

 

17.3.19

A cela é tudo

Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo? Bernardo Soares, 23-3-1930


'Em fuga' parece ser o apelo irresistível de quem imagina a vida como um oásis - a viagem do neófito ávido de novas sensações em paisagens distantes… Mesmo que o intelecto antecipe que o desejo não passa de ave passageira, a vontade caprichosa não se importa de hipotecar o corpo, como se ele não fosse o único bem…

Escancarada a cela, nada nos espera… nem mesmo a brisa nos arrastará para o mar.

 

16.3.19

Estamos a facilitar a radicalização

«Nós estamos aquiNós viemos aqui para dizer que sois culpados. Nós repetimos aqui que sois responsáveis pelo que nos está a acontecer. Nós prometemos aqui que vamos voltar, até porque não temos plano B...» 

'Nós, a juventude, viemos até aqui convencidos de que a melhor arma é a frase-martelo. Reconhecidos no aplauso coletivo e institucional, estamos prontos, ou quase...'

Um destes dias, o Ato ignóbil bater-nos-á à porta. Então, não haverá quem explique a radicalização dos protagonistas…

No entanto, bastava no tempo certo ter ouvido o martelo e ter analisado as imagens para perceber o que aí vem. 

Sem aplauso!

 

15.3.19

Conversa arrevesada

Com o petróleo chegou o plástico facilmente moldável. Em 100 anos, as aplicações do plástico multiplicaram-se com vantagens em muitas áreas da atividade humana. Entretanto, o plástico caiu em desgraça, pois será responsável por grande parte da destruição da Natureza… 

As cruzadas estão em marcha… Neste domínio, como em muitos outros, convém ter à mão um bode (balde?) expiatório e deixá-lo imolar, de preferência, pela juventude… O problema é a grande indústria que há muito tempo aprendeu a acarinhar os movimentos contestatários…

Pena é que, no meio de todo este empastelamento secular, se tenham esquecido de fabricar os livros em plástico, embora, em muitos casos, a plastificação de cadernos e livros tenha sido um bom negócio…

Aposto que se o papel dos livros tivesse sido substituído pelo plástico, hoje, o dia seria de enorme satisfação…  - Para quem?

 

14.3.19

Raro é o aluno que pergunta

Próximo dos plátanos, só na distância, porque raro é aquele que pergunta o nome da árvore que em certos dias lhe magoa as narinas e os olhos, lhe intumesce a garganta… e ensombra o estio…

… só o trinado dos pássaros em voo catabático antecipa a primavera e já nem as estações são óbvias… por vezes, um besouro esquecido de que deveria anunciar as chegadas, em vez de assombrar aqueles corpos tão assustadiços… 

 

13.3.19

O caminho da gratuitidade

A citação exemplifica, ilustra uma ideia. A citação fundamenta um argumento.

No entanto, a citação pode, se parodiada, reverter os princípios que sustentam uma cultura ou fazê-la cair na gratuitidade. 

No geral, a blasfémia prefere a alusão, fértil em solos arenosos percorridos por ventos desenfreados por prestidigitadores verbais quase sempre idolatrados por uma sacerdocracia volúvel e calaceira...

 

 

 

12.3.19

À volta dos estereótipos

«Vestidos de preto que matavam pessoas, degolavam» …

Ainda pensei que fossem os sarracenos. Mas não, a versão é mais recente e mediática. Supostamente, a imagem permanece na memória juvenil ou está ao alcance do olhar vagabundo, delinquente, pronto a diluir-se numa inocência desamparada. Ou será revoltada?

Ainda procurei uma explicação mais fina, mas não, a definição não deixa pontas soltas: «o preto é a ausência de toda a cor ou luz e, em todo o mundo, está associado ao mal. É a cor do mistério, da penitência, da condenação, da angústia e representa o submundo.»

Olhei à volta, não eram muitos os que vestiam de preto, mas lá estavam dois ou três, sem albornoz nem cimitarra, creio…

Eu por mim, vou ler "Os sinais da infâmia e vestuário dos mouros em Portugal nos séculos XIV e XV". Os sinais de infâmia

 

11.3.19

O besouro

Nada fica. Porquê? Será apenas desinteresse? Ou será uma nova forma de estar, desmemoriada, para poder esticar a vida? As conexões antigas diluem-se, talvez para que outras, inocentes, possam libertar-se…

Esta rutura assusta, e há quem a explique com a falta de empenho ou, em alternativa, com as portas arrombadas, perdidas as chaves do presente.

A própria ideia de um texto fechado à chave, que fosse preciso escalonar, apavora, embora de forma distinta do terror que assalta a sala quando o besouro desorientado pela luz se projeta sobre a vidraça…

Não sei se o besouro poderia ficar… De qualquer modo, aproveitei o intervalo para o libertar para a tília sem futuro. Sorte a do besouro!

 

10.3.19

A moeda

Uma língua de terra com contornos de água - parecem margens, mas não são. As margens poderiam ser as faces da moeda, opondo-se como se cada uma representasse a escolha certa, mas não.

As duas faces não são antinómicas.  Cada uma, no entanto, é assumida como representação do Bem e expressão da Luta contra o Mal... Invertidas, traçam cruzadas mortíferas, em nome da Razão. Ou será de uma outra Fé? Porém a Fé, embora iluminada, é a expressão da cegueira humana.

Viro e reviro a moeda, e apetece-me deitá-la fora.

 

9.3.19

Incompreensível desfasamento

Questionado como explica ter usado a Bíblia para fundamentar uma sentença em que desculpabilizavam dois homens que agrediram com uma moca de pregos uma mulher, Neto de Moura afirmou que não foi "despropositado", uma vez que considera que a "sociedade é muito influenciada pela cultura judaico-cristã", assim, a citação da Bíblia "aparece como uma mera referência histórica" e "faz parte da fundamentação".

O argumento parece pertinente, só que o juiz Neto Moura está a necessitar de visitar uma sala de aula de uma escola pública para perceber que esse caldinho de cultura já viveu melhores dias. A não ser o ímpio Saramago, mais ninguém cita a Bíblia… 

O tempo em que vivemos, na prática, faz tábua rasa dos valores judaico-cristãos e se alguma coisa herdámos foram as sementes de violência…

O argumento, afinal, só espelha incompreensível desfasamento.

 

8.3.19

Talvez fosse mais sensato

Não sei se há algum rio que tenha apenas uma margem, talvez, mas longe, desenhado pela imperfeição humana…

Os rios regulados acabam por saltar a margem a que os confinamos, destruindo as sombras a que nos poderíamos acolher… 

Talvez fosse mais sensato fluirmos juntos, visto que o mar que nos acolherá não faz distinções de espécie, de cor, de classe, de orientação sexual, religiosa, política…

Infelizmente, os sinais são de divergência… 

 

7.3.19

Porque...

“... porque para os professores este Governo morreu”. Fenprof

No que me diz respeito, o Governo de António Costa continua em funções, e avaliá-lo-ei pelo (in) cumprimento das promessas…

Por outro lado, não aceito que a Fenprof se arrogue o direito de falar por mim, muito menos o senhor Mário Nogueira…

É bom não esquecer que algumas causas da atual situação resultam de opções erradas impostas pelos sindicatos dos professores.

A violência é uma consequência

A violência doméstica não terá fim, pois é apenas uma das faces da violência gerada pela desigualdade e pela injustiça que minam a sociedade portuguesa.

Nas últimas décadas, a governação só contribuiu para o acentuar da pobreza e para a degradação dos valores.

Quando a pobreza cresce e a corrupção aumenta, não há propaganda que nos salve, não há comissões multidisciplinares que possam por cobro à violência nas famílias, nas escolas, nas ruas, nas prisões, nos hospitais… A violência é uma consequência.

 

6.3.19

A experiência consumada

Não é que queira mudar o mar de lugar ou sugar-lhe todo o lixo que o mata, tento, todavia, esvaziar dezenas de pastas que fui acumulando, rasgando faturas e comprovativos de despesas que, vistas à distância, dão conta do consumismo gratuito para que fui empurrado ou confundi com a necessidade do momento… 

A experiência consumada diz-me que me tornei num mar de plástico quando me imaginava de sargaço. Enredado, vi na novidade a solução para um problema que eu próprio ia criando, colocando a carroça na frente dos bois…

A verdade é que a vida parece mais não ser do que a acumulação do lixo em que nos vamos transformando.

Talvez por isso Giovanni di Pietro di Bernardone tenha deixado Assis, longe de imaginar que um dia seria patrono de um mar que as cidades há de afogar… se não reduzirmos significativamente o consumo… 

 

5.3.19

Por este andar

Chegar ao topo é ótimo, o problema são as escorregadelas!

Não faltam exemplos de júbilo provocado pelo sucesso, em regra, efémero, mas que insistimos em imaginar como consistente… 

Sem a comunicação social e as redes sociais, a glória inconsistente seria momentânea. Talvez seja por isso que acabo de ler que o primeiro-ministro 'vai ao programa da cristina no dia de carnaval'...

Por este andar, a quaresma será tempo de tormento e durará muito para além da páscoa...

 

Perdigão perdeu a pena

Não há mal que lhe não venha.

 

Perdigão que o pensamento

Subiu a um alto lugar,

Perde a pena do voar,

Ganha a pena do tormento.

Não tem no ar nem no vento

Asas com que se sustenha:

Não há mal que lhe não venha.

 

Quis voar a uma alta torre,

Mas achou-se desasado;

E, vendo-se depenado,

De puro penado morre.

Se a queixumes se socorre,

Lança no fogo mais lenha:

Não há mal que lhe não venha.

 Luís de Camões

 

4.3.19

Não vá o caldo entornar-se

Esta noite, um vizinho resolveu colocar umas prateleiras no espaço comum das garagens, e sem dizer água vai, entrou na minha boxe e mudou-me o arquivo para o espaço público - ignoro a intenção. Desconfio, todavia, que nada aconteceu e que ando a delirar como toda a gente. Até me passou pela cabeça, ao raiar da manhã, que o melhor seria transformar o arquivo num livro temático…. Bem sei que na quadra ninguém leva a mal, vou, no entanto, antecipar a quaresma… não vá o caldo entornar-se e cair na alçada de algum neto.

 

2.3.19

Borrões, aquelas cartas

Borrões, aquelas cartas… Melhor seria que não tivessem sido escritas.

Que se saiba, desapareceram todas. De qualquer modo, resta ainda uma memória zangada, apesar do interlocutor também ter tido razões de sobra para se sentir ultrajado. Lá no fundo, a indecência nascia de um acerto de contas irracional, como se o outro, anterior ou coevo, pudesse determinar o caminho… 

A página azulada, mais do que expressão da solidão, corria vergastada de vingança não do passado mas da separação… nesse tempo em que tudo se esvaziava no sono quase diurno do que poderia ter sido a primavera…

Borrões de dor desnecessária, aquelas cartas melhor seria que nunca tivessem sido escritas… Essa primavera que nunca chegou a acontecer… ou que se chegou, foi tarde e com outras cores...

 

1.3.19

A tinta de Cesário Verde

Fui ver se o João Cabral de Melo Neto ainda continuava com dor de cabeça, e encontrei-o a discorrer sobre a tinta de Cesário Verde:

 

Cesário Verde usava a tinta

de forma singular:

não para colorir,

apesar da cor que nele há,

 

Talvez que nem usasse tinta,

somente água clara,

aquela água de vidro

que se vê percorrer a Arcádia.

 

Certo, não escrevia com ela,

ou escrevia lavando:

relavava, enxaguava

seu mundo em sábado de banho.

 

Assim chegou aos tons opostos

das maçãs que contou:

rubras dentro da cesta 

de quem no rosto as tem sem cor.

(…)

 

Nem dor de cabeça nem aguarela, apenas pomos de ouro num mundo sem cor... Amanhã é sábado! E hoje, que dia foi? Entre a primavera e o outono a escorrer para o inverno, um muro ou será uma muralha? Antiga, muda, sem queixume… só a água a pode colorir.

 

28.2.19

Neste país de fantasia lucrativa

Acabam de me solicitar o meu contributo para a elaboração de um plano de formação contínua… Neste país avançado em que a formação não passa de uma fantasia lucrativa, de tempos a tempos, voltam à carga. 

Todas as chafaricas devem ter um plano de formação adequado às necessidades dos aguadeiros, mesmo em tempo de seca.

Desta vez, apesar da chuva que vai caindo n' O Ano da morte de Ricardo Reis - chove desde outubro de 1935 - não me sinto capacitado a não ser para contribuir para um plano de formação de descontinuação.

Aqui, com grave dor, com triste acento,
deu o triste pastor fim a seu canto;
co rosto baixo, e alto o pensamento,
seus olhos começaram novo pranto;
mil vezes fez parar no ar o vento
e apiadou no Céu o coro santo;
as circunstantes selvas se abaixaram
de dó das tristes mágoas que escutaram.

(Excerto de uma écloga de Camões, cujo 1º verso foi aproveitado por José Saramago)

 

27.2.19

Embaraçado

Depois de tantos anos, saído de um modelo autoritário, com uma vaga esperança de que a democracia fosse capaz de promover a cidadania, olho embaraçado para a displicência, e compreendo que, mais um desafio pueril, estou pronto para regressar à matriz…

No entanto, travo o impulso, um dia mais…

 

26.2.19

Dá vontade de os desemparelhar

Chegam atrasados, esperam pelo intervalo e fazem de conta que chegaram a horas, arlequins... Sentam-se aos pares, e casos há… que têm muito que esbracejar...

Dá vontade de os desemparelhar… mas se não há campos por lavrar para quê colocar-lhes a canga… ou será o jugo?

Depois há os smartphones. Lembram-me as grilhetas do Prometeu, só que o fogo extinguiu-se. O Cáucaso para quê se ali adiante o rio corre sem saber se a água em que se banha vem do mar ou dos afluentes… E mais para sul, o casario, todas as janelas fechadas, só as obreiras apressadas titilam a rua sem saber se são varinas ou criadas… e podem-no fazer porque o deus do dilúvio se terá mudado para uma outra galáxia… Que inveja! 

 

25.2.19

O muro

Lembro-me de um conto de Sophia, em que, de súbito, uma fenda se abria no muro da penitenciária - ou seria da casa? - e o grito da vítima crescia até quebrar o silêncio imposto pelo Estado Novo…

Por estes dias, oiço que o muro do ministério da educação se tornou inexpugnável, mas não sei como, porque, na minha perspetiva, este ministério, como outros, só existe para encobrir outro… Tal, como no estado novo, quem decide é o ministro das finanças… 

Por isso, o protesto deve procurar o verdadeiro interlocutor, e o melhor é procurá-lo em Bruxelas! É lá que ele se ufana de oferecer migalhas ao povinho e distribuir milhares de milhões aos corruptos…

 

24.2.19

Esta noite

Esta noite vi-me numas acomodações enormes, cujos extensos corredores despejavam para os quartos centenas de convidados de um casamento. Ou seria de uma eucaristia?

Não sei onde ou se dormi, visto que nos meus olhos desfilavam ininterruptamente grupos vestidos a preceito, eles de preto e elas de branco… 

Dos noivos e do celebrante, não obtive qualquer notícia. Talvez já tivessem partido ou até desistido…

Ao fim da manhã, dei conta que os convidados se precipitavam para o almoço sob uma vasta tenda presa do azul do céu…

Sem nada entender, pus-me a caminho, olhando os grupos que apressadamente ocupavam os seus lugares. Por mais que fixasse o rosto de cada um dos comensais, todos me eram estranhos… Circulei por todas as mesas, não havia um único lugar vago… ou seria vazio?

Apesar de sentir que a minha hora ainda não tinha chegado, não pude deixar de pensar no que estaria ali a fazer, como é que tinha ali chegado… e era tudo tão carregado.

 

 

23.2.19

O elogio funambulesco

Marcelo Rebelo de Sousa: Arnaldo Matos “ficará na memória de todos como um defensor ardente da liberdade”

O que dizer das sábias palavras do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e sobretudo do seu conceito de 'liberdade'?

Tenho pena de não ter passado a escrito o que fui observando a partir de 1974. Das palavras de ordem que lembro, até as compreendo, pois a mudança só seria verdadeira se a guerra no ultramar acabasse… Tudo o resto, era alinhamento… No Liceu Passos Manuel (assim como na Faculdade de Letras de Lisboa), a guerra era entre comunistas e maoístas, apesar do pretexto ser o combate à nova direita que abarcava tudo o que era herdeiro do estado novo, socialistas incluídos… O tempo era de saneamento após julgamento sumário…

Tudo era feito em nome da Liberdade, justa ou injustamente pouco importava. Era o tempo das novas oportunidades!

 

22.2.19

Somos família!

Aqui, na Lusitânia, somos família. 

O governo, para além de ser família, é constituído por duas ou três famílias - basta reparar nos apelidos…

Na cultura, é difícil ignorar o peso da família. 

Na universidade, mais do que família, é linhagem. 

Na finança e nos negócios, movem-se famílias inteiras.

Até nos tribunais e nos escritórios, os nomes de família são herança…

E quem não é família não tem futuro - basta reparar na violência…doméstica ou outra. 

As vítimas só o são, porque preferem não ser família ou foram atiradas para a dependência total da estado, do patrão, do pai, do marido, da seita, da casta, do partido, do clube…

Aqui, na Lusitânia, para o bem ou para o mal, somos família!

 

 

 

 

 

21.2.19

O direito ao esquecimento

Juppé plaide pour le « droit à l’oubli » avant d’entrer au Conseil constitutionnel

Les députés ont approuvé très largement la nomination de l’ancien premier ministre, qui a estimé que ses succès électoraux à Bordeaux avaient la valeur d’un pardon politique. 

Ora aqui está uma notícia que me deixa perplexo. Ainda pensei que a classe política francesa visse o esquecimento como a tradicional «travessia do deserto» a que muitos políticos se entregam, quando afastados do poder, para regressar como se nada tivesse acontecido - um ritual de angelização tão do humano agrado…

Afinal, não somos só nós, os franceses saíram me cá uns anjinhos!

 

20.2.19

O novo paradigma educacional

Em nome do novo paradigma educacional, os maluquinhos do novo sistema insistem que, no âmbito da escolaridade obrigatória, nenhum aluno pode sofrer avaliação que o afete no seu brio pessoal… O aluno deve ser poupado a qualquer tarefa que o afaste da procura do prazer imediato…

Como medida de proteção da nova juventude, recomendo o abate imediato de todos os critérios de avaliação…

 

19.2.19

Não por acaso

Não por acaso, mas porque alguém clicou no post "Recompensa" /Caruma 2008, volto a lê-lo e dou-me conta de que por lá continua um comentário «anónimo» maldizente… Maldizer, outrora, era um ato responsável em que se dava a cara… 

Hoje há cada vez mais irresponsáveis que tudo denigrem, escondendo-se nas redes sociais, em palavras de vãos de escada…Não por acaso, os rostos fecham-se, as palavras escasseiam… 

Há, no entanto, que reconhecer que, em 2019, os sinais de humildade não se extinguiram e, de nenhum modo são expressão de indiferença ou de desconsideração pelo outro…

 

18.2.19

De inteligência artificial não percebo nada

Sejamos claros, de inteligência artificial, não percebo nada. E também não entendo nada de algoritmos. Esta minha ignorância parece fazer de mim uma mosca morta num mundo em que qualquer 'curiosidade' me devassa os dias, pois de imediato sou convidado a viajar, comprar, solidarizar-me, apostar… Tudo porque ela está aqui, à espreita, sob a forma de algoritmos invisíveis capazes de gerir os meus sentidos e, sobretudo, a minha inteligência…

Eu, já velho, deixo de ser Eu… e aqueles jovens, ali à minha frente, nunca chegarão a sê-Lo, apesar de ser dos poucos pronomes que repetem a todo o momento… 

Para mim, a situação não é nova - durante milénios só o soberano proclamava o Eu…

Hoje de manhã, por momentos, quase me convenceram que contra a inteligência artificial, na melhor das hipóteses, só me seria permitido empatar. Afinal, aquela virtualidade, antropomórfica ou não, tem uma capacidade de processar dados insuperável por qualquer ser humano… 

E foi aí que reagi:  o conhecimento é bem mais que o resultado do processamento de todas as informações (dados) sobre um objeto. 

O que me leva a pensar que, no meu caso pessoal, vou ter de travar uma última batalha contra milhares de algoritmos que não deixarão me assediar permanentemente.

(Resposta a um jovem que me perguntou se eu estava a gostar da palestra 'Desafiar o Futuro - Computação e Inteligência Artificial', por Paulo Novais)  

 

17.2.19

Antes que eu comece a evocar o Jazas

O problema manifesto resulta da falta de articulação frásica ou outra. Dito deste modo pode parecer que se optou por eliminá-la, mas não é isso… O que ganha visibilidade é um fluxo contínuo, um débito espontâneo, de noções controversas. O que pesa é que, no papel, o débito serpenteia sem qualquer tipo de racionalidade…

O suporte é também ele uma vítima de um problema latente que resulta do mau funcionamento das sinapses - o problema é cada vez mais neurológico.

Ora como eu lido com representações materiais e, por mais que faça, não consigo resolver o problema latente, nem de nada me serve recorrer aos sociólogos e psicólogos da educação, creio que a melhor solução é criar um gabinete de neurologia em cada organização, começando pela Escola… antes que eu comece a evocar o Jazas

Não sabem quem é o Jazas? Até há dois dias, eu ficava-me por uma forma do verbo jazer...

 

16.2.19

Não vou analisar o Ranking

Desta vez, não vou analisar o Ranking. A verdade é que mesmo que quisesse, já não consigo descortinar os gráficos do Público… E não é apenas por culpa da miopia e do astigmatismo…

 

Há anos que valorizamos a informação em detrimento do conhecimento, que valorizamos os direitos em detrimento dos deveres, que valorizamos a acomodação em detrimento do trabalho, que substituímos a formação pela encenação… que a Escola foi tomada por um conjunto de atores menores, sempre prontos a privilegiar o acessório…

E não me digam que a responsabilidade é dos alunos. Não foram eles que geraram o pântano.

(O momento é solene, mas não vale um chavo, apesar do muito dinheiro que se ganha à custa dele.)

 

Perder o hábito

Accusé d’abus sexuels, l’ex-cardinal McCarrick défroqué par le Vatican, une première… 

Por aqui, silêncio absoluto. Pedófilos, abusadores… nem pensar!

Não sei é se basta devolver o cardeal à vida laica sem cumprir pena pelas crimes cometidos… Pelo que consta, o cardeal, aos 88 anos, continua a viver em paz num mosteiro…

Em Portugal, anda à solta muito boa gente laica que, não podendo ser despojada da sua laicidade, deveria ser colocada atrás das grades por longo tempo. Estou a referir-me à chusma de colarinhos brancos que continua a desfrutar dos dias principescamente.

 

15.2.19

Devo evitar a crónica

Se eu quiser escrever sobre o estado congestionado em que me encontro, devo evitar a 'crónica' porque, por estes dias, este registo procura anular a duração, e o que eu tenho para confessar é que há horas em que não se está bem em lado nenhum.

Não fossem os ossos doridos, os espirros e o corrimento nasal descontrolado, talvez pudesse evitar a expressão corriqueira da fragilidade pessoal - a crónica exige que a fragilidade seja humana!

Por mim, o género nasceu da «ordenação de estórias» com o objetivo de legitimar uma escolha política ao gosto do baixo clero, da nobreza calaceira, de uma burguesia ávida de futuros pardaus e de uma arraia-miúda destrambelhada…
Nunca a crónica poderia dar conta do momento em que me informam "A consulta foi-se. A médica fartou-se. Abandonou o consultório, sem explicação razoável…"
A verdade é que não fiquei surpreendido, pois já me apercebera que os endocrinologistas andam quase sempre zangados e, no caso, o que eu precisava era de um médico de clínica geral… Talvez por isso tenha dito à rececionista: Olhe, quando a doutora tiver acertado o doseamento, ela que diga em que dia é que me recebe…

 

 

14.2.19

Procuro remendar

Procuro remendar, mas desconsigo. Voltar? (O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita…)
O retorno é tão cansativo como assustadora é a reencarnação...
Não encontro Valentim que queira apadrinhar esta língua adulterada…
Escondo-me aqui à espera que o Imperador adormeça…
Talvez pudesse soltar-me destas grilhetas e regressar às galhetas. Para quê?
Vou regressar ao desalinho da criada empoeirada e desgrenhada.

 

13.2.19

Eu sei lá quem é o António!

'Eu sei lá quem é o António, mas deve ser um homem interessante, já que concorda comigo... 

Eu sou culto, eu leio, eu sou livre! Já nasci assim e não tenciono mudar. O António deve morar no andar debaixo, pois nunca o vi… E parece-me um pouco antiquado - ainda fala de ditadores e de escravos. Eu cá não me assusto com a cultura. A ultima vez que a vi, ela caminhava sozinha e olhava fixamente para o mostrador de um smartphone roubado numa loja do bairro… '

 

11.2.19

O papel da escola republicana

Nunca fui fã das teses sociológicas em matéria de educação.

À escola compete instruir e educar… com ou sem ajuda dos pais e encarregados de educação.

Se não erro, era esse o objetivo da escola republicana. A sobrevivência da República, no seu início, foi colocada nas mãos dos professores. Competia-lhes elevar o nível educativo, cultural e instrutivo da nova sociedade…

Entretanto, a República amadureceu…muita parra e pouca uva.

 

11.2.19

Tantas são as incongruências!

… Nesta avenida asiática, o trânsito é constante nos dois sentidos… Na minha cabeça, há mais sentidos… só que não fluem, paralisados pelas crianças-brinquedo, por velhos infantilizados, por decalques inesperados… 

Os ouvidos cansados do atropelo de vozes e do matraquear dos hits perdem-se nos olhos descarrilados, tantas são as incongruências das linhas com que me ocupo…

 

10.2.19

Os novos exorcistas

Em tempos, aprendia-se que havia uma função mágica da linguagem própria de certos cerimoniais… Os exemplos eram conhecidos de todos - uns angélicos outros satânicos… No caso, a magia era o que menos importava, apesar da iniciação ser publicitada para os devidos efeitos - religiosos, civis, profissionais…

A magia da palavra sobrepunha-se a qualquer descrença, desacordo ou até inabilidade. Podia até limpar o pecado original, mas não o fazia esquecer… A magia da palavra vivia nas formas simples, da adivinha ao conto, sem esquecer o provérbio.

Estas formas simples representavam o modo de estar e de pensar de quem as criou sob a capa do anonimato involuntário e, em geral, eram transmitidas, para o bem e para o mal, de geração em geração.

Entretanto, os novos exorcistas abriram uma nova frente. Querem eliminar os provérbios e, sobretudo, querem ser eles a liquidá-los… (Estudá-los nem pensar!)

Já estou a ver uma quantidade de obras artísticas a serem queimadas em nome do bem comum do momento.

 

9.2.19

O fio condutor

Falta aqui um fio condutor? Talvez! 

Só que a linha é tão fina que se enreda e se quebra… 

Por vezes, parece que a linha muda de cor, engrossa ou que já não é a mesma.

E como é que o fio condutor pode ser mantido se outras linhas nos cercam, altaneiras?

Uma delas acaba de me desafiar: - Ler autores do século XX ou de séculos anteriores para quê?

(Cheira a defunto!)

 

8.2.19

Mimar as palavras

O que posso eu dizer a um jovem que quer ser Poeta, eu que nunca o fui? Poderia recomendar-lhe que consultasse um Poeta, mas qual? Os poucos que eu conheço já morreram ou, se vivos, andam tão assoberbados, não sei se com a vida se com as palavras, deles ou alheias… 

Talvez o poema se faça de silêncio ou, em alternativa, dos gritos de que se vestem as palavras. Sem elas, pouco se pode adiantar, a não ser que as rimas só se transmitem na voz, e que as palavras há que transfigurá-las… Arrancá-las ao Dicionário pode ser um passo, pequeno, pois, de acomodadas, murcham se as não mimarmos demoradamente…

 

7.2.19

O caminho das pedras

«...também eu fui atirado à vida por insuficiente fé…» (Caruma, Caminhos…)

A frase é minha e exprime uma revisitação de um itinerário de certo modo involuntário…
Antes, o caminho da fé fora escolhido pela miséria do Estado Novo.

Depois, o caminho começou por ser o da teimosia inconsciente - a única certeza caridosa veio de quem percebeu que me faltava o entusiasmo do crente…

Finalmente a minha vida, o caminho que ninguém escrevera… nem escreverá por mais pedras que se levantem diante de mim, e têm sido muitas!

 

6.2.19

Ter fé

Vejo que ontem admiti que ainda me era possível ter fé. A verdade é que hoje verifico que caí em contradição, pois inúmeras foram as vezes em que confessei ceticismo, dúvida metódica e pirrónica… evitando, no entanto, o desespero…

Perante o protesto instintivo da horda matinal, soergo-me entre a tristeza e o desespero, e naquele intervalo de angústia, compreendo que se não fosse a fé há muito teria desistido, não de Deus nem do Homem, mas de mim…

Ter fé em quê ou quem? Nas pedras do caminho que evito maltratar, deixo-as ali a protestar… 

 

5.2.19

A suprema prova

Ideias houve que hoje são ininteligíveis, e já nem sei porque insisto, talvez porque ainda tenho fé na mensagem do provérbio 'agua mole em pedra dura tanto dá até que fura'...

No entanto, pensando bem, se recorrer ao ditado popular, dou início a uma preleção incompreensível. Parece que outro povo, que não este, soube, de forma lapidar, gravar na pedra a luta contra as tiranias, (sem entrar numa sala de aula), apenas talhando os breves dias nas palavras que a memória guardava e a voz transmitia…

Mesmo que a ideia surja transmudada em imagem, só por ser verbal, emudece… 

 

3.2.19

Uma língua de terra

Uma língua de terra estrangulada por dois braços de rio - castanha sem verde, ou será dos meus olhos?

Pouco acrescentam os meus olhos. 

Talvez um pouco de oiro, alheio, ao anoitecer. 

Talvez, ao alvorecer, o Sol me faça ver o verde que se empertiga na língua de uma terra que quer sobreviver ao abraço do rio…

Tudo o que penso ver difere do que os meus sentidos me poderiam dizer se os deixasse ir com o rio…

 

2.2.19

Sorte a dos corvos!

«Quando os homens falam do futuro, os corvos começam a rir.» (provérbio japonês)

Com tanta gente a vaticinar o dia de amanhã, convém estar atento às promessas e às profecias.

Cético, deixei de acreditar nos homens, mesmo que estes ainda sejam jovens… 

Nunca como hoje, o oportunismo foi tão evidente. Poucos são aqueles que procuram ter uma ação e uma visão ecuménicas, despojadas de particularismos…

Sorte a dos corvos!

(O queixume, no entanto, de nada serve. Há que suportá-lo estoicamente…)

 

1.2.19

E aqui morre a ironia...

«A ironia é um ponto de vista distanciado sobre o mundo…»  Jorge Fazenda Lourenço, in Colóquio Letras, nº 200, pág. 30

Não compreendo como é que o ponto de vista pode ser 'distanciado' a não ser que o observador seja uma espécie de atirador na carreira de tiro em que o alvo é o mundo. Nesse caso, o observador deixaria o mundo ou, talvez masoquista, disparasse sobre si próprio…

Eu vejo o ironista - à exceção do snob académico, aristocrático ou burguês - mergulhado no mundo, incapaz de pôr cobro à estupidez que o circunda, a sinalizar, um pouco como o sineiro que anuncia o passamento do conterrâneo…

O ironista esconde-se na casa mortuária na esperança de que a certidão de óbito tenha sido passada por um farsante desatento dos sinais de vida do moribundo…

O problema é que a exceção parece corresponder a um vasto grupo de figurões parasita do mundo. E aqui morre a ironia…

 

31.1.19

O gene que nos faltava!

A25-BIS-DR2, é um Gene!  Uma sequência de aminoácidos, que só existe num único Povo: O LUSITANO.

Depois do messianismo e do sebastianismo com a ideia-chave de que somos o povo eleito para dar corpo à vontade divina, parece que, afinal, o nosso destino está inscrito no gene lusitano.

Desta vez, o argumento cultural surge embrulhado na evidência científica.

Só nos faltava mais esta 'descoberta'!

 

30.1.19

Coisa velha

António Costa considera que “só vale a pena” negociar com os professores quando houver “alguma coisa nova a propor” - fonte: 
Até o primeiro-ministro António Costa deveria saber que o argumento é fraco. Isto da 'coisa nova ' é coisa velha de quem não sabe que coisa quer, pois se o soubesse já teria encontrado uma solução para aqueles que diariamente tratam da 'coisa pública', independentemente de serem professores, enfermeiros…

 

29.1.19

Anónima

Anónima, respira melhor, até porque ela não está à venda e até já nem arde… Não passa de lugar remoto, onde vão caindo agulhas soltas - pedaços de dia em desalinho…Tudo incompleto, sem início nem fim, como se uma curva dobrasse o caminho…O que lá cai, morre, e o resto não chega a germinar…Por vezes, um fogacho arrebata-a. Vanitas! Expressão de vazio caída na calçada endeusada…Anónima, sem início nem fim, na curva do caminho vai soletrando mais um dia em desalinho. Perturbada, já deixou de estar em linha. Quem a quer, assim, desgrenhada? Anónima.

 

28.1.19

De olhar fixo no chão

A imposição da escolaridade obrigatória até aos 18 anos não se coaduna com a elevação do nível de conhecimento… 

Misturar quem não se esforça minimamente com quem se empenha diariamente é uma medida populista, agora reforçada com a tão propagandeada escola inclusiva… 

Ao docente é exigida uma atenção permanente à indisciplina, à diversidade linguística e cultural, à incapacidade, à menoridade e à maioridade, ao humor parental, à pedagogia diferenciada, ao desnorte educacional… num espaço obsoletamente equipado…

Quando passo por um docente e o vejo de olhar fixo no chão, sinto que que ali vai alguém amargurado - uma das muitas vítimas de um sistema perverso que quer acomodar, mas não educa nem ensina.

 

27.1.19

Só palavras incisas

(Apenas água e café. Nem vinho nem whisky.)

Ontem, Kino 2019, fui ver o documentário (?) da colaboração 'improvável' entre dois artistas: o crítico e cineasta alemão Wolf-Eckart Bühler e o ator americano Sterling Hyden…

Durante a longa sessão, dei atenção a três tópicos: o cais de Besançon, nas margens do rio Doubs, onde o Batelão do ator se encontrava atracado; a figura física do ator que permanentemente me lembrava D. Quixote; o prolongado arrazoado sobre o alcoolismo com a ideia subjacente de que sem o alcool e a droga a vida perde sentido… 

O espaço fechado, onde voluntariamente a personagem se move, convida à escrita, enquanto o alcool e a droga a inibem… 

Por mim, nem viagem nem alcool nem droga… só palavras incisas! E destas, tudo por dizer… e pouco de Leuchtturm des Chaos.

 

25.1.19

Por aqui

A rotina, apesar de certos sobressaltos, não sai de si.

As promessas, passados os festejos do orçamento, caem em sono moribundo à espera das campanhas que se avizinham, já com novos partidos prontos a enterrar os antigos… 

Os arautos da nova ordem securitária afinam as gargantas sobre as periferias abandonadas, agora iluminadas por incendiários pagos à peça…

E nós, sossegados, cruzamos as ruas, esquecidos de que a rotina é a nossa espada de Dâmocles…

 

24.1.19

Nota sumária

Não tenho jeito para tertuliano, embora admire o espírito dos comensais que se reúnem a pretexto de temas nobres… e que, no meu entendimento, derrapam facilmente…

De qualquer modo, os momentos de admiração e de elogio mútuo são necessários à sobrevivência da espécie… O que seria dela se se visse obrigada a abdicar do caldo verde e do copito… 

 

23.1.19

Filhos de um deus deposto

Obter a chave ou as chaves para poder interpretar os textos, tomados como redes semânticas autónomas, como visões do mundo particulares, poderia ser motivo suficiente para entrar na sala de aula…

Na verdade, eras houve em que assim foi. O aluno entrava na sala de aula sequioso de aprender, disponível para acolher as noções, os conceitos que davam corpo à cultura. Ser culto pressupunha a capacidade de abordar os signos nos respetivos contextos, seguir-lhes o diálogo por vezes sem saída e mesmo assim respeitá-los…

Hoje, com a morte do contexto, com o esvaziamento da situação, de tão frágeis os signos perderam todo o fulgor que iluminava os passos dos discentes…

Hoje a simples alusão a Deus num contexto verbal específico, à Vontade divina numa visão do mundo poética, é suficiente para libertar os demónios desafiadores de qualquer padrão de cultura.

 

22.1.19

António Gedeão, um poeta menor?

Agora, conheço alguns poetas atuais, com quem falo e de quem sou amiga, que me dizem que ele é considerado no meio como um poeta menor. Um retrato de António Gedeão

Cristina Carvalho, filha de António Gedeão, diz que já viu a frase ‘O sonho comanda a vida’ nas situações mais insólitas, o que prova a popularidade do poema Pedra Filosofal. Mas acha que essa popularidade suscitou a desconfiança do meio literário. José Cabrita Saraiva, Sol.

Uma entrevista esclarecedora sobre o homem Rómulo de Carvalho… e indiretamente sobre a pobreza inteletual das comadres e dos compadres que assaltaram a academia e a comunicação social.

20.1.19

A ser iconoclasta ou talvez não

Inundado de imagens, atrofio. Observo a encenação e não encontro a rede… provavelmente, o estigmatismo turva-me a verdade. 

Por alguma razão há quem condene a iconofilia.

Já não sei o que pensar!

 

19.1.19

Uma ideia farpada (Serpa)

Pouco importa se não recordo a hora, agora já difusa a lembrança de que não há nada mais abjeto do que os poderes dos lugares pequenos, ou só das pequenas pessoas do lugar, pressinto que devo evitar pronunciar-me sobre a celebração dos estrangeirados que cruzam os céus pátrios sempre amargurados em versos, crónicas, ensaios e contos de andanças… 

Fico a pensar na razão do desencanto e da diatribe demoníaca, e surge-me a ideia do arame que só incomoda se for farpado, uma ideia farpada - adjetivo inapropriado se os dias não forem baços. 

Baços porque as pessoas dos lugares pequenos nunca perceberam que os estrangeirados o são por causa delas…

 

18.1.19

Rabiscos

«Estas páginas são rabiscos da minha inconsciência inteletual de mim.» Bernardo Soares

não são uvas, são rabiscos 

(se fossem uvas, seriam dona maria…)

… vivo do rabisco da fartura alheia 

melhor seria que estas páginas fossem riscos… de joan miró

 

17.1.19

Um lugar estranho

A bondade era coisa preciosa - adivinhava-se no olhar de um avô, de uma tia - refrigério de horas tardias, gastas entre varapaus e cobras arreliadoras sob a batuta de demónios esganiçados perseguidos por tachos e panelas, suspensos da gritaria suada da terra estéril…

Tudo era herança de ter nascido num lugar amaldiçoado ou, pelo contrário, tudo era apelo à superação. E, por mais surpreendente que hoje tal possa parecer, a única porta que abria os céus era a da escola… 

A minha infância foi um lugar estranho donde saí para outra vida.

 

16.1.19

Um pouco como o Cristo

Armando Vara entregou-se. Um pouco como o Cristo, porque o Pai não afastou o cálix, pois queria que o sangue do justo purificasse os gentios já que os seus assobiavam nos canaviais…

O pecadilho de que vai acusado não justifica tal tormento, embora a disciplina do cárcere eborense seja salutar como bem sabe… o amigo José não terá deixado de o informar sobre a regra do lugar.

 

15.1.19

Se...

Se a soberania não é objeto de preocupação presente, como é que a mesma temática pode entusiasmar alguém quando a abordamos historicamente através, por exemplo, da obra literária?

Da nascente à foz, flui um rio no qual deixámos de nos rever… 

O rio Eufrates (ou outro) já não oferece margem onde possamos cantar Sião, em tempo de exílio ou de convalescença… Talvez na diáspora, mas não estamos lá… só se expulsos do torrão…

Por enquanto…

Até os mitos se arrastam banais em horas absurdas…

Metade de nada, libertos do espírito, esperamos que as horas retomem o seu curso.

 

14.1.19

Quem é que quer acreditar?

Estou sem saber a partir de que idade é que o problema da identidade se coloca… 

Atualmente, a noção de pertença a uma determinada comunidade perde terreno… esvai-se no tempo. 

Há quem pense que a identidade nos é oferecida já fechada, sem necessidade de construção ou de aperfeiçoamento.

Numa perspetiva diacrónica, a identidade é uma questão resolvida, aborrecida e bolorenta… 

Por exemplo, explicar que o sebastianismo é a expressão lusa do messianismo obriga a uma viagem no tempo hebraico, desde o cativeiro à busca interminável da terra prometida na condição de povo escolhido pelo Criador, mas para quê? 

No caminho, o Messias foi crucificado, sendo ressuscitado pelos gentios, mas para quê se a analogia deixou de funcionar?

Quem é que ainda quer acreditar que um dia fomos escolhidos? Quem é que quer acreditar que um dia deitámos tudo a perder? Quem é que quer acreditar que, apesar de tudo, o Criador não desistiu de nós - a humanidade cada vez mais desumana?

Há viagens perdidas logo à partida.

 

13.1.19

O teatro

De vez em quando, o teatro…

Desta vez DO ALTO DA PONTE (A View from the Bridge, de Arthur Miller), coprodução Artistas Unidos, domingo, 17 horas, Sala Luís Miguel Cintra. Meia sala.

Espetáculo conseguido. 

Peça produzida em 1955/56. Temática atual - emigração clandestina; vida no fio da navalha; macartismo ativo; valores patriarcais exacerbados; sexualidade sobrevalorizada; Estados Unidos economicamente pujantes, Itália sem futuro…

Este tipo de teatro deveria ser mais acarinhado, porque com Arthur Miller a tragédia desce às docas e aos bairros operários… 

Parabéns ao Jorge Silva Mello e aos "Artistas Unidos"!

 

12.1.19

Os rios não reagem

Os rios não reagem, fluem ou secam… 

No caso, a estiagem tende a prolongar-se por causa da ambivalência da personagem que acredita que os ventos da desgraça não deixarão de se enfurecer nos próximos tempos… 

Só não contava era com o assoreamento dos santanas, venturas, montenegros e quejandos… uma tribo fratricida capaz das maiores vilezas para assegurar o lugar à mesa do orçamento.

 

 

11.1.19

Luís Montenegro

Luís Montenegro: "Estou aqui para dizer que sou o adversário que o Dr. António Costa não teve"

O que o Luís Montenegro quer é ser o António Costa do PSD, pressupondo que o Rui Rio é o António José Seguro, sem descortinar que o Passos Coelho está a fazer a travessia do deserto…

Um candidato a líder necessita, pelo menos, de ser mais esperto, já que a inteligência é um dom cada vez mais raro… (Da miséria da política)

 

10.1.19

Soltam-se as imagens

Olhos nos olhos, acertavam-se ideias, tomavam-se decisões calendarizadas que eram registadas para que o verbo não pudesse ser escamoteado… 

O hábito ainda se mantém, mas já sem olhos… 

Agora, do outro lado, incerto, ouve-se a voz que confirma, mas cujo registo só virá à tona, caso alguém possa vir a ganhar com a sua reprodução - a decisão passou a flutuar ao sabor da vontade dos bonecreiros…

E quando a decisão não agrada, soltam-se as imagens, efémeras e cegas.

 

9.1.19

Na ribalta

Felizmente, ainda há muita gente respeitadora, zelosa, responsável - gente que se preocupa com o bem-estar dos outros, que se supera no exercício diário das tarefas que lhe estão confiadas…

O problema é que esta gente está a ser humilhada por decisores que, para se manterem na ribalta, não se importam de hipotecar os valores que lhes competiria preservar e replicar…

Esta gente ainda não perdeu o rosto, mas pouco falta, pois diante de si já só encontra máscaras...

 

7.1.19

Na lição de Bernardo Soares

Eu nunca aprendi a ler no pormenor «um todo, uma coisa, uma voz, uma frase» - como 'escreveu' um dia esse economista político que se fazia passar por ajudante de guarda-livros no círculo literário de Fernando Pessoa…

Na lição de Bernardo Soares, o pormenor não é apenas a parte, nem a sombra de Platão, nem os bonifrates de Shakespeare, há a vaidade de quem segue indiferente à engrenagem transformadora, há a banalidade de quem não compreende o poder da imaginação transfiguradora… há esse extraordinário alheamento de quem, um dia, ficou sem cabeça… e seguiu adiante…

Na lição de Bernardes Soares, já havia sinais de que um dia um fogoso presidente entraria em direto no programa televisivo de uma voz esgrouviada para a ajudar a anestesiar uma nação…

Tal como Bernardo Soares, começo a crer que tudo é absurdo...

 

6.1.19

Nomear cansa

Não chego a perceber se o inominável existe ou se este não passa de um anseio de rejeição de tudo o que poderia nomear. 

Mas nomear cansa… 

Ainda se nomeasse um inesperado deslumbramento - talvez a ave minúscula que me confunde na vegetação do frondoso jardim de Gonçalo Ribeiro Telles… O que é feito dele? Se calhar continua a desenhar círculos de água… 

(Distante do saco de Eça de Queiroz - que estranho - tenho dificuldade em imaginar a mochila queirosiana; um tablet evitaria aquela conversa pedante de quem nunca quis ler duas páginas seguidas nem sabe que as aves mergulham nos círculos do arquiteto…)

Abro na página 944..., e logo me encolho ao vislumbrar a insânia de um inquisidor insaciável… e ainda há quem se revolte, como se o lucro não fosse o valor dominante...

 

5.1.19

Apenas fiapos

Passaram sete anos e outros sete, dois ciclos concluídos!

Do que vem não se sabe em que ponto já vai e se respeita a predição… 

O que não faz sentido é desperdiçar o tempo a pensar nisso, até porque nada obriga a que haja renovação… 

Apenas fiapos de resignação.

Enquanto o fiozinho não se rompe, sigamos o caminho… depois alguém dirá o que tiver a dizer…

 

 

4.1.19

OURO

As cadeias estão lotadas. Não há dinheiro para construir novos estabelecimentos prisionais. Nem há dinheiro para valorizar as carreiras dos carcereiros…
(..)

Não faz sentido prender cidadãos tão impolutos… Se porventura algum pecado cometeram, uma penitência leve, com o acréscimo do pagamento balsâmico de uma ou outra indulgência, lava tudo. Nada que Melchior não tenha satisfeito em devido tempo…
Agora há que ir atrás dos canalhas e pô-los atrás das grades.

 

3.1.19

Não sei bem o que sinto

Ainda não me sinto em 2019, isto é, não sei bem o que sinto, pois tudo me surge sob um nevoeiro persistente. Não vejo nisto qualquer metafísica, nem já me contento com a explicação de que esta abarca tudo o que está para além da matéria…

Ando há anos a repetir definições cristalizadas, e isso aborrece-me cada vez mais… Aborrece-me o relativismo moral… Aborrece-me a indulgência… 

Aborrece-me a intransigência, porque as âncoras estão desertas, enferrujadas… já não há barco nem marinheiro que as procure...

 

2.1.19

O elevador

Vivi vários anos em espaços fechados e nunca tal me deprimiu. 

A disciplina do lugar deve ter contribuído para eliminar qualquer espécie de angústia. 

Por outro lado, o facto de ter nascido numa aldeia também não será alheio a esta ausência de temor - a aldeia não era delimitada por qualquer muralha, mas havia lá uma linha invisível, inultrapassável… O exterior despertava muito mais ansiedade, porque era um não-lugar, sede de todos os perigos…

Hoje, repentinamente, o elevador avariou no entre o 12º e o 11º andar. Fechado, esperei pacientemente, sem qualquer receio, que alguém me libertasse da clausura forçada. Foram 30 minutos, lentos, mas sem um mínimo de ansiedade…

 

1.1.19

Da insanidade mental em política

« Et pourtant, tout régime politique vaut ce que vaut le personnel politique qui le dirige et le fait fonctionner. » Atsutsé Kokouvi Agboli, Jeune Afrique, nº 1624

 Se o regime político é a expressão do pessoal político que o dirige, hoje os brasileiros entraram na era da insanidade mental.

Infelizmente, os doente mentais estão a ser catapultados para o exercício do poder, com a aprovação da populaça e a manipulação de inconfessados interesses transnacionais.

E como se sabe, a doença mental não escolhe a cor política, qualquer uma lhe serve… mesmo que Bolsonaro prometa que a bandeira brasileira jamais acolherá o vermelho, apesar de apostar no seu derramamento…