30.12.10
Cheguei
ao fim da Correspondência (12.11.1971). À
data, «as portas entreabriam-se (por quanto tempo?) e toda a gente se lançou a
publicar cada vez mais ousadamente. A política e o sexo vão de vento em
popa.» Carta 159 (José Saramago).
Ao mesmo tempo que
a Censura parecia desmobilizar, Saramago via-se desfeiteado
pelos novos patrões da Editorial Estúdios COR que decidiram admitir um novo diretor
literário – Natália Correia – sem lhe dar qualquer satisfação.
E por isso Saramago «cansado de carambolar entre a editora e os autores…
(…) e do franciscanismo tolo e ingénuo que tem sido o meu» (…)
demitiu-se.
Por seu lado, Miguéis,
à beira dos 70 anos, adoentado e cada vez mais esquecido, continua à procura de
novos caminhos literários e editoriais, sem deixar de zurzir nos literatos
portugueses em que inclui Mário Dionísio: «Segundo o pobre do Mário
Dionísio – tão mau pintor como mau poeta – para quem também deixei de existir
– o rótulo importa mais que o vinho da garrafa…»
Miguéis não deixa, no
entanto, de separar o trigo do joio, embora, curiosamente, nestes doze
anos de correspondência não haja uma única referência a Fernando Namora, ao
declarar ao amigo Saramago:
«Não creio que nenhum
outro cronista nosso escreva hoje de maneira tão toante, directa e moderna – e
tão bem! - sobre os pequenos e grandes quotidianos da nossa vida:
humanidade, ironia, e um pessimismo sorridente, isento de amargura.» Carta
160.
Miguéis, ao
comentar Deste Mundo e do Outro, antevia já o lugar primeiro a que
Saramago se alçaria, ofuscando todos aqueles que, de algum modo, se habituaram
a vê-lo como o servo em vez do senhor.
PS: Um Bom Ano de 2011
para todos! e, em particular, para o discreto José Albino Pereira.
28.12.10
Continuo a ler
sofregamente a Correspondência trocada entre José Rodrigues Miguéis e
José Saramago. É deliciosa pela informação que nos dá sobre as angústias do
“senhor” e do “escravo”, do rigor e do pragmatismo anglo-saxónicos, do laxismo
e do esbanjamento portugueses; da intelectualidade postiça e invejosa; da
crítica presunçosa e maldosa que imperam na “pátria” … De facto, aos olhos dos
correspondentes, pouco ou nada se salva naquele Portugal de 1959 a 1971… à
beira-lágrima plantado.
(Das 166 cartas, já
devorei 116, sem necessitar da caruma para lhes pegar fogo!)
E para não ser maçador,
referindo-me à chatice da actualidade política e económica, termino com as
sábias palavras de J.R. Miguéis:
“O homem é a obra e só
vale por ela. O resto é opinião, isto é, paisagem: disso temos para dar e
vender, sofremos de «opinião fácil» …”
26.12.10
Parece um sonho, mas é
verdade! Saramago, durante anos “serviu” paciente e zelosamente o escritor
“americano”, como seu «diretor literário» na Editorial Estúdios COR. A
correspondência entre ambos confirma a visão do escritor exigente e, por vezes,
exasperante que foi José Rodrigues Miguéis. Tinha a ideia de que este seria tão
perfeccionista e ávido do vil metal como o fora Eça de Queirós. Bem sei que
ambos precisavam dos proventos da escrita para poderem sobreviver em climas e
culturas bem diferentes!
Apesar da hipocondria e,
por vezes, da incompreensão de Miguéis, José Saramago procura sempre servir o
ilustre escritor, quase sem um queixume, revelando uma crescente simpatia que
progressivamente se transforma em amizade, no sentido nobre, diria mesmo,
platónico do termo. Pressinto que, para Saramago, o cultivo dessa relação foi
fundamental para a sua maturação como escritor que, paradoxalmente, o ajuda a
libertar-se do jugo dos editores e até do capricho da crítica e, sobretudo, do
mau gosto dos leitores…
Das 166 cartas que
compõem esta obra, organizada e anotada por José Albino Pereira, só li, ainda,
43…, mas a leitura é apaixonante, para quem sempre considerou Miguéis como um
dos maiores escritores da lusofonia e, sobretudo, porque nos dá um retrato de Saramago,
como um homem humilde, amigo de seu amigo, crítico parcimonioso e senhor de um
saber fazer admirável…
(Quanto a José Albino
Pereira tem aqui um trabalho que honra o zelo de José Saramago. Espero que se
mantenha disponível para nos falar desta relação privilegiada entre Miguéis e o
Nobel da Literatura. E, sobretudo, que não nos fuja, de vez, para os campos do
Ribatejo!)
23.12.10
Independentemente da
confissão ou da convicção, a grande maioria corre frenética para a noite de
Natal, como se não houvesse mais noite. A vertigem arrasta para a despesa fácil
e para a mesa farta, como se a riqueza nos fugisse definitivamente.
E de verdade, o ano de
2010 parece assinalar para muitos portugueses uma viragem profunda no estilo de
vida... Por enquanto, ainda mantemos rotinas... e por isso Boas
Festas a todos os que me têm acompanhado.
(E quanto a 2011,
esperemos que, para fazer prova de honestidade, não seja necessário renascer
duas vezes!)
19.12.10
O dia de hoje foi um
pouco diferente do de ontem. Com menos frio. Continuei, no entanto, a corrigir
trabalhos de última hora, alguns reflexo de enorme preocupação dos autores em
melhorar os seus desempenhos. Já há quem seja tão perfeccionista que corrige e
reformula as vezes que eu quiser!
Estou a referir-me a um
conjunto de jovens que, provavelmente, se submetidos ao Programme for
International Student Assessment (PISA), obteriam resultados que
permitiriam, por extrapolação, colocar Portugal nos píncaros da Lua.
De qualquer modo, mesmo
que esta amostra possa compensar as inúmeras horas despendidas, fica sempre a
frustração de que muitos estudantes não valorizam nem a leitura nem a escrita
e, sobretudo, o desespero de que estas ferramentas são cada vez mais utilizadas
de forma desonesta.
Ao contrário
de Daniel Sampaio que pede que «não nos esqueçamos de que os dados do
PISA são uma boa notícia que os nossos jovens nos trouxeram» (Pública,
19.12.2010), eu creio que se trata apenas de resultados que procuram tapar o
sol com uma peneira.
(Continua por demonstrar
como é que Portugal passou a estar na média da OCDE – entre a excelência e a
desonestidade a fronteira é ténue.)
18.12.10
Quando acreditamos que
ESCREVER ajuda a organizar a leitura da realidade (exterior e interior) e
apostamos em recorrer a essa estratégia como ferramenta de ensino e de
aprendizagem, estamos a correr riscos… pois necessitaremos de dezenas e dezenas
de horas para rever os textos que nos são submetidos, quase sempre fora de
horas…
Não há componente não letiva
que abarque o tempo despendido nesta tarefa! E, frequentemente, somos
enganados! Quantas vezes, recebemos “cópias” de outras “cópias” mal
engendradas! Infelizmente, não são apenas os alunos que recorrem ao plágio!
Ainda há poucos dias um
dos maiores plagiadores que conheci foi promovido a cardeal! Quando o conheci
ainda era presbítero, mal sabia escrever e tudo o que escrevia era plagiado,
graças às novas tecnologias da informação…
O plágio é tão bem visto
que, amanhã, o Governo não deixará de nos impor a reforma aos 67 anos de idade.
Basta olhar para o vizinho do lado!
(Tudo isto pode parecer
descabido, mas há vários dias que venho revendo textos que eu próprio motivei e
que, na maior parte dos casos, são vistos como um capricho de professor
obsoleto e que, concluídos os 36 anos de serviço, se vê ameaçado com mais onze…)
Entretanto, vou ter de
mudar de estratégia para que a morte não me surpreenda a escarafunchar, nem
vale a pena, dizer no quê…
15.12.10
É tanto o ruído, tantas
são as frases sobrepostas que as meninges latejam. Pouco interessa se a palavra
encontra interlocutor. Fontes donde a água jorra indiferente à necessidade!
De que serve encanar a
água se qualquer riacho a pode encaminhar para o mar? Esse lugar em que,
definitivamente, a gota morre.
Inebriados, transformamos
o sério em risível, alheios à vida que paulatinamente estiola…
(O sentido atravessa sem
cor as fendas destas surdas paredes e eu sigo pelos interstícios para longe do
rumor que me esmaga o cérebro. Só não sei porque regresso todos os dias!)
14.12.10
A União Europeia
comporta-se actualmente qual Procusto que tinha a mania de deitar os seus
convidados num leito a cujo tamanho os adaptava. O diretório europeu,
depois de ter engordado os países periféricos, decidiu agora emagrecê-los,
desprezando por inteiro os seus efeitos.
E o que é que os
governantes da periferia europeia fazem? Obedecem servilmente.
E as várias corporações
que posição tomam? Reivindicam a manutenção dos privilégios.
A ninguém parece importar
que a opção europeia tenha sido tomada sacrificando a milenar posição de
Portugal no mundo. E por isso ainda não percebemos que o euro é uma má moeda
que, por mais que a estiquemos ou a encolhamos, não corresponde à nossa medida.
12.12.10
Nada escrevi sobre ontem,
dia triste com sol tímido.
De manhã, aquela missa
“bonita”, com as seculares vozes gregorianas, uníssonas, a convocarem para o
reencontro com Deus, alternando com notas de fado a lembrar que os únicos
encontros só podem acontecer nesta vida…
E por mais que o Frei
tivesse sabido escolher as palavras bíblicas anunciadoras da tua ressurreição,
por mais que o Frei tenha exagerado na defesa do valor “pertença”, seja ele de
pertença a uma família, a um externato (da Luz franciscana), seja ele de promissora
pertença à família do Fado, a mim ninguém me tira da cabeça que o teu
derradeiro gesto, Catarina, foi de ruptura, cansada de promessas que nunca
chegaram a aquecer-te a alma e, sobretudo, incapaz de te ressuscitar no dia
seguinte!
E por isso, à tarde, a
pretexto de folhas e de árvores outonais, atravessei a ponte e percorri as
estradas, sabendo que qualquer convicção de pertença pode estrangular a voz,
pode ser impiedosa para quem procura, por si, a ataraxia.
10.12.10
Sempre me pareceu que os
teus silêncios, as tuas ausências, as tuas leituras revelavam o incómodo de te
atrasarem na realização dos teus (pouco) secretos objectivos e por isso, hoje,
não me surpreende que tenhas querido juntar-te àqueles outros que, jovens como
tu, também, transpuseram definitivamente a linha… Essa
linha inexorável que separa a vida da morte…
8.12.10
Os
discípulos de Rousseau e de Freud…
Finalmente, encontrei
quem, sobre a decadência da sociedade e da escola, enuncia as causas sem
rodeios. Embora Francesco Alberoni não o explicite nesta crónica, os discípulos
de Rousseau e de Freud insistem em prestar um mau serviço à comunidade…
4.12.10
30 anos depois, o mito
Francisco Sá-Carneiro sofre forte impulso, querendo fazer crer que o povo
português é visceralmente sebastianista. De facto, o mito sempre foi alimentado
por interesses de grupos que, colocados próximos do poder, viam nesse ideário
uma via para a ascensão ao poder.
Até hoje, a solução
sebastianista só trouxe violência e pobreza; só adiou a resolução da questão
portuguesa. Infelizmente, Passos Coelho, também, não resiste ao aproveitamento
da memória de Francisco Sá-Carneiro, um homem que, no seu tempo, sempre deu sinais
de autoritarismo, e cujo partido, PPD, acolheu muito do que sobrou do antigo
regime…
1.12.10
Entre
a Cópia certificada do iraniano Abbas Kiarostami e a exposição
Res publica 1910 e 2010 face a face, na F. C. Gulbenkian, o que é que há
de comum?
Nada mais do que o olhar,
pois original e cópia, em si, nada acrescentam. Tudo depende do que motiva o
olhar… a glória, o lucro, a felicidade ou, simplesmente, a ilusão…
E esta última, associada
a uma boa dose de desespero, leva-nos a querer primeiro separar o original
(inacessível) da cópia (manipulável) para depois nos agarrarmos a fantasias só
nossas em que a res publica (o outro) já nada significa …
Saber se uma boa cópia é
melhor do que o distante original ou se a terceira república supera a
primeira não é mais do que um jogo cujo único fito é sublimar a atroz razão
humana…
25.11.10
Podia chamar-lhe
desinteligência, mas não foi essa a palavra que me atravessou a mente ao
reparar na penumbra em que mergulhou o país. Perante a crise, em vez da união
dos parlamentares para impedir que as desigualdades se acentuem, assistimos à
aprovação de um orçamento que cria ainda mais clivagens. Protegem-se as
remunerações de sectores onde o compadrio grassa e, ao mesmo tempo, ignora-se o
crescimento da vaga de desempregados e de trabalhadores precários…
O argumento de que os
quadros das empresas públicas podem fugir é ridículo, pois se o fizerem, isso
significa que lhes falta solidariedade, não merecendo a remuneração que
auferem. Que o façam e depressa! Ninguém é insubstituível num país em que
milhares de jovens qualificados espreitam, em vão, uma oportunidade.
A militância partidária
não pode continuar a substituir a competência daqueles que não sacrificam aos
deuses de moda, sejam eles quais forem.
O orçamento que, amanhã,
vai ser aprovado mata definitivamente os anseios de Abril de 74! Doravante, já
não basta o direito à indignação! Às vítimas exige-se que levantem a cabeça e
destruam as cercas que os muram.
A começar pelos mercados…
23.11.10
Se quiser ficar mais
perto, procure o Bar do Além...
Um caminho só é exterior
para quem anda distraído. A terra é toda uma; as cercas que construímos são antinaturais
e limitam-nos a perceção do eu e do outro.
O tempo humano é
inutilmente gasto a desenhar e a defender fronteiras.
20.11.10
Em Alenquer, no Porto da
Luz.
A surpresa resultou de
mal ter chegado, ser convidado para assistir a uma palestra, no Bar do Além.
Tema: O MILAGRE DAS ROSAS. Oradora: Teresa Gomes Mota. Moderador: Luís Nandim
de Carvalho.
Apesar do camping estar
praticamente vazio, o bar encheu-se de tertulianos vindos um pouco de todo o
lado, com um detalhe em comum – poucos conheciam Alenquer. Ouviram atentamente
a oradora, que revelou partilhar o pensamento de Joaquim de Fiori sobre a TEORIA
DAS TRÊS IDADES.
Em 60 minutos, revisitei
S. Francisco de Assis, D. Dinis e a guerra com seus filhos e, sobretudo, Dona
Isabel de Aragão; sem esquecer, Damião de Góis… E sobretudo, as manifestações
do Espírito Santo em terra lusa – de Alenquer aos Açores… Só não estive presente
no almoço que se seguiu!
E a surpresa ainda pode
crescer se navegarmos no blog: www.bardoalem.blogspot.com
E em tudo isto, camping e
tertúlia, está o espírito de Luís Nandim de Carvalho.
19.11.10
A ideia de construir a
paz pela força é uma ideia que me desassossega. A História ensina que mesmo que
as armas possam ser um instrumento de libertação, elas acabam por impor a
ocupação. E a ocupação militar esconde sempre o roubo das matérias-primas do
território “libertado”. É esta sequência – libertação / ocupação - que legitima
a acção dos grupos anti NATO.
No entanto, o manifesto anti
NATO, ao apostar no desarmamento, abre a porta ao suicídio das culturas mais
idealistas, pois o homem é naturalmente predador.
A guerra lá longe pouco
nos diz, mas pesa no orçamento. A cimeira da NATO, em Lisboa, pode dar
prestígio a alguns governantes, mas os portugueses não conseguem entender
porque é que ela decorre num país à beira do abismo. As despesas com a
organização da cimeira e das contra cimeira são a expressão da irracionalidade
das elites…
E a pobreza aumenta a
cada minuto que passa lá longe, no Afeganistão, ou, aqui perto, neste país onde
até o sol, envergonhado, deixou de ser o habitual anfitrião.
18.11.10
Parece que as leis são
aprovadas para pôr à prova o nosso espírito de rebeldia. É um pouco como se os
desafios já estivessem esgotados! E, talvez por isso, desesperados, tudo
fazemos para as contornar. Só não queremos aceitar as consequências desse desafio.
Para nós, os desfechos
são sempre vitoriosos, mesmo que os jogos sejam a grão-de-bico!
14.11.10
Sociedade
a dois, de Tenessee Williams
A leitura de “Sociedade a
dois” de Tenessee Williams não é estranha ao modo como perceciono as primeiras
páginas dos Jornais: «José Sócrates desautoriza Amado e fecha as portas à
“grande coligação”. No conto, duas bichas descobrem as vantagens
comerciais e afetivas de uma vida a dois, embora saibam que aquela “sociedade”
caducará inevitavelmente.
No caso de Sócrates, o
factor psicológico (pessoal) sobrepõe-se ao factor social, pois é um daqueles
homens que entrou na política já traumatizado. Deixo a explicação aos
biógrafos, mas não posso deixar de pensar que as experiências pessoais lhe
afectam, desde o início, a decisão política. Ainda por cima, o povo, que lhe
dera uma maioria absoluta, traiu-o, retirando-lha e obrigando-o a procurar
compromissos.
De facto, o povo não
entendeu que este tipo de pessoa necessita de uma maioria absoluta para poder
governar, pois Sócrates não pode aceitar os limites impostos pelo
compromisso. E esta falta de entendimento não resulta de um capricho, mas de uma
irremediável fenda na estrutura psíquica.
Um povo quando escolhe
deveria saber mais sobre o carácter dos candidatos!
10.11.10
Na Loja do Cidadão: – «Se
me tocas, mato-te, bandido!» (interlocutor invisível). - «É todos os dias a
mesma coisa!» (coro de funcionários revoltados)
Na Praça em frente, dois
moldavos sorriem gulosamente para uma carrinha de valores e parecem dizer: –
«Logo, à noite, não nos escapas!» De facto, apenas esperavam uma loira
emplumada…
Ao lado, na esplanada,
uma «bica» alimenta horas de espera infrutífera… no país da (des)burocratização
que consegue transformar salas de teatro em “lojas” de atendimento. Turistas
pasmados fotografam a fachada do Éden e trocam olhares intrigados.
De manhã, ainda observo
os movimentos e sinto os salpicos da chuva; ao fim da tarde, já ausente, oiço
palavras marteladas, palavras dissidentes, palavras sectárias.
Fica-me, contudo, a ideia
de que já não conto. A teia cobre-me o rosto como desce a noite. Sem
avisar.
7.11.10
Pouco crente, continuo,
no entanto, a caminhar na expectativa de recuperar algum osso mais esboroado.
Para que a caminhada se torne menos hipocondríaca, vou observando lugares e
comportamentos um pouco ao acaso. E o contraste assalta-me: a Quinta da Vitória
(ironia / antífrase?) continua igual a si própria – imutável – no concelho de
Loures; do lado de lá da fronteira, o Laboratório Militar e o Instituto
Geográfico do Exército desaguam num inesperado canavial, parcialmente ocupado
por meia dúzia de barracas…
O bairro de lata, o
bairro da Gebalis, ambos em terrenos socialistas, já deixaram de me preocupar.
Ninguém quer saber da promiscuidade e da degradação que os infesta. E eu que
posso fazer?
Todavia, as instalações
militares lembram-me outras instalações militares espalhadas pelo país, de alto
baixo, e não posso deixar de me interrogar sobre o preço da manutenção /
abandono desse património. Muito eu gostaria de saber quanto é que o Estado gasta
e /ou desperdiça anualmente só em espaços ocupados pelas gloriosas forças
armadas! Isto não significa que o País não necessite de Forças Armadas.
Significa que não há motivo para que elas sejam donas de uma parte do
território. Significa que o Estado só deve dispor do território para funções
nobres e não pode desperdiçar recursos, gerando contrastes intoleráveis…
4.11.10
«Entre a infância e a
idade adulta há todo um espaço acidentado, possivelmente ainda mais acidentado
do que a infância. É um estado interior, turbulento, agreste. As vinhas e as
silvas parecem ter ficado para trás, só que agora são mais robustas e emaranhadas,
ainda que menos visíveis do exterior. Estes anos de perigosa transição
representam a ascensão às colinas do desconhecido. Às vezes, roubam-nos o ar,
noutras perturbam a visão. Tenessee Williams, A Semelhança entre um estojo
de violino e um caixão.
Na literatura, mais do
que o enredo, o que desperta a minha atenção são as ideias. Quando as encontro,
paro e viro-as do avesso à procura da sua consistência, da verdade ou da
mentira que orientam a acção. Fico refém de atalhos, como, por exemplo, se as
«vinhas e as silvas» significam alguma coisa para os jovens de hoje… E a
resposta encontro-a naquela «cepa ateniense» totalmente desconhecida de uma das
minhas turmas do 11º Ano… Ésquilo perde num ápice a origem e a substância,
ameaçado de perdição, eliminado o acento esdrúxulo. Ésquilo, o tragediógrafo,
vira esquilo…
Ao contrário da pergunta
fácil do tempo da infância, há, agora, na transição, um crescente desinteresse
pela novidade da palavra, um imperial desprezo pelo testemunho alheio, como se
não houvesse nem passado nem futuro…
E é esse desprezo que se
torna preocupante: ao recusar o verbo, não lhe entendendo a práxis, acaba por
se silenciar a comunicação.
1.11.10
Dia de todos os
santos! O calendário, por vezes, é um bom indicador do estado do mundo. Tantos
são os santos que alguns ficam de fora da liturgia ou, em alternativa, vêem-se
obrigados a coabitar num mesmo dia, o que lhes retira graça e glória. Por isso
foi criado este dia da fraternidade beatífica, e colocado antes do dia de todos
os defuntos, entenda-se dia de aqueles que, por esta ou aquela razão, não gozam
da certeza da glória eterna… (Bem sei que esta ideia pode ser temerária!)
De qualquer modo, os
santos continuam por aí na memória diária, os defuntos, esses, caídos no
esquecimento, dão corpo a uma natureza pletórica.
Por mim, ao exemplo e à
glória dos santos, prefiro o esplendor outonal dos defuntos. Já lá vai o tempo
da emulação!
(Felizmente, acabo de
compreender que definir objectivos individuais é prometer que me vou portar
melhor: ajudar os meus colegas a suportar o desperdício da avaliação; ajudar
alguns dos meus alunos a apostarem no trabalho, quando o detestam e abominam a escola
da responsabilidade. Em suma, procurar a excelência à custa da humilhação do
outro…)
E, na verdade, esta
emulação há muito que deixou de fazer qualquer sentido para mim. Há muito que o
esplendor outonal tomou conta de mim.
30.10.10
O caracol floresce nos
dias de chuva e o país anda para trás. De qualquer modo, os portugueses não se
coíbem de passar estes três dias de inatividade injustificada longe de casa,
mesmo que as viagens tenham custos acrescidos, resultantes de mais portagens e
de mais acidentes. Por seu lado, os políticos ocupam o palco, em vaidades
infantis e jogos suicidas.
27.10.10
Diz-nos Gonçalo M Tavares
que «o tipo de texto leva-nos sempre a sítios diferentes». Infelizmente, o
português parece ignorar este princípio, insistindo em «falar de si» como se
nada mais existisse ou como se só existisse um único tipo de texto. A opinião
salta, assertiva, desprezando o estudo e contornando os argumentos, em nome da
soberba e da vaidade…
Se nos libertássemos da
opinião e experimentássemos as regras dos caminhos, descobriríamos novos
horizontes. Mas não. Preferimos hostilizar toda e qualquer regra, desde a
contabilística à da cortesia… Desregrados, seguimos por encostas suicidas…
(Em absconso solilóquio,
o ministro das finanças fala de objectivos que já não são nossos!)
25.10.10
Num
Domingo outonal na Areia Branca
Na AREIA BRANCA, num
Domingo outonal, de manhã, as nuvens parecem ameaçar, mas ninguém as vê. Estão
ali suspensas, escorrendo do branco para o cinzento envergonhado e,
ensimesmadas, resistem à tentação de cumprir o impulso primeiro. E eu subo e
desço as pequenas encostas, reflectindo sobre a viabilidade económica dos
múltiplos bares, cafés e esplanadas. Há sinais de novo riquismo, próprios do
Verão, mas sem expressão humana nas restantes estações do ano. Investimentos
públicos que reflectem a mentalidade dos seus promotores, mas que escondem a
miséria bem visível, por exemplo, no parque de campismo. Um parque municipal,
residencial, incapaz de acolher os forasteiros que desejem passar um ou vários
dias nesta acolhedora praia, apesar de, também, a areia começar a falhar…
Sobra, todavia, a Pousada
da Juventude!
23.10.10
“Por vezes, em dia de
balanço, acordamos cáusticos, com vontade de zancar nos fornecedores
de serviços…”
Diz-me o Senhor Eleutério
Silva que o vocábulo “zancar” não existe e, de facto, não vem registado nos
Dicionários mais nobres. No entanto, se consultarmos o INFORMAL, lá vem o
verbete, mas sem definição… Enfim, reminiscências de uma infância em que a violência
do gesto cortava nas sílabas (e nas silvas?) a torto e a direito!
E hoje, há por aí muito
boa gente a pedir que desanquemos nela. Esperemos que não seja necessário,
porque, se isso acontecer, temo que o verbo “zancar” acabe, na pressa, por
receber carta de alforria.
De qualquer modo,
obrigado.
17.10.10
Muito do que sei (ou já soube?)
devo-o a alguém. Por exemplo, o que, ainda, sei sobre Literaturas Africanas de
Expressão Portuguesa, em parte, bebi-o na obra comprometida de Alfredo Augusto
Margarido que me ensinou o caminho para essa fundadora CASA que, contrariando
os objectivos do Estado Novo, nasceu no seio da Casa dos Estudantes do Império
(CEI). Sem ela, a CEI, e sem ele, Alfredo Margarido, o CASA lusófona seria bem
diferente. É, também, dele, Alfredo e da CEI que nos fala PEPETELA, na 1ª parte
de GERAÇÃO DA UTOPIA, “A CASA”, um romance a (re)ler.
Ora, o Alfredo Augusto
Margarido, morreu silenciosamente no dia 13 de Outubro, aos 82 anos. E esse
silêncio faz-me pensar que até já os correligionários perderam a memória.
16.10.10
Por vezes, em dia de
balanço, acordamos cáusticos, com vontade de zancar nos fornecedores de
serviços que nos prometem mundos e fundos para depois nos cobrarem o que,
ingenuamente, acreditámos não dever. No caso, a Portugal Telecom que me
prometeu uma migração simples (e livre de encargos) do sapo adsl para o sapo
fibra, e que me fez perder paciência e horas, senão dias, de reclamações para
que o serviço ficasse a funcionar em condições. Foi mesmo necessário solicitar
o livro de reclamações para que a situação fosse encarada com alguma seriedade.
Foram 8 dias sem telefone e 5 sem acesso à internet. E 100 euros pelo
equipamento e instalação! E porquê?
Porque a PT é como um
grupo de actores sem encenador. Cada um interpreta o texto de acordo com o seu
estado de alma, estando-se nas tintas para o autor e, sobretudo, sem se
preocupar em ‘dar a deixa’ àqueles com quem deveria contracenar. Actores esses
que, no caso da PT, como, por exemplo, está a acontecer com a elaboração do
OGE, representam em palcos simultâneos, mas distantes. Falta-lhes o encenador.
O maestro.
Por isso a primeira causa
da decadência é organizacional. A segunda é a inveja.
E é esta segunda causa
que me leva à crónica de TV do DN “J de Judite, J de Justiça”, assinada por
Nuno Azinheira, em tempos meu aluno. Gosto da clareza com que escreve e,
sobretudo, da justeza do pensamento: «Reconhecer que há alguém mais competente,
mais produtivo e melhor do que nós é uma coisa que nos incomoda. Está-nos
sangue. E é por isso que continuamos assim. Tristes e amargurados. E
incompetentes.»
O Nuno já não se
lembrará, mas no tempo em que nos cruzámos, o professor de Português começava
inevitavelmente a abordagem de OS LUSÍADAS pelo comentário
do Prefácio de Garcia de Resende, inserto no Cancioneiro Geral.
E lá estava a marca do «sangue» que impedia os portugueses de escreverem, na
hora certa, a epopeia merecida: «Todos estes feitos e outros muitos doutras
sustâncias nam sam devulgados como foram, se gente doutra naçam os fizera. E
causa isto serem tam confiados de si, que não querem confessar que nenhuns
feitos são maiores que os que cada um faz e faria, se nisso o metessem.»
Hoje, apesar da
desorganização e da inveja, ainda vislumbro nas palavras do Nuno Azinheira um
sinal de esperança.
15.10.10
«O tempo é terrivelmente
longo, fibra a fibra, e de repente – por onde se escoa ele?» José
Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso
De tal modo se escoa o
tempo, que, ultimamente, tenho evitado falar dele. Os sinais de quebra
acentuam-se a cada passo e, paradoxalmente, a CRISE torna as horas absurdas e
estupidifica as mentes em ânsias ensurdecedoras…
Falta o tempo e, ao mesmo
tempo, cresce o desânimo. Há vidas que subitamente perdem sentido. Parece que
regressamos aos tempos dos «vencidos da vida» …, ou da estagnação do «estado novo»
…
A CRISE alastra punindo
quem cumpre e /ou quem tem menos recursos, enquanto a economia paralela
sobrevive impune. Não só o Governo não explica como é que delapida as receitas
fiscais e os empréstimos sucessivos obtidos no exterior, como descura a fiscalização
de uma multiplicidade de atividades que não pagam qualquer tipo de impostos.
O novo orçamento de
estado reduz a pele e o osso o cidadão cumpridor. Ao lado, engordam os
onzeneiros e os candongueiros…
9.10.10
Há palavras que, de vez
em quando, ganham vida, como ‘acumular’, ‘cúmulo’, ‘acumulação’… Consideradas a
situação financeira, a taxa de desemprego, a estagnação económica e a carga
fiscal que se abate sobre a maioria dos portugueses e, em particular, sobre a
administração pública, o possível humor que o despertar destas palavras poderia
desencadear já não faz qualquer sentido.
Sejamos sérios. Como é
que alguém pode justificar as situações de acumulação de tarefas e de
remunerações quando uma boa parte da população (qualificada ou não) se encontra
inativa por falta de trabalho?
O argumento da falta de
qualificações para o exercício de certos cargos é absurdo, sobretudo, quando
sabemos que essa dificuldade pode ser ultrapassada com FORMAÇÃO, competente e
dada por quem, de verdade, conheça as matérias em questão.
Num país em que os
recursos são limitados, não há justificação para que uma minoria se aproprie de
grande parte do orçamento, deixando à míngua centenas de milhares de
portugueses. Há que proceder à redistribuição do trabalho, começando por
eliminar a acumulação de funções em todos os sectores da vida nacional.
E também há que acabar
com a acumulação de subvenções (e pensões) resultantes do exercício temporário,
e muitas vezes simbólico, de cargos de nomeação política.
O mal corta-se pela raiz!
O cúmulo surge, hoje, na
primeira página de alguns jornais: O Governo prepara-se para recuar no corte da
acumulação de remunerações e de pensões, a começar pelo presidente da
República.
6.10.10
Andava há dias na
expectativa de chegar à ‘República’ revisitada pelo José Rodrigues Miguéis, n’A
Escola do Paraíso. Cheguei atrasado por culpa da Portugal Telecom que,
entretanto, me tem obrigado a desdobrar-me em diligências por causa de uma,
aparente, simples migração da Sapo adsl para a Sapo fibra. Nada é, de facto,
simples neste moribundo Portugal republicano, onde tudo é feito para emular a
1ª República.
Ontem, desconcertado
quanto às celebrações do centenário, ainda visitei o Museu Bordalo Pinheiro,
onde descobri um caricaturista digno de ser louvado: SILVA MONTEIRO. Este
mostra-nos que, afinal, os ideais foram substituídos pelos interesses
de grupos mais ou menos ávidos de se banquetearem à mesa do orçamento. Aqueles
republicanos, à excepção de alguns ilustres suicidas, não enganavam ninguém!
Ora, ontem, o que eu ouvi foi, sobretudo, a legitimação de actos que custaram a
vida a muitos milhares de portugueses que se viram envolvidos em causas
perdidas.
(E continuamos a correr
atrás de desígnios que nem sequer conseguimos enunciar enquanto outros mamam à
tripa forra. Coitados!)
Entretanto, dando a
palavra a José Rodrigues Miguéis, um dos escritores que melhor conheceu e
retratou a acção republicana, transcrevo um excerto da obra já
mencionada:
«O prédio
embandeirou, mas só do lado esquerdo, numa espécie de hemiplegia republicana.
Havia sempre um resto de serpentinas do Carnaval passado, e foi uma festa.
Começavam-se a vender nas ruas bandeiras, alfinetes, postais e globos de vidro
colorido com cenas e retratos dos homens do regime. Era uma Vida Nova que
raiava. Dir-se-ia que estava tudo preparado para a celebração! Passavam bandos
aos vivas, caminho da Baixa, da Rotunda, do Tejo, cantando a Portuguesa.
Afluíam de todos os lados os heróis da última hora: as barricadas, até ali
quase vazias, transbordavam agora de combatentes, eriçadas de armas que não
tinham chegado a dar fogo. Tiravam-se grupos memoráveis, para depois se dizer
“Eu também Lá estive!” A República estava de antemão solidamente
implantada nas almas e nas ruas. Lisboa transfigurada!»
5.10.10
Urge passar por lá,
pelo Museu Bordalo Pinheiro. N'Os Ridículos (1908-1926), podemos encontrar
os 'actores principais' deste nosso tempo (1974-2010). Pena é que os
caricaturistas não tenham dado continuidade às criaturas de Bordalo Pinheiro.
30.9.10
«Não respiro o passado,
quero lá saber do / que foi por já ter sido, ou do que fui», António
Souto, O Tempo das Palavras Os poetas são
homens e mulheres virtuosos porque dizem sempre o que sentem, mesmo quando o
enunciado parece aprisionar o leitor. O Tempo das Palavras,
rigorosas, castas e melódicas, esconde e revela um tempo de acção primordial
na descoberta do amor e da escrita. E desse tempo, nas palavras ditas,
eleva-se uma perda por assumir ou, em alternativa, a consciência de que a
única superação é de ordem estética. Descoberto o caminho, o
poeta deve dizê-lo até ao fim… PS: Peço perdão ao
Armindo S. de, por enquanto, nada dizer das suas palavras. |
O credor é, por
definição, aquele a quem se deve dinheiro ou algum valor. HOJE, a classe
política (e todos os seus sequazes) deve respeito aos portugueses.
Se nos quisessem
respeitar, os governantes teriam decoro no modo como abordam e procuram
soluções para o problema nacional. Por exemplo, poderiam pôr-se de acordo no
corte das despesas supérfluas. HOJE, no Parlamento, poderiam elencar tudo o
que, de facto, é desnecessário para o funcionamento do Estado, a começar pelas
múltiplas comemorações, por uma boa parte dos feriados nacionais; decidindo,
por outro lado, a redução em 25% do número de ministros, secretários de estado,
de assessores, deputados; mandando encerrar e vender 25% dos edifícios afetos ao
chamado património do estado. Um património que só dá prejuízo!
E sobretudo deveriam
acabar, de vez, com os negócios do estado. As obras, todas as obras, devem ser
privadas. E a responsabilidade financeira deve ser totalmente dos privados. As
parcerias público-privadas devem ser transferidas integralmente para o privado
e, não havendo condições, os contratos devem ser, de imediato, cancelados. Por
exemplo, a Parque Escolar deve ser dissolvida, porque, a prazo, vai tornar-se
num negócio ruinoso para os portugueses…
Já não se trata de apurar
quem é o culpado ou de quem se posiciona melhor para ganhar as próximas
eleições, o que está em jogo é saber se os políticos ainda vão a tempo de
querer respeitar os portugueses, ou se preferem que os portugueses lhes faltem
ao respeito…
29.9.10
Parece impossível escapar
às medidas draconianas anunciadas pelo Governo. No entanto, não acredito. De
facto, os funcionários públicos não poderão evitar essas medidas. Mas, quanto
aos restantes portugueses o que é que vai acontecer?
O Governo só pensa em
cobrar, e isso parece fácil enquanto o país não estiver reduzido a pele e osso.
O Governo teima em argumentar com a necessidade de cumprir os compromissos com
os credores externos e esquece-se deliberadamente de apresentar contas aos
credores internos.
Para satisfazer a gula
externa, vamos sacrificar os trabalhadores cumpridores (e só estes!). Até
quando?
Em nome da contabilidade
nacional, todos os serviços deveriam suspender os projectos inconsequentes que,
na maioria dos casos, são factores de desperdício de tempo e de energia.
Por exemplo, no caso da educação, o actual modelo de avaliação que visa, acima
de tudo, condicionar a progressão dos funcionários deve ser suspenso, pois o
congelamento das progressões torna-o o obsoleto. Tomada a medida e, por
arrasto, a primeira estrutura a desabar deveria ser o Conselho Científico
responsável pela Avaliação…
26.9.10
Lá arranjei tempo para
visitar a exposição “VIVA A REPÚBLICA…” Entrei expectante e saí frustrado, ao
contrário da maioria dos visitantes com quem já tivera oportunidade de abordar
o assunto… E porquê? Porque a exposição deixou-me a sensação de que os
políticos do 1º quartel do século XX gastaram mais tempo a destruir do que
a construir; gastaram mais tempo em lutas fratricidas do que a incrementar o
ideário republicano.
Deixou-me ainda outra
sensação desagradável: a de que preferimos as soluções musculadas.
25.9.10
Ao ouvir o modo como os
governantes falam do presente e do futuro do país, lembrei-me que, ao contrário
de outros estadistas, eles nunca falam do passado mais ou menos remoto. Do
passado recente ainda se servem para uns soezes ajustes de contas. Mas, de verdade,
não revelam qualquer conhecimento da História… E não se trata apenas dos
governantes, também os deputados da nação não vão além de estereotipadas
referências ao diabólico Estado Novo!
Os atletas campeões, nas
diversas modalidades desportivas, ficam mal no pódio se não conseguem cantar o
hino nacional e, no entanto, ninguém exige a quem nos governa que saiba um
pouco de História. Se os governantes, antes de tomar posse, fossem obrigados a
prestar provas, por exemplo, sobre as causas da decadência nacional no séc. XVI
ou sobre os efeitos da fuga da família real para o Brasil, ou, ainda,
sobre as razões do crescimento do partido republicano na segunda metade do
século XIX, ou sobre o sucesso de um beato e obscuro ministro das finanças a
partir de 1926, seguramente, não nos encontraríamos no actual estado de
falência das instituições e de degradação moral…
Quem ignora a História
tende a meter a cabeça na areia, deslumbrando-se com o fogo-fátuo dos gadgets e
da vaidade pessoal. A propagandeada aposta num Portugal
tecnológico não difere em nada da crença num ‘império português’ ou num
‘império da língua portuguesa’. Nestes comportamentos há, em comum, uma ideia
de desmedida que esconde a falta de preparação (de conhecimento das causas da
nossa atávica decadência) e de sentido de responsabilidade para o exercício de
cargos políticos.
É, hoje, claro que os
Costas e os Buíças do regicídio não eram franco-atiradores dementes. Eram
homens com fervor patriótico, longamente preparados para a imolação. Se dúvidas
houver, basta ler os discursos políticos de Afonso Costa…
23.9.10
Uma das causas da pobreza
mental resulta da incapacidade de divulgar e de aplicar as soluções que
diariamente despontam. A outra, talvez mais profunda, tem origem no
deslumbramento individualista. A abordagem das questões raramente coloca
em primeiro lugar a coletividade, por isso a pobreza alastra, exposta ou
escondida, enquanto da riqueza, apenas, sobram as migalhas…
Nos dias que correm,
tornou-se uma rotina adiar, tornear os problemas. Em vez de procurar
estratégias que permitam superar as dificuldades, preferimos convocar a
(des)mobilização…
18.9.10
Se não fosse o Sol, esta
cidade, que cresceu e vive ao sabor do expediente, seria tão triste que ninguém
a procuraria. Graças a esta luz de fim de Verão, as máquinas fotográficas podem
captar instantâneos de cenas exóticas e animadas, enquanto nos umbrais das
portas, a vida estiola…
Consciente deste nosso
trágico destino – só o Sol nos faz brilhar! – Pina Manique, verdadeiro senhor
do Intendente, impunha o recolher obrigatório logo que o astro rei se esfumava.
Talvez seja com a mesma intenção que António Costa terá decidido mudar-se para
o Largo do Intendente…
17.9.10
Num tempo em que decidir
é uma constante da vida actual não se entende como é que os ‘decisores’ avançam
e recuam com tanta facilidade em questões que, no mínimo, aumentam a angústia
dos cidadãos e arruínam o futuro da coletividade.
Nos locais de trabalho,
nos transportes, nas ruas, domina um sentimento de insegurança que pouco tem a
ver com o aumento da criminalidade ou com o efeito de qualquer cataclismo mais
ou menos previsível. A insegurança é manipulada em função de objectivos ocultos
nacionais e transnacionais e transmitida despudoradamente pelos média.
O cidadão é chantageado
por mentes torpes e ignaras que há muito deixaram de se preocupar com o bem
público. E essas mentes delinquentes sobrevivem impunemente, pois são elas que
decidem as regras do jogo. Um jogo soez em que as vítimas são incapazes de se
defender ou de encontrar quem as defenda. Tudo isto quando vivemos a ilusão de
que nunca desfrutámos de tanto poder!
15.9.10
Agora, que estamos, de
regresso à escola, bom seria se (re)lêssemos a Arte de Argumentar, de
Anthony Weston. Muitas das discussões que se avizinham talvez pudessem ser
evitadas, pelo menos, as questões seriam abordadas de forma mais serena,
fundamentada e consistente. E, por outro lado, os alunos poderiam aprender a
argumentar, distinguindo os argumentos, das premissas e dos exemplos.
Lembrei-me desta obra, no
preciso momento, em que me enviaram o despacho nº 14420/2010, de 15 de
Setembro de 2010. Já estou a antecipar os múltiplos pontos de vista a que terei
de dar atenção, quando, de facto, penso que quanto maior é o número de
avaliadores num serviço, maior é a dificuldade em aplicar, de forma uniforme, o
procedimento avaliativo, mesmo que os itens sejam claros e aceites por todos.
Aqui está uma conclusão
que pede argumentos que a validem. E isso dá trabalho!
(De verdade, é possível
andar à chuva sem nos molharmos! Ou não?)
12.9.10
Antes do anoitecer, já a
cidade dá sinais de que o dia seguinte será de labuta furtiva. Uma Lisboa
encardida cresce tentacularmente nas ruas e vielas, escondendo a pobreza dos
indígenas e dos estrangeiros que, solidários na miséria, caminham lado a lado,
na expectativa de que o sol, um dia, possa brilhar para todos.
11.9.10
Se as cidades se deixam
cercar por ilhotas de betão, onde se escondem múltiplas atividades mais ou
menos clandestinas, embora os terrenos sejam cedidos pelas câmaras municipais,
quando viajo para o interior do país tudo muda. Nos últimos anos, os olivais,
copiosos, nascem que nem cogumelos, sem que se perceba de onde saiu o capital
para o investimento nem para onde migram as mais-valias resultantes do negócio.
Por outro lado, os campos, desertos, estendem-se secos e cobertos de mato… A
dissimetria do território reproduz a dissimetria mental de quem nos governa… A
pobreza expõe-se bem visível; a riqueza exuberante exibe-se, rosto bem
dissimulado…
10.9.10
Nos últimas semanas,
percorri parte dos concelhos de Oeiras e de Sintra, ficando com a ideia de que
o território está a ser vítima de um verdadeiro assalto. Ali se encontram
escondidas centenas de empresas, muitas delas, quase, clandestinas.
Descobrir-lhes o lugar e os contactos é uma verdadeira aventura. Fica-se com a
sensação de que não querem ser encontradas. As urbanizações que as encobrem são
verdadeiros labirintos, onde ninguém conhece ninguém. Durante o dia, não há
sinal de qualquer policiamento.
O trânsito,
designadamente de veículos pesados, é caótico, sinal de uma verdadeira azáfama
que, no entanto, não parece controlada por qualquer autoridade. Interessante
seria se alguém prestasse contas do contributo que estes ‘nichos’ trazem à
economia nacional.
6.9.10
Alunos há que se
apresentaram hoje na escola, bem-humorados e com promessas de trabalho
esforçado e honesto. Asseguram até que já têm com eles os novos manuais.
Esperemos que não seja fogo-fátuo!
5.9.10
Com a dose de sardinha a
13 €, sobram os reflexos do aço e da luz. Infelizmente, a água mostra-se
demasiado viscosa. E nem vale a pena referir o ruído contínuo do tabuleiro da
ponte e dos aviões que o sobrevoam.
4.9.10
O rio Zêzere (o vale; o
museu); a terra dos cabrais ( panteão; museu das descobertas); o castelo (as
fronteiras); o museu judaico e a sinagoga; Zeca Afonso (aqui fez os estudos
primários, aqui descobriu a toada da poesia popular); a fruticultura ( o museu
do azeite)…
2.9.10
YUKIO
MISHIMA no Teatro da Comuna
Hanjo estreia hoje.
Paulo Lage encena, de forma sóbria, mas excessivamente robotizada, esta peça,
escrita em 1956, sobre o comportamento humano. Sobre a loucura e o egoísmo.
Sobre quem tudo espera e sobre quem nada espera (Suzana Borges / Joana Metrass).
No final, será o homem a perder tudo (Elmano Sancho). A recompensa acaba por
sobrar para quem diz que nada espera, mas tudo vai manipulando…
PS: Em noite de
calor, não se esqueça de levar um leque.
1.9.10
Há, de facto, galináceos
e coelhos. Os últimos são tão imprevistos e rápidos que o fotógrafo não tem
tempo de “sacar” da máquina fotográfica. E os primeiros, apesar de os poder visualizar
em miniatura, quando tento carregar a respectiva imagem, verifico que o
resultado é bem diverso. Milagres da tecnologia!
Em Belmonte…
É obrigatório visitar O
MUSEU DAS DESCOBERTAS.
29.8.10
De forma intermitente, lá
consegui ler a obra até à última linha. Vem classificada como
romance, o que me parece abusivo, a não ser que, neste século XXI, tudo caiba
neste “saco” … Há muito que penso que José Saramago é, sobretudo, um
ensaísta que gosta de pôr à prova a genologia. Saramago explora com enorme
rigor os limites dos nossos conceitos, relativizando-os ao ponto de “as
aberturas” serem, regra geral, inverosímeis. E neste caso, o mesmo acontece com
o desfecho. Invertendo os desejos, é a morte quem suspende a rotina do dia
seguinte, e não o violoncelista… o autor que, através da figura
da suspensão, experimenta, como Penélope, prolongar a vida.
Claro está que a
consciência da irremediável finitude convida à paródia e ao ajuste de contas e,
n’As Intermitências da Morte, as instituições são as principais vítimas
de um discurso soberbo capaz de desossar a própria língua.
PS: No lugar onde me
encontro, a internet também se encontra suspensa, não sei se por decisão
da morte (das tecnologias) se por distração dos nossos ilustres
governantes…
25.8.10
A
multiplicação na Esc. Secundária de Camões
E as abóboras enraizaram
e crescem no parque de estacionamento da Escola Sec. de Camões, Lisboa, sob o
atento olhar da árvore do centenário do edifício e da República
- a tília. Entre os frutos ilustres, passámos a contar com singelas
abóboras. E para o efeito, para além da semente, do sol e da água, convém não
esquecer o denodado jardineiro.
Afinal, o que o país e a
escola necessitam é de sementes e de bons jardineiros!
24.8.10
"Je voudrais clarifier ce que je comprends sous le mot ange. Depuis
que l’homme a acquis un certain degré de conscience il a connu cet être
spirituel sous différents noms :
au Japon, c’est Kami,
dans l’hindouisme, Deva ,
dans l’ancien Iran, Daena ou Fravarti,
dans la Grèce antique, Genios,
et Socrate parlait de son Daimon,
la tradition hébraïque le nomme Malach,
la chrétienne Angelos ou Ange,
et un journaliste
jungien m’a récemment demandé si ce n’était pas la projection de mon
inconscient…
Toutes ces dénominations n’ont aucune importance.
Ce qui est capital est ceci :
Comment cet être spirituel agit-il en moi ?
S’il m’aide à devenir plus conscient de moi-même et de ma tâche sur terre,
à trouver mon indépendance, même face à lui,
à me sentir non seulement créature, mais aussi créateur,
à me délivrer de mon attachement au passé, mais aussi de ma peur du futur, et à
vivre intensément l’instant présent ;
à être responsable de moi-même autant que de l’univers entier ;
alors c’est une force de l’amour divin,
c’est mon pareil de lumière
et moi je suis son pareil plus dense sur terre."
Le saut dans
l'Inconnu, Edit. Aubier
Gitta Mallasz
23.8.10
Em 1991, Gitta Mallasz publicou «petits dialogues d’hier et
d’aujourd’hui. No essencial, a autora húngara pretende,
de forma rigorosa e clara, explicar a experiência espiritual vivida por quatro
jovens, 1943-1944, em Budaliget, na Hungria, e que deu origem aos «DIÁLOGOS COM
O ANJO». E, sobretudo, pretende dizer-nos que o futuro do homem depende do
diálogo que cada um de nós consegue estabelecer com o ANJO.
Em termos pedagógicos, o
futuro exige esse diálogo interior que pressupõe: a) um ensino individual; b)
um ensino pelo «vivido»; c) um ensino natural; d) um ensino pelo despertar; e)
um ensino pela pureza do verbo.
Importante será perceber
que o ANJO vive em cada um de nós… e não em qualquer território mais ou menos
distante…
22.8.10
Há uma linha que foge ao
mesmo tempo que sinto a necessidade de me aproximar cada vez mais das pequenas
coisas, de me não perder em sombras espúrias. A cada momento, escolho entre a
folha caída e o botão que desabrocha. Para a linha que foge, a minha escolha
pouco importa, mas para mim não escolher é o NADA…
21.8.10
Venho procurando não
falar de comportamentos de quem quer que seja. Afinal, quem sou eu para ajuizar
os actos alheios! Numa sociedade que diariamente impõe e destrói (novos)
valores, faz pouco sentido querer fundamentar as escolhas feitas por cada um de
nós. No entanto, não resisto a abordar sumariamente uma situação recorrente.
Os automobilistas que,
pelas mais variadas razões, decidem dirigir-se, por exemplo, de Lisboa para a
Praia Grande, Sintra, deparam-se com percursos estreitos, sinuosos e perigosos,
quer a partir da Malveira da Serra quer a partir de Sintra. E sabemos que no
Verão e aos fins-de-semana, o número de carros que circula nessas estradas
aumenta exponencialmente! Frequentemente, os automobilistas vêem-se impedidos
de circular a maior velocidade porque um recém-encartado ou um condutor mais
receoso conduz ‘pastosamente’… E como é que reagem?
Ontem, fui testemunha de
uma ultrapassagem desesperada em que o condutor de um jipe, concluída a
manobra, imobilizou deliberadamente, por duas vezes, o veículo a não mais de
três metros de modo a testar os reflexos ( e provocar um acidente) do condutor
que, cautelosamente, conduzia nas curvas de Colares… Hoje, numa situação
parecida, tive de ouvir palavras desabridas de quem não respeita minimamente o
seu semelhante…
Não é certamente
agradável ficar preso numa fila de veículos em marcha lenta, mas o que é que
justifica os insultos e as provocações dirigidos a quem ainda não interiorizou
muitos dos automatismos necessários a uma condução segura?
18.8.10
No meu caso, é grave que
só agora tenha lido O Coração das Trevas (1902), de Joseph
Conrad (Józef Teodor Konrad Korzeniowski (1857-1924). Sempre soube que
muitos escritores conseguem a atenção dos leitores mesmo que as suas obras não
evidenciem um conhecimento experimentado da realidade descrita. Muitas dessa
obras tornaram-se manifestos de ideologias colonialistas e anticolonialistas e,
em torno delas, foram tomadas muitas decisões com efeitos perniciosos…
Ao ler O Coração das
Trevas, entendi que, antes de ler muitos outros autores que se debruçaram sobre
a colonização de África nos séculos XIX e XX, deveria ter lido a obra de Joseph
Conrad. Se o tivesse feito teria poupado tempo e teria encontrado uma síntese
do comportamento previsível do colonizador. Marlow e, sobretudo, Kurtz
representam a abordagem interna de quem avança no território
do outro de modo a submetê-lo pela palavra – A VOZ; A Companhia (e
seus Administradores) representa a abordagem externa de quem, pela força das
armas, vai tomando a pulso o território e eliminando o outro (o
inimigo). Se no último caso, tudo se resolve pela eliminação, no primeiro, a
VOZ tudo explica até a alienação do outro, em seu claríssimo prejuízo…
E assim se justifica que
Kurtz tenha descoberto, no fundo da sua consciência, o HORROR. Quanto à
Companhia, nada é preciso dizer, pois ela no lugar da consciência colocou,
desde o início, o MARFIM… a pimenta, o açúcar, o ouro, o petróleo, o ópio!
E se, no meu caso, foi
insensato pretender ensinar alguma coisa a alguém sobre ‘literaturas africanas’
sem ter lido O Coração das Trevas, o que pensar sobre todos aqueles que
tomaram decisões ao longo do séc. XX sobre o futuro de África?
Hoje, interrogo-me cada
vez mais se há princípios capazes de justificar as opções de leitura.
15.8.10
O ódio não devia ser uma
delícia da velhice! Esta devia tornar-nos mais sensatos, menos elitistas…
Miguel Esteves Cardoso
odeia as autocaravanas porque tem pressa, porque gosta de caminhos secretos e,
sobretudo, porque outrora escorregou na baba de algum mísero caracol. Claro
está que o MEC não utiliza o termo português, prefere o «escargot» francês para
destilar a sua raiva contra os internautas franceses que conjuram contra a
placidez da Serra de Sintra e, particularmente, contra a esperteza do cronista
que bem confessa que não tem razão.
O MEC sabe certamente que
muitos destes caravanistas são vítimas da incúria portuguesa que se esquece de
assinalar a estreiteza das vias e de lhes proporcionar áreas onde possam
aparcar. Por outro lado, é verdade que um dos equipamentos de uma autocaravana
é um frigorífico, mas que dificilmente pode guardar o peixe necessário para um
mês… De facto, um caravanista não frequenta restaurantes de luxo; compra o
peixe na praça ou no supermercado e grelha-o ele próprio, prescindindo de
‘criados’…
Os caravanistas não são
somíticos e, ao contrário do que o MEC imagina pois nunca entra, por exemplo,
em parques de campismo – campings – estes deixam muito dinheiro em Portugal…
Basta visitar os parques de campismo na época baixa.
PS: Não é habitual
responder a este tipo de micro-crónicas, mas o snobismo do seu autor devia ser
taxado!
12.8.10
Na
morte de Ruy Duarte de Carvalho
(Santarém, 1941-
Swakopmund, Namíbia, 2010)
Como agradecimento pela
capacidade de escutar o outro, aqui colo algumas das minhas notas sobre as
leituras que fui fazendo da obra deste ilustre contemporâneo (e, de certo modo,
conterrâneo).
Infância em Moçâmedes.
Foi regente agrícola. Vive e ensina[1] –
professor de antropologia numa escola de arquitetura da Universidade de Luanda;
e também de Coimbra. Antes de ser antropólogo, trabalhou como engenheiro
técnico agrário. É cidadão angolano, embora tenha nascido em Portugal. Angola é
o seu "lugar no mundo". " Sou angolano, vivo em Angola, sem
família, sem etnia, sem enquadramento institucional que preencha todas as
necessidades políticas e de cidadania e, sobretudo, sem ambição pessoal que se
enquadre no quadro das ambições possíveis em Angola."[2] Após a independência de Angola,
viveu em Londres, fez um curso de televisão e cinema, e realizou filmes em 16
mm que os Cahiers de Cinema elogiaram. As rodagens levam-no à antropologia
(doutorando-se na parisiense École des Hautes Études en Sciences Sociales.
Obra: Chão de Oferta
(1972); A Decisão da Idade (1976); Exercícios de Crueldade (1978); Sinais
misteriosos... já se vê (1979); Ondula Savana Branca (1982); Hábito da terra
(1988); Como se o mundo não tivesse leste (1992); Ordem de Esquecimento (1998);
Aviso à Navegação; Vou lá Visitar Pastores[3] (Cotovia,
1999); Observação Directa (2000); Atas da Maiaga (2003); As Paisagens
Propícias (Cotovia, 2005)[4]; Desmedida (Cotovia,
2007)[5]
[1] -
Aos 59 anos de idade.
[2] Opções
/ definições: Sobre o início da guerra, há 40 anos: "tinha 19
anos. Foi talvez o dia em que estive mais perto da morte. Estava no Quitexe e
tinha começado a trabalhar como regente agrícola numa grande fazenda. Não morri
porque cheguei três minutos tarde de mais ao posto administrativo onde fora
buscar o correio. Foi uma situação tão extrema, que os horrores que se lhe
seguiram não me deixaram dúvidas sobre o lado em que passaria a colocar-me daí
para a frente. Por isso é que digo ser angolano por condição e não opção. (...)
Estava do lado da razão de Angola." Sobre a literatura: "Em
relação à produção literária, o que me interessa na escrita são os seus
elementos detonativos. E a poesia militante é, quase sempre, conotativa e,
muitas vezes (o que sempre a diminui!), demonstrativa. Mas pode de facto
acontecer que através dela se produza, por diversas razões, conjunturais e não
só, um tal grau de exaltação no leitor que lhe assegure o efeito de
"revelação" sobre a "causa" que o poeta, independentemente da
qualidade do poema, quis cantar e apoiar. Foi o que aconteceu
comigo. Sobre o comprometimento da literatura: Sobre se a Angola
independente e soberana nunca lhe causou "arrepios" que o levassem a
pegar na pena, denotativa ou demonstrativamente, Ruy Duarte de Carvalho
responde: Antes do "Vou lá Visitar Pastores", cujo terreno seria
"a priori" o da escrita demonstrativa, mas onde, por um artifício
literário, introduzi elementos de escrita criativa, eu já tinha escrito o
" Aviso à navegação", dirigido a interventores, a políticos, a ONG,
etc. ... Foi a minha resposta cívica, se quiser, feita em termos
demonstrativos, sobre os mesmos kuvale (ou mucubais, como toda a gente lhes
chama) e sobre as sociedades angolanas de economia doméstica em geral, para que
técnicos e executores políticos pudessem servir-se do livro como instrumento de
consulta. Está implícita em todo o livro a crítica ao poder, às práticas mais
reprováveis dos poderes. Sobre o boi kuvale: " A raça dos bois kuvale
corresponde a uma matriz dos bovinos de toda a África. São os sanga,
descendentes em linha directa dos "Bos primogenitus", que dá o
"Bos taurus" (bois sem bossa) e o "Bos indicus" (com
bossa).
[3] -
Sobre Angola (1999): "Estou a chamar a atenção para uma Angola que as
pessoas não sabem que existe porque a actualidade de Angola é de tal forma
confrangedora que as pessoas só se detêm nos aspectos catastróficos. A Angola
de hoje é uma coisa geograficamente de tal forma insularizada e de difícil
circulação que as pessoas acabam por se ocupar só de Luanda. Esquecem-se que
Angola é vasta e tem Angolanos... lá no fim...! que por razões culturais, como
é o caso dos Kuvale, ou por razões de actualidade político-militar, vivem em
situações de grande isolamento, que reabilitaram sistemas de produção, de
circulação económica que até implicam dispositivos de troca... (...) São estes
processos que me interessam. À medida que o mundo cumpre a globalização, de que
vocês tanto falam, há processos de insularização em curso, que desligam as pessoas,
mas ao mesmo tempo lhes garantem a sobrevivência. E são tão angolanos como os
outros! E raramente são tidos em conta: quer pelos poderes nacionais quer pela
chamada assistência humanitária, que normalmente não atende à especificidade
das populações e, a coberto de uma acção que pressupõe um resultado positivo,
introduz formas que se revelam negativas para as populações. Tudo isto
acontece, tudo isto é referido aqui. Sobre o "mundo Kuvale":
Toda a gente come, a redistribuição é um facto, há gente mais rica e gente mais
pobre, mas do comportamento dos ricos consta a componente intrínseca de
distribuir a sua riqueza. Entre estes pastores, há famílias que detêm milhares
de cabeças de gado; há outras que detêm dezenas ou unidades. Mas, de uma
maneira geral, todos acabam por comer da mesma maneira. Por todo o mundo os
ricos ostentam a sua riqueza, não há acumulação que não vise exibir-se... No
caso destas populações, a exibição da riqueza passa pela redistribuição, um
homem é mais prestigiado quando alimenta mais gente, quando da riqueza pode
extrair vantagem e destaque social através da sua capacidade de dar, não de acumular.
Todos os anos os homens ricos matam pelo menos dois, três bois, que partilham
com toda a vizinhança. Essa é a diferença fundamental! Enquanto os homens ricos
de Luanda acumulam automóveis nos quintais, os homens ricos pastores que eu
trato acumulam bois de que depois fazem beneficiar as pessoas que estão à volta.
Eu posso ter de sair de
Angola, no dia em que sair fechei o escritório, não falarei mais de Angola.
Angola não é uma coisa que a História destinou à extinção e de que nós sabemos
tudo porque extraímos uma leitura. Não! Angola vive, pulsa, é maior do que as
situações que lhe assistem. Era maior do que a condição colonial que lhe estava
imposta, hoje é maior do que a situação de catástrofe que vive.
Dados biográficos:
Conheço esta sociedade desde criança. O meu pai era português, de perto de
Lisboa, foi para Angola com 30 anos. Eu ia com ele para o mato, caçar, foi aí
que eu apanhei o vício do mato. Ainda ando a dormir nas pedras. Este é o livro
que escrevi para me explicar a mim mesmo. Tinha 19 anos quando rebentou
a revolta contra o poder colonial, vi de tudo, fui bombardeado, lutei
pela independência e pela autonomia. Desde então que sei perfeitamente de que
lado estou – do lado de Angola como país que ainda não desistiu.
Sobre a adopção de um
estilo literário no discurso antropológico: “É verdade que a adopção de um
estilo literário, ficcional, no discurso antropológico não é novidade. Já não o
era quando Geertz e seus seguidores mais radicais, em Writing Cultures,
assumiram a etnografia como uma forma de escrita e os antropólogos como um tipo
de autores: Lévi Strauss nos seus "Tristes Trópicos", Michel Leiris e
Georges Balandier nas suas "Áfricas" (para o primeiro "uma
Afrique Fantôme", para o segundo uma "Afrique Ambigue") já o
haviam feito, tentando escapar aos constrangimentos que o figurino de uma
ciência moderna impunha à tradução difícil das realidades culturais (...) Mas,
em "Vou lá Visitar Pastores", Ruy Duarte de
Carvalho transcende tudo isto e todos eles: turistas, viajantes,
ficcionistas e etnógrafos de caderno de campo em punho e diário no bolso. Ele
consegue, aqui, o milagre de uma "antropologia doce". Uma
antropologia que, sem qualquer ingenuidade, se reconhece e transcende
recuperando formas discursivas que estiveram, afinal, na sua origem, para se
impor em novo formato. O verdadeiro milagre reside na capacidade de imposição
de um olhar antropológico (sub-repticiamente exclusivista, diga-se), sem fazer
recurso evidente aos elaborados alicerces de uma ciência clássica - que apesar
de tudo, está lá nos bastidores (nas entrelinhas, nas referências múltiplas e
cruzadas, nas perspectivas poliédricas, no glossário, no post scriptum) - mas
antes ressuscitando a sua vocação original mais universalista e humanista (...)
Testemunhos / Leituras:
Nas palavras de José Eduardo Agualusa: “Vou lá Visitar Pastores" está
organizado como se fosse uma conversa entre o narrador, Ruy Duarte, e um
jornalista angolano do qual não se refere o nome (é Filipe Correia de Sá, ele
próprio escritor, há anos a trabalhar nos serviços portugueses da BBC, em
Londres), que combinou encontrar-se com o amigo para visitar o deserto. Filipe
Correia de Sá não comparece ao encontro e Ruy Duarte deixa-lhe uma série de
cassetes... – curioso artifício literário / de um discurso antropológico...
" Vou Lá Visitar Pastores" – exploração epistolar de um percurso
angolano em território Kuvale (1992-1997) Luís Carlos
Patraquim: Observação Directa estabelece uma relação tanto com a obra
"Vou lá visitar pastores" como com a obra anterior "Habito da
Terra". Aqui, autor, tradutor, língua, recriam-se em jogo onde o legado
da tradição oral se institui como instância decisiva, única e
primeira razão produtora de sentidos, alavanca para a instauração de um
ser-outro "no Texto, lugar de encontro"...Tudo neste livro se
conjuga, confundindo-o: a mera notação de viandante ou de antropólogo
viandante, o provérbio que se retraduz em derivação, a enumeração de pontos /
temas de observação, a estruturação no sentido da complexidade que quer conotar
territórios poéticos ainda em gestação, o registo de um retraduzido lirismo
pastoril, hínico, salmódico, ritualístico, sincopado, a fragmentação quase como
pose de olhar, uma encenação charadística, labiríntica, mas também plana que só
os pastores, os que cantam a beleza da vaca e do carneiro e a pele da chana,
lograrão saber.
[4] -
Em entrevista, a propósito de Paisagens Propícias, Ruy Duarte de Carvalho
defende uma tese que sempre me foi cara:» Poucos retêm que o último embate da
guerra fria ( a batalha do Cuíto Canavale) foi em Angola, e que esta tem sido
campo de batalha de muitas guerras que não têm a ver connosco: Afeganistão,
independência da Namíbia, reflexo da luta armada no fim do apartheid na África
do Sul…»
[5] -
O livro narra uma viagem física e literária pelo rio S. Francisco (ver
referências brasileiras: Guimarães Rosa e Euclides da Cunha). Resulta de uma
estadia de alguns meses no Brasil com intervalo para o autor regressar a Angola
e voltar a cruzar o Atlântico.
10.8.10
«Enfim: acabamos por ser
o que resta do que somos, mas também, e às vezes sobretudo, aquilo que os
outros veem em nós.» (Fernando Namora: autobiografia sem biografia, in JL)
«Depois da Instrução
Primária, o Colégio Camões em Coimbra. Em As Sete Partidas do
Mundo conto como foi. (…) Depois, ainda, dois anos de liceu em Lisboa, um
liceu também chamado Camões (1932/1933; 1933/1934). Com duas parentes
solteironas, morava num casarão do Paço do Lumiar. (…) Escondia (delas) também
o jornal do liceu, todo ele escrito e ilustrado por mim (exemplar único, como
se poderá calcular), distribuído aos colegas num certo dia da semana, Jorge de
Sena era um deles. Não quero lembrar-me desse tempo, salvo de outro grande
amigo meu companheiro de turma, um altarrão de músculos sólidos, que se fez meu
protetor. Minha mãe apercebeu-se de que as coisas não corriam bem. Regressaria,
pois a Coimbra, dessa vez para uma pensão de estudantes.»
(Fernando Gonçalves
Namora - 15.04.1919-31.01.1989)
O que é que os outros –
os de hoje – veem em Fernando Namora? E os do passado, por que motivo o
silenciam?
8.8.10
A ameaça de trovoada
acompanhou-me no regresso temporário a casa. Nos próximos dias, vou tentar
(des)arrumar alguns papéis. Há muito que sonho com uma queimada! O fogo que me
alaga o corpo bem podia libertar-me do ‘lixo’ acumulado ao longo dos anos.
Face à brevidade da vida,
não faz qualquer sentido este amontoar de “bens”, este sentimento de posse.
7.8.10
Ir de Valverde a Burgau,
em transporte público é uma aventura. Os horários afixados nas paragens não
servem de nada, embora possam ser considerados como sinais de esperança!
Atravessar a vila da Luz revelou-se quase tão difícil como dobrar o Cabo das Tormentas.
Na sequência de uma primeira avaria envolvendo um autocarro ONDA, deu-se um
segundo acidente envolvendo outro autocarro ONDA; e eu, que viajava num
terceiro autocarro ONDA fiquei retido num cotovelo de estrada que há muito
deveria ter sido desfeito se houvesse algum planeamento no concelho de LAGOS, à
espera que a polícia apeada surgisse para pôr um pouco de ordem no drama.
Estancado o trânsito,
tiradas as medidas aos veículos envolvidos, o segundo ONDA pôs-se em marcha,
deixando a condutora do outro veiculo sinistrado a contas com a autoridade,
pois a vista da senhora há muito que deixara de ser capaz de traçar uma perpendicular…
Quanto ao terceiro ONDA acabou por seguir viagem, ignorando os passageiros que
estariam na paragem da Igreja a contas com o primeiro ONDA avariado… Enfim, lá
cheguei a BURGAU, onde o mar é quem manda e a maioria dos restaurantes só abre
às 18 horas. Vá lá saber-se porquê!
Como o meu almoço não
interessa a ninguém, pois só me dá duplo prejuízo, refiro, no entanto que, no
restaurante BARRACA, servem benzinho e são simpáticos. O pior foi o regresso,
depois de uma hora na paragem, acabei por entrar num quarto ONDA que para me
trazer a Valverde, me levou à Praia da Luz, me fez regressar a Burgau, e de
novo à Praia da Luz, para, finalmente, me deixar no lugar de destino…
Um belo exemplo de
economia planificada…
6.8.10
(Para quem quer caminhar
de Valverde até à Praia da Luz, onde é que fica o passeio? Não vale a pena
afirmar que o turismo é uma riqueza para a economia nacional quando as
acessibilidades são descuradas!)
Hoje, porém, abandono o
meu lado negro para me referir a Teixeira de Pascoaes. Mário Cesariny publicou,
em 1998, um pequeno livro, intitulado AFORISMOS, recolhidos em parte da
obra de Teixeira de Pascoaes.
Da leitura que venho
repetindo, gostaria de referir alguns tópicos que me parece merecerem
aprofundamento: a) um certo desprezo pela ‘literatura’ – «a literatura (…) um
produto industrial»; b) o elogio da raça dos poetas, em contraste com a
condenação dos políticos – «cá em baixo, a acção criminosa dos políticos»; c) a
superioridade dos valores populares –«Devemos substituir Os Lusíadas, esse
Livro de Linhagens, pelos Autos populares de Gil Vicente»; d) o retrato de
Camões, homem triste, sofredor e intérprete da morte – «Camões é um abismo de
tristeza»; e) o fascínio pela transgressão – «A corrupção forma as novas
ideias» / «O bom senso tem quatro patas» / «O pecado é mais fecundo do que a
virtude»; a dúvida sobre a essência Deus – «A morte é a pessoa feminina de
Deus».
Desta leitura, forçada
pelo espírito rebelde de Mário Cesariny, fica-me a ideia de um Teixeira de
Pascoaes crítico da Geração de 70 e defensor de uma nova ideia de educação. Uma
ideia que acabou por morrer na sarça ardente da primeira república.
5.8.10
O Algarve é pequeno e
diverso. Cheguei a Valverde, parque da Orbitur, que, depois de eu ter entrado,
me enviou um e-mail a dizer que, nesta época do ano, não fazem reservas.
Simpáticos! O parque está cheio de franceses, de italianos e de espanhóis, isto
sem falar nos ingleses que, na zona, são senhores.
Ao fim da
tarde, viajei até à Praia da luz, tendo tido a oportunidade de descobrir
que os condutores dos autocarros lidam melhor com as libras do que com os
euros. Praia a esvaziar e um vento frio a fazer-se sentir. Inesperadamente,
acabei a visitar as ruínas romanas que, oficialmente, encerram às 17 horas.
Afinal, os árabes e os
romanos chegaram a este lugar muito antes dos portugueses e dos ingleses!
A vila de Alvor
Saio da vila de Alvor, do
camping da Dourada, com uma frase na cabeça. De manhã cedo, uma agente da
autoridade comentava com um almeida: «Quando chego à zona ribeirinha, e olho à
direita e à esquerda (registo no relatório de ocorrências de ontem), vejo
duas realidades bem contrastivas.» No essencial, esta agente relatou tudo o que
eu penso sobre a vila de Alvor.
Entretanto, percebi que a
agente faz acompanhar o seu relatório das devidas fotos para que o seu chefe
possa, de forma documentada, interpelar quem de direito. E, também, senti uma
certa ironia naquela afirmação devidamente corroborada pelo almeida que continuava
a varrer o lixo que os ébrios turistas tinham abandonado na via pública…
Finalmente, continuo sem
saber quem é que lê os relatórios diários dos milhares de agentes de autoridade
e quais os efeitos na melhoria da qualidade de vida das populações…
(Nem só de literatura se
faz o discurso!)
4.8.10
Lá dentro, não mora
ninguém! A cigarra, com a canícula, libertou-se para nos dar cabo dos ouvidos.
Arreliado com o canto, apetece-me exclamar como o Teixeira de Pascoaes: o
ruido estridente e monótono da cigarra é literatura. Com as devidas distâncias,
pois Pascoaes, quando redigiu o aforismo, pensava num cão: o ladrar é
literatura.
3.8.10
Na
praia de Alvor… com procurador
Hoje, desci à praia de
Alvor. Um areal imenso cheio de corpos. Lá arranjei um buraco para me esconder
de mim mesmo, enquanto lia 4 ou 5 páginas do DN sobre a morte do antigo diretor,
Mário Bettencourt Resendes. Claro está que quando um homem morre só tem
qualidades (de facto, eu até gostava da serenidade do comentador!) Percebi que
quando o Mário se zangava mudava o registo de língua para Os Açores, o que, a
mim, me faz falta – talvez haja por aí um registo ribatejano falho de vogais
que simplifica de tal modo a fala que nenhum interlocutor chega a saber o que
queremos dizer, os ribatejanos.
Enquanto o calor me
obrigava a pensar em atirar-me à água, ia percebendo que, mesmo ao lado, no
jornal, morava o meu vizinho, da Portela, procurador da república, que se
imagina rainha da Inglaterra. Nunca percebi esta falta de consideração pela
(velha) rainha e, consequentemente, pelos seus súbditos que nos cultivam o
Algarve! E já é tempo, de 100 anos depois de instaurada a república, deixar de
estabelecer analogias com a monarquia, a não ser que o procurador queira ser um
monarca…, o que, repentinamente, me faz pensar que o melhor é pôr-me a
averiguar por que motivo veio D. João II falecer em Alvor.
De qualquer modo, não
consigo compreender porque é que o procurador não bate com a porta, e põe cá
fora tudo o que sabe. No meio de tudo isto, parece que a investigação só existe
para afastar, de qualquer modo, as acusações feitas a alguém, ou, pelo
contrário, para incriminar, custe o que custar, quem lhe sai ao caminho…
2.8.10
Nem todas as obras
cumprem com a mesma eficácia o objectivo para que foram criadas. Umas
deviam tratar-nos do corpo; outras da alma. As primeiras, rasteiras, passam
despercebidas; as segundas, altivas, elevam-se aos céus. Descrente das
primeiras, quiseram-me purificar a alma. Resisti por palavras e omissões até ao
dia em que fui convidado a repensar a minha vocação. Ainda, hoje, não sei onde
é que perdi o apelo do céu (ou seria da terra?); continuo a cumprir algumas
tarefas, umas mais nobres outras mais mesquinhas. Nem mesmo, em férias, me
liberto de quem esperam que eu seja. Corro o risco de não conseguir ser eu
próprio e, principalmente, de não perceber que o único objectivo deve ser, em
vez do tronco firme e resistente, procurar o ramo instável e quebradiço…
1.8.10
Ontem, referi-me aos
termos askesis e hypomnemata sem lhes
explicar o sentido. Hoje, passada a neblina matinal, aproveito para elucidar
que a askesis é um velho termo para designar o adestramento de
si por si mesmo. Em regra, este procedimento, na convicção de Epicteto, exige
que nos submetamos a três tarefas diárias: meditação, escrita e exercício
físico.
Quanto aos hypomnemata,
estes são uma memória material das coisas, lidas, ouvidas ou pensadas, e podem
servir a via da ascese. Sem qualquer tipo de pretensão, quero crer que estes
meus posts são, afinal, os hypomnemata dos antigos, se eu persistir
na askesis de mim mesmo.
Tudo isto pode parecer
inútil se a desorientação se tiver apoderado de nós. Todavia, se fixarmos o
olhar, o cavalo sabe qual é o caminho…
31.7.10
Com sol tudo é diferente,
bem sei que há quem prefira a noite, com ou sem luz artificial. No meu caso, a
simples ideia de caminhar no convés de pedra só se coloca sob a intensa luz
natural. E o rendilhado da pedra sob os meus pés desperta-me para os tempos em
que o oceano assolou as montanhas e a força das ondas as vergou. Há quem pense
que eu estou de férias, mas não.
Aqui vejo e ouço o modo
como o diverso se submete à lei do mais forte. Aqui, descubro que nem sempre é
o pobre quem passa mais fome. Aqui, descubro palavras que verdadeiramente me
interessam: “askesis”; “hypomnemata” … Aqui, procuro ir além do «in memoriam
non ingenium» …
30.7.10
Cheguei sem sol e, assim,
continua. A praia fica a 500 metros do parque de campismo. O caminho é bom,
apesar de obrigar a algum esforço no regresso (isto para quem anda a pé!) A
areia branca e fina abriga-se entre falésias de ardósia. Tudo parece acolhedor,
mas, hoje, falta o SOL.
25.7.10
Desde sexta-feira que
reaprecio provas de exame. A tarefa é melindrosa. Sobretudo, porque, a certa
altura, deixam de estar em causa as respostas, passando para primeiro plano a
qualidade das perguntas e dos critérios de classificação.
E nem vale a pena falar
das alegações, sempre cheias de razão…, ignorando, por inteiro, a diferença
entre o texto argumentado e o texto digressivo, desconhecendo o que é um
argumento e apostando em exemplos descabidos.
Mas esta ignorância não é
apenas dos examinandos, ela está inscrita nas instruções das provas de exame,
desrespeitando a tipologia textual consagrada nas orientações programáticas do
actual Programa de Português.
24.7.10
Os reizinhos não
necessitam de ser eleitos nem herdam o trono. Cercam o poder, sabotam os
pilares das instituições e progressivamente impõem os seus interesses. Ao
contrário do monarca, educado para servir a coletividade, para exercer o poder
em nome dos súbditos, o reizinho está-se nas tintas para o outro; ele é o
soberano que abdicou dos vassalos…
Os reizinhos têm,
todavia, um enorme defeito. São incapazes de criar o que quer que seja e/ou
admirar a obra alheia. E encaixam numa enorme moldura, à espera de serem
adulados…
22.7.10
Diz Michel Foucault, n’A
vida dos homens infames, que cada um, se souber jogar o jogo, pode
tornar-se face ao outro um monarca terrível e sem lei.
Todos os dias, nas mais
diversas circunstâncias, dou conta desse jogo que, em nome do igualitarismo e
da justiça, dá cabo do empenho e, muitas vezes, do desempenho do outro…
O que fazer?
Desistir ou enfrentar os reizinhos?
19.7.10
Ao contrário do que
muitos defendem, ninguém faz o que eu faço. Se a ideia de que nada nos
diferencia fosse válida, não passaríamos de um rebanho a pedir pasto e cajado.
Eu faço mal, bem,
assim-assim. O outro também faz mal, bem, assim-assim. Mas faz diferente. Se
tudo fosse igual, não haveria nem EU nem OUTRO, e muito menos TU. Apenas, o
solilóquio dos pastores…
Aquilo que nos diferencia
vem de longe ou de perto, conforme a idade, a experiência (a aprendizagem
formal /informal), o estado de saúde física e mental. Omitir a maturação
individual, subordiná-la à vontade do grupo é crime, porque mata o diálogo
sobre o modo como resolver os problemas…
Quantas horas perdidas a
fazer perguntas já gastas! Quantas frases repetidas sem nada dizer!
Hoje, compreendo bem
melhor aquele avô que só soltava a voz após longo silêncio. O silêncio era a
sua forma de comunicar. E incomodava porque me fazia pensar. E eu respeitava-o.
18.7.10
Nem sempre o que vemos dá
conta do que percecionamos. As cores distendem-se até tudo ficar azul. No
entanto, a visão sente-se perturbada por um vento agreste que tudo desgrenha
como se o Inverno estivesse de regresso.
De qualquer modo, não é
esta confusão dos sentidos que mais inquieta. É, principalmente, o despropósito
dos comportamentos, a irracionalidade das atitudes…
Claro está que poderia
ter descido ao areal…
16.7.10
O Espírito Santo bem
podia baixar sobre algumas cabeças que ainda não perceberam que o combate à
flatulência não obriga a uma dieta extrema… (Cuidado que há muita flatulência
que não é apenas ventosidade!)
Ser menos infeliz à custa
do sofrimento alheio pode trazer um prazer imediato, mas torna-nos
mal-humorados e, sobretudo, depressivos.
Nenhum “paraíso
artificial” devolve a serenidade que nos devia governar… Bem sei que não há
nada pior que o orgulho e, embora não entenda completamente a semântica do
termo, creio que uma das suas faces é a necessidade predadora de assegurar um
lugarzinho na pequena história dos homens.
E infelizmente quanto
maior é o orgulho, menor é a vontade de contribuir para o bem comum. Pouco
importa que o vizinho se mate a trabalhar para compensar a nossa preguiça!
Pouco importa que o futuro da comunidade, por nós amordaçado, seja hipotecado…
Nota: orgulho, sentimento
exagerado que alguém faz de si próprio (do germ. urgoli.)
13.7.10
Estamos em Julho e
aborreço-me porque deixei de ouvir os melros. Sobretudo um que, de madrugada,
cantava desalmadamente como se alguém lhe ameaçasse o território. Creio que
nunca o vi, ao contrário de muitos outros que sempre se mostraram indiferentes
à minha passagem… Espero que ele regresse em Março pois, creio, que já passou a
fase juvenil.
Ouvir é cada vez mais a
minha profissão, já nada me apetece dizer… que interessa quem fala? A todo o
momento, oiço falsas perguntas de quem não quer saber a resposta.
Talvez se dizer fosse uma
atividade sazonal, eu me sentisse menos aborrecido. Se fossemos melros, poderíamos
viver em silêncio, de Julho a Janeiro… Bem sei que teríamos saudades da
voz. Mas evitávamos os charlatães que nos cercam…
11.7.10
Urge eliminar o lobby
da educação, começando por fechar as escolas de formação de professores e os
múltiplos departamentos do M.E. que vivem de costas voltadas para o que se
passa nas escolas. Em termos de
planeamento, as medidas que estão a ser tomadas levam à desertificação do
território e à secagem da inteligência. Em termos de gestão, os diretores não
têm qualquer autonomia (mais não podem fazer do que aplicar as ordens
do referido lobby). Em termos de avaliação dos alunos, os resultados dos
exames são miseráveis, sobretudo porque mostram que estamos a formar
indivíduos incapazes de pensar e de expor uma ideia que tenha alguma
substância. Os mais instruídos estão cada vez mais iguais aos mais
ignorantes. Deste modo, assistimos
a um nivelamento por baixo que acabará por nos convencer que somos
definitivamente um país falhado. |
8.7.10
Com as Juntas Médicas da
Caixa Geral de Aposentações nem todos os caminhos vão dar a Roma! Já todos
ouvimos falar da estreiteza dos atalhos. O que eu não sabia é que podemos
chegar a Roma desde que, antes, passemos por Paris.
Se eu estiver
incapacitado para o trabalho, não devo tomar a iniciativa de solicitar uma
Junta Médica. Essa decisão prova que, afinal, não estou tal mal como isso.
Então, que fazer?
Decididamente, não me
apresento ao serviço. Arranjo um atestado médico, de preferência, passado por
um psiquiatra que domine as novas tecnologias de informação, não vá algum
grafólogo pôr em causa a saúde mental do atestador. Deixo-me ficar por casa (ou
por onde me apetecer!) 60 dias. Terminada a “quarentena”, o chefe de serviço
lembra-se que a Lei o obriga a enviar-me a uma Junta Médica do Ministério a que
o funcionário pertence…
Combalido, chego à
primeira Junta Médica do meu Ministério, a qual, incapaz de contrariar a
declaração do ilustre psiquiatra, me devolve a casa, justificadas as faltas,
sabendo, desde logo, que o ritual deverá durar, no mínimo, dezoito meses… para
que a Junta Médica do meu Ministério, perdida a esperança de que eu entre em
remissão (isto é, que o meu psiquiatra me dê alta), me despache, finalmente,
para a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações…
De regresso ao lugar (no
caso, uma cave!) onde, um dia, me perguntaram quem é me lá mandou, eu,
serenamente, responderei: a Junta Médica do meu Ministério!
Está claro que não devo
ir sozinho. O (meu) caminho há muito que é percorrido por um médico de medicina
interna e /ou por um reputado psiquiatra… Se bem percebi, eles passaram a ser o
meu corpo e a minha voz! Eles falarão por mim…
Se nem assim conseguir
chegar a Roma, há que ter paciência: voltar para casa; arranjar novo atestado
médico de outro ainda mais reputado psiquiatra; faltar mais 60 dias ao serviço…
até que a Junta Médica do meu Ministério…
Mas, nunca, por nunca,
tomar qualquer iniciativa…
6.7.10
«Quando encontro um
leitor que é capaz de falar de uma personagem apetece-me abraçá-lo como um
amigo.» Lídia Jorge, entrevista ao DN de 4 de Julho de 2010
Ora aqui está uma boa
ideia: incentivar o leitor a escolher uma personagem e a falar dela.
Para os burocratas que inventaram o contrato de leitura, ler já é, em si, um
acto de progresso, mesmo que o leitor valorize apenas a acção e o insólito das
situações; mesmo que falar da obra não passe de um acto gratuito e,
frequentemente, deseducativo.
De facto, nos tempos que
correm quem é que se interessa pela personagem? A crise da personagem radica no
falhanço da pessoa, nas falhas de carácter.
E se, por instantes,
cedemos ao fascínio da personagem, não resistimos, contudo, a investigar os
defeitos do homem que supostamente a gera…
5.7.10
A viagem, iniciada na
última 6ª feira, terminou hoje às 20h30. Os olhos percorreram linhas atrás de
linhas à espera de encontrar uma ideia fundamentada, uma resposta rigorosa, uma
centelha de originalidade… Em vão. Chavões atrás de chavões… Apenas uma ideia
sombria! Descoberta a Índia, ao entrarem no Tejo, os nautas apátridas
fundaram a nação lusa.
A ignorância da História
mata qualquer hipótese de contextualização, sabota a interpretação. E esta
falha é cada vez mais frequente. Basta ler os jornais:
«D. João II era
grande apreciador de sardinhas, que considerava baratas e saborosas, de
acordo com os relatos de Fernão Lopes.», Notícias magazine, de 4 JUL 2010.
Na sombra deste discurso
vive uma singularidade que vem brincando impunemente com coisas sérias (e não é
única!). E brinca porque a Academia não cumpre a sua missão. Pelo
contrário, recompensa a ignorância, o disparate e, sobretudo,
o laxismo.
3.7.10
Viajei todo o santo dia,
sem sair do lugar. Resta saber se aprendi alguma coisa. Do outro /
outra é melhor não falar, e de mim, vejo-me refém de uma absurda
engrenagem… E o prazo a cumprir obriga-me a interromper o discurso…
1.7.10
«A biografia não é um
meio de unir a vida e a obra, mas um discurso sobre a vida / a morte que ocupa
um certo espaço entre o logos e o drama.» Jacques
Derrida, Otobiographies…, 1984
A biografia ao querer
transformar o Singular em Discurso atira-nos, de imediato, para o território da
ficção, apesar de nos apresentar como sujeito absoluto o que é apenas um
sujeito possível. A coerência da vida e a coesão do discurso não passam de mecanismos
de autenticação do sujeito / autor.
Na Idade Média, o
discurso biográfico era naturalmente hagiográfico ou, em alternativa, satânico.
O homem pouco importava… a sua singularidade morria com ele, salvo se pelo
Discurso (seu ou/e alheio) se conseguisse apresentar como sujeito absoluto –
lugar de fingimento ou mesmo de mentira…
Em nome da verdade, vamos
construindo um discurso de mentira…
29.6.10
Quando os amigos partem,
todos ficamos mais pobres. Da vida vivida, sobram, por enquanto, os caminhos
que percorremos a par, cientes de que a Natureza, que aprendemos a amar, nos
pode trair… Que Ela te acolha e te abrigue nesta última caminhada, amigo Alberto
Afonso.
27.6.10
Vi, ontem, com alguma
surpresa, a ariana Marlene Dietrich transformada numa cigana (Lydia), no filme
Golden Earrings, de Mitchell Leisen, estreado em 1947. Para o
efeito, Marlene concebeu a sua própria maquilhagem e aprendeu a tocar corretamente
cítara. E como mandava o figurino segregacionista, Marlene representa uma
malcheirosa e suja cigana que, quase, viola o Coronel Ralph Denistoun (Ray
Milland) que, perseguido pelos nazis, é transformado em cigano. A cena da sua
metamorfose é brilhante, sobretudo quando ela, a cigana, lhe desflora a
primeira orelha para prender os brincos de ouro (elemento de disfarce e, ao
mesmo tempo, estruturador da narrativa).
À época, em Hollywood, os
casais inter-raciais eram proibidos (Código Hays). No entanto, como, no
filme, Lydia e Ralph não passam de amantes, em que um deles é temporariamente
transformado em cigano, a transgressão é tolerada…
(… o que me leva mais uma
vez a destacar a importância do contexto histórico e do contexto de
enunciação…; sem eles, a interpretação torna-se arriscada e
incongruente.)
26.6.10
«Com as palavras todo
o cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas. “José Saramago, As
Intermitências da Morte
A interpretação de um
texto (das linguagens) pressupõe um razoável conhecimento do contexto de
enunciação e uma enorme atenção ao significado da palavra. Para que a ideia não
seja atraiçoada, há que percorrer o enunciado, observando-lhe a sintaxe e, sobretudo,
procurar com rigor o significado da palavra. Nenhum autor ama a ambiguidade, a
não ser que esta lhe permita dar conta dos equívocos em que facilmente caímos.
A fatuidade, a
impaciência e a avidez desvalorizam a atitude heurística, relativizando
qualquer esforço interpretativo. Na escola portuguesa, a insolência verbal (e
não só…) há anos que vem ganhando terreno, à sombra da “indisciplina”, mas, de
facto, o que acontece é bem diferente: a instrução / a codificação da
aprendizagem matou a educação (o lugar onde o domínio e a consequente valoração
dos códigos de linguagem é essencial).
Se nos últimos dias as
incongruências linguísticas me perturbaram pelo desrespeito que evidenciavam
pelo texto camoniano, ontem, na Esc. Sec. de Camões, fiquei um pouco mais
tranquilo: A Academia do Bacalhau de Lisboa premiou os quatro
melhores alunos do 11º e do 12º anos, na disciplina de Português, todos com
classificações entre os 19 e os 20 valores.
22.6.10
Os teólogos católicos
defendem que José Saramago nunca soube ler a Bíblia. Acusam-no de nunca ter ido
além da leitura literal. Saramago, afinal, nunca percebera o que havia de
literário no texto bíblico. A argúcia teologal não passa disso mesmo, basta
lembrar que a Inquisição sempre condenou, baseando-se na leitura literal. Ora
Saramago pertence a uma geração que aprendeu no seio do Partido que o inimigo
do povo português era, em primeiro lugar, o Tribunal do Santo Ofício, o braço dileto
da Contra-Reforma que nos dominava desde o século XVI, mesmo que esse Partido
servisse um dogma de sinal contrário. (O terreno é fratricida!)
Bem sabemos que a
Literatura é inimiga do dogma, que ela exige uma leitura plural… e que sempre
que se torna “oficiosa”, as obras que a constituem são devoradas por cronos.
Em princípio, todos
deveríamos ter uma noção do que é a Literatura. No entanto, encontramos, por exemplo,
nas provas de exame de Português e de Literatura Portuguesa, indícios de que
isso se está a perder. Se relermos os questionários, percebemos que as
perguntas não pressupõem rigor interpretativo dos textos selecionados (de
Camões, Fernando Pessoa, António Lobo Antunes. E por isso aos alunos não é
pedido que interpretem globalmente os textos. Quem percebeu que o POETA INTERPELA O
REI? QUE A MUDANÇA DE MENTALIDADE EXIGE QUE O REI ALTERE O ALVO DO SEU OLHAR?
E porquê?
Porque de há uns anos a
esta parte, a vontade de filtrar e controlar a leitura adotou as vestes
teologais que nunca deixaram de estar presentes nos «iluminados» que nos
governam e nos conselheiros que os adulam. Todos eles lêem pouco … e seguem a
velha cartilha do miserável ‘controleiro’…
20.6.10
«Porque a filosofia
precisa tanto da morte como as religiões, se filosofamos é por saber que
morreremos, monsieur montaigne já tinha dito que filosofar é aprender a
morrer.» José Saramago, As Intermitências da Morte Passei o dia longe de
Lisboa, entre troncos e raízes, à beira-rio. Nas margens, os eucaliptos
esventram o solo à procura da água que os faz crescer escandalosamente. Por
perto, os jarros resplandecem, indiferentes à opulência do plantio vizinho.
Do outro lado do rio, estendem-se vastos e viçosos campos de arroz, de milho,
de batata e de tomate… Dos pinhais sopram as melodias dos melros e dos
verdelhões; no rio grasna o pato; o crocitar dos corvos obriga-me a
procurar-lhe o rasto… E o negro rasto, que
parece ser de dor, é fome de presa. Pouco importa o que aprendemos. No fim,
de nada nos serve a argúcia… Só os corvos, inquietos, sobrevoam à espera de
que o público se retire. |
19.6.10
Formigas, caminhamos sem
imaginar que podemos ser calcadas. O risco espreita-nos a cada instante, mas
esse é o nosso destino. Tudo o resto é soberba e vaidade!
18.6.10
Haverá uma arquitetura
de gaveto? E porquê “de gaveto” e não “ de canto” ou “ de esquina”? Ou
simplesmente perante a necessidade de ocupar as esquinas, o arquitecto
procura encontrar a solução que melhor se acomode a cada caso. Seja como for,
a simples existência de uma esquina condiciona a solução, o que, no fundo,
significa que devemos evitar que nos acantonem, a não ser que desejemos que o
Arquitecto determine o nosso destino… Entretanto, desconheço
a origem etimológica de “gaveto”. Na sombra, há quem pense que este termo
está relacionado com “gaveta”, que, de origem latina (gavata, gabata)
terá chegado a este canto da Europa através dos cruzados
provençais que, ao passarem, meteram os indígenas na gaveta e
lhes ocuparam o lugar. O que me leva a pensar que quer se trate de arrumar na
“gaveta” ou no “gaveto”, o gesto pressupõe sempre uma certa violência, uma
certa dor ou, em alternativa, alguma dose de predação. Em síntese, não sei se
algum arquitecto de esquina já pensou nesta questão nem se vale a pena
examiná-la. No que me diz respeito, os gavetos sempre me despertaram um
complexo de inferioridade… e se continuo, ainda acabo por encontrar o trauma
que me leva a pensar estas tolices… |
16.6.10
Quando passamos, o que é
que vemos? Passemos e suspendamos o passo… Artistas, quase, anónimos criaram o
espaço que atravessamos. Na obra respira a vida, e nós passamos, sem alma…,
ávidos de um porto noturno, sem, de verdade, percorrermos o caminho…
14.6.10
Sonha-me
no ouvido do espaço
mesmo se o que separa
me apaga
Se o deserto me queima as mãos
se estou caindo
se nunca fui real
se sou ainda o movimento da sede
talvez possas pesar
esta boca de sombra
Como se pode querer tanto
e como custa
não ter boca
para levantar a casa
Se fosse um ombro ou um aroma
a mão lisa da água
a dália de uma sombra
Ah se fosse um fruto de água
Boca será boca
Esta desamparada pétala?
António Ramos Rosa, JL 13.11.1990
Sempre que proponho a leitura de um poema, mesmo que liberta de instruções”,
sinto uma rejeição tácita ou mesmo ostensiva.
No caso do poema de Ramos
Rosa, não posso deixar de reflectir sobre alguns tópicos por demais evidentes:
+ a interlocução
(sonha-me / talvez possas pesar / como se pode querer tanto / a interrogação
final.
+ a atitude reflexiva e
interrogativa do sujeito lírico.
+ a composição:
declarativa; hipotética; interrogativa.
* as palavras-chave: boca
/EU (desadaptado; irreal; em queda; revoltado; em demanda); casa; o outro (ombro,
aroma, mão, dália, fruto de água).
+ a transfiguração da
língua por quem não pode ter boca: a respiração / a elipse / a metáfora / a
metonímia / a anáfora / a interjeição / a questão de retórica / a rima solta…
12.6.10
São os múltiplos pontos óticos,
isto é, os lugares de onde perceciono, que me configuram a consciência. Sem
eles, o meu mundo seria todo igual… Todavia, quando me ponho em marcha, as
rimas tornam-se inesperadas, obrigando-me a contrastar os focos... E daí nasce
a consciência ou a má-consciência.
Por exemplo, na GEBALIS,
as caixas de correio encontram-se esventradas; no contíguo bairro de lata
vemos, junto à via pública, uma caixa devidamente identificada e em bom estado.
Na mesma localidade, a limpeza e o lixo medem forças…; as plantas ornamentais
rivalizam com as hortas; a simetria contrasta com o desalinho…
Em consciência, estes
diversos pontos óticos dão-me que pensar, mas não chegam para formar uma
opinião.
11.6.10
O
Petrarquismo na lírica camoniana
Uma resposta para quem
procura compreender o petrarquismo na lírica camoniana.
O petrarquismo
Uma maneira específica de
encarar a relação entre a poesia e o sentimento amoroso que reivindica a
correspondência entre a vivência amorosa e a poesia. Apresenta a novidade de se
referir à caracterização do objecto da paixão, acentuando o facto de se tratar
de um ser de carne e osso, desejável enquanto corpo, e, apenas, amado de forma
exclusivamente espiritual, depois de morto.
O petrarquismo afasta-se
progressivamente da angelização e da divinização da amada (do dolce
stil nuovo).
Em Petrarca, misturam-se
elementos contrários: aspiração à possibilidade de contemplar, em estado de
pureza, a amada; e o desejo de posse física. Esta contradição provoca angústia
e o despertar de uma consciência pecaminosa.
Petrarca encontra-se
assim dividido entre impulsos opostos e por isso recorre a imagens e figuras de
estilo capazes de descrever os efeitos da paixão em termos antitéticos e
paradoxais.
Recorre a figuras de
estilo como a metáfora, a antítese, o paradoxo, a hipérbole. Utiliza
recorrentemente certos subgéneros poéticos como o soneto, a canção…
Em Camões, há um tempo em
que imaginar não é bastante; falta-lhe a forma humana. Uma forma
que chega a conduzi-lo ao desvario. Tudo «porque vos vi, minha
Senhora.» Trata-se do tempo do desejo… o resto
é imitação e memória. Imitação, onde cabe todo o passado das
formas artísticas, que serve para apurar a pena. E memória que, apesar da morte
do desejo, não deixa de ser mais simpática que «a apagada e vil tristeza» em
que o poeta fenece, sob a agonia da pátria.
10.6.10
Não consigo entender como
é que um país falido pode continuar a celebrar e a delapidar recursos com
festas (religiosas ou seculares) que nada representam para a maioria dos
portugueses. Afinal, qual é o significado da celebração do Corpo de Deus num
tempo de sacralização / bestialização do corpo humano? Afinal, de que nos servem
os “santos populares”, para além de ostentarmos a brejeirice e a
(in)satisfação da gula?
Afinal, o que
é que celebramos no dia 10 de Junho? A revolta dos socialistas (utópicos e
científicos), dos republicanos (pequeno-burgueses) e dos anarquistas (mais ou
menos suicidas) contra a Monarquia decadente que arruinara o país? Ou
continuamos a idealizar uma República desavinda e informe? Ou, então,
saudosistas da raça e do império, insistimos em humilhar o Épico? Ou, de
regresso ao torrão pátrio, insistimos em festejar a diáspora?
Em 2010, um Presidente à
altura das circunstâncias (11% de desempregados; milhares de portugueses à
beira do desemprego; milhares de reformados na miséria; milhares de jovens à
procura de um primeiro emprego sem qualquer expectativa…) teria cancelado
as comemorações.
PS: A negro,
porque não encontro outra cor que possa exprimir a cegueira que nos consome.
Apesar da luminosidade que parece envolver-nos, não vislumbro qualquer Luz que
nos possa redimir do pus que nos consome…
8.6.10
No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...
No comboio descendente
Vinham todos à janela
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...
No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
No comboio descendente
De Palmela a Portimão.
(Fernando Pessoa)
Quem desde os bancos da
escola primária se habituou a olhar para o mapa de Portugal não pôde deixar de
imaginar um país sempre a descer ou, em casos excecionais, sempre a subir. Os
rios descem para o mar, o dia para a noite! Ainda no século XIV, a Europa
descia para a Mauritânia e precipitava-se bruscamente para o abismo. O mundo
não passava de meia-laranja! Foi preciso o Infante lançar-nos ao mar para
percebermos que a Terra não tinha fim, que, afinal, a terra não passava de uma
laranja. Por isso, o Gama foi escolhido para contemplar o Globo e trazê-lo
simbolicamente ao seu Rei e, este, feito senhor desta nova laranja passou a
ostentar a esfera armilar, como se ela o sagrasse não como o “infante”, mas
como o “senhor”. Foram essa confusão e esse orgulho soberano que desfizeram o
Império!
Cansado do Brasão,
do Mar Português e do Encoberto, por instantes
(1918), revelado no Presidente Sidónio Pais, Fernando Pessoa dedica-se a criar
ritmadas sextilhas capazes de nos fazer esquecer qualquer desígnio divino ou
nacional. Morto o rei, sobra a reinação. E o poema pândego serpenteia, sempre a
descer de regresso à meia-laranja!
7.6.10
Feliz aquele que
administra sabiamente/a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias / podem
passar os meses e os anos nunca lhe faltará/ (…) /Mas, ó poeta, administra a
tristeza sabiamente /RUY BELO, A MÃO NO ARADO
Apetece-me gritar, deitar
fora a charrua, atirar versos pela janela, deitar as cópias no lixo, dizer-lhes
que o destino lhes secou as ruas, deixá-los simplesmente a sorrir da canga que
os reúne e os suplicia. Deixá-los! Tudo o que lhes exige um esforço passou a ser”
secante”. O cansaço é uma maçada para os madraços. Adúlteros da vida, praticam
a mentira como redenção derradeira…
Falta-me a ataraxia dos
Poetas, a beatitude dos santos, a serenidade dos jacarandás…
6.6.10
O
que sobra das histórias invisíveis…
No Palácio que, no século
XIX, foi edificado por Policarpo Anjos, como moradia de veraneio, a Câmara
Municipal de Oeiras instalou, em 2006, o Centro de Arte – Coleção
Manuel de Brito. Sem se saber como, há histórias de riqueza que continuam
invisíveis, mas que, de algum modo, geram espaços de recreio e de cultura que
vale a pena frequentar. Até Setembro, vale a pena visitar as exposição de Graça
Morais e Por Paris.
4.6.10
João Aguiar faleceu no
dia 3 de Junho, aos 66 anos de idade. Antigo aluno do Liceu Camões, visitou a
Escola Secundária de Camões no dia 13 de Abril de 2007, onde, no
Auditório, perante uma plateia repleta de alunos, os encantou, lembrando a
importância que os professores de Literatura Portuguesa, Maria da Conceição
Caimoto e Mário Dionísio, tiveram na sua formação e retratando a vida austera
vivida e sofrida no Liceu no final dos anos 50 e início dos anos 60.
Os alunos redescobriram,
naquele dia 13 de Abril, o argumentista da Rua Sésamo (da 2ª
à 4ª série) e de Inês de Portugal, tal como puderam
interrogar o autor das coleções juvenis O Bando dos Quatro e Sebastião
e os Mundos Secretos. E muitos deles revelaram conhecer os
romances A Voz dos Deuses, Os Comedores de
Pérolas e Inês de Portugal. Nesse ano, muitos
foram os alunos que, no âmbito do contrato de leitura, leram João
Casimiro Namorado de Aguiar.
Relembro, ainda, que
nesse dia me prometeu escrever um testemunho para se associar
ao centenário do edifício da Escola. Creio mesmo que foi nesse
dia que surgiu a ideia dos testemunhos!
(…)
No entanto, ao consultar
a obra LICEU de CAMÕES 100 ANOS DE TESTEMUNHOS, não dou conta de
qualquer referência à sua colaboração. Talvez o seu espólio guarde, para a
posteridade, um documento que nos ajude a compreender melhor aquele tempo
dividido. Quem sabe?
João Aguiar morre num
tempo de profunda confusão local e global de valores, agravada pelo caótico
desregulamento financeiro e económico – crise por si prevista no romance O
JARDIM DAS DELÍCIAS (2005).Trata-se de um romance sobre a União Europeia
transformada em "Federação Europeia" no séc. XXI, em que o
federalismo vai destruindo todos os símbolos identitários em nome de uma
volúpia económica, conduzida pelos «conglomerados político-financeiros»
que de fusão em fusão condicionam consumidores e governos tornando-se
indissociáveis do poder político e da própria criação cultural.
Obrigado, João Aguiar.
3.6.10
Antero
de Quental e Raúl Brandão, o mesmo drama…
(…) Interrogo o
infinito e às vezes choro… / Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro / E aspiro
unicamente à liberdade. Sonetos,
Antero de Quental
Outrora rocha, tronco,
monstro primitivo, o HOMEM pode contemplar e, talvez, orgulhar-se da sua
Evolução, desde que não esqueça a sua génese. No entanto, passado é passado, e
quando interrogamos o PRESENTE (in)finito e nos confrontamos com as nossas opções,
por vezes, dá vontade de chorar. Percebemos que, em nós, residem liames que, a
cada passo, nos tolhem os caminhos da liberdade. Há vaidades que nos embrutecem
e que nos tornam censores da liberdade alheia.
(…) Hoje sou homem – e
na sombra enorme / Vejo, a meus pés, a escada multiforme / que desce, em
espirais, na imensidade… É deste ‘homem’, desta ´sombra’ e desta
‘escada’ que fala o GEBO de Raúl Brandão quando se interroga sobre qual é o seu
DEVER, quando procura a LUZ. Para o GEBO, o passado inútil e doloroso tolhe-lhe
a VISÃO e o caminho da liberdade deixa de ser uma demanda
individual para se conformar com os padrões decadentistas vigentes no primeiro
quartel do século XX.
Quando há dias, afirmava
que o PROGRAMA É O ALUNO – o PROGRAMA É A PESSOA – estava precisamente a querer
dizer que só há aprendizagem, só há evolução, se CADA indivíduo compreender e
interiorizar a dolorosa e despojada liberdade defendida pelo hegeliano Antero.
Quanto ao GEBO mais valia que se tivesse suicidado! Mas faltou-lhe a coragem!
2.6.10
Esta manhã, acordei à
hora do costume. Da habitual rotina, alterei momentaneamente os passos. Pensei
se valia a pena preocupar-me com os acentos circunflexos ou se eles já teriam
mudado de lugar ou de nome, um pouco à maneira daqueles complementos que, por
uma força obtusa, se tornaram oblíquos. E penso nas respostas oblíquas que irei
dar ao longo do dia.
A verdade é que não vejo
qualquer motivo para festas e não me apetece desfilar sob arcos de triunfo em
ruínas. Ponto final redundante: não vou expor qualquer outro argumento porque
já começo a ver o fantasma do Vergílio Ferreira a obliquar na minha direcção. E
eu detesto fantasmas e, sobretudo, correr à sua frente…
31.5.10
No
Campo dos Mártires da Pátria
Em comum, a ameaça de
canícula; a luz e a sombra. Algures, a metamorfose anódina do que sobra da
gruta lisboeta do épico. Em contraste, uma cidade suja que soçobra ao lado de
jardins esplendorosos. Que dizer das pessoas às 3 horas da tarde? Os operários arrastam-se
para as fontes; os jovens escondem-se nos bancos de jardim, sob o pretexto de
lerem um livro ou de passearem o cão; os idosos e os desempregados, sentados em
torno de uma mesa, jogam à sueca. Invisíveis.
E eu que faço aqui? Interrogo-me
se há algodão no Campo dos Mártires da Pátria. Está claro que bem podia
relembrar o Gomes Freire de Andrade, a Matilde; o Sousa Martins; o Câmara
Pestana; o Viana da Mota… Mas com este calor quem é que quer saber?
30.5.10
“Dizemos em ciência
que o humano (biológico) se está a tornar pessoa (psicológico).
Quintino Aires
«6% dos jovens têm
problemas de conduta (comportamentos incontroláveis ou destrutivos para si ou
para os que os rodeiam).» Daniel Sampaio
A hipótese de Quintino
Aires é simpática, mas inverosímil. Basta que chova para que do solo surja uma
vegetação exuberante que elimina as veredas e destrói as culturas. Sem a
intervenção humana, a biologia segue o seu caminho, impondo a lei do mais forte.
Quanto à transformação do
humano em pessoa, o factor afectivo (relacional) é essencial. Os estímulos de
apoio ou de rejeição são essenciais desde o berço; os limites (os marcos)
devidamente colocados são necessários à decisão fundamentada.
Melhor do que defender
que O PROGRAMA É O ALUNO, devemos procurar que O PROGRAMA SEJA A PESSOA.
Afinal, os problemas de conduta de jovens e adultos resultam dos sinais errados
que lhe foram dados na infância e que a ESCOLA, entretanto, não consegue corrigir…
porque fazemos opções erradas, também elas alicerçadas no primado da biologia.
29.5.10
Saíra cedo de casa a
pensar se a post(agem) merece um comentário fora do universo dos blogues
(‘páginas da internet com características de diário’). Um modo de iniciar o
sábado um pouco frustrante, no entanto, refém da A1, via-me condenado a
rememorar o tempo em que tentava explicar aos alunos dos cursos de ciências da
educação que o PROGRAMA de um professor do ensino básico e
secundário era bem diferente do PROGRAMA no âmbito dos estudos
universitários (isto antes de Bolonha nos ter colonizado!). No ensino superior,
o PROGRAMA ganhava autonomia, tinha vida própria (era um
pouco como o capital, indiferente aos custos, sempre a pensar nos
lucros!) – professor (quase sempre perito, disfarçado de investigador) e
alunos pouco contavam, desde que servissem a Instituição (por contenção,
abstenho-me de falar agora dos pilares, mas podemos, com proveito re(ler)
sempre o Auto da Alma, de Vicente).
Não vá o parágrafo
tornar-se ilegível, retomo a lição para, ainda na A1, rememorar o que dizia aos
meus alunos: «No ensino básico e secundário, o PROGRAMA É O ALUNO.» Já na 6ª
feira, ontem, regressara a esta certeza perante um aluno que de forma mais ou menos
desabrida me perguntara ‘o que era um púlpito?’. Quando tentei
responder, dizendo-lhe que era ‘a tribuna utilizada pelos sacerdotes para…’,
replicou que não queria saber pois a religião não lhe interessava! Fiquei
perplexo com este jovem, já não era a semântica nem a religião que me
preocupavam, era a ÔNTICA.
Entretanto, a viagem na
A1 terminara, a questão do comentário deixara de estar em foco. O mato e a
forragem tinham crescido exuberantemente; o atalho perdera-se; a oliveira
centenária continuava frondosa. Inesperadamente, uma lura na raiz de um tronco! E,
sobretudo, uma cobra que em vez de deitar fora a camisa me
reteve a sombra!
Afinal, o que é que me
impediu de meter o braço na lura e de pisar a cobra?
27.5.10
O tempo
inexorável segue o seu caminho, embora no que respeita ao mundo florestal
estejamos convencidos que o verde e as flores estarão de regresso no próximo
ano. Porém, no caso em apreço, nada nos assegura que assim será. Quando o
arquitecto, na ânsia de rebaixar o edifício, desce aos alicerces quem paga são
as raízes. Claro está que não é ele que deseja ser o coveiro das frondosas
árvores! A ordem vem de quem traçou um projecto salazarista de recuperação do
parque escolar e serve clientelas de proximidade.
26.5.10
A
crise financeira e o património…
Neste tempo de
crise, ainda ninguém perguntou quanto vale o património português! Não sabemos
valorizar o legado que os avoengos nos deixaram. Anualmente, centenas de
milhares de estrangeiros e nacionais percorrem o casco das nossas cidades,
sobem aos castelos, entram nos museus gratuitamente ou por quantias irrisórias.
A maior parte dos monumentos não consegue financiar a respectiva manutenção e
as despesas com o pessoal. Sem recurso ao orçamento de estado ou ao mecenato, o
património construído entraria em ruína. Mas esta não é a solução!
O Ministério da Cultura
existe apenas para subsidiar clientelas. É um organismo inútil que agrava
diariamente o estado financeiro da nação. As missões que lhe têm sido
atribuídas podem perfeitamente ser asseguradas pelos municípios. A cultura só é
universal se enraizada no local! Para quê um mediador centralizador quase
sempre desconhecedor das especificidades culturais? Um mediador que pela sua
própria natureza elitista deixa no esquecimento lugares e monumentos genuínos
que bem podiam ser preservados pelas gentes que com eles coabitam.
Em nome da Cultura,
desperdiçamos milhões de euros e paradoxalmente somos cada vez mais incultos. (Ainda
hoje alguém me perguntou se um soba era uma pessoa!) Afinal, para que é que
precisamos de dois ministérios na área do ensino? E de que serve o ministério
da economia?
PS: Basta sair do
terreiro português para perceber quanto custa a entrada num museu, num castelo,
numa catedral ou numa mesquita!
24.5.10
António
Lobo Antunes - será que ele vem?
Diria que a passagem do
tempo ocupa permanentemente a minha atenção: adiar o inadiável, enganar o
finito, viver o momento, exorcizar o futuro, reviver o passado. A partir de uma
determinada idade, a duração torna-se obsessão: a historicidade ganha substância.
No entanto, em termos comunicacionais, não posso imaginar que a juventude me
acompanhe nas minhas reflexões que, para além da efemeridade do meu ser, se
enraízam na História de uma Nação que desde a perda do Brasil arrasta as
grilhetas da morte. Já lá vão quase 200 anos, sem falar noutras catástrofes que
deixaram a Pátria moribunda. O apego à vida, na obra de António Lobo Antunes,
não é muito diferente da minha íntima vontade de atrasar o relógio biológico. E
de algum modo, A.L.A. alimenta a ideia de que, ao suspender o seu tempo, está a
impedir Portugal de soçobrar definitivamente. Morrer com a Pátria é o gesto
derradeiro, por muitos sonhado, mas até agora nunca consumado… Ora, os jovens
sabem, mesmo que o não sonhem, que o pessimismo e o derrotismo são seus
inimigos endógenos e exógenos. E por isso o passado não os encanta. No que se
refere ao escritor, ele bem sabe que só suspenderá o tempo enquanto continuar a
escrever… Por atalhos não conseguirá! E se insistir nessa via, despache-se, e,
por momentos, regresse aos pátios que atravessou entre 1952 e 1959, porque os
jovens, nos últimos dias, com insistência, me perguntaram se ELE vinha…
Tal como Saramago com
Deus, o meu encontro com a Fundação Saramago falhou. E, ao contrário de
Saramago que ainda espera que o Senhor o visite, eu desloquei-me à Azinhaga,
mas as portas estão fechadas, para férias, até 30 de Maio. Fiquei com pena, não
por mim, mas por aquele jovem a quem perguntei onde se situava a Fundação e que
me respondeu que ela estava fechada, que ele, o próprio, vinha de lá frustrado
(o termo não é dele, mas corresponde).
De qualquer modo, fiquei
com a ideia de que a Azinhaga no tempo das “pequenas memórias” era verde,
católica, mas dividida. De um lado, os pobres, muito pobres, e do outro, os
senhores, muito ricos. E talvez não tenha mudado muito! À excepção, do gigantismo
atribuído ao escritor, como se este filho da terra tivesse definitivamente
vingado a miséria extrema dos cativos. Indiferente, corre o rio Almonda
sonolentamente adjetivado por uma coruja.
19.5.10
Estará lá o
declive? Ou é da minha vista? Como quero ver direito, experimento inclinar a
foto. Agora, parece-me melhor – um simples toque parece poder alterar a minha perceção.
Quando envelhecemos, queremos acreditar que contribuímos para melhorar as
coisas em que tocámos, mas, ao mesmo tempo, começamos a ter pejo em pensar que
a nossa presença trouxe algum benefício ao nosso semelhante… A ligeireza da
palavra intempestiva aborrece-me, coarta-me os argumentos, como se apenas a
pedra pudesse estancar a catadupa de rugidos que se abate sobre mim.
Independentemente do
juízo que faça da realidade, que a veja em declive, esta sai sempre vencedora.
Ainda caio na tentação de querer corrigir a inclinação da agulha atraída por
uma força ignota, mas, de verdade, o que desejo é perder-me na raiz vi va,
ficando a ouvir o gorjeio, por ora, dos melros…
17.5.10
A instituição “casamento”
tal como foi concebida acaba de dar o último suspiro. O Presidente hipotecou as
suas convicções, incompatibilizando-se com todos os que viam nele o garante de
uma civilização judaico-cristã.
Resta saber o que
significa esta decisão em termos de «avanço civilizacional». Esperemos que não
estejamos perante uma vitória de Pirro!
16.5.10
Não queria pensar no
assunto, mas, quando olho a lagarta sobre a folha de couve, não posso deixar de
pensar no tempo em que, qual patrão, eliminava a pobre-de-cristo sem me
aperceber da minha crueldade. De facto, não fazia ideia da metamorfose que o
pobre e peludo ser esverdeado iria sofrer. Nem sequer me passava pela cabeça
que tal termo “metamorfose” pudesse existir. Mais tarde, Kafka atravessou-mo no
caminho um pouco como a lagarta da couve… E não deixo de pensar que o termo
“metamorfose” se revelou durante muito tempo mais sedutor do que o bicharoco!
15.5.10
«Não, ainda não se
proíbe ninguém de ler. Não, ainda não se queimam livros.» João Bénard
da Costa a propósito do filme de François Truffaut, FAHRENHEIT 451 /1966
Em 2010, a destruição de
livros está inscrita na lei. A imagem é quase tudo. A felicidade e o prazer são
os que são proporcionados pelas drogas e pelo virtual – e cada vez mais pelas
redes sociais virtuais!
Em 2010, os bombeiros,
que reprimem o prazer solitário da leitura já não são necessários. Creio,
todavia, que um ou outro bombeiro incendiário talvez pudesse despertar em nós a
sede de transgressão levando-nos a cobiçar os proibidos livros, sem ser
necessário regressar ao tempo da oratura – o tempo anterior ao livro –, um
tempo esfíngico, subordinado ao rigorismo ou ao laxismo da memória.
Quanto ao filme
FAHRENHEIT 451 /1966, os dois lados da moeda equivalem-se na anulação da
consciência. Impera um pensamento geométrico que me arrasta para a leitura de
Blaise Pascal… E dele para o jansenismo….
14.5.10
Quando a
espiritualidade entra em crise, o recurso à transcendência perde todo o sentido.
Em alternativa, a atenção humana ainda procura voltar-se para o Ideal, para a
Revolução, para a Utopia, sempre com o intuito de criar um homem, mais justo,
mais solidário, mais fraterno. No entanto, esse novo homem acaba por se revelar
déspota, ganancioso e predador. Eliminados o Destino, Deus, o Ideal, a
Revolução, a Utopia, que lugar sobra para a consciência? Uma consciência criada
para servir a Ordem! Perante a Desordem, a consciência apaga-se de vez e o Ser
que resta opta pelo Cifrão e pelo Momento.
(Em memória de Raul
Brandão.)
13.5.10
Longe
de Fátima (talvez os locatários tenham engrossado a mole que quis ver e saudar
o Papa!), o guindaste, aparentemente, descansa ao fundo da rua… No entanto, o contrapeso
de base está posicionado sobre um edifício, qual espada de Dâmocles, o
invejoso. Porém Dionísio, o déspota de Siracusa, finge que cede o trono a
Dâmocles, que inebriado, acaba por se aperceber que a sua glória pode cessar a
cada momento, pois uma espada pontiaguda ameaça abrir-lhe o crânio… Se
nem Platão conseguiu evitar a escravatura, como é que a república, submersa
pela dívida soberana, vai escapar ao seu destino?
12.5.10
Cercado de
automóveis, Santo António aponta o caminho ao Papa, pois até um engraxador abandonara
as ferramentas de trabalho. De qualquer modo, o lugar escolhido, à porta de um
banco, junto de duas caixas de multibanco, dá que pensar quanto às intenções do
trabalhador.
Sentado num banco
enquanto esperava (talvez, Godot?), cheguei a pensar que o santo estava a
indicar-me o caminho, a mim. Por pouco não me sentei na cadeira, dando um novo
rumo à minha vida, até porque, tal como aconteceu com o santo, estou cansado de
combater o alheamento, senão a alienação… Falta-me a brandura papal!
11.5.10
Tão distante e tão perto,
a mão tímida acena, quase invisível. Para quem?
Houve tempo em que talvez
pensasse nessa emoção. Hoje, bastam-me apenas a cor e o movimento.
10.5.10
Na esquina da Casal
Ribeiro com a Almirante Barroso (Lisboa). Sempre que ali passo respeito o sinal
e paro a olhar o que sobra do Império… da tal Fantasia Lusitana. E lembro que
ali residiu quem, entre muitos outros, sonhou um mundo menos injusto – Amílcar
Cabral que chegara a Lisboa em 1945 para prosseguir os estudos no Instituto
Superior de Agronomia.
Em Outubro de 1944,
a Casa dos Estudantes do Império-sede começara a funcionar, sob a presidência
de Alberto Marques Mano de Mesquita, no n. º1 da Rua da Praia da Vitória, ao
Arco do Cego. Mas, no mês seguinte, mudara-se para o n.º 23 da Avenida Duque de
Ávila, onde permaneceu até à sua extinção. Por essa altura, abre também uma
delegação em Coimbra. Amílcar Cabral foi um dos dinamizadores desta importante
instituição à revelia do salazarismo, e na euforia do pós-guerra.
A memória multicultural
de S. Jorge de Arroios, aos poucos, fenece.
9.5.10
Fantasia
lusitana, de João Canijo…
Portugal era pintado como
um paraíso de paz e harmonia, numa altura em que boa parte da Europa agonizava
com a II Guerra Mundial e se tornava ponto de passagem ou de refúgio para
milhares de pessoas, entre os quais escritores célebres como Alfred Döblin,
Antoine de Saint-Exupéry ou a atriz Erika Mann, filha de Thomas Mann. Os
depoimentos, em que relatam as suas impressões do contacto com o país, são
lidos pelos actores Hanna Schygulla, Rudiger Vogler e Christian Patey.
(Se quis ver o
documentário tive de me deslocar ao Campo Pequeno e entrar nos curros
abundantemente decorados com imagens e artefactos cinematográficos de mau
gosto, para além dos tetos baixos impregnados do cheiro a pipocas e do martelar
de teclados e bombos ensurdecedores.)
No meio do conflito
mundial, a excentricidade do Mundo Português surpreende os refugiados e arrasta
o povo miserável, eternamente grato ao redentor (Oliveira
Salazar) sob o abraço universal do Cristo Rei, para uma guerra colonial
anunciada.
Insistir que Salazar nos
livrou da guerra é uma aberração, pois todos sabemos que a “nossa guerra” se
aproximava por nos termos conluiado, primeiro com os franquistas e depois com a
Alemanha nazi. Em tempo de guerra, os exércitos precisam de retaguarda e o
Portugal de Oliveira Salazar estava à mão… A estratégia de Salazar esteve em
saber aproveitar as necessidades alheias, adiando o sacrifício do seu povo…
Sim. Gostei de ver “Fantasia
Lusitana”. Mas não gostei do ar fascinado dos espectadores que sorriram do
acasalamento das cebolas com as batatas e, sobretudo, que não sentiram vontade
de cuspir para o chão!
8.5.10
António Pedro (1909-1966)
é o autor da Antígona, ontem, levada à cena, no Auditório “Camões”, pela
novíssima companhia Grupo de Teatro da Escola Secundária de Camões.
Trata-se da Glosa Nova da Tragédia de Sófocles. Em 3 actos e 1
Prólogo incluído no 1º Acto. António Pedro, num artigo do Mundo
Literário, escreveu um dia: Teatro é tragédia e farsa; o drama
burguês, melífluo, a comédia burguesa, comedida, são apenas acidentes
acontecidos na sua história milenária.»
A escolha do texto – acto
fundador – revelou-se acertada. Apesar de tardíssimo, Creonte vergou-se perante
a inexorabilidade do Destino. Tirésias, o adivinho, restaura mais uma vez a
ordem em Tebas. Que sobriedade a da atriz (Rita G. Júlio)! E
que dizer de Antígona pronta a morrer às mãos do tirano em defesa de uma
antiquíssima tradição – dar sepultura aos mortos? OS VELHOS, numa elocução
cristalina, tomaram partido como convinha… Pela 1ª vez, ouvi e vi um coro tão
afinado que pensei encontrar-me numa ágora da antiga Hélade.
Esta nova companhia está
de parabéns. Os sinais de uma escola integradora, participativa e de qualidade
estão todos presentes neste espetáculo. E por isso quero felicitar todos os
que denodadamente contribuíram para que, finalmente, haja teatro no
Camões – alunos, funcionários e professores. Assim, sim!
7.5.10
Às 6h50, a rede
social está adormecida. De nada serve explicar que o tempo de aprendizagem
da escrita se dá quase sempre em lugares inesperados. Não foi na Escola, no
caso, no Liceu, que António Lobo Antunes aprendeu a escrever - foi na guerra
(de Angola) - "DESTE VIVER AQUI NESTE PAPEL DESCRIPTO". Em
aerogramas. 60 por mês.
4.5.10
O
encanto dos nossos governantes…
«O Português, sendo
embora um trabalhador incansável, possui um espírito empírico, não gostando nem
de organização nem de disciplina. (…) Aliás, o encanto dos Portugueses
reside nos seus próprios defeitos. Em 1966, mais de 70000 automóveis circulavam
nas estradas de Angola, sem mencionarmos motos, veículos indispensáveis em
África. Se nos arriscamos a partir a cabeça a todo o instante, na estrada que
liga Catete a Luanda, devido à sua estreiteza e tráfego intenso, encontramos,
pelo contrário, no sul de Angola, entre Moçâmedes e Porto Alexandre, mais de
100 quilómetros de estradas asfaltadas, dignas de uma pista de corridas. Um único
carro passará talvez, de hora a hora, nessa estrada, mas as autoridades
quiseram, não sei por que razão, construir tal artéria em detrimento de outras,
cem vezes mais importantes.» Mugur Wallu, Angola
– Chave de África, pág. 136, 1968, Parceria A.M. Pereira, Lda, Lisboa.
Os nossos governantes
insistem, como as autoridades coloniais, em construir vias e pontes
fantasmáticas, em esbanjar recursos em reconstruções plásticas de edifícios
escolares, em detrimento da reordenação do território de modo a potenciar a
capacidade trabalhadora e produtiva das populações.
Bipolares, saltamos da megalomania
para o imobilismo, sofismando permanentemente. O sofisma tornou-se numa arma
capciosa, incapaz de iludir o mais incauto…
O encanto dos nossos
governantes é tão antigo como o país que nunca soubemos administrar. É
visceral. ESTRUTURAL.
2.5.10
De nada serve querer
desvalorizar o adversário, muito menos tratá-lo como inimigo. Quando o jogo é
limpo, a verdade vem sempre ao de cima. Infelizmente, a face imunda do egoísmo
e da cobiça continua a ter as primeiras páginas, sem que ninguém lhe ponha cobro…
Inebriados de fanatismo, pouco produziremos neste mês de Maio. E isso pouco nos
importa! Com PEC ou sem PEC, com mais ou menos Papa e mesmo que o Benfica perca
o campeonato, o que interessa é que a nortada serene.
29.4.10
Vítor
Silva Tavares evoca Luiz Pacheco
Na presença dos filhos de
Luiz Pacheco, Fernando, João Miguel e Luís, Vítor
Silva Tavares cativou a plateia de jovens alunos da Esc. Sec. de
Camões, ao saber ler e comentar, de forma emotiva e delicada, a obra mais
significativa de Luiz Pacheco – COMUNIDADE:
«Estendo o pé e toco com
o calcanhar numa bochecha de carne macia e morna; viro-me para o lado
esquerdo, de costas para a luz do candeeiro; e bafeja-me um hálito calmo e
suave; faço um gesto ao acaso no escuro e a mão, involuntária tenaz de dedos, pulso,
sangue latejante, descai-me sobre um seio morno nu ou numa cabecita de bebé,
com um tufo de penugem preta no cocuruto da careca, a moleirinha latejante;
respiramos na boca uns dos outros, trocamos pernas e braços, bafos suor
uns com os outros, uns pelos outros, tão conchegados, tão embrulhados e
enleados num mesmo calor como se as nossas veias e artérias transportassem o
mesmo sangue girando, palpitassem, compassadamente, silenciosamente, duma igual
vivificante seiva.»
Na Biblioteca, que Luiz
Pacheco certamente frequentou entre 1936 e 1944, ficou a ideia de que o
sarcástico e impiedoso polemista maldito era, afinal, um homem puro.
27.4.10
O
Gebo e a Sombra (peça de teatro)
I - Raúl Brandão, um dos
homens da Seara Nova, 1923, procurou transmitir nas suas obras o ressentimento
provocado pela mudança brutal que ocorreu na sociedade portuguesa depois da
guerra (1914-1918): «Nunca se viram tão grandes fortunas – nunca se
enriqueceu, como agora, de um dia para o outro.» (Memórias, vol. III,
p.68.) Fizeram-se, de facto, fortunas. A Baixa de Lisboa foi ocupada por bancos
e casas de câmbio. A riqueza tornou-se ofensiva como nunca o fora antes, por
estar agora nas mãos de quem a não tivera desde sempre. Políticos e negociantes
vindos não se sabia de onde compravam rolls-royces e prédios nas Avenidas
Novas. Ao mesmo tempo que os novos-ricos enchiam os teatros, cafés e casas de
jogo, as velhas classes médias, colunas da respeitabilidade, sofriam nas garras
da inflação (Brandão, Memórias, vol. III, p. 87). (…) O pior, como notava
Brandão, eram as consequências éticas da nova nobreza: «Em que fundamentos
ou em que lei moral hei de assentar a minha vida se, no fundo, bem no fundo,
invejo os que triunfam?» (Memórias, vol. III, p.82.) Rui Ramos, A
Traição dos Intelectuais, História de Portugal, vol. VI (direcção de José
Mattoso), p. 551
Na peça de teatro GEBO E
A SOMBRA, Gebo, cobrador (e contabilista) honrado, cumpridor do seu
dever, mas pobre, esconde da mulher, Doroteia, que o filho João (a Sombra), o
rouba, isto é, rouba o patrão da Companhia Auxiliar, expondo-o para sempre à
chacota social. No entanto, assume o ato infame do filho, passando três anos na
cadeia. Perante as gritantes injustiças que vai testemunhando ao longo da vida,
GEBO, objeto de escárnio de quem serve, acaba por se interrogar sobre uma
questão que se torna nuclear: «O dever de um homem é ser justo e honrado ou
enriquecer?»
Cumprida a pena, Gebo
regressa a casa com o problema resolvido. Na prisão aprendera que «a gente só
não se arrepende do mal que faz neste mundo.»
No essencial, esta peça
não, apenas, nos ajuda a compreender o falhanço da 1ª República, como também o
que tem vindo acontecer desde que entrámos na União Europeia. Tal como há 100
anos, os atuais novos-ricos não querem saber nem de honra nem de justiça; só o
ENRIQUECIMENTO lhes interessa. Só a RIQUEZA os move.
II - «Primeiro a
nossa casa hipotecada e vendida naquele ano em que estive desempregado, 1893 -
data negra. Depois a desgraça do filho...» Raul Brandão, O
Gebo e a Sombra, Primeiro Ato.
A minha
interpretação de 27.04.2010 ignorou uma data que, hoje, considero
fulcral: 1893. (Esta data é negra porque corresponde à bancarrota
parcial de 1892-93. Neste último ano, a dívida pública atingiu 124,3% do
PIB. E só em 1902, foi possível renegociar e contrair novo empréstimo
amortizável a 99 anos - 1902-2001.)
Deste modo, a
situação de miséria vivida pela maioria da população acentuou-se enquanto uma
minoria, onzeneira, enriquecia a cada dia que passava - enriquecia com a
miséria dos outros. Esta circunstância é, assim, fundamental para compreender "o
teatro de ideias" de Raul Brandão.
De um lado, vemos o Gebo,
honrado e cumpridor do dever, mas pobre e desprezado; do outro lado, o filho, o
João ladrão, mas revoltado, para quem é preferível «antes morrer do que
viver sepultado». A viver na rua (ou na prisão) durante 8
anos (1893-1901), João vai descobrindo que «há criminosos que têm alma e
homens honrados que a não têm.» E acaba por ser ele que enuncia
uma ideia, mais do que nunca, adequada aos anos que vivemos: UNS SÃO UNS
TRAPOS, OUTROS REVOLTAM-SE.
No essencial, a família
representa os "trapos" e João, "o revoltado". Mais do
que um delinquente, João desestabiliza as consciências, a começar pela do pai,
que resolve, depois de roubado e desonrado pelo filho, aliar-se-lhe, respondendo
à pergunta de Sofia: «Neste mundo atroz, neste mundo onde não há a
esperar piedade nem justiça, só os desgraçados é que têm de cumprir o seu
dever?»
Em conclusão, nesta peça,
o autor aplica o seu conceito de teatro: este «deveria debater um grande
problema social ou psicológico, e interessar o público com "peças
sintéticas" que fossem "populares e humanas".»
25.4.10
Luiz
Pacheco no dia 25 de Abril de 1974
O meu 25 DE ABRIL
Estou na cama de manhã e
aproveito para apontar na Agenda o tempo que passa. Tinha ficado na véspera em
casa a rever provas. O puto fora para o liceu. Resolvo ir à rua beber uma
cerveja e continuar a revisão. Ao pé do chafariz, o barbeiro atira com esta:
«então, o Marcello e o Thomaz lá foram ao ar.…» Não percebo logo. Nem acredito
como. Mas ele confirma: a Emissora Nacional não funciona, só o Rádio Clube
Português é que dá música e de vez em quando comunicados breves. Já mais
convencido, convido-o logo a festejar na tasca da Laurentina que era para onde
eu ia. E depois, ainda duvidoso, vou com ele à barbearia a ver se oiço algum
comunicado. Música ligeira, sem nada de marcial. Canções populares portuguesas,
pouco mais. (Até a Amália, parece-me!). Mas passados minutos um comunicado do
Comando das Forças Armadas. Aí, adquiro a certeza que é, deverá ser a repetição
do golpe das Caldas, mas com outra amplitude. Refere que o público tem ocorrido
às lojas, em tentativas de açambarcamento, e manda fechar o comércio. Aconselha
a população a manter-se nas suas casas e as forças militares e militarizadas a
recolherem aos quartéis e não oferecerem resistência à tropa. A coisa é grave.
Parece que não há comboios e para lá de Sete Rios não se passa. Tenho algum
dinheiro e resolvo logo ir ver (foi o melhor que fiz: ver para crer). Desço
acelerado e vou a casa do Fernando Paços, perguntar se ele sabe alguma coisa.
Se sabe não diz. Mas confirma. Acompanho-o à farmácia de Queluz Ocidental e
depois (ele aconselha-me que não vá a Lisboa, pois não conseguirei passar – mas
eu conheço outro sítio para entrar, ou sair, da minha terra e caminho
acelerado. Muitos carros, em fuga discreta?) para cá. Em Queluz, já vejo lojas
fechadas, outras a fechar à pressa e uma data de tontos a abastecerem-se para o
ano todo... oiço que um tal comprou mais de cem pães. Rica açorda (ou negócio)
deve ter feito com eles. Cafés fechados. Há comboios. Meto-me num para a
Amadora, depois sigo a pé. No Bairro do Bosque (sempre o intenso movimento de
carros a saírem), ainda consigo meter um copo. Não há jornais. Rostos, com as
janelas fechadas, assomem entre cortinas. Tudo me dá a ideia de receio (mas em
Queluz vi alguns magalas a planar, o que me deixou intrigado). Venho a pé até
às portas de Benfica e o ambiente é o mesmo: fila de carros a safarem-se, comércio
encerrado, mulheres com sacos de plástico cheios, tensão. Meto-me num autocarro
da Carris, de Benfica para o Chile e fico-me um tanto a rir do Paços, que em
Lisboa e a andar para o centro já eu vou. No Chile, só uma taberna aberta: bebo
mais um copo, estou nas lonas. Animação. Um tipo ao meu lado compra oito maços
de Português Suave, também está a açambarcar ou a fumar aquilo diariamente
habilita-se a um cancro nos pulmões em beleza e rápido. Aparece gente com
jornais (A Capital) e sei que estão a vender para os lados do Império. Vou logo
lá, sento-me num degrau e sei as primeiras notícias. Tá bem! Resolvo ir a casa
do Henrique, ver se ele estará. Na Carlos Mardel, uma senhora num 1º andar
pergunta-me onde vendem jornais. Digo e ofereço-lhe o meu. O marido, que vinha
à rua, fica com ele e eu fico reduzido a 30$00. Começo com sede e angústias.
Estou em jejum e já andei um bom bocado. Penso ainda ir ao Manaças (António)
mas desde a última vez, desde a nossa última conversa, ele não me está a
apetecer. E depois, o importante deve estar a acontecer na Baixa. Enfio ao
Montecarlo (fechadíssimo) mas consigo topar um tipo a bater à porta da Mourisca
(também fechada) e entrar. É que há gente. Vou, bato, o Costa Loiro está a
forrar vidros por dentro com papel, talvez com receio dalgum obus. Peço-lhe
vintes e ele despacha-me. Meto à Rua Viriato e vou até ao quartel de Santa
Marta (todas as tascas fechadas até ali). Dá-me vontade de rir ver os cabeças
de nabo reunidos lá dentro, a falarem uns com os outros (é que obedeceram às
ordens?). Mas logo ao lado há uma tasca restaurante, porta meio aberta, com
gente e muito movimento (guardas a beber, outro a telefonar para casa e
sossegar a mulher (?), diz que não há azar). Bebo uma Sagres e como uma sandes.
E avanço para a linha de fogo, que não sei onde é. Metros andados, ouvem-se ao
longe tiros e rajadas de metralhadora. Tipos que fogem. Mas onde será o
tiroteio? Como a coisa parou, continuo a andar. Até que encontro, já não sei
onde, o Almeida Santos e um tipo que é revisor no Diário de Lisboa ou Popular,
já não sei. Metemo-nos num táxi que sobe pela Calçada do Carmo. Mas logo
populares avisam (ah, entretanto, perto do Tivoli, já tinha comprado um Diário
de Notícias, com mais informes) que a rua está bloqueada. O carro faz
marcha-atrás e mete (por onde?) para o Bairro Alto. Bebemos não sei o quê numa
tasca, o revisor vai à vida, o Almeida Santos pira-se e eu avanço para os lados
do Carmo. Na Rua da Misericórdia, muita gente, tropa e um tanque de respeito.
Da janela da Redação da República, o Vítor Direito e o Afonso Praça (aquele
grita-me: «estás muito bonito hoje!», eu levava o sujíssimo albornoz que me deu
o Artur), noutra varanda o Álvaro Belo Marques, a quem pergunto: «como é que se
entra para aí?», porque a porta da escada da República está fechada. «Vai pelas
traseiras!». Vou, mas também está fechada e logo à esquina aparece um vendedor
com a última da República. É um verdadeiro assalto. Aí fico a saber dos chefes
(Costa Gomes e Spínola) e o alvoroço é enorme. Já não sei bem: se vim ao
Rossio, se de repente notei uma grande correria para o Terreiro do Paço. Sem
perceber nada do que se passa, sigo a onda. No Terreiro do Paço, começa a
chover. Há correrias e encontro uma rapariga que me conhece muito bem, mas não
topo logo. É a Maria João, a engenheira química, amiga do Henrique, com outro
rapaz. Ficámos abrigados da chuva debaixo das arcadas, depois convenço-os a
irem beber um copo ao Terreiro do Trigo (Campo das Cebolas?), não sei já se
estava aberto se não. Ela tem o carro no Camões e para aí vamos. Mas o Chiado
está cheio de gente, que quer assaltar a Pide. Já não sei se ouvi tiros. Vi
ainda as (uma?) ambulâncias, depois quase à porta da Brasileira um rapaz ou
homem com a mão cheia de sangue (seco?), que tinha agarrado num rapaz ou
rapariga. Começam a chegar fuzileiros, há mais correrias, a Maria João e o
rapaz perderam-se de mim. Cheira-me que já chega. Agarro um táxi e arranco para
casa da Ção. Pela TV vi depois o resto. Foi bonito e foi rápido. Já posso
morrer mais descansadinho.
[Luiz Pacheco, in Diário
Remendado, Dom Quixote, 2005]
Nota: No dia 29 de Abril,
pela 17 horas, a Escola Secundária de Camões recordará o SER e o DIZER do
antigo aluno, Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco (1925-2008).
19.4.10
Art
Research de Jorge Castanho…
No 58 B da Rua dos
Navegantes (Lisboa) é, agora, possível ver, em suporte material, a Fábrica
de Anatomias que o Jorge vem disponibilizando online desde
Setembro de 2008. Numa visão clássica mitigada, o primitivo (o mitológico)
acorda em mim o movimento dos fantasmas que, outrora, habitavam as minhas
horas… É com surpresa que acolho a paciência e o rigor do artista que ousa
entrar em espaços que eu preferi desertar…
Espero que o Jorge não
leve estas palavras a sério, porque, como ele ontem me disse, quem escreve vê
sempre as coisas de um modo diverso… O escolho, no meu caso, está de tal modo
escondido que as coisas se me escapam antes que as possa reter. E, ao contrário,
o Jorge fixa a “res”, mesmo que ela insista em transfigurar-se…
18.4.10
Robert
Longo, Freud's Desk and Chair, Study Room
Confesso que a exposição
‘Robert Longo - Uma Retrospetiva’, no Museu Coleção Berardo, me
impressionou ao ponto de procurar mais informação sobre o artista
norte-americano, nascido em 1953. E encontrei o sombrio gabinete onde Freud
secava as almas dos seus pacientes. A secretária é me familiar; a cadeira
lembra-me uma sentença de morte.
Ao lado, o gigantismo e o
colorido de Joana Vasconcelos surpreendem. Mas só isso! Um pouco, como se
estivesse de regresso ao séc. XVII: o deslumbramento é efémero…
17.4.10
Diversões é
título da crónica de Filipe Nunes Vicente (Revista Ler 2010).
Para quem não tenha tempo para ler os Pensamentos de Pascal ou
as meditações de Freud, designadamente O Mal-Estar na Cultura, vale
a pena reflectir sobre os exemplos do Dinis e do Rúben, sobre o modo como
ocupam o tempo… «as grandes diversões, paulatinamente, assumem o papel
anteriormente exercido pelos narcóticos: tornam-nos indiferentes às limitações
da vida.»
Será a natureza (tropical
ou vulcânica) capaz de nos fazer sobressaltar? Agora é que o TGV vinha a
calhar!
14.4.10
Santos
do pé-da-porta... não fazem milagres…
Colega de José Cardoso
Pires e de Luiz Pacheco no Liceu Camões, Jaime Salazar Sampaio morreu,
aqui, ao lado, sem que o tenhamos convocado…
Jaime Salazar Sampaio (Lisboa,
5.5.1925-13.4.2010). Obra: Teatro Completo 1997; Aproximação (1945[1]);
O Pescador à Linha (1961)[2];
Os Visigodos (1968); Junto ao Poço (1971); A inauguração da estátua (1974);
Conceição ou O crime Perfeito(1979)[3];
Desconcerto (1980); Fernando (Talvez) Pessoa (1982); Magdalena Lê Uma Carta
(1984); Olá, Fernando (1988). Poesia: Em Rodagem, 1949; Poemas
Propostos (1954); Palavras para um Livro de Versos; O Silêncio de um Homem; O
Viajante Imóvel (1979); O Poço (nota incompleta)
[1] -
Editada pelo autor e por Luiz Pacheco
[2] - Quando vi Beckett, achei que era
tudo o que me faltava para saber o que era o teatro (…) A sua influência na
minha escrita é inegável. Ver Entrevista ao Expresso, 6 de Dezembro de 1997.
[3] - Um dramaturgo de mulheres?
12.4.10
A
caça e a retórica da masculinidade…
«Essas pessoas não
sabem o que é o marialvismo. Eu sou um antimiguelista profundo. O marialvismo
vem de D. Miguel. (…) Há muita gente profundamente antimarialva que gosta de
touros e que gosta de caça. De resto, eu acho que tudo nasceu da caça.
Tudo. A começar pela poesia. Tudo nasceu da caça.» (Revista
Ler, Abril 2010, pág. 36.)
«Já fora do terreno,
apercebi-me de que o tema do marialvismo surge como recurso retórico central em
três outros universos discursivos e/ou performativos: no fado, recentemente
construído como “forma musical nacional”, mas na realidade surgido nas classes
populares de Lisboa e apropriado pela aristocracia; na tourada e no mundo
tauromáquico; e em discursos de mitologia política sobre a “alma nacional”, em
tomo do tema do Sebastianismo e da Saudade. Em todos estes campos, um traço
comum: encontram-se par a par dois extremos da hierarquia social: na tourada, a
aristocracia dos cavaleiros e a plebe dos forcados; no
fado, a aristocracia boémia atraída pelo exótico e o lumpen proletariado
urbano; no saudosismo-sebastianismo, as figuras mitológicas de reis divinamente
inspirados lado a lado com uma Nação composta de camponeses. A figura do
Marialva, a do fadista, a do rei providencial, a do cavaleiro, são protótipos
de masculinidade: compõem-se, mais do que por oposição ao feminino, por
oposição a uma “falta” de masculinidade na burguesia, na intelectualidade, na
modernidade; e discursam sobre contradições dinâmicas da masculinidade ideal:
entre a valentia e o deboche, entre a nobreza e a pulsão dos instintos.» (Miguel
Vale de Almeida, Marialvismo)
O escritor (José Cardoso
Pires) define-o mais lapidarmente: o marialva é um indivíduo interessado
num tipo de economia e política assentes no irracionalismo. (Miguel Vale de
Almeida, Marialvismo)
Por mais que o Escritor
pense que é um antimarialva convicto, talvez valha a pena reler e repensar a
obra de Manuel Alegre, pois o homem que já tem uma cátedra na Universidade de Pádua
não descura a hipótese de ter outra em Belém.
10.4.10
Durante séculos,
empenhámo-nos em construir muralhas. Criámos um espaço público. A “praça” (a
plazza; a ágora) era o centro da vida pública. Ricos e pobres, descíamos ao
“centro” e partilhávamos o que queríamos tornar público. Lá, tomávamos
conhecimento do que se passava no mundo.
Do outro lado da muralha,
residia o privado, individual e institucional. Indivíduos e instituições apregoavam
o direito à vida privada, à intimidade, ao sigilo, à confidencialidade, ao
segredo de estado.
Hoje, a muralha abriu uma
fenda de tal ordem que nem os indivíduos nem as instituições resistirão à
voracidade da rua.
A Igreja começa a ver na
rua aquilo que tanto trabalho deu a preservar. O Estado é pasto da
arraia-miúda. A Escola, ao querer sair à rua, acabará por sacrificar os pilares
que a suportavam.
8.4.10
Infelizmente, nem tudo é
plano, circular e colorido. Vergado pelo odor das borras de azeite, tento dar
mais um passo em frente, sabendo que a felicidade não passa de uma faúlha. Há
odores capazes de destruir a luminosidade do fio translúcido do azeite.
6.4.10
O
ensino das línguas estrangeiras
Dados publicados pelo
diário i, no dia 5 de Abril de 2010:
3º Ciclo |
Secundário |
|
Inglês |
288294 |
120257 |
Francês |
228095 |
15171 |
Espanhol |
37607 |
14450 |
Alemão |
1712 |
2528 |
Ao compararmos os dados
do 3º ciclo com os do secundário, vemos que, para além do elevado número de
alunos que não continuaram os estudos, a aposta numa segunda língua estrangeira
é diminuta. O estudo do alemão é residual e a queda do francês é inexplicável.
Entretanto, o espanhol prepara-se para se tornar na segunda língua estrangeira.
Deste modo, de pouco
serve falar da internacionalização da economia ou na aposta na qualificação dos
recursos humanos. De facto, a diversificação dos mercados e dos nichos de
ciência e de cultura deveriam obrigar-nos a uma política do ensino das línguas estrangeiras
totalmente diferente da actual.
Sem retirar importância à
aprendizagem do inglês, convém relembrar que esta é a língua da globalização.
Ora um país pequeno só poderá sobreviver à hegemonia da cultura anglo-saxónica
se conseguir penetrar em universos linguísticos e culturais diferenciados. O
futuro da própria emigração passa pelo domínio do maior número possível de
línguas estrangeiras.
Curiosamente, a forte
imigração que ainda se faz sentir em Portugal deveria motivar-nos a aprender as
línguas desses “estrangeiros”. Todavia, tal como fizemos no período colonial em
que rejeitámos as línguas dos “nativos”, continuamos a pensar que os imigrantes
é que devem aprender a língua portuguesa.
Em Portugal, quem é que
define a política do ensino das línguas estrangeiras?
4.4.10
No
cante, o miúdo aprende a construir a muralha…
O Aqueduto, o
verdadeiro, vê passar a sua réplica e, impávido, procura outros horizontes,
talvez, saídos do cante alentejano. O cante movimenta-se como
muralha dando voz à alma colectiva.
3.4.10
O
miúdo que pregava pregos numa tábua...
Em Serpa, li, em poucas
horas, a última novela de Manuel Alegre. Por aqui ainda não encontrei o “miúdo”
a não ser nas páginas dos jornais. E dificilmente o encontrarei, pois, o autor
reconhece «eu sou eu mesmo a história e as personagens». Ora Serpa é terra que,
em vez de ter riscado a Ode Marítima, prefere rasurar o EU.
Do ponto de vista do
género, este livro da vida parece-me uma daquelas novelas em que
as personagens mais não são que a circunstância do herói. Ou será
do anti-herói? O miúdo lembra-me o pícaro do Fernão Mendes Pinto! No entanto,
não creio que o autor queira ir tão longe.
De certo modo, por entre
considerações felizes sobre a descoberta e aprendizagem do ritmo da vida e da
palavra poética (da escrita), há um «chegar-se à frente» que incomoda. Os
protagonistas da obra, sobretudo, em prosa, lembram-me aqueles putos, algo machistas,
marialvas e narcisistas, sempre à espreita para responderem perante
o espelho: pronto, presente…
Para quem já leu grande
parte da obra de Manuel Alegre, «O Miúdo Que Pregava Pregos Numa Tábua”
repete a maioria das obsessões do autor, e insiste num retrato confessional do
EU, herdeiro do bom selvagem, capaz de resistir à maldade social, e de
reconstruir a memória, quase sempre, em seu favor.
Afinal, todo o herói
acaba, um dia, por falhar ou acertar o tiro quando menos lhe convém.
PS: De qualquer modo,
recomendo a leitura desta novela a todos aqueles que ainda não perceberam o que
é a literatura.
2.4.10
Serpa é uma encruzilhada
de memórias (de tempos). E para quem negligencie a passagem das horas, nada
melhor que entrar no Museu do Relógio de António Tavares D’Almeida. Este museu,
privado, é único na Península Ibérica e abriga 1800 peças. Algumas são únicas e
capazes de nos recordar como os poderosos queriam marcar a megalomania do respetivo
tempo.
1.4.10
De Lisboa a Serpa são 199
km. Metade da distância é olival a perder de vista… aposta de espanhóis e de
portugueses que recebem da União Europeia milhões e milhões de euros! Agora que
se publicam os prémios recebidos pelos gestores das principais empresas e,
também, intermináveis listas dos devedores ao fisco, bom seria se soubéssemos
quem são os novos senhores do Alentejo e, sobretudo, qual é o seu contributo
para o tesouro nacional.
À margem, ou talvez não,
o parque de campismo encontra-se cheio de holandeses, alemães e ingleses que
nos procuram não só pelo sol e pela tranquilidade da planície, mas, também,
porque o preço da estadia é convidativo.
31.3.10
O
Santuário de Nossa Senhora de Lurdes
O Santuário de Nª Senhora
de Lourdes implantado num cabeço na localidade de Outeiro Pequeno, paróquia de
Assentis, Torres Novas, atraiu nas primeiras décadas do século XX elevado
número de crentes e peregrinações. Foi um lugar de fé, até ao momento em que as
discórdias sobre a sua verdadeira pertença começaram a surgir. Tudo começou em
1908, antes da implantação da República, em 1910, e das aparições de Nossa
Senhora em Fátima…
Sempre olhei para aquele
local com algum incómodo. Encerrado, sem gente, ventoso, de costas para a Serra
de Aire. Certamente construído pelo fervor de uns tantos crentes de Deus e do
Rei, o santuário seria um baluarte contra os ateus e os maçónicos… Hoje, voltei
a subir o cabeço. Tudo fechado, o mesmo vento de outrora, algum musgo e aves
furtivas… Do outro lado da estrada, uma lixeira a céu aberto no país dos
sucateiros…
Entretanto, a rádio
transmitia da Assembleia da República a missa republicana, onde Sócrates
pontificava e exortava os hereges a apresentarem medidas para resolver os
problemas do País…, como se ele os quisesse ouvir… Já nem a fé nos salva!
Quanto ao proprietário do
santuário, o problema está QUASE resolvido… 100 anos depois! E quanto à
lixeira, não se percebe se a ASAI (?) costuma atravessar o concelho de Torres
Novas. E quanto à missa republicana, o melhor é desligar o rádio. Pensando melhor,
o que me está a faltar é CARIDADE, porque a mensagem de LOURDES é clara: DEUS É
AMOR E ELE AMA-NOS TAL QUAL SOMOS. Pelo menos foi o que a Virgem Maria repetiu
por dezoito vezes a Bernadette Soubirous, na Gruta de Massabielle. No
essencial, o mesmo faz Sócrates quando se dirige aos deputados: EU SOU AMOR E
AMAI-ME TAL QUAL SOU.
26.3.10
O delator é uma criatura
querida. No Parlamento, sucedem-se as comissões de ética e de inquérito que,
inquisitoriamente, procuram a verdade. E já percebemos que elas não funcionam
sem delatores e relatores. Mesmo que não
queiramos, podemos ser chamados a delatar.
Na comunicação social, já
não há, como antigamente, fontes. Agora, há escutas largadas
na redação pelos delatores. E o redator passa a relator ao transcrever as
escutas.
Para que ninguém pense
que uma conspiração eclesiástica fez ressurgir o Tribunal do Santo Oficio e os
seus vorazes sequazes (os abnegados familiares!!!), o Ministério da Educação
decidiu introduzir na escola pública um novo actor: o excelentíssimo
relator - mistura de redator e de controlador /tutor... Trata-se
evidentemente de uma atenciosa cedência aos escribas, comissários políticos, diretores
espirituais, gurus e outros que tais. Anuncia-se, deste modo, uma nova casta
que não deixará de ser pasto dos corvos.
24.3.10
(Quando os tenentes se
insinuam junto dos chefes, os pelourinhos crescem…)
O delator aponta
o responsável por uma infração, com o intuito de comprometer o denunciado,
tirando proveito junto do chefe. O relator dá, por escrito, um
parecer sobre a acção e a ética de um profissional para ulterior deliberação do
chefe. O capataz é um indivíduo lambe-botas capaz de se fazer
ouvir pelo chefe.
Leio o i, oiço a Antena
1, ligo o canal Parlamento, atravesso a rua, desço a escadaria, dormito no
autocarro, desperto na areia… e os tenentes, frenéticos, elevam a voz até as
minhas sinapses explodirem.
Só não compreendo porquê…
eu nunca quis ser chefe de ninguém! Mas se o fosse, teria como regra de vida: a
eliminação dos tenentes.
21.3.10
Risonho,
o futuro da Esc. Sec. Camões
E a propósito, para quem se interroga sobre o futuro da ciência e da poesia,
transcrevo ARS POETICA de David Mourão-Ferreira:
Roubado à natureza o dossier secreto
Patente a analogia entre o fundo do poço
o rosto de Narciso o sangue do incesto
há de tudo prender-se aereamente solto
Que o verbo seja um espelho
Ao mesmo tempo um véu
Que não baste no lago a pureza do rosto
A lira é com certeza a mão esquerda de Orfeu
Mas é a mão direita a que revolve o lodo.
20.3.10
Sembène Ousmane
(1923-2007).
Hoje vi, finalmente, o
filme “Camp de Thiaroye” (1988), na Biblioteca do Instituto
Cultural Romeno.
Em 1944, um batalhão de
atiradores de diferentes religiões e culturas africanas, acantonado no campo de
Thiaroye, no Senegal, espera a desmobilização e o pagamento dos serviços
prestados à potência colonial – a França. Muitos deles lutaram em França contra
a Alemanha nazi, tendo mesmo experimentado os campos de concentração.
No entanto, esse
contributo para a libertação da Europa de nada lhes serve, pois acabam numa
cova comum, chacinados pelo racismo da hierarquia militar, simpatizante do
regime de Vichy.
Um filme que chega a ser
divertido porque, apesar do que separa aqueles atiradores africanos, eles
acabam por se entender em nome da justiça… É, todavia, um filme amargo e
trágico, porque a Europa continua sem considerar África como sua parceira…
Nota: O título “Lugar
de Massacre” lembro-me, agora, é o título de um romance do esquecido Martins
Garcia. Talvez valha a pena lembrar, a propósito deste filme, a dedicatória
do autor açoriano: «a todas as vítimas da paranoia e da incompetência
dos déspotas, caídas para nada no campo do dever e do absurdo.»
19.3.10
Tenho um livro para ler e
não o leio. Em alternativa, vejo um filme baseado numa adaptação da obra… e
faço crer que é a mesma coisa, como se fosse possível reproduzir todas as vozes
que atormentam o escritor…
Tenho um livro para
apresentar na sala de aula e não o leio. Procuro uma sinopse na internet,
copio-a e espero que o professor seja tão néscio que ainda bata palmas…
14.3.10
Acabo de tropeçar
na Lagarta do Pinheiro, vulgarmente conhecida como Bicho da Peçonha. Mata o
pinheiro e provoca irritações graves na pele, olhos e sistema respiratório.
Bem me parecia que os
congressos e as peregrinações não eram invenção humana… sem qualquer
desconsideração pelas formigas. A partir de agora, posso criar e herméticas
metáforas. E quanto à peçonha que vem atacando os pinheiros, vou passar a
associá-la à peçonha que, no século XVI, invadiu as ruas de Lisboa vinda da
Ásia e nos tornou definitivamente vítimas da abulia. Ou seria da acrasia?
(Ó meu velho Sá de
Miranda tira-me daqui!)
13.3.10
As noturnas aves
apoderam-se do vazio e à desgarrada impõem um cântico estridente em tudo
diferente da harmonia do cântico diurno. Nesta passagem, apercebo-me que as
palavras e as imagens ficam incompletas sem as vozes da terra e do ar… No sono
que se aproxima, talvez o coro se torne uníssono e sonho da noite anterior se
desfaça…
Que eu saiba, os testes
ainda se encontram no cacifo, à espera de terça-feira. Só eu tenho a chave,
creio… Todavia, por volta das cinco da manhã de hoje, a quatro dias de
distância, ao preparar-me para subir a escadaria, por volta das 7h50, dei de
caras com o autor de um dos testes, acompanhado do respetivo encarregado de
educação. Esperavam-me para me pedir satisfações: eu riscara uma série lexical,
pois não considerara correta a resposta em que B. me obsequiava com uma lista
de hipónimos… De facto, como não enxergara nenhum hiperónimo, não entendia a
classificação proposta e, sobretudo, não entendia que fosse possível alguém
responder a uma pergunta que eu não formulara…
Até hoje, já me
acontecera antecipar durante o sono as perguntas de que precisava para um
teste. Mas nunca chegara a este ponto. Se terça-feira, B. e o respetivo
encarregado de educação, por volta das 7h50, estiverem à minha espera no hall
ver-me-ei obrigado a mudar de vida…
Neste caso, ao contrário
do que Urbano T. Rodrigues pensa, nem no sonho é possível encontrar a redenção…
Eis o motivo por que eu respeito todos os suicidas e abomino os diretores
regionais que veem atenuantes nas «fragilidades psicológicas», como se estas
fossem inatas ou capricho dos deuses.
11.3.10
Pontes sem alma
lançam-se para as margens, jazem sobre o rio barrento, à espera de que lhes
façam justiça… Tempos houve que pensei que era ponte ou esteio. Quando o
desencanto crescia, via-me na margem ou, apenas, orla… Hoje, nem ponte nem
orla! Desespero de ouvir os políticos e os mosquitos, e sonho com a enxurrada
definitiva que nos liberte da vacuidade e da imbecilidade…
(Na parede do fundo,
olhos pueris e de riso escarnecem de mim…)
9.3.10
A
culpa não é do Senhor Gulbenkian…
Esqueci-me de dizer que
os patos da foto (post anterior) são do Sr. Gulbenkian. De facto, os patinhos
que vivem nos jardins das fundações não são afetados pelo P.E.C. Estas existem
para não pagar impostos ou, pelo menos, para reduzir a carga fiscal dos gansos que
nelas crescem.
Bom seria que
conhecêssemos todos os gansos deste país! O P.E.C. só deveria ser aprovado,
depois da lista dos gansos portugueses ter sido colocada online. Sempre
poderíamos aproveitar o tempo livre para depenar uns tantos, em vez de sermos
todos depenados – os patinhos é bom de ver.
7.3.10
Vem aí o Programa de
Estabilidade e Crescimento! E nós, patinhos, vamos pagar mais uma vez. O
patinho começou a trabalhar cedo. Foi trabalhador-estudante. Convenceu-se
facilmente que os sacrifícios pedidos beneficiariam a nação dos mais
desfavorecidos – os desempregados, os idosos, os doentes e os debilitados. Os
patinhos acreditam na justiça, na palavra dos políticos, na solidariedade!
De vez em quando, os
patinhos levantam a cabeça e perguntam por que motivo são eles que pagam sempre
a crise. Deixaram de compreender o significado da palavra “crise” – momento
perigoso e decisivo. No país dos patinhos, a crise não tem passado nem
futuro. A crise é. Como se fosse Deus, a crise dirá eu sou aquela que é
para os patinhos. Não tem passado, mas vem de longe, a crise… e os
patinhos vão continuar a trabalhar e a descontar…
Com tanta chuva,
resta-nos o charco… E se nos afogássemos todos, de que serviria o P.E.C.?
4.3.10
Desse
tempo que poderia ser agora…
«A ilha saturada
de água ressuda agora em fontes, cascatas e ribeiros, cujo murmúrio ouvido no
jardim, como um solo de flauta modulado a distância, os melros acompanham
briosamente chilreando em coro.
Mas o que ia no céu não
eram meras combinações ornamentais; as nuvens davam ali espetáculos ordenados,
de acessível compreensão, como depressa verifiquei. Comédias e
tragédias e autos e farsas.»
Manuel
Teixeira-Gomes, Cartas Sem Moral Nenhuma (XIII).
Comentário:
As palavras têm 100 anos. Todavia, a cor e a harmonia são da mesma idade. E só
o artista consegue dar conta desse tempo que poderia ser
agora, não fosse a cobiça e a rudeza do aluvião humano.
Por enquanto, acordo cedo
para ouvir o chilrear solitário do melro que mora na palmeira em frente…
1.3.10
Despe-te de verdades/ das
grandes primeiro que das pequenas/ das tuas antes que de quaisquer outras /abre
uma cova e enterra-as / a teu lado (…) Discurso
ao príncipe de Epaminondas, Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, 1956.
E se lançássemos este
grão à terra, agora que ela está tão macia!
27.2.10
De
criança a adulto ou eternamente adolescente…
(Se eu bem
compreendi o Professor Jorge Ramos do Ó, os primeiros moinhos são coevos da
minha infância, e os segundos contemporâneos da minha adolescência – construção
da Escola, em particular dos Liceus. Perante o adiamento da idade da reforma,
pareço condenado a nunca sair da adolescência!)
Outrora, aos 10 anos, a
criança ao entrar no mundo do trabalho tornava-se de imediato adulta. Uma
criança adulta, incapaz de se adaptar à mudança tecnológica, ao ritmo exigido
pela produtividade…A Escola pública do início do século XX resulta da necessidade
de produzir um proletário mecânica e moralmente adaptado às novas necessidades
de produção. Deste modo, foi criado um longo período de aprendizagem cujo termo
significava, para quem o superasse, a entrada no mundo do trabalho, devidamente
formatado e moralmente adequado.
Esta engrenagem mecânica
e moral apostou na adolescência para dar corpo às juventudes fascistas e
comunistas que nos campos de batalha cometeram as maiores atrocidades em nome
da superioridade da raça ou da classe. Durante muito tempo saiu-se da
adolescência para o campo de batalha, criando a ilusão que o trabalho nunca
faltaria a quem a Escola acomodasse para a vida activa.
Se houver coerência neste
meu raciocínio, Jorge Ramos do Ó terá razão ao afirmar que na Escola nada mudou
nos últimos 100 anos. Não mudou a Escola, mas mudou o Mundo. A organização,
disciplina e conteúdos propostos pela Escola já não são necessários, sobretudo
desde que a escolaridade se tornou obrigatória (4, 6, 9, 12 anos).
Chegámos a uma
encruzilhada, em que ou alargamos a escolaridade até aos 35 anos e,
consequentemente, a adolescência, ou encerramos as Escolas e o respetivo
paradigma. Às portas do caos, acabaremos por medir forças mais uma vez, a não
ser que o planeta ponha fim à aventura humana.
24.2.10
(…) “Podes partir. De
nada mais preciso / para a minha ilusão do Paraíso.” David
Mourão-Ferreira
Se o Paraíso não está nem antes nem depois, a
existir só agora pode ser, o que pressupõe que as categorias
de passado, presente e futuro não passem de dimensões do agora. E
creio ser essa a procura do existencialismo que para se afirmar, rejeitando o
passado e o futuro, inaugura o parque da memória, escalando os prazeres em
sedução, conquista e história dita /escrita.
Olhando um pouco mais de
perto, embora não o tenha dito, foi essa a lição do poeta Vasco Graça Moura, ao
convidar-nos a dizer, ouvir, memorizar os versos do David Mourão-Ferreira. Em
cada verso escorre o agora, nas suas dimensões de passado, presente
e futuro… E esse é o território da poesia, do ser… e sempre que ela acontece, o
paraíso ganha corpo.
~
22.2.10
Dia 29 de Outubro
de 2004. Naquela data, pensei que havia alguma coisa de errado. Quase seca e
suja, a ribeira destoava naquele jardim… como se tivesse sido esquecida. De
súbito, acordou e afogou a cidade num mar de lama e de morte.
21.2.10
Escrever, quando as
forças da natureza reivindicam o espaço que lhes foi sonegado, ontem, na
Madeira, hoje, sabe-se lá, no Continente, pode parecer um acto de alheamento.
No entanto, escrever tanto pode ser sobre leitos de rios, ribeiras e arroios
que foram ocupados pela ignorância ou pela cobiça dos homens, sobre as encostas
e as falésias a quem inadvertidamente matamos os socalcos ou sobre o alfaiate,
que, sozinho, insiste em varrer o lodo Tejo e engolir todas as minhocas que lhe
surgem.
E também se pode escrever
sobre o Poeta (D. M-F.) que anunciava ao mundo (ou seria às mulheres?): «Prazeres
que prefere: os que o papel e a pele lhe proporcionam». Os prazeres
tácteis, diria eu, de quem não resiste à tentação de sentir o mundo na ponta
dos dedos!
Escrever é, assim, dar
luz ora à pele ora ao osso, sem esquecer uma certa adiposidade que os pode
enredar. E a propósito, não posso deixar de me interrogar sobre a tradução do
título de um filme de François Truffaut LA PEAU DOUCE, em português, ANGÚSTIA,
estreado em Portugal a 8 de Outubro de 1965. A doce pele da
jovem Nicole que incendeia e arruína Pierre Lachenay, traduzida em português,
perde a força perturbadora que o corpo irradia para se transformar num
sentimento decadente e irreversível – angústia. Malhas que o
império tecia!
19.2.10
Fernando Nobre não tem
qualquer hipótese de chegar à presidência! No entanto, vai obrigar os políticos
a repensar as dimensões da acção política. No essencial, Fernando Nobre é
herdeiro de Lurdes Pintassilgo cujo tempo político foi efémero… Será Fernando
Nobre capaz retomar os valores da antiga primeiro-ministro?
16.2.10
Nas estradas do passado,
há uma que, a espaços, reaparece. O Tejo. Ultimamente, vem ocupando cada vez
mais espaço. Aqui, em Alhandra, em dia chuvoso de Carnaval, o Tejo corre
cinzento, cor de cimento… pronto a mudar de mãos com o consequente
empobrecimento das populações ribeirinhas, já de si tão abandonadas. Os sinais
de decadência estão à vista. Basta olhar as casas em ruína, a sinuosidade das
vielas. Nem Deus se mostra disponível, tão íngreme é a escadaria!
O Tejo devia ser uma via
nobre e estruturante do nosso crescimento; pelo contrário, arrasta-se ora
tímido ora revoltado sob o olhar indiferente dos governantes que só
se lembram dele para construir mais uma via rápida, como se ele não
passasse de um escolho...
14.2.10
De cima, não avisto o
lugar onde outrora subia a estrada que se perdia na curva dos moinhos. Olhava a
serra próxima que matava o horizonte; uma encosta, em labareda, cegava-me a
vida. Se virava à esquerda, percorria dois, três quilómetros, e regressava à
origem. Durante anos, a estrada orientou-me para a direita, levando-me a outro
castelo, cujas muralhas se tornaram confidentes, muralhas fernandinas, outrora
testemunhas da barbárie de D. Pedro I, ali, na janela do Condestável, em nome de
amores proibidos ou imaginados…, também eu fui atirado à vida por insuficiente
fé.
De regresso à origem, sem
consciência da minha vizinhança com Pedro Álvares Cabral, jazente na Graça,
deixei de virar à esquerda ou à direita, e passei a caminhar em frente,
desembocando nas margens do Nabão, donde, na encosta, observava o Convento de
Cristo, como se este ali estivesse para me obrigar a reflectir sobre a fé que
nunca compreendera…
À esquerda, à direita, ao
centro… sempre o castelo e a encosta que me cegavam a vida. E lá longe, lá em
cima, ficam África e o Brasil… e eu continuo aqui em baixo. Sem fé em Deus e
nos homens. Até quando? Só os caminhos continuam a levar-me…
13.2.10
Do terramoto de 1755,
sobrou apenas o túmulo do IV conde de Ourém, neto de Nuno Álvares Pereira e de João
I. No entanto, logo no reinado de D. José, este mandou reconstruir castelo e
igreja.
Castelo, túmulo e
pelourinho evidenciam a riqueza herdada de D. Nuno Álvares, senhor quase
absoluto do território, em paga do seu patriotismo, entre 1380 e 1385. O seu
neto viaja para terras de Saboia e de Itália e consigo traz o estilo italiano,
visível no castelo e pelourinho (a águia de Saboia).
A abertura à Europa,
começou cedo, apesar de, quase simultaneamente, lhe termos voltado as costas. A
sombra de Espanha atirou-nos ao Atlântico e, logo que nos distraímos,
lançou-nos nos braços dos jesuítas.
11.2.10
Vivemos um tempo em que
todos temos opinião sem sentirmos necessidade de a fundamentar. Deixámos de
procurar e ponderar argumentos. Os bons e os maus exemplos da História não nos
interessam minimamente. Acreditamos piamente nos nossos caprichos e desvalorizamos
por inteiro o estudo e o trabalho. A paródia tornou-se o género predileto.
Ora, como bem sabemos, a
paródia sempre recorreu à manipulação dos dados e ao empastelamento da
informação. Em Portugal, a paródia é um género antigo e temível. Actua à sombra
da liberdade de expressão e não resiste a censurar ou até em liquidar o alvo.
Paradoxalmente, a paródia
está a matar a caricatura.
6.2.10
Em ESCAROUPIM, o barco
era o berço, a câmara nupcial, a oficina e a tumba para os AVIEIROS, oriundos
de VIEIRA DE LEIRIA. Em Junho/Julho de 2005, passei por aqui. A estrada
melhorou, o restante estagnou. Em tempo de profunda crise, o Tejo corre
lamacento; as mulheres, ao sol, conversam; os homens escondem-se na cantina /
centro cultural dos avieiros.
E eu vou pensando que, um
dia, talvez, um Governo decida criar um programa nacional de cultivo de 20% dos
campos deste país… Se isso acontecesse, quantos desempregados encontrariam um
rumo?
E se limpássemos as
margens e os pegos dos rios? E se reflorestássemos, montes e vales? E se
recuperássemos o património?
Será assim tão
dispendioso e difícil criar um projecto nacional que aproveite a mão-de-obra
disponível?
2.2.10
A poucos
metros de distância, a solidez da cor esmaga cúpulas de outrora; a delicada
renda aberta liberta o verde da copa… E eu descanso o olhar num mergulho
ascensional que me deveria afastar do labirinto em que me deixei enclausurar.
Aqui, as regras ficam para trás; o rumor esfuma-se; apenas, sobram resquícios
amorosos de livre-arbítrio …
(O resto é desencanto,
alheamento… enorme maçada.)
30.1.10
Há o perto e há o
longe. Do presente, apenas a proximidade onde se esconde o cemitério anunciado
pela forma esguia e gótica – sensações de ausências por explicar. Do passado,
seis moinhos perfilados testemunham os destinos breves e desprendidos; ao mesmo
tempo, trazem de regresso o atalho e o tojo, o burro e a saca, o moleiro e a mó
– farinha e farelo da existência.
Fica a bifurcação, onde,
por enquanto, nada passa e que eu percorro só de a olhar.
27.1.10
Por mais hipóteses que
coloquemos sobre o Homem, dificilmente chegaremos a algum lugar se ignorarmos
a chave que Camões nos deixou. Podemos vasculhar lugares,
linhagens, amores furtivos, brigas noctívagas, simples alistamentos ou
desterros, heroicos naufrágios românticos, protetores e detratores,
esquecimentos deliberados…, a chave do homem está à nossa mão:
«Nem me falta na vida
honesto estudo
Com longa experiencia
misturado,
Nem engenho, que aqui
vereis presente,
Cousas que juntas se
achão raramente».
Camões, Os
Lusíadas, X, 154.
E essa chave resume-se
à típica tríade camoniana: HONESTO ESTUDO, LONGA EXPERIÊNCIA, ENGENHO.
Como diria Cícero:
«doctrina» ou «ratio» ou ainda «ars»; «exercitatio» ou «industria»; ingenium»
ou «natura» …
(Se nos inclinarmos
um pouco, ainda poderemos acompanhar o Poeta e entreabrir a porta do futuro…)
PS: Não vale a pena invetivar
quem não procura a chave ou, então, já a perdeu. A NATURA, não a podemos
escolher… e a HONESTIDADE já teve melhores dias.
25.1.10
1. Ontem,
percorri um troço de cerca de 30 km da N2 e fiquei estupefacto com a degradação
daquela estrada nacional. Será que o objectivo é obrigar os automobilistas a
procurar a autoestrada e a pagar portagens? As consequências estão à vista: a
desertificação do Alentejo e o isolamento das populações que restam.
2. Ontem,
também, recebi um “comentário” da Xica a solicitar-me uma dica. Diz
ela que leu (mas não compreendeu nada!) a peça O RENDER DOS HERÓIS, de José
Cardoso Pires. Xica não estudou certamente a História do séc. XIX,
designadamente, a governação do Costa Cabral, a revolta da Maria da Fonte e o
movimento da Patuleia. Sem esse estudo, dificilmente, poderá compreender a
ascensão e queda do populismo. E nada entenderá da pretensão de José Cardoso
Pires de retratar o salazarismo dos anos 50-60 do século passado.
3. «Dar
a dica» dar a alguém a indicação que lhe serve para realizar o que pretende.
4. Um
dia destes, ninguém cruzará a Nacional 2! Um dia destes, ninguém lerá O RENDER
DOS HERÓIS!
5. Um
dia destes, navegaremos tão céleres que os espelhos embaciarão de vez.
23.1.10
Cores
líquidas na barragem de Odivelas
Na barragem de
Odivelas. Longe da cidade caótica, raras são as pessoas; apenas alguns coelhos,
surpreendidos, precipitam-se para os juncais.
22.1.10
O escritor José Emílio
Pacheco nasceu na cidade do México em 1939 e cresceu durante a presidência de
Miguel Alemán Valdés (1946-1952).
O mandato de Miguel
Alemán (Valdés) ficou marcado por um forte desenvolvimento industrial, resultante
da aposta na construção de estradas, caminhos de ferro, portos, escolas,
bairros de renda económica, e no turismo. As mulheres puderam votar pela
primeira vez nas eleições municipais. No entanto, este espírito
empreendedor acabou por degenerar no enriquecimento escandaloso dos políticos
que negociavam os contratos … A moeda acabou por desvalorizar provocando
a ruína da classe média e dos mais pobres…
A história de amor
impossível, entre o jovem imberbe e a misteriosa mãe do amigo Jim, decorre num
cenário de crise moral, social e económica, resultante da ganância de uns
tantos que, sob a capa do desenvolvimento do México, criam fronteiras que muram
e asfixiam as classes mais numerosas… Progressivamente, uma elite apropria-se
da riqueza… tal como acontece nos dias de hoje, aqui, em Portugal… A descrição
da acção de Miguel Alemán não deixa de nos fazer pensar em Sócrates…
20.1.10
Nas primeiras páginas
do Contrato Sentimental, de Lídia Jorge, encontro um poema do
mexicano José Emílio Pacheco que começa por afirmar «Não
amo a minha pátria. / O seu fulgor abstracto inacessível. / Porém (ainda que
soe mal) daria a minha vida/ Por dez dos seus lugares, certas pessoas…».
A leitora, Lídia Jorge
acaba por desenvolver a ideia de J.E.P., no conjunto de textos em que nos
convida a apostar no Portugal futuro, mesmo que isso signifique romper com o
Portugal expansionista e colonizador… Involuntariamente, penso no verso de
Pessoa /Reis "Prefiro rosas à pátria, meu amor." E também
nas Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, de Antero de
Quental, ciente de que a Lídia Jorge falta a competência argumentativa de
Antero e a subtileza interpretativa de Eduardo Lourenço, sem esquecer o
messianismo luminoso de António Quadros…
Nesta deriva comparativa,
começo a ler As Batalhas do Deserto, de José Emílio Pacheco,
desperto para um critério de leitura de Rosa Montero que divide os autores
em memoriosos e amnésicos. Dicotomia que me
agrada, pois, sem ser autor, não deixo de me situar do lado daqueles (os
amnésicos) que "não querem ou não podem recordar; certamente fogem da sua
própria infância e a sua memória é como um quadro mal apagado."
A esta hora, decido não
falar da surpresa que é ler As Batalhas do Deserto, porque, de
facto, estou a reler Cão Como Nós, de Manuel Alegre e a pensar no
modo como o candidato à Presidência da República conjuga: cão
como nós / cão como tu / cão é cão. E também não vou concluir a reflexão,
porque Sarah Kane me está a recordar que antes de adormecer ainda devo terminar
a leitura da peça RUÍNAS.
17.1.10
Os novos espaços escondem
e revelam. A memória do passado fica em quem ali trabalhou, uma memória de
guerra, colonial, em nome de uma pátria indivisa e sobranceira. Talvez,
convenha esquecer essa pátria que colapsou nos anos 70 do século passado! A
dinamite serve agora para abrir as fundações do futuro, em condomínio fechado,
apesar de alguns equipamentos sociais – as famigeradas contrapartidas do
negócio! Com vista para a ponte Vasco da Gama, as gruas, desajeitadas, suportam
o peso dos materiais e da ambição humana, libertando os novos escravos para
tarefas menos árduas ou simplesmente para o desemprego permanente, para a
indigência…
Na nova pátria, os
polícias continuam a autuar os condutores incautos, indiferentes aos veículos
estacionados na mesma rotunda. Os outdoors convidam-nos ao aconchego evasivo da
fantasia. O verde estende um breve tapete do que foram hortas vicejantes e autossuficientes.
Os candeeiros, inúteis a esta hora do dia, anseiam que a penumbra que lhes
devolva a razão…
E eu, simplesmente,
caminho a pensar que a professora Amélia Lopes acaba de fazer um diagnóstico
arrasador do insucesso escolar em Portugal: “Mais velho, mais qualificado e
maioritariamente do sexo feminino” o docente perdeu o pé… Quem
precisa de experiência, de exigência, de compreensão nesta nova pátria?
De facto, o
rejuvenescimento esconde o passado. E eu continuo a deambular, evitando falar
de Cesário Verde, não vá ferir a epiderme dos nautas do presente.
16.1.10
Outrora, os imperadores
romanos, vitoriosos, mandavam erguer monumentos para inscrever o seu nome na
História. Napoleão, imperador, em 1806, também, não resistiu a essa pequena
vaidade.
Hoje, deparei com um Arco
do Triunfo no Museu da Eletricidade. Felizmente, é de plástico! E por perto não
avistei qualquer imperador. Só pescadores de rio, ciclistas de fim-de-semana e
casais de meia-idade. O Sol escondera-se, envergonhado de ainda haver quem o
queira ofuscar com o poliéster.
15.1.10
Haja
Inverno na terra, não na mente. (FP/Ricardo Reis)
O forte sismo (7.0 na
escala de Richter) que atingiu o Haiti terá feito mais de 100 mil mortos. A
ilha caribenha virou cenário de destruição quase total.
Os mercados de Wall
Street fecharam em queda, penalizados pelos títulos da banca, após divulgação
dos resultados do JP Morgan, cujas receitas ficaram abaixo do previsto.
O ex-deputado socialista
Manuel Alegre afirmou hoje estar disponível para ser candidato da esquerda às
próximas eleições presidenciais que acontecem em 2011.
O apelo de Cavaco Silva
ao consenso partidário na redução do défice e da dívida externa teve respaldo
no Governo.
Quase um mês depois,
Amado e Reis cruzaram-se num acto social no Palácio de Belém. Luís Amado
cumprimentou Carlos Reis e convidou-o para almoçar. «O convite nunca se
confirmou».
A tragédia do Haiti não
afecta os mercados financeiros mundiais!
A tragédia do Haiti não
afecta a disponibilidade do providente Manuel Alegre!
A tragédia do Haiti não
afecta o orçamento português!
A tragédia do Haiti não
afecta os ajustes de contas!
Nem a tragédia do Haiti
nos faz parar e pensar!
Ficamos, no entanto, a
saber que, quando um forte sismo atingir Portugal:
- Os mercados financeiros mundiais não
serão afetados;
- A disponibilidade do providente
Manuel Alegre não nos terá feito sair do desnorte em que vivemos;
- O orçamento português de 2010 (nem
dos anos seguintes) nada dirá quanto à obrigação de afetar recursos para
(re) construir as nossas aldeias, vilas e cidades em bases mais seguras;
- Os Reis e os Amados continuarão
emplumados.
14.1.10
Hoje, o “DN JOVEM” voltou
à Escola. E explicou qual foi e pode ser o papel de um suplemento literário:
dar voz a quem a não tem; dar voz a quem a procura; dar voz às pulsões mais
recônditas; colocar em rede vozes longínquas e diversas; afrontar códigos cristalizados;
dar a iniciativa à juventude…
13.1.10
Se quiser salvar uma
língua de prestígio como o francês, ameace com a oferta do espanhol. A língua
vizinha assusta! Parece que esta língua deixou de estar à altura do
"século do ouro"! Ter-se-á tornado numa língua "demasiado
fácil"?!
Como é que medimos o
prestígio de uma língua?
(Um ministro português
afirmou recentemente que a língua portuguesa vale 17% do PIB.) Seria
interessante saber quanto valem as outras línguas para os respectivos países.
Ainda fará sentido temer
a Espanha? O medo é um instrumento facilmente manipulável. Sobretudo, quando a
comunicação entre os povos é escassa. E a comunicação autêntica só é possível
na língua, neste caso, nas línguas – portuguesa e espanhola – gerando um
salutar e próspero bilinguismo.
Considerando as nações
que constituem a Ibéria, uma educação plurilingue e intercultural deveria
assentar no bilinguismo e no biculturalismo, quer falemos de Portugal, da
Galiza, da Catalunha, do País Basco… ou de Castela…
Haverá ainda quem
acredite numa economia pujante em Portugal sem a cooperação com Espanha?
E se a estratégia de
recuperação económica passar por Espanha, que língua devemos utilizar? - O
Inglês? Um novo crioulo?
12.1.10
Responsável involuntário
por um departamento curricular de línguas, interrogo-me sobre o que fazer com
ele. Um departamento, histórica e geneticamente, dividido. Aparentemente, o
primeiro objectivo seria eliminar a fronteira, gerando estratégias de socialização…
No entanto, sinto que o
legislador ao criar esta estrutura procurou criar relações hierárquicas em vez
de desencadear processos cooperativos…
E por isso creio que a
única forma de combater aquele propósito passa por colocar o departamento ao
serviço do aluno, procurando contribuir para a sua educação plurilingue e
intercultural.
Neste sentido, proponho
que sejam desenhadas duas novas estratégias: - uma plurilinguística e outra
literária.
O departamento deverá,
doravante, apostar estrategicamente na oferta plurilingue: Latim; Português;
Português Língua Não Materna; Espanhol; Francês; Inglês e Alemão… Assim como
deverá apostar na educação literária, nas dimensões europeia, lusófona e local.
Assim, não só o
departamento curricular de línguas poderá vir a oferecer novas disciplinas
como, talvez, necessite de repensar a sua oferta no que se refere à área de
projecto.
E para que estas ideias
possam ser inscritas nos projectos educativo e curricular da escola é
necessário encontrar quem queira, em equipa, levá-las à prática…
10.1.10
E se passar este
pórtico, o que é que eu descubro? Ontem, fiquei a saber que a antiga
igreja-sede da paróquia de S. Francisco de Assis, em Lisboa (no Mosteiro
de Santos-o-Novo), só abre à 6ªfeira, às 17h30.
(De acordo com informação
institucional: O Mosteiro de Santos-o-Novo é notável, pelo seu
grandioso Claustro e pela sua Igreja dedicada aos Santos Mártires de Lisboa: -
Veríssimo, Máxima e Júlia, cuja Festa se celebra a 3 de Outubro. A sua
utilização inicial foi como Convento das Comendadeiras de Santiago de Espada.)
No entanto, as portas
estão fechadas! Porquê? Será porque no mosteiro do século XVII instalaram a
residência universitária do ISCTE?
Por fora, a ideia é de
ruína! Um dos edifícios encontra-se parcialmente em ruínas.
Curiosamente, o
“Palheiro” albergou o Instituto do Professorado Primário Oficial Português ou
Instituto do Presidente Sidónio Pais, tendo o convento das Comendadeiras da
Ordem Santiago de Espada sido transformado inicialmente em residência para os
filhos dos professores primários. Lá residiram, entre outros, o professor
cientista Pinto Peixoto, o humorista Zé Vilhena e a ex-deputada Odete Santos.
Esta última, já como estudante universitária e que ficou com uma péssima imagem
da instituição.
Apesar de tudo o que eu
não sabia antes de me aventurar pela história deste edifício, pelo menos, do
século XVII, o que continua na minha retina é que parte da fachada deste
património está muito maltratado e, provavelmente, esconde muitas histórias mal
contadas ou por contar, desde que a República tomou conta dele. Sem esquecer os
acessos, vergonhosos…
Quem é que gere este
património?
8.1.10
Acordo, casamento, pacto…
entre o mesmo sexo (ME/Sindicatos; Homem/Homem – Mulher/ Mulher; Governo
/Oposição…) Sem esquecer o Pinto da Costa que, ao contrário de Orpheu,
eliminou finalmente a fronteira que separa a vida da morte …
O impossível perde,
a cada passo, o prefixo, atirando-nos para o jardim das delícias…
Um jardim, para mim,
inefável… tal como Lídia Jorge o define, ao interrogar o futuro, sem perceber
que este já não é inevitável: «E o inefável é aquilo que sucede de forma tão
densamente expressiva que se torna impossível analisá-lo ou sobre ele falar,
para reutilizar a própria semântica da palavra.» Contrato
Sentimental, 2009
Ainda perplexo, pensei
que era melhor esquecer o dia, quando compreendi que este era diferente dos
anteriores. Afinal, a chuva cedeu o lugar ao frio, impedindo-me de mergulhar
nas águas regeneradoras da euforia… e, de súbito, regresso aos PARAÍSOS ARTIFICIAIS
de Jorge de Sena: Inefável é o que não pode ser dito.
Não há mais pardieiros,
promiscuidade, compadrio, censura, mediocridade… no meu país.
7.1.10
Falar do tempo não faz
qualquer sentido, embora nos encontros fortuitos possa ser tema dominante. Há
muito que o arrumei na gaveta aristotélica da metafísica. Nessa gaveta, guardo
tudo o que se vem tornando inexplicável. Lá moram Deus, a Alma, a Vida Eterna,
o Sentido… E por isso também não me passa pela cabeça "enganar o
tempo"!
O que é irremediável,
remediado está! Compreendo que se possa querer enganar o envelhecimento, que
esse, sim, é de ordem física! Todavia, não creio que se possa voltar atrás. O
Corpo estrangula o Sentido até que a matéria de que é feito se diluía, se
dissolva perdidamente…
Quando a resposta tarda,
não é má vontade, é apenas uma recaída… a grande Ilusão!
5.1.10
A palavra 'carantonha' é
uma palavra simples ou modificada por sufixação? Na 2ª hipótese, qual é o
sufixo?
2.1.10
Ter
tempo… no Museu do Neorrealismo
Finalmente, arranjei
tempo para ir a Vila Franca de Xira visitar o novo Museu do Neorrealismo. Em
destaque, uma exposição (escrevivendo) sobre a vida e obra de Urbano
Tavares Rodrigues; outra (completíssima) sobre Soeiro Pereira Gomes; e uma
terceira sobre a globalidade do movimento neorrealista, no que se reporta à
literatura, ao teatro, ao cinema e à música.
Para quem não esteja
muito apressado, pode, durante 1h30, revisitar os homens e as mulheres que, de
algum modo, se opuseram ao Estado Novo e, deste modo, compreender os dramas
vividos pelo povo e, também, os dramas sentidos pelos artistas que, em muitos casos,
vítimas da censura, da clandestinidade ou das prisões acabaram por ficar
prisioneiros das suas circunstancias.
(Entrada gratuita.)
1.1.10
Há uns meses, um colega
enviou-me a intervenção de António Nóvoa, no Debate Nacional sobre Educação /
Assembleia da República, a 22 de Maio de 2006. Creio que Manuel Beirão Reis me
incitava a reflectir sobre as ideias de Nóvoa, num cenário de construção de um
Projecto Educativo.
Só hoje encontrei o tempo
de leitura necessário ao pronunciamento. Ora, resumindo: em matéria de
educação, Portugal continua na cauda da Europa; a insatisfação “quantitativa” e
“qualitativa” continua em alta; avessos à «pedagogia”, desvalorizamos a cultura
escolar e preferimos o “centro social”, atribuindo à escola uma multiplicidade
de papéis que são da responsabilidade da sociedade; em termos de prioridades,
dificilmente as conseguimos equacionar e hierarquizar…, de tal modo que os
“bons” professores têm gasto uma boa parte do seu precioso tempo a participar
ou a testemunhar numa peça que põe em cena o drama do respetivo estatuto e da
avaliação docente – tudo questões prioritárias, mas que não asseguram:
- os níveis mínimos de aprendizagem;
- o sucesso de todos os alunos;
- a valorização do trabalho escolar;
- a satisfação dos interesses dos
alunos, com esforço próprio e a maior liberdade que for possível;
- a recuperação do contrato educativo
para reinstituir um sentido para a escola;
- o alargamento das vias tecnológicas e
profissionalizantes;
- a existência de escolas diferentes,
para que se possa falar de liberdade de escolha;
- o reforço da formação de professores,
aproximando-os da realidade escolar concreta;
- a inserção cuidada dos novos
professores nas escolas;
- a criação de lideranças profissionais
num quadro de um trabalho cooperativo.
Pelo que fica dito,
parece que construir um projecto educativo pressupõe saber se queremos ser uma
escola diferente, isto é, orientada para o futuro; uma escola que aposte, do
mesmo modo, na formação humanística, artística, científica e tecnológica; uma escola
capaz de definir projectos de aprendizagem; uma escola que valorize o trabalho;
uma escola que integre; uma escola que privilegie a profissionalidade e a
responsabilidade; uma escola geradora de lideranças…
Já agora, para afinar a
reflexão, deixo aqui as palavras de Lídia Jorge: «O lugar da instrução
escolar é um lugar único e irrepetível. Não é um local de trabalho, nem é um
local concebido para jogo e deleite, é um outro lugar, onde
trabalho, jogo e deleite se cruzam de modo que todo o exercício seja
suportável, e a felicidade resulte da aplicação do exercício.» Contrato
Sentimental, pág.50, Sextante editora, Setembro de 2009.
Maré-cheia,
maré-vazia!
De facto, o que mais me
tem interessado nesta passagem 2009-2010 tem sido o livro de Lídia Jorge Contrato
Sentimental sobre o PORTUGAL FUTURO, a partir da genuína fórmula
PORTUGAL=LIXO.
30.12.09
Santarém
- Uma viagem à minha terra…
Hoje, fui às Portas do
Sol, Santarém, (re)ver o Tejo. Apesar do comboio parecer o mesmo, a extensão de
água é bem diferente da que ficara alojada na minha memória dos anos 60. E das
muralhas, não consegui ver a Santa Iria que…, tendo sido compensado pela
“liberdade” do Manuel Sousa Coutinho, na Rua Direita.
Nesta minha viagem (que
nada deve a Almeida Garrett!), a deceção instalou-se, quando me apercebi que
nos campos, balizados pelas muralhas fernandinas (?), em que outrora jogara
futebol, havia agora um mal-amanhado parque de estacionamento. E do Ginásio, o
que é que fizeram? E, finalmente, tenho de confessar que ainda não foi desta
vez que consegui visitar o Convento de S. Francisco. Desde que li As
Viagens na minha Terra e tenho notícia das malfeitorias dos exércitos napoleónicos,
que sonho entrar naquele desditoso monumento. Cheguei por volta das 11h00, mas
estava fechado! Para compensar a frustração, a cidade pareceu-me mais
dinâmica e, sobretudo, fiel a algumas tradições.
28.12.09
TETRO, de Francis
Coppola, ou a regeneração da família, após uma descida aos infernos numa Buenos
Aires híbrida e caótica. Rejeitando a catástrofe sempre iminente, F.C. opta
pela esperança… Devolve à família o lugar de alicerce da (nova) sociedade.
No entanto, fora do ecrã,
as fronteiras diluem-se, não fazendo qualquer sentido legislar sobre o modo
como nos devemos arrumar nas gavetas do fisco.
A semântica, que tanto
tempo leva a consolidar-se, trai-nos a cada passo e não fosse a atávica
ignorância, o Governo, em vez de legislar sobre as “partes” que podem
constituir o casal, deveria empenhar-se em resolver os verdadeiros problemas
que nos arruínam a cada dia que passa.
Nem a tragédia nem o
drama são solução. Só a voz pode crescer e afirmar-se, dando
sentido à existência.
26.12.09
A 26 de Dezembro,
ainda há quem nos lembre o barro de que somos feitos. Bastar percorrer a rua
Augusta (Lisboa); não precisamos de esperar pela quarta-feira de cinzas! Neste
caso, o barro é amoroso e promete uns tempos, ainda que breves, de felicidade.
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