Diários

De momento, estão visíveis os Diários de 2006 a 2012.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Diário_2012

 

31.12.12

O ato de ler e não só...


«E não falo das operações cerebrais: como seja ler, por exemplo: quando digo que o olho vê - foca - um ponto de cada vez, quero dizer um ponto (extenso!!!) de visão ótima, em torno do qual a visão, seja esta o que for, se esfuma, esbate ou dissipa gradualmente. Vemos, de facto, um trecho de escrita, uma letra ou sílaba no ponto de visão ótima da retina e algo mais que se dissipa em torno dele. O hábito de ler também ajuda aqui: presumo, antecipo ou deduzo a palavra ou frase que ainda não li ou nem chego a ler, ou só leio vagamente. Assim (e isto o camarada tipógrafo deve procurar entendê-lo), quanto mais denso, condensado ou apertado e mais negro ou visível é o tipo, mais depressa eu leio, porque a cada olhada (-dela) abrange mais do material impresso. Espacejar o texto, contra o que muitos supõem, e temos por hábito fazer, é retardar e dificultar a leitura, é criar espaços vazios, brancos, em que o olho é forçado a mover-se em vão, sem nada ler. (...) Por outro lado, os grossos caracteres são bons para os quase «invisuais», como demos agora pedanticamente, em chamar aos cegos, para os não ofender ou humilhar - tão delicados somos de alma! Porque não chamar então impedestres aos coxos?»

(...) José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 23 

- Quantas ideias se vão perdendo!?

 

A escada flutuante

O professor tem sido uma escada por onde poucos subiram e muitos desceram! Infelizmente, a realidade só confirma o balanço.

Esperar-se-ia que tivessem sido mais os que subiram a escada do que os que a desceram nestes últimos 38 anos, mas, na verdade, há muito que a descida aos infernos teve início.

 A escada quebrou degraus, perdeu apoios, e flutua, agora, à deriva, pronta a extinguir-se.

(...) E o mais assustador é quando um ministro, que nem a escada tentou subir ou, mesmo, descer, dá lições sobre as qualidades dos outros ministros deste país!

 

30.12.12

A chave de 2012

Antes que seja proibido, vamos lá encerrar 2012! Vamos arrumá-lo num baú, deitar a chave fora, e pô-lo em órbita de um qualquer planeta distante.

Não vale a pena chorar por 2012, pois é um daqueles anos em que a maioria dos portugueses foi assaltada por desclassificados da pior espécie que continuam a ter a audácia de arvorar em redentores incompreendidos.

E mesmo que voltemos a encontrar a chave em 2013, o melhor é ter sempre presente os seguintes versos de Pedro Mexia, in Menos por Menos

 

Não deves abrir as gavetas

fechadas: por alguma razão as trancaram,

e teres descoberto agora

a chave é um acaso que podes ignorar.

(...)

 

29.12.12

4700 promoções

Em 2012, o Governo autorizou 4700 promoções nas forças de segurança - GNR e PSP!
Afinal, o congelamento não é universal!

Em termos de balanço do ano 2012, quantas promoções e progressões foram autorizadas no âmbito do estado?

VIVA A EQUIDADE!

 

28.12.12

Em Beja, no lugar do sagrado

Pobre São Francisco! Apesar do voto de pobreza, viu-se transformado em pousada e, sobretudo, despojado da alma. Fica um apelo - eterno - à GREVE GERAL... e um poeta - Mário Beirão - agrilhoado a um torreão.
Sinais de que se pode ser, ao mesmo tempo, religioso e pouco católico!
(Inesperadamente, a visita ao casco de Beja foi conduzida pelo professor doutor Jorge Castanho e esposa - filhos da terra.)

 

 

 

 

27.12.12

Em Beja

Em Beja, o que sobra da calçada romana…Sem estradas não teria havido romanização! Nem Pax Julia!

Quem quer conquistar território constrói vias de comunicação ou, em alternativa, compra-o em saldos.

Vide privatização da ANA…

Apesar de poder morrer à fome, ainda há quem fuja do cativeiro! - A cacatua...

 

26.12.12

Fraqueza...

Hoje, ao percorrer o IP 8, não pude deixar de dar conta de que os ricos do meu país, depois de terem esbanjado milhões a expropriar propriedades, a esventrar e a terraplanar a planície alentejana, a levantar viadutos, de um dia para o outro abandonaram impunemente a obra... 

O que sobra da A 26 é o espelho da incompetência e da impunidade que grassa neste triste país! Ao percorrer o IP 8, fico com a sensação de que o projeto de ligar Sines a Beja não é tão insensato como se diz. 

              "Fraqueza / é desistir-se da cousa começada." (Luís de Camões)


Este país já passou por muitas catástrofes, mas nunca teve governantes tão fracos! Governantes que só sabem destruir!

 

25.12.12

José Matias, na rua de São Bento

De relance, na rua de São Bento, às 0h30 do dia de Natal, sobre o passeio da direita, cambaleia uma figura esguia. Parece que vai cair, mas, a custo, contorce-se e vai ficando para trás, sem que eu possa distinguir se é homem ou mulher, se o desequilíbrio é apenas uma questão de bebedeira redentora... 

Não é esse o caso de José Matias que, durante três anos, noite fechada, se esconde num portal donde pode avistar a sua divina Elisa no 214 da rua de São Bento, e colar-se diurnamente ao amante, o apontador de Obras Públicas, para se assegurar fidelidade deste à sua esposa celestial.

O José Matias ama espiritualmente e, mesmo sabendo-se correspondido pela bela Elisa, foge dela, do corpo dela, como o Diabo da Cruz. E esse é o mistério que Eça de Queiroz oferece ao leitor guloso de paixões carnais e fatais.

Curiosamente, o narrador entrelaça a história de José Matias e de Elisa com referências a estudos maçadores de filosofia e de psicologia, sem qualquer alusão à religião.  

Ou porque José Matias sofreria de impotência - não há uma palavra que o explicite - ou porque Eça tivesse decidido testar a primazia da amizade sobre o amor - Platão - ou, finalmente, porque este José Matias não é mais do que um clone do carpinteiro que toda a vida serviu desinteressadamente Maria, a verdade é que esta história não parece encaixar no espírito de Natal...

Lido o conto José Matias, estou agora convencido que a figura esguia que subia a rua de São Bento era nem mais nem menos que a divina Elisa que continua à procura do seu amante espiritual, há muito enterrado no Cemitério dos Prazeres...

 

24.12.12

Queirólogos e não só...

«Queirólogos» de serviço: José Hermano Saraiva; António Valdemar; Agustina Bessa-Luís; João Gaspar Simões, José Régio, Maria Filomena Mónica - todos eles se servem de Eça de Queiroz, revelando poucos escrúpulos e bastante ignorância, para não dizer má vontade. A argumentação é inócua e, por vezes, ao sabor da época e reveladora de traumas pessoais...»

Tudo isto é dito pelo bisneto, António Eça de Queiroz, na obra Eça de Queiroz e os seus Clones, Guerra e Paz, 2006.

António Eça de Queiroz procura rebater os argumentos dos detratores do ilustre escritor, no que respeita ao seu nascimento, às relações familiares, às imaginadas taras e, até, à suposta falta de originalidade.

Mesmo que, em alguns casos, o objetivo não fosse diminuir a grandeza de Eça, o facto é que o biografismo e a psicocrítica são métodos redutores.

Por outro lado, o bisneto, António Eça de Queiroz, também, se insurge contra as várias adaptações "mexicanas" a que a obra tem sido submetida, pois o critério principal é satisfazer as taras do público e enriquecer à conta do nome de Eça. 

Uma leitura descomprometida desta obra ajuda a compreender um pouco melhor a "verdadeira " biografia de Eça, designadamente a partir do capítulo V - Uma trisavó tremenda. Tal como ajuda a compreender a atmosfera política, diplomática e cultural de boa parte do século XIX...

Eça de Queiroz e os seus Clones é uma obra que os jovens estudantes, condenados a ler OS MAIAS, deveriam conhecer:

«Ora o Eça do programa - e o mesmo se passará com muitos autores - encontra-se desde tempos quase imemoriais preso a OS MAIAS, como um velho brigue atascado no lodo duma qualquer baía de mares desconhecidos.»

 

22.12.12

A dívida é deles e nós é que pagamos!

Primeiro: Sócrates deu cobertura aos interesses cavaquistas ao nacionalizar o Banco Português de Negócios e, simultaneamente, os seus amigos ocuparam o BCP e a CGD...

Segundo: Coelho destituiu Sócrates para salvar o bloco central de interesses, atirando a responsabilidade para cima das funções sociais do estado, dos funcionários públicos e dos aposentados...

Terceiro: Seguro, será ele capaz de pôr de lado o bloco central de interesses?

Entretanto, os responsáveis pelo descalabro das finanças e da economia continuam em liberdade dourada. 

Até quando?

A dívida é do bloco central de interesses, nós calamos... e continuamos a celebrar o Natal!

 

21.12.12

A notícia não dá conta...

A notícia não dá conta do que Passos Coelho esteve a fazer durante duas horas na "Universidade Sénior" da Portela, às portas de Lisboa.

As televisões, rádios e jornais noticiam a decisão do ilustre visitante de percorrer vinte metros a pé e de saudar a vintena de manifestantes que o insultavam. 

Cercado de seguranças, o primeiro-ministro selecionou um manifestante e desejou-lhe "Bom Natal", pedindo-lhe que transmitisse o seu voto aos ruidosos correligionários. Por seu turno, o interpelado aproveitou para solicitar "melhores políticas".

Pobre jornalismo!

(Para a polícia foi um dia de treino: chegou cedo; barrou o estacionamento; posicionou-se no terreno; as forças de intervenção circularam discretamente. Eram mais os agentes do que os manifestantes!) 

 

20.12.12

Com tanta gente sensível...

Com tanta gente sensível, é estranho que ainda se continue à espera do fim de mundo! Basta abrir os olhos e os ouvidos para ver e ouvir o galopar da miséria. 

Os passeios cobrem-se de restos pestilentos e as mãos vasculham os sobejos de derradeiros banquetes dos corvos que não os de São Vicente.

O fim do mundo não se anuncia, não precisa nem de calendário nem de profeta! 

Ele chega simplesmente na fábrica que encerra, no negócio que falece, na prece muda de quem anoitece... 

 

19.12.12

Alheado

De manhã, pareceu-me que havia vida para além da minha rua, que o pensamento existia fora de mim e que este se revelava na cor e no movimento de gulosos cisnes brancos. A certa altura, desconfiei do meu pensamento e apeteceu-me dizer que os cisnes daquele lago só lá estavam porque eu os estaria a ver. Pobres cisnes, ficavam à mercê do meu olhar!

À tarde, fiquei absorto no homem que falava 29 idiomas e vários dialectos, que foi pioneiro dos estudos etnológicos e ainda teve tempo para se converter a vários credos, e fazê-lo tão completamente que entrou e saiu de Meca sem perder a vida, e pelo caminho subiu o Rio São Francisco e chegou ao lago Tanganica, sempre no meio de escândalos e de violentas inimizades - um homem que traduziu o mundo, do Kama Sutra às Mil e Uma Noites e conquistou o ouro necessário à metamorfose de uma vida. Um homem que confrontou o puritanismo do seu tempo - Richard Francis Burton (1821-1890).

E à noite, cheguei a pensar em responder a vários pavões que ocuparam o Largo fronteiro, mas para quê? 

 

 

 

 

18.12.12

Há uma linha...

Há uma linha, com início e fim, pensamos, mas, que, em certos momentos, desaparece. Sobra uma frincha de passado sem futuro: as palavras entrelaçam-se viciosas ora de gáudio ora de dor. Mas é a cor da miséria interior que se eleva até que o silêncio devastador restabelece a linha.

Dois dedos sustentam a fronte, os olhos à procura da ponte que separa o passado do futuro, e quase estátua, o coração serena atapetando a frincha e soterrando as áspides diurnas.

A vantagem das áspides é que não sabem que o coração pode juncar a frincha, pelo que não perdem tempo a pensar nos efeitos do veneno que regurgitam, até porque as flores murcham cedo.

 

16.12.12

E agora queixam-se!

Se olhar atentamente as imagens, vejo um rio que perdeu o valor económico que anteriormente o dignificava. Dele só restam artefactos e símbolos sobre o solo que outrora vivia submerso pelos esteiros.

Por detrás, esconde-se a igreja que das dores fazia riqueza espiritual para todos e material para uns tantos.

Embora não se oiça, sobre todos paira um primeiro-ministro que ameaça cortar nas pensões de todos porque uns tantos raramente trabalharam.

O problema é que a maioria sempre trabalhou e se não descontou é porque os governantes deste país pouco ou nada se preocuparam em reconhecer o valor do trabalho. E agora queixam-se!

 

15.12.12

Esburgo

Quando a ordem da TROIKA é cortar na despesa dos estados, estes voltam-se para os cidadãos e esburgam-nos por inteiro. É simples e rápido!

Só não contam com a resiliência dos indivíduos! Estes conseguem ir mais além: cortam até no próprio osso, deixando os estados sem capacidade de cobrar qualquer receita e afundando, em simultâneo, os malulos...

Claro, dos mortos, a História nada dirá! E os indivíduos ver-se-ão obrigados a desenhar nova cidadania.   

14.12.12

Cipaios e malulos

(Não é fácil compreender o leitor de blogues! No caso de caruma, há posts que são frequentemente visitados e outros que raramente o são. A atualidade da matéria parece não despertar mais interesse do que os registos de ocorrências efémeras.

Por outro lado, também não é fácil explicar o elevado número de visitas com origem, por exemplo, nos Estados Unidos ou na Rússia. Parece haver algures motores de busca por arrasto!)

A incongruência de tudo isto está no aparente desinteresse dos malulos por este meu blogue! Esse povo intrépido que no início do século XX tudo fazia para se apoderar da África austral! Esse povo tão matreiro que disputava com a Grã-Bretanha a posse dos territórios reivindicados pela Coroa / República portuguesa!

Há, no entanto, uma diferença significativa: apesar dos malulos não se interessarem pela caruma, eles interessam-se, de verdade, pelos aeroportos portugueses, até porque o cipaio de serviço não para de bajular os régulos alemães.

(Como todo o pensamento se constrói na linguagem, há ideias que só são possíveis se revisitarmos os signos dos tempos que insistimos em ignorar. E essa ignorância de nós faz escravos e cipaios!)

 

10.12.12

A Lua de Joana e a responsabilidade da narrativa

I- Enfim, longe de querer criticar a autora da LUA DE JOANA, pois a obra continua a ter boa receção, há, todavia, uma constante que irrita: a responsabilidade é sempre dos outros - dos pais excessivamente ocupados com o trabalho, dos "dealers", das más companhias... Levando à letra o pensamento de Sartre, l'enfer ce sont les autres!... 

E quando se discute a tendência, os argumentos dos jovens viram-se sempre contra as opções dos pais - poderiam trabalhar menos horas, estar mais presentes, dialogar mais. Será verdade? É fácil pensar que o conforto cai do céu! Que as palavras seriam aceites! Que a simples proximidade é dissuasora!

E é este lado da narrativa que é preocupante: os jovens morrem de overdose porque querem experimentar o interdito ou porque se sentem desacompanhados? Os mesmos jovens que argumentam que é possível experimentar o veneno de forma controlada só para ver os caminhos trilhados pelos trágicos amigos... Defendem a responsabilidade da iniciativa, mas atiram para o outro a responsabilidade do desfecho... o pai, médico, que no fim lastima amargamente não ter estado presente é, certamente, o mesmo que esteve à cabeceira de muitas vítimas irresponsáveis! A narrativa que seduz pode ser um veneno que corrói a mente das Luísas ou das Bovarys e dos adolescentes que, ano após ano, vão balançando nas "Luas de Joana"...

(O discurso sobre a responsabilidade deve libertar-se definitivamente do estigma da culpa!)

II - Quem diria que Sócrates iria voltar precisamente por causa da narrativa! E claro com a sua narrativa, contra a narrativa da direita: Cavaco, à cabeça; Passos e Gaspar, a seguir; José Seguro, finalmente. Este último, por omissão. O que significa que Sócrates nem sequer reconhece que Seguro tenha narrativa... 

 

9.12.12

Às 18h25

Ao registar a morte de Garrett, em 9 de dezembro de 1854, às 18:25 h:

(...) nessa hora - nessa mesma hora fatal em que se extinguia o legítimo herdeiro da lira de Camões - preparava-se talvez para ir despreocupadamente no seu camarote de São Carlos assistir desdenhosa e risonha, com aquele garbo senhoril que todos lhe reconheciam, assistir à representação de Sonnambula, — ataviava-se com sedas e veludos, recamava-se com guipures e rendas de Alençon, abrilhantava-se de adereços de pérolas e diamantes, envolvia-se em perfumes de inebriante sedução, a formosíssima inspiradora das Folhas Caídas, ingratamente esquecendo-se já do “divino” Poeta que nos seus amenos versos a imortalizara! (Cunha, 1909: 71)

Rosa Montufar Barreiros era andaluza, de Cádiz, nascida em 1819, filha dos marqueses de Selva Alegre e mulher do oficial do exército Joaquim António Velez Barreiros. Este fez parte da expedição liberal que, vinda da ilha Terceira (Açores), desembarcou no Mindelo. Homem de confiança do duque de Saldanha e extremamente leal à rainha D. Maria II, recebeu o título de Barão de Nossa Senhora da Luz em 23 de janeiro de 1847, por decreto de D. Maria II, e o de Visconde em 16 de junho de 1854, por decreto do regente D. Fernando.

SÉRGIO NAZAR DAVID, GARRETT: ENTRE A CRUZ DO DESEJO E A LUZ DO AMOR

 

 

 

 

 

As vítimas e o carrasco

A - Há muitos factores que desmotivam quem quer trabalhar com um mínimo de seriedade.

E esses vêm de cima! A instabilidade profissional tornou-se norma. O desrespeito pelo passado dos funcionários é permanente. Faz-se tábua-rasa das aprendizagens e da experiência. Não se aposta de forma estruturada na formação dos novos professores. Não se reconhece o mérito e valoriza-se o oportunismo e a ideologia.

B - A propósito da leitura de O retorno, não me sai da cabeça que há uma ligação estreita entre o que aconteceu com a descolonização e a situação atual. O regresso precipitado, com uma mão à frente e outra atrás, deixou a necessidade de, friamente, recuperar a riqueza perdida. 

O enriquecimento súbito de muitos e a frieza posta na aplicação do "castigo" são, afinal, comportamentos esperados, pois a vingança serve-se fria.

C - As vítimas, como tem acontecido nas últimas gerações, serão os carrascos do futuro! Nada de surpreendente...

 

8.12.12

Sala de aula - XV

De regresso, para explicar que a suspensão da escrita neste blogue não resulta de qualquer falta de apreço pelo trabalho das turmas A e B e de alguns alunos da turma J.

Pelo contrário, para além das conversas privadas na sala de aula, típicas de uma sociedade indisciplinada, quase tudo me convidaria a manter este registo.

Há, no entanto, outros factores que desmotivam quem quer trabalhar com um mínimo de seriedade.

E esses vêm de cima, da tutela! A instabilidade profissional tornou-se norma. O desrespeito pelo passado dos funcionários é permanente. Faz-se tábua-rasa das aprendizagens e da experiência. Não se aposta de forma estruturada na formação dos novos professores. Não se reconhece o mérito e valoriza-se o oportunismo e o carreirismo.

As vítimas, como tem acontecido nas últimas gerações, serão os carrascos do futuro! Nada de surpreendente...

 

 

  

7.12.12

O retorno (romance)

O retorno, de Dulce Maria Cardoso, Tinta-da-China, 2012

Este romance, narrado por um adolescente nascido em Angola e obrigado a abandonar o território pouco tempo antes do 11 de novembro de 1975, dá voz àqueles que, afinal, não podem perdoar o modo como o 25 de Abril acelerou a independência das «províncias ultramarinas».

De um lado, muitos portugueses africanos, do outro lado, uma ideologia contrária ao colonialismo, mas que atira os novos países para as mãos das novas hegemonias - dos Estados Unidos à Rússia, passando pelo China.

Despojados dos bens, esses «portugueses de segunda» desaparecem simplesmente às mãos da vendetta ou acabam por ser colocados em Lisboa e entregues ao IARN que os encaminha para pensões, hotéis, parques de campismo...

Neste romance, a família do Rui é alojada no quarto 315 de um hotel de 5 estrelas no Estoril, onde espera ansiosamente o retorno do Pai que ficara retido pelas tropas de um dos movimentos de libertação. Dois adolescentes - um rapaz e uma rapariga - vivem, cada um à sua maneira, os novos sinais de discriminação na escola e no relacionamento social e, sobretudo, os efeitos do comportamento depressivo da mãe.

O hotel, repleto de retornados, é um espaço concentracionário, onde se vão revelando as queixas e as taras de um povo pouco solidário consigo próprio. A maioria destes «portugueses de segunda», em muitos casos, nada conhecia da metrópole. Uma metrópole que não estava à altura de colónias como Angola e Moçambique, e por isso o objetivo era partir para a América, sem acreditar que um dia seria possível voltar a África!  

 

4.12.12

Testemunho

Há anos passei por um colégio prestigiado em que o diretor condicionava as classificações que os professores atribuíam honestamente aos seus alunos. Esse diretor fazia subir as notas, recorrendo a uma estratégia de natureza pedagógico-didática. Para fundamentar a classificação atribuída, o professor era obrigado a apresentar, em conselho de turma, os planos de recuperação escritos... Caso o não pudesse fazer de imediato, a subida era automática... Como último recurso, esse diretor recorria ao corte das horas extraordinárias que, à época, eram fundamentais para completar o sofrível vencimento de base.

 

Ontem, percebi que é possível os diretores (proprietários) utilizarem os mesmos argumentos para fazer descer as classificações, de modo a eliminar os alunos com maiores dificuldades de aprendizagem.

 Há, contudo, uma diferença fundamental: no 1º caso, o colégio privado vivia das receitas resultantes do pagamento feito pelos pais; no caso atual, estes colégios vivem de receitas resultantes de transferências diretas do orçamento geral do estado e competem diretamente com a escola pública, deixando-lhe as sobras... sem esquecer que, pela amostra revelada na TVI, quem dirige estes estabelecimentos aproveitou a passagem pelo poder para montar este negócio fraudulento.

 

Sala de aula - XLV

www.vidaslusofonas.pt/antero_de_quental.htm

Anoto este link, e fico-me por aqui, num dia sem sol e sem mar, a recordar aquele orientador de estágio, Alberto Sampaio, que, no início dos anos 80, teve a coragem de me dizer que eu andava a «atirar pérolas a porcos» ao querer que os alunos dessa época entendessem a poesia de Antero.

3.12.12

Sem tato

Sem tato, sem teto, entre ruínas, mas em contacto...
Este acordo é, para mim, um desatino!
Pior, no entanto, é o memorando!
Abjeto, execrando...

 

Sala de aula - XLIV

- A turma A fez teste. Aparentemente, os alunos não tiveram grandes dificuldades em resolver a prova.

- A turma J recebeu os testes classificados. A correção foi morosa. Primeiro: a maioria deixou o enunciado em casa, no cacifo... Segundo: não vi dos que obtiveram resultados mais fracos, qualquer preocupação em tirar notas.

A dispersão foi regra. A sala de aula parece um espaço recreativo!

O melhor será seguir a doutrina do Pregador e tornar-me o Clarão do Céu, porque o mundo prefere os sentidos à razão, isto é, o grito ao arrazoado, considerando os exemplos: Cristo, Batista, Pilatos e Isaías.

 

 

2.12.12

O humor de dezembro

Agora que entrámos em Dezembro, espero ansiosamente que ele acabe! O 10º mês do Calendário Romano tem a virtude de me fazer acreditar que o próximo mês será o de Março.

Nessa data já a TROIKA terá feito mais uma avaliação, a primeira, verdadeiramente, positiva, pois, entretanto, nada teremos gastado durante o hiato.

Nessa data, já o Governo terá decidido o fim do serviço nacional de saúde, o fim da escola pública, o fim dos pensionistas e reformados... e eu não terei de tomar qualquer decisão sobre o meu futuro.

Nessa data, já não haverá qualquer dúvida: estarei aposentado sem pensão ou, em alternativa, continuarei empregado, mas sem escola...

Quanto aos alunos, se não tiverem morrido à fome, deixarão, finalmente, de se preocupar em fazer gazeta...  

 

Sala de aula - XIV

Serve a nota para dizer que no segundo teste de Literatura o aproveitamento foi medíocre. A culpa é certamente do docente!

Há, no entanto, aspetos negativos que vale a pena destacar. Onze anos depois, certos alunos continuam sem a noção do que significa compor um texto: faltam as noções de introdução, desenvolvimento e conclusão; as conexões são aleatórias e as conjunções utilizadas arbitrariamente; os sinais de pontuação, semeados ao desbarato... Em termos de interpretação, há quem responda ignorando o texto transcrito para análise. É como se ele lá não estivesse!

Por seu turno, a superficialidade na abordagem dos textos (e dos temas) revela a atitude perante a disciplina e, mais grave, perante a vida!

De qualquer modo, vou continuar a remar! Ainda há por ali umas pepitas!

Quanto ao PIL, vamos ver se a turma acorda. Apenas duas alunas fizeram a apresentação oral!

   

 

 

30.11.12

Apre! 23 mil milhões!

 - É necessário diminuir o número de funcionários públicos! (Nem vale a pena explicar porquê! Até porque não há privado, desempregado ou precário que não esteja de acordo com o senhor primeiro-ministro!)

Hipóteses de resolução: - Negociação da rescisão do contrato de trabalho e /ou aposentação antecipada.

Ministro das Finanças: - Não há dinheiro para pagar rescisões! Solução única: Aposentação antecipada, mas só se requerida até 31 de dezembro de 2012.

Contabilista da TROIKA: - O estado português paga em reformas um total de 23 MIL MILHÕES de euros por ano.

Comentador: - Quantos são os que beneficiam de tamanha generosidade? A resposta a esta pergunta é fundamental para perceber quanto recebe, em média, cada reformado (aposentado, reservista, incapacitado, político defenestrado...). De todos os beneficiários quantos são os que, efetivamente, descontaram, pelo menos 36 anos?

Secretário de estado do Tesouro: - Não há tempo para responder ao comentador nem os credores pagam esses estudos...

Primeiro-ministro: - Vamos lá! Façam o requerimento! Aposentem-se! Reformem-se! Emigrem!

Comunicação Social: - Para quem se reformar em 2013, para além de todos os cortes inscritos nos últimos orçamentos, pensionistas e reformados amigos, espera-vos mais um corte de 5%...

(Como não tenho jeito para desenho, deixo a ideia: devidamente aconselhado pelo governo amigo, o cidadão atordoado escolhe a porta de saída. Ao chegar ao limiar, olha aliviado para o céu e, no mesmo instante, o cutelo do Gaspar decepa-lhe a cabeça... A ideia só não é boa porque, mais dia em menos dia, a esperança de vida começava a baixar, obrigando o secretário do tesouro a refazer as contas, coisa que ele detesta.)

 

29.11.12

Funções de estado e pensões de aposentação

No discurso político dominante, insiste-se em que as pensões de aposentação resultam de um gesto generoso do estado e que, em tempo de crise, há que cortar na generosidade.

No essencial, estou de acordo. Há que cortar nas pensões ou eliminá-las, sempre que elas não correspondam aos descontos efetuados.

Há que separar os que têm longas carreiras contributivas daqueles cujas pensões são pagas pela Caixa Geral de Aposentações sem ninguém saber porquê.

O critério fundamental para o cálculo da pensão deveria ser o número de anos de contribuição e não a idade.

Ao estado compete devolver ao aposentado aquilo que este efetivamente deduziu. Ou seja, que este, crédulo, entregou ao estado, sem esperar dele qualquer gesto de generosidade...

A generosidade, a existir, deve ser para aqueles que, não sendo contribuintes líquidos, necessitam que os restantes contribuintes lhes acudam. Mas só a esses!

Há que separar as águas!

 

Sala de aula - XLIII

A - Contrato de leitura. Alma, de Manuel Alegre. Ou a descoberta das desigualdades! Mariana, de Maria Judite de Carvalho. Ou quando a solidão e a incompreensão alastram num país pobre e governado por um déspota.

(Os jovens continuam com dificuldade em entender uma escrita que denuncia desigualdades que oprimem os seus semelhantes.)

B - Quando uma carta privada, de Alexandre O'Neill, se transforma num documento literário e num modelo de escrita clara, objetiva e afetuosa. Entre outras virtudes, a carta do Xandinho é um modelo quanto: à redação de períodos e parágrafos curtos; à utilização alternada de frases verbais, nominais e parentéticas; à criteriosa escolha de adjetivos, recorrendo à sinonímia; ao manuseamento dos sinais de pontuação (/:/ e /;/; à construção de comparações e metáforas com objetos do quotidiano; à ao recurso à ironia e ao humor... 

ESCREVER pressupõe uma leitura fina da realidade...  Neste caso, o escritor parece ter aprendido algumas das suas técnicas com o publicitário...

Quanto ao resto, não se pode dizer que seja literatura!

 

28.11.12

A farsa da avaliação externa

O Ministério da Educação e Ciência persiste na avaliação do desempenho docente sem qualquer proveito para a educação e para o ensino. Propõe-se disponibilizar recursos financeiros* com estruturas de acompanhamento, meios tecnológicos, deslocações e horas extraordinárias para a execução de uma farsa avaliativa que nem sequer terá efeitos na progressão dos docentes a curto prazo. A haver qualquer benefício da avaliação, esta deveria ficar a cargo do diretor de cada agregado, associação ou escola, pois ninguém tem mais dados para reconhecer o mérito ou a insuficiência. Quanto ao diretor, esse, sim, seria avaliado por quem o nomeou.

Não deixa de ser curioso que no passado, internamente, as escolas tenham protestado contra a avaliação pelos pares, qualificando-a, no mínimo, de melindrosa, enquanto, no presente, o movimento de contestação à avaliação externa - por pares de escolas vizinhas - mostra grande tibieza. Porquê? Quem é que, nomeado para avaliar um candidato a excelente na escola vizinha, vai ter a coragem de dizer que o rei vai nu?

                                                                    (Estão abertas as hostilidades tribais!)
* Estes recursos financeiros poderiam perfeitamente ser mobilizados para ajudar os jovens que, diariamente, são forçados a abandonar a escola por insuficiência económica familiar.    O MEC só sabe poupar à custa dos discentes e docentes!
 

Sala de aula - XLII

PIL. A 2ª apresentação fez-nos regressar a José Cardoso PiresO Delfim. Foi bastante maltratado. Vinha já requentado e registado num smartphone. Faltava a obra e a memória era cinematográfica. O triângulo amoroso acabou por se tornar no centro da apresentação, mas sem as devidas articulações. Na paisagem, ficou um proprietário sem descendente, pouco produtivo e, na vox populi, suspeito de ter assassinado os amantes. A maior parte turma estava, no lugar dos peixes, a ouvir o Padre António Vieira no Maranhão, pois o teste de português aproximava-se. O professor acabou convocado para explicar a estratégia discursiva do Padre. Já é perseguição!

Salvou-se, por instantes, um excerto de uma entrevista ao camoniano JCP, datada de 1987. As palavras do entrevistado, sublinhadas pelo movimento do cigarro, eram acompanhadas pela leitura profissional (João Pérry) de um excerto de O Delfim - o lugar.

 

27.11.12

Sala de aula - XLI

A - Contrato de leitura. Três apresentações orais: Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos; Sinto Muito, de Nuno Lobo Antunes; Alma, de Manuel Alegre.
Na apresentação oral, muito por falta de guião, a tentação é apostar no reconto linear, sem prévia identificação das linhas narrativas e dos acontecimentos estruturantes e simbólicos. Esta (in)decisão arrasta a apresentação tornando-a insignificante. Claro que há alunos mais organizados que outros e, sobretudo, com uma atitude comunicacional mais desenvolta. Ver Português 10, páginas 40-41.
De vez em quando, a leitura faz sair para a vida e pode obrigar a refletir sobre os caminhos que trilhamos.

O apresentador de Sinto Muito acabou por confessar que a leitura contribuiu para uma decisão inesperada: Medicina, não! Tudo por causa da dorDor pessoal que não quer ter no exercício daquela profissão. Creio, no entanto, que este jovem revelou o seu lado humano e por isso mesmo não deverá desistir de tal desafio!

26.11.12

Sala de aula - XL

A - Contrato de leitura. Das peripécias inverosímeis do Alquimista, de Paulo Coelho, a O Retorno, de Dulce Maria Cardoso. Um retorno sofrido a um tempo de verdadeira tragédia nacional - o pós 25 de Abril. Este romance destapa um problema insanável que resulta de pontos de vista inconciliáveis: em abril de 1974, aconteceu um golpe de estado ou um ato revolucionário?

B - Ainda os poemas "Quando eu sonhava" e "Os cinco sentidos". Este último verdadeira obra-prima de Almeida Garrett! Nela anunciam-se mais de 100 anos de literatura. O lugar onde a razão cede o lugar aos sentidos.

O sonho na perspetiva clássica e na perspetiva romântica. O sonho romântico mesmo que vago e fugidio leva a melhor sobre a imagem fixa e concreta, porque esta transporta consigo irremediável DOR. Sem memória do prazer, a ilusão onírica é VIDA. É Viver! 

Razão .................. SONHO

Razão ------------- SENTIDOS

Arte ..................... NATUREZA

Natureza .............MULHER

 

25.11.12

Zonas de contacto

A sinapse é zona de contacto entre dois neurónios (axónio + dentrito), sem a qual o cérebro morre.

Na Gramática, essa zona de contacto vem mudando de nome - "conjunção", "conector", "articulador"... - mas, a sua função é inalterável: permitir a transmissão do fluxo nervoso. Isto é, permitir que a frase se torne enunciado e alimente a partilha.

Ao rever textos, na maioria dos casos, vemos que não há irrigação suficiente; por vezes, o fluxo fica à deriva, por uma unha negra...

E, na verdade, no atual discurso estudantil, docente e político, não há zonas de contacto. Faltam as sinapses! Faltam os mediadores!

Por isso, os dias que se aproximam serão depressivos, porque o cacete e a palavra são de natureza bem distinta!

 

Sala de aula - XIII

Sharon E. Hutchinson (1996), na obra Nuer Dilemmas: Coping with Money, War and the State, refere a dado momento um método que utiliza para validar a sua interpretação nos estudos de campo e que bem poderia ser aplicado neste blogue:

 "Open note taking."

 O que implicaria que o leitor, furtivo ou não, aqui deixasse, sobretudo, o seu desacordo, complemento, interrogação, clarificação... 

 

24.11.12

Sala de aula - XII

Sempre que um teste se aproxima, surgem perguntas assustadoras! A última solicitava ao "prof". de Literatura se ele não conhecia uma obra que resumisse " As Folhas Caídas" de Almeida Garrett.

Esta ideia de resumir poemas é recorrente e é um bom indicador do estado e da natureza da receção da poesia neste país de poetas.

Não querendo defraudar o inquiridor, registo aqui três enigmas que poderão ajudar a preparar o referido teste (de Literatura!):

I - O que é a Beleza para Garrett? E para os RomânticosOnde encontrá-la? E para os Neoclássicos, qual seria a fonte da Beleza?

II - A defesa da VOZ que brada (no púlpito ou no deserto): argumentos, exemplos; razão e sentidos; a força das imagens. 

III - Amor de Perdição - personagem preferida.

 

 

23.11.12

OS RESTANTES descartáveis!

" Em 2013, a idade exigida para a aposentação no caso dos magistrados mantém-se nos 61 anos e 6 meses e só em 2020 atingirá os 65 anos, já que o regime em vigor - e que se irá manter - prevê um crescimento de seis meses ao ano desde 2011.
(...) Também as forças de segurança (GNR, PSP, PJ, guardas prisionais) e funcionários judiciais mantêm as actuais regras de aposentação.

Para os restantes trabalhadores da administração pública, a idade da reforma passa dos actuais 63 anos e seis meses para os 65 anos em 2013, quando estava previsto que essa meta apenas acontecesse em 2015." (Diário Económico)

É disto que eu gosto! Eu e mais uns tantos fazemos parte dos restantes. Dos descartáveis!

Continuam os regimes de exceção!

 

22.11.12

Sala de aula - XXXIX

A - À espera, na sala 22. O assunto poderia ser: As arcádias e a estética neoclássica; A imitação dos antigos... (Mas, não!)

B - O tempo é de contrato de leitura! Dois blocos semanais são insuficientes para tanta leitura! Claro, há sempre a exposição formatada ou, em alternativa, ao sabor do argumento...

Hoje subiram ao palco as seguintes obras: O Meu Pé de Laranja LimaOs Filhos da DrogaSingularidades de Uma Rapariga LouraAlquimista...

Na turma B, para além da intriga, foi possível perceber que, num cenário de crise económica e social, brasileira ou portuguesa, o problema é o modo como sofremos a mudança. Como as imagens que nos domesticam nos podem arrastar para a construção ou para a destruição. A obra, por mais simples ou complexa que se declare, acaba por nos obrigar a seguir percursos de reformulação ou de degradação. A leitura é, neste caso, um ato educativo dos interlocutores.

Na turma A, não foi possível ir tão longe! Ficámos pelo questionamento e explicação da SINGULARIDADE de Luísa - vaidosa, desonesta e desinteressada da cidadania vs. rigor e honestidade de Macário.  O resto já se prende com o modo de esquematizar, localizar os acontecimentos na viagem do alquimista e, sobretudo, interpretar o seu significado. Talvez, para a semana se entenda o caminho!  

21.11.12

O país ficará mais pobre...

A classe docente vai experimentar uma nova modalidade de avaliação - agora, o avaliador será externo!

Cada centro de formação de professores disporá de uma bolsa de avaliadores (externos) administrativamente habilitados e, face à procura, dispersá-los-á pelo respetivo território, com o objetivo de se pronunciarem sobre a EXCELÊNCIA do ato docente.

Concluída a tarefa, o resultado da avaliação será lançado numa nova base de bases.

E pronto! Tudo continuará na mesma!

... No entanto, o país ficará mais pobre... e uns tantos, que não os avaliadores e avaliados, um pouco mais ricos!

 

Sala de aula - XXXVIII

1851 - Almeida Garrett seleciona as folhas (os poemas) já a antecipar a imortalidade e por isso queima umas e reúne, em coleção, aquelas que o aproximam do IDEAL (IGNOTO DEO). Deixa de lado as composições que o mostravam no palco, diante de um público inebriado pela vaidade. Esse era o tempo da juventude, o tempo da Lírica de João Mínimo e das Flores sem Fruto!

As folhas que iam dando forma ao «sonho de oiro do poeta» constituem um produto diferente, porque gerado pela imaginação orientada pelos valores da BELEZA, da LUZ, da VERDADE, afinal a essência desse "deus desconhecido" / o IDEAL que o poeta pretende servir e que ele bem sabe que só pode demandar longe das «vulgares turbas» e das «coisas vãs e grosseiras». Ele o poeta que cultivou a cidadania como nenhum outro em qualquer tempo português. Ele que anunciou Antero e Pessoa e ainda permitiu que Nobre e Pascoaes dele se nutrissem.

«Deixai-o passar, gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do mando, ou da glória. Ele não entende bem d'isso, e vós não entendeis nada d'elle.»

 ADVERTÊNCIA do autor de FOLHAS CAÍDAS

 (Irrita este tempo da enunciação em que, paradoxalmente, o texto é despojado dos seus cotextos! Um tempo antipedagógico! Um tempo que expulsa Garrett e quer cultuar Camilo!)

 

 

 

 

  

20.11.12

Dia XXXVII

A - Atos ilocutórios. A surpresa do conceito é suprida pela retoma dos conceitos de locuçãolocutorinterlocutor. E voltamos à relação de interlocução. Ao afirmar "Nós não trabalhamos.", o enunciado expõe um ato de fala em que o locutor envolve o interlocutor na constatação de que a falha é coletiva (EU+TU). Ora este enunciado é um exemplo claro de um ato ilocutório assertivo. O mesmo enunciado pode transformar-se num ato ilocutório expressivo "Nós não trabalhamos!" ou num ato ilocutório diretivo "Ponham-se a trabalhar!" ou num ato ilocutório compromissivo " Prometemos trabalhar."...  Só falta o ato ilocutório declarativo!

 Neste caso, surgiu a dúvida se o ato assertivo não seria declarativo - dúvida inteligente, resultante da tradicional tipologia da frase... Por outro lado, tornou-se também necessário distinguir FRASE de ENUNCIADO. A metáfora de serviço foi a seguinte: os ramos da árvore desenraizada correspondem à frase; por seu turno, os ramos da árvore enraizada correspondem ao enunciado. O que diferencia os ramos é a SEIVA (A VIDA). O enunciado tem vida. Em resposta à pergunta: - Para que servem os atos ilocutórios? A resposta saiu breve: PARA MUDAR O MUNDO. O enunciado pode mudar o mundo, ao contrário da frase que só ganha importância numa gramática descritiva e estéril.

B - Contrato de leitura. Apresentação oral de A Casa na Duna, de Carlos de Oliveira. A jovem aluna não teve qualquer pejo em declarar que não gosta da narrativa, mas, surpresa, revelou ter lido com muita atenção o romance, e soube dar conta dos aspetos mais importantes, selecionando excertos adequados.

C - Na aula de Literatura, os poemas em análise: Gozo e DorIgnoto Deo. E também excertos do poema em prosa SOLIDÃO e da ADVERTÊNCIA de FOLHAS CAÍDAS.

Em Gozo e Dor, a estratégia discursiva assenta no recurso à dramatização argumentativa em que à amorosa satisfação da mulher, o sujeito lírico discorda, não certamente porque rejeite o "gozo", mas porque a plenitude arrasta a "dor" - uma particular forma de alienação, de morte ou de loucura:

     Sinto que se exaure em mim / Ou a vida - ou a razão.

 

 

 

19.11.12

Requerimento

Decidi requerer a aposentação. Sem titubear, peguei no impresso, preenchi-o e disse, para comigo, já está! Mas porquê?

Manifestamente, porque há anos que estou a ser roubado e, sobretudo, porque pressinto que nos próximos anos serei espoliado quer esteja a trabalhar quer aposentado.

De quem é a culpa? Minha. Porque era minha obrigação separar o trigo do joio. E não o fiz! Há anos que somos governados por ervas daninhas...

Em nome da liberdade de Abril, a minha escola, magnânima, acolheu todos, mas não soube gerar competência honesta, trabalho abnegado. E eu estava lá!

Ouvi lamúrias, calei desconchavos, suportei vaidades, pensei que era a adolescência da democracia! Mas não!

Hoje, estou sem paciência! E há alunos que não têm culpa de eu a ter perdido - ainda vejo nos seus olhos o brilho da curiosidade.

Latentemente, a culpa deste requerimento é daqueles que há anos separaram a língua da literatura e que, agora, mediaticamente, regressam a pretexto de uma comemoração e que, sem reconhecerem o erro, anunciam que, afinal, vamos todos ler Camilo. O Camilo de Amor de Perdição? E o outro Camilo, quem o lê?  

«- Em que século estamos nós nesta montanha? - tornou a dama do paço.» 

«- Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.»

«- Ah! sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze...»

 

Sala de aula - XXXVI

 (Redação de um conto)

A hipótese de adoção de uma criança por um «casal de namorados» de um dia para o outro obriga a novo esclarecimento terminológico e cultural. A hipótese narrativa é inverosímil, pois socialmente os namorados não se podem candidatar à adoção...; por outro lado, estes processos são demorados. Assim, foram explicadas as noções de verosimilhança e de inverosimilhança como processos de validação do discurso, deixando de lado as noções de verdade e de mentira (nos domínios: narrativa literária / narrativa cinematográfica).

Por outro lado, o termo "casal", também foi explicado em termos da formação CAS(A) + AL, tendo o sufixo o valor de "conjunto de casas"- aceção primeira; CASAR= CASA + AR, ação de juntar casas / património... o que torna inadequado que se refira um "casal de namorados". Em alternativa, teremos um " par de namorados", mas que não poderá candidatar-se à adoção, entre outros motivos por que falta o património...

(Contrato de leitura: Em causa a apreciação crítica da Viagem do Elefante)

O que é que se espera do leitor? A atitude crítica pressupõe a capacidade de discriminar, de separar linhas de força: por exemplo, o milagre de um elefante que ajoelha ao passar defronte de uma igreja. Para o narrador, o gesto do paquiderme foi cuidadosamente preparado pelo cornaca que, posto à prova pelo clérigo, sabia que não podia falhar... E esse saber resulta de a personagem ter sucessivamente atravessado diversas culturas, todas elas assentes numa ideia de superioridade de raiz divina... Vejamos, então, como é que o leitor reage a este tipo de personagem! Acompanha-a na denúncia da manipulação a que igreja católica submete o povo - alienando-o... Ou não pode fazê-lo porque a sua própria educação o confina a visão miraculosa do seu mundo?

No essencial, a apreciação crítica coloca em cena o leitor e a sua visão do mundo, pelo que não se justifica qualquer importação do pensamento alheio (por exemplo da contracapa ou da badana!).    

De regresso às Folhas Caídas, de Almeida Garrett, foram dois os textos em análise; O Anjo Caído e Este Inferno de Amar. Apesar de líricos, os dois poemas obedecem a técnica de composição diferenciada: o primeiro de tipo narrativo; o segundo de modo dramático, senão argumentativo. O hibridismo de género literário é um dos traços do romantismo.

No Outono da vida (Folhas caídas), o sujeito lírico inesperadamente reencontra o amor no «anjo sem luz» ou nuns «olhos ardentes». E os poemas são cenário da divisão entre a consciência moral / o padrão cultural e o desejo, fruto do momento fulgurante que desenterra o sujeito para a VIDA... Mesmo no Outono da Vida, o amor é «esta chama que alenta e consome». Tudo é prazer, tudo é alegria, mesmo que o amor seja efémero... Vale a pena comparar a definição com a de Camões, traduzida de Petrarca: «o amor é fogo que arde sem se ver!»

                      (Da alegria no Outono da Vida - «Dava o Sol tanta luz!»)       

 

18.11.12

Sala de aula - XI

Quando a leitura da narrativa de um acontecimento exige o conhecimento de um extenso referencial - caso do regicídio de 1 de fevereiro de1908 - a legibilidade impõe um esclarecimento detalhado das referências enunciadas, caso contrário, arriscamo-nos a perder o leitor.

Veja-se o texto de Raul Brandão (Manual Português 10, páginas 32-33). Em duas páginas, feito o levantamento das referências topográficas e históricas, surgem as seguintes zonas de penumbra: Livraria Ferreira; Fialho (de Almeida); Artur de Melo; Jorge O'Neill; Rua da Mouraria; Praça da Figueira; Armando Navarro; Malaquias de Lemos; Vila Viçosa; o Rei; o Príncipe; Ramalho (Ortigão); Duquesa de Palmela; João Franco; São Carlos; Vasconcelos Porto; Arcada; Ministério do Reino; Fazenda; Rua de S. Julião; Buiça; Alfredo Costa; Francisco Figueira; Correia de Oliveira; Rainha...

Se o leitor for lisboeta, talvez não se perca na topografia da cidade. Mas fora da capital tudo será diferente!

Quanto ao conhecimento de História, sendo cada vez mais desprezado, não se vê como é que a memória poderá ajudar o leitor...

Bem sei que o texto foi selecionado como exemplo de memória! Mas que memória procuramos construir se deitarmos fora o autor, o leitor e o referencial que os poderia alimentar? 

 

16.11.12

João de Mello Alvim.

O Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Fernando Seara, entregou, ao final da tarde na Casa de Teatro - Chão de Oliva, a medalha de mérito de grau ouro ao Dr. João de Mello Alvim. Esta distingue o jornalista, o professor e, sobretudo, o dinamizador da arte dramática no concelho, no dia que assinala os 25 anos da fundação da Associação Cultural CHÃO DE OLIVA.

A cerimónia foi singela e constituída por quatro momentos de encómio: a narrativa de vida; o encontro com a poesia dramática, mas, também, pessoal; a explanação formal dos méritos do homenageado; o agradecimento informal em três "parágrafos". 

Do agradecimento, não posso deixar de referir a evocação do professor José Luís Amaral.

(Caro João de Mello Alvim, tudo o que ouvi nesta sessão reforça a ideia de que ainda há homens que nasceram para servir a comunidade. Tu és um deles!)

 

 

 

 

 

15.11.12

Maravalhas!

«Se tudo são ramos, não é um sermão, são maravalhas.» Padre António Vieira

I - Em certas afasias, as referências (espaciais, temporais, interpessoais) vão-se extinguindo, deixando os signos desorientados. Talvez por isso, os discursos de hoje pareçam bolhas de sabão. Começam por enfunar para sorrateiramente desaparecer...

Um destes dias, alguém se referiu à visita da chancelarina alemã. Que eu tenha conhecimento, ninguém deu atenção ao termo! No entanto, como ele não me saía da cabeça, fui pensando que a senhora teria perdido importância, um pouco como a Chancelaria, lugar meu conhecido, sede de freguesia, situado entre a Maçaroca e o Pafarrão. Desconheço qual terá sido o chanceler que gerou tal topónimo, sabendo, contudo, que o termo tem mais proveito na Germânia que na Ibéria...

Não sei se o criador da chancelarina queria, na verdade, desvalorizar a chanceler por correr o mujimbo que não tinha sido convidado para nenhum dos encontros oficiais, mas pressinto que o facto de ser senhora nascida na antiga República Democrática Alemã terá pesado na criação do neologismo.

II - Afinal, este blogue bem poderia ter como o título "Maravalhas"! Este termo estaria mais de acordo com o seu verdadeiro conteúdo - aparas de madeira; acendalha; caruma; bagatela... Tudo o que lenta, ou subitamente, perde importância e acaba por desaparecer...  

 

Sala de aula - XXXV

Contrato de leitura. Obras apresentadas: Amor de PerdiçãoQueda dum AnjoA Viagem do Elefante. Camilo Castelo Branco e José Saramago. Estes alunos do 10º ano são audaciosos, apesar das dificuldades resultantes do desconhecimento da História. Por outro lado, a apresentação oral nem sempre é eficaz, pois os locutores continuam a ignorar os interlocutores - tom muito baixo; dicção sofrível.

De regresso ao Sermão da Sexagésima, hoje, o auditório foi constituído por 6 elementos. A sessão foi de leitura:

a) da matéria do sermão - da grande dúvida: «Pois se a palavra de Deus é tão poderosa, se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, por que não vemos nenhum fruto da palavra de Deus?»

b) da composição do sermão: «o sermão há de ser de uma só cor, há de  ter um só objecto, um só assunto, uma só matéria» 

A ÁRVORE é o ponto de partida e o ponto de chegada do sermão. O discurso torna-se progressivamente alegórico, chegando, no entanto, a momentos de desconstrução da própria alegoria: «Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, a que podemos chamar "árvore da vida"...»

(Sob o freio da razão, a imaginação desfaz-se em preciosos conceitos, de tal modo que o auditório anteporá o deleite à censura...)

 

14.11.12

Dia XXXIV

Os alunos de Literatura Portuguesa não chegaram a entrar na sala de aula, apesar de dois se encontrarem no recinto escolar. (Não se pode dizer que tivessem feito greve, mas que a ausência foi geral não há dúvida!) Esperemos que o tempo tenha sido aproveitado para realizar o projeto individual de leitura.

 

13.11.12

Ouvir e apagar logo-logo

«Ouvir e perceber enquanto ouvia, mas apagar prontamente, era o traçado em que ele se movia. Ouvir e apagar logo-logo.» José Cardoso Pires, DE PROFUNDIS, Valsa Lenta

Capaz de ouvir, perceber e argumentar com acutilância, vive, no entanto, no limiar da afasia. Diante de si, o pânico da deterioração da linguagem, da expressão desconexa, do registo errado do termo, da hesitação. A cada passo, a hesitação! E o circunlóquio, traiçoeiro, capaz de arruinar a comunicação...

Enquanto o acidente vascular cerebral está a decorrer, sob a forma de lentíssima isquemia, ele corre para a página em branco na esperança de ainda chegar a tempo de registar aquele lampejo de felicidade que lhe sorri nas palavras encantadas do leitor do dia, antes que tudo se apague irremediavelmente.

Ao contrário de José Cardoso Pires, ele não espera pela consumação do AVC, pois sabe, de antemão, que não lhe será concedido tempo para qualquer reconstituição feliz da memória...

Para ele, o acidente vascular cerebral está em curso, mesmo que, um dia, de forma brusca, se torne oficial e sem regresso. Por agora, o mais difícil está em chegar a tempo e em disfarçar a hesitação.   

 

Sala de aula - XXXIII

Por vezes, os dias são enfadonhos! Hoje, no entanto, há acontecimento. Três alunos apresentaram oralmente obras de épocas distintas, mas significativas: O Auto da Alma (1518), de Gil Vicente; A Birra do Morto (1973), de Vicente Sanches; De Profundis Valsa Lenta (1997), de José Cardoso Pires. As duas primeiras no âmbito do contrato de leitura; a última no âmbito do projeto individual de leitura.

Sem qualquer ajuste prévio, as três tratam da vida e da morte, cada uma à sua maneira. Para a primeira, alegórica, a morte feliz é um lugar que deve ser metodicamente  preparado, apoiando-se na Igreja e nos seus Doutores (os pilares da  estalagem); para a segunda, burlesca, a morte deve ser evitada a todo o custo mesmo que os regulamentos sejam taxativos quanto ao destino de quem, por erro, seja oficialmente declarado morto; para a terceira, é possível regressar da morte e, sobretudo, através da escrita parece possível reconstruir a memória de um tempo sem retorno... e esse renascimento é de lenta aprendizagem...

(Os leitores - Eduardo, João e Diana - estão de parabéns porque deram conta do prazer que a leitura lhes despertou e porque conseguiram cativar os respetivos auditórios.)

    

12.11.12

Sala de aula - XXXII

I - A referência deítica. Volta a ser necessário clarificar o significado de deítico como apontadorindicador para o exterior da linguagem (do signo linguístico: significado+ significante) - o referente. Também este último termo oferece resistência, embora o princípio esteja no objeto, na coisa (res). Afinal, na família de palavra, encontramos: referir, referir-se a referente, referência, referencial... O jogo de palavra acabou por gerar uma comparação com docência, docente / ensino, professor, ensinar... Falta, no entanto, o verbo docere

II - Novo problema terminológico: distinguir o valor deítico do valor anafórico de certos termos. E abstive-me de problematizar o significado do vocábulo valor. E a dificuldade começa com a necessidade de recapitular o significado de anáfora (retórica, tropologia, estilística) - figura de repetição de palavra ou expressão no início de verso ou de frase...

III - Na Literatura, a dificuldade resulta da falta de atenção, (alheamento quase involuntário, estado de alma intermitente). Mas lá caminhámos lentamente do neoclassicismo das duas arcádias (Arcádia Lusitana e Nova Arcádia) que apostavam no lema inutilia truncat (objeto: barroco) para Almeida Garrett que, embora formado como árcade, vai rompendo com o rigor da mimesis clássica para um terreno mais popular, mais intuitivo e mais sensorial. Claro que foi necessário regressar à educação de Garrett, mas também voltar a explicar a importância ideológica e literária de um projeto como o Romanceiro. Esta mistura do arcadismo com a oratura torna-se explosiva!

E por isso nos ficámos no poema "Sine nomine corpus" / Corpo Despido. E também a interpretação se torna penosa, fundamentalmente porque, em termos de composição, Garrett apostou numa comparação, e o intérprete continua sem perceber que a comparação supõe dois termos e que, neste caso, o primeiro termo serve o segundo. O romântico fala da sua tristeza, da sua desilusão e para melhor explicar como chegou a esse ponto recorre à comparação com a árvore abrasada pelo fogo do estio, como se a intensidade da paixão acabasse por ser a causa do seu apagamento... e por isso o poema começa por "Qual tronco despido (...) Assim ao prazer, /À dor indif'rente, /Vão-me horas de vida..."

Talvez amanhã enxerguemos o árcade que habita nas Flores sem Fruto!

 

11.11.12

Duas ideias a propósito do futuro

«Quando o passado foi um pesadelo escuro / quem é fiel ao passado atraiçoa o futuro.» Os versos são de Tomás Ribeiro Colaço (1899-1965), citado por Maria Archer (1899-1982) num artigo intitulado A Gente Nova e a Emigração, Cadernos Coloniais, nº 32.

A - O atual partido socialista necessita de uma vez por todas, romper com o passado recente, mesmo que pressinta / saiba que a situação que vivemos não resulta apenas de cegueira ou excessivo optimismo de anteriores governantes. O PS não pode continuar a viver na ambiguidade! Se este partido não separar as águas arrisca-se a ter o destino do partido socialista grego... e o país ficará à deriva.

B - Quanto ao futuro da gente nova, nas palavras esclarecidas de Maria Archer, só fará sentido emigrar se levar consigo «mais do que braços obreiros e boca faminta». Pelo menos, esta gente nova necessita de conhecimento e de técnica. «Quem emigrar confiando apenas no arrimo dos braços procura o coval das suas esperanças.»

 

8.11.12

Do trabalho

Por razões que para o caso pouco interessam, em 1998, interrompi uma linha de investigação que, agora, retomo. Seguia à época um caminho de leitura centrado no continente africano e, sobretudo, nas imagens construídas pelos africanos e pelos europeus. Exercitava, então, um tipo de leitura que considerei imagológica.

Nos Cadernos Coloniais, editorial Cosmos, Lisboa, 1936, é possível identificar muitas dessas imagens que ajudaram a desenhar o imaginário do colonizador, mas também o daqueles que, desde cedo, combateram o colonialismo.

O Caderno nº 31 é constituído por um conjunto de artigos da responsabilidade do Padre Alves Correia (1886-1951). Vale a pena, creio, indicar aqui os títulos: a) Processos educativos, antigos e modernos, nas Missões religiosas portuguesas; b) Na evangelização da África; c) Na Índia, Japão e China; d) Processos peculiares em Solor e Timor; e) Brasil coroa do nosso apostolado; f) Nas missões ressuscitadas / Processos Novos.

Fácil é perceber que os agentes da missionação não aplicaram o mesmo modelo de educação /evangelização no terreno e que a doutrina era condicionado pela imagem que as ordens religiosas tinham do outro e, consequentemente, do lugar que poderiam ocupar no futuro dos territórios.

E quanto à visão do outro (do mundo) do Padre Alves Correia basta ler o seguinte excerto:

«Hoje está assente, entre todos os missionários do mundo, que a civilização cristã deve basear-se na organização do trabalho total do homem evangelizado; que a catequese doutrinal é pouco menos que inútil, se não se tiverem formado hábitos de trabalho nos catequizados; elevação do nível da vida, necessidades morais provenientes desta elevação, meios de satisfazer tais necessidades promovidos pelo exercício da atividade física e desejo crescente de instrução, que leva o homem à educação da inteligência, do coração, como do próprio corpo.»

Ora, parece que, atualmente, os nossos governantes têm fraca imagem do trabalho! E insistem em destruí-lo, sem perceber que é muito mais fácil destruir do que construir.

 

Sala de aula - XXXI

I
a) Nóshoje, estamos desconfiados dos deíticos!
b) Eles desconfiam dos deíticos.

Em a) considerando que a ação verbal decorre na sala de aula, o locutor envolve o interlocutor numa atitude de desconfiança em relação ao objeto. A situação de comunicação é partilhada devido à novidade e à utilidade do conceito.

Uma observação atenta do enunciado a) cria nos interlocutores uma relação de cumplicidade muito diferente da que é exposta em b) O facto só nos interessa em termos de informação, não nos envolve.

 

Em termos esquemáticos, o enunciado a) é constituído por dois deíticos temporais: "hoje" /"estamos" advérbio - presente do indicativo, e por dois deíticos pessoais "nós" e -mos" - pronome pessoal e morfema verbal.

II - Na aula de Literatura (apoio), não houve qualquer cumplicidade: sem interlocutor.

III - A análise do discurso da sala aula, se rigorosa, acaba por mostrar que em simultâneo com o discurso institucional se desenvolvem discursos privados, sujeitos às mesmas regras que, no entanto, mais não são que formas de "ruído".

 

7.11.12

Sala de aula - XXX

I - No teste de Literatura, para além da pouca leitura, surge o problema do incumprimento das instruções. Não se trata de incompreensão, mas de desleixe.

II - Com metade da turma em visita de estudo, os restantes foram confrontados com a biografia do autor, de modo a procurar a presença da vida na obra. No caso, a presença da mulher no poema " A Minha Rosa".

Na nota biográfica do autor, é dito que, em 1846, Garrett conhece Rosa Montufar, Viscondessa da Luz... (Será o poema A Minha Rosa anterior ao conhecimento de Rosa Montufar?)

Por outro lado, a nota biográfica regista a vida, a obra e faz alguma referência ao romantismo (introdução)... o que permitiu atentar nos títulos, como, por exemplo, Dona Branca (1826) e Romanceiro (1843/1851) ... 

E ao fazê-lo, abriu-se a porta à particularidade de o Romanceiro corresponder a um projeto ideológico de fixação da oratura e da traditio, mas que teve forte influência na técnica compositiva do autor. (Não sei por que motivo se insiste em literatura oral ou tradicional em vez de oratura!)  

O século XIX, romântico, acaba por simultaneamente valorizar os romanceiros e redescobrir os cancioneiros, tudo em nome do génio popular!

A leitura, fragmentada, da nota biográfica levou a que, sumariamente, fosse chamada a atenção para outra mulher na vida do autor - Adelaide Pastor (1837 - 1841). Dessa relação nasceu Maria Adelaide, que acabará por assombrar, por exemplo, Frei Luís de Sousa (1843) - a infeliz Maria... Tudo porque, afinal, Garrett, embora separado, ainda estaria casado com Luísa Midosi (1822) ... 

 

 

 

6.11.12

Sala de aula - XXIX

I - Perceber que através do discurso também se sai do pátio para a sala de aula - do registo informal ao registo formal. Identificar "os ruídos" verbais (e não só) que perturbam a eficácia comunicativa. A sala de aula exige formalidade no tratamento e na interação comunicativa, tal como acontece num tribunal, no parlamento ou numa igreja... E por isso os deíticos pessoais, temporais ou espaciais devem ser utilizados com moderação, pois eles espelham o lugar em que os interlocutores se situam na comunicação (no Manual, viajámos da página 29 à página à página 242).

II - Entretanto, na Literatura, confirmada a pouca leitura e a desmazelada escrita, passámos à poesia de Almeida Garrett (A Minha RosaNão te AmoEste Inferno de Amar, Barca Bela).

A musicalidade dos poemas. A tradição poética (Romanceiro). E a novíssima abordagem do amor.

Basta atentar nos três círculos de A Minha Rosa que se combinam e se sobrepõem não platonicamente, como a convenção impunha:

- A Rosa (a flor; hástia mimosa; folha; cor; coroar; desabrochar)

- A Mulher (face tão bela / face linda; lábios; sorriso)

- O Paraíso / Céu (estrela; rainha; luz; singeleza; beleza)

O Poeta, embora consiga ascender ao céu, não deixa de ter uma ponta de ciúme, pois a sua rosa não é muito diferente das outras flores...

 

5.11.12

O fascínio do abismo

(Não me apetece contribuir para a queda no abismo.)

Forças sindicais, políticos do centro-esquerda e da esquerda ortodoxa e heterodoxa desfilam palavras de ordem contra o memorando, mas não se sentam em torno de uma mesa e redigem um programa alternativo que permita ao Presidente destituir o governo e convocar novas eleições legislativas...

Sem eleições devidamente preparadas, resta a ditadura ou, simplesmente, a diluição da nação.

 

 

 

Sala de aula - XXVIII

I - Formas de tratamento. Cortesia. Registo formal e informal. Deíticos. Um percurso que, em comum, tem a situação de enunciação e respetivos atores (locutor, interlocutor, espaço e tempo).

Nada de extraordinário, a não ser essa dificuldade em perceber que só podemos viver no presente e que o discurso é uma forma de o capturar, de construir narrativas de maior ou menor saudade ou de sonho. Ficamos, assim, entre o passado e o futuro, categorias do discurso... Quanto ao presente..., esse lugar onde registamos a proximidade e a distância, quer em termos espaciais quer hierárquicos ou, simplesmente, nada..., sem âncoras, ficamos à deriva... O que acabou por conduzir à necessidade de explicar as perífrases e as metáforas que se vão instalando num discurso, ora feito de adiamentos ora de intuições fulgurantes, as últimas porque o raciocínio se torna intuitivo sempre que o que há a dizer é novidade... Mas esta imaginação verbal só singra se ancorada na experiência...

3.11.12

O Gebo e a Sombra (filme)

Gostei da reconstituição em espaço fechado, gostei da representação, embora não entenda tanta fungação. Já bastava que Doroteia passasse o tempo a cismar e a chorar...

Não gostei nada da opção pelo francês, embora perceba que os protagonistas pudessem ter dificuldade em exprimir-se na língua de Raul Brandão.

E sobretudo não compreendo a razão da supressão do Quarto Ato! Vê-se que o desfecho não agradaria a Manuel de Oliveira. E porquê?

Talvez porque:

a) Sofia se tivesse visto obrigada a trabalhar / a ser explorada numa fábrica,

b) «Odeio todos esses ricos que me fazem bem e que me dão de comer. Eles dão-me de jantar, mas é por vaidade» (Candidinha)

c) «Eu sacrificara-me, para que os outros se rissem de mim.» (Gebo)

d) «A gente só se não arrepende do mal que faz neste mundo.» (Gebo)

e) «Foi tudo inútil! Foi tudo inútil!» (Sofia)

A opção de Manuel de Oliveira não se abre ao exterior, encontra solução na moral católica do cumprimento do dever, da obediência à lei... Na verdade, trai a solução muito mais angustiada de Raul Brandão que, atento às leis da política, da finança e da economia, se revolta...

 C'est dommage!

2.11.12

Sala de aula - IX

«Não há rigor que não dissimule angústia.» Hermann Broch

Eis o ponto de partida para a rememoração ou criação de uma pequena história. O resultado é perturbador.

As histórias põem em cena a família e a escola. Previsível! Só não esperava encontrar tanta psicologia de algibeira: as mães e os professores (as) rigorosos (as) não passam de gente bem-intencionada, mas traumatizada.

E esses traumas escondidos, mas que os rebentos antecipam facilmente, só servem para provocar angústia nos infantes.

O esquema é elementar: a angústia é filha do rigor; a autoconfiança dá-se bem com a orfandade... 

Ao contrário de outras gerações, esta parece caracterizar-se por uma certa precocidade que se revela na procura de um palco que lhes estimule o vedetismo...

(Estes pensamentos são necessariamente bem-educados!)

 

1.11.12

Inevitavelmente...

Tentando não assombrar quem por aqui passe, deixei de falar de políticos, pois sinto-os desenraizados, vendidos a interesses ou a doutrinas mal assimiladas. Incapazes de pensar por si, vivem cercados de técnicos nacionais e estrangeiros que, ignorantes do território e das gentes, cortam a direito como já no século XIX as potências europeias tinham feito com África...

De qualquer modo, esta cegueira não afeta apenas os governantes. No geral, voltámos as costas ao território e ao seus recursos, preferindo as soluções urbanas, em regra importadas... Cidadãos do mundo, consumimos desenfreadamente e perdemo-nos facilmente nas redes sociais e na delinquência, umas vezes gratuita outras sanguinolenta... Temos as nossas próprias festas e, não satisfeitos, adaptamos todas as alheias.

O espírito dionisíaco esmaga o apolíneo, conduzindo inevitavelmente à decadência, sob o guloso olhar calvinista.

Resta-me a consolação de um território que entregue a si próprio vai impondo as suas próprias regras como se há muito tivéssemos partido!

 

 

Sala de aula - XXVII

O Dia chega atrasado. A escrita procura recuperar um tempo irremediavelmente perdido, tal como o comprova aquele aluno que tem dúvidas sobre a matéria do teste, pois, desesperadamente, foge da leitura de Um Auto de Gil Vicente e de Amor de Perdição, como o diabo da Cruz, o que me dá o mote para, aqui, relembrar a composição da personagem João da Cruz.

Apesar do manual (Projectos de leitura I, páginas 221-222) convidar a um exercício de caraterização do herói romântico, ontem armei-me de um Dicionário de Língua Portuguesa, e todo o trabalho se centrou na leitura do excerto do capítulo VI. Após leitura acompanhada da simples tarefa de identificar as palavras que oferecessem resistência à compreensão (três!), o retorno à leitura dirigiu a atenção para o significado literal e figurado das palavras, para o recurso a processos de equivalência semântica (sinonímia), para a origem do léxico de João da Cruz, para os registos de língua do narrador, de João da Cruz e de Simão Botelho, como expressões da multiplicidade de recursos presentes na escrita camiliana.

Vale a pena atentar na quantidade de nomes comuns e de verbos transitivos ativos no diálogo (e consequente significado literal e figurado):  Este desalmado deixou fugir o melro (...), mas o meu lá está a pernear (...) Sempre lhe quero ver as trombas (...) o ferrador desceu três socalcos da vinha (...) Alma de cântaro (...) ou no discurso do narrador: João da Cruz, como galgo de fino olfato, fitou a orelha e resmungou. A comparação como processo de caraterização, em que a bestialização, agora positiva, é posta em evidência.

A bestialização com recurso a nomes comuns: melro, trombas, galgo, porco do monte, javali, furão. Fácil é perceber a simpatia do autor por esse universo campestre e efetivo conhecimento do léxico adequado, chegando ao ponto de, para construir o espaço que se torna de caça (ao homem), usar uma rica sinonímia que acaba por confundir o leitor urbano: matagal, mato, rostilhada, moita, bouça...

De pouco servirá este registo, mas este foi o caminho seguido na aula de ontem! Pobre herói romântico! A atenção de Camilo estava toda centrada na força e na inteligência do caçador e não na irrefletida mansidão de Simão... (Ao fim da tarde, recebi um e-mail de quem esteve na sala de aula a perguntar qual era a matéria...)

 

29.10.12

Sala de aula - XXV

I - O apelo à descrição do aparelho de pesca visa desenvolver a objetividade e o espírito crítico, e, simultaneamente, alargar o léxico, no caso das "artes de pesca", e a construção de texto. Hoje, para além dos dicionários e glossários, há outras ferramentas, em particular, de imagem que podem ser bons auxiliares de trabalho.

 

II - No que refere à correção do teste (1a), foram detalhados os seguintes itens: 

a) o retrato como meio de imortalizar os que se distinguiram por ações em favor da humanidade, ou mais comummente, de algum grupo (Agustina) ou, desde o romantismo, como forma de subversão da referida ideia... até que a fotografia chegou...

b) o pretérito perfeito, semanticamente exprime ações concluídas, sem impacto no momento da enunciação (anterioridade);

c) o recurso à 3ª pessoa na construção de um autorretrato (Manoel Bandeira) como forma de distanciamento do sujeito de enunciação - o poeta desajeitado, provinciano e sem espiritualidade terá ficado para trás...

d) a necessidade de valorizar o vocabulário escolhido pelo autor, de modo a não cair em erros de interpretação - «tísico profissional» ...

III - Excertos dos capítulos IV e XIV de Amor de Perdição. O narrador caracteriza Teresa, distanciando-se da heroína, pois esta era um produto de sociedade manhosa e hipócrita, dominada pelas convenções... e neste caso, Teresa obedece ao padrão literário da época - pronta a tudo sacrificar por amor (ou será por desafio à autoridade paterna?). Por outro lado, no capítulo IV, o narrador adota a 1ª pessoa, conduzindo um diálogo irónico com "os finos entendedores" e chegando ao ponto de brincar com o leitor, embora espere a sua cumplicidade: «Diz boa gente que não, e eu abundo sempre no voto da gente boa.»  

No XIV capítulo, a narrativa recria um diálogo dramático entre pai e filha, em que a tensão dramática vai crescendo... com vitória de Teresa, apesar de não devermos esquecer as palavras do narrador: «os melhores fins se atingem por atalhos onde não cabem a franqueza e a sinceridade.»  

Em pano de fundo, continua o diálogo inaugurado por Rousseau entre Natureza e Sociedade (o mito do bom selvagem).

 

28.10.12

E o mar ali tão perto!

Às 15h50, deixei o parque de Campismo FORTE DO CAVALO, em Sesimbra. Fui o último campista a sair! E fiquei a pensar que há Câmaras Municipais que não têm jeito para o negócio. Talvez, o presidente da Câmara de Sesimbra pudesse solicitar uma ajuda ao de Mafra ou, pelo menos, talvez pudesse fazer uma visita ao parque de MIL REGOS, Ericeira...  

 

 

Sala de aula - VIII

Forte do Cavalo, Sesimbra.

O Sol brilha e o céu continua azul. Lá em baixo, o porto de abrigo. À esquerda, o castelo alcandorado.

O professor classifica testes, com a preocupação de diagnosticar os níveis de compreensão e de expressão. Tudo o resto se torna secundário.

Esgotada a primeira turma, concluo que apenas dois alunos revelam compreensão e expressão insuficientes, em 28.

Em síntese, a maioria dos alunos surge preparada para as novas tarefas.

 

27.10.12

Em Sesimbra

No último sábado de outubro, o sol reapareceu e o calor tornou-se incandescente, matando a descida ao porto de abrigo.

No Parque de Campismo Forte do Cavalo, três autocaravanas, uma roulotte e uma tenda. No máximo, 10 pessoas!

Não é possível comprar pão, tomar uma refeição, beber um café… A poupança, aqui, é total!

 

25.10.12

Formas de explicar

Não sei bem como explicar as situações que vou testemunhando. Da senhora idosa que mostra despreocupadamente o passe ao fiscal quando já não o carrega desde Março, ao académico que acredita que na biografia das amigas de leite há uma mariana à espera que uma qualquer teresa definhe definitivamente, sem esquecer os ataques à troupe que eliminou os clássicos dos programas de português, como se, à época, os virtuosos académicos tivessem sido todos silenciados na cadeia da relação do Porto...

Há, na verdade, situações que me exigem contenção verbal e não só, pois há sempre um virtuoso militante à escuta (vigilante). Só recentemente me foi dado entender que as minha preocupação com os efeitos morais da crise, com a necessidade de educar para a superação da miséria em que vamos mergulhando, só fará sentido se a gritar bem alto e, de preferência, de punho fechado...

O que me leva de regresso a Camilo Castelo Branco e ao narrador de Amor de Perdição que, não conseguindo identificar-se com nenhuma das suas personagens, ora se distancia da nobreza provinciana ora se distancia dos interesses da capital, caindo numa aparente neutralidade que a violência do léxico, a ironia e a caricatura desmentem a cada instante.

Um Camilo romântico, maldito epíteto!    

 

Sala de aula - XXIV

«Carlos deu com ela pela manhã, no convés, por baixo da mezena. Leonor andava por ali, de braço dado com a mãe, a passarinhar pela popa. “Tiago Rebelo, Tempo dos Amores-Perfeitos.

Poderá o contrato de leitura ser virtuoso? A tendência é para fugir ao "corpus" definido no Programa. Hoje, as virtudes não foram muitas à exceção do domínio do equipamento informático. Em menos de um minuto saiu um power point, embora pobre! A leitura das notas (pobres) sobrepôs-se à exigida exposição oral. A história de amor impossível em contexto colonial mais não foi do que anunciada. E talvez tenha sido melhor assim, porque isto de ver mãe e filha passarinhar pela popa arrepia. Andariam as pobres damas à caça? A turma revela, apesar de tudo, algum conhecimento dos efeitos da Conferência de Berlim...

Texto diarístico. Da forma privada, secreta do Diário à forma pública e partilhada do Blogue. Dos perigos da exposição na blogosfera (a postagem logo que partilhada deixa de ser recuperada...)

Sob a máxima de AMIEL " Chaque jour nous laissons une partie de nous-mêmes en chemin. » (A cada dia que passa, um pouco de nós fica pelo caminho) a explicação de que o Diário nos pode confortar da perda e, talvez por isso, a aula decorreu sob o signo da leitura de excertos do Diário XV de Miguel Torga e um dos textos ficou registado no caderno diário para poder ser analisado com mais detalhe:

S. Martinho de Anta, 17 de Setembro de 1987

IDENTIFICAÇÃO

Desta terra sou feito.

Fragas são os meus ossos,

Húmus a minha carne.

Tenho rugas na alma

E correm-me nas veias

Rios impetuosos.

Dou poemas agrestes,

E fico também longe

No mapa da nação.

Longe e fora de mão...

 

Quanto ao Sermão da Sexagésima hoje só teve um ouvinte. «Começou ele a semear (diz Cristo), mas com pouca ventura.» 

 

24.10.12

Sala de aula - XXIII

Ler Amor de Perdição e escrever sobre o narrador. Selecionar 1, 2, 3 textos, e analisá-los de acordo com a seguinte estratégia: o narrador identifica-se com alguma personagem ou espaço simbólico (capital / corte vs. província)? o narrador distancia-se (através da ironia e do léxico) de uma das partes ou de ambas? o narrador assume uma atitude de neutralidade?

A análise e a resposta detalhada a estas questões permitem compreender o olhar mordaz do autor sobre os excessos da proposta revolucionária importada ( revolução francesa) e simultaneamente perceber que o conservadorismo do antigo regime se caracterizava por um atávico atraso provinciano e por uma cabeça reinante (e respetiva corte) piegas, perdulária e postiça...Claro, sobrava a paixão incompreendida!
A primeira tentativa de escrita é, no geral, frustrante... a segunda será certamente melhor!

Fora da sala de aula,  sob a coordenação do prof. Daniel Sampaio e em associação com a Faculdade de Letras e o Plano Nacional de Leitura, decorreu a celebração dos 150 anos de Amor de Perdição. Hoje foi dia de apresentação das cartas de amor (e não só!) escritas pelos alunos do Secundário no CCB, de Vasco Graça Moura. A participação da Escola Secundária de Camões revelou qualidade acima da média. A articulação da Escola com a Faculdade de Letras é da responsabilidade da professora Cristina Duarte. O 11º J (Literatura), embora não tenha estado presente, contribuiu com duas cartas (de Ana C. Guerra e Diana Francês). Nesta iniciativa colaboraram também as professoras Alice Xavier, Maria Lurdes Fernandes e Maria Teresa Saborida.   

 

 

 

23.10.12

Sala de aula - XXII

I -Teste. Uma memória espacial temperada por uma memória literária, pessoana. POEMA PESSOAL, de Agustina Bessa-Luís. Tema: A CASA. O enunciado da prova foi várias vezes questionado, sobretudo no que respeita ao recurso à citação ou à resposta por palavras próprias. O léxico não levantou grandes dúvidas, à exceção do verbo "dissimular". O tempo revelou-se suficiente.

( A perceção de que o texto podia oferecer alguma dificuldade desencadeou uma aproximação faseada: a) leitura do texto pelo professor; b) nova leitura individualizada, agora de cada aluno; c) entrega do questionário; d) leitura do questionário pelo professor; e) início da resolução...

II - Apesar do fervor ministerial (e não só!) pelo Amor de Perdição, a turma revela dificuldades que exigem uma leitura atenta ao conteúdo linguístico (léxico), ao conteúdo literário (metáforas de cunho telúrico) e ao conteúdo cultural (História da 2ª metade do séc. XVIII e primeira década do séc. XX). 

A narração da chegada de Dona Rita a Vila Real revela bem a qualidade do escritor. No entanto, o aluno urbano não consegue apreciar esse estilo, pois o léxico torna-se obstáculo:  léguaconterrâneoliteiralibréssurradaspréstitochisteapearrabichoavoengo, asseverarmachos... exemplos de meia página...

O problema é que o jovem estudante não vê qualquer vantagem em aprender o significado destas palavras!

Na composição de Simão, cap. II, Camilo refina o retrato do académico em Coimbra. E regressam as dificuldades: "demagogo", "analogia de bossas"... ou, por exemplo, « O discurso ia no mais acrisolado da ideia regicida quando uma escolta de verdeais lhe aguou a escandecência.» É todo um tratado de imaginação verbal! Passar do registo literário ao registo corrente torna-se uma aventura! A defesa acalorada do assassinato do rei é interrompida violentamente pela chegada da guarda da academia. Uma academia que tinha polícia própria e cárcere... A ideia regicida de Simão que já levara Fernão Botelho à cadeia... (estava-lhe no sangue / hereditariedade) ... Tudo consubstanciado no jacobino - outra dificuldade que revela a falta de formação histórica e política! De qualquer modo, a escola portuguesa vai toda ler Camilo (Prós e Contras). Será?

 

22.10.12

Sala de aula - XXI

I - Teste. Um autorretrato de Manoel Bandeira. Na 3ª pessoa. Uma forma de distanciamento interessante: afinal, o poeta parece ter deixado de ser ruim - "poeta ruim que na arte da prosa / envelheceu na infância da arte"... Apesar de tudo, no II grupo, surgiu uma dificuldade, quando Agustina refere: «Fazer um retrato é viajar no reino da solicitude.» O termo "solicitude", apesar de confirmado em «com solícita e maternal maneira» pareceu estranho à maioria, senão à totalidade dos alunos.

II - Na leitura de Amor de Perdição, o problema do conhecimento do léxico torna-se uma questão central. A forma preguiçosa de evitar a dificuldade passa pela assimilação de resumos da "história", deixando o texto imaculado. Neste caso, não posso deixar de diferenciar a intriga (o argumento) da História. Basta tentar ler o primeiro capítulo, para perceber que o enredo tem os pés bem assentes na História - reinados de D. José e D. Maria I: desde a participação de Fernão Botelho na tentativa regicida de 1758 até ao desempenho artístico do "Brocas" (Domingos Botelho) na corte de D. Maria I.

A leitura deste capítulo exige curiosidade por um importante período da História de Portugal! Mas nem a História nem a Língua despertam atenção. Basta analisar atentamente o retrato de Domingos Botelho para dar conta do modo como Camilo manipula os registos de língua... enfim, lá tive de explicar a composição da ‘broa’ (Brocas) e o seu significado socioeconómico, pois parece que todo o pão está reduzido a um elemento indiferenciado chamado "cereal". Aveia, centeio, trigo, milho... 

 

21.10.12

Sala de aula - VII

Sintomas

Ao disponibilizar uma ficha de verificação de leitura (32 perguntas) de uma obra como Um Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett, o professor quer garantir a leitura da obra. Mas, a que preço?

O tempo de leitura (e de revisão é lento) e, frequentemente, frustrante. Apesar do aluno poder gerir o tempo de leitura, de pesquisa e de resposta, em demasiados casos:

a)  não aproveita a oportunidade para identificar problemas e procurar soluções nas múltiplas fontes que o cercam - falta um mínimo de curiosidade;

b) dá respostas completamente descabidas - falta de rigor;

c) recorre facilmente ao colega que supostamente leu a obra - falta de brio;

d) entrega a folha de resposta sem ter tido a preocupação de responder a todas as perguntas - laxismo;

e) não cumpre o prazo e não entrega - desinteresse;

f) espera que o trabalho entregue fora de prazo não seja penalizado - oportunismo.

Poder-se-á pensar que o tempo tudo curará, mas o que já está a caminho é um futuro sombrio.

 

20.10.12

Sala de aula - VI

O tempo é de elaboração de testes.

Para que serve o teste quando aplicado a uma disciplina como a de Português, língua materna? E a ideia de disciplina persegue-me, sobretudo, quando recebo e-mails a perguntar o que venho tentando explicar. Afinal, qual é a matéria? A matéria da língua em que nos realizamos! Haverá fronteiras, tabiques? Parece-me que se tem reduzido a língua a quase nada... isto é a discursos jornalísticos que se sobrepuseram à multiplicidade de géneros, considerados na genologia. A língua está cada vez mais pobre com a morte da História, da Religião, da Geografia, da Filosofia e até com a sobrevalorização da estatística nas outras fileiras...

De qualquer modo, nos e-mails, tudo parece querer dizer que uma disciplina é constituída por um conjunto de matéria? Ou será de madeira? Com a madeira constroem-se casas, barcos... e com a matéria não sei muito bem! No primeiro caso, surge um produto; no segundo, apenas destroços... quase sempre náufragos!

Claro que bem poderia disciplinadamente regressar ao étimo, ao acusativo, à apócope do ‘m’ final, à   via erudita e à via popular, ao classicismo e ao romantismo - mas para quê? E já poderia deliciar-me a distinguir o código oral do escrito, tudo isto, indisciplinadamente...

Elas andam aí, as formigas...

Elas andam aí, as formigas! As folhas de oliveira não lhes escapam, por muito distante que a árvore pareça…

Consta que carregam agências de comunicação, jornais, rádios e que, mais cedo ou mais tarde, a televisão não lhes escapará. E nós, as cigarras, estamos, em grande algazarra, a cair no desemprego.

Nada dista nos deveria espantar, pois as formigas têm um rumo e conhecem bem o chão que calcam.

 

 

 

 

18.10.12

40.000 sob ameaça...

São 40.000 os funcionários públicos que ficaram a saber pela comunicação social que vão pedir a aposentação até 2014. Ou será 2015?

A maioria acredita que mais vale fazer o pedido até 31 de Dezembro deste ano, pois ninguém explica corretamente qual será o valor do vencimento a partir de 1 de Janeiro de 2013. Mas, também, ninguém garante que as pensões não venham a sofrer cortes que tornem a vida insustentável.

Uma decisão desta natureza deve ser bem fundamentada. Mas em quê?

Falta uma estratégia nacional que (re) defina as funções essenciais do Estado e que o liberte de um extraordinário volume de despesas sumptuárias que visam servir clientelas de toda a espécie.

Por exemplo, não há qualquer motivo para que o orçamento alimente canais de televisão e de rádio, subsidie fundações, isente de IMI milhares de instituições religiosas, edifícios governamentais, autárquicos, sindicais, todo o tipo de associações... Se há uma receita a obter através da taxação do património, então nenhum edifício deve ser excluído!

O poder central e autárquico não pode continuar a ser proprietário de centenas de milhar de edifícios que só trazem prejuízo. Há custos que nunca são calculados! Há rendas vitalícias que continuam a ser pagas mesmo que os serviços tenham sido desativados.

Voltando às fundações, estas só devem ter esse estatuto se dispuserem de capitais próprios que lhes assegurem o funcionamento e o cumprimento de objetivos em benefício da comunidade. Caso contrário, devem ser liminarmente encerradas.

Como não há estratégia nem de redução de despesa nem de investimento, assistimos, sem esperança, à degradação física, moral e psíquica dos jovens adultos e de todos aqueles que, mais velhos, trabalharam toda uma vida, cumprindo as suas obrigações, para, agora, serem deixados à deriva... 

Creio, no entanto, que com tanto desempregado sem futuro e tanto reformado deprimido, o melhor seria criar equipas mistas que passassem a pente fino o país de modo a identificar o que há a INCENTIVAR, PRESERVAR e DEMOLIR.

 

Sala de aula - XX

I - Por uma questão de rigor, continuo a explicar que a disciplina de língua materna não é apenas constituída por «matéria» que se decompõe em fatias, se mastiga e deita fora. Tudo é objeto, pois o falante expõe-se nela, isto é, todo o tipo de conhecimento se constrói e se fixa na língua...

A questão do conhecimento gramatical, quanto o teste se aproxima, torna-se dramática, embora não se saiba que uma gramática é um conjunto de regras, e, consequentemente, que as gramáticas são inúmeras! Tal como se ignora que a língua tem uma história, mais importante do que as próprias regras, porque frequentemente ignora ou despreza as regras, como forma de sobrevivência...

... e porque vivemos em crise, a chuva se tornou tema, ainda antes que o autorretrato de Bocage assentasse arraiais para nos dizer que, para além dos traços físicos e dos psicológicos, existe a ação que pode resultar do modo como o Eu interroga os grandes TEMAS:  a guerra (furor) e a paz (a ternura); a pureza e o pecado (a bebida); a distância (o platonismo e o angelismo) e a proximidade (a o erotismo); a religião -  era chegada a hora de confinar o clero ao templo!

Pelo caminho, fomos estando atentos aos modos de composição da caricatura física: o todo (magro, altura, figura) e as partes (os olhos azuis, ao centro do carão moreno, esmagados pelo nariz...), sem esquecer que a magreza escondeu o ventre, deixando a descoberto a desmedida dos pés...

(O retrato como arte de insubordinação!) Afinal, não foi a insubordinação que o levou à cadeia!?

Quanto à chuva, fica por contar, ou melhor, fica a cargo de algum aluno intrometer-se no discurso e narrar o que aconteceu na sala de aula porque hoje, finalmente, choveu! Dentro e fora...

II - O tempo literário, às quintas, é opcional e visa recuperar o tempo perdido. Para o sermão da Sexagésima, só apareceu uma ouvinte que correspondeu, tendo ficado a perceber como se constrói um texto alegórico e simultaneamente se desanca nos pregadores que não saíam do paço (casa, nação) ou que saíam para rapidamente voltar ao aconchego da corte («porque sair para tornar melhor é não sair.» - Exiit seminare! 

        

17.10.12

Sala de aula - XIX

I - Quando a História e a ideologia são a seiva da intriga... «Foi para a Índia em 17 de Março de 1807.» Simão António Botelho partiu no início da Primavera de 1807, quando no Outono do mesmo ano, Napoleão ordenava a invasão do país e a corte se mudava (fugia) para o Brasil.

O primeiro capítulo de Amor de Perdição faz nos recuar a 1779, para definitivamente nos traçar o retrato de uma época que se situa entre 1767 e 1807.
Cá dentro, D. Maria I governa entre 1777 e 1816. Lá fora, a Revolução Francesa, entre 5 de Maio de 1789 e 9 de novembro de 1799. Os ecos da Revolução chegavam inevitavelmente a Portugal e, em particular, à academia de Coimbra.  E é em Coimbra que Camilo coloca, em 1801, os irmãos Botelho:
« Manuel (...) frequenta o segundo ano jurídico. Simão (...) estuda humanidades.»
Por esse tempo, Simão Botelho «defendia que Portugal devia regenerar-se num batismo de sangue, para que a hidra dos tiranos não erguesse mais uma das mil cabeças sob a clávula do Hércules popular.»

Considerando a inserção na História, o leitor deverá procurar os sinais que ajudam à construção do retrato de um narrador conservador e reacionário. A 21/01/1793, Luís XVI foi executado pela guilhotina: «Os apóstolos da revolução francesa não tinham podido fazer reboar o trovão dos seus clamores neste canto do mundo; mas os livros dos enciclopedistas, as fontes onde a geração bebera a peçonha que saiu do sangue de noventa e três, não eram de todo ignorados. As doutrinas da regeneração social pela guilhotina tinham alguns tímidos sectários em Portugal, e esses de ver é que deviam pertencer à geração nova

 

16.10.12

Sala de aula - XVIII

I - a) Bocage deixou de fazer parte da cultura juvenil. A turma ignora o homem, a obra e, sobretudo, ignora a lenda. Apenas uma voz aventou a hipótese de se tratar de alguém um pouco «marginal». Este dado permite lançar-nos no universo dos botequins do século XVIII (cafés) como espaços de socialização. Corte / Salon vs. botequim. Bocage, de fácil trato, anima as novas tertúlias, criando amigos e inimigos. (Ver história do café Nicola, no Rossio, Lisboa.)

b) Clarificação do léxico utilizado, designadamente de termos como conceito (definição) e noção. Nesta disciplina, mais do que os conceitos interessam-nos as noções.

c) Leitura do soneto "Magro, de olhos azuis, carão moreno" - ver Sala de aula - XVII.

II - No que à Literatura concerne, a passagem do primeiro para o segundo romantismo permite viajar entre Garrett e Camilo, reforçando a perceção das personagens principais, em que a idealização acaba derrotada pelo realismo. Beatriz vs. Paula Vicente / Teresa vs. Mariana. As segundas são de carne e osso e sofrem na pele os efeitos da condição de subalternidade...embora não se deixem submeter.

Em termos de PIL, foi estabelecido um itinerário de leitura que inclui Júlio Dinis e Carlos de Oliveira.

A biografia de Camilo é toda ela um belo argumento cinematográfico em que o herói romântico se transforma em trágico.

 

15.10.12

Gaspar vive no círculo virtuoso

Gaspar, doutrinado na Universidade Católica do cardeal Policarpo, vive no círculo virtuoso. Ainda não se vê a auréola, mas por este andar lá chegará. É um homem suficientemente paciente, que não se importa de repetir a receita, apenas com uma ligeira alteração de tom.

No círculo virtuoso de Gaspar só a credibilidade acrescida no seu Deus conta, mesmo que isso signifique a eliminação do contribuinte.

Não se entende, todavia, como é que o virtuoso Gaspar poderá sobreviver sem o contribuinte.

Sala de aula - XVII

I - a) A leitura e a aquisição de conhecimento. A obra organiza-se em torno de temas que, depois de identificados, devem ser arrumados em categorias que possam ajudar a responder a perguntas prévias ou despertadas pelo ato de ler.

     b) Noção de autorreferência aplicada ao texto biográfico e autobiográfico. O sujeito expõe-se, torna-se objeto textual. E esse ato pode ser revolucionário se questionar a ordem estabelecida ou apenas narcísico.

     c) Bocage no soneto " magro, de olhos azuis, carão moreno" rompe com o retrato do «antigo regime», hagiográfico do rei, do nobre, do papa, do santo... para se colocar no olho do texto, reivindicando o privilégio de ser visto não como ídolo, mas como cidadão disforme, contraditório, humano, capaz de criar, subvertendo os modelos e impondo uma diferente visão do mundo... Para atingir tal desiderato, Bocage não teme recorrer à ironia e à caricatura... e ao fazê-lo mistura magistralmente o registo lexical e sintático alatinado com o registo familiar e corrente, ocupando, deste modo, esse espaço novo que anunciava Herculano e Garrett...

II - Ato III de Um Auto de Gil Vicente. Agora no galeão de Santa Catarina, o que se passa entre pai e filha, entre rei e infanta / duquesa continua escondido, mas resolve o problema do rei. Ao contrário de Afonso IV (tragédia Castro, de António Ferreira), o rei D. Manuel I não necessita de mandar executar Bernardim: bastam-lhe a obediência da filha e a distância cavada pela viagem entre Lisboa e a Saboia! O palco acaba ocupado não pelo dilema, mas pela controvérsia causada por Garcia de Resende que teima em desvalorizar o papel de D. Manuel se comparado com D. João II. Este planificou e aquele colheu os frutos que aplicou na construção de monumentos que acolhessem os seus restos e eternizassem a sua glória. O povo fica esquecido e mais pobre. Dele não se fala mais, embora não saia do pensamento do autor...   

(Em rodapé, ficou a bailar uma dúvida sobre o grau de absolutismo de João II.)

 

14.10.12

Cardeal dá a mão...

Pensando melhor: os cardeais não ficam senis! Quando falam é porque querem lançar a semente à terra.

No caso do cardeal Policarpo, ao condenar a governação a partir da rua (as manifestações organizadas e inorgânicas), ele estava a dar a mão aos discípulos que determinam a política do governo.

Bastaria analisar o currículo de governantes e respetivos assessores para perceber a ordem em que foram educados. A maioria saiu da Universidade Católica e muitos lá esperam voltar.

Esta universidade é um porto seguro! Tem uma doutrina sólida, forjada, entre outros, pelo cardeal Policarpo.

No essencial, apesar de frequentemente debater a decisão democrática, a doutrina desta universidade assenta na formação de um escol que conduza o povo ao redil, mesmo que seja necessário sacrificar a turba.

A turba é o inimigo natural e assim se explica que, à semelhança do que aconteceu quase há 100 anos, o cardeal tenha sentido necessidade de condenar as manifestações e, simultaneamente, incentivar os discípulos a muscular a decisão política. 

 

13.10.12

O cardeal

(Exiit seminare.)

Indiferentes às pouco evangélicas palavras do cardeal Policarpo, procissões sindicais, tampas, panelas e garrafões, empresários de farmácia (graúdos e minguados), compositores, músicos, bailarinos, actores com e cem c, poetas e declamadores, imitadores e palhaços (...) todos saem à rua.

E eu também saio, sem nada querer semear, apenas observo. E o que vejo?

Duas lagartixas, por entre pedras e espinhos, a lutar. A maior capturara uma minhoca, a mais pequena tentava roubá-la sem êxito. Findo o combate, a primeira estende-se a deglutir a presa; a segunda escondeu-se sob as pedras. 

E o cardeal Policarpo também saiu. O que é que terá ido fazer a Fátima?

 

Garrett e Vieira, os valores

Da Sexagésima (Padre António Vieira) a Um Auto de Gil Vicente (Almeida Garrett), o que mais me chama a atenção é a denúncia da ausência de valores nobres - os pregadores preferem a comodidade do paço; o paço vive da adulação dos grandes e da opressão dos pequenos. 

O romântico Garrett coloca nas vozes de Bernardim (Ribeiro) e de Paula Vicente a seguinte questão:

«- Que mais é preciso para ser nobre e grande - maior do que ninguém na tua terra?»

«- Adular os grandes e oprimir os pequenos

Para Almeida Garrett (tal como para o Padre António Vieira), o poder e a glória só podem ser resultado do trabalho, do sacrifício, transformados em mérito. Estes valores não podem ser herdados. (E nem vale a pena aqui registar o pensamento de Camões sobre esta matéria!)

«Eu sou Bernardim Ribeiro, o trovador, o poeta, que tenho maior coroa que a sua. O cetro com que reino aqui, ganhei-o, não o herdei como eles - Beatriz é minha.»
 O romantismo é afirmação de homens que rejeitam a herança (a linhagem) como caminho. Homens que querem construir o próprio caminho.

 E o mesmo se deve passar na escola... na sala de aula! É preciso dizer basta às linhagens!

 

12.10.12

Desagregação

É extraordinário como a governação (ou será governança?) se faz hoje na rua: nos diretos televisivos, nas redes sociais, nas edições online, nas primeiras páginas dos jornais, nas manifestações sindicais e inorgânicas... tudo no imediato! Avança-se e recua-se conforme os ventos estão ou não de feição.

Esta nova arte de governar decompõe, desagrega, deprime, furta, arruína até à morte. À morte de cada cidadão e da coletividade.  Há quem pense que esconde um programa, mas não.

É a arte da preguiça, da falta de conhecimento, da soberba e da indiferença. Nenhum valor nobre determina a decisão.

E os maus exemplos surgem de toda a parte...

 

 

11.10.12

Sala de aula - XVI

I - (Bem poderia começar com um exercício respiratório!)

Explicar o uso e a especificidade do código oral e do código escrito traz de volta o enunciado e a enunciação em todo o seu esplendor:

- O céu está azul.

- O céu está azul!

- O céu está azul?

- O céu está azul? - Não, está negro!

Olho (não oiço!) e vejo sinais que marcam não apenas o que é dito, mas a presença do locutor, a distância do interlocutor e a recriação do momento de enunciação.  E os sinais gráficos surgem para apontar os caminhos da interpretação (diferida, agendada, refletida).

Mas quando falo tudo é diferente, os sinais gráficos ainda não chegaram. Falo sem rede! Agora é a entoação, são as pausas, as interrupções que do ouvinte (interlocutor) exigem atenção permanente. O locutor não pode apagar o que é dito, pode reformular, lateralizar, mas não pode recuar, pois não tem qualquer poder sobre o tempo. O discurso oral, porque feito de enunciados e não de frases, necessita de ser um acontecimento. Se tal não acontecer, tudo definha...

Pelos exemplos, se vê que se pode informar, exprimir uma emoção, solicitar uma confirmação ou agitar as consciências. Na enunciação não há tréguas!

De regresso à sebenta, torna-se necessário voltar ao erro e ao desvio, para logo explicar que estes conceitos só fazem sentido se estiverem indexados à norma-padrão escrita, tornando a oralidade serva da escrita. E esta subordinação é nefasta, porque mata a autenticidade e a dinâmica comunicacionais.

Essa dinâmica que nos permite elidirsuprimiromitirocultarfurtarroubar, sempre com o olho no desvio sintático que alguém designou como elipse.

II- E como o discurso oral necessita de ser acontecimento, volto agora (há umas horas!) ao Sermão da Sexagésima. E só por instantes houve epifania! Ir ouvir um sermão para de lá sair com um peso na consciência não deixa de ser um indicador de masoquismo. Mas era esse o objetivo do Pregador evangélico: levar os pregadores do paço a meter as mãos na consciência, procurando as razões que impediam que a palavra de deus frutificasse. A crítica de Vieira revela-se herdeira de Gil Vicente (Frei Paço) e não irá escapar nem a Garrett nem a Eça...

pregador dos passos quer agitar as consciências dos pregadores da corte. No fim, o número de inimigos terá certamente aumentado!

 

10.10.12

Dia XV

De Paula Vicente a Mariana, um passo apenas!  Ambas parecem desempenhar um papel secundário em relação a Beatriz e a Teresa (as heroínas românticas). No entanto, é nelas que os autores apostam, ao torná-las mais humanas, mais próximas do leitor, embora o leitor urbano de hoje revele dificuldade em compreender os universos a que cada uma pertence - o teatro (estatuto do dramaturgo e do ator) e os ofícios (ferreiro). Na leitura, essa dificuldade revela-se na incompreensão do vocabulário específico de cada domínio...

Como já foi referido (Dia XIV), Mariana ganha relevo pela sua presença nos momentos de maior dificuldade de Simão, sujeitando-se voluntariamente a papéis de mensageira, de enfermeira, de confidente e de acompanhante, para ser vista por Simão como simples irmãIrmã no presente e no eventual pós-degredo.

Em síntese, o desenho das personagens é mais ou menos romântico / realista de acordo com o grau de idealização.

 

9.10.12

Partir?

(Partir? Quantos milhões já o fizeram!? Ficar à espera?)

sebastianismo coloca-nos num estado de ansiedade que nos impede de agir. De vez em quando, saímos à rua, agitamos cartazes e gritamos slogans contra o governo seja ele qual for, e voltamos para casa, à espera de que o dia seguinte nos traga o emprego, o salário que nos tire do aperto em que nos encontramos.

Já escolhemos o cordeiro, mas hesitamos em imolá-lo, pois tudo pode não passar de uma prova a que estamos a ser submetidos para experimentar a nossa lealdade.

Bons alunos, esperamos que o professor seja magnânimo!

Convém, por outro lado, esclarecer que o sebastianismo não é uma entidade exterior… ele cimenta a nossa cultura e determina a educação. Bastaria analisar com algum cuidado o cânone literário português para compreender tudo isto.

Fatalismo, imobilismo, cansaço, pessimismo, evasão, saudade, riso alarve, tristeza, caricatura, depressão, suicídio … o léxico da crise!

 

 

Sala de aula - XIV

I - Inquérito sobre o namoro, devidamente autorizado pelos pais (30 minutos). A experiência dos 15 anos! Resta saber se o instituto Nacional de Estatística autorizou. Os jovens esforçaram-se!

II - No tempo que sobrou, o valor semântico do sufixo -al, em palavras, como oral e moral, com uma incursão pela etimologia (os, oris / boca; mos, moris /costume). Do conteúdo linguístico ao conteúdo culturala moral como expressão de cultura; cada cultura a sua moral - o que obrigou a introduzir a ética, como fator de harmonização da diversidade de cultural. O exemplo saído de Montaigne terá sido um pouco insólito, pois a prática do canibalismo é inaceitável para muitas culturas e aceitável para outras, e em casos excecionais tolerada (!!!)

III - E em termos de conteúdos linguístico e cultural, proporcionou-se a explicação da formação da palavra maçonaria assim como dos objetivos da instituição, pois o texto biográfico sobre Mozart o apresenta como tendo integrado uma loja maçónica, facto que aparentemente lhe trouxe muitas inimizades e não o impediu de, para sempre, repousar na vala comum, não se respeitando o princípio da fraternidade - com mais uma incursão pela etimologia (frater /frade - irmão)   e pela sinonímia (irmandade)...

IV - Mais uma vez veio à baila a leitura e o conhecimento, o alargamento linguístico, discursivo e cultural das estrutura cognitiva de cada leitor...)

 

I - Na Literatura, os fios conversacionais continuam a entrecruzar-se. Apesar de tudo, a Paula Vicente revela-se, no seu egotismo, uma personagem romântica que perde o galanteador, pois o seu próprio preconceito lhe provoca reserva mental (filha de bobo não pode casar com cavaleiro). A sua aparente subalternidade (em relação a Beatriz) acaba por introduzir o Amor de Perdição, em que a subalterna Mariana (em relação a Teresa) não pode aspirar ao amor de Simão.

II - Aqui chegados, tornou-se necessário distinguir a visão do mundo trágica da visão do mundo dramática (religiosa, romântica) ... Mariana subverte a solução previsível de um reencontro de Simão e Teresa na outra vida, ao colar-se ao corpo de Simão na morte (o génio de Camilo!) ... Deste modo escrever uma carta em nome de Mariana obriga a que a declaração de amor seja substituída pela enunciação da sua presença nos momentos de dor de Simão. Mariana esteve sempre presente e Teresa sempre distante...

 

 

 

 

8.10.12

Sala de aula - XIII

I - Foi necessário explicar uma vez mais que a leitura contratualizada é uma opção do aluno condicionada pelo «corpus» programático e que o professor prefere: a) que a escolha recaia em autores lusófonos; b) que, em caso de escolha de autores estrangeiros, o melhor é lê-los no original, e fazer a apresentação oral em português; c) maldita exceção! a primeira escolha fica ao critério do aluno, embora este deva informar-se sobre a qualidade da tradução... (Será que me faço entender?) 

II - A expressão da anterioridade, na alternância do pretérito perfeito com o pretérito mais-que-perfeito; os efeitos da opção pela forma simples ou composta dos referidos tempos... Veja-se a diferença entre: «Cheguei atrasado» e «Tenho chegado atrasado».

III - Destaco hoje uma pergunta aparentemente inócua: - Qual é a diferença entre utilizar "ontem" ou "véspera"? O que nos permite clarificar o que se entende por momento da enunciaçãoOntem fui ao Oceanário, porque na véspera lera que devia visitar uma determinada exposição. (Em causa a noção de enunciado e de anterioridade.)

IV - O texto biográfico "Mozart"...

V - De regresso à Literatura, uma boa parte do tempo é gasto a mudar os meninos de lugar, a verificar se têm manual, se o abrem na página certa, se a mente se concentra no guião de leitura, se leem duas ou três réplicas, se produzem um enunciado que vá além do monossílabo...

VI – Estava em causa perceber a passagem da tragédia ao drama por influência da nova mundividência romântica, nomeadamente pela conjugação do medievalismo e do cristianismo, em que último não aceitava a morte, em palco ou nos bastidores, como solução (catástrofe). Pelos cabelos, lá fui retomando a "lei das três unidades", transgredida quando a ação se transfere de Sintra para Lisboa... (espaço) ou quando o enredo admite no seu interior excertos das Cortes de Júpiter e, em particular, fios narrativos simultâneos: D. Manuel quer casar a filha Beatriz sem ter de sacrificar Bernardim; Bernardim quer Beatriz; Beatriz quer Bernardim; Paula Vicente quer Bernardim; Pedro Sáfio quer Paula Vicente (ação)... e quanto ao tempo?

VII – Estava em causa perceber o pensamento de Garrett sobre o estatuto do «comediante» e do «dramaturgo», isto é, compreender que a corte desprezava o seu esforço para refundar o teatro nacional (réplicas de Paula Vicente no II Ato) ... e estava em causa identificar a intencionalidade da repetição de frases de tipo exclamativo, de anáforas, de polissíndetos e de contrastes, depois de detetar os recursos...  

(Mas de que serve tudo isto!?)

 

Aquilino Ribeiro Machado, a mágoa

Do Aquilino Ribeiro Machado fica-me a imagem de um filho que não conseguia compreender o esquecimento a que seu pai foi lentamente condenado nas últimas décadas.

Por mais do que uma vez, o engenheiro deslocou-se à Escola Secundária de Camões, onde seu pai fora professor de Liceu, sempre com o objetivo de fomentar a leitura da obra de Aquilino Ribeiro.

Nada mais o movia! Percebia-se a mágoa, porque se um país esquece os seus filhos mais ilustres é porque navega sem rumo. 

 

7.10.12

Na sala de aula - IV

Os valores dos tempos no passado.

Escrever uma pequena narrativa pressupõe a capacidade de distinguir a história /narração do discurso (momentos de descrição e de comentário). Se o discurso do narrador se expõe no pretérito imperfeito, a narração desenvolve-se na clara diferenciação dos estados de anterioridade, simultaneidade e posterioridade.

Ora, uma das dificuldades presentes nos textos que acabo de ler situa-se no registo da anterioridade: a ordem temporal das ações no passado surge de forma aleatória, porque ao escrevente falta distanciamento / profundidade. Ontem é ainda hoje, nada existe para trás! O mais-que-perfeito ainda surge na forma composta, mas raramente na forma simples.  

Mais do que uma aprendizagem assente na repetição dos mecanismos linguísticos, o que importa é desencadear estratégias que imponham distanciamento e principalmente profundidade.

 

7.10.12

Lixo no Oceanário...

No Oceanário, o lixo ganha forma e cor enquanto a noite não chega. Com um nada mais de atenção, perceberemos que já falta pouco.

Entretanto, o Governo, em sessão extraordinária, procura a melhor maneira de nos enterrar definitivamente.

- E nós o que fazemos?

- Lixo. 

 

6.10.12

Os heróis e os símbolos

Olha-se à volta, e os homens são agora estátuas que sorriem conforme a moeda cai ou não.

Os que se movem são estrangeiros surpreendidos pelo clima e pelos sinais de outro tempo. Sobem as ruas, sentam-se nas esplanadas, tiram fotografias, mas não se sabe o que pensam. São milhares que circulam, uns lentos, outros apressados, todos com hora marcada, mas não se sabe se irão voltar.

Os interlocutores estendem a mão à espera de que a moeda caia, mas não parece que saibam ir além do murmurado obrigado se houver gorjeta. 

Dos heróis e dos símbolos sobram as praças quase vazias enquanto a noite as não cobre…

 

5.10.12

Ao ministro da educação falta-lhe a ciência...

Não queria, mas lá vai... acordei a pensar que, sendo este o dia em que se celebra pela última vez (?) a instauração da república, deveria haver uma razão mais profunda... e aí percebi que a decisão de suspender o feriado nada tem a ver com o aumento da produtividade, mas, sim, com o reconhecimento de que não passamos de um protetorado da popular TROIKA e deste modo não podemos continuar uma soberania virtual. E é, também, por esse motivo que o presidente da Junta Governativa decidiu estar ausente, sem falar do recato que as cerimónias irão ter! Tudo, aparentemente, em nome da austeridade.

E como, matinalmente, as palavras "crise" "austeridade", "insolvência" "cortes"... não me saem da cabeça, dou comigo a pensar que a Junta Governativa, em vez de saquear o cidadão cumpridor, bem podia gizar um programa educativo que ajudasse os jovens e adultos a lidar com o problema que nos assola. Mas não, prefere dar bicadas no povo, na oposição e até nos membros da coligação sem descurar quem ainda mantém a torneira aberta.

Por exemplo, ao ministro da educação falta-lhe a ciência para perceber que dele se espera muito mais do que a manipulação de números e de vidas, enganando simultaneamente as finanças e as pessoas. Ainda não me apercebi que da parte do senhor Crato (este apelido lembra-me outra triste crise com o desfecho que alguns ainda conhecerão!) tenha surgido uma recomendação clara no que respeita à educação das crianças, jovens e restantes funcionários nesta circunstância. Tudo decorre como se a crise estivesse a acontecer lá longe, quando um desafio desta natureza exige um agudo processo de consciencialização (doutrinário?) e, sobretudo, obriga à implementação de medidas que envolvam cada um na diminuição da despesa pública e privada.

 

4.10.12

Dia XII

I - Na verdade, a biografia é incipiente... passa da frequência do curso de Direito em Coimbra à crise académica não se sabe de que época, para repentinamente ser preso pela polícia política em Angola. De regresso (forçado?) à Europa, sem passar por Paris, aterra em Argel (essa terra de todos celebrada!), onde luta pela liberdade da Pátria... para no pós-25 de abril ocupar o tempo como deputado...

Esta pressa de retratar «o político e o escritor» talvez esconda uma  produtiva atividade de reconstituição das lacunas que, de qualquer modo, na minha metodologia poderá ser solucionada pela aposta na leitura de múltiplos textos do autor e dos autores da sua geração, ou daqueles com quem adivinhamos relações de proximidade - de Manuel Alegre (de quem falamos) a Aquilino Ribeiro, passando por Miguel Torga e Pepetela, já sem falar de Afonso Duarte, Henrique Galvão, Zeca Afonso, José Gomes Ferreira, Assis Pacheco, Altino Tojal, Mário Carvalho, Dinis Machado, Alexandre O'Neill, Sophia e Mário Zambujal... 

A lista é extensa para contrariar todos aqueles que, no âmbito do contrato de leitura, insistem na leitura de traduções de escritores anglo-saxónicos, geralmente mal traduzidos e, sobretudo, que pouco contribuem para o reforço da identidade portuguesa... (todos os dias me é perguntado se eu aceito a leitura de autores estrangeiros... e acabo por responder, contrariado, que sim... Claro que Aquilino, Torga ou Alegre podiam escrever sobre os «bichos» porque os conheciam, porque palmilhavam o território...

(No entanto, o interlocutor urbano também tem as suas razões!)

O resto, sempre fragmentado, pôs em destaque a capa e a contracapa de Cão Como Nós e, sobretudo, a badana - esse lugar oculto amado por alguns editores - mas que, no caso, passara totalmente despercebida. O cão que vira leão, sob o nome de Kurika, leitura dos filhos do autor.

E chegado aqui, voltamos a Henrique Galvão, ao paquete Santa Maria no Sul, tomado de assalto, em protesto contra o sacrifício de gerações numa guerra longínqua... e a incipiente biografia começava a ganhar corpo quando a campainha interrompeu o esforço do domesticado leão, forçado a fazer pela vida...

E já no intervalo, dois ou três alunos voltaram à carga, pois o que lhes apetecia era ler autores americanos, australianos... e eu fiquei a pensar que estaria na hora de partir.

II - Depois, só, li a primeira parte do Sermão da Sexagésima, do Padre António Vieira. A parábola do Semeador. E percebi que ela não se me aplicava, pois não conseguia ver-me sob a capa nem do Pregador Evangélico nem do Pregador do Paço. 

Fora definitivamente esquecido por aqueles que supostamente precisavam do minha palavra.   

 

3.10.12

A enormidade

«Enorme aumento de impostos»!

Com tantos assessores, o ministro Gaspar bem poderia ter aproveitado para explicar o verdadeiro sentido do adjetivo «enorme», pois o cidadão sacrificado continua sem saber quantos portugueses o acompanham no sacrifício.

De barato, o ministro vai dizendo que o saque não atinge dois milhões de famílias pobres, embora, amante da concessiva, ele omita o adjetivo «pobre», talvez porque, entre tantos pobres, muitos não o sejam verdadeiramente. Quem sabe?

Por outro lado, parece que ninguém sabe quantos ricos vivem entre nós e quanto pesam. É comum dizer-se que esses ricos não têm escrúpulos e que engordam nas situações de crise. Hoje, o ministro Gaspar recusou dizer qual é a percentagem de credores nacionais que compram dívida pública, mas acentuou a ideia de que os credores olham com bons olhos o modo como ele está a incrementar o famigerado "memorando".

O que continua por explicar é por que motivo tão poucos pagam tanto? E mesmo esses poucos não sabemos quantos são... e por isso a enormidade ganha volume porque uma boa parte não contribui, e porque o Estado mesmo que conseguisse sacar os 5 mil milhões de que diz necessitar, o monstro voraz continuará esfomeado...

Entretanto, ficámos também a saber que a «enormidade» tem rosto: prestações sociaiseducação e segurança (4 mil e tal milhões de euros a poupar!) ... Será que o ministro Gaspar se esqueceu voluntariamente da Saúde? 

Por este caminho, em 2015, o Estado terá sido desmantelado e já não necessitaremos de Governo.

Seraficamente, o ministro Gaspar explicou o puzzle, mas, na verdade, até eu, que não entendo nada de finanças, poderia ter apresentado a receita que nos irá liquidar.

 

 Sala de aula - XI

«Literariamente é possível definir o alter-ego como a identidade oculta de um ser fictício ou como um artifício do autor de um livro para se revelar ao leitor na pele de um personagem, de forma discreta e indireta. Em geral ele apresenta muitas das características de seu criador, as quais podem ser descobertas em uma análise mais profunda.» Ana Luciana Santana, http://www.infoescola.com/literatura/alter-ego/

 Almeida Garrett esconde-se sob a máscara de Bernardim Ribeiro (alter-ego), enquanto crítico de uma corte prostituída: «Juntam-se as cortes, falam muito, não fazem nada» e enquanto herói romântico para quem a verdadeira vida se expressa na «sublime inspiração dos anjos, ardente linguagem de querubins, vida, fogo, amor luz - cântico de serafins que amam e adoram, divina poesia!»

Na corte, a poesia não entra, só o riso alarve reina.

 

2.10.12

Sala de aula - X

Em Um Auto de Gil Vicente (1838), a representação da crença romântica na «liberdade natural das almas» fica a cargo do tandem Bernardim - Pêro do Porto ou Pêro Sáfio, em que o último põe a ridículo a seriedade do primeiro, isto é, o dramaturgo Garrett assassina o que sobra do romântico poeta Garrett.

De pouco serve o sentimento  num «mundo de vaidades e fingimentos, um mundo árido e falso, em que a fortuna cega, os sórdidos interesses, as imaginárias distinções corrompem, quebram o coração...»

Na plateia, o espectador acaba a rir do que há de mais puro no coração feminino ou / e na alma do poeta, os dois únicos seres capazes de valorizar a «liberdade natural».

Almeida Garrett, educado na visão do mundo greco-românica, optou pelo programa medievo-romântico, sem, no entanto, perder a lucidez. Há nele uma competência reflexiva de grau superior em que os modelos são permanentemente ajustados à implacável realidade. O riso aberto e o riso contido são, para ele, os modos de indagação.

(O dia vai lento, atravessado por diálogos dispersos, como se no palco alguém pusesse em cena múltiplas peças...)  

 

 1.10.12

Um cavo investigador

Sob o título "A educação dos professores", encontrei no i de 1 out.2012 as seguintes pérolas:

«Em média, são os mais pobres, os menos cultos e os piores alunos que hoje escolhem a via de ensino. O retrato é negro. E é o inverso do que acontece, por exemplo, na Finlândia, onde só os melhores podem ser professores.»


 «O facto é confirmado por um outro indicador: 41,4% dos alunos de Educação tiveram bolsa de estudo no ano letivo 2010/2011.» (Expresso, 2.6.2012)

 «E nós queremos os melhores ou os piores nas escolas?»

 Ao ler o artigo, não pude deixar de ficar impressionado com a imparcialidade do seu autor! Deve ser um investigador português que nunca beneficiou de nenhuma bolsa de estudo, nascido em berço de oiro e, certamente, educado para combater as doutrinas de esquerda e, em particular, o sindicalismo... Percebi, por outro lado, que este cavo investigador crê piamente nas fontes jornalísticas e que a Finlândia será o novo paraíso terreal. 

Finalmente, não posso deixar de me espantar com a profundidade do argumentário que implicitamente explica a crise das finanças públicas:

«Vivemos hoje a consequência do excesso de cursos superiores de educação e formação de professores. Só entre 1995-1996 e 2010-2011, foram abertas, nessa área, 107341 vagas.»

Parece que o nosso investigador se esqueceu de confirmar quantos daqueles pobres jovens concluíram o mestrado na via de ensino. E principalmente, como investigador, deveria ter aproveitado para averiguar se a universidade portuguesa contribuiu para ajudar a sair da pobreza financeira e cultural aqueles párias que ousaram delapidar os dinheiros públicos.

O idiotário português enriquece a cada dia que passa...

 

Sala de aula -IX

I - (Finalmente, o fio não quebrou, apesar dos esticões.)

As marcas de romantismo começam a ganhar relevo no texto UM AUTO DE GIL VICENTE: o espaço escolhido (Sintra /Cyntia), as fontes e os tanques, o crepúsculo da madrugada, a lua, a serra, as mouras encantadas do Castelo; o Bernardim das Saudades (Menina e Moça); o SENTIMENTO; a solidão e a fuga da corte (sociedade); o teatral nacional; os romances; a língua vulgar; a arte de trovar e de prosear na língua nacional...

Tudo se opõe a três séculos de classicismo estrangeirado e elitista. 

 

II - Da sala, onde, mais uma vez, a leitura foi defendida como forma de conhecimento, e a escrita examinada como expressão de um projeto bem definido, a turma saiu à descoberta da BE/CRE. A professora bibliotecária apresentou pacientemente o lugar e a função. (Tudo de forma ordenada...) 

 

30.9.12

Sala de aula - III

Escrever é uma forma de nos expormos.

Nestes últimos dias, li 28 textos narrativos, subordinados ao tema «...pois é fraqueza / Desistir de cousa começada.» (Camões, Os Lusíadas, Canto I, estância 40)

(A instrução visa que cada aluno aprenda a construir um conto.)

Pelo resultado, uma parte seguiu a instrução; outra parte, descurou-a. Nesta última situação, falta a planificação do texto, abunda o registo informal, e, por vezes, uma tendência para uma linguagem desenraizada e maneirista.

Claro que, salvo raras exceções, a maioria pensa que o conto é uma narrativa onde tudo cabe. Em vez da forma simples, em que surge um acontecimento capaz de criar uma ordem, após a resolução de um ou dois obstáculos, esta maioria prefere criar um interminável folhetim, impossível de memorizar...

(Felizmente, ainda estamos a tempo de aprender a escrever de forma simples, clara e concisa!)

 

29.9.12

Benefícios fiscais e subsídios

Num país de desempregados, de reformas de miséria, de congelamento e diminuição de salários, a manutenção de benefícios fiscais e de subsídios é vergonhosa.

Ao Estado não compete premiar empresas, fundações ou institutos que se revelem incapazes de viver sem benefícios e subsídios. O Estado, profilaticamente, deve impor o encerramento de todos esses organismos parasitas.

Em situação de insolvência, só começarei a acreditar num governo que seja capaz de eliminar as exceções, os benefícios fiscais e os subsídios.

 

 27.9.12

A canga e as exceções

Quando se justifica a decisão, argumentando que o momento que vivemos é de exceção, perde-se a face ao aceitar exceções à regra.

Logo pela manhã, a TSF anunciava que os cortes salariais em sede de IRS vão ser aplicados a todos, à excepção dos trabalhadores da CGD, da TAP e de outras corporações em que as progressões nas carreiras irão ser desbloqueadas, designadamente certas categorias de docentes do ensino superior universitário.

Por outro lado, objetivamente, ninguém sabe qual é a dimensão das exceções, o que aumenta a frustração daqueles que se encontram sob a alçada da regra. E também já se perdeu a noção do volume dos sacrifícios que estão a ser pedidos sempre aos mesmos, assim como ninguém sabe ao certo qual é o peso da economia paralela.

Um Estado, que não só não controla estas variáveis como cria exceções que geram cada vez mais desigualdades, é um estado falhado que nos reduz à categoria de bois mansos.

É hora de acabar com as exceções!

 

Sala de aula - VIII

I - O leitor crédulo aceita facilmente como inquestionável o texto (auto)biográfico. Regra geral, não filtra a «verdade», porque confia no sujeito (eu), nas suas opções, dando expressão à ideia de que a escrita na 1ª pessoa é mais sincera do que qualquer outra. Ora se o leitor se habituar a estender a leitura ao CONTEXTO, entendido como descoberta de elos (ligações, conexões) existentes entre os vários textos do autor e /ou da mesma época, não só enriquecerá o seu conhecimento como passará a ser mais exigente, um leitor crítico.

Entre a escrita e a leitura, há um fosso difícil de ultrapassar, pois o escritor (escrevente, escriba, secretário da puridade, escrivão, copista...) tem ao seu alcance meios ilimitados que lhe possibilitam criar, em diferido, uma verdade construída, mas que o leitor não vê como produto de uma construção, mas, sim, como um acontecimento.

Estejamos a ler José Luís Peixoto, Raduan Nassar ou António Vieira, o texto é sempre a expressão de uma composição, de uma construção, por vezes, tão poderosa que ela pode moldar irremediavelmente a verdade das nossas vidas.

É por tudo isso que o CONTEXTO se torna muito mais importante do que as circunstâncias.

 

II - Fujamos do homem moderno... pela palavra e pelo gesto.

III - Quando um padre jesuíta se torna num homem de ação, num patriota que luta pela soberania do seu país, acaba por gerar uma multiplicidade de inimigos de que dificilmente se libertará, sobretudo combatendo-os pela ação verbal.

 

26.9.12

Não chove

Não chove na praça neptuno
já choveu em sevilha zagreb santiago

Um dia irá chover na praça neptuno
resta saber de quem será o sangue

e voltará a chover na praça do império

 

Sala de aula - VII

(A dificuldade reside na ausência de conhecimento sistematizado da História.)

Como explicar o rumo do escritor romântico, se o destinatário ignora que entre o século XV e o século XIX a matriz foi, em geral, estrangeira - do renascimento ao iluminismo - mesmo que cercados pelo Tribunal do Santo Ofício?
Até o protótipo do império era estrangeiro! A arte apresenta-se como reflexo de uma cultura cujas raízes se encontram fora do solo pátrio. Será assim tão difícil de entender a regra e aceder às exceções?

A ruptura romântica inscreve-se num ato refundador da História e consequentemente de todos os ramos que à sua sombra florescem: as artes, em particular...

E nesse movimento, o povo eleva-se do solo e a sua memória passa a ser sondada como o adubo que pode fortificar a seiva romântica.

Claro que com equívocos! Os românticos, apressados, confundiram quase tudo. Sobretudo, exaltaram o espírito criador coletivo, ao não distinguirem autoria de transmissão (tradição). Quiseram convencer-nos que a criação individual fora inicialmente do grupo, como se o romance transmitido oralmente não tivesse sido criado por um indivíduo. Reservaram o génio individual para eles próprios, os vates, os mensageiros de uma nova ordem gerada pelos enciclopedistas e consagrada na execução dos reis (do antigo regime).

 

Está na hora de voltar atrás e explicar o que significava "convocar e reunir cortes", o que talvez ajude a perceber que o "concílio dos deuses" camoniano já tinha raízes nas "Cortes de Júpiter" vicentinas. Claro que os reis (absolutistas) já só convocavam as cortes em situações extremas. O ato passara a ser encenação:

 

"Oh caso pera espantar

que é isto Júpiter

a que nos mandais chamar

quer-se o orbe renovar

ou tornar-se o mundo a fazer?"

(Vicente, Cortes..., 1521)

 

25.9.12

Praça Neptuno

A voz inocente manhosa ergue-se na praça
a chuva sobre a terra seca

cresce involuntário o cerco
da pedra nada sobrará

 

Sala de aula - VI

A - «A literatura dramática é, de todas, a mais ciosa da independência nacional.»

Esta literatura / género / modo cresceu em torno do conflito / crise. Não há drama sem crise, sem conflito entre vontades. E vem, pelo menos, da Grécia fundadora da democracia provocada pele heresia das primeiras minorias.

Associar crise a «independência» só pode fazer sentido, pois esta é afirmação e, ao mesmo tempo, ruptura... em tempo de crise.

Se para Garrett, um teatro nacional era uma necessidade absoluta, hoje, por maioria de razões, existem as condições políticas, sociais e económicas para que os dramaturgos apostem em temas nacionais... Só que ao Estado não interessa fomentar o género literário que melhor pode espelhar o modo como equacionamos e solucionamos os conflitos internos e externos. 

(Esta linha de pensamento parece não ter razão de ser. A crise não existe, a não ser na sala de aula, e a minoria é representada pelo professor.)

B - José Luís Peixoto e o «Princípio dos primeiros dias» A redundância aponta o encantamento pelo feminino no que ele tem de ligação à vida, de presença (i)material.…A irmã não faz sombra à mãe, está é mais próxima...

Uma imagem com Cara humana, retrato, pessoa, sobrancelha

Os conteúdos gerados por IA poderão estar incorretos.

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

 

 

 

 

24.9.12

Sala de aula - V

A - Ponto de partida: apontar o que há de comum entre as palavras "autobiografia" e "biografia". As respostas são de natureza especulativa. Ninguém repara em "biografia" ou "bio" +´"grafia". Isto é, a tendência é ignorar a "materialidade" das palavras, aquilo de que são feitas, as palavras, os termos, os vocábulos... Ficou, assim, aberto o caminho para a significância, parte quase invisível / inaudível do signo linguístico. Claro que a maioria, apesar de tudo, conhece o significado dos constituintes: auto+bio+grafia. 

Por arrasto, surgiram as noções de "significado", "referente", "imagem acústica", "funções da língua", em particular, a "função metalinguística"... (Surpresa: ninguém ouvira falar das referidas funções! Parece que o Roman Jakobsom foi definitivamente enterrado...) O extraordinário é que acabámos por chegar ao "património material" e ao "património imaterial"! E na matéria foi possível revelar a madeira, sem esquecer, afinal, que também podemos preservar a alma.

B - Quanto ao José Luís Peixoto, o texto autobiográfico deixa-nos marcas de materialidade: o atraso sistemático e a forma de tratamento "minha senhora", ao referir-se à professora. Mas o que se evidência é saudade da irmã que o levava à escola, da irmã entre as mães que atentamente escutavam a professora...

C- Ponto de partida: o teatro pós-vicentino - o teatro estrangeirado (castelhano, italiano, francês) - até que Almeida Garrett decidiu educar a nova classe - a burguesia.  Educar = Civilizar. Despertar para valores nacionais. Nos séculos XVII e XVIII, na perspectiva de Garrett, só Correia Garção e António José da Silva tinham condições para salvar o teatro nacional, mas o despotismo do marquês e o povo ignaro liquidaram-nos.

(A vontade de aprender pode brotar de um desejo ou de uma necessidade, o pior é quando não há nem desejo nem necessidade.

 

23.9.12

Na sala de aula - II

No âmbito do PIL, a leitura de Cortes de Júpiter, de Gil Vicente, justifica-se como estratégia para compreender o que significa «teatro dentro do teatro» e também para observar o processo criativo de Almeida Garrett, o romântico que não prescinde das fontes literárias: Bernardim, Vicente ou Camões.

Além disso, aquela comédia «que Vicente faz representar em Agosto de 1521, pertence a uma série de objetos de modelo circunstancial e alegórico em que o teatro celebra, articula, (de)termina uma festa da corte. Desta vez, de despedidas que podem ser para nunca mais. O teatro não se faz a contar uma narrativa, mas a descrever uma sequência de homenagens.» Osório Mateus, Cortes 

 

Ministro fora de estação

O ministro da Administração Interna (MAI), Miguel Macedo, disse hoje em Campia, Vouzela, que Portugal "não pode continuar um país de muitas cigarras e poucas formigas", enquanto enaltecia o "esforço do povo" para ultrapassar a crise. (Sapo)

O senhor ministro parece ignorar que no outono as cigarras têm poucas hipóteses de vingar e que, por seu turno, o povo que ele quis elogiar é constituído pelas ditas «formigas». Mas se as formigas são tão escassas onde é que está esse povo a que ele se refere?

No que me diz respeito, em matéria de insetos, hoje não escutei nenhuma cigarra e mesmo, em termos figurados, as que vi eram estrangeiras - do norte da Europa. O que não deve ser negativo para o turismo! Quanto às formigas, já não posso queixar-me, pois vi literalmente centenas delas.

Todas ocupadíssimas, no seu canto, ou melhor, na sua linha, cumprindo o desejo
do senhor Luís Portela: “não sei porque é que as pessoas saem para a rua a fazer barulho. Acho que a solução que nós temos de procurar é uma solução construtiva, de cada um, no seu cantinho, dar o seu melhor e procurar soluções.”

 

22.9.12

Mudança

Muda a estação. Há quem o celebre e faça disso tema só porque o outono acrescenta uma sílaba ao verão.

No meu caso, o outono não acrescenta nada e o primeiro sinal de perda é me dado pela ausência das rolas. Bem sei que elas (ou as juvenis) voltarão, mas isso não interrompe o fluir do (meu) tempo. Será egoísmo da minha parte? Certamente.

De qualquer modo, esta ideia de perda pouco tem a ver com a mudança da estação, porque neste inefável país, todos estamos colocados à beira do precipício... e pouco fazemos para estancar o desperdício quotidiano.  

 

 

 

 

21.9.12

Sala de aula - I

Se a solidez da sociedade resulta da capacidade de criar relações, a afirmação do indivíduo revela-se se ele for capaz de criar cultura. A ideia é de Fernando Pessoa e acabo de a encontrar no capítulo "Os Inadaptados", redigido pelo Dr. Rui Ramos (História de Portugal, VI volume, direção de José Matoso).

Criar cultura corresponde ao que eu sempre pensei que deveria ser a função da escola. Memorizar e replicar só poderão ser andaimes nesse processo... 

Criar cultura é acrescentar! Não é imitar!

(...) Quando uma aluna me perguntou há três dias se, no âmbito do projeto individual de leitura (PIL), podia selecionar uma obra de Almada Negreiros, ela estava, sem o saber, a escolher, um autor para quem criar cultura (experimentar tudo de todas as maneiras) era o que distinguia os criadores dos dantas do seu tempo.

E por isso aconselho a leitura de Almada Negreiros:

  •  Os saltimbancos. 
  • Nome de Guerra
  • K4 O Quadrado Azul
  • (...)

20.9.12

O caminho

O caminho situa-se entre dois pontos mais ou menos distantes. Por vezes, a linha que percorremos tem na mira o outro, e sobre ele proferimos facilmente juízos agridoces. Habituados à ideia de que a causa do insucesso é exterior ou até anterior nós, enveredamos por becos sem saída.

O outro é a nossa muleta, sem ele ficamos sem desculpa.

Talvez, em consequência, decidi iniciar um novo caminho... agora SEM REDE. Um caminho que vou percorrer de dentro para fora...

 

Sala de aula - IV

De regresso ao Canto I de OS LUSÍADAS...

1.      O lema «...é fraqueza / Desistir-se da cousa começada» liberta-se do Canto I e torna-se mote para a composição de um conto cuja situação inicial e acontecimento modificador ficam ao critério do escrevente (tarefa).

2.       Desde a função e significado do título, à noção de retrato, secundado pelos conceitos de descrição e caracterização, passando pelo contexto e pelas circunstâncias (espaço e tempo). Há um discurso possível que tudo integre, limpando a língua de modismos artificiosos.

3.      Se eliminamos o contexto, podemos libertar alguma energia criadora, mas, simultaneamente, cortamos a raiz a outras narrativas igualmente legítimas. Repare-se como na estância 40, a Mercúrio compete ajudar os portugueses a atingir um objetivo ambíguo: 

«Mercúrio, pois excede em ligeireza / Ao vento leve e à seta bem-talhada, / Lhe vá mostrar a terra, onde se informe / Da Índia e onde a gente se reforme.» Ora esta ideia deve ter sido levada muito a sério pelos portugueses de antanho e também mais recentes. Basta pensar nos efeitos da peçonha na sociedade lisboeta (Sá de Miranda), sem descurar a interpretação de Pessoa (Opiário), em que descoberta a Índia, os portugueses ficaram irremediavelmente desempregados e por isso se refugiavam no ópio.

4.      Semanticamente, a leitura poderá não ser autorizada, mas poeticamente Pessoa não hesitou!

5.      Tal como o narrador de Manuel Alegre que, apesar de tardiamente, acaba por regressar a Arzila para libertar o Velho do cárcere em que ficara - um cárcere de armas e de heróis retidos no primeiro verso de Os Lusíadas...

6.      Ao quarto dia, percebo que estou naturalmente a combinar a língua com a literatura gerando uma mistura explosiva. E por isso só percorremos o retrato do Velho, a isotopia da passagem do tempo, interrompida por «jeans» desbotados... E, sobretudo, percebemos que Alegre tem esperança de que possamos sair da situação inicial, pois o «narrador-personagem» ainda tem algumas qualidades: observação, curiosidade, escuta, interação... E é tudo isso que constitui o acontecimento - a resposta, a contrassenha...

7.      E a contrassenha só pode ser dada por nós, os leitores... o que explica a tarefa

 

19.9.12

Sala de aula -III

Por um teatro nacional

De forma mais ordenada, saímos das igrejas e dos adros para a corte, e progressivamente, os milagres e mistérios tornaram-se moralidades e farsas. O povo cedeu o lugar ao cortesão, e o dramaturgo passou a servir o suserano, fosse ele D. Manuel I ou D. João III. Liberto do Livro Sagrado, o dramaturgo preocupa-se em divertir o público à custa da arraia-miúda..., embora haja quem insista que o objetivo era criticar, como se Marx espreitasse nos bastidores.

Para os românticos, Gil Vicente funda o teatro nacional e, ao mesmo tempo, vence o teatro estrangeiro, de cepa grega, condenando Sá de Miranda e António Ferreira ao insucesso, apesar do último ter apostado num tema bem nacional: os amores de Pedro e de Inês.

O tema bebido em Fernão Lopes, Garcia de Resende e outros acaba por alimentar um mito que Camões não ignora n´Os Lusíadas e que a posteridade valorizou de modo continuado. Mas o molde era estrangeiro: grego... e a corte, em parte, ignorante, preferia o riso. 

E por isso, chegada a Inquisição, foi declarada morte ao RISO... uma morte que se estende, pelo menos, por três séculos. E como Garrett bem refere, António José da Silva foi queimado, porque convidava o povo a rir da corte...

Entretanto, para além do Tribunal do Santo Ofício, D. Sebastião atirou-nos para os braços do tio de Espanha... Aos poucos, o teatro foi castelhano, italiano, francês. Representavam-se traduções, importavam-se companhias e atores... até que Napoleão nos despertou a vontade de ressuscitar a nação, abrindo o palco a Almeida Garrett, o mais nacionalista de todos os portugueses que algum dia apostaram na refundação da nação. E ele tudo fez para nos civilizar, apesar de estar consciente de que: «o teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há.» 

(Entretanto, o Charlie Hebdo com as suas caricaturas atravessa-se na mente e dá-me vontade de discutir o MEDO que o Riso continua a suscitar em certas civilizações... e volto às igrejas, às sinagogas e às mesquitas. E a campainha muda volta a interromper-me e fico a pensar que a campainha é a expressão de uma liturgia que está muito para além de mim.)   

 

18.9.12

Sala de aula II

«Em 1520, D. Manuel I criou a feitoria de Arzila.»

Mas, afinal, o que seria uma feitoria? Qual a sua importância à época? E hoje, em tempo de crise, será que ainda apostamos nas feitorias? - Silêncio total!

A necessidade de criação de feitorias, associadas a praças-fortes, resultava da consciência de que o território continental era incapaz de alimentar a população. Da conquista de Ceuta (1415) ao retorno de África (1974/75) completou-se um ciclo. 

Um ciclo que pouco interessaria a D. Afonso V, pois o mediterrâneo mais não era que um arroio fácil de atravessar. No entanto, as sereias oceânicas para o abysmus convidavam... E Arzila estava tão perto! Era só colocar lá uma feitoria, pensou D. Manuel I! E assim fez, provando a sua sagacidade.

No dia dois, o discurso torna-se devaneio!

Voltando às palavras, aos dias, aos artistas e às obras, vou pensando se valerá a pena explicar que Almeida Garrett, ao querer civilizar o país, entendeu que o melhor caminho seria trazer para o palco Gil Vicente, o fundador do teatro português. E assim o fez, ao escrever e fazer representar UM AUTO DE GIL VICENTE!

E agora como é que re(construo) a ponte? Mas quem é que está interessado em pontes, com cronologia, estruturas, modelos e temas à mistura?

Se começo pela revisão, o Gil Vicente ter-se-á perdido definitivamente. Ninguém sabe que obra leu no ano anterior! O Monólogo do Vaqueiro? O Auto da Barca do Inferno? A Farsa Inês Pereira? 

Seria a história daquela jovem que só queria ser feliz, que só queria o prazer? E que, todavia, descobriu; à sua custa, que nem sempre a felicidade se consegue, fechando os ouvidos, e seguindo pelo caminho mais imediato! Uma jovem, a quem nem mistérios nem milagres bíblicos despertavam qualquer emoção, ao contrário do ermitão ou do goliardo!

Um autor medieval, cultivador da medida velha, mas capaz de pôr a vida em palco, esse Gil Vicente que tanto entusiasmou Garrett!

(E a campainha que nem toca e o professor que parece rezar uma ladainha... Finalmente, podemos sair!)  

 

17.9.12

Sala de aula - I

A leitura do dia: Um Velho em Arzila, de Manuel Alegre, edições expresso, 2003

  • Ponto de partida para o universo da intertextualidade. De Camões a Manuel Alegre.
  • A História de Arzila
  • Tapeçarias de Pastrana


A estrutura do conto
Leituras imediatas:
Um Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett
Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco

Outras leituras:
Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, de Antero de Quental
Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins
Só, de António Nobre
Finis Patriae, de Guerra Junqueiro

ESCREVER
... um conto
... uma carta de Mariana a Simão

16.9.12

A onda inorgânica

Nas redes sociais, os amigos são às centenas e, por vezes, aos milhares. A vida privada torna-se pública! Um simples slogan pode trazer à rua centenas de milhares de pessoas, gritando as mesmas palavras de ordem, expondo as mesmas emoções e, sobretudo, pode descentralizar os protestos e ao mesmo tempo sobrepô-los numa imagem de dimensões oceânicas.

Ondas de rejeição, por enquanto, inorgânicas e tranquilas, jorram a cada segundo desses amigos, infelizmente, virtuais. 

Bom seria que as redes sociais pudessem ajudar a encontrar emprego, a aumentar as competências de cada "amigo", porque a alternativa está à vista: a onda inorgânica acabará por ser aproveitada para gerar um movimento de morte, cujos sobreviventes mais não farão que distribuir entre si o saque.

E esses voltarão a ser felizes por algum tempo... 

 

15.9.12

O alvo errado

Enquanto o povo, indignado, se manifesta nas principais cidades do país, mais de 35 grão-mestres das maçonarias regulares de vários países estão em Portugal.

O primeiro revela o seu objetivo, os segundos escondem-no. O primeiro luta contra a precariedade, os segundos vivem da precariedade do primeiro.

À TROIKA, o povo pouco importa! A TROIKA defende os interesses dos credores. E a TROIKA não se encontra no 57, Avenida da República, Lisboa

 

A esta hora, a nossa atenção centra-se no movimento dos indignados, mas quem nos governa são, entre outras sociedades mais ou menos secretas, os 35 grão-mestres das maçonarias regulares..., por muito que a maçonaria insista que se rege pelo valor da fraternidade.

Há séculos que escolhemos o alvo errado. Porquê?

E o caminho começa por aprender a viver sem necessitar de credores. E continua por julgar quem não nos revela a verdadeira origem e extensão da dívida. E termina pela assunção dos erros.

E por muito que nos custe os responsáveis são muito mais do que aqueles que vamos apontando a dedo.

 

11.9.12

Azuis

Entre o palácio e os pastéis de Belém mora o azul. Olho à direita, ao centro e à esquerda, e noto uma pequena nuance (matiz). Ao analisar a diferença, percebo que o azul mais apelativo ocupa o lugar principal. O azul da direita e da esquerda reconhece a centralidade, parecendo prestar vassalagem à presença estrangeira.

Se quiser ser rigoroso, ainda devo registar que o azul também se mostra na varanda superior, mas sem a mesma força que o do rés-de-chão.

E tudo sobre um fundo cor-de-rosa, em que talvez seja possível circular internamente entre a CGD, o Deustche Bank e a CGD.

No fundo, esta digressão não interessa a ninguém, apesar de todo este azul poder significar que a vassalagem se expressa por insignificantes matizes. 

Quanto ao inquilino do palácio, não sei se ele aprecia o azul, e até posso supor que o azul mais carregado ali foi colocado para lhe lembrar a nulidade do seu poder.

Confesso, no entanto, que, hoje, escrevo sobre o azul para evitar falar dos dois temas que se me foram impondo ao longo do dia: a) os inadaptados, os degenerados, os hipersensíveis (Nobre, Pessanha, Espanca, Mário Sá-Carneiro, Pessoa); as medidas da TROIKA liturgicamente apresentadas pelo sátrapa Gaspar.

 

8.9.12

A agência da morte

No olho, surge o fruto. A flor já desapareceu e, em termos de futuro, nada parece acontecer. Fica apenas o efeito raramente apreciado por quem por perto passa.

Ontem, sob a anestesia do futebol, o primeiro-ministro anunciou ao país que continua a dizer a verdade e que preza a transparência mesmo que o fruto das suas palavras traga o desespero e a morte. Há pelo menos uma agência que ele poderia criar: a agência da morte.

Essa agência deveria publicar semanalmente um boletim que nos dissesse quantos portugueses morreram na semana anterior e quais as causas desse esperado (inesperado) desaparecimento. Esta agência teria a virtude de gerar algum emprego e, de imediato, abrir concurso para substituir os falecidos. Asseguro que ela criaria mais emprego que a redução da taxa social única às empresas.

Entretanto, gostei de ouvir o senhor primeiro-ministro afirmar que as medidas tomadas resultaram de um acordo, embora não tenha dito com quem. Um jovem turco da coligação terá dado a entender que o acordo fora alcançado entre os parceiros do governo, mas eu suspeito que não houve acordo nenhum. As medidas terão sido impostas pela TROIKA! Sem elas, a palmeira secava!

Para quem já viu um coelho ser enfeitiçado por uma cobra num terreno relvado ou árido, as palavras do senhor primeiro-ministro não me surpreendem. O que me surpreende é que tanta gente inteligente lhe dê ouvidos e o absolva, sobretudo quando insistem em que todo mal foi feito até abril de 2011.

 

6.9.12

Os efeitos das aplicações informáticas

Ontem, alguém que diariamente se confronta com os efeitos das novas aplicações informáticas, dos novos códigos, das novas decisões, perguntava-me se ninguém protesta, se ninguém se opõe... e prometia-me escrever um livro a denunciar como vamos sendo despojados dos direitos mais elementares.

Passadas algumas horas, dei comigo a pensar que Aquilino Ribeiro mostra na sua obra como os povos das serras e do interior iam perdendo o direito à partilha de baldios, logradouros e até dos adros das igrejas. Aqueles povos foram perdendo o espírito comunitário e, com o tempo, foram atirados para o isolamento. Hoje, as escolas, as capelas, as fontes, tudo fecha e as crianças são enviadas para longe, tal como os pais são convidados a partir para o estrangeiro...

Para os que insistem em ficar, o futuro passou a estar à distância de um clic de validação. Se o cidadão falhar fica fora do concurso sem apelo nem agravo. Se quiser reclamar, os burocratas encarregam-se de informaticamente tornar o processo tão complexo que mais vale desistir... Por outro lado, as leis mudam ao ritmo dos cata-ventos e ainda por cima geram códigos obscuros que são aplicados discricionariamente, atrasando a decisão, de modo que uns arguidos apodreçam nas cadeias e outrem usufruam de eterna liberdade.

Num tempo em que o pastel de nata vendido no bar de uma escola passou a ser vigiado (ai dele se ultrapassa os 80 (?) gramas!) outros fazem e desfazem sem prestar contas a ninguém, pondo em causa a saúde, a segurança e a paz de espírito de quem se habituou a cumprir e, sobretudo, a servir a comunidade...
Não sei se fale, se cale! 

 

4.9.12

Apesar de tudo

Apesar de tudo, ainda há sinais de futuro. Basta estar atento e apostar na vida!

Vivemos numa sociedade que multiplica os sinais de morte, que convida à desistência ou, pelo menos, à indiferença. E esse decadentismo é tão forte que aprendemos (e ensinamos) a elogiar aqueles que antecipam «o fim», sem perceber que esta categoria da realidade não é absoluta.

 

2.9.12

Caminhos…

Léon Bloy par lui-même

S. Paulo : « Nous voyons toutes choses dans un miroir. »

Tudo me surpreende desde o autorretrato de Léon Bloy (1846-1917) até ao título da obra panfletária “Belluaires et Porchers”, para cuja tradução proponho “Gladiadores e Porqueiros” o que talvez possa cativar algum leitor mais faminto…

Traduzir esta obra é uma aventura condenada ao fracasso tal é a violência da palavra escolhida, da imaginação verbal do autor, capaz de conciliar o inconciliável num universo em que dominava o antissemitismo, o dinheiro, o colonialismo... o espírito burguês hipócrita e acomodado.

À medida que leio Belluaires… pressinto que por detrás se encontra um homem zangado, e por isso volto ao início dos capítulos à espera de que cada palavra ilumine o motivo, esclareça a traição.

Atravesso as páginas, recuo e avanço, penso em desistir, até que percebo que para Léon Bloy o anúncio da morte de Deus era um anátema e que, visceralmente católico, condena todos aqueles que se arvoram como pilares da igreja… uma igreja que ignora o Paul Verlaine, autor de SAGESSE (1881) … o único POETA CRISTÃO.

O olhar fixo num espelho feito de símbolos, L. Bloy manipula a língua como se a palavra fosse o único caminho para a conversão, de comunhão… e por isso tantos se deixaram persuadir: Alfred Jarry, Louis Ferdinand Céline, George Bernanos, Marc- Edouard Nabe…

No que me diz respeito, continuo surpreendido pelo olhar daquele que, medíocre aluno, medíocre empregado, desejou um dia ser pintor, tendo alternado entre o misticismo e a revolta, mergulhado na pobreza extrema, por vezes classificado como anarquista de direita, mas que, no essencial, recusava o fenecer das almas.

E essa não deixa de ser uma questão central!

 

1.9.12

O regresso da TROIKA

Depois dos banhos, o regresso à terra. A TROIKA voltou para cobrar o que nos emprestou, independentemente do empobrecimento geral ou, mesmo, da fome.

A escola perde professores e irá perder alunos. A saúde tem menos utentes e o país ficará cada vez mais doente.

Tudo envelhece fora de tempo, exceto a Serra do Barroso que, descabelada, espera que a chuva regresse…

Eu espero pelo Dilúvio!

 

29.8.12

A picota de Montalegre

Esta picota (pelourinho) de Montalegre surge aqui para lembrar que há tradições que valeria a pena repor. Se voltássemos a expor à vergonha pública todos aqueles que diariamente nos roubam, nos agridem, nos atraiçoam e nos aviltam não estaríamos, agora, sob a canga dos credores predadores.

Em nome do bom senso, tornámos a picota inútil, deixámo-la ao abandono nas praças, sem perceber que caíamos nas mãos dos falsos liberais que nos desgovernam.

E a propósito, quanto é que estamos a pagar por todos os pavilhões multiusos que foram sendo construídos nos últimos 25 anos?  

 

26.8.12

Ao lado da N103

Penedones (Chã – Montalegre). Pena de Donas (1258). Trata-se de um agregado que pertenceu a donas (freiras). Um agregado em que a pedra arrancada à serra continua a dominar a paisagem, em frente da albufeira do Rabagão.

No centro do lugar, não falta o templo de deus, no caso, talvez fosse mais adequado designá-lo como templo das donas que, de verdade, não vi em lado nenhum, tal como não vislumbrei os bois do Barroso, a não ser nas placas toponímicas… dos últimos, claro está! E como aparentemente nada acontece, vale a pena fixar os acontecimentos do dia: uma águia e um casamento, mesmo sem registo de ambos, tal como já acontecera com as donas…

Enfim, com tudo isto não quero rivalizar com A Barra do meu amigo António Souto. Mas como diz um meu outro amigo, é tudo uma questão de água: há quem prefira a salgada, eu prefiro a doce…

 

25.8.12

Depois da chuva…

Depois da chuva o lugar revela-se fantástico. Para quem procure o isolamento, não há melhor! A internet liga-nos por segundos descontinuados ao mundo. A rádio vende-nos os produtos locais, a começar pelo encontro anual de Vilar de Perdizes. Começa na próxima 5ªfeira. Quanto a jornais nem cheirá-los e a única televisão que enxergo está sempre desligada. Sós dois amáveis cães, de que desconheço a raça, me impediram de seguir caminho. Bem hajam!

 

23.8.12

Vilar da Veiga…

Um lugarejo que não chega a sê-lo ou melhor que não está à altura da paisagem natural. Em Agosto, uma paisagem humana, constituída por emigrantes de segunda e terceira geração, assalta as margens rodoviárias e fluviais, deixando um rasto de combustíveis fósseis e de degeneração linguística. As famílias, em automóveis de elevada cilindrada, exibem-se, convencidas de que Vilar da Veiga em nada fica atrás das estâncias turísticas alpinas…

E talvez tenham alguma razão! No entanto, o estado e os empreendedores nacionais continuam a procurar o «eldorado» bem longe, desprezando o que a natureza nos vai oferecendo.

Na minha memória, entretanto, vai permanecer uma paragem de autocarro colocada diante de uma passadeira que deve ter equivocado o motorista, pois apesar de por ali passar três minutos antes da hora prevista, deixou três passageiros «pendurados» à espera do autocarro seguinte… Claro que uma hora mais tarde percebi que o senhor motorista estava em fim de turno e quanto mais cedo estacionasse o veículo à porta de casa, melhor!

Diga-se, de passagem, que nunca percebi por que motivo, seja no Gerês seja em qualquer outra localidade, os motoristas de transportes públicos podem estacionar os autocarros à porta de casa…

 

22.8.12

De Aguada de Baixo a Viana do Castelo

Tudo indicava que o sol entrara em greve! De Aguada de Baixo a Viana do Castelo, só os portais eletrónicos brilhavam: o automobilista nem tinha tempo para somar as vezes que lhe cobravam a passagem. Uma mina! E ainda se queixam que têm prejuízo!

Viana labiríntica mostrou-me a pedra escura da praia da Areosa, a pretexto de uma bica breve na esplanada que, afinal, serviria para conhecer meia dúzia de entusiastas da arte cinematográfica, em rodagem sobre o desaproveitamento de uma geração. Sem meios, confessam-se independentes! Fiquei a pensar no dia em que Antero exigira a António Feliciano Castilho que o deixasse ser independente, ser livre. Mas não deve ser a mesma coisa…

O Márcio Laranjeira era um desses entusiastas! Pareceu-me um desses seres cosmopolitas que se enganara no lugar e que insiste em andar por cá, qual outro Laranjeira ironicamente desesperado! E a Mariana, que em nada se assemelha à Mariana de Camilo, mais fina e, sobretudo, pareceu-me mais silenciosa, embora comedida…

O quadro deu-me que pensar, como se vê, sobre a facilidade com que se fala em terras de Viana: do iodo, do Bom Jesus, das touradas só para encornar os vianenses, da pronúncia do norte… e eu a pensar que por uma razão que me escapa nunca consigo que o meu velho GPS consiga registar a vila do Gerês. A pensar nas consequências, com o gasóleo sempre a aumentar e o ordenado a diminuir. Sem subsídio de férias nem subsídio de refeição, lá acabei por zarpar para Terras do Bouro. Claro que o GPS só atrapalhou, o rio Caldo continua lotado como se todos tivessem subsídio de férias e subsídio de refeição, e o Vidoeiro também a abarrotar por motivos bem diferentes…

E a noite chegou, já com mossa, para aprender a ficar em casa!

    

20.8.12

Aguada de Baixo–Águeda

Para chegar é preciso ter alguma paciência, mas vale a pena! Recomenda-se a quem procure repouso longe do bulício da cidade e da praia. Quanto a alimentação, se não gostar de procurar ou chegar ao domingo ou em dia feriado, avie-se pelo caminho.

Entretanto, os caminhos trilhados vão-nos explicando para onde foram os euros que, agora, tanta falta nos fazem: para além das estradas e das rotundas, os portugueses pelam-se por quartéis de bombeiros, centros de saúde, bibliotecas, pavilhões desportivos.

Os equipamentos multiplicam-se apesar da carência de utilizadores.

A «desmedida» é seguramente a palavra que melhor nos define. Que Nossa Senhora da Memória nos ajude!

 

15.8.12

A Palmeira


Chegou a hora de reinventar o passado. Não o que foi, mas o que resta…

Para chegar à casa, M. tinha de passar pela palmeira. Daquela palmeira avistava-se sobre o lado direito uma casa térrea. Donde é que aquela palmeira teria saído, se não se vislumbrava nenhum palmar entre vinhas, olivais e figueirais? Saía de casa e logo os olhos se fixavam naquela inesperada presença. Aquela fixação, ao contrário do que seria de esperar, não fazia sonhar. Era uma presença muda que ajudava a delimitar o caminho de pedra maltratada e que, quando as chuvas desabavam, assistia à transformação da rua em rio de lama. Para além da pedra e da lama, erguia-se, majestosa, a palmeira. Ainda, hoje, por lá continua…

Aquele pedaço de caminho que separava a casa da palmeira foi durante dez anos a aldeia de M.

Para lá da palmeira, a rua estava assombrada: havia cabras noturnas que devoravam os parcos canteiros de flores, havia cães que ganiam sem parar e, sobretudo, havia a violência das palavras grosseiras que fendiam os tímpanos de M. Essas palavras ainda hoje ecoam na mente de M. Talvez se possa admitir que ainda o assombram.

De facto, não são só as palavras que ecoam… há também gritos. E em particular, tosses ininterruptas que atravessam o tempo e se repetem…

 

14.8.12

Prefácios

I - Em discurso relatado, Chez Barbey d’Aurevilly, 1882: Paul Bourget: Enfim, Bloy, o Senhor detesta-me, não é verdade? Léon Bloy: Não, meu amigo, eu desprezo-o.

Léon Bloy, que não morria de amores por Paul Bourget, não hesita em tratá-lo por «O Eunuco», talvez porque este ousara publicar, num jornal, «la mucilagineuse préface de son prochain livre». E ao escolher o adjetivo “mucilaginoso” para definir o prefácio, Léon Bloy retrata Bourget como um homem viscoso que facilmente passa do estado sólido ao líquido – a mucilagem é rígida quando seca e pegajosa quando húmida!

II – Maria Lúcia Lepecki, por seu lado, ao reler, em 17 de maio de 1987, «Casa Grande de Romarigães» de Aquilino Ribeiro, e procurando os princípios éticos e estéticos em que assentava a escrita de Aquilino, convida-nos a pensar que o prefácio deste romance, cujos capítulos se distinguem uns dos outros por números, corresponderá ao ZERO – o ponto de partida, o PROGRAMA…

É essa ideia que Lepecki explora na sua leitura do prefácio, deixando-se envolver na teia doutrinária do Autor. E por isso, Ela termina o seu texto de crítica literária ZERO À DIREITA do seguinte modo:

«Uma alegoria também ela dúplice, ao mesmo tempo iconoclasta e iconográfica. Nela se estaria dizendo o País, «personificado» no espaço de uma casa e nos tempos de uma família.»

III Coincidência ou talvez não! O romance Casa Grande de Romarigães foi publicado em 1957 e quem nos governava era o mucilaginoso Salazar… E o PROGRAMA não deixaria de querer acertar contas com o ditador. Um romance a reler num tempo em que a viscosidade se nos agarra à pele.

IV – E a propósito de prefácios, gostaria de destacar três nomes que, por motivos diversos, sempre lhes deram (dão) grande atenção: Almeida Garrett, Osório Mateus, Carlos Reis.

 

12.8.12

Não sei quem teve a ideia

Não sei quem teve a ideia, mas a instalação parece nascer do chão e enquadra-se bem no Jardim de Santo Amaro (Oeiras). E até o elétrico, ao fundo, parece esperar por nós para uma derradeira viagem.

O espaço, à medida que avançamos, contrai-se, apesar das janelas que se multiplicam, como se uma miríade de olhos dececionados se fixasse em nós.

Em alternativa, talvez possamos balouçar-nos uma última vez!

E também não sei porque é que quando escrevo, recorro à primeira pessoa do plural - “à medida que avançamos” - porque nada acontece no plural. É pura ilusão mercantilista! É pura ilusão comunicacional de quem procura a complacência da miríade de olhos sem rosto que me acompanha desde que a luz me despertou…

 

11.8.12

Nem na Caverna de Platão…

Nem na Caverna de Platão se poderia viver descansado. Mesmo que os prisioneiros se mantivessem voluntariamente agrilhoados à sua miserável realidade, eles não escapariam ao olhar escarninho…

Aí estão os muros para nos lembrarem quão risíveis somos!

 

10.8.12

Um Passeio pela História

«Que me importa /o perfume das rosas /os lirismos da vida /se meus irmãos têm fome?» Agostinho Neto, A Renúncia Impossível

Ao longo dos anos, fui construindo enunciados cujo fim era sintetizar conhecimento e contribuir para a formação de uma sociedade mais justa e mais livre. Entretanto, cético, fui assistindo ao crescimento da liberdade que foi pondo termo aos vários muros instalados um pouco por todos os continentes. E essa desconfiança tinha razão de ser pois, nas últimas décadas, essa liberdade em vez de trazer mais justiça trouxe mais desigualdade.

Cito Agostinho Neto porque também ele sentiu a confusão bíblica que se instalara entre os homens. E por caso, hoje, vi parte de um filme sobre François Mitterrand “Um Passeio pela História”, e dei comigo a pensar que aquele homem, que governou a França entre 1981 e 1995, tinha percebido completamente os perigos que a Europa corria, pois, em vez dos princípios, o mundo passara a ser dirigido pelo capital.

 

8.8.12

Dos que furtam com unhas invisíveis

Tela praevisa minus nocent.
A lição é de Jerónimo e vem citada na ARTE de FURTAR.

No essencial, significa que temos de aprender a ver o mal antes que ele nos prejudique. O caso é que a TMN insiste em cobrar todos os dias 1,07 euros, mesmo depois de ter procedido à alteração da relação contratual e de ter assegurado ao cliente que, num prazo de 24 horas, lhe iria desligar o acesso à internet.

O objetivo do cliente era reduzir custos, mas a TMN, com unhas invisíveis, insiste em aumentar-lhos.

Quantos cidadãos são diariamente presa destas unhas invisíveis?

 

 24.03.2013

A Arte de Furtar é das poucas obras que não corre o risco de ficar obsoleta. Ainda na última semana, a União Europeia e o FMI institucionalizaram a rapina eletrónica. Vai-se à conta bancária do cliente e subtraem-se 20%! Dizem que acima de 100 mil euros..., em Chipre. No futuro, tudo é possível!

   

6.8.12

Não são os coveiros…

«Não sãos os coveiros que nos matam. Simplesmente estão lá quando morremos.» Mafalda Ivo Cruz, Mil Folhas, 26 de Janeiro de 2001, PÚBLICO

O registo fotográfico não deixa de impressionar pelo fulgor do volume e da cor da pedra. Porém, passado o deslumbramento, fica por perceber por que motivo, ao longo dos séculos, se insistiu no transporte da pedra para um lugar onde a areia cedo começou a escassear. A exuberância dos edifícios esconde a pequenez do homem comum e a vaidade dos governantes.

E passando do coletivo ao individual, nada difere: o egoísmo (ou a cegueira?) de uns leva-nos, de súbita morte, à cova. Passada a surpresa, só o coveiro se empenha momentaneamente em esconder-nos dos vivos…

 

5.8.12

O fotógrafo

«O etnólogo em exercício é o que se encontra em qualquer parte e que descreve o que observa ou o que ouve nesse mesmo momento.» Marc Augé, Não-Lugares

O fotógrafo é, assim, um etnólogo involuntário. Captura, num momento, linhas de tempo distintas, formas circulares, verticais e horizontais. Captura o grupo e a individualidade, a luz e a sombra…

… e deixa o Infante a enxergar o lado errado da missão, ao contrário do ciclista que segue confiante, mesmo que, amanhã, caia no desemprego.

Mas esse detalhe pouco importa ao etnólogo!

 

3.8.12

Ao mudar a cor


Não aprendo / esqueço. Sombra de mim próprio / rasgo o passado. // Ao mudar a cor /o pavão imagina-se loureiro. /

 

1.8.12

O narcisismo da voz

Cada vez que morre um comunicador, há logo quem afiance que a sua voz ficará para sempre. Não valeria a pena exemplificar se, de facto, isso fosse verdade. Por exemplo, quantos reconhecem hoje a voz de Vitorino Nemésio?

Embora existam registos audiovisuais dessa voz, ninguém sente necessidade de os divulgar. Porquê? Provavelmente pela natureza da mensagem! Do fascínio de outrora pouco resta, talvez porque a eloquência nos impeça de ver a obra.

Todavia, de Cristo ou de Maomé nem rosto nem voz, mas isso não impede que a mensagem continue a incendiar a terra.

Só um narcisista se atreve a enunciar a elocução “Para sempre!

 

30.7.12

O texto e a imagem

Quando a sociedade se corrompe / corrompe-se primeiro a linguagem.” Ruy Belo

De acordo com Antoine Compagnon, a cultura literária entrou em declínio, embora não se saiba se se trata de um fenómeno irreversível. A Literatura (As Belas Letras), na perspetiva de Eduardo Prado Coelho (2000), teve o seu apogeu associado ao reforço da ideia de consciência nacional e, consequentemente, à valorização da língua materna.

Algumas das ideias, fundamentadas nas teorias de Derrida e de José Afonso Furtado, são de plena atualidade, nomeadamente, quando EPC afirma: «a média dos alunos é cada vez mais fraca, mas os bons alunos são alunos excecionais – aqueles são perigo, estes a oportunidade.» 

Hoje, a globalização, ao diluir as fronteiras, dilui as literaturas e a língua em que a consciência nacional se inscrevia e, por outro lado, a imagem substitui o texto literário, procurando o prazer instantâneo do reconhecimento, mesmo que virtual. 

 

28.7.12

O fazedor…

O que não se pode é tocar o sino e ao mesmo tempo ir na procissão.” 

Camilo José Cela

Apesar de ter adormecido acomodado à ideia, ao acordar, apercebi-me que há quem tenha o dom da desmultiplicação – o fazedor.

Eu que, outrora, tive o ofício de sineiro, sentia-me aliviado por não ter de marchar alinhado e aprumado e, ao mesmo tempo, sentia-me excluído do rebanho.

Faltava-me essa qualidade, hoje, muito abundante, que é a de fazedor!

 

25.7.12

Estou a ficar zonzo!

Na minha infância e adolescência, se me quisesse “lixar”, “lixar” alguém ou “mandar lixar” quem quer que fosse recebia como estímulo um par de bofetadas, sem aviso.

Quando comecei a ler os escritores neorrealistas, percebi que era vítima de uma conceção do exercício de autoridade excessiva. Aqueles simpáticos autores, à força de quererem valorizar a cultura popular, criaram personagens que não iam muito para além do calão, apesar de, na mente iluminada dos artistas urbanos, estarem prontos a sacrificarem as suas vidas em nome da liberdade…

O mais difícil foi explicar a certos alunos que o calão podia ser uma forma de vida tão razoável como aquela que decorria da leitura de um sermão do Padre António Vieira. Retraído, lá fui insistindo até que percebi que o pregador ficara irremediavelmente para trás. A quem interessava a doutrina? A quem interessava a eloquência? A quem interessava a criatividade que a língua poderia desencadear?

Nos bancos das salas de aula, começaram a sentar-se jovens que já não necessitavam de ler os neorrealistas para aprenderem o que era expressão de vulgaridade ou, em alternativa, de cultura popular; muitos já não necessitavam de ler ou, se o faziam, procuravam aquelas obras que semanalmente ocupavam os escaparates das livrarias e não ofereciam qualquer resistência à leitura – as que os espelhavam por inteiro ou lhes abriam a porta do facilitismo.

E são esses jovens, agora ministros, que me deixam zonzo. Eles dizem, sem ter lido os neorrealistas, que se» estão lixando» e ninguém lhes dá um par de estalos! E ainda são aplaudidos, porque falam a língua do povo. Mas qual? 

 

23.7.12

O clima é amigo

Os alunos das escolas (239 ESCOLAS PRIMÁRIAS) que encerram serão transferidos para centros escolares ou outros estabelecimentos "com infraestruturas e recursos que permitem melhores condições para o seu sucesso escolar", considera o Ministério da Educação. (Renascença)

Em nome do sucesso escolar, os Governos transferem os alunos. A ideia parece razoável, mas porque é que não se aproveita para transferir, também, as famílias?

Não será melhor fechar as igrejas, os cemitérios, os correios, os postos de saúde?  Não será melhor acabar com o queijo da serra, acabar com o alvarinho, acabar com o porco preto, acabar com a alfarroba e a laranja, arrasar os sobreiros e extinguir as colmeias?

Sobra, no entanto, uma questão: - Como é que este sucesso escolar tem desembocado no insucesso na vida?

E no caso das crianças (e famílias e autarcas) não aceitarem a transferência, tal como os indígenas se viam obrigados a aceitar o Deus dos cristãos, então há sempre o recurso aos incêndios …

… arde o país até porque o clima é amigo!

PS. No meu entendimento, não há sucesso escolar ou outro se não houver enraizamento

 

22.7.12

As gaivotas são de ontem

As gaivotas são de ontem! Não sei o que é que as movia, mas a agitação era muita. Provavelmente, não sabem agir de outro modo…

O que me preocupa são os abutres. Esses sabem escolher o momento para atacar a presa. Não fosse a maldita vaidade, o golpe seria certeiro!

 

21.7.12

Virtuosa Pátria

Eram homens afáveis que passavam a mão pelos cabelos das crianças, mas que deixavam cair os irmãos, os amigos e os servidores. Faziam-no com elegância, um olhar benévolo…, mas, chegada a hora, tornavam-se invisíveis.

Estes homens melífluos que passavam a viver na sombra, rodeados de fâmulos que agiam por conta própria, eternizavam-se nas cátedras, nos cargos… e acabavam sempre por ser condecorados pelos serviços prestados à Pátria.

E a Pátria vai os acolhendo no seu regaço e passa-lhes as mãos pela cabeça e esquece-os…

 

20.7.12

Um país de equívocos

I - Os incêndios deixam os pobres mais pobres. Raramente, se ouve falar de um rico vítima de incêndio!

Os incêndios deixam o país mais desolador. E não se percebe porquê!

A senhora ministra da agricultura, das florestas… bem podia criar um projeto de limpeza do território. E digo limpeza, porque o território está sujo e floresce sem qualquer controlo. E são esta sujidade e este desleixo os responsáveis pela repetição dos incêndios, novo pasto das televisões e consequente manipulação dos telespectadores.

A senhora ministra dos matagais deveria pugnar pelo asseio. Bastava que contratasse 10% dos desempregados para proceder à limpeza dos caminhos, à poda das árvores e à desmatação…

II – A morte de José Hermano Saraiva traz-me de volta o irmão, o António José Saraiva.

Ambos cavalgaram a História, mas fizeram-no de modo bem distinto. O rasto que deixaram mostra uma forma bem diversa de encarar a política, a literatura e a comunicação… e por isso este ruído na morte

… um ruído de tambores que anula o canto triste da avezinha…

 

19.7.12

Por uma república formatada

I - Nada melhor que a leitura de uma instrução de exame, por exemplo, de Literatura Portuguesa, para se compreender a alma do avaliador (GAVE) e o futuro que nos espera:

Tendo presente a leitura que fez de textos de um dos poetas indicados no módulo do programa intitulado «Romantismo, Realismo e Simbolismo» – Almeida Garrett, Antero de Quental, Cesário Verde, António Nobre ou Camilo Pessanha –, refira os dois aspetos a que atribui maior importância na obra do poeta por si selecionado.
Redija um texto bem estruturado, de cem a duzentas palavras. (2012, Prova 734, 2ª fase)

Como se vê, é simples: durante um ano, memorizam-se três ou quatro respostas, de cem a duzentas palavras, e já está! E também nunca percebi se um texto com 100 palavras é equivalente a um de duzentas, quando se disserta ou argumenta… E todos os anos é isto!

A Literatura vê-se, assim, reduzida a opinião, quando não a «achismo» imbecil!

Pobre Literatura! Pobre País!

II - O ministro da Educação, Nuno Crato, não promove a prospetiva no seu gabinete. Parece não ter nenhum assessor capaz de prever situações que poderão resultar dos seus atos. Situações felizes e infelizes!

Preocupado com a transparência da sua ação, reduz o número de horas de aprendizagem, aumenta o número de alunos por turma, aumenta a carga horária dos professores e surpreendido com o efeito dessas decisões, confessa que nunca pensara que poderia criar milhares de horários-zero e, sobretudo, que isso poderá empobrecer ainda mais o estado da educação. 

Claro que Nuno Crato sabe muito bem o que é a prospetiva, ele que tanto ama a arte de calcular!

 

 

 

17.7.12

Despertar temporão

Hoje é um daqueles dias em que acordo antes da hora prevista e não sei se coloque a máscara da caruma se do vagabundo. Um dia em que vou precisar de máscara…

O despertar temporão traz-me de chofre uma experiência de véspera: a autoridade tributária e aduaneira, para efeitos de cobrança, impõe 350 € como mínimo de venda de uma propriedade mesmo que o valor seja apenas de 1 €.

O despertar temporão também me traz uma preocupação: como é que vou reagir à valorização das obras de fachada que me vão querer vender ao longo do dia?

Talvez tivesse sido melhor não ter acordado!

De qualquer modo, caruma ou vagabundo sempre é melhor que “a apagada e vil tristeza” em que soçobramos!

 

13.7.12

O vagabundo

Quando com uma mão nos dão autonomia e com a outra nos condicionam a decisão, apetece mandar tudo às urtigas e partir para uma longa viagem de vagabundo, a pé e / ou à boleia, mesmo que não seja ao serviço de Portugal.

Um vagabundo do tipo daquele que Camilo José Cela consagra na obra “Vagabundo ao serviço de Espanha”.

O vagabundo de Camilo José Cela, visto ter palmilhado meia Espanha, lido demoradamente as histórias dos lugarejos que ia atravessando, partilhado fraternamente os palheiros que lhe cediam para repousar das canseiras ou curtir os excessos raros e inesperados do prazer da gula ou do sexo, debatido com cónegos, alcaides, feirantes e prostitutas…, a esta hora já deveria ter acumulado uns milhares de unidades de crédito e ser magnífico reitor de uma qualquer vetusta universidade aristotélica…

De facto, o conhecimento do vagabundo de Camilo José Cela é infinitamente superior ao saber do excelentíssimo ministro Miguel Relvas até porque aquele viajante age segundo um princípio fundamental: – não se atravessar no caminho de ninguém!

E o que me impressiona no vagabundo é que este pícaro, à força de palmilhar a Ibéria, sabe que, em cada aldeola, vila ou cidade, o relvas não é a exceção.

 

 

9.7.12

A mão cega dos classificadores

Hoje é o dia em que muitos jovens sentiram que uma mão pesada se abateu sobre eles, apesar de terem trabalhado arduamente ao longo de dois ou três anos.

E essa mão cega ceifou a torto e a direito na seara que lhe foi imposta. 

E é preciso não esquecer que avaliação destes jovens está a ser feita sem qualquer equidade. Classificadores há que recebem formação e classificadores há que são nomeados à pressa!

Quando olho para os resultados que me vão chegando, vou perdendo a fé na idoneidade profissional dos classificadores. Há resultados de sacos de provas que deveriam ter sido aferidos antes de serem publicados. Provavelmente, não o foram porque vivemos em tempo de austeridade, mas esta não destrói apenas o corpo… pode minar, sobretudo, os valores, tornando-nos má moeda.

 

7.7.12

“ÁREA DE NÃO CAÇA”

 

Gosto da expressão nominal: é apelativa como se exige! Apesar da proibição, não vislumbrei mais do que duas ou três carochas… Frustrado, segui o caminho serpenteado e privado, desembocando numas perigosas arribas.

Na verdade, o mar vem devorando a terra, e os pinhais parece que deixaram de combater a erosão.

Em tempo de crise, talvez pudéssemos instalar uns tantos hidrantes… dávamos emprego a certos autarcas, protegíamos a escassa floresta e, talvez, limitássemos a erosão.

Creio, entretanto, que estamos a necessitar de um termo alternativo para “floresta” … Bosque?

 

6.7.12

A hidra

Boca-de-incêndio? Tomada de água? Marco de água? Não! Hidrante é que é! Tal e qual como no Brasil… ou será um anglicismo – hydrant? De qualquer modo, ao investigar acabo por entender que o hidrante é um hiperónimo, pois designa equipamento de segurança usado como fonte de água, caindo a boca-de-incêndio sob a sua alçada…

… a alçada da serpente que nos pode devorar ou, então, levar-nos de regresso ao Brasil. O fio de areia, perdida a cabeça, estende-se para Sul, tão azul que nos faz esquecer o ponto de partida.

No meu caso, faz me esquecer que existem instituições que dão cursos em bandeja de ouro ou explica-me por que motivo, tendo um dia sido designado para um júri de apreciação do currículo de uma venezuelana, nunca mais repeti.

Acontece que votei contra as equivalências solicitadas, porque não reconheci à candidata competência em várias matérias e, sobretudo, qualquer domínio da língua portuguesa.

Afinal, isso poderia ter sido ultrapassado com uma classificação de 10 em Língua Portuguesa I, II, III, IV. Será que já alguém solicitou o programa destas 4 cadeiras?  

 

5.7.12

Apesar do aviso, a luminosidade deslumbra-me e obriga-me a pensar no engenho e arte da natureza e, ao mesmo tempo, sinto-me vingado de todas as luminárias laranjas, verdes ou pardas que nos governam.

(Camping Praia da Galé, Melides)

PS: No dia em que percebi que bastam 4 exames e 32 equivalências para se sair licenciado!

 

3.7.12

Alvoroço no 83

Duas malas de viagem (75X35 cm), um casal de franceses (75X65 anos), na zona reservada a idosos e a portadores de deficiência, incomodam apenas até que um robusto invisual entra, esbracejando, no autocarro.

O desbocado invisual arreda tudo quanto lhe aparece pela frente, procurando sentar-se no lugar ocupado pelo francês, e, quando advertido que o passageiro era estrangeiro, desfaz-se em impropérios contra os turistas pobretanas que vêm para cá espezinhar os portugueses…

Poder-se-ia pensar que se trataria de uma altercação de alguém zangado com a vida, quando, subitamente, o sobrelotado 83 entrou em convulsão. De um lado, um grupo minoritário que defendia e compreendia os pobres turistas; do outro lado, um grupo maioritário que resolveu secundar o invisual, dando expressão, em bom vernáculo, ao impulso xenófobo…

Chegados ao aeroporto, os turistas lá foram apanhar o avião, sempre sorrindo… e o 83 pôde, finalmente, rolar em paz!

Quero crer que estes turistas jamais voltarão a Portugal! Oxalá me engane!

 

30.6.12

Cisterna escura

(José Rodrigues Miguéis, O Amanhecer da Incerteza, Diário Popular, 8/11/ 1979)

De regresso ao Alto de Santa Catarina, Baltasar sente vontade de fugir, pois «a vida era este cárcere estreito e circular, uma cisterna escura onde nos debatemos, correndo em volta a tatear as paredes da nossa pobre experiência, prisioneiros teimosos e repetidos…», e relembra os amigos d’A Sementeira: «que sabia deles? quem eram, que sentiam, que pensavam na realidade como indivíduos atrás dos pórticos das Ideias e das Boas Intenções?»

A leitura abre-se para o Real: o que é A Sementeira? Já conhecia a Seara Nova? Mas, até este momento, não pensara que não há seara sem sementeira! Talvez tivesse pensado… Sabia que o republicano José Rodrigues Miguéis fora acusado de ser muita coisa: bolchevista, anarquista, burguês, reacionário… ao sabor dos ventos que iam soprando…, mas, de repente, a minha ideia de que a ficção de Miguéis se alicerça no conhecimento do real solidifica.

Em 1979, Miguéis para melhor conhecer o rumo do 25 de Abril mergulha nas páginas da revista anarquista A Sementeira (Setembro 1908 a Agosto de 1919) – a obra-prima de Hilário Marques, nas palavras de João Freire, Análise Social, vol. XVII (67-68), 1981-3. °-4.º, 767-826.

Aqui chegado, também eu me debato nessa cisterna escura em que somos formatados, apesar de, perceber que, ainda, há alguns pontos de fuga possíveis.  

 

29.6.12

Da safadeza

Farto de circunlóquios, mergulho nas páginas amarelecidas do Diário Popular do dia 25 de Outubro de 1979 e encontro, entre bares e prostíbulos, as divagações de Milheiro e de Baltasar sobre o modo como os portugueses encaram a realidade. (José Rodrigues Miguéis, O Amanhecer da Incerteza / Do «Idealista no Mundo Real»)

Interessante é ver que, em 1979, as viciosas personagens de Miguéis refletem sobre a nossa tendência para transigir com a vida, a nossa inclinação para o «compromisso pulha», apesar de, repetidamente, prometermos expor tudo no Roteiro da Safadeza Nacional. E é Milheiro que, já suficientemente alcoolizado, aponta a causa da nossa renúncia: a ilusão, nascida com Viriato, de que somos portadores de um grandioso destino.

Através de Milheiro, Miguéis mostra que não basta ler Camilo, Eça ou Junqueiro, porque a verdadeira Bíblia da Pátria deve ser procurada no Soldado Prático e na Peregrinação e, sobretudo, n’ A História Trágico-Marítima.

Mas isso era o que Miguéis propunha em 1979! E hoje, o que é que propomos?

 

27.6.12

O distribuidor

Decorria o Portugal-Espanha, e eu pus-me ao caminho. A linha vazia! Nem sombra de TGV!

(Embora não perceba nada de futebol, quando olho para a colocação dos jogadores em campo, procuro, de imediato, o distribuidor. Hoje, como nos últimos tempos, não vi ninguém com essa capacidade! A simples hipótese de uma vitória resultar de uma cavalgada desenfreada por uma das alas causa-me calafrios!)

Entretanto, nada faz sentido. Para quê combater a Espanha se dela somos uma parte!? Se queremos ganhar o Europeu / um lugar no mundo, devemos começar por ganhar Portugal… e isso só acontecerá a partir do dia em que a Ibéria se constituir num verdadeiro espaço cultural, económico e político. E para isso, as nações ibéricas precisam de distribuidores.

(O distribuidor é aquele indivíduo que tem uma visão global do campo / do espaço ibérico e é, a cada momento, capaz de flanquear o jogo.

A Ibéria sempre teve os seus defensores, mas os nacionalismos oportunistas têm vingado sempre.

Agora que perdemos, o melhor é apoiarmos Espanha na próxima partida… e talvez o TGV volte a fazer sentido!

 

26.6.12

A porta

Sentados (ou deitados?) esperamos a resposta. Talvez o telefone toque, um amigo envie uma SMS ou um email caia na caixa de correio. De vez em quando, reunimos e exigimos… que o telefone toque, o amigo envie uma SMS ou o email nos traga boas notícias.

Lá fora há um caminho (até vários!), mas o difícil é vencer a porta e sair. Sair, percorrer o caminho, as vezes que for necessário, disponíveis para agarrar o destino – o nosso!

(Quando a escola não nos deixa caminhar.)

 

24.6.12

Um dia perguntei

«Há, por um lado, o romance que analisa a dimensão histórica da existência humana, e por outro lado, há o romance que é a ilustração de uma situação histórica, a descrição de uma sociedade num dado momento, uma historiografia romanceada. (…) Ora, eu nunca me cansarei de repetir: a única razão de ser do romance é dizer aquilo que só o romance pode dizer.» Milan Kundera, Conversa sobre a arte do romance

Um dia (02.05.1997) perguntei se, para compreender o romance PAULA de Isabel Allende, seria necessária conhecer a História do Chile, mas, à luz de Kundera, o ato era de retórica – «Não. Tudo o que precisa de saber, o próprio romance di-lo.»

Apesar de saber a resposta, a questão era heurística – visava encaminhar o aluno a descobrir por si mesmo… Contava com o desejo, o interesse do aluno…

Por seu lado, o aluno ansiava pela resposta que lhe evitasse percorrer o caminho. As exceções eram raras!

(Hoje, esse caminho continua por percorrer!)

 

22.6.12

Do ensaio…

Foi com Montaigne (1533-1592) que a literatura se assumiu como literatura de ideias – ESSAIS. Para o ensaísta, o texto, sem descartar o tom panfletário, expõe uma epifania, uma visão súbita do mundo sem passar pela ficção imaginada.

Como se sabe, a fortuna de Montaigne resultou da capacidade de fundir elementos oriundos de géneros diversos nos ESSAIS, como se eles mais não fossem que a matéria de que o ensaísta era feito: «Je suis moi-même la matière de mon livre

Ora, parece que José Saramago, à semelhança de Montaigne, ao escrever certas obras – O Manual de Pintura e de Caligrafia / Ensaio sobre a Cegueira / Ensaio sobre a Lucidez – visava não só dar expressão a essa «visão súbita do mundo», em tom irrisório, mas passando pela «ficção imaginada», passe a redundância.

E foi essa opção que permitiu que Saramago fugisse à explicação sistemática, ocultando a ideologia, mas lançando sucessivos foguetes no coração da noite.

Uma noite sem fim!

 

20.6.12

O fluxo da serpente…

I - Sempre que entro num hospital, instalado num edifício adaptado ou construído para o efeito, sinto que falta ali alguém que saiba gerir o espaço: as pessoas amontoam-se sem que ninguém as encaminhe devidamente. Nos próprios gabinetes médicos, o espaço é diminuto…

Por outro lado, há funcionários totalmente incapazes de gerir o movimento de tantas pessoas, frequentemente incapacitadas. Fico sempre com a sensação de que ali não há qualquer tipo de supervisão! Cada um está por sua conta: pacientes, auxiliares, enfermeiros e médicos. E nem vale a pena falar do pessoal administrativo, transformado em cobrador, e a braços com a avaria intermitente do sistema informático!

De qualquer modo, hoje, consegui realizar os exames solicitados, mas necessitei de fazer uma leitura fina do fluxo da serpente que por ali se move…

II – Consta que o texto do I Grupo do Exame de Português do 12º ano foi conhecido antes das 9 horas do dia 18 de Junho. Será possível? Já em anos anteriores fiquei com a sensação de que certas respostas só seriam possíveis conhecendo previamente as perguntas!

 

19.6.12

Prova 639/1ª fase 2012

Esta prova em nada difere das dos anos anteriores. 

No Grupo I A, as operações exigidas são, por ordem: identificar e nomear qualidades; explicitar a intenção crítica; sintetizar opinião; explicar a mitificação do herói. Ao aluno é atribuída a tarefa de comprovação e não de descoberta das linhas de força do texto. Claro que as orientações continuarão a dizer que o objetivo visa testar a competência interpretativa do leitor… Esta forma de formular as questões não permite distinguir a verdadeira competência interpretativa, e a estatística encarregar-se-á de comprovar que vivemos num tempo de mediania…

No Grupo I B, é pena que em todo o MEMORIAL DO CONVENTO não tenham encontrado uma passagem mais adequada para ilustrar a necessidade de rescrever a História do Povo. A tentativa de individualização do herói popular mais não é do que um gesto voluntarista, mas inconsequente, pois a memória dos nomes próprios esfuma-se facilmente.

No Grupo II – A formulação impede o erro. As alternativas, em regra, são inverosímeis.

No Grupo III – O tema a POPULARIDADE, de certo modo, determinado pelo TEXTO do Grupo I A (de Camões), poderia conduzir a uma reflexão interessante sobre os caminhos que hoje trilhamos. Mas não! A instrução atira, de chofre, o aluno para os braços de programas televisivos de grande audiência e, sobretudo, para as redes sociais, diga-se, Facebook. Pobres professores classificadores, vão ficar com a cabeça à roda com tantos pontos de vista!

 

17.6.12

Que importa!

Que na Grécia se vote sem que o povo consiga clarificar o que quer! Que, no europeu, ganhar ou perder possa nada significar em termos de apuramento! Que, em França, os eleitores votem em função de ajustes de contas! Que significado pode ter tudo isso?

Por aqui, basta-nos a promessa de um bebedouro!  E este parece ter a majestade exigida pela função!

 

16.6.12

Encalhado

Cansado de responder a perguntas de última hora – Facebook: Grupo Exame de Português - Dúvidas – parto a pé na direção do Tejo. São 30 minutos! Os bancos convidam ao repouso, evito-os, a maré vazia, percorro a zona ribeirinha e desemboco no Oriente, na expectativa de que o 28 me devolva a casa. Passaram 80 minutos! E, entretanto, espero… o 28 está encalhado numa manifestação ou numa festa rural animada por um artista popular.

 

12.6.12

Interregno

Interregno: período em que um país fica sem rei, presidente – a democracia é suspensa e perde a soberania.

Ao longo da sua História, Portugal já experimentou tantos interregnos que, hoje, agimos como se nada estivesse a acontecer. Enquanto uma parte significativa da população desespera em silêncio, outra parte, de barriga cheia, clama sem perceber que, sendo os recursos financeiros reduzidos, não pode subtrair-se às medidas de austeridade, sobretudo quando estas visam reduzir os custos de funcionamento de organismos geridos sem efectiva supervisão.

Vivemos em estado de exceção e por isso de nada serve esbracejar perante a tutela, porque esta mais não é do que a correia de transmissão dos verdadeiros soberanos…

«Fazei, Senhor, que nunca os admirados / Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses, / Possam dizer que são pera mandados, / Mais que pera mandar, os Portugueses.» Camões, Os Lusíadas, Canto X, estância 152.

No essencial, o Poeta já percebera que o tempo português passaria a ser de interregno. Até quando?

 

9.6.12

Uma Igreja desorientada

Por um lado, esta Igreja está pronta a alugar o espaço, a ceder um dia santo por cinco anos, como, por exemplo, o do Corpo de Deus. Por outro lado, a mesma Igreja vocifera: NÃO PAGAMOS! FMI FORA DE PORTUGAL!

Parece uma Igreja desatenta e perdida, mas, na verdade, ela não perde a LUZ. Basta olhar com um pouco de atenção e lá vemos os painéis solares… e se contornarmos a quinta, encontraremos o negócio imobiliário, que não das almas! 

 

8.6.12

O caminho

«Procura cada qual, por seu próprio caminho, a graça, seja ela qual for, uma simples paisagem com algum céu por cima, uma hora do dia ou da noite, duas árvores, três se forem as de Rembrandt, um murmúrio, sem sabermos se com isto se fecha o caminho ou finalmente se abre…» José Saramago, Memorial do Convento, 1982

São três árvores, as de Rembrandt, saídas das cinzas da noite, deixando, no entanto, que a luz do dia brilhe em fundo revolto. A vida humana decorre absorta, como se para além do claro-escuro nada mais existisse.

O subtexto de pouco serve a Saramago! Saiu do século XVII pela porta da irrisão, pois não consegue escapar ao desespero do grande arquiteto enredado no seu próprio labirinto.

 

6.6.12

De regresso…

O que pensaria Salazar da iniciativa da professora Cristina Duarte e dos seus magníficos alunos da disciplina Clássicos da Literatura de, apesar da decadência da língua francesa, nos fazerem (re)descobrir, em português, a excelência da escrita do autor de À la Recherche du Temps Perdu?

Aparentemente, a resposta não interessará a ninguém. No entanto, o evento realizou-se sob o olhar atento do ditador e num espaço mobilado segundo a filosofia do espírito do Estado Novo.

Claro que tudo não passa de uma coincidência, mas não posso deixar de pensar que o passado, quando menos o esperamos, nos pode assombrar.

Salazar, como talvez saibamos, preferia a religião à literatura, pois a primeira permitia-lhe anestesiar a nação…; a segunda – a literatura – olhava-a, sobretudo, como expressão de perigosa insubordinação… e é essa atitude que me preocupa ao antever que, no próximo ano, a opção Clássicos da Literatura deixará de ser lecionada porque não haverá 20 alunos que a queiram frequentar, entre os mais de 350 que se irão inscrever no 12º ano da Escola Secundária de Camões.

 

31.5.12

O outro lado…

A 31 de Maio, a natureza segue o seu caminho, avessa à seca. Eu procuro as abelhas e as borboletas. Elas mostram-se e ignoram-me.

À margem, resigno-me a ouvir chilreados indistintos porque nunca parei o tempo suficiente para os nomear…, embora ainda veja as oliveiras de outrora, em horas de fome…

 

 

 

30.5.12

Esse tempo anterior a nós

«Todos os seus objetos, até o porta-moedas, têm uma história, chegam de um tempo que existiu antes de mim.» José Luís Peixoto, A Minha AvóCal, Quetzal, 2007

Partilho com o autor deste fascínio pela história dos seres e dos objetos, apesar de, infelizmente, não ser capaz de o acompanhar na recriação desse tempo anterior a nós. E ao mesmo tempo, vou testemunhando que essa atitude é cada vez menos valorizada.

O fio do tempo é indissociável da construção e da aprendizagem dos saberes que alicerçam a identidade de cada um de nós, de cada nação ou de cada projeto supranacional. Apesar desta evidência, vivemos num tempo em que «o anterior a nós» é desprezado, não só porque pode ser aviltante, mas, também, porque preferimos secar as raízes.

Somos porque estamos na rede, virtualmente! E esta evidência põe termo ao tempo pessoano da expansão por fazer, e torna-se em cerração…

 

27.5.12

Inaceitável!

«Um indivíduo portuguêsde origem africana, de 36 anos, foi esfaqueado mortalmente.»

«Segundo a mesma fonte, a vítima foi esfaqueada no pescoço, por um outro indivíduo, também português de origem africana.»

Onde é que está a notícia? O que é que a suposta «origem africana» acrescenta em termos de informação?

Um português, nascido em 1976, foi assassinado. Porquê? Por causa da origem? Esta forma de fazer jornalismo é inaceitável!

A não ser que amanhã possa ser notícia: «Um indivíduo portuguêsde origem caucasiana foi esfaqueado mortalmente por outro indivíduo, também português de origem caucasiana

 

 

26.5.12

Os temas

Os temas surgem sem se fixarem e por isso deixam de o ser:  dois argumentos perdidos num só com múltiplos exemplos de interação; uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, em quatro ou cinco parágrafos devidamente conectados; ignorados acentos e vírgulas e pontos deslocados; uma escola que cuida do bem-estar de alunos e professores e, onde inesperadamente, os alunos cuidam dos professores (quem diria!); uma escola no lugar da casa, onde pouco se estuda, mas inevitavelmente se cresce…

Os temas surgem sem se fixarem e por isso deixam de o ser: nas primeiras páginas, há números de apoteóticos desvarios e notícias que não o chegam a ser…

Há ainda promessas por cumprir, desculpas de última hora, empates auspiciosos, vidas emparedadas e outras adiadas… ou simplesmente arrimadas! Tudo e nada, apesar da procissão das velas que tremeluzem ao luar…

Os temas surgem sem se fixarem e por isso deixam de o ser…

 

23.5.12

Proust e a redenção

« On cherche à se dépayser en lisant. (…) La grandeur de l’art véritable (…) c’était de retrouver, de ressaisir, de nous faire connaître cette réalité loin de laquelle nous vivons, de laquelle nous nous écartons de plus en plus au fur et à mesure que prend plus d’épaisseur et d’imperméabilité la connaissance conventionnelle que nous lui substituons, cette réalité que nous risquerions fort de mourir sans avoir connue, et qui est tout simplement notre vie. » Marcel Proust, Le Temps Retrouvé

Na Biblioteca Central da Escamões, gostei de ouvir Pedro Tamen dissertar sobre a obra de Proust. Fê-lo com simplicidade e delicadeza, inventariando temas e falando das dificuldades que a obra coloca ao leitor (e ao tradutor).

Houve, no entanto, um detalhe que me fez regressar a um exercício anterior e interior: a arte redentora, a arte que nos redime do tempo. Confesso que, para mim, a arte (a literatura – a leitura e a escrita) é um pouco mais proustiana: ela permite-me suspender o tempo, metamorfosear-me; dissociar-me das convenções. Como a cobra, deitar fora a pele!

E é nessa metamorfose que ao matar (devorar) cronos, reencontro a realidade de que sou feito – a vida – e morro satisfeito.

PS: Claro que ninguém tem culpa de que, ao fim de tantos anos, eu continue a rejeitar a redenção. E já agora acrescento que, para mim, desde os anos 70, o Marcel, mesmo se amortalhado no seu leito de escrita, é um mestre da vida. O Pedro Tamen que me perdoe!

 

22.5.12

Ambiente de Aprendizagem Dinâmico Orientado a Objeto (AADOO)

Se fixámos facilmente o acrónimo MOODLE, correspondente a Modular Object 0riented Dynamic Learning Environment, porque é que não nos habituamos ao AADOO? Será assim tão difícil de pronunciar?

Nos últimos dias, tenho frequentado esse novo «ambiente de aprendizagem», mas vão-me crescendo algumas dúvidas sobre o tipo de dinâmica e, sobretudo, sobre a natureza da estratégia de intervenção dos participantes.

Por vezes, parece criar-se uma certa empatia com o formador e até com os temas em debate, sem, no entanto, deixar de pôr em causa os objetivos, as peias e a oportunidade da formação.

Este ambiente, apesar de poder parecer caloroso, pode tornar-se claustrofóbico. E quando isso acontece, desenvolvem-se movimentos de avanço e recuo sucessivos até que alguém pega o touro. E aí assiste-se a um relaxamento colectivo propício a novas cumplicidades e até a novas iras.

Seja como for, se fossemos consequentes poderíamos organizar de forma mais produtiva e, também, mais económica, os processos de aprendizagem, regulando-os de forma muito mais interativa.

 

20.5.12

Interior

Em ruínas. As colunas e os arcos impedem o desmoronamento por mais algum tempo. A luz, no entanto, insiste em quebrar a penumbra, mas, ao fazê-lo, expõe o bolor e a imundice.

O futuro aparece-me sob a forma de viagem. Todavia ao percorrer os mapas regresso sempre a lugares onde nunca estive. Por exemplo, Lagny-sur-Marne, a 28 quilómetros de Paris, onde nunca vivi com os meus pais. Partir é uma forma de regresso. E não sou apenas eu que penso deste modo: José Luís Peixoto escreve como se a única hipótese fosse aprisionar o tempo perdido – na aldeia, na emigração, na infância e na velhice - porque o resto do tempo é de desperdício.

Tabu de Miguel Gomes conta uma história num desses lugares onde nunca fomos, mas vemos como se lá tivéssemos estado. As personagens, a espaços, parecem sair da boca da «Senhora do Tempo Antigo» de Bernardim Ribeiro, ou, em alternativo de um filme anglo-saxónico ou australiano. Tudo jorra de uma colónia penal e acaba numa mistificação sobre a origem da guerra colonial. Tudo muito decadente! Gostei da Laura Soveral e da Teresa Madruga, talvez porque representassem personagens do José Luís Peixoto.

E a propósito de desperdício, estou sem palavras, gastei-as a negociar critérios de avaliação com quem olha, mas não vê, com quem ouve, mas não escuta; apenas bajula ou enche a burra…

 

18.5.12

Se eu fosse romancista

Li algures que «o romancista vai sempre além da realidade!»

Este é o tipo de afirmação que não consigo entender! O que é que pode haver para lá da realidade? Ou aquém da realidade?

Pensava eu que a grande frustração do romancista seria a consciência da impossibilidade de captar a realidade. E como exemplo, lembro o Poeta que procurou «ser tudo de todas as maneiras» e, ao fazê-lo, estilhaçou as leis do género, porque a verdade lhe escapou irremediavelmente. Pensava ele que teria escrito um «drama» em gente ou sem gente. Na verdade, o Poeta deixou-nos um romance, um lugar (uma arca) onde cabem todas as coisas desde que Platão inventou os diálogos socráticos.

Se eu fosse romancista viveria desesperado pois a realidade é tão múltipla que não saberia como a capturar. Mesmo Penélope desfazia, todas as manhãs, o seu bordado não porque fugisse do casamento com um dos zelosos e sanguíneos pretendentes (ou porque muito amasse o estouvado Ulisses), mas porque não sabia como entrelaçar as malhas que a prendiam à ambição e cobiça desmesurada dos que a cercavam.

Hoje é um desses dias em que não preciso de pensar no que está para além da realidade: Eu simplesmente sinto-me incapaz de a nomear.

 

17.5.12

A não ser a dita crise

A - "Durante os anos, os salários foram sendo melhorados e agora, sem razão alguma a não ser a dita crise, estão a tirar tudo aos trabalhadores: os subsídios de férias e de Natal e parte do ordenado", disse à Lusa Anabela Carvalheira, da Federação de Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS).

B – “Nenhuma intervenção externa age se não for percebida, interpretada e assimilada pelo próprio.” (Leonor Santos, Autoavaliação regulada: porquê, o quê e como?)

6000 professores, num momento decisivo para a conclusão da atividade escolar, seguem um rigoroso calendário de formação sem que se torne visível a relação próxima com o ato de classificar que gratuitamente terão de desempenhar nos meses de Junho e Julho, até porque outros milhares estarão, também, envolvidos na classificação de exames sem prévia formação. Sem esquecer que os professores, enquanto funcionários públicos, perdem os subsídios de férias e de Natal e parte do vencimento!

Na situação de crise prolongada, não posso deixar de pensar que o Governo anda distraído ao gastar recursos que não tem com ações de formação desajustadas no tempo e, sobretudo, que se enganou no destinatário. Esta ação deveria ser ministrada aos sindicalistas do metro (e não só), pois não conseguem interiorizar a crise e os seus efeitos sobre o povo português.

E já agora parece que ainda há muita gente com responsabilidade neste país que não entende que existe em Portugal uma intervenção externa (estrangeira), e que nestes momentos o oportunismo não deixa de fazer o seu caminho.

PS. Eu sou um dos 6000 privilegiados, mas que, hoje até às 10h30, não poderá apanhar o metro por causa dessa coisa estranha que é a crise!

 

15.5.12

O rei de Argos

O Dia é da Latinidade, o Dia Internacional dos Museus!

Na praça central do Museu de S. Miguel de Odrinhas, o espaço Ágora – local de eleição do Mundo Antigo – o Grupo de Teatro Thíasos do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra representou, hoje, “As Suplicantes”, de Ésquilo. O público, maioritariamente escolar, enfrentou um inimigo para o qual não estava preparado – o Sol intenso. Tal como As Suplicantes, uma boa parte dos jovens encetou uma fuga que acabou por os distrair da representação e, também, de certo modo, desconcentrar os atores. Claro que os jovens não fugiram para Argos nem compreenderam por que motivo As suplicantes recusavam casar com os primos, filhos de Egito, irmão de Danao.

De qualquer modo, esta viagem à obra de Ésquilo permitiu-me confirmar as sábias palavras de Jorge Silva Melo (Ésquilo, Teatro Completo, editorial estampa, 1975): «Este livro não é bem um livro: é apenas uma ruína.» Palavras que poderemos aplicar à Grécia atual: «Esta Grécia não é bem a Grécia: é apenas uma ruína.» Permitiu-me também confirmar pela tradução ensaiada que «ruíram as palavras de uma língua que ninguém fala.»

No entanto, o rei de Argos surgiu-me, pelo menos na tradução de Virgílio Martinho (1975), como uma consciência apolínea: “Já disse antes que nada posso fazer sem ouvir o povo, mesmo que tenha poder para tomar uma resolução. Não quero que um dia o povo me diga, se por acaso uma tal desgraça acontecesse: «Para honrares a uns estrangeiros, levaste a cidade à perdição.»

O povo de Argos acabou por votar o acolhimento d’As Suplicantes por unanimidade, apesar da ameaça de uma guerra que não era deles. Hoje, a Grécia decidiu voltar a ouvir o povo. E faz bem!

13.5.12

«O Crime de Aldeia Velha» pelo GTESC

Bernardo Santareno deixou-nos uma «aldeia» tão concentracionária que nela se move um Portugal inquisidor, sexista e endemoninhado. E nem uma igreja mais arejada pôde combater a histeria que, minuto a minuto, se apoderava das vozes das harpias!

A representação a que ontem assisti no Auditório Camões trouxe-me de volta as harpias da minha aldeia. E assim sendo só posso dar os parabéns ao coletivo do GTESC.

A aldeia, hoje global, mantém infelizmente as taras do passado. E neste tempo de crise profunda é cada vez mais fácil atear novas / velhas fogueiras!

Da luz às trevas, vai um passo bem pequeno!

 

11.5.12

O erro irreparável…

Paulo Freire (1995) propõe que mudemos a nossa atitude frente ao erro, considerando-o uma “forma provisória de saber”.

De tempos a tempos, surge um guru a proclamar a excelência do prazer, do sentimento e, mesmo, do erro. Em geral, proclama que nascemos desprovidos de disciplina e, sobretudo, de livre-arbítrio. No melhor dos casos, nascemos em graça. Nos restantes, filhos das trevas, caímos no erro do qual penosamente sairemos se acreditarmos num qualquer tipo de redenção.

Entrados na floresta, sem bússola ou GPS, rapidamente caímos em desespero, a não ser que, racionalmente, optemos por marcar o caminho percorrido ou por seguir o rasto de eventual pegada humana. Não consta que ninguém, em seu perfeito juízo, tenha decidido perder-se para que subitamente um mestre irrompesse detrás de uma qualquer moita para conduzir o discípulo pelos caminhos da indagação reflexiva sobre as causas do engano…

Em vez de ensinar o caminho direito, o guru prefere experimentar o discípulo, fazendo-o correr riscos para que ele se torne refém duma situação que acentua a fragilidade da condição humana, apontando o acesso à consciência como o resultado de quem conseguiu desenvencilhar-se da floresta de enganos pela mediação do guru, do sacerdote, do professor, do psicanalista…

Se o erro é inevitável, nada devemos, no entanto, fazer para que ele se instale, porque, na maioria dos casos, ele é irreparável.

 

9.5.12

A riqueza dos países

Com ou sem memória, à natureza basta que chova para que a seiva jorre, o que me faz pensar que se os neurónios andassem mais à chuva teríamos mais soluções para os problemas que nos afectam.

Na verdade, a riqueza dos países mede-se mais pela quantidade de precipitação do que pela inteligência dos homens. Afinal, sabemos bem que os nórdicos não prescindem do guarda-chuva ou da gabardine… e nós, os do sul, o que fazemos? 

 

5.5.12

Cravos

Omnipresentes desde Abril 74, os cravos tornaram-se objeto de manipulação laboratorial. Aparentemente, vão perdendo a genuinidade, apesar dos enxertos sofridos desde tempos imemoriais.

“Genuíno”, “natural”, “legítimo”, “sem mistura”, mais não são que noções que revelam a incapacidade de aceitar a mudança, e essa é permanente não, em si, mas porque os homens são mortais.

Uma boa parte dos nossos problemas tem origem na visão desfocada, na cópia de um tempo cristalizado.

E por isso é necessário deixar morrer o que há muito está morto: a falência é um imperativo!  

 

 

 

1.5.12

Persistência

I - Até correu bem, a ida ao teatro. No geral, os alunos souberam respeitar o trabalho dos atores. O grupo A Barraca representou com sobriedade a peça de Luís Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar! O encenador privilegiou a palavra, em detrimento dos efeitos sonoros e visuais que, de certo modo, o texto dramático autoriza.

Em palco, para além do círculo da regência, multiplicaram-se os sinais do Estado Novo: figuras dúbias de gabardine e óculos escuros… E Matilde, esposa extremosa do General Gomes Freire de Andrade, cujos afetos hostilizam o desespero do povo, acaba por se consciencializar de que a esperança reside naqueles que conseguem ver para além das cinzas…

II – Maio surgiu, descontínuo e sombrio. No entanto, as amendoeiras e as nespereiras prometem colheita farta. As oliveiras e as vinhas, em flor… Longe, a retórica farta esgota-se em argumentos primários, incapaz de criar um posto de trabalho… A chuva ainda não desistiu de nós!

 

29.4.12

Cabeleira vs. Gomes

TRABALHO DE PROJETO
Literacia de Escrita
em Candidatos de RVCC
Maria José Alves Ferreira
CICLO DE ESTUDOS CONDUCENTE AO GRAU DE MESTRADO
EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
Área de especialização em Formação de Adultos
2011

«No segundo ano de estágio, por razões diversas, o grupo ficou reduzido a dois elementos, eu e o meu colega Rui Ferreira, tendo tido como orientador de estágio o professor Manuel Gomes Cabeleira, o nosso delegado de grupo. Este foi um grupo que, na minha perspetiva, funcionou muito bem, pelo clima caloroso de entreajuda e de partilha.»

«Quanto ao nosso orientador de estágio, quero deixar aqui uma palavra de apreço e reconhecimento pelo seu apoio e pela disponibilidade que sempre manifestou em todo o processo. A sua orientação competente e empenhada foi um contributo precioso para o meu desenvolvimento, tanto a nível profissional como a nível pessoal. Foram extremamente valiosos os seminários que dinamizou, eles me permitiram conhecer melhor todas as potencialidades que estavam ao meu alcance no sentido de um trabalho mais rigoroso e consciente.» (1991/1992, Santa Maria –Sintra)

- Obrigado, Maria José Alves Ferreira!

 

27.4.12

Arte ou depressão?


A ordem dos termos pode ser arbitrária? Ou será que tudo parte da dor? E se assim for, a dor pode ser convertida em flor e dar fruto, e nesse caso a mulher leva a palma, deixando ao homem o rasto destruidor, a não ser que o artista nele se abra…

 

24.4.12

A raiz do fascismo é a estupidez

O filósofo holandês, Rob Riemen, de visita a Lisboa, “agradece” aos portugueses termos mandado Bento de Espinosa para a Holanda para lhes ensinar que «a essência da liberdade não é teres o que queres; é usares o cérebro para te tornares num ser humano bem-pensante.» E por outro lado, Rob Riemen recorda-nos as palavras de Frederico Fellini sobre as causas do fascismo: «Eu sei o que é o fascismo, eu vivi-o, e posso dizer-vos que a raiz do fascismo é a estupidez. Todos temos um lado estúpido, frustrado, provinciano. Para alterar o rumo político, temos de encontrar a estupidez em nós.»

Nestes dias, a celebração da liberdade tornou-se um modo de esconder a estupidez que nos mina e de abrir as portas ao fascismo, sempre patrioteiro e pronto a inventar novas fronteiras.

 

20.4.12

Na hora de S. Boaventura

(…) O presente é aquilo que pode ser imediatamente experimentado, o passado é o que pode ser rememorado, e o futuro é a incógnita que talvez ocorra algum dia. Norbert Elias, Sobre O Tempo, 65-66, Zahar, 1998

Se olharmos, de perto ou de longe, para o que se passa nas salas de aula, não será difícil entender que o que interessa a muitos jovens de hoje são as anedotas rasteiras, as pequenas intrigas, os trapinhos, as palavras brejeiras, o verniz e o batom, os esgares narcísicos, tudo de forma impontual, sonolenta e entediada… (Sopra um ar de decadência em tudo isto!)

Embora possa parecer que o melhor será abandonar a sala e deixar o barco à sua sorte, creio que o caminho está em desenhar um percurso que, combatendo a vacuidade do presente, ajude a construir a memória textual, através da leitura, da descoberta das grandes questões colocadas pelo texto, da releitura e… sobretudo da produção de sínteses, de novas sínteses, de sínteses escritas de grau superior. Nada de resumos! Nada de textos de apoio! Só exegese e muita lexicologia…

Mesmo que o futuro seja uma incógnita, a sua abordagem pode ser diferente para melhor, tal como a Ventura pode ser má ou boa…

E tudo sem seguir, na íntegra a lição de S. Boaventura:  "Não basta a leitura sem a unção, não basta a especulação sem a devoção, não basta a pesquisa sem maravilhar-se; não basta a circunspeção sem o júbilo, o trabalho sem a piedade, a ciência sem a caridade, a inteligência sem a humanidade, o estudo sem a graça.”

 

17.4.12

A ser verdade…

A ser verdade, de nada serve a frustração de ver tantos jovens de 15 e 16 anos a desperdiçarem tempo nas salas de aulas. Isto para não falar dos “falsos” adultos!

Na obra Sobre o Tempo (14, Zahar) Norbert Elias é taxativo:” ao crescer (…) toda a criança vai-se familiarizando com o “tempo” como símbolo de uma instituição social cujo caráter coercitivo ela experimenta desde cedo. Se, no decorrer de seus primeiros dez anos de vida, ela não aprender a desenvolver um sistema de autodisciplina conforme a essa instituição, se não aprender a se portar e a modelar a sua sensibilidade em função do tempo, ser-lhe-á muito difícil, se não impossível, desempenhar um papel de um adulto no seio dessa sociedade.»

 

14.4.12

Estranha forma de acordar

Esta madrugada a chuva era tão intensa que a minha mente, vá lá saber-se porquê, me martelava os versos de Camões: «Chove nela graça tanta / que dá graça à fermosura»

E ia pensando se aquela chuva ainda poderia ressarcir esta terra dos danos que todos os dias lhe acrescentamos, enquanto Platão me acenava que aquele precipitado me poderia servir para explicar a importância dos seus arquétipos.

Ao levantar-me, não posso deixar de pensar nesta estranha forma de acordar em que a teoria platónica entrou pela garganta de Camões dando forma a uma explicação nada ortodoxa e, de certa forma, anacrónica.

Mas que a chuva caía, caía! E sem tropeçar!

 

12.4.12

Este caminho…

Este caminho só tem um sentido! De nada serve olhar à direita e à esquerda, quando ficamos sós…

Atrás, na encruzilhada, ainda podíamos hesitar ou mesmo inverter a marcha…Agora, os rostos que nos fitam já não veem senão uma nódoa escura!

Os pés calcam a terra, mas o rasto esboroa-se, apesar da lama…

 

11.4.12

O fio…

O fio, independentemente da matéria constituinte, quando mal manejado, acaba por quebrar. (…)

O voluntarismo é mau conselheiro porque incapaz de distinguir o bem comum do bem particular. (…)

A dispersão mata o rumo. (…) O acaso mora numa rua por nomear.

Da navalha, enxergo a lâmina por afiar…e, sem mais, recuso dizer o que estou a pensar… pois não quero mais incomodar…

 

10.4.12

Rasquera votou… E agora?

La pregunta a la que tenían que responder los rasqueranos es "¿Estáis de acuerdo con el plan anticrisis aprobado por el Ayuntamiento de Rasquera en sesión plenaria del 29 de febrero?", y del resultado que se obtenga hoy no solo dependía la continuidad del proyecto, sino también la del propio gobierno municipal, que anunció que dimitiría en bloque si la consulta no obtenía el 75% de los votos favorables.

Rasquera (Tarragona), 10 abr.- El 56,3 por ciento de los participantes en el referendo celebrado hoy en Rasquera han votado a favor del plan anticrisis aprobado por el plenario municipal el pasado 29 de febrero y que incluye una plantación de cannabis, por lo que el alcalde medita si presentará su dimisión.

Irá o alcaide cumprir com o prometido?

8.4.12

Mais um dia…

Mais um dia sem ressurreição! A Páscoa já não é feliz, se alguma vez o foi, neste tempo de ruínas insepultas…

Amanhã, os jogos florais regressam: palavras vãs evocarão palavras perdidas; cores várias disfarçarão fendas insuportáveis…e as flores de maio desabrocharão avessas ao compadrio…

 

4.4.12

O dragão

Do rosto da 1ª edição das obras completas de Gil Vicente (1562) para o rosto da Selecta Literária (1959), organizada por Júlio Martins e Jaime da Mota – Ensino Liceal /2º Ciclo / volume II / 4º e 5º anos _ o dragão, rosto do Livro dos Seres Imaginários de José Luis Borges, persegue-me…

Aos 15 anos, um aluno do ensino liceal conhecia muito mais autores portugueses que, hoje, um mestre de Bolonha! E não faltavam autores do século XX: Eugénio de Castro, Camilo Pessanha, D. João da Câmara, Augusto Gil, António Sardinha, Júlio Dantas, Teixeira de Pascoaes, Florbela Espanca, A. Lopes Vieira, Fernando Pessoa, Sá-Carneiro, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, José Régio, Miguel Torga, Sebastião da Gama.

De qualquer modo, parece que com a passagem do tempo tudo se simplifica: Já em 1959, alguém se tinha esquecido da Esfera Armilar e da Cruz de Cristo.

Por outro lado, parece que, no século XVI, o dragão era emblema imperial, seguindo a lição oriental e não a ocidental…

E hoje?

 

31.3.12

Por onde andam os portugueses

Pena é que os governantes sejam tão pequenos!

Percorri 200 Km e não encontrei 200 portugueses. Entretanto, parece que 200.000 desciam a Avenida da Liberdade… Mais valera que tivessem optado pelo grande lago – o Alqueva!

 

 

30.3.12

Registo


Um pequeno desvio à entrada de Rosário (Alandroal), e no meio de uma moita, vislumbramos quatro ou cinco sepulturas medievais.

Pelo abandono do terreno, é fácil adivinhar que outra história ali se esconde.
A presença destas sepulturas desperta em mim a ideia da voracidade tempo, fazendo-me sentir o quanto este registo é inútil.

 

29.3.12

Camping Rosário – Alandroal

Quando a água alaga a terra, as árvores é que sofrem! Provavelmente, o Alqueva exige uma florestação diferente da mediterrânica… Pelo menos, na zona de Rosário (Alandroal). Percebe-se o fascínio pela oliveira, mas o critério de plantação de árvores não deve ser apenas económico.

No Camping Rosário (2002-2012), Irene e Ernst Hendriksen recebem tão bem que, à chegada, oferecem um CD com um «mix de música tradicional e contemporânea Portuguesa». Não há dúvida, ainda temos muito a aprender!

 

27.3.12

A “estátua sensível” de Condillac…

«Que na consciência da estátua haja um único cheiro e teremos a atenção; que perdure um cheiro quando cessou o estímulo e teremos a memória; que uma impressão atual e outra do passado ocupem a atenção da estátua e teremos a comparação; que a estátua perceba analogias e diferenças e teremos o juízo; que a comparação e o juízo ocorram de novo e teremos a reflexão; que uma recordação agradável seja mais viva do que uma impressão desagradável e teremos a imaginação.» Jorge Luis Borges, Dois Animais MetafísicosO Livro dos Seres Imaginários.

A rainha que trocou o pão (as moedas) por rosas antes de ser estátua era sensível! E a ideia da troca só pode ter surgido porque já experimentara o desagrado do seu senhor, o que me leva a concluir que uma dor também pode desencadear a imaginação de um povo…

 

 

25.3.12

As cores do tempo

A maior dificuldade do filósofo é definir o tempo. As palavras perdem o sentido, cristalizam e o tempo flui, avesso ao discurso verbal.

No entanto, por instantes, o tempo deixa-se ficar na cor do telha, da madeira, do ferro, da pedra, da ideia republicana, do olhar embevecido – em árvores outonais do príncipe real.

 

24.3.12

Oiço…

Oiço, como se o cheiro / De flores me acordasse…/ É música – um canteiro / De influência e disfarce. Fernando Pessoa

 

Explicam-me os alunos que os testes não correram bem, mas que sabem quanto valem, que, afinal, considerando o objetivo, a nota que lhes atribuo é injusta. E devem ter razão!

A ameixeira floresce, indiferente à seca, e não se queixa se a não escoro. O poeta verseja, ciente de que no mundo tudo é «influência e disfarce». 

Afinal, que resposta devo dar a estas ‘almas’ injustiçadas? Ou devo considerar que há exigências que não merecem resposta?

Já agora concluo a citação:

Impalpável lembrança, / Sorriso de ninguém, /Com aquela esperança / Que nem esperança tem… // Que importa, se sentir/ É não se conhecer? / Oiço, e sinto sorrir/ O que em mim nada quer.

 

22.3.12

Um profissional aplicado!

Habitualmente, não comento a ação das forças da ordem. Nesta situação, porém, não posso deixar de salientar a amplitude e a virilidade do movimento. Acossado e perseguidor revelam saber bem o que querem.

E ainda há quem nos acuse de abulia!

 

Recortes da nossa história

António Vieira, José Rodrigues Miguéis e Rómulo de Carvalho nasceram todos no mesmo bairro, à sombra de Santo António!

No entanto, olhando mais de perto, é possível enxergar um intruso. Quem será?

 

18.3.12

Chamados a capítulo

«Estas são as justiças visíveis.» José Saramago, Memorial do Convento, cap. XVI.

Com este curto período, o narrador resume o parágrafo anterior, aquele em que, intertextualmente, mergulhara no sermão do Padre António Vieira para expor que no século em curso (da história e do discurso) o dinheiro é a causa maior da injustiça visível.

«Das invisíveis, o menos que se poderia dizer é que são cegas e desastradas, como ficou definitivamente demonstrado naufragando o barco em que vinham de caçar na outra banda do Tejo o infante D. Francisco e o infante D. Miguel, ambos manos de el-rei, deu-lhes uma rajada de vento sem avisar e virou-lhes a vela, caso foi ele que morreu afogado D. Miguel e se salvou D. Francisco, quando honrada justiça seria o contrário, conhecidas como são as maldades deste, desencaminhar a rainha, cobiçar o trono d’el-rei, dar tiros em marinheiros, ao passo que do outro não constam, ou são de somenos. Porém, não devemos julgar com leviandade, quem sabe se não pagou D. Miguel com a vida ter andado a cornear o mestre da barca ou a enganar-lhe a filha, a história das famílias reais está cheia destas ações.» José Saramago, Memorial do Convento, cap. XVI.

De anáfora em catáfora, a ordem dos termos inverte-se como se na família real todos merecessem o mesmo castigo, pois os crimes públicos e privados equivalem-se. Em termos de técnica narrativa, o modo como Saramago utiliza a vírgula serve para, de uma pincelada, resumir o que a História branqueara, mas que a Literatura registara e, em particular, para nivelar os atos da família real. O próprio léxico, ao alternar o registo literário e técnico com o calão, mostra que aquelas altezas eram postiças.

Em conclusão, este narrador para nos iniciar na outra História, necessita de narrar, descrever, comentar e, principalmente, resumir, recapitular… chamar-nos a capítulo, como se fossemos cónegos ou rosas-cruzes.

 

 

 

16.3.12

Pecados capitais

(As ideologias, os temas, o discurso; a paródia, a carnavalização, a intertextualidade…)

Na capital do reino (ou da república), a gula de uns tantos devora os restantes: «é uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro, não havendo, portanto, mediano termo entre a papada pletórica e o pescoço engelhado». (Implícitas fluem a ideologia e a retórica do Sentimento dum Ocidental de Cesário Verde.)

«Porém, a Quaresma, como o sol, quando nasce, é para todos.» (José Saramago, Memorial do Convento, cap. III)

Quando se esperava que a abstinência fosse respeitada por ricos e pobres, o narrador descreve-nos uma «procissão de penitência» que, em vez de redimir dos excessos do Entrudo, escancara a lascívia dos penitentes em poses sadomasoquistas prometedoras de futuras orgias com as histéricas espectadoras de janela e varandim – «que Deus não tem nada que ver com isto, é tudo coisa de fornicação».

A «procissão de penitência» não cumpre os ditames de Deus e da Igreja, e o tempo é de hipocrisia e de mentira: senhoras e criadas, cúmplices na satisfação da carne adúltera, enxameiam igrejasconfessionários e lugares escusos, deixando «em casa uns tantos maridos cucos», destino a que nem D. João V terá escapado: «D. Maria Ana, como razões acrescentadas de recato, tem a mais maníaca devoção com que foi educada na Áustria, e a cumplicidade que deu ao artifício franciscano, assim mostrando ou dando a entender que a criança é tão filha do rei de Portugal como do próprio Deus, a troco de um convento.»

Perante a mentira colossal que corrói a realeza, a igreja e o próprio povo, o narrador termina o discurso, revoltado, não contra Deus, mas contra os homens: «talvez se nos calássemos todos». E entre estes homens, estamos nós em qualquer século em que sejamos…

 

 

 

 

 

 

 

15.3.12

O aeróstato e o ponto de vista

Uma imagem com interior, quadro, arte, mulher

Os conteúdos gerados por IA poderão estar incorretos.

Na verdade, o padre Bartolomeu Lourenço inventou o aeróstato, apresentando-o com sucesso, e para estupefação da corte de D. João V, no dia 8 de Agosto de 1709. E essa novidade foi decisiva não só para o desenvolvimento da aeronáutica, mas, sobretudo, para a deslocação do ponto de vista na narrativa. (Seria interessante, analisar o modo como a ciência e a tecnologia servem o projeto de escrita de José Saramago.)

Basta ver como Saramago, consciente do contributo daquele invento, nos faz viajar sobre Portugal no Memorial do Convento, capítulo XIX: «Muito melhor veríamos, e muito mais, se olhássemos de alto, por exemplo, pairando na máquina voadora sobre este lugar de Mafra (…) não há melhor miradouro que este onde estamos, não faríamos ideia da grandeza da obra se o padre Bartolomeu Lourenço não tivesse inventado a passarola». (E toda a panorâmica aérea nos é dada, como se fosse um grande plano, num único período.)

No essencial, Saramago, ao deslocar da terra para o espaço aéreo o ponto de vista, constrói uma representação da excentricidade e megalomania reais a que o homem coevo da edificação do convento não teve acesso, o que sobrepõe de forma magistral o plano do discurso ao plano da história.

A leitura desta obra pressupõe, assim, o desenvolvimento da competência de análise da ideologia do narrador que, a cada passo, parodia a História oficial, seja do século XVIII seja do século XX.

PS: Se aqui registo estas palavras é porque considero que, nas nossas escolas, a leitura da obra de Saramago está a ser vítima de uma enorme mistificação que acabará por condenar o autor ao esquecimento. É só uma questão de tempo. Veja-se por onde andam Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro, Miguel Torga, Agustina Bessa Luís…

 

 

14.3.12

A Torre do Prior do Ameal (de António Nobre)

Literariamente, esta torre é conhecida por Torre d’Anto porque aqui viveu, durante uma semana, no outono de 1890, o «ermitão da Saudade» – António Nobre – que, chegado a Paris, se metamorfoseou no «pobre lusíada, coitado.»

A Torre alberga atualmente a Casa do Artesanato ou Núcleo Museológico da Memória da Escrita de Coimbra.

 

11.3.12

Alguma cor…

Em tempo de depressão, de seca e de irracionalidade política, este fim de semana, encontrei alguma cor em Coimbra. E também descobri uma SCUT – a A19 – sem vivalma!  dois pórticos: 1,15 €)

 

10.3.12

Se Pedro e Inês…

Se Pedro e Inês voltassem à Quinta das Lágrimas talvez jogassem golf, deitando por terra o mito inesiano.

Terra de dor, não tivesse ela pertencido à Rainha Santa Isabel, assistiu ao fulgor e ao terror de Inês, mas parece ter esquecido o sofrimento do Poeta que a eternizou.

Não tivesse o Poeta, ali, suportado a vingança de um marido e pai ciumento, e dificilmente teria escrito «Estavas linda Inês posta em sossego…»

Por isso mais do que o Lírico, é o Épico que por si chora nas páginas de Os Lusíadas e, deste modo, se vinga dos poderosos deste mundo.

E assim se compreende que lhe tenham saqueado a biografia…

PS: Entrar nos Jardins da Quinta das Lágrimas tem um preço: 2 €.

 

8.3.12

Algures no infinito…

Entre 1955 e 1973, Jorge Luís Borges foi diretor da Biblioteca Publica de Buenos Aires, situada durante um certo tempo na calle México. E foi lá que ele “perdeu” “El Libro de Arena” cuja posse se revelara um pesadelo, pois «el mejor lugar para ocultar una hoja es un bosque».

A estória do livro sem princípio nem fim (como se de areia se tratasse) acompanha-me enquanto, finalmente, cumpro o habitual circuito pedestre. Só que o infinito surge-me como uma ideia doce. O que me pesa é o finito! Nem a possibilidade de estar à deriva me agita. Pensar em Deus tranquiliza, porque estou certo de que ele, ao encontrar-se algures no infinito, não está preocupado comigo… Eu não passo de uma folha perdida no bosque!

Tudo o que é finito me assusta. Se tenho de classificar 25 provas, entro em depressão: o número limitado de perguntas sufoca-me; o número previsível de erros assusta-me. Vou ter de acabar a tarefa, sabendo que, amanhã, continuo refém.

De certo modo, estou a aprender que era melhor que a dívida portuguesa fosse infinita. Passos Coelho, ao convencer-nos que as folhas do livro da dívida são quantificáveis, deixa-nos à míngua e torna-nos cativos de nós próprios…

Afinal, Sócrates sabia do que falava. Provavelmente, algum assessor tinha lido El Libro de Arena de Borges e, em particular, a estória Utopia de un hombre que esta cansado.

 

6.3.12

Ao Sol!

Prédios de doze andares, em espinha, e, no intervalo, uma nesga de Tejo azul. Para lá do rio, a terra acastanhada sob um céu cerúleo, mas acastelado de falsas promessas de chuva.

Os automóveis e os camiões, alheados, continuam a rolar, longe dos profetas da desgraça… e o rumor da ponte por amortizar ensurdece-me.

Claro que, talvez, pudesse referir-me ao Álvaro e ao Gaspar – à Economia e às Finanças –, mas ainda estou longe de perceber se prefiro a familiaridade do primeiro se a nobreza do segundo. É que, para mim, quase tudo se esgota nas formas de tratamento!

Por isso vou continuar a fitar o Sol antes que ele se apague, ou, melhor, antes que os meus olhos se despeçam da língua de água que espreita por entre as torres que me cercam.

 

4.3.12

Quási…

«Um pouco mais de sol – e fora brasa, / um pouco mais de azul – e fora além.», Mário de Sá-Carneiro

Um pouco mais… e não teria gastado o fim de semana a classificar ‘testes intermédios’!

- Afinal, o que é que me faltou? O golpe d’asa?

- Não, o rio, porque esse com mais ou menos azul continua perto, sem, no entanto, me levar ao mar…

(Ainda a ilusão de poder ser útil!)

 

3.3.12

Por aqui, tudo na mesma!

A dívida continua a crescer (e o peixe recusa-se a morrer!). Não há emprego e os velhos insistem em falecer.

Há quem diga que a culpa é da gripe e do frio! O argumento até parece adequado, mas não cola…

Quebrado o aquário até o peixe morre. A culpa é do bonequeiro que é cego e prosélito informático.

De posse da tramoia, o invisível bonequeiro maneja-nos como bonifrates descartáveis.

O resto é mistificação!

 

1.3.12

A cor da chuva…

Se a cor identifica e agrega, se a cor interdita ou autoriza, no caso da chuva, a cinza, que a acompanha, alegra.

Agora, sim, a cor é de cinza, com ou sem Quaresma!

 

27.2.12

Comentar…

Não sei se vale a pena responder a comentários, sejam apreciativos ou depreciativos. Em geral, um comentário serve para explicitar a substância e não para enfatizar o acessório.

Na foto desaparecida, nós vemos a flor da amendoeira que, certamente, procuraremos adjetivar. No entanto, à volta das corolas, atarefam-se as abelhas…

… e claro, na colmeia há sempre um zângão!

 

25.2.12

O caminho da água

Eram dois os caminhos, mas o da ponte era o preferido. A clausura da estrutura assustava-me menos que a espessura da muralha escalabitana. Durante duas horas, a camioneta da carreira percorria pachorrentamente os campos alagados – os da Páscoa chegavam a ser deslumbrantes! O Tejo desmedido embalava-me na ida e no regresso. Durante três meses, sonhava com aquele caminho – o caminho da água.

Hoje, voltei a atravessar a ponte, mas do Tejo só vislumbrei bancos de areia, e senti-me mais só do que naqueles meses em que, outrora, vivia cercado pelas muralhas fernandinas.

 

23.2.12

«Numa rua perto (…) Não correu mais sangue.»

«(…) esperou que Baltasar terminasse para se servir da colher dele, era como se calada estivesse respondendo a outra pergunta, Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste homem, fazendo seu o que era teu, agora tornando a ser teu o que foi dele, e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do meu, e como Blimunda já tinha dito que sim antes de perguntada, Então declaro-vos casados.» José Saramago, Memorial do Convento, pág. 56, 16ª edição

 

22.2.12

Um tempo pobre…

Ao lado, um casebre em degradação no casco da vila. Por detrás, as muralhas, parte delas, em ruínas…

O arco, abandonado à sorte da natureza, esconde-se, envergonhado da nossa inépcia.

É essa inépcia que explica o nosso cativeiro!

 

 

 

20.2.12

São mil os passos perdidos…

«Al fin y al cabo, al recordarse, no hay persona que no se encuentre consigo mesma.» Jorge Luis Borges, El OtroEl Libro de Arena.


No que me diz respeito, o princípio não se aplica, pois por mais que me esforce, não consigo lembrar-me das onze mil virgens mártires, às mãos dos Hunos, nem vejo por que motivo alguém se lembrou de as enterrar na igreja do franciscano Santo António, em Alcácer do Sal.

E quanto a Átila (385-453), rei dos Hunos, também já esqueci a sua crueldade que, ainda antes de ter nascido, teria degolado Úrsula, na cidade de Colónia, no dia 21 de outubro de 383. O mais interessante é que nesta cidade, uma igreja guarda o túmulo de Santa Úrsula e das suas onze companheiras.

Sempre que recordo o passado, acabo por me desencontrar e, simultaneamente, perceber que a escrita é um lugar de perdição. Neste caso, são mil os passos perdidos… ou talvez, uma dúzia de virgens perdidas!

 

19.2.12

Embora não pareça…

Embora não pareça, o aprumo de nada lhe serve: os ramos murcharam e as pinhas secaram.

Em torno, o verde ainda desponta, mas a seca não perdoa.

Longe dos caminhos, continuam a desfilar as máscaras, indiferentes ao incêndio que alastra.

 

18.2.12

Ao entardecer…

O arame farpado bloqueou-me a voragem…

Entretanto, concluo a leitura da enciclopédia ficcional de Roberto Bolaño, A Literatura nazi nas américas, e fico a pensar na excentricidade, na megalomania, na violência e na irracionalidade daqueles monstros que povoam o continente americano, e cujas raízes ora se escondem ora se revelam na europa…

E claro, o plágio é tão comum que, a páginas tantas (125), acabei por chocar com «o Pessoa bizarro das Caraíbas», cuja morte o encontrou «a trabalhar na obra póstuma dos seus heterónimos.» (Max von Hauptmann)

(De facto, Roberto Bolaño convida-nos à voragem do entardecer!)

 

17.2.12

Os monstros…

Os sinais da doença que mina a sociedade portuguesa estão escancarados nas páginas dos jornais e nas televisões. Parece que, repentinamente, os monstros ganharam visibilidade sem qualquer justificação.

Ninguém arrisca uma explicação, ninguém assume a responsabilidade! No entanto, basta entrar numa sala de aula, do ensino elementar ao superior, para perceber que a cultura dominante é laxista: conversas laterais, posturas incorretas, palavras indelicadas, unhas a ser pintadas, lábios secos a necessitar de bâton de cieiro, telemóveis ligados, gorros que escondem headphones; trabalhos por fazer, desinteresse pelas matérias, permanente desatenção, manuais fechados ou esquecidos nos cacifos; falta de respeito por colegas, funcionários e professores. Frequentemente, na sala ao lado, o ruído é tão ensurdecedor … que as palavras que sobram revelam uma fonte anónima e dolorosa.

Claro que há quem defenda que tudo se resolve recorrendo à motivação, de preferência infantil ou, em alternativa, boçal. Talvez, o Carnaval ajude a libertar os demónios!

Com mais de um milhão de desempregados é criminoso manter esta cultura escolar, sobretudo, porque ela só gera mais desemprego, mais crime e mais monstros… E estes não necessitam de chegar a adultos para começar a destruir!

E também não necessitamos de governança porque esta procura o pacto: isto é, estar de bem com Deus e com o Diabo!

 

11.2.12

Citação e paródia

Gustavo Borda (Guatemala, 1954-Los Angeles, 2016) respondeu um dia a quem lhe reprovava a inclinação germânica: «Fizeram-me tantas crueldades, cuspiram-me tanto, enganaram-me tantas vezes que a única maneira de continuar a viver e continuar a escrever era transferir-me em espírito para um sítio ideal…» Ora, na paródia do chileno Roberto Bolaño, esse lugar ideal é a Alemanha nazi.

Se cito, aqui, A Literatura nazi nas Américas, ed. Quetzal, é porque o complexo de inferioridade portuguesa cresce à medida que o número de políticos e comentadores germanófilos aumenta. Os sinais da bota estão por todo o lado… e da democracia à ditadura vai um passo por enquanto enluvado…

A paródia recria os sinais, invertendo-os, mas não os faz desaparecer. Rimos, mas apetece chorar! A comédia alegra-nos, mas o que nos espera é a tragédia.

Roberto Bolaño (1953-2003) viveu exilado desde o início da ditadura de Pinochet, primeiro no México, depois nos Estados Unidos, para, finalmente, se instalar em Espanha. Internacionaliza-se com Os Detetives Selvagens, obra marcada pelo romance Paradiso do cubano Jose Lezama Lima. Em 1996, publica Literatura Nazi en America, novela escrita como se fosse um dicionário de autores admiradores e defensores do nazismo… As criaturas impressionam pelo seu realismo e respetiva loucura!

Para compreender este tipo de escrita (paródia) vale a pena ler: Vidas Imaginárias de Marcel Schwob; Spoon River Anthology de Edgar Lee Masters; Manual de Zoologia Fantástica de Borges ou A História Universal da Infâmia, também, de Borges.

As criaturas de Bolaño são mesmo infames porque vivem connosco e nós não as vemos e por isso vale a pena seguir o destino das personagens saídas do inferno do nosso destrambelhamento… da nossa inferioridade.

 

7.2.12

Se até um dente nos pode deixar gregos…

Para quê queixarmo-nos dos credores se até um dente (nosso!) nos pode dar cabo do juízo!

No meu caso, a solução foi simples: uma ablação dolorosa quanto baste. Efeito hemorrágico de sabor desagradável nas horas imediatas, porém compensado por gelado bem fresquinho que o frio vai de feição!

Claro que, na minha idade, já não estou para namoros com odontologistas e quejandos e por isso sou pela extração rápida, se possível.

Chegado aqui, só me resta recomendar aos gregos, muito mais antigos do que eu, que procedam à ablação de qualquer credor que os atormente antes que se faça tarde… até porque as alternativas são muito caras e minam lentamente o humor e a saúde do paciente.

 

5.2.12

A rede

Diariamente, a rede mostra a sua força, se colocada ao serviço do crime. Veja-se o que tem acontecido em Salvador da Bahia – 82 mortos, pelo menos. Tudo porque a polícia decidiu fazer greve!

O Brasil não é exceção, é proximidade. A Síria, por seu lado, mais distante, continua a chacinar os cidadãos que contestam a ditadura, mesmo se em nome de qualquer outra ditadura.

‘Distância’ e ‘proximidade’ exprimem, aqui afetos ou desafetos, e não lugares!

Ser homem pressupõe a rede neurológica. Ser humano exige a rede social; infelizmente, o crime, também, só é possível em rede!

Desde sempre, a rede esconde o seu modus operandi, gerando heróis do bem e do mal.

Para entendermos a rede, necessitamos de deitar abaixo os pedestais.

 

31.1.12

A transumância, em tempo frio e seco…

Quando um funcionário cria uma plataforma digital para registo (e gestão?) da avaliação do desempenho docente e lhe é, simultaneamente, conferida competência para interpretar o quadro legislativo regulamentar, corremos o risco de meter no mesmo saco quem coordena todo o processo de avaliação e avaliados.

Vem isto a propósito da impossibilidade de atribuição das menções qualitativas de excelente e de muito bom aos membros designados pelo conselho pedagógico para constituírem as comissões coordenadores de avaliação de desempenho docente. Pensar-se-ia que essa escolha resultaria do mérito dos designados para a tarefa e que competiria ao referido órgão, concluído o processo, avaliar se, efetivamente, tinham desempenhado a função com isenção e rigor.

Mas não! Qualquer diretor, ao submeter a avaliação por si determinada, depois de ouvido o departamento de cada um dos docentes em causa, e não o conselho pedagógico, vê-se confrontado com a proibição de não poder ir além da menção de bom, caso o professor (membro da CCADD) não tenha requerido aulas observadas pelo mesmo diretor.

Em dois anos, o ministério da educação não foi capaz de compreender a incongruência de aplicar o mesmo critério a situações distintas. Hoje acaba um processo de avaliação insustentável!

Pelo menos, para e por mim!

(De qualquer modo, esta minha crítica não faz muito sentido, pois há muito que conheço a qualidade do informático e, sobretudo, a sua capacidade de vender maçãs podres aos amigos, sejam eles de sindicato ou de partido.) 

 

28.1.12

Os símbolos

Antes era cerração, depois esplendor; agora é só bruma! De repente, os credores ficaram com pressa!

E nós, que fazemos? Matamos os símbolos, em nome da produtividade. Mas, de verdade, o que se passa é que os credores detestam palavras como “independência”, “liberdade”, “república”, “democracia” …

E nós, fazemos-lhes a vontade!

 

24.1.12

Falta de visão…

O euro da periferia vale cada vez menos porque o país faz apostas erradas há mais de 30 anos, designadamente na vertente educativa. Voltámos as costas ao Atlântico, abraçámos sofregamente o euro, sem qualquer interiorização da identidade europeia. Turistas apressados, eliminámos a fronteira, caindo de chofre nos braços dos credores.

A falta de cultura europeia impede-nos de dialogar, olhos nos olhos, com os dirigentes europeus, e, mais grave, impede-nos de desenhar um sistema educativo transnacional capaz de nos tornar parceiros e não pedintes…

As apostas de Crato são empobrecedoras porque visam recriar um nacionalismo bacoco imbuído de rigor positivista e, sobretudo, porque a escola pública programa a desigualdade entre os portugueses… A Crato falta visão europeísta e sem ela qualquer revisão curricular não passará de um ersatz…

 

22.1.12

O silêncio

Há dias tão longos, tão pesados que o melhor é matar-lhes a palavra!

Há palavras tão nuas, tão cruéis que o melhor é calá-las!

 

 

16.1.12

O escritor e o sátiro

Rui Zink foi à Escola Secundária de Camões, no âmbito da Semana das Profissões, falar sobre o prazer de escrever e sobre a precariedade do ofício da escrita. Explicou que escrever é um ato que exige cultura, talento, técnica, persistência e, sobretudo, vontade de desmontar os mecanismos de manipulação das consciências.  Soube escolher os exemplos, adequando-os e explicando-os a um público pouco familiarizado com a profissão de escritor, mas que soube entender o tom satírico, e terá registado a sugestão de leitura dos novos autores portugueses: Hugo Valter Mãe, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares, Dulce Maria Cardoso…

Da construção do discurso oral sobressaiu a capacidade de associar dados distantes e insólitos desencadeadores do sorriso dos interlocutores, reforçando a ideia de que o riso é a melhor resposta à crise que nos é imposta.

No entanto, por detrás do tom jocoso e lúdico, foi possível notar o desencanto de quem sente que os portugueses continuam a reconhecer em Rui Zink não o escritor, mas o sátiro.

 

14.1.12

A cinza!

É apenas uma rua sem princípio nem fim, dois ou três portais alçados; por eles sobem (ou descem?) três irmãs declinadas, e desde sempre enlutadas…

Perdidas as três irmãs, ficaram-me, indistintos, vários atalhos… e uma rua sem princípio nem fim!

 

11.1.12

Atonia

Faltam as cartas e as recomendações

os amigos escasseiam

e as abelhas esquecem a polinização

atónito

raciono as horas

 

 

10.1.12

Iníqua justiça

«Porem compre aos Reis seer justiçosos, por a todos seus sogeitos poder viir bem, e a nenhuum o contrairo.» Fernão Lopes, Crónica de D. Pedro I

Fernão Lopes, se hoje vivesse, estaria certamente boquiaberto face a um Estado que permite que os cidadãos da Madeira, ao dirigirem-se a uma farmácia, estejam a ser tratados de modo diferente dos do Continente.

Outrora, o Rei D. Pedro I procurava a todo o custo assegurar a equidade, independentemente dos afetos; hoje, o Presidente da República passa ao lado da iniquidade que grassa neste pretenso Estado democrático, perdendo definitivamente o direito a ser considerado um «homem bom».

«… porem a justiça he muito necessaria assi no poboo como no Rei, por que sem ella nenhuma cidade nem Reino pode estar em assessego.» ibidem

 

8.1.12

A vertigem do pó

O sonho da ascensão materializa-se, na maioria dos casos, em objetos utilitários e / ou simbólicos. Estes representam o poder e a vaidade humana - e exigem criatividade.

Hoje, ao atravessar a Praça D. Luís (Lisboa), repeti a sensação que, outrora, sentira no Largo Sá da Bandeira (Santarém): a arte, em regra, serve a megalomania do homem e o criador pouco mais é do que um servo.

Entretanto, entre estes dois tempos, experimentei e desafiei a profecia, sem nunca ter realizado a sonhada ascensão familiar, sem nunca ter compreendido a vaidade humana, pois, cedo, saboreei o pó de que somos feitos…

Desfeito o oráculo, a vertigem do pó entranhou-se definitivamente em mim, tornando-me estranho a tudo o que deriva do TER / do PODER.

 

5.1.12

Quebrada a linha, só a proa esfíngica se inscreve na memória. Quebrada a espera, só a elegia sossega …

A partir de agora, já não há regresso!

(Nova nau se vislumbra no cais da partida…)

2.1.12

Um dia à espera…

Um dia à espera… campos desertos e nas ruas, poucos transeuntes. Só nas superfícies comerciais, na zona da restauração, o movimento de gentes se faz notar. As lojas irremediavelmente fechadas…

Para além da espera, ruínas – prédios que implodem no interior da cidade; o castelo imponente, encerrado.

Nas Urgências, o povo manso; o resto são regras de Manchester (Quem as verifica?) No SO, 2 B, a humanidade presa por fios, ligada à máquina – sinal sebástico do milagre da ciência! A voz ininteligível, a certeza do nome, a VIDA!

Na espera, o chilrear dos pássaros e, neste longo intervalo, algumas ideias. Afinal, o Menino Jesus de Alberto Caeiro é uma adaptação do Cristo lusitano de Guerra Junqueiro. - Quem o diz? - Unamuno, sem ainda ter conhecimento da existência de Pessoa / Alberto Caeiro. Para além disso, a certeza de que não vale a pena construir sobre ruínas!

Diário_2012

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