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segunda-feira, 16 de junho de 2025

Diário_2009

 

30.12.09

Santarém - Uma viagem à minha terra…

Hoje, fui às Portas do Sol, Santarém, (re)ver o Tejo. Apesar do comboio parecer o mesmo, a extensão de água é bem diferente da que ficara alojada na minha memória dos anos 60. E das muralhas, não consegui ver a Santa Iria que…, tendo sido compensado pela “liberdade” do Manuel Sousa Coutinho, na Rua Direita.

Nesta minha viagem, que nada deve a Almeida Garrett, a deceção instalou-se, quando me apercebi que nos campos, balizados pelas muralhas fernandinas, em que outrora jogara futebol, havia agora um mal-amanhado parque de estacionamento. E do Ginásio, o que é que fizeram? E, finalmente, tenho de confessar que ainda não foi desta vez que consegui visitar o Convento de S. Francisco. Desde que li As Viagens na minha Terra e tenho notícia das malfeitorias dos exércitos napoleónicos, que sonho entrar naquele desditoso monumento. Cheguei por volta das 11h00, mas estava fechado! Para compensar a frustração, a cidade pareceu-me mais dinâmica e, sobretudo, fiel a algumas tradições. 

 

28.12.09

TETRO e a VOZ…

TETRO, de Francis Coppola, ou a regeneração da família, após uma descida aos infernos numa Buenos Aires híbrida e caótica. Rejeitando a catástrofe sempre iminente, F.C. opta pela esperança… Devolve à família o lugar de alicerce da (nova) sociedade.

No entanto, fora do ecrã, as fronteiras diluem-se, não fazendo qualquer sentido legislar sobre o modo como nos devemos arrumar nas gavetas do fisco.

A semântica, que tanto tempo leva a consolidar-se, trai-nos a cada passo e não fosse a atávica ignorância, o Governo, em vez de legislar sobre as “partes” que podem constituir o casal, deveria empenhar-se em resolver os verdadeiros problemas que nos arruínam a cada dia que passa.

Nem a tragédia nem o drama são solução. Só a voz pode crescer e afirmar-se, dando sentido à existência.

 

26.12.09

O barro de que somos feitos…

 A 26 de Dezembro, ainda há quem nos lembre o barro de que somos feitos. Bastar percorrer a rua Augusta (Lisboa); não precisamos de esperar pela Quarta-Feira de Cinzas! Neste caso, o barro é amoroso e promete uns tempos, ainda que breves, de felicidade.

 

23.12.09

E se os ventos recolhessem a sua fúria?

O Natal é palhaço, água e carroça. Quase sempre musgo, muitas vezes Pedra. Também pode ser palha, menino… e acaba sempre numa cruz! Neste Natal, há amigos que sofrem e por isso os ventos andam desenfreados. E se os ventos recolhessem a sua fúria? A todos os visitantes, Bom Natal!

 

22.12.09

Obrigado…

 Concordo. Não posso seguir o exemplo do Alexandre Herculano que acreditava mais no olival do que no parlamento. Quanto ao parlamento actual, o seu estado é ainda mais deplorável do que no século XIX e por isso raramente lhe dou atenção. Não sendo filiado em nenhum dos bandos que consomem os euros europeus, limito-me a colher uns tantos figos que alegram o paladar da minha mulher… e a azeitona fica por conta de um outro familiar mais guloso. Do azeite, apenas vejo um fio luminoso que mal chega para temperar a ceia de Natal…

No reino de Cavaco, não ouso falar de cavacas (nem das caldenses nem das que, neste início de Inverno, poderiam alimentar o fogo regenerador!). Para cavaquear temos o Sócrates e BASTA! como diria o Almada. E, de facto, a cultura mediterrânica nada diz aos maiorais deste país.

No entanto, a velha oliveira e a não menos velha figueira conseguiram um milagre: o amigo Joaquim Beja pronunciou-se. Há quanto tempo não lhe sentia o humor?

Ainda há dias de júbilo! Para mim, este ano, o Natal chegou mais cedo.

Obrigado. 

 

16.12.09

Avaliar a indisciplina…

Actualmente, os estudantes do ensino secundário revelam-se capazes de avaliar o trabalho realizado e, na sua maioria, são ponderados na autoavaliação. Uns tantos chegam a ser modestos.

No entanto, uma minoria valoriza excessivamente o pouco trabalho que efetua e, sobretudo, desvaloriza o prejuízo que resulta da sistemática perturbação que gera na sala de aula.

A indiferença em relação ao trabalho dos colegas, a interrupção permanente, as conversas paralelas são factores que, se negligenciados, acabarão por atrasar o processo de ensino e prejudicar todos aqueles que têm mais dificuldades.

Se queremos uma sociedade mais justa não podemos continuar a premiar a indisciplina.

 

13.12.09

O anátema do comboio

Já foi assim na segunda metade do século XIX. O povo, que dera novos mundos ao mundo, via na locomotiva uma máquina infernal capaz de destruir as colheitas e os povoados.

Entretanto, com a circulação do monstro, uma nova geração descobre Paris e sonha ligar Portugal à Europa. É esse o sonho que surge como objectivo primeiro dos conferencistas do casino, em 1871.

No entanto, o país não deixa de ser provinciano. O seu escol bem procura o estrangeiro, mas volta sempre com o sentimento de que há algo de irremediável na atitude portuguesa.

Em meados do século XX, o comboio volta a ter um papel fundamental no êxodo dos emigrantes. Viajar de comboio torna-se numa penosa e promíscua odisseia. O sonho do regresso passa a fazer-se anualmente em velozes e mortíferos carros, tudo para evitar o maldito comboio.

Hoje, continuamos a suspeitar do comboio. Parece que tememos que ele nos leve de vez para essa Europa tão desejada pelos homens da geração de 70. Preferimos o isolamento, mesmo sabendo que já ninguém quer saber da epopeia de quinhentos.

E é pena, mesmo que viajar seja perder países!  

 

10.12.09

A via…

Há sempre quem nos queira convencer (Kant?) que o pensamento dogmático é o pensamento ingénuo, o pensamento sem suspeita e, portanto, sem vigilância.

Levianos seremos nós se nos deixarmos levar por tal ideia. Embora os seguidores pensem pouco ou nada, a verdade é que quando o fazem, é sempre no seu interesse, indiferentes aos estragos.

A estrada é lhes aberta por um estratega que preza os bastidores…, apenas uma folha que cai no caminho…

(Da tradução à traição, vai apenas um pequeno desvio… Não vale de nada olhar para o étimo, nem para a via!)

 

8.12.09

O Belo é a expressão sensível da Ideia (Hegel)

Não há nenhuma incompatibilidade entre a educação da sensibilidade (valores estéticos) e da racionalidade (valores lógicos).

A escola, ao definir as linhas orientadoras do projecto educativo, não pode esquecer que a sua oferta formativa deve ser equilibrada. Se queremos contribuir para que a sociedade seja mais solidária, não podemos ceder à pressão da “procura”.

O critério de decisão não pode ser o curto prazo. Quem dirige tem de saber antecipar o futuro. E, ao contrário do que comummente se diz, o decisor não é obrigado a reger-se por critérios economicistas e de prestígio social. Basta que tenha presente a lição do passado.

Uma boa parte da decadência portuguesa tem origem no modelo de escola que separa os valores estéticos dos valores lógicos, sem qualquer proveito.

 

7.12.09

Notas soltas…

A filosofia está matricialmente comprometida com a razão social, sem descurar o desejo, o amor, a vontade de sabedoria (sofia) e de sageza.

A modernidade encena a emancipação da filosofia relativamente à teologia. O ateísmo é o limite desse caminho. E o percurso é extremamente doloroso na segunda metade do século XIX (os poetas desesperavam pelo nirvana libertador…). No século XX, esse percurso tornou-se cínico. Veja-se a obra de José Saramago.

Hoje, Epicuro regressou com a experiência interior transmitida por gurus momentâneos e hedonistas.

Entretanto, o sábio é aquele que é o outro pelo seu saber /fazer – a alteridade liberta do particular…

 

5.12.09

Quebre o espelho!

Nora Ephron, na obra Não Gosto do meu Pescoço e outros Humores, Achaques e Amores da Vida das Mulheres, é contundente na abordagem do envelhecimento: “Os nossos rostos são uma mentira e o pescoço é a verdade. Desistam de querer enganar ou então escondam o pescoço. Desviem-se de espelhos, usem gola alta e lamentem-se de não terem passado mais horas a contemplar o pescoço antes da hecatombe."

Uma ideia que dá que pensar sobre o tempo que homens e mulheres gastam frente ao espelho. Provavelmente, somos dominados pela vaidade. Nora Ephron não terá lido José Rodrigues Miguéis que, em tempos, escreveu uma bela ‘estória’ intitulada A Importância da Risca do Cabelo.

Eu também não li Nora Ephron, tendo, no entanto, visto hoje o filme por si realizado, Julie & Julia (2009). Duas mulheres (ou serão três?), em tempos distintos, preenchem o tempo, a escrever e a executar receitas de cozinha francesa, com o objectivo de ensinar os americanos a cozinhar… A testagem das receitas é fonte inesgotável de situações cómicas bem representadas /caricaturadas por Merly Streep e por Amy Adams, com a particularidade desta última dar corpo a um blog, onde durante 365 dias regista o (in)sucesso da sua emulação e da relação com o trabalho e com o marido.

Em conclusão, se lhe sobrar algum tempo ou se o não tiver quebre o espelho e vá ao cinema ver Julie & Julia, e verá que não perderá o seu tempo.

 

3.12.09

Chicos-espertos…

Em nome da democracia, uns procuram afanosamente escutar e aceder às conversas das figuras mais ou menos publicas, outros (os mesmos?) escondem religiosamente as fontes, de forma a impressionar o saloio. Infelizmente, há cada vez mais parasitas entre nós!

 

 

 

 

1.12.09

À solta…

Há sempre quem queira mandar, mesmo que seja para cumprir, ou não, uma elementar regra de jogo!

Há sempre quem fale em nome do conhecimento científico, sem sequer perceber o que é o conhecimento e, sobretudo, sem entender a precariedade do ‘científico’!

Quantas aves de rapina se apropriam do trabalho alheio sem sequer pedir licença?

Há sempre quem só consiga dizer mal, mesmo sem revelar original competência!

(Criar, pensar, fazer…)

Ajudar a fazer, a pensar, a criar.

(E ainda há quem diga que o teatro português está em crise! Na tenda ou no palácio, o mundo está a nossos pés.)

Contra a fraude!

 

27.11.09

O Blemias do Jorge Castanho

No dia em que o Blemias perdeu a sombra... o caderno que estava sobre o estirador que faz assessoria à criação por computador foi então guardando as manchas que instintivamente lhe eram distribuídas pelo pincel chinês, ajudado pelo colorido de umas velhas aguarelas…

A raça dos Blemias terá vivido no deserto sem nunca ter perdido a cabeça, a não ser quando os cabeças-a-descoberto se aventuraram por entre as dunas e, cegos pela areia, desataram a fugir perante aqueles distantes fantasmas que, para se protegerem dos inimigos, usavam uma máscara e um escudo que os protegia do nariz aos joelhos… uma miragem que acabou por gerar um ser mitológico muito bem animado pelo Jorge Castanho…

Algo me diz que não estamos a dar a devida atenção à obra do Jorge Castanho. Quanto a mim, espero que, havendo por aí tanta gente assombrada, o artista lhes recrie os diálogos, com ou sem escutas, e nos deixe ver o produto da sua imaginação.

Finalmente, confesso que frequentemente dou comigo perplexo com a minha dupla sombra, talvez porque ainda não me aventurei por nenhum deserto, apesar de se me atravessarem no caminho aqueles versos de Sophia /Para atravessar contigo o deserto do mundo / Para enfrentarmos juntos o terror da Morte/…

 

26.11.09

On ne badine pas avec l’art…

Kelly Basílio testa a sua interpretação de ETERNO EFÉMERO. Na plateia, sob o olhar trocista de alguns alunos do 10º B, um (in)esperado convidado dorme a sono solto, tornando o momento do aplauso delirante. Em contraste, outro aluno lê O SONHO DO PRISIONEIRO. No geral, o público adolescente respeitou a circunstância e o Homem, embora tenha perdido a oportunidade de questionar a relação entre a vida e a ficção.

Entretanto, Urbano Tavares Rodrigues soltara o olhar sobre o azul masculino e feminino – um azul fascinado e respeitoso, transformado em atrevido e libertino personagem.

Em Urbano, a literatura solta as amarras da contenção e sob as palavras irrompe em sonhos de esteta… Infelizmente, a sua circunstância determinou-lhe o programa, o compromisso, e fê-lo refém de solidariedades respeitáveis, de cumplicidades fraternas, de ternuras irrequietas e inequívocas…

O Homem salva a alma, mas Prometeu continua agrilhoado…

 

25.11.09

Urbano Tavares Rodrigues, amanhã…

Pelas 17 horas, receberemos, no Auditório da Esc. Sec. de Camões, um Homem que sempre esteve disponível para nos ajudar a interpretar a acção humana.

De si próprio, Urbano disse um dia: «Sou um homem reservado, não falo muito, tenho uma certa dificuldade de comunicação. Os romances são para mim uma forma terapêutica de catarse, até certo ponto.»  Entrevista conduzida por Maria Teresa Horta a pretexto do romance Violeta e a Noite, DN, 19 de Maio de 1991.

Em 1991, Urbano refletia sobre a aproximação da morte: «Penso que a velhice é um pouco uma espécie de necrose da memória, dos sentimentos. Há muitas fontes que secam no homem, como por exemplo a imaginação, que vai diminuindo, embora outras coisas, paradoxalmente, aumentem, porque a experiência traz uma série de ensinamentos que faz com que o escritor seja capaz de estruturar e escrever melhor uma obra aos sessenta do que aos vinte ou aos quarenta

Em 1991, Urbano, apesar da agonia dos regimes comunistas, continua a ter esperança no futuro: «Acredito que, se pudesse cá voltar daqui a vinte ou trinta anos, já encontraria em marcha coisas que neste momento não são ainda pensáveis (…) o socialismo é necessário, só que tem de se realizar em liberdade.» 

(Nestes dias, o auditório revela-se quase sempre parco em perguntas. Creio, no entanto, que seria interessante interrogá-lo sobre estes últimos 20 anos. Sobre a natureza da sua dificuldade de comunicação. Sobre as fontes da imaginação e a importância da experiência. E, também, sobre o tempo que viveu no Liceu Camões. Sobre o tempo de decorreu entre a Queda do Muro de Berlim e o dia de amanhã. Sobre o significado da ‘liberdade’ no mundo actual.)

A porta está aberta, mas poucos a querem atravessar!

 

24.11.09

Num hospital…

No Hospital Rainha Santa Isabel faltam os auxiliares de limpeza - são necessários 30 minutos para que apareça um auxiliar de limpeza na receção do serviço de urgência. Qual inoportuna ‘instalação’, o vomitado expõe-se, ali, mesmo em frente do guichet de receção!

Faltam os médicos. Os doentes esperam impacientemente que algum se lembre deles. Só com muita insistência, com muito “por favor” se consegue que o doente seja visto, ao fim de oito horas. E se o doente é idoso, está sozinho e incapacitado de se mover e de exigir os seus direitos, acaba por ficar num corredor à espera, à espera, sem ser limpo nem alimentado.

Ontem foi assim mesmo. E amanhã, como será?

 

21.11.09

Sem graça…

Nada me importas, País! seja meu amo

O Carlos ou o Zé da T’resa… Amigos,

Que desgraça nascer em Portugal!

          António Nobre, 1989

Apetece concordar com esta patética exclamação de quem, nas margens do Mondego, se via ostracizado e encurralado por uma mentalidade mesquinha e interesseira que corroía a nação de cima a baixo.

(Só a partida para o estrangeiro, e o consequente desenraizamento, permite descobrir algumas das virtudes do estéril solo pátrio que não da humana gente.)

Hoje, trabalhei todo o dia na esperança de que amanhã tudo pudesse ser diferente. No entanto, às 20h00, o bombo soou mais uma vez: a suspeita que deveria calar-se de vez, não!… alastra insidiosamente pelas paredes e deixa-me zonzo, a pensar que mais valia ter nascido em terra onde já não existissem nem amos nem vassalos.

 

19.11.09

Vermes e aves de rapina…

O laxismo vai fazendo o seu caminho, baixando cada vez mais os níveis de exigência. Moralmente, assiste-se a um esforço de ruptura e de reconfiguração da sociedade, colocando em causa o essencial dos costumes.

(As comportas já começam a ceder.)

Ao perdermos o sentido da responsabilidade colectiva, questionamos permanentemente a autoridade e fugimos da hierarquia como o diabo da cruz. Nivelamo-nos num horizonte igualitário, cujos custos evitamos calcular.

(Os bolsos esvaziam-se calculadamente.)

E esse nivelamento, onde a diferença deixa de ser valorizada, acabará por nos verminar definitivamente, tornando-nos pasto das aves de rapina que pairam sobre nós…

(É difícil viver na terra que ainda nos acolhe…)

 

12.11.09

Apesar de não ser da minha alçada…

Há mais de 30 anos que andamos a refundar a educação sem que a sociedade reflicta esse esforço reformista. Pelo contrário, a sociedade dos interesses apropriou-se do Estado e não descansa enquanto o saque não estiver terminado.

Entretanto, a nova ministra da educação promete que vamos, uma vez mais, voltar às origens, porque o melhor para os novos “pioneiros” é construir um novo sistema educativo, mesmo que a legislatura não chegue ao fim - “enquanto o pau vai-e-vem folgam as costas”, isto é, enchem-se os bolsos…

Todos sabemos que desenhar um modelo leva tempo, custa dinheiro e provoca cefalalgias (enxaquecas), o que não parece afligir a senhora ministra Alçada, pois, “alçada”, em bom português, é uma palavra tranquilizadora, sinónima de ‘competência” … E no caso desta senhora, para além da ‘competência’, há nela um altivo ‘saber fazer’ que não necessita sequer de receber instruções do (senhor) primeiro-ministro.

Haja paciência!

 

11.11.09

A morte dos provérbios e não só…

No dia de S. Martinho vai à adega e prova o teu vinho.” / “Dia de S. Martinho fura o teu pipinho.”

No caso dos adjetivos possessivos, a morte é parcial – no lugar do velho adjetivo, alguém colocou um determinante precedido de outro determinante “o teu vinho” / “a tua castanha” …, mas ficou a noção de ‘posse’, em terra de gente ludibriada…

No caso do provérbio, a situação é bem mais grave. Quem é que vai à adega provar o vinho produzido por si? Quem é que é introduz o seu pipo no barril ou o pipo no seu barril?

Afinal, quem é que ainda conhece a relação entre o pipo e o barril? Provavelmente, só o ladrão furtivo…

A morte dos provérbios é determinada pelo declínio da vivência rural. De facto, comemos gulosamente a castanha, substituímos a frugal ‘aguapé’ pela licorosa ‘jeropiga’, numa liturgia de ricos ignaros sem necessidade de criar provérbios.

 

9.11.09

As faltas de comparência…

A indiferença e a má vontade não explicam a falta de comparência.

A Escamões como fábrica de eventos não pode esperar que o público cresça no seu interior. Desde as comemorações dos 90 anos do edifício que defendo como estratégia: tudo fazer para que alunos, professores e funcionários se envolvam numa “escola participativa”, considerando-os agentes e não destinatários. Se esta estratégia tivesse vingado, teríamos, hoje, uma “escola como cultura” e não um misto de “escola como arena política” ou de “escola como burocracia”.

(A explicitação dos conceitos utilizados no parágrafo anterior deve ser procurada na obra de Jorge Adelino Costa, Imagens Organizacionais da Escola, Asa, 1996.)

Agora que se volta a discutir o “projecto educativo” regressa a necessidade de esclarecer qual é o modelo organizacional que a Escamões quer.

 

6.11.09

ESCHERICHIA

Acabo de tomar conhecimento que o Exploratório Ciência Viva, no Parque Verde do Mondego, Coimbra, promove, hoje, um encontro cujo tema é «Poesia & Ciência» …

Tenho pena de não poder estar presente, eu que procuro uma explicação para tanto alheamento da poesia e, também, do texto dramático. Poucos são os alunos que procuram ler os nossos poetas… continuam a vê-los como ‘loucos’… Preferem a ficção estrangeira, preferem traduções manhosas… Não revelam apego (paixão) pela língua, não veem que o seu futuro está inscrito nesse magma matricial…

Para atalhar qualquer surto de ‘escherichia’ mais ou menos viajada, deixo aqui uma engenhosa e divertida incursão de Vitorino Nemésio por esse espaço privilegiado em que a ciência se dilui em verso:

                       

Mandei fazer o eletrocardiogramas

À minha «Beatriz de mão gelada»:

Mas fui eu, fui eu só que fui à cama,

Eu, claro! não Beatriz, nem Dante, eu nada!

«Mas única Beatriz consoladora»

Então não era a Morte reservada

A quem tem coração pela vida fora

E por ele sobe em hélice animada?

Em gráfico de sismo a sina veio

Nessa foto cardíaca: – «Receio

Que morra, Daisy!» Não: Que morra, Dolly!»

Pois eu não sou o Fernando Pessoa

Ou Antero, nem em Inglês seu nome soa,

Que minha Musa é Escherichia Coli.

                         

Escherichia ou Beatriz, que importa o nome

Se ambos me soam igualmente belos?

A prometida morte nos consome

Como flor prometida nos carpelos.

Assim tu, Escherichia, és meu tormento

E noturno tremor, Beatriz funérea!

Quem nasceu para casto fingimento

Afinal pode amar uma bactéria.

                      

Pego em Escherichia ao colo,

Musa micrónica, etérea,

Mas não já de éter sulfúrico

Senão feminil bactéria.

Por ela todo estremeço

Em suor e ácido úrico!

                                                                  in Limite de Idade   

3.11.09

Entrei em Novembro…

Entrei em Novembro com a sensação de que me falta o tempo para a maior parte das tarefas. O meu ritmo de trabalho vem diminuindo tal como as minhas certezas… De repente, sinto-me na necessidade de debater com os meus alunos regras de cortesia, fórmulas de tratamento, a diferença entre actos ilocutórios diretivos diretos e indiretos e os efeitos da minha opção pelos últimos… Sinto que esta opção é fruto da crise de autoridade que se instalou nos últimos anos e que os custos são muitos elevados para aqueles que estão na sala para aprender.

Alguns alunos desejam saber se falo deles neste blog. Subitamente, temem ver-se num palco que não podem controlar verbal ou gestualmente. De verdade, é na sala de aula que montam a arena, procurando bandarilhar o mestre de cerimónia ou, no pior dos cenários, fazem como o touro que, na sua absoluta cegueira, ignora o forcado…

De qualquer modo, hoje, dou espaço ao blog do G(onçalo), deixando ao leitor a possibilidade de entrar no território de um jovem bem menos atormentado pelo curso dos dias…   

 

29.10.09

Pulsão de morte na escola…

De acordo com a tradição, o ensino tende a sobrepor-se à educação nas escolas secundárias. Muitos docentes continuam a pensar que a educação é uma competência das famílias. No entanto, num tempo em que a escolaridade obrigatória se estende até aos 18 anos e as famílias se desagregam com a maior das facilidades, há cada vez mais jovens que revelam dificuldades de integração.

Essas dificuldades são expressas através do alheamento, do desinteresse, da «hiperatividade” (erradamente, associada a um nível superior do domínio cognitivo), da agressividade ou de uma autoestima, por vezes, tão elevada e cega que o outro é visto como o «carrasco».

A vitimização é um dos efeitos da frustração relacional que, construída de forma cumulativa, pode desencadear situações de autodestruição ou, nos casos em que a relação afectiva colapsou, pode gerar episódios de punição colectiva. A vítima decide eliminar exemplarmente o carrasco, certa de que socialmente o seu nome verá o reconhecimento que lhe permitirá integrar a galeria dos heróis.

(Os sinais da pulsão de morte estão disponíveis. Infelizmente, continuamos ou a não ser capazes de os ler ou a virar-lhes as costas. De facto, preferimos a tragédia ao drama.)

 

28.10.09

Quem é quem na Educação?

Alexandre Ventura é licenciado em Ensino do Português e do Francês (pela UA) e mestre em Análise Social e Administração Escolar (também pela UA). Em 2006, doutorou-se em Ciências da Educação com uma tese sobre Avaliação e Inspeção das Escolas. Fez todo o seu percurso académico na Universidade de Aveiro onde é professor auxiliar (na carreira universitária, há as seguintes categorias: professor auxiliar, professor associado, professor catedrático). Alexandre Ventura não possui a agregação, mas tem uma vasta obra publicada sobre organizações escolares e avaliação de escolas. Para além de professor auxiliar na UA, Alexandre Ventura é consultor e formador nas áreas de avaliação de escolas e administração escolar. Alexandre Ventura é uma personalidade muito próxima do PS. Foi subinspetor geral da educação, em 2007, por proposta de Maria de Lurdes Rodrigues. E colaborou ativamente com o Governo PS durante a presidência portuguesa da União Europeia.

As linhas de acção estão definidasapostas na avaliação das unidades de gestão e dos recursos humanos e no plano tecnológico da educação. À Ministra competirá dar rosto às orientações do Primeiro-Ministro. Os sindicatos irão ficar à porta.

 

27.10.09

Um século de literatura no Liceu Camões

No presente ano letivo, “Os Encontros ao fim da Tarde” mudaram de nome. Associando-nos à celebração dos 100 anos do edifício, decidimos alterar o horário para que professores e alunos participem ativamente em cada uma das evocações de escritores que, na qualidade de alunos e/ou professores, aprenderam / ensinaram nesta nobre instituição.

Hoje, honrando a memória interventiva do antigo aluno do novíssimo edifício do Liceu Camões (1909-1911) e a modernidade da escrita de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), o Professor Fernando Cabral Martins (U.N.L.) proferiu, no Auditório Camões, uma serena e bem estruturada palestra sobre a vida e obra do novelista e do poeta. A professora da extinta Oficina de Expressão Dramática, Inês Nogueira, entusiasmou a plateia com a sua declamação dos poemas SERRADURA e CARANGUEJOLA. Talvez um dia, este Auditório possa testemunhar a representação de uma das três peças escritas pelo Mário (com a colaboração dos amigos Tomás Cabreira Júnior e Ponce de Leão) : O VencidoA AmizadeA Alma. Se o conseguirmos, atalharemos provavelmente algumas dificuldades reveladas pelo jovem público que encheu a Sala.

Globalmente, a escuta foi positiva, havendo mesmo muitos alunos que tiraram notas e outros que fizeram perguntas. No entanto, há quem não tenha o sentido de oportunidade: mudança de lugar no início da sessão; saída extemporânea da sala, perturbando a atenção do auditório; saída da sala quando decorre a declamação de poemas; conversa de pares; utilização do telemóvel para partilhar imagens e enviar SMS. Esperemos que nas conferências sobre Urbano Tavares Rodrigues (Nov.) e José Cardoso Pires (Dez.), a receção possa melhorar um pouco, pois educar é limar a natural imperfeição… 

 

25.10.09

As portas do mar...

À porta dos reis cansados de governar um país ocupado...como se eles fossem de outro barro. Suseranos e vassalos irmanados no mesmo desejo: a fuga.

Partimos para o exílio de nós próprios, pequenas ilhas depois esquecidas na voragem das ondas. De regresso, não lembramos mais a porta do mar. Ficamos deitados na areia ou à sombra dos pinhais, à espera de uma nau por haver. E, na espera, sonhamos o pendão perdido na maledicência do quotidiano.

 

24.10.09

Trio Duarte Costa

O Trio Duarte Costa atuou esta noite no Auditório Camões, no âmbito do centenário do edifício.

Obrigado. Não é todos os dias que os antigos alunos nos oferecem gratuitamente a sua arte.

Obrigado, Isabel Almeida, gostei de a ouvir e, sobretudo, apreciei a sua disponibilidade para aprender /atuar com os mais velhos, a tranquilidade que emana do seu dedilhar das cordas.

 

22.10.09

O humor de Sócrates…

Terá Sócrates sentido de humor? Será Sócrates um cínico? Não é frequente um primeiro-ministro, na escolha dos seus ministros, deixar-se condicionar pela ágora. No entanto, no caso do ministro da educação, o nome da Dr.ª Alçada Isabel Alçada circulava há meses na comunicação social, como certeza…

Quem é que a tornou imprescindível? Inevitável? Apesar do que se diz da arrogância de Sócrates, parece-me que a escolha não é de Sócrates, a não ser que Sócrates tenha decidido pôr à prova a paciência dos portugueses… Um ministro da educação não tem de ser um professor (filósofo ou não!) nem um escritor!

Um ministro da educação tem de ser capaz de desenhar e aplicar um projecto educativo nacional a longo prazo, liberto das teias de interesses que minam o terreno…

Para gerir os interesses, basta um secretário de estado ou um diretor-geral.

Se a Dr.ª Isabel Alçada não entender este princípio, tornar-se-á na cicuta de Sócrates.

 

21.10.09

O elogio da formiga…

Quem é que respeita a formiga? Hoje, elogiei uma formiga, apesar de esta se ter deixado seduzir pelas cigarras. Enfim, ninguém é perfeito!

Lembro-me que a ceifeira de Fernando Pessoa cantava na sua alegre inconsciência. Pode parecer que a ceifeira veste de cigarra, mas não: a ceifeira, na alma, não passa de uma formiga mal remunerada que prefere a canseira à pasmaceira antecipada da morte…

 

19.10.09

Não temos pejo…

R.E. continua convencido que M.S. era um finório. Tudo em nome do semipresidencialismo. Afinal, o modelo constitucional ainda não tinha sido experimentado. E ele, R.E., convenceu-se que lhe competia tutelar o governo e, como M.S. não deixava, fundou um novo partido. Em nome da nação! A bem de Portugal!

Nesta, como noutras questões, convencemo-nos facilmente que temos razão. Iluminados, não temos pejo em deturpar a História, não temos pejo em ajustar contas com quem não se pode defender…

Andamos, desde João das Regras, a construir e a legitimar heróis em nome das instituições. E sempre do mesmo modo!

(E, também, se tivéssemos optado pela verdade, pela legitimidade, há muito que não existiríamos como coletividade.

 

17.10.09

Ter uma ideia

participada

e vê-la abocanhada

desfolhada

embrutece.

Estar lá e ficar de fora…

vassalos devorados

rasurados

traídos no Livro da vida.

 

15.10.09

Do Quiroptário à Pedreira do Galinha...

Foi no Quiroptário do Carsoscópio do Alviela que os alunos do 10ºA e do 10ºQ da Escamões se sentiram, no dia 14 de Outubro de 2009, mais envolvidos, sem esquecer a vertigem proporcionada pelo simulador do Geodromo. E esse envolvimento foi de tal ordem que sempre que surgia uma "aberta" na visita, os 47 jovens se lançavam ao farnel, procurando imitar os morcegos que, de acordo com a informação que lhes foi prestada, comem, em cada noite, metade do seu peso.

Desta vez, os olhos de água tinham secado.

No monumento natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra de Aire. (Um misto de desconfiança e de curiosidade.)

As Pegadas. Com dedo?

 

(O direito à preservação da imagem.) O Dr. Granja explica e, neste caso, os alunos, cansados, ouvem a história dos trilhos dos dinossáurios.

 Uma paisagem bem diferente daquela que existiria há 175 milhões de anos! E já que passámos por aqui, aproveito para recomendar a leitura de LAPEDO UMA CRIANÇA NO VALE, de João Aguiar...

 

13.10.09

Padre António da freguesia da Assentis no Jogo Duplo?

Atónito, telefonei a confirmar. Seria mesmo o Padre António? Confirmado. Nunca pensara vê-lo ali. Mas porquê? Padre António não faz jogo duplo. Se ali estava é porque terá um motivo muito forte... o contributo dos paroquianos para a côngrua deve ter diminuído significativamente! Sinal dos tempos. Não creio que o Padre António tenha cedido à vaidade nem ao desejo de partir para os mares do Sul. Aqueles olhos não mentem: concentrado no objectivo, Padre António procura 10000 €, ciente que Deus há muito deixou de se ocupar dos problemas dos seus presbíteros e que os paroquianos só se lembram de Santa Bárbara quando troveja. Como eu o compreendo!

 

12.10.09

É a hora de…

Apurados os resultados das europeias, das legislativas e das autárquicas, é tempo de, nos próximos quatros anos, governar com responsabilidade, cumprindo as promessas exequíveis.

As manobras políticas devem cessar, dando espaço à clarificação das iniciativas para o desenvolvimento, e no caso dos perdedores ao reajustamento e à preparação do futuro.

E na circunstância seria bom que o presente ocupasse o palco por inteiro.

(Claro está que já andam por aí umas almas a assombrar qualquer decisão, a pôr em causa qualquer escolha, a menorizar o sentido do voto dos portugueses.)

É a hora de desprezar os intriguistas, os manipuladores, os derrotistas. É a hora de construir o presente!

 

 

 

11.10.09

Nota biográfica incompleta…

Jorge Freitas e Silva Melo

Nasceu, de cesariana, em Lisboa, a 7 de Agosto de 1948. Residiu inicialmente no andar onde mora actualmente o primeiro-ministro José Sócrates, na rua Castilho. A mãe era professora do ensino primário e o pai comerciante (?). Até aos 4 anos, viveu em África. De regresso, foi viver para a rua da Artilharia 1 (bairro judeu, à época), onde foi vizinho de Esther Mucznick e de Vera San Payo Lemos. Entretanto, foi viver para um prédio situado perto da Igreja de S. Mamede, onde também residia a atriz Manuela Porto.

Estudou nos Maristas, onde quis fazer uma redação sobre o dirigente africano Lumumba, sendo suspenso por três dias.

De 1963 a 1965, fez o 6º e o 7º ano no Liceu Camões, tendo como professores, para além da própria irmã[1], Mário Dionísio, João Bénard da Costa e Padre Fernando Belo. No entanto, de acordo com um testemunho seu, também terá frequentado o Liceu no 5º ano (1962-1963), pois referindo-se ao mestre Mário Dionísio, cita a resposta que ele dava aos alunos que não conseguiam exprimir o seu pensamento: “só que enquanto não souberes dizer, não sabes". O seu ensino era só isto: seja nas aulas de Francês – até ao 5º ano – seja nas de Português – 6º e 7º – ensinava “a saber dizer”. Por isso insistia – e se insistia! – na organização do discurso, na estruturação do comentário, na propriedade dos termos, na ordem da apresentação, na convenção da paginação...

Estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi aluno do Padre Manuel Bernardes, com ele tendo aprendido a ler / descobrir Les Mots et les Choses, de Michel Foucault.

Em 1969 e 1970, estudou cinema na London Film School. Mais tarde, estudou teatro em Berlim – estagiário[2] na Schaubühne – com Peter Stein – e no Piccolo Teatro/ Scala de Milão – com Giorgio Strehler.

Fundou e dirigiu, com Luís Miguel Cintra, o Teatro da Cornucópia (1973/79). Fundou, em 1995, a sociedade Artistas Unidos de que é diretor artístico e onde se centra, actualmente, a sua atividade.

Produtor, realizador, encenador, actor, argumentista, cronista, ensaísta, crítico e tradutor. Recentemente, Jorge Silva Melo trouxe à cena a peça Seis Personagens à Procura de um Autor, de Luigi Pirandello. E, também, é possível ver nas salas de cinema a curta-metragem A FELICIDADE com Fernando Lopes, Pedro Gil e Miguel Borges.

Na relação de Jorge Silva Melo com a Escola Secundária de Camões, vale a pena recordar a produção dos Artistas Unidos “O Amante de Ninguém” apresentada ao público nas Caves do Liceu Camões, em Abril de 1999. E acrescente-se que Jorge Silva Melo continua a inspirar-se em José Rodrigues Miguéis, um autor nosso, demasiado esquecido.


[1] - Doze anos mais velha. Hoje, JSM toma conta da irmã…

[2] - Bolseiro da Gulbenkian.

 

O Baile da vida e dos nós…

Ontem, tive oportunidade de ver o filme-documentário Le Bal des Actrices, de Maiwenn le Besco. Um documentário sobre o universo seletivo e competitivo da vida das atrizes na vida e na tela. O documentário acaba por virar ficção, levando à simulação de revolta das atrizes convidadas, ao aperceberem-se que perderam o protagonismo. A documentarista (esposa-mãe-amiga-fotógrafa-realizadora) acaba por valorizar/questionar os múltiplos papéis que desempenha, deixando no ar uma certa insatisfação. Uma ideia de precariedade… em tons de comédia musical ligeira.

Este filme integra a 10ª Festa do Cinema Francês. Os franceses continuam a apostar em nós.

nós, como é que explicamos a decadência da cultura e da língua francesa em Portugal? O que é feito dos nós culturais e afectivos que, pelo menos, desde o séc. XVIII, fomos desenvolvendo até 1974?

Desgraçadamente, este apagamento da cultura e da língua francesa envolve as restantes línguas românicas, gerando, por seu turno, o desvirtuamento da língua portuguesa.

Há dias em que chego a pensar que os nossos linguistas e os nossos gramáticos são de raiz anglo-saxónica!

 

9.10.09

O registo detalhado da vida…

Procuro notas biográficas de individualidades várias e apercebo-me que, na maioria dos casos, estas notas são lacunares. Nascemos e saltamos de imediato para a faculdade, amamos a referência a formações obtidas no estrangeiro ou, pelo menos, sob a asa de algum guru estrangeiro.

Emancipamo-nos, libertando-nos da mãe e do pai, ocultando o nome do professor do ensino básico ou secundário, a não ser que este, laureado por uma qualquer causa alheia ao ensino nos possa abrir portas…

Fragmentos mais ou menos extensos do passado evaporam-se, mistificando o leitor incauto…

Riscado o registo detalhado da vida, vejo-me na ideia de que a biografia se tornou caprichosa, no limite inverosímil, para não dizer mentirosa…

Descrentes, amamos, no entanto, a hagiografia feita da suspensão da história.

(O hagiógrafo suspende a História.)

Se, hoje, me dedicasse a esse registo detalhado da vida, o dia seria feito de violência armada, de violência verbal, de irresponsabilidade, de abuso de poder, de deturpação, de manipulação…, mas, hoje, Obama viu ser-lhe atribuído o Prémio Nobel da Paz…

 

6.10.09

A imortalidade ao nosso alcance?

Nobel para a Telomerase – a enzima da imortalidade celular

«Desde os anos 30 que se reconhecia uma função especial das extremidades dos cromossomas. As pontas dos cromossomas estavam protegidas por estruturas a que se deram o nome de telómeros. Mas foi com a descoberta da estrutura do ADN que os telómeros saltaram para a ribalta. O problema que surgiu era simples: se as enzimas que sintetizam o ADN necessitam de uma cadeia molde pré-existente, o que acontece quando chegamos ao fim do molde nos telómeros?»

Depois da teologia nos assegurar a imortalidade, à condição da travessia …, de tempos a tempos, a ciência promete-nos a morte da doença e a abolição do tempo, sem qualquer ritual de passagem… Sempre a esperança de sermos os eleitos! Mas de quem?

No meu caso, registo a fortuna destes novos lexemas: “telómero” e “Telomerase” …, e espero que a fortuna seja boa, mas temo que os tempos vindouros sejam de grande aborrecimento, tal como acontecia no paraíso antes da serpente se enroscar no tronco da macieira…

 

4.10.09

Uma atitude perversa

No que me diz respeito, ignoro se o velho se atirou ao mar. Receando que a minha aproximação o pudesse assustar, afastei-me sorrateiramente, ficando, no entanto, à espera de notícias, o que não deixa de revelar uma atitude perversa. Sabia, de antemão, que qualquer queda do velho despertaria a atenção dos surfistas, gulosos da onda...

Ao certo, não sei nada daquele velho e por isso não arrisco continuar a narrativa, ciente de que se o fizesse estaria a forjar uma 'estória' que, na melhor das hipóteses, teria como narrador um dos surfistas.

 

3.10.09

Se me abrir, o que é que achará?

Se você abrir uma pessoa, irá achar paisagens. Se me abrir, irá achar praias”. Agnès Varda

No filme “As Praias de Agnès”, Varda revisita o passado (uma boa parte do séc. XX) e mostra o envelhecimento do presente.  Vemos numa encenação /instalação: a infância, o período como fotógrafa, o casamento com Jacques Demy, o feminismo, as viagens, a família e os filmes. Predomina sempre o ponto de vista de Agnès. Quase que não há opinião. Sobre a ausência do ‘Maio de 68’, responde: - Não estava lá! Assim, cruelmente, porque o seu olhar nos falta…

Um documentário a não perder, apesar de uma ou outra erupção fálica… 

(No meu caso, se me abrirem, encontrarão apenas agulhas mais ou menos secas, algumas com cheiro a mofo. Portanto, mais vale suspender o gesto.)

 

1.10.09

Ler com…

O primeiro contacto com os jovens de 15 anos, acabados de entrar no 10º ano, mostra-me que Isabel Alçada e Ana Magalhães já passaram à história. Uma Aventura… já não preenche o imaginário destes alunos. Lêem pouco e, quando o fazem, preferem o imaginário anglo-saxónico…

E se a leitura é marginal na ocupação dos tempos livres, não é fácil perceber em que é que ocupam o tempo. Se ainda veem televisão, não o confessam e, sobretudo, admitindo que alguns ainda passam uma ou duas horas em frente do televisor, nada aprendem, em termos linguísticos e históricos…

A leitura em voz alta parece cansar estes jovens que não a veem como uma forma de partilhar ideias, emoções. Lêem em surdina, de forma arrastada, como se o outro não existisse… e o outro, o colega, não revela qualquer disponibilidade para ouvir, para compreender as palavras, os enunciados, e por isso, na sala de aula, o diálogo torna-se fútil, digressivo…

 

 

30.9.09

De regresso à labuta…

Como, actualmente, o comentário político exige um profundo conhecimento dos bastidores, decidi deixar de falar de quem nos governa. A opacidade desagrada-me. A intriga palaciana aborrece-me e faz-me perder tempo. Mas isto não significa que passe a pertencer ao grupo dos grandes indiferentes.

 

29.9.09

Mau perder…

Pelos vistos o Presidente tem mau perder. Nem uma palavra sobre os resultados do acto eleitoral do dia 27! De facto, o Presidente desejava uma vitória da ordem cavaquista.

Ofendido e incomodado, lança a atoarda de que o PS o quer prejudicar e ao fazê-lo estará a prejudicar “o supremo interesse do país”. A preleção de Cavaco ao país (ou aos jornalistas?) enredou-se numa teia de grande inquisidor, vítima de uma cabala libertina, mentirosa e indecorosa. E como os grandes inquisidores, assegurou-nos através de um discurso sibilino que o cepo espera o pescoço de Sócrates…

Cavaco aproveitou para cavalgar a ideia daqueles que defendem que Sócrates terá de ser afastado do poder o mais depressa possível. (E ele espera que continuem a ser muitos! De verdade, conta com a união das oposições.)

Não sei se Sócrates tem ou não telhados de vidro, mas desconfio que o Presidente (o cavaquismo) tudo fará para minar a resistência física e psicológica do primeiro-ministro. Cavaco diz querer ser o Presidente de todos os portugueses, mas não com o actual secretário-geral do PS.

Começo a pensar que é tempo do futuro governo ajudar o presidente a completar o seu mandato, de modo que possa descansar tranquilo em terras de Boliqueime…

 

28.9.09

A derrota da aritmética…

Vivemos num país que não sabe calcular. Até ao dia 26 de Setembro, o PS não passava de um partido de direita. Governava em ditadura, asfixiando a sociedade esclarecida e manipulando o povo.

Desde ontem, o PS passou a integrar a esquerdaO Povo vota sempre à esquerda! Uma parte desse povo votou Sócrates, outra votou BE e o restante povo, genuíno, votou CDU.

No entanto, 39 % da população não votou e outros 39% dos que não são povo votou PSD e CDS. 

O resultado global dá uma vitória esmagadora dos que por alguma razão inefável não são povo (78%) sobre a maioria de esquerda - povo des(unido) - (55%).

Sócrates vai ter de gerir esta absurda aritmética, sabendo, de antemão, que não vale a pena fingir que é povo… até porque o povo de esquerda tem horror a cuscos…

(Amanhã, Cavaco Silva revelará ao país que como alguém o tem andado a espiar, de futuro deixará de receber o 1º ministro no Palácio de Belém. E, como por enquanto não quer afrontar a maioria de esquerda saída das últimas eleições, passará a presidir mensalmente ao Conselho de Ministros, na esperança de que Sócrates opte pela cicuta.)

 

27.9.09

Um novo ciclo democrático…

A partir de amanhã, começa um novo ciclo democrático. Governar em tempo de crise global exige muita concertação e, sobretudo, disponibilidade dos grupos parlamentares para a construção de soluções capazes de mobilizar a sociedade portuguesa, diminuindo as desigualdades e promovendo a produção de riqueza cultural e material.

Qualquer estratégia de bloqueio que venha a ser criada porá em causa o futuro da democracia e abrirá a porta a soluções totalitárias.

 

Amanhã é outro dia…

Às 8 horas em ponto compareci na mesa de voto nº 10, na Portela, Loures. E votei em consciência e em liberdade! Mais diligente do que eu só a senhora presidente da Junta, candidata à presidência da Câmara que, no seu passo decidido, acompanhava idosos pontuais, mas que não sabiam em que mesa de voto deveriam colocar a “cruz” … Por ela, nenhum deles deixaria de cumprir o seu desígnio!

E votei desapaixonadamente, liberto do espírito de vingança que absorve a lucidez de uns tantos paladinos da justiça e acaba por os atirar para becos-sem-saída.

E não se pensa mais nisso. Para quê? Amanhã é outro dia e não tem que ser o último…

 

 

 

25.9.09

Um país atarantado…

Considerando que a abstenção poderá diminuir nestas eleições em relação às «europeias», resta perceber de que lado estão as corporações que suportam o Estado, depois de Sócrates as ter afrontado.

Dos partidos da oposição nada há a esperar. Aos problemas e às propostas de resolução, nada disseram. E tudo leva a crer que, na próxima 2ª feira, a mesma oposição faça de conta que nada perdeu no dia 27 e, sobretudo, que o inimigo continua o mesmo.

Tal como o calor insiste em ficar durante o mês de Setembro, também, em Outubro, o país continuará o mesmo: contestatário, mas sem capacidade de resolução dos problemas que mais o afligem.

 

23.9.09

De regresso à 1ª República…

A comunicação social trocou o rigor informativo pela intoxicação da opinião pública. A verdade e a mentira deixaram de estar em campos opostos, de tal modo caminham de braço dado que acabam por criar um sentimento de desorientação que poderá comprometer o futuro da democracia.

Os candidatos tornaram-se inverosímeis e risíveis. O presidente da República não soube ou não quis afastar-se dos interesses partidários, perdendo muita da autoridade que lhe era reconhecida.

Externamente, o país perde credibilidade, dilui-se em contradições partidárias que hipotecam a legitimidade do Estado.

É no universo do audiovisual que se travam as maiores batalhas. Hostes de comentadores mais ou menos fanatizados manipulam / criam descaradamente factos, evidências…

A palavra, o gesto, a imagem desconcertam a cada momento, introduzem a incerteza…, tornam-nos desconfiados, descrentes, céticos, convidam-nos a ficar em casa.

Da abstenção falar-se-á na noite de 27, mas é nestes dias que ela cresce…

 

 

 

 

21.9.09

Em liberdade e em consciência...

«...e votamos em liberdade e em consciência.», A. Souto, CrónicaFloresta do Sul (blogue)

De acordo com Manuela Ferreira Leite, não é bem assim. A liberdade já não é o que era no cavaquismo. De facto, já nos esquecemos do que foi o cavaquismo, presumimo-lo enterrado, mas ele anda por aí, à espreita da oportunidade. Creio mesmo que uma boa parte da desgraça de Sócrates perante o  cavaquismo se deve (a outra parte vem-lhe do tempo em que ele, Sócrates, terá militado no PSD!). Finalmente, apesar do que pensamos, não votamos em consciência, porque ao esquecermos o passado, a nossa consciência perde verticalidade.

E por isso, é melhor não esquecer as origens do Bloco de Esquerda. Lá dentro, há de tudo! 

Anda por aí muita gente que já não se recorda de como tudo começou. Atente-se em Mário Soares que não se lembra de quando foi Presidente da República, de tal modo que não lhe repugna uma coligação do PS com o BE. Quem diria? Se lembrasse do papel do PC na sua eleição como presidente, talvez, hoje, apostasse numa coligação de sinal menos radical. Mas se o fizesse, sabe-o bem, perderia o estatuto de paladino da democracia, em 1974 e 1975.

(O melhor seria mesmo sair de cena, mas, quando os interesses estão em jogo, não há ninguém que nos faça abandonar o palco.)

 

20.9.09

Matizes

Sobre a fina areia, ora corre a lagoa para o mar, ora o mar invade a lagoa. O azul profundo vinca no horizonte a serra.

À volta a lixeira; tudo é clandestino; instalações precárias (pós-25 de Abril de 1974?) que se eternizam. A poeira esmaga o pinhal. O povo também tem direito ao paraíso da Lagoa de Albufeira! Até quando?

Tenho pena de não ter observado se, de facto, António Lobo Antunes continua a ter razão: «A classe SG-Filtro tinha o poster de Che Guevara na parede do quarto, nutria-se espiritualmente de Reich e de revistas de decoração, não conseguia dormir sem comprimidos e acampava aos fins de semana na Lagoa de Albufeira conspirando acerca da criação de um núcleo de estudos marxistas.» Memória de Elefante, 1979

No entanto, creio que as campanhas antitabágicas nivelaram as marcas de cigarros e, sobretudo, penso que a actual esquerda portuguesa desconhece Che Guevara, Reich ou Marx. A esquerda portuguesa prefere os "gatos fedorentos" às ideologias "fedorentas". A esquerda portuguesa só pensa em ocupar legal ou clandestinamente as "lagoas" deste país, de preferência em condomínio fechado.

 

18.9.09

Doentes sem saber…

Quando adoecemos tornamo-nos hipersensíveis ou a hipersensibilidade é um sintoma de doença?

Há muitos anos que esta questão se me coloca quando assisto a manifestações de irritabilidade e de agressividade mais ou menos violenta. Com o tempo, aprendi a tolerar comportamentos que a maioria das pessoas é incapaz de suportar, porque, de acordo com a minha experiência, a doença acaba por irromper, ceifando inexplicavelmente (?) as vidas daqueles que maior dificuldade de autodomínio manifestam.

No entanto, não posso deixar de pensar que o autodomínio (o silêncio – a suspensão da voz, do gesto) acabará, um dia, por ceder… e esse dia será já de morte…

(Nestes últimos dias, de formas bem diferentes, a voz da morte soprou mais forte do que a voz da vida.)

 

17.9.09

Quando dizer não é fazer…

«Se os ouvintes ouvem uma coisa e veem outra, como se hão de converter?» Padre António Vieira, Sermão da Sexagésima, 1654.

Do século XVII para o séc. XXI nada mudou, apesar de ninguém nos querer converter ao socialismo ou à social-democracia. Aliás, das ideologias já ninguém fala.

Fazendo tábua rasa do passado, isto é, das acções passadas, os lideres exortam-nos a ouvi-los, mesmo que nada digam, nada expliquem do que se propõem fazer.

De facto, sem doutrina, sem acção e sem exemplo nada pode ser posto ao serviço da coletividade.

 

As ideias desertaram da campanha…

A campanha eleitoral avança, os discursos radicalizam-se e o esclarecimento dos cidadãos decresce.

Face ao desemprego galopante, que medidas para o evitar?

O que é que se propõem fazer para melhorar a qualidade dos empreendedores portugueses?

Que passos querem dar para tornar a administração pública mais eficaz?

Como é que se propõem avaliar o desempenho dos administradores, dos diretores, dos médicos, dos enfermeiros, dos professores…?

Objetivamente, não encontro respostas. Ninguém espera milagres!

Com a verdade, escondem a mentira; com a naturalidade, cobrem a manipulação e o discurso oral de uns tantos envergonha todos aqueles que não tiveram oportunidade de aprender a língua portuguesa.

 

15.9.09

Carta Aberta

Ao Diretor(a) do Centro de Saúde de Moscavide

Exmo.(a) Senhor(a) Diretor(a)

Começo por me apresentar: chamo-me (…), e venho apresentar a minha reclamação relativamente às seguintes situações:

1º: Tendo tido necessidade de entrar no vosso site ou de enviar esta carta por email, constatei que este Centro de Saúde não possui nem email (não disponível), nem website (não disponível ou em atualização), o que é infelizmente ainda um facto comum, mas sem dúvida lamentável, ainda mais pertencendo este Centro ao distrito de Lisboa e ao Concelho de Loures, que deveria estar apetrechado de todos estes meios. Deste modo, desconheço completamente a quem me devo dirigir, se este Centro é dirigido por um diretor ou diretora, a identificação deste ou desta, dados imprescindíveis em qualquer instituição de saúde pública interessada em interagir com os seus utentes e em conhecer as suas dificuldades e «queixas»;

2º: Tendo-se reformado a minha médica de família, Dr.ª Teresa Resina, em Junho ou Julho, facto para o que fui informada por acaso em Setembro, quando contactei por via telefónica esse centro, responderam-me para meu espanto que me encontrava sem médico de família, bem como todos os outros utentes, penso eu, por não haver nenhum médico que a substituísse. Este é o meu motivo principal de queixa e de total indignação, pois sabendo vossa excelência com certeza que aquela médica se ia reformar, não entendo como não foi assegurada a sua substituição imediata, pois ficaram sem médico de família mil e tal pessoas, no mínimo, entre as quais se encontra grande maioria de idosos (a população de Moscavide e da Portela é bastante envelhecida), e muitos doentes crónicos, que necessitam de prescrições médicas de medicamentos indispensáveis para as suas doenças crónicas (encontro-me nesse caso). Tendo tido necessidade de validar um atestado médico passado pela minha médica psiquiatra, informaram-me que me podia dirigir a esse Centro às dez horas, todos os dias. Assim o fiz na sexta-feira, dia onze de Setembro, chegando às 8h 50m. Fui informada que nesse dia, o médico que substituía a minha médica afinal vinha às 13horas, voltando eu a esse local às 11h 30m, uma hora e meia antes das inscrições. Informaram-me então que já não havia vagas nesse dia, estando todos os utentes já lá sentados à espera das 13 horas. Desconhecia que era necessário vir tão cedo para tomar vez (possivelmente às 6h da manhã, no mínimo) e não tive outro remédio se não passar o fim-de-semana a pensar no «expediente» que havia de arranjar para conseguir vaga na segunda-feira seguinte (levar cadeira para me sentar, várias refeições para não passar fome, etc.). Devo lembrar que eu, tal como todos os outros utentes, alguns com oitenta e tal anos, somos pessoas doentes, no meu caso fragilizada por uma doença autoimune, que me provoca grandes prejuízos físicos e psicológicos, tais como astenia, grande fadiga, entre outros. Sendo vossa excelência médico ou médica, presumo, não lhe serão certamente indiferentes todos estes factos, podendo-lhe assegurar que já presenciei muito desespero e angústia de muitos utentes, por razões perfeitamente ridículas e facilmente ultrapassáveis, no Centro que vossa excelência dirige. Pergunto-lhe ainda: no distrito de Lisboa, capital do país, não há realmente médicos interessados em ser médicos de família no Centro de Saúde de Moscavide, ou esse facto deve-se a outros interesses e factores alheios aos interesses da Saúde Pública? Ou simplesmente à intrínseca e histórica desorganização à boa maneira portuguesa?

3º: O facto de terem deixado de fazer marcações por via telefónica ou presencial para as consultas com os médicos de família, dando como desculpa a Gripe A, obrigando todos os utentes a irem para a fila às tantas da madrugada, para se inscreverem por ordem de chegada, é uma medida absolutamente desumana e não praticada em lado nenhum que se intitule por instituição a bem da Saúde Pública. Desconheço se foi uma decisão da autoria de vossa excelência ou se a ela foi obrigada, mas garanto-lhe que é uma medida péssima, não só para a transmissão da Gripe A, como para os interesses dos utentes que deviam ser preservados de tais condições de humilhação e de indignidade em pleno século XXI.

4º: Em último lugar, peço a vossa excelência que envide todos os esforços possíveis junto da Tutela, no sentido de fazer compreender à Senhora Ministra da Saúde e a todos os que têm algum poder para mudar o que está mal, a enormidade e a humilhação para doentes e médicos que constitui a actual legislação que obriga um doente (imaginemos um doente de psiquiatria ou um doente com gripe A ou outra qualquer), a passar horas num Centro de Saúde para o seu médico de família (se o tiver), lhe escrever a mesma coisa que está no atestado passado por médicos idóneos e conhecedores dos doentes, num outro papel, por um médico que não pode conhecer tão bem este doente e que não faz mais do que perder o seu precioso tempo com esta terrível e incompreensível medida 100% burocrática e inútil, que dura há cerca de nove meses. Chega de atentar gravemente contra a saúde pública e contra os direitos humanos.

Espero que esta carta venha a ser ao menos lida por vossa excelência e que seja objecto da sua atenção, pois acredito à partida na bondade e boas intenções das pessoas, sejam elas quais forem.

Informo, ainda, que enviarei esta «carta aberta» para o Ministério da Saúde e, caso não venha a ter uma resposta adequada, nem de uma instituição nem de outra, ver-me-ei obrigada a seguir para outras instâncias superiores, até aos tribunais europeus, pois trata-se, sem dúvida, de um caso de desrespeito dos direitos humanos e de Saúde Pública em Portugal.

 

13.9.09

A decadência da Ibéria

Enquanto a mentalidade nacionalista se sobrepuser ao factor demográfico, dificilmente sairemos da periferia económica, social e cultural para que nos empurramos, muito por efeito do inquisidor que há séculos reside em nós.

A classe política portuguesa ainda não percebeu o que significa fazer parte dos grandes espaços, seja o da união europeia ou o da lusofonia. Com o 25 de Abril de 1974, Portugal regressou às fronteiras de 1415 e por aí continua. Pensa pouco e pequeno. Continua a ver o espanhol como manhoso e inimigo.

Ferreira Leite corporiza este Portugal envergonhado, lembrando a Maria da Fonte perante as tropelias higienizantes e fiscalistas do Costa Cabral, ao querer impor um “estado”, a um país dominado por “juntas”.

Sócrates percebe que o futuro pode ser diferente, acredita no futuro, sabe, em parte, o que é necessário fazer. Falta-lhe, no entanto, a coragem para ser quem, de facto, é. Falta-lhe a coragem para confessar os seus pecados (que parecem ser grandes e nada abonatórios!). E, sobretudo, Sócrates ainda não percebeu que os portugueses são magnânimos para quem pede perdão…

 

11.9.09

A saúde que nos abandona…

Um psiquiatra passa a um doente um atestado médico que, por força de lei, deve ser confirmado pelo médico de família, para que, no prazo legal, seja entregue no local de trabalho.

Entretanto, o médico de família reformou-se e o utente ficou sujeito a deslocar-se de madrugada ao centro de saúde (Moscavide) sem qualquer garantia de ser atendido até ao final da tarde por outro médico, sobretudo, agora, que os efeitos da gripe A começam a sentir-se.

O relato corresponde ao que se passou hoje com um utente do serviço nacional de saúde e com muitos outros utentes. Neste centro de saúde nem sequer há entrega de senhas de espera. Por exemplo, hoje, sexta-feira, o utente poderia receber uma senha que evitasse que ele tivesse de deslocar-se, na 2ª feira, às 6 da manhã, para a porta do centro de saúde, sem qualquer garantia de vir a ser atendido no próprio dia ou no dia seguinte...

Não vou continuar o relato, mas esta situação é desumana para qualquer cidadão e, sobretudo, para quem se encontra debilitado e, frequentemente, tem um sistema imunológico frágil.

Num contexto de risco como o actual, a certificação de atestados médicos deve ser urgentemente revista, para que os riscos de contaminação para o utente não aumentem e para que os centros de saúde não fiquem completamente bloqueados.

Em síntese, no contexto actual, tendo ficado sem médico de família, integrando um centro de saúde bloqueado e desorganizado, como é que o doente, que tem um atestado médico passado por um médico idóneo, pode, em tempo útil, sem os prejuízos descritos, entregar um atestado "oficial" no seu posto de trabalho?

 

8.9.09

Lavemos as mãos!

Há dias em que percebemos que a dedicação deixa de fazer sentido. Não vale a pena contar a história porque as peripécias que a constituem se tornaram absurdas. E quando a história cessa é porque a barbárie está instalada. Lá, no fundo, começo a sentir-me como Pilatos, com a vantagem de, ao lavar as mãos, estar eventualmente a contribuir para afastar a gripe a, b, c, d ...

 

6.9.09

Cobrindo a Megera, de olho na fera

Peça de teatro infantil de rua, apresentada no Centro Cívico de Carnaxide, aborda de forma didática, mas extremamente divertida, o problema das doenças sexualmente transmissíveis (DTS)... Uma forma de abordar o problema da SIDA, de modo simples e eficaz.

No entanto, apesar de o público nada pagar, naquela tarde de Domingo, às 18 horas, a maioria dos presentes no Centro Cívico preferiu ficar sentada nas esplanadas adjacentes, à espera do Dinamarca-Portugal. E nem sequer se pode argumentar que os espetáculos eram inconciliáveis! 

 

4.9.09

Intenções vs. propostas

Há em Portugal tantos problemas que exigem resolução imediata ou, pelo menos, que necessitam de análise cuidada para que as soluções não sejam indefinidamente adiadas, e nós o que fazemos?

- Sentimo-nos asfixiados na nossa liberdade porque finalmente alguém teve a coragem de pôr termo à desinformação permanente, ao insulto e à arrogância de dois ou três desbocados… ( em nome da liberdade de expressão! Mas, afinal, o que é a liberdade?)

- Desenhamos paulatinamente a árvore genealógica do chefe democraticamente eleito para, no momento certo, atirarmos para a opinião pública (o eleitorado, no caso) mais um ramo podre… Se o chefe é culpado de algum delito, porque é que não é feita prova? Não deve ser falta de empenhamento dos investigadores! Uma qualquer investigação não pode levar tanto tempo!

- Procuramos os melhores argumentos jurídicos para, no caso de o povo oferecer uma maioria absoluta a Sócrates ou a Leite, podermos democraticamente impugnar as decisões do Governo… Que o povo vote, não abdique do seu direito desde que o faça a nosso contento! Cada vez mais as minorias silenciam as maiorias. Tudo porque às minorias não falta a convicção…

Não seria preferível, os candidatos à governação deste triste país apresentarem as suas propostas, debatendo-as à exaustação, para que o povo possa escolher?

Continuo sem saber quais são as propostas dos candidatos, por exemplo, nos domínios da educação e da justiça, sectores fundamentais para a resolução da maioria dos problemas nacionais. E quando refiro propostas não me estou a referir a intenções simpáticas e vagas.

 

3.9.09

The Fountainhead, 1949

Bénard da Costa na recensão que fez do filme The Fountainhead (Vontade Indómita) escreve: «E explica (King Vidor) que foi ao tempo da filmagem de The Fountainhead que leu a obra de Jung e que os problemas do autorreconhecimento, da dignidade interior e do poder e da divindade que cada homem traz em si se lhe impuseram 'If you can't find God in the expression of man, then where do you find it?'»

O arquiteto Howard Roark, inspirado no célebre arquitecto americano Frank Lloy Wright, representa todos aqueles que nascem para acrescentar ao mundo algo de novo, insubmissos ao gosto e ao mando dos poderosos ou das turbas.

No meio da actual luta política, é bem mais fácil descobrir mil Gay Wynand / Peter Keating (símbolo do poder dos media, das corporações, em suma do dirigismo das consciências) do que um Howard Roark. Porque será?

Este filme estreou em Portugal a 17 de Abril de 1950 e algo me diz que ele terá ajudado Vergílio Ferreira a enquistar-se contra a literatura oficial do Estado Novo, e sobretudo contra o neorrealismo português.

 

2.9.09

Ser claro...

Sócrates admite que errou na questão dos professores. Leite quer rever o estatuto da carreira docente. Os restantes pura e simplesmente revogam tudo. Compreende-se a posição do CDS, do PC e do BE - a chefia do governo não passa de uma miragem.

Até aqui, tudo bem. Mas o que é que Sócrates e Leite propõem para que os eleitores possam escolher?

NADA. Adiam a resposta na esperança de, embolsado o voto, fazerem o que lhes der na gana. 

É, agora, que precisamos de respostas claras para que a contestação não desça à rua já em Novembro... até porque, neste país, há quem não saiba fazer mais nada.

 

31.8.09

A oliveira

Quantos anos terá esta oliveira? Apesar da doença que a esventra, persiste hirta e pronta a recomeçar a cada momento... e dá fruto a quem o quiser colher. Conheço-a há mais de 50 anos, no entanto ela parece indiferente à minha presença, um pouco como o elefante ignora a formiga...

A oliveira não avança nem cai, a oliveira cresce e permanece. Mesmo que água lhe falte por uns tempos, a oliveira nutre-se da seiva milenar que gera a vida.

Não conheço os pensamentos da oliveira, mas já percebi que ela não se deixa afetar pela propaganda nem tem qualquer tipo de inveja das minúsculas filhas que se deixaram europeizar.

À oliveira ninguém pede para votar, mas se isso acontecesse ela votaria no arco-íris...

 

30.8.09

Saramago, o cornaca

«A História é uma tola.

Eu não posso abrir um livro de História, que me não ria. Sobretudo as ponderações e adivinhações dos historiadores acho-as de um cómico irresistível. O que sabem eles das causas, dos motivos, do valor e importância de quase todos os factos que recontam?»

Almeida Garrett, Viagens na minha Terra

Saramago, tal como Garrett, reivindica para o romancista o privilégio de estar do lado da verdade, desde que esta dê a devida atenção ao povo. Ao escritor, iluminado, cabe o mesmo papel que ao cornaca. Montado no cachaço do elefante, o escritor, ora de fato vistoso ora imundo, conduz o povo, não a Santarém ou a Viena, mas ao cinismo e ao ceticismo. A ironia e, sobretudo, a paródia prazenteira dos valores dominantes encarregam-se de nos libertar do peso da História.

No final da leitura, fiquei como a Dona Catarina, ao tomar conhecimento da morte do elefante, Não quis saber, embora não tenha desatado a chorar…

Agora, refeito do impacto, parece-me que Saramago ficou a ganhar a Garrett. Pelo menos por uns tempos, o Ministério da Educação pode declarar A Viagem do Elefante como leitura obrigatória, pois não correrá o risco de cansar os alunos com erudição (desnecessária!), seja ela histórica, política, económica, filosófica, geográfica, literária… Afinal, quem é que tem estômago para ler As Viagens na minha Terra?

«No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas seletiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da pura realidade. Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso.»

José Saramago, A Viagem do Elefante

Quanto mais leio Saramago mais me convenço que se ninguém tivesse inventado os milagres, ele estaria no desemprego! Quanto à História, bem sabemos que o espírito do «revolucionário” é reescrevê-la, ou, em alternativa, queimá-la. E quanto à Geografia, não vale a pena esforçarmo-nos, o santo GPS resolve! E finalmente, sobre os clercs não deixa de ser curiosa a nota (solta) na página 227: «Estas observações talvez venham a ser consideradas desnecessárias pelos leitores mais interessados na dinâmica do texto que em manifestações pretensamente solidárias…»

Ora em termos de dinâmica do texto, fiquei finalmente a compreender a gramática do autor: utiliza a mesmo do seu ilustríssimo antepassado: «tão rápido como santo antónio quando usou a quarta dimensão para ir a lisboa salvar o pai da forca.»

E a propósito, em nome de tratamento igual e solidário, é mesmo necessário eliminar os nomes próprios?

Para terminar, e de acordo com a profunda reflexão de Saramago de que não é possível descrever uma paisagem com palavras, deixo aqui uma foto por identificar, assegurando que não se trata do mar das rosas, a norte de Barcelona.

 

24.8.09

CEDDO

Ontem, vi o filme CEDDO (1977) de Ousbane Sembene (Senegal, 1923-2007). CEDDO documenta o processo de colonização islâmica de um reino africano. Em nome do Corão, o imã vai ao ponto de desapossar o rei do seu título, pois o termo "rei" só poderia ser atribuído a Alá, tal como proíbe qualquer ícone e ídolo. O processo de colonização recorre à eliminação de todos os sinais de identidade do grupo e do indivíduo, terminando numa guerra santa (jiad)...

O filme tornou-se interessante porque a literatura (e o cinema) que conheço raramente abordam o papel do Islão na destruição das tradições africanas. Neste filme, curiosamente o padre, representante da colonização cristã católica, não passa de um lunático sem tropas, completamente ignorado, apesar de ser colocado no mesmo plano do comerciante europeu, mais ou menos anglo-saxónico, cujo papel é vender álcool (proibido pelo imã) e armas...

De certo modo, Ousbane Sembene documenta a história da colonização: 1º Cristo, depois Maomé que mantém o seu domínio até hoje, apesar da resistência, sobretudo, feminina. De facto, a mulher africana, na maioria dos países continua a ser a maior vítima da colonização islâmica... No essencial, ficou-me a pergunta: - O que é que é mais importante o ser humano ou a religião?

 

 

23.8.09

MEDIOCRIDADE...

Nota crítica

António José Silva Carvalho (Vila do Conde, 1948) tem feito o favor de me oferecer os seus livros a que, infelizmente, não tenho dado a atenção que merecem. Confesso que a leitura nem sempre é fácil e nos tempos apressados que nos governam o mais fácil é suspender a leitura…

Por coincidência ou talvez não, decidi levar a bom porto a leitura de duas obras, à partida resistentes e muito diferentes, mas que, afinal, talvez o não sejam: - Que Farei Quando tudo Arde? (D. Quixote, 2001), de Lobo Antunes; Mediocridade (Aquário, 2000), de Silva Carvalho.

De facto, Silva Carvalho, no poema “Insignificação”, datado de 6-10-2000, interroga-nos, à semelhança de Sá de Miranda: / que se poderá viver quando a vida arde / e arfa nos mimetismos da presença? / Tanto Silva Carvalho como Lobo Antunes suspendem os géneros literários em que se inscrevem. Coincidências!

No caso do autor de Mediocridade, a pretendida autoexclusão da poética de raiz greco-romana leva-o, em compensação, à defesa de uma linguagem porética que define, no texto ENTRE do seguinte modo: / A linguagem porética é um discurso / entre, entre a poesia e a filosofia, / capaz por isso de fazer interpenetrar / a abstração do pensamento tateante / no tecido afectivo da expressão lírica. / É um espaço onde a temporalidade / ganha o seu momento histórico, / não porque reflicta a ideia do mundo / ou de tempo concebida pela política, / mas porque inventa um outro mundo / capaz de fazer sugerir a presença / do mundo em que todos vivemos. /

Neste poema, Silva Carvalho define de forma lapidar a sua insatisfação com a arte produzida no Ocidente, uma arte serva de si própria ou engajada, incapaz de dar conta do único “mundo em que vivemos” … e, para tal, procura na escrita a língua que dê conta do fulgor do presente, isto é, da nossa fugaz presença no mundo.

O arco temporal deste livro decorre entre 6 de Julho de 2000 e 30 de Outubro de 2000. Numa 2ª parte, podemos ler um conjunto de “Sonetos Imbecis”, situados entre 13-2-1984 e 15-5-1984. E, na 3ª parte, encontramos um lúcido ensaio sobre a escrita porética de Fernando Pessoa / Alberto Caeiro: À Procura de uma Tradição / Alberto Caeiro, A Linguagem Porética e a Estética da Imperfeição.[1]

O título deste obra – Mediocridade - voluntária ou involuntariamente, expressa a reivindicação de reconhecer à língua uma função mediadora, uma função de vida, num tempo em que para se abafar a memória se acelera a morte das línguas: / A língua não pode ser um deserto / nem desertar o mundo, a língua / arfa no sigilo de si mesma, árdua / tarefa para quem procura sentir / a existência como coisa sensível. / (A Dor, 28-9-2000)




[1] - Perante a quantidade de disparates ensinados aos portugueses sobre este heterónimo, ainda vamos a tempo de corrigir o rumo, lendo o ensaio de Silva Carvalho. E já agora porque não adoptar nas universidades um contrato de leitura que permita aos nossos estudantes ter um efectivo conhecimento de tudo o que se escreve no espaço da lusofonia, mesmo que os lentes não consigam dar conta do recado? Se isso acontecesse, não teríamos um escritor como António (não é Armando!) José Silva Carvalho, zangado com os seus contemporâneos porque estes lhe passaram ao lado e não viram… NÃO O VIERAM VER.

 

Em 27 de Setembro...

É decisivo que os portugueses votem em consciência. De acordo com a sua consciência e não em função de argumentos catastrofistas ou de dilemas mais ou menos arcaicos.

Há muito tempo que a esquerda e a direita morreram. Quem nos governa fá-lo em nome de interesses mais ou menos ocultos... e o interesse tornou-se inimigo da necessidade!

Por isso, em 27 de Setembro, cada português deve equacionar as suas necessidades e expressar o seu pensamento, independentemente dos que prometem ou dos que nada prometem.

Prometer 'tout court' pode ser a expressão de um sonho, mesmo que se torne irrealizável. Prometer apenas o que se pode cumprir não ´corresponde a qualquer tipo de promessa, é uma obrigação!

E convém ter presente que os políticos não são nem melhores nem piores do que nós. São apenas o nosso rosto...

E independentemente do sentido do nosso voto, no dia 28 de Setembro, o rio seguirá o seu antiquíssimo caminho...

 

 

 

 

22.8.09

A falha...

Quando me falha (ou falha à língua) o termo capaz de expressar o sentido, posso sempre recorrer à catacrese... Resta, porém, saber se a falha justificativa do recurso à figura é da língua ou minha...

Nos últimos dias, por razões diferentes, atravessei dificilmente Sintra e percorri, surpreendido, a parte histórica de Tomar. No primeiro caso, falhava o lugar para estacionar ou para sentar (tudo era movimento apertado de gentes mais ou menos estrangeiras ao lugar!); no 2º caso, edifícios e ruas em ruína pareciam apontar uma falha prístina... Lugares por mim longamente vividos, mas que, por estes dias, esperam a chegada não apenas de turistas, mas, sobretudo, de dirigentes responsáveis para que as arribas soalheiras deste país não desabem definitivamente...

Nem sempre falha a língua ou o ser, nem sempre precisamos de recorrer à catacrese...

 

16.8.09

Finalmente...

António Lobo Antunes, Que farei quando tudo arde? (2001)

Finalmente, conclui a leitura deste romance... De facto, agora que cheguei à página 637, sinto que deveria recomeçar a leitura, sobretudo, querendo dizer algumas palavras sobre a referida obra. Honestamente, talvez fosse melhor não o fazer, mas por respeito pelo meu velho amigo Sá de Miranda que, consciente das fraquezas do Amor e da Razão, decidiu trocar o Paço pela Arte. E por isso aqui o cito para que António Lobo Antunes compreenda que o Destino o afastou definitivamente do Paço, onde o senhor dava por nome Gil Vicente. (E nem a nova noiva lhe devolverá a Ilha para sempre perdida!)

Desarrezoado amor, dentro em meu peito,

tem guerra com a razão. Amor, que jaz

i já de muitos dias, manda e faz

tudo o que quer, a torto e a direito.

Não espera razões, tudo é despeito,

tudo soberba e força; faz, desfaz,

sem respeito nenhum; e quando em paz

cuidais que sois, então tudo é desfeito.

Doutra parte, a Razão tempos espia,

espia ocasiões de tarde em tarde,

que ajunta o tempo; em fim, vem o seu dia:

Então não tem lugar certo onde aguarde

Amor; trata treições, que não confia

nem dos seus. Que farei quando tudo arde?

Sá de Miranda

Quando o relativismo comportamental alastrava imperialmente, qual napalm, António Lobo Antunes decidiu mergulhar nos estilhaços de uma família desestruturada, retratando-a de forma fragmentada e, sobretudo, dando espaço a descontextualizadas, travestidas e sangrentas vozes, para sempre incapazes de se libertarem de iniciáticas cenas de traição e de despersonalização.

Fascinado por essa nova realidade, o autor arrasta o leitor para um espaço circular e de non-sense, criando um labirinto em que a palavra e a imagem se tornam no único fio redentor. Quem procura acção situada no tempo e no espaço, quem procura compreender as causas e os efeitos, quem, no limite, admite a peripécia como factor de complexidade ou de equívoco, bem pode desistir da leitura…, aqui tudo se traveste, tudo se interseciona num permanente fascínio pela enumeração verbal, pela iteração verbal, pelo tom verbal, pelo ritmo verbal, pela imagem verbal, pela metáfora luminosa, como se as coisas (a realidade) se limitassem a flutuar em torno da voz do criador…

À sua maneira, A.L. Antunes dá, neste romance (?) a mesma resposta que Sá de Miranda: Quando tudo (as coisas, os padrões) entra em decadência, então, só a linguagem pode gerar novos possíveis narrativos. Apenas a arte nos pode redimir, principalmente se porética… E quando isso acontece, a leitura torna-se lenta e dolorosa…

 

16.8.09

Um olhar peregrino

Cansados dos heróis, os habitantes de Hospital de Orbigo...

Uma Ponte com história vê passar os peregrinos, a toda a hora...

História submersa, do lado de cá da fronteira...

 

 

15.8.09

Lugares de Astorga

Para o caso de alguém pensar que a caruma ardeu definitivamente neste verão, vou plantar algumas fotografias de lugares que palmilhei em Agosto. À excepção do Gaudí que tive o grato prazer de reencontrar ao serviço de um bispo seu conterrâneo…, gastei os dias a percorrer a rota do românica …

 

Nota: O último piso do museu dos caminhos já não é da responsabilidade de Gaudí.

Entretanto, alguém arrancou as fotos...

 

1.8.09

Como ainda não confirmei o "étimo" de Gerês"

A noite e a manhã foram de chuva no primeiro de Agosto. Agora, nem sol nem chuva. A vila do Gerês estava meio adormecida. O percurso do Campo do Gerês para a vila do Gerês é magnífico. No entanto, o miniautocarro, apenas transportou dois passageiros à ida e quatro à volta. De acordo com o motorista, este transporte tem pouca procura. No ano passado, como era de borla, as pessoas atropelavam-se para nele viajar. Este ano, que o preço é de 1,50 €, o miniautocarro circula vazio.

E antes que me esqueça, já que o Torga (Miguel), dá nome a pousadas e restaurantes, lembro que "torga" é nome local de "urze" lilás... por isso, em Torga, havia, malgré lui, tanto cheiro a Semana Santa... e quanto a flores, vale a pena acrescentar que por aqui as giestas (amarelas) predominam em Maio, sendo conhecidas por "maias". De facto, n'Os Maias, Eça de Queiroz retrata um país apinocado para o amor para, depois, murchar rapidamente...

E se a deriva me é permitida, os nomes que nos dão à nascença marcam definitivamente o nosso futuro. Adolfo Rocha preferiu ser "torga", apesar do festivo "Miguel" e hoje dá nome albergarias e casas de pasto enquanto Eça de Queirós, apesar de ignorado pelo pai, não vai além do prestigiado nome de "escola"... tudo isto sem falar nas ruas e avenidas, claro!

 

 

 

 

 

31.7.09

Os Pinhos que se cuidem!

Lisboetas em acção, sob a batuta (deveria ser do Rui!) da Isabel.

 

Sobras maltratadas do passado.

O amarelo da Serra, embora rasteiro.

Ilusões!

A dedaleira é uma planta medicinal que, se transformada em chá, mata.

Em Cortinhas é a sério! Para tudo é preciso ter jeito! Calcorreei 9 quilómetros e acabei por encontrar o que nos faz falta: atitude.

 

29.7.09

A Serra Amarela

Foi necessário percorrer 402 Km para chegar aqui. Por entre o verde de Cerdeira não antevejo qualquer explicação para o epíteto "amarela" - Serra Amarela. Talvez, amanhã, consiga uma explicação plausível. No entanto, para quê esforçar-me se há tanta gente por aí que não dá cavaco a ninguém!?

 

27.7.09

Pingue-pongue…

Hoje é igual a lugares: da Portela de Loures / Sacavém ao Saldanha (Escamões / Fórum Picoas); do Saldanha a Alcântara; de Alcântara à Galp da 2ª Circular; da 2ª circular ao shopping de Torres Novas; do shopping ao Lar de S. Bento; do Lar de S. Bento a Aveiras; de Aveiras a Mem Martins (Ouressa), passando por EscSanta Maria na outrora Portela (Sintra); de Sintra a Mem Martins (Pera Doce); de Mem Martins ao lado esquerdo da Rua do Ouro; da Rua do Ouro à Portela de Loures / Sacavém…

Na rádio, em fundo, enquanto contemplo os vinhedos de Arruda, oiço o despique entre o PS e o PSD e penso que as encostas verdejantes deste país são mais belas do que os políticos do meu país – florescem alheias à crise e se o sol ou a chuva faltam não se queixam. E reflito nos gestos ora de minha mãe ora de minha filha que, imperturbáveis, vivem o enigma: da contemporaneidade do homem (vídeo experimental). A seu modo, ambas se recusam a seguir um rumo diferente daquele que sonharam, mesmo que o próximo movimento seja de queda no abismo…

E como se o dia precisasse de ser legitimado reencontrei finalmente o (António José) Silva Carvalho, ilustre desconhecido da cena literária, igual a si próprio, desterrado no Algueirão que porfia em remar (“pescador” da Póvoa de Varzim ou será de Vila do Conde?) contra a Mediocridade, edições Aquário:

O QUE É?

Que se poderá ainda escrever / que não tenha sido escrito? / Tudo. Nada foi escrito para o que é, / para o que está a acontecer. / A palavra de ontem é de ontem, / de outro lugar, de outro tempo. / Não serve para sugerir o que agora / se está a passar, a passagem / sem limites diluindo-se em consciência de um tempo e de um espaço. / (…) 11.07.2000

 

25.7.09

Os novos figurões…

Em vez de apostar no país, os partidos apostam cada vez mais em castas. Criam-se figurantes e reconhece-lhes nobres lutas…, quando, na maioria dos casos, nem minorias representam. Entram em cena endeusados, à medida dos plasmas a que acedemos por “fibra” … Ou será por ráfia?

Qualquer português consegue identificar meia dúzia dos problemas que nos atormentam e, também, conseguirá apontar duas ou três soluções… No entanto, nenhum dos novos portugueses sabe ir além do seu círculo de amigos (e de palavras), de tão globais que são perderam a noção do local. E as melhores soluções são locais. As soluções globais são sempre devastadoras!

Por uns tempos, vamos ouvi-los perorar uma linguagem barroca, sedutora. Aos amigos dirão que o orçamento é vasto e que a cultura não mais será ultrajada. Aos amigos prometerão que “casar” voltará a significar “juntar casas” e que as leis que contrariam os seus impulsos serão revogadas. Aos amigos imporão a lei do mais forte, do mais mecânico… Aos amigos reafirmarão que não haverá mais limites nem fronteiras… Aos amigos mostrarão que nada há de ignóbil em acumular riqueza…

E os restantes, a maioria, nada poderão dizer, propor, impor… apenas lhes é exigido que, inebriados, votem no dia certo, à hora certa, nos novos figurões.

 

 

 

 

 

23.7.09

Em cena…

Questionado pela TSF sobre se admite voltar, o socialista Manuel Alegre respondeu: «Vai haver outras eleições, quem sabe se amanhã não posso voltar».

De saída da Assembleia da República, 34 anos depois de lá ter entrado, M.A. ameaça voltar. Porquê? E para quê? Se a luta política ainda o seduz, então não deve abandonar barco em tempo de tormenta.

Manuel Alegre encontrou o inimigo no seu próprio terreno e em vez de o enfrentar de dentro, prefere assistir à derrocada da sua própria casa – dar mesmo um empurrãozinho! - para, depois, regressar em glória…

Este tipo de encenação agrada a muita gente, mas defrauda a democracia, ao deixar no ar a suspeita de que quando se quiser se pode alterar o rumo e salvar a nação.

Antero de Quental, se pudesse regressar, voltaria a preferir o suicídio à espada de Dâmocles… e a Manuel Alegre o que se pede é que regresse à POESIA…

 

 

21.7.09

Os amigos da tirania…

Ultimamente, alguns comentadores políticos têm vindo a insistir que a Constituição não deve consignar qualquer reserva ideológica. E como primeiro argumento apontam que numa democracia consolidada não há espaço para qualquer tipo de proibição ou de sanção, porque o cidadão sabe, em cada momento, destrinçar o bem do mal. Muito gostaria de aprovar este raciocínio, mas a história mostra à saciedade que os grupos (as classes, as castas, as corporações, a arraia-miúda…) são facilmente manipuláveis e, raramente, agem de forma racional e respeitadora dos direitos humanos. Qualquer caudilho consegue cegar multidões e destruir, em pouco tempo, tudo o que sustenta a democracia…

Num tempo de profunda crise económica e ideológica, estes comentadores deveriam saber que este é um momento muito perigoso. É um momento favorável à tirania. E deveriam saber que um "bom" tirano é, por definição, um justiceiro que, ao sacrificar dois ou três prevaricadores, rapidamente agrega uma horda sedenta de vingança.

O TERROR começa por amar o livre-pensador para depois imolar os seus filhos…

E o terror habita em muitos de nós que, almas sensíveis, pouco nos importamos se, pela nossa acção, nos prestamos a sacrificar o primeiro que se atravessar no nosso caminho. A Constituição, em nome da Humanidade, deve definir os limites e não os apagar definitivamente, porque se o fizermos o tirano esmagar-nos-á…

 

19.7.09

O anticapitalista…

«O regime de atenção capitalista fundamenta-se numa alternância de concentração e distração recíprocas, que desemboca, por um lado, em processos de intensificação da perceção e, por outro, em zonas de anestesia e passividade hipnótica.» Eduardo Prado Coelho, in O Fio da Modernidade, pág. 57, notícias editorial, nov. 2004

Registo, aqui, estas palavras de EPC, quando tudo nos anestesia e convida à passividade hipnótica. No meu caso, é o cérebro que recusa a anestesia e que se entretém a acordar-me com pesadelos que mais ninguém sofre. Como, por exemplo, o daquele aluno que, depois de ser esburgado de todos os seus haveres à entrada da sala de exame, bruscamente interrompe o meu sono, deixando-me em pânico, pois sobre a mesa em que resolve a prova avisto um manual e uma quantidade infindável de cadernos de apontamentos... Imperturbável, o aluno continua a tarefa, avesso a qualquer norma, a qualquer olhar… e eu debato-me, sem conseguir explicar como é que ele furou a vigilância… E tudo isto aconteceu, depois de ter descido à praia do Matadouro, onde adormeci, baixei a guarda, como me acontece sempre que desço ao areal, o que raramente faço, compreendo agora, para evitar o outro lado do capitalismo…isto é, a morte cerebral.   

 

17.7.09

Inaceitável…

Independentemente das vicissitudes da aplicação do modelo de avaliação do desempenho, não é aceitável que na Administração Pública haja um grupo um grupo significativo de funcionários que, a 31 de Dezembro de 2009, não tenham sido avaliados.

Não é aceitável que, no Ministério da Educação, a diferenciação entre docentes possa ser estabelecida pelas fórmulas de cálculo utilizadas. A última aplicação informática (ver Ficha VII) altera a classificação final atribuída ao docente, se utilizada… e, por outro lado, dificulta a tarefa da Comissão de Coordenação de Avaliação ao aplicar as quotas.

Não é aceitável que a OCDE ao elaborar o estudo sobre a “Avaliação de Professores em Portugal” tenha ignorado, por inteiro, o papel atribuído aos Centros de Formação…

Não é aceitável que, no referido relatório, o perfil do avaliador interno seja mais exigente do que o do avaliador externo. E também não é aceitável que se queira apostar em lideranças pedagógicas fortes, quando no processo de selecção e de nomeação esse requisito é desprezado…

E também não é aceitável que ao «atribuir um papel proeminente à Inspeção Geral de Educação», nada seja dito sobre o perfil dos inspetores que descerão ao “terreno” …

E não é aceitável que haja ajustamentos diários, ao sabor dos caprichos políticos, sindicais e de lideranças mais ou menos bem formadas…

Os docentes necessitam de alguma paz de espírito para levar a cabo a razão da sua existência: ensinar a aprender – educar, no sentido nobre do termo…

E tudo o que tem acontecido nestes últimos anos evidencia uma enorme falta de educação!

 

14.7.09

A resposta…

Finalmente, deixei de ser presidente de um Conselho Pedagógico. E já é a 2ª vez que isto me acontece. Nas palavras simpáticas de colegas de jornada e da nova Direcção: cumpri. Mas cumpri o quê? Será que a Escola se tornou mais participativa?

A resposta será dada em Setembro / Outubro. Se a Escola conseguir executar o programa de celebração dos 100 anos do edifício tendo como dinamizadores (e participantes) os seus professores e os seus alunos, então, poderei dizer: cumpri.

O programa comemorativo e plano anual de atividades devem fundir-se num documento único (projecto) que convoque o passado e o presente com o olhar no futuro, que provoque o encontro dos antigos alunos e dos antigos professores com os actuais… Dessa mobilização poderá resultar o reforço da consciência identitária…

Num tempo em que cada vez mais se aposta no “homem tecnológico”, dimensão, sem dúvida, imprescindível, a Escamões ainda está em condições de apostar no “homem humanista”. Se quisermos…

 

12.7.09

Não há sombra de…

Hoje, li uma dúzia de atas… na demanda de um balanço que acaba por ser ele próprio um constrangimento.  Detrás da enunciação o dispêndio do tempo, da vida, ergue-se sorrateiramente: - Tanto tempo para nada!?  Uma lista interminável de actos preenche o vazio da folha, dá-lhe vida. E a mim, traz-me cansaço, perturbação: – Devo ser simpático? Arrasador? Sentir-me gratificado? Traído?…

As respostas deixam de me interessar, e entro por outras páginas. Páginas de cumplicidade de Mário Sá Carneiro e de Ponce de Leão, autores de “A Alma”, onde esbarro na personagem Jorge que responde a Martim: «Nada que é tudo. / E é tudo porque a vida é constituída afinal por uma série de nadas. E logo o Ulisses de Fernando Pessoa me acena: O mito é o nada que é tudo.

E fito nas galerias do Liceu Camões, três vultos que fogem da sala 41, descem precipitadamente a escada, e correm para o Clube Estefânia porque não podem perder a primeira temporada da Sociedade de Amadores Dramáticos: Sá-Carneiro, Ponce de Leão e Tomás Cabreira Júnior.

No balanço de 2008/2009, não há sombra nem de AMIZADE (1912) nem de A ALMA (1913). E é pena!

 

11.7.09

Amanhã, é tarde!

O pedagogo Raul Guerreiro, do Conselho Federal Parental Waldorf, na Alemanha, publicou um artigo na Revista Ibero-Americana de Educación em que dá o ‘Magalhães como exemplo dos "perigos da robotização da educação". No ensaio, o investigador diz que a iniciativa, "anunciada como 'Revolução para a Educação em Portugal" reduz-se a "uma jogada promocional para acompanhar um big business internacional", e cita estudos que apontam riscos do uso de computadores na primeira infância.

Não sei (ou talvez não queira) determinar os riscos do uso de computadores na primeira infância, na adolescência ou na vida adulta. Sei, no entanto, que o Ministério da Educação faz tudo às avessas: primeiro, distribui os computadores aos alunos e, depois, exige que os professores façam prova das suas competências digitais (portaria nº 731/2009, de 7 de Julho). Há muito que o M. E. deveria ter definido e lançado um programa de formação de professores, tornando obrigatória a dimensão digital. Qual é a entidade formadora de professores deste país que aborda, de forma integrada, a dimensão conteudística com a dimensão digital?

Por outro lado, de nada serve o computador ou a competência digital docente, se as nossas escolas continuam sem as infraestruturas adequadas, correndo-se mesmo o risco de um aluno, no ensino básico, aprender a utilizar as ferramentas informáticas e, posteriormente, ao chegar ao ensino secundário, descobrir que a escola não disponibiliza de forma generalizada acesso à internet nem os professores recorrem aos computadores nos processos de ensino e aprendizagem. No fundo, este aluno terá de regressar à escola dos avós!

Não é que o M.E. não saiba que estes problemas existem. Sabe. Só que as soluções não obedecem a um programa de acção bem hierarquizado, que deverá dar prioridade à formação de professores (e não formadores!) e à resolução dos problemas concretos de cada escola (o M.E. não conhece as suas escolas!), em vez de apostar na propaganda, na culpabilização de pais e docentes, e, sobretudo, em despesas faraónicas (parque escolar) que, face ao fracasso das duas prioridades apontadas, só servirá para endividar o país e engordar uns tantos…

A educação só vale a pena se for para Hoje. Amanhã, é tarde.´

 

7.7.09

Palimpsesto falhado…

Espero que me desculpem a impropriedade… Como o “post” intitulado O Auditório não ficou gravado em pergaminho, perdi-lhe o rasto…, deixando involuntariamente o comentário do amigo A.S. acoplado a Um voto de confiança.

Um voto de confiança…

Afinal, ainda não é desta que me poderei diluir na paisagem. Creio que Freud me terá ensinado que na abordagem dos fenómenos a evidência nem sempre é segura. Todas as coisas humanas têm duas faces: a manifesta e a latente.

De manhã, estava convencido que a decisão seria primária, determinada pela evidência recente. Afinal o que estava latente era bem diferente: o desejo de consenso, de conciliação, de diálogo – de mediação.

(E eu que já me esquecera que há uma dúzia de anos fui certificado como mediador cultural!)

 

3.7.09

Um par de cornos...

O gesto marialva do Manuel Pinho resume a ambivalência do génio português. Sempre que damos um passo, desnudamos a retaguarda. E porquê?

Porque prezamos a hipocrisia: Rimos a bandeiras despregadas do gesto e castigamos o bobo… Ora, se esta nação fosse sábia, o bobo, em vez de ser sacrificado, seria protegido…

Sócrates revelou mais uma vez que não é um homem de Estado. Não lhe faltaram, nestes quatro anos, motivos sérios para demitir ministros… No entanto, sempre que optou pela demissão de algum deles, fê-lo para agradar à plateia.

Uma plateia alarve para quem 100 mil professores na rua valem menos do que um par de bandarilhas…

De facto, a Sócrates falta capacidade para acompanhar e analisar o trabalho dos seus ministros, vendo, por exemplo, que nos Ministérios da Educação, da Agricultura e da Justiça há equipas de burocratas que, ao criarem permanente desregulação, sabotam permanentemente os objectivos das necessárias reformas. Prefere a arena (o palco) e, assim, expõe a sua enorme fragilidade…

 

2.7.09

Sobe e desce

Imagens iniciais, cada vez mais terminais. Um mundo que se abriu e que se vai fechando. Mais do que as palavras, na retina residem imagens implacáveis, porque situam irremediavelmente. Aqui, já só residem estranhos, embora consiga descortinar uma figueira por baixo da oliveira. E quanto à palmeira, está assente que por ali vai ficar, ela que já não se lembra da nogueira invasiva que fechava a curva do outrora caminho.

 

29.6.09

Apesar da cor…

Apesar da cor que envaidece, a raiz é impercetível. Qualquer golpe de vento a seca e humilha. À sombra do arbusto, floresce enquanto a duna a não sufoca.

 

27.6.09

A guerrilha política…

A atividade principal da classe política e seus satélites é a guerrilha. O Governo deixou de ter um rumo e mais não faz do que tentar responder à sabotagem permanente… E como se sabe, o único objectivo dos múltiplos grupos de guerrilheiros é a conquista do poder, mesmo que isso signifique a destruição total das poucas forças produtivas…

Não se percebe para que serviu a maioria absoluta, se qualquer franco-atirador pode perturbar a governação e intoxicar a opinião pública, tornando-a volátil e caprichosa.

Em democracia, os governos eleitos por sufrágio universal deveriam governar até ao último dia do seu mandato… e os eleitores, em novas eleições democráticas, diriam se os eleitos tinham estado à altura dos acontecimentos ou não…

22.6.09

O futuro atormenta-me…

Não o meu, que, incapaz de acompanhar as exigências do tempo que corre, se torna cada vez mais passado inventado, porque o outro, o perfeito, se recusa a sair da toca…

Agora, quando me prometem um futuro radioso, desconfio. Se não vejo o projecto bem delineado, fico inquieto, não por mim, mas por meus filhos, pelos teus filhos e, sobretudo, pelos filhos que desconheço… Estes a que ninguém dá atenção e em nome dos quais se fazem as revoluções…

Hoje, a voz promissora de vários militantes ecoa no meu cérebro dividido: um leve arrebatamento esmorece à falta de projecto que dê rosto aos filhos que desconheço…

Daqui em diante, vou estar mais atento a esses filhos que bem poderiam ser meus… esse é o meu futuro!

Quanto ao resto, vou distanciar-me para que a insustentável leveza do ser não me atraiçoe…

 

20.6.09

Junho, em Lisboa…

 Quando o calor ataca, sobre a relva artificial, anima-se o bairro…, mostram-se as artes performativas: os audiomenus despertam a atenção. Toma-se, na esplanada ou na relva, uma bebida ou uma refeição ligeira, e, simultaneamente, ouve-se uma peça radiofónica, à escolha. E eu que procurava reler O Render dos Heróis de José Cardoso Pires, ia pensando no modo como uma peça radiofónica poderia dar conta daquele «luar negro» que assombrava um povo dos confins do Alto Minho, e do «pano negro» que, ao abrir, dava conta da montanha e do vale, do terreiro e do cruzeiro, das «ferramentas de trabalho» apreendidas ao povo do Vilar. E sobretudo daquele Cego que fingia desconhecer a sua imagem e respectiva sombra, e que recitava a «Ladainha dos Bons Entendimentos». Talvez no próximo ano letivo eu recorra ao audiomenu para que os meus alunos se deixem penetrar pelo discurso cénico (mas como?) que exige do leitor um verdadeiro esforço de leitura e de interpretação da História ((revoltada Maria da Fonte/ Salazarismo do início dos anos 60). Bem sei que alguns pensam que basta ler um resumo, e porque não sob audiomenu? O único inconveniente seria a obesidade.      Ali ao lado, na sala de ensaios do Maria Matos, Tiago Rodrigues experimentou, recorrendo à “dobragem” de vozes, sobrepor às palavras de um telejornal, outras palavras, procurando parodiar os acontecimentos do dia. O desempenho foi bom, mas tudo depende da qualidade do texto sobreposto.

Tudo isto num dia, em que percorri por três vezes o Parque de Saúde Mental, à procura do pavilhão 28. Paradoxalmente, não senti o calor infernal da Avenida de Roma, mas percebi que é difícil cumprir o código da estrada naquele labirinto e, também, reforcei a ideia de que a educação e a cultura, em Portugal, são apenas para gente abastada ou subsidiada. Como se compreende não me estou a referir ao Toni Carreira que conseguiu entupir com autocarros de longo curso metade da Avenida Gago Coutinho. Talvez o Mário de Carvalho por lá tenha passado (pela avenida) e tenha decidido atualizar A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho!

 

16.6.09

Inaceitável... Constâncio

"- Ingenuidade? -Talvez."

Constâncio, homem de boa memória e raciocínio jesuítico, admite que talvez tenha sido ingénuo. E porquê?

Porque nas organizações actuais predominam os laços ideológicos, interpartidários, locais, familiares e de casta. Aceites na "família", beneficiamos da solidariedade do "sangue", tornamo-nos impunes.

Constâncio retrata na perfeição como as unidades orgânicas do Estado funcionam sem efectiva avaliação e regulação externas. As "famílias" que nos governam tornam-se autocráticas e fogem da acribia como o diabo da cruz.

Entretanto, o povo volta as costas ao castelo e nem percebe que nem o chão que pisa é seu. Por isso, ou entra para uma "família" ou é extinto...

A resignação e a abstenção nunca foram boa companhia. É preciso ser cada vez mais exigente com quem não tem pejo em parecer "ingénuo" e, ao mesmo tempo, recorre ao ataque soez...

 

13.6.09

Sem sair do país de Sócrates...

Na barragem do Maranhão, este sábado traz-me ao pensamento (à falsa memória) os impressionistas que trocavam Paris pelos recantos bucólicos dos rios e dos lagos franceses. Alheados da realidade envolvente, acampavam sobre relvados viçosos e penhascos erotizados. Ao fim da tarde, regressavam taciturnos e mais obesos, mas disso não reza a pintura do século XIX. Hoje, não vi nem pintor nem paleta, vi apenas quadros, em alguns casos, cenas do quotidiano que sintomaticamente completavam o filme que vi ontem "Almoço de 15 de Agosto".

O argumento não era muito diferente. Só mudava o cenário e alguns detalhes (franceses!): os velhos satisfaziam o desejo de ser bons anfitriões desde que os não contrariassem; o filho já perdera pai e mãe (sorte a nossa!), ouvia-os atentamente e servia-os sob o toldo da autocaravana.

De política, não se ouviu falar. Apenas, o Correio da Manhã derramado sobre uma mesa de café. Rádio e televisão só com recurso a parabólica. Supermercado de stock esgotado. Piscina seca apesar da canícula. De diferente, as formigas pretas e enormes que insistem em trepar corpos desnudos... e, em particular, uma lição de lavagem de loiça divina... Quando um homem decide ensinar outro homem!

 

 

11.6.09

No país de Sócrates…


Sócrates: «Sempre pensei que os oradores e os sofistas são os únicos que não têm direito a censurar aqueles que educam pelo facto de estes serem maus para eles, porque, acusando-os, se acusam a si próprios de não lhes ter prestado os serviços que dizem ter prestado. Não será assim?», Platão, Górgias

As celebrações do 10 de Junho voltaram a servir para acusar os portugueses de descrença e de indiferença, na linguagem simples de Platão, de serem maus portugueses. Nem todos que também há bons portugueses, embora quase sempre aposentados! Certamente que os condecorados pertencem ao escol da Pátria: ex-ministros, militares ilustres, professores universitários, de preferência catedráticos, um outro artista mais ou menos desconhecido do povo, vários empresários, um capelão – no essencial, representantes de corporações e de minorias esclarecidas.

Desta vez, Cavaco assumiu que os políticos são maus portugueses e, ao mesmo tempo, saltou fora da barcaça, apresentando-se limpo de qualquer mau serviço prestado à Pátria. Preferiu deixar o recado que também ele merece ser condecorado, ele que insiste em insinuar na praça pública o que deveria debater em privado com Sócrates e Gama.

Do passado brota o bem, do presente jorra o mal.

António Barreto, por seu lado, exortou-nos, qual heterónimo pessoano, a descobrir bons exemplos já não no passado, mas, sim, no presente! Creio, no entanto, que a emoção de participar no evento o impediu de ver a bandeja de condecorados servida pelo presidente. Todos bons exemplos! O orador bem poderia ter aproveitado para contar a história de alguns dos agraciados.

Há muito que nos contam "estórias" de proveito e exemplo e Barreto esteve próximo, mas falhou o momento.

8.6.09

Falsa surpresa…

Ao visitar o passado, deixo-me surpreender com as histórias que me contam sobre comportamentos antigos de protagonistas do presente. Começo a acreditar em Alfred Adler, discípulo de Freud, que defendia que dificilmente conseguimos alterar o nosso estilo de vida. Creio que Alfred Adler argumentava, perante a dimensão da maldade humana, que aos cinco anos de idade o nosso futuro já está traçado.

Há anos que arrumei o Alfred Adler na estante, um pouco zangado com a descrença dele no poder da educação… e, sobretudo, com a legitimação da irresponsabilidade do ser humano. No essencial, a educação só servia quem estava disponível para a acolher. Os outros, os rebeldes, mesmo que superiormente inteligentes, estavam-se borrifando para o esforço dos mestres…

Hoje, o J.M. contou-me umas histórias com cerca de 20 anos sobre uns conhecidos nossos que me obrigaram a relembrar o Alfred Adler. No essencial, trata-se da história de alguém (no plural) que tendo um dever para cumprir o olvida reiteradamente, de alguém capaz, para proteger os seus correligionários, de desrespeitar o princípio da equidade…

Se ao longo de todos estes anos eu tivesse sido fiel a Alfred Adler, hoje não teria sido surpreendido.

No entanto, tal como ainda não será hoje que vou verificar se a ideia que atribui a Alfred Adler é, de facto dele, também a surpresa confessada não passa de uma falácia… Entretanto, este meu suposto mestre, envergonhado, escondeu-se de mim…

 

7.6.09

A obstinação autista...

A obstinação autista não tem futuro. Infelizmente, a oposição já começou a deitar as garras de fora. Perante os que não saíram de casa, os eleitos cantam vitória, apesar de não passar de uma vitória de Pirro.

Um país em que mais de 60% dos cidadãos não vota, é um país que não tem futuro. E o mesmo se deve dizer da União Europeia. O novo mapa político europeu é ainda mais gravoso que o anterior.

Se o PS percebesse a mensagem do dia de hoje, apresentava a demissão amanhã: substituía o choque tecnológico pelo choque eleitoral. Mas não. Vai apostar no papão da ingovernabilidade. Os comentadores já estão no terreno!

O país continuará a perder! A vingança e a inveja ganham terreno.

6.6.09

Dia de reflexão...

No CARUMA reflete-se quase sempre e, hoje, fiquei sem tema porque devo fazê-lo silenciosamente, sem dizer nada a ninguém. O voto é secreto!

Arrisco, todavia, o seguinte: Hoje, que ameaça chover, há quem durma até mais tarde; há quem tenha decidido que não vale a pena ir à praia; há quem fique à espera do Albânia-Portugal e que, caso Portugal ganhe, se sinta definitivamente vingado das tropelias de que tem sido vítima nos últimos anos. E esqueceremos, por instantes, a crise - as causas da decadência...

Dá jeito esquecer, não pensar na nossa responsabilidade: quantas vezes não fomos frontais! quantas vezes adiámos decisões antipáticas! quantas vezes mergulhámos na ambiguidade! quantas vezes preferimos o compadrio! quantas vezes minámos o trabalho alheio! quantas vezes cavalgámos os pequenos poderes (prazeres)! quantas vezes! quantas vezes...

Depois deste tempo de silêncio (meditação), seria de esperar que, na próxima segunda-feira, o céu surgisse limpo... No entanto, as promessas são de chuva - talvez Portugal tenha ganho à Albânia! Quanto ao resto, não sei. Ou talvez saiba e não queira dizer. Para quê responder a perguntas que nunca me chegarão a ser formuladas!

O medo que nós temos de fazer perguntas resulta de nos recusarmos a ouvir as respostas. E ninguém quer ir além de si próprio! Temos medo do outro e, embora não o queiramos confessar, suspendemos a palavra...

 

5.6.09

Numa guerra aberta aos ortopoemas

Arménio Vieira (Arménio Adroaldo Vieira e Silva) acaba de ganhar o Prémio Camões 2009. Nasceu na cidade da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, a 29.1.1941.

A escolha não deixa de ser surpreendente. Para assinalar a polémica opção do Júri, presidido pela professora Helena Buescu, transcrevo a seguinte promessa de mudança de poética (Poesias, 1984):

Prefácio a um livro futuro

Em Dezembro reparei na ortografia

Da velha poesia utilitária

E vi que em Janeiro

Podia começar a dispor as pedras do alfabeto

Em sentido oposto ao que até aí

Não ultrapassa os limites

De uma nojenta gastronomia poética

Risquei de A a Z os versos úteis

E, numa guerra aberta aos ortopoemas,

Decidi que ser poeta a sério

Implicava uma espécie de suicídio

Sobre os meus poemas transitivos

Tracei uma grande cruz vermelha.

 

2.6.09

Por cá...

De manhã, acossado, recusei um precipitado abaixo-assinado. Recuso sempre... a solidariedade, para mim, manifesta-se de outro modo. Já não espero compreensão!

A meio da manhã, recomendei a leitura das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, de Antero de Quental. Há 35 anos que faço esta recomendação, sem grande sucesso. Mas continuo...

À tarde, procurei impedir que a fogueira alastrasse. Procuro sempre, desde o dia em que pirómano improvisado me transformei em bombeiro forçado... já lá vão 48 anos.

Mediador desempregado, respondi a um impulso... e na Culturgest, às 18:30 horas, José Afonso Furtado salvou-me o dia. A sua palestra sobre A longa história do livro foi clara, bem ilustrada e ajudou-me a compreender quanto a Contra-Reforma continua a condicionar o desenvolvimento dos povos do Sul da Europa.

Objetivamente, terei de dizer que José Furtado falou da passagem da leitura intensiva da Bíblia (em língua vulgar) à leitura extensiva nos países do norte da Europa. Por cá, entretanto, impera(va) o analfabetismo e o dogmatismo.

 

1.6.09

Os novos corifeus

Os professores avaliadores devem fazer uma nova formação de médio ou longo prazo ao nível do ensino superior. Esta é a recomendação do Conselho Científico para a Avaliação dos Professores (CCAP) que considera que, actualmente, muitos não possuem experiência, competência nem perfil para avaliar os colegas, como prevê o modelo de avaliação. O relatório deste órgão consultivo do Ministério da Educação será apresentado à tutela nos próximos dias.

Quem é que definiu o perfil destes conselheiros? Onde é que adquiriram a competência e a experiência necessárias para elaborar um relatório? O que é que significa, na boca destes corifeus, formação de médio ou longo prazo? Por este andar, acabamos por fazer tábua rasa de todas as aprendizagens efetuadas ao longo da vida e, quais castas virgens, voltamos aos bancos das Universidades para lhes taparmos os buracos do orçamento… A estratégia é sempre a mesma: em vez de identificar os recursos humanos disponíveis para as várias missões, desvalorizamos o trabalho realizado e adiamos o país…

 

30.5.09

O fueiro…

Há tempos que me interrogo sobre o papel da ética nas sociedades actuais. Da minha experiência, ressalta a ideia de que o egoísmo individual ou de grupo faz tábua rasa dos valores que deveriam pautar o comportamento do ser humano.

Registo, a cada dia que passa, provas de intolerância e, sobretudo, de oportunismo boçal, embora os protagonistas pareçam agir em nome de maiorias e de valores respeitáveis. Há, no entanto, nestes comportamentos um traço comum: desprezo por qualquer lei que introduza os princípios do rigor, da responsabilidade e, da consequente prestação de contas num quadro hierárquico.

A estratificação é naturalmente má! Mas, ao contrário dos anos 60 do século XX, estes novos libertários não descansam enquanto não ocupam o topo das demoníacas e desprezíveis hierarquias.

Se os meus olhos tivessem a coragem de subir a página, descobririam, de imediato, que a disposição das palavras obedece a regras cuja observância parece natural… Porém, se os meus olhos se acobardarem, sentir-me-ei mais próximo do discurso pré-verbal e capaz de compreender o fueiro paterno…

Há quem nunca tenha sentido o efeito dum fueiro nem saiba do que se trata, apesar das chispas dos seus olhos mo enterrarem pelas costas abaixo…

 

 

 

 

27.5.09

Causas endógenas…

Um Século de Literatura no Camões merece maior participação dos alunos. Hoje, às 18 horas, os alunos perderam a oportunidade de aprender a declamar com o actor José Manuel Mendes e de ouvir a Profª Doutora Margarida Braga Neves falar com propriedade e rigor do homem e da obra de Jorge de Sena, antigo aluno desta centenária instituição. Se o motivo para a ausência dos alunos é apenas a hora (4ª feira, às 18 h) a que decorrem "os encontros", então, estamos no momento certo para eliminar essa causa. Basta que, em sede de Regulamento Interno, se permita que na elaboração dos horários seja guardado um "bloco" por turno para este tipo atividades, sejam elas da responsabilidade dos departamentos, da direcção, dos encarregados de educação ou dos próprios alunos. Se houver essa abertura, daremos um passo de gigante para honrar o preceito do Projecto educativo "Por uma escola participativa…" Caso nos encolhamos na determinação e na decisão, ficaremos na história da instituição como os responsáveis do país de Abril que deixaram no "exílio" vultos da envergadura de José Rodrigues Miguéis e de Jorge de Sena…

«Eu não sou exatamente um emigrante no estrangeiro, porque, quando saí de Portugal, tinha vinte anos de escritor publicado, e desde então a maior parte da minha obra, ou grande parte dela, foi escrita para Portugal ou em Portugal publicada. Seja o que seja, continuo a ser o que era, quando me exilei muito a tempo naqueles idos negros e tristes de 1959: um escritor português que vive no estrangeiro e que mantém um permanente contacto com Portugal…» Jorge de Sena, Discurso da Guarda, 1977

 

26.5.09

Na encosta do presente…

Escolher entre um projecto pessoal e um projecto messiânico pode ser tarefa árdua.

Se o messianismo acredita que pode salvar a humanidade, o unipessoalismo crê que tem nas mãos a chave do futuro.

Independentemente do vencedor, o rebanho continua pachorrentamente na encosta do presente, incapaz de seguir caminho sem a sombra do cajado…

(Do outro lado da encosta, o Dr. Oliveira e Costa ajusta contas com o Dr. Dias Loureiro. O Dr. Honório Novo, por sua vez, procura enterrar o Dr. Vítor Constâncio… e o rebanho bem pode continuar a ruminar!)

 

 

25.5.09

A estepe vence o planalto

O PLANALTO E A ESTEPE

Quando o leitor começara a pensar que ao General não restava outra conclusão de vida que conformar-se com a sentença de Camões "De amor não vi senão breves enganos", em Moscovo, eis que o Deus ex machina (Esmeralda) descobre a amada Sarangerel em Cuba….

Quando o leitor se deixara convencer que a revolução socialista (comunista) não passava de uma fraude gigantesca que destruía nações, quebrava corações, atirando-os para o fundo das masmorras da Mongólia e para o labirinto do Eduardo Santos, eis que Pepetela troca o abismo da ideologia totalitária pelo compromisso corrupto com os (novos) títeres que governam África – um romance que, pela sua dimensão simbólica, poderia ser exemplar, acaba por se tornar inverosímil.

Apesar de tudo, o romance é de agradável leitura, com algum suspense (ingrediente mais policial do que trágico). Caracteriza bem a vida dos estudantes africanos na capital do Império (Moscovo) e a sua passagem (formação ou apodrecimento) em Argel … Quanto à guerrilha, a imagem é oca e apressada, a remeter para outros romances (ortodoxos e heterodoxos) do Autor.

 

 24.5.09

Distrações!

Quando menos se espera, o humor desponta. Por aqui há companheiros muito distraídos! Não acredito, no entanto, que o larápio venha a solicitar o manual de instruções. Nem Cristo tinha Biblioteca! E se o engano tiver sido das abelhas? O mel terá certamente outro sabor! Sabor a “biciclete” …

 

22.5.09

Bénard da Costa

(No charco também há vida! Pouco interessa que a enxerguemos ou não.)

Estou farto desta dor inútil de chorar por mim nos outros! - eu que nem sequer tenho a coragem de escrever os versos que me fazem doer!" José Gomes Ferreira

De Bénard da Costa talvez devesse escrever em tom elegíaco, mas como fazê-lo? De pé, entre a pantalha e as primeiras filas do auditório, Bénard antecipa o filme da morte: vários querubins conduzem-no pelo passeio da fama até ao círculo cintilante da ironia. Perdido o contexto, esfuma-se na mão suave do grande realizador. Por cá, as loas narcísicas cobrem-no de fumos…

(Este cansaço ameaça estilhaçar-me a compostura!)

 

19.5.09

Não vamos a lado nenhum…

Em 2008, com o objectivo de otimizar os recursos, o Ministério da Educação começou por reduzir a metade os centros de formação de docentes e não docentes. Promoveu candidaturas de centros e diretores. Colocou a máquina em marcha…

No entanto, hoje verifica-se, por exemplo, que um centro de formação que acolhe 2 185 docentes, apresenta uma oferta de formação diminuta para o universo que cobre, excluindo à partida os funcionários administrativos. Por outro lado, essa oferta terá de ser cumprida até 31 de Dezembro de 2009.

(Se observarmos as acções propostas, rapidamente percebemos que o ensino da língua materna e da literatura portuguesa, no ensino secundário, é completamente esquecido: o ensino da gramática (da TLEBS) desapareceu; as metodologias são ignoradas…)

O quadro de formadores é reduzido e voluntarioso; o calendário das acções está condicionado pela distribuição de serviço para 2009-2010; muitos dos formandos não poderão frequentar as acções porque estas decorrem entre as 17:30 e as 22:30 horas, de 2ª a 6ª feira.

Em termos de avaliação do desempenho, os funcionários do M.E. estão, desde já, prejudicados: a maioria não poderá beneficiar da formação exigida para corresponder às novas exigências da globalização. E quanto a qualidade, nem vale a pena sonhar…

Não tendo o M.E. capacidade para implementar um plano de formação nacional, mais valia reconhecê-lo, dando autonomia aos diretores das escolas para definirem e aplicarem o plano necessário a cada "unidade orgânica".

E claro, ao M.E. competiria a selecção de diretores capazes de interpretarem as necessidades de formação dos docentes e não docentes… num cenário de uma política educativa consensual e suprapartidária posta ao serviço da educação e da formação das novas gerações…

E pela amostra do que ou(vi), hoje, numa reunião de uma comissão pedagógica de um "novo" centro de formação da capital, não vamos a lado nenhum…

(A mim, nem já a ironia me salva! E ainda há quem afirme que 2009 é um ano decisivo para Portugal! Decisivo?)

 

 

17.5.09

Este domingo…

Este domingo fica marcado pela visita da Nossa Senhora de Fátima ao Cristo-Rei… A pretexto dos 50 anos do último. A mãe rica visita o filho pobre! Compreendo que esta o tenha feito. Apesar de tudo, as mães insistem em ajudar os filhos. O Cristo-Rei já devia um milhão de euros e parece que, de ontem para hoje, a dívida aumentou 200.000 euros, o que não consigo entender quando a pobreza nacional voltou ao nível da de 1975.

Reconheço que Portugal não entrou na Segunda Guerra Mundial e que era preciso agradecer a alguém. No entanto, não é justo esquecer as guerras de ocupação, de pacificação e de oposição às grandes potências que se arrastaram até 1974. E não me parece que quer o Cristo-Rei quer Nossa Senhora de Fátima tenham feito alguma coisa para reduzir o sofrimento humano que inundou a Ásia, a Oceânia e a África.

Está na natureza da igreja católica abusar da fragilidade humana. E em Portugal, num ano de várias eleições, a igreja católica insiste em contribuir para a alienação das mentes, já de si fragilizadas pelas modernas técnicas de propaganda.

Com tanta (nova) oportunidade, não deixa de ser extraordinário que tantos se deixem seduzir por uma viagem à capital, por uma travessia do Tejo, por um folclórico encontro multirracial… feudo privilegiado da igreja católica.

Este domingo, de trabalho, também fica marcado pela dúvida se os hospitais privados, quando lá entramos, se preocupam verdadeiramente connosco… ou nos veem apenas como objetos mais ou menos rendíveis…

E já, agora, acrescento que Pepetela com o romance O Planalto e a Estepe decidiu, finalmente, rever os mitos que alimentaram grande parte da sua obra, apesar de alguns assomos de heresia.

 

13.5.09

Charolas adiadas

(Conclave Línguas de fogo Portas fechadas Canais que correm para dentro Cachos de palavras do avesso Charolas adiadas)

O melhor é dar graças ao Rei do Céu porque "se eu e os outros tão desamparados como eu ficamos sem a satisfação dos nossos serviços, foi somente por culpa dos canos e não da fonte…" Fernão Mendes Pinto, Peregrinação

 

 

12.5.09

A A8

No tempo da alta velocidade, a A8 está em obras… Se já era uma autoestrada perigosa, agora, além de ser ainda mais perigosa, tornou-se um quebra-cabeças para os automobilistas mais pacientes…Na mesma A8, para quem queira dirigir-se à Ericeira, não há uma placa que assinale a existência da A21. Apenas lá chegaremos se adivinharmos que devemos sair no desvio para N8 (Malveira/Mafra) … Na 1ª curva, percebemos que estamos à entrada da portagem da nova autoestrada. Será que voltámos à Idade Média?

E para quem precise de regressar da Ericeira a Lisboa (Campo Grande) fica aqui uma pequena curiosidade: a carreira das 18:18 horas só chega às 19:59… É obra! Já era assim na década de 70 do século passado…

 

10.5.09

Para quem quiser ir mais longe...

(Para o Alberto Afonso: a escrita há de ser o que nela acontece!)

Tanta água, tanta terra! A ponte devolve-me à terra, o olhar descansa na torrente... o casario parece deserto e eu medito uma linha de árvores equidistantes...

Esta terra e esta água despertam em mim desesperos de courelas ressequidas. O Sol abrasava e a sombra faltava. A faina era penosa e suada, a fuga inevitável.

No início dos anos 60, o seminário abre a sombra, torna-se refrigério e escancara-me as fugazes Portas do Sol... E o Tejo, a espaços, alaga as margens e cerca a Ribeira, deixando-me cada vez mais cético face à justiça divina. Atravessado o rio, o olhar fixou-se por instantes numa voluptuosa laranjeira, o que definitivamente me condenou a uma interminável indagação e a um inevitável ceticismo.

Cansado, conheço, por vezes, a inteligência das coisas e dos homens e nesses breves momentos mergulho na sombra e por ali fico a contemplar o mistério da água... e assim fujo da matreirice e da brejeirice que desertifica a alma humana...

E para quem quiser ir mais longe, peço que desista porque, como Bernardim Ribeiro, também eu quero crer que a escrita há de ser o que nela acontece...

 

 

 

 

 

6.5.09

A máquina fotográfica…

A máquina fotográfica capta melhor a paisagem do que eu quando tento compreender o que pode estar a ocorrer na cabeça dos meus interlocutores. Oiço-lhes as palavras e, por instantes, fico suspenso, à procura de um sentido. Não sei a que plano devo dar mais atenção! 

Da cegonha desço à linha de água barrenta, passo sob o comboio, olho o sapal em frente atravessado por uma via rápida e apetece-me continuar, na direcção do horizonte, subindo lentamente a linha inclinada que depois do verde me pode conduzir à cinza. Entretanto, o tom de voz dos meus interlocutores cresce, talvez à espere que eu regresse às palavras iradas tão convenientes quando o leite azeda. Mas não! Mesmo que eu quisesse dizer-lhes o que penso, a máquina fotográfica não me deixa – agora mesmo me perguntou se a cegonha enviuvou ou se o comboio já chegou à estação ou se não seria preferível hospedar-me na casa da encosta e ficar por lá a olhar para cá… A perspectiva seria outra… e eu certamente deixaria de pensar no que estaria a ocorrer na cabeça dos meus interlocutores…

 

3.5.09

Estaremos nós à altura?

Estaremos nós à altura dos escritores que nos últimos 100 anos pisaram, como alunos ou professores, o chão do Liceu Camões / Escola Secundária de Camões?

Embora a pergunta me tenha sido colocada a propósito da divulgação da obra do Mário Dionísio (Encontro ao Fim da Tarde de 29 de Maio), devo responder que dificilmente o conseguiremos.

O alheamento e o mutismo dos professores não são de espantar. O ensino da literatura, de forma sistemática, parou em Fernando Pessoa, deixando a respectiva geração e as seguintes na sombra. Faltam-nos um António José Saraiva e um Óscar Lopes! O Eduardo Lourenço, apesar de arguto ensaísta, não dá conta do recado. E é estrangeirado!

Nos últimos anos, o Ministério da Educação ao abrir mão do Ensino Superior, passou, em teoria, a ocupar-se da Língua…, descurando o ensino da literatura. Os Ministérios da Educação e da Ciência … não compreendem a Literatura como uma importante mais-valia, para não falar da vertente identitária…

Por isso, os alunos não têm grande motivação para a literatura nacional. O sentimento de pertença não lhes diz nada. Os adjetivos "nacional", "europeia", "lusófona" não passam de ornamentos sem conteúdo.

Finalmente, o fosso entre o ensino dito superior e o secundário, em termos comunicacionais, é cada vez maior. Mesmo que os nossos convidados se esforcem muito, só os grandes comunicadores conseguem prender audiências tão deserdadas... Deste modo, os nossos objectivos estão sempre em risco!

Se pensarmos que o distinto Mário Dionísio, quando professor universitário se viu confinado a uma monótona cadeira de Técnicas de Expressão do Português, talvez encontre a resposta para o ocaso das Faculdades de Letras deste país... Estas Faculdades foram ocupadas por interesses bem distintos daqueles para que foram criadas.

A resposta que eu posso dar não é nada optimista, apesar de eu acreditar que se conseguirmos refundar a leitura literária acabaremos por trazer para o redil umas tantas ovelhas tresmalhadas...

Recordemos que homens como José Rodrigues Miguéis ou Jorge de Sena partiram para não voltar. Dificilmente, encontrariam emprego nas nossas Faculdades de Letras!

Apesar disso, há que insistir. Ser diretivos... (pedagogicamente, reacionários!)  

 

28.4.09

Uma teoria de senhores feudais…

Na área da educação, os projectos da "parque escolar" são desmesurados e oportunistas.

A velocidade da mudança introduzida pelas novas tecnologias da informação deveria impedir-nos de nos endividarmos por períodos tão longos. 30 anos é uma eternidade!

Daqui a 30 anos, as escolas, tal qual as conhecemos nos últimos 150 anos, terão desaparecido.

Se queremos "libertar o futuro", então teremos de mudar a nossa forma de pensar a aprendizagem e as técnicas de ensino. Teremos de apostar no "lugar" do trabalho e fazer dele um espaço de permanente adaptação às novas ferramentas.

A confusão entre educação e aprendizagem é um dos elementos mais nocivos ao desenvolvimento das sociedades.

Hoje, percebi que a "parque escolar" pensa nobilitar as escolas com base nos respectivos projectos educativos e numa certa ideia de "conforto" que não consigo entender.

Trata-se de um autêntico disparate! É uma teoria de senhores feudais na era da globalização.

26.4.09

Libertemos o futuro!

"Libertemos o futuro!" é a última palavra de ordem. No entanto, quem é que nos assegura que o futuro ainda conta com o homem tal qual o conhecemos?

O futuro de que o PSD nos fala vem cheio de passado, de sentimento de identidade, de necessidade de não hipotecar as novas gerações. Que garantias temos nós que no presente não estamos já a construir um futuro capaz de prescindir de um tipo de homem, para quem nascer, reproduzir-se e morrer era inexorável?

De forma atabalhoada, o PS do choque tecnológico pressente que estar do lado do futuro é romper com o passado e deixar que a mudança de paradigma aconteça.

Os novos dirigentes pouco têm a ver com o passado. Há muito que deixaram de pensar no Condestável! E nem São Nuno de Santa Maria nos poderá valer!

 

25.4.09

35 anos depois...

Dois filhos de Abril: um de 30 anos, solteiro, advogado, mal remunerado, a residir em casa dos pais...; à filha de 25 anos, solteira, falta-lhe uma cadeira para terminar o 1º ciclo de Antropologia (Bolonha) e está a concluir um curso de Realização de Cinema... sem futuro - artista, depende na totalidade dos pais... Há 35 anos, sem ter onde cair mortos, os pais casaram, 20 anos de idade, alunos do 2º ano da Faculdade de Letras; procuraram e conseguiram emprego no ensino, licenciaram-se, profissionalizaram-se e um deles concluiu mesmo um mestrado em relações interculturais que objetivamente não lhe serve de nada - estudaram e trabalharam ao mesmo tempo... Nestes 35 anos, os pais trabalharam todos os dias e continuam obrigados a trabalhar mais e mais; os filhos, 35 anos depois, não têm nenhuma garantia de poder constituir e manter uma família... e vivem na dependência dos pais.

A guerra do ultramar terminou sem glória; os colonos regressaram sob a forma de retornados; os emigrantes voltaram à terra e tornaram-se patrões de novos imigrantes; a paisagem ganhou novas cores; o litoral abarrota de gentes; o interior vê crescer o mato; as novas autoestradas abrem brechas e inclinam-se perigosamente; rios de dinheiro voam em malas de cartão para paraísos fiscais; quem não se filia num partido político deixa de ter futuro; o presidente da república chama-nos à ordem, esquecido de que os seus amigos enriqueceram à sua sombra...

35 anos depois, a pobreza, a ignorância e a insegurança crescem; a liberdade deprecia-se...

 

22.4.09

Anoitece novamente...

O dia vai longo!

Começou com a "Menina e Moça" a recontar, sob a forma de resumo com ligeiras, mas importantes variantes, a sua história à "Senhora do Tempo Antigo"... Uma história de fuga à agitação da corte /cidade, governada pela arbitrariedade... E sob o olhar de Bernardim Ribeiro dei comigo a explicar como a leitura em voz alta determinava o projecto de escrita no século XVI... A leitura, atividade lúdica por excelência!

Paradoxalmente, se, em tempos idos, a tristeza lida preparava o leitor para superar experiências traumáticas, o dia de hoje encarregou-se de demonstrar o contrário: a doença anunciada de um amigo devasta qualquer cenário de fuga... as nossas fragilidades encontram nova explicação e as vozes acusatórias deixam de fazer qualquer sentido...

No entanto, sobrepondo-se à tristeza, sem a conseguir anular, vozes juvenis declamam excertos dos Bernardins do futuro, por enquanto alheios ao rouxinol que, sem explicação, tomba, e arrastado pelas folhas corre para o mar sem fim...

Finalmente, de forma lateral, assisti a um jogo de cadeiras, em que as regras são o que menos importa... as cadeiras são apenas duas, mas dificilmente o jogo acabará!

 

21.4.09

O embaixador...

Nas reuniões do Conselho Pedagógico do princípio deste século, várias foram as vezes em que fiquei com a sensação de que as intervenções do prof. David Monge da Silva tinham um fundamento muito para além da espuma deste tipo de sessões, e os interlocutores nem sem sempre entendiam o seu fino sentido de humor.

Ontem, no Auditório Camões, David Monge da Silva deu a quem lá esteve uma verdadeira lição sobre a história da ginástica, da educação física e do desporto em Portugal e no Liceu Camões. Uma lição interpretativa da iniciativa e do voluntarismo de uns tantos e dos preconceitos de muitos.

No ano do centenário do edifício da Escola Secundária de Camões, o professor David Monge da Silva bem podia ser nomeado seu embaixador.

 

 

 

19.4.09

Nós, Europeus

Em 17.4.1983, José Cardoso Pires, à pergunta de um jornalista "Que é que o preocupa mais neste momento?", respondeu:

«Como pessoa o que me preocupa mais é a incerteza em que se vive, eu, como muita gente: o medo de uma aventura medíocre. Penso até que este país está a correr esse risco, o País todo, não sou só eu.

Outra coisa ligada a isto que me preocupa é uma resignação contente que é muito portuguesa e a que as pessoas são sempre tentadas, todas, inclusivamente eu, uma resignação contente. O pequeno êxito, a pequena coisa, o Vossa Excelência não sabe com quem está a falar, que só o Português é que diz - o cavalheiro não sabe com quem está a falar. (...) Isto tem uma carga espantosa de contentinho...»

Cardoso Pires temia que nos perdêssemos numa aventura medíocre. 26 anos depois, essa aventura conduziu-nos a um mar de sargaços de que dificilmente nos desprenderemos... Quanto ao País, esse não tem regresso. Província da Ibéria, anexada pela União Europeia! A boia de salvação está inscrita no slogan "Nós, Europeus!"

O problema é que a maioria das embarcações não está equipada com boias para todos os passageiros...

 

Pouco a pouco...

Acabo de descobrir que necessito de recuar 10 anos. Só, deste modo, conseguirei retomar o que ficou congelado. Não sei se terei tempo, mas, entretanto, percebi que só atingirei esse objectivo se arrumar todos os meus papéis. E por isso já meti mãos ao baú... 

 

16.4.09

Mas parece que...

"Mas parece que das desaventuras há mudança para outras desaventuras, que do bem não a havia para outro bem." Bernardim Ribeiro

Parece que em cada dia que passa nem a mediocridade escapa à mudança para pior! Quanto mais descemos mais enfunamos.

Do nosso quarto, espreitamos o mundo pela janela, sem a abrir. Preferimos as pantalhas à luz crua da vida...

O rio, supõe-se, continua a correr lá longe, mas há muito que abandonámos as suas margens!

 

14.4.09

Pensar que não sou sozinho...

Torre de Menagem (séc. XII)

Igrejas da Misericórdia e de S. Tiago (séc. XVI)

Ribeiro Sanches, ilustre estrangeirado (séc. XVIII)

 

As fotos desaparecidas (de Penamacor) que aqui coloquei são o meu modo de dizer que não é possível construir uma identidade colectiva, prescindindo de um olhar atento sobre o património natural e edificado ao longo de séculos. A memória horizontal é efémera e caprichosa, incapaz de estabelecer nós com o passado. É construída sobre areia movediça.

O sentimento identitário exige a combinação da memória horizontal com a memória vertical. Sem essa articulação deixa de haver solidariedade, noção de pertença e a liberdade vira acto gratuito.

O que há de comum nestas fotos é a acção de conquista: do território, da espiritualidade, da solidariedade, do conhecimento ao serviço da humanidade, mesmo que isso signifique sacrifício, perseguição, desterro...

A estrada que vou percorrendo é sinuosa para que, pelo menos, nas curvas possa olhar para o lado e para trás e pensar que não sou sozinho...

 

Da ambiguidade...

Quem vive na ambiguidade, mais cedo ou mais tarde acaba sem amigos.

 

11.4.09

Pegas no Freixial

Pegas azuis no Freixial (Aranhas). Na Idanha, elas eram pretas!? Estou sem perceber estes desmandos da natureza num raio de 35 km. Parece, no entanto, que as pegas têm uma história muito antiga. Só não compreendo por que motivo não me lembro das pegas da Serra de Sintra, à excepção das do Paço Real.

Pega gulosa, sem vertigens!

Um cuco! Quem diria que ao cantar, o cuco prevê a queda de neve? O tapete é de rosmaninho.

Pinheiro doente. Por aqui, os pinheiros estão todos doentes e parece que ninguém se incomoda.

De vez em quando, lá vou dando sinal de mim! Não estava a ouvir a triste avezinha do Bernardim nem a queria ver cair morta que o mundo já vai tão em desgraça!

 

6.4.09

Barragem de Idanha-a-Nova

Para além da barragem Marechal Carmona, é de destacar a hidráulica agrícola, inaugurada em 1946 por Oliveira Salazar com o objectivo de fomentar a agricultura, permitindo a fixação das populações. À primeira vista, o objectivo do Estado Novo continua por atingir. Para o visitante, existe um bom parque de campismo junto à barragem, apesar de, em abril, manter os principais equipamentos encerrados. É pena que a Orbitur não esteja mais atenta, pelos menos na semana da Páscoa!  No entanto, para quem seja avisado, ou seja, não se tenha esquecido de se abastecer no supermercado, vale a pena pernoitar na zona para fruir a paisagem, ouvir a passarada, calcorrear os vários itinerários, e finalmente repousar do bulício citadino e do lixo comunicacional.   

 

2.4.09

O dia das verdades...

A tradição que consagra o dia 1 de Abril como o Dia das Mentiras deve ser mudada. De facto, todos os dias passaram a ser dias das mentiras, por isso proponho que doravante o dia 1 de Abril passe a ser o dia das verdades.

 

1.4.09

Digressão por fazer…

Na vida portuguesa, há coisas que não consigo entender. Por exemplo: Por que motivo há tanta gente a queixar-se de que é pressionada a torto e a direito. (Parece-me perfeitamente normal que isso aconteça.) O que é inaceitável é que já não haja homens (e mulheres) íntegros, capazes de ignorar as pressões e cortar a direito, doa a quem doer. Inspetores, procuradores, juízes, árbitros, polícias várias, advogados, jornalistas passam os dias a levantar suspeitas sem apresentar provas, e, sobretudo, sem utilizarem os poderes de que dispõem para encostar à parede os prevaricadores. Qualquer malhador de púlpito ou de ministério os aterroriza!

No fundo, tudo se resume a uma educação mole, frouxa e cética. A educação romântica conduziu à moleza e à fraqueza suicida. Por seu turno, a educação realista mergulhou-nos na descrença anticlerical e no ceticismo como forma de vida (a abulia). A educação republicana gerou a anarquia e o bolchevismo que o Estado Novo se encarregou de esconder no fundo da sacristia e de eliminar nas salas de tortura e na frigideira do Tarrafal.

Esgotados, acreditámos que a revolução estava na rua, e a educação desapareceu nas secretárias dos burocratas e nas palavras de ordem de novas seitas que permanentemente atacam o erário público.

Digressão feita, penso que já compreendo o que ao princípio me assombrava.

 

31.3.09

Plátanos, nunca mais!

Com a chegada da Primavera, a flor do plátano sufoca-nos, polvilha os lugares mais recônditos e nem a chuva lhe acalma a perfídia. No entanto, se os plátanos incomodam, o que dizer de todos aqueles que grosseiramente corrompem, mentem e manipulam a opinião, fazendo-se de anjinhos?

Estamos a chegar a um ponto em que só poderemos respirar se eliminarmos os plátanos pela raiz. Os plátanos da incompetência, da irresponsabilidade e da cumplicidade…

 

26.3.09

Se ignorarmos o contexto…

- “Querem ser tão boas e não prestam para nada!

Será legítimo provocar o interlocutor, omitindo o contexto? Em termos éticos, parece-me condenável…

E em termos poéticos? A questão da legitimidade perde importância porque a elisão (omissão) é reivindicada como recurso expressivo privilegiado. Ao leitor competirá preencher o vazio, recriar o contexto, passando do particular ao universal.

Deste modo, o enunciado descontextualizado “Querem ser tão boas e não prestam para nada!” ganha, em termos poéticos, universalidade, exigindo a participação do leitor que pode, num ápice, deitá-lo para o “lixo” ou, pelo contrário, descobrir nele uma centelha de pessimismo…

No entanto, se eu voltar ao mote e o contextualizar – coisa rara no domínio da poesia! –, caio num espaço confinado em que uma pobre velha, desesperada, insulta um pequeno número de funcionárias que a impedem de saltar de uma cadeira de rodas para uma simples poltrona…

Naquele contexto, a cadeira de rodas e a poltrona protagonizaram o drama das 16 horas cujo desfecho foi bem menos poético do que o leitor poderá imaginar: uma velha agrilhoada, gritando: - “Querem ser tão boas e não prestam para nada!

Afinal, a velha mais não queria que bater com a cabeça na parede, no chão, em qualquer outro lugar que não aquele… ou, talvez, não quisesse sair daquele espaço e quisesse, apenas, sair de si-própria…

(…)

A teimosia da velha lembra-me que, ontem, também eu pensei que o melhor seria dar uma cabeçada marialva no Ferreira de Castro para ver se se liberta, de vez, dos vermes revivalistas que lhe roem os ossos na romântica Sintra e regressa definitivamente à Amazónia.

(Em Portugal, há umas capelinhas vazias, cujos pastores insistem em matar os fiéis!)

 

25.3.09

No Museu do Neorrealismo em Vila Franca de Xira

Espólios literários

- Alexandre Babo (1916-2007)
- Alexandre Cabral (1917-1996)
- Álvaro Feijó (1917-1941)
- Alves Redol (1911-1969)
- Antunes da Silva (1921-1997)
- Armindo Rodrigues (1904-1993)
- Arquimedes da Silva Santos (1921)
- Carlos Coutinho (1943)
- Garcez da Silva (1915-2006)
- Faure da Rosa (1912-1985)
- Joaquim Lagoeiro (1918)
- Joaquim Namorado (1914-1986)
- José Ferreira Monte (1922-1985)
- Jorge Reis (1926-2005)
- Júlio Graça (1923-2006)
- Leão Penedo (1916-1976)
- Manuel Campos Lima (1916-1956)
- Manuel da Fonseca (1911-1993)
- Mário Braga (1921)
- Mário Sacramento (1920-1969)
- Orlando da Costa (1929-2006)
- Soeiro Pereira Gomes (1909-1949)

Espólios editoriais

- revista Vértice
- jornal O Diabo
- jornal Horizonte
- editora Cosmos

 

21.3.09

Dizem versos, os poetas

Dizem versos, os poetas / dois anónimos pássaros / saltitam entre flores / para além da superfície vítrea. // A abóbada do planetário ondula / suave em verde-amarelo redemoinho / num pequeno quadrado líquido. // As palavras dum tempo, perdidas / atentas às inconveniências, correm/nostálgicas, elegíacas, jocosas. // Perdem-se, os poetas / há muito deixei de ouvir o Patraquim /ousou anoitecer o Mia Couto / o Echevarria secou-me o pomar / a Maria Teresa Horta passou, altiva// O sol cai sobre o planetário / por detrás dos arames, o verde abafa o amarelo / longe, eleva-se uma grua / perto, os corpos abrem em sorriso/

sobre um tapete vermelho, as mãos /acenam aos poetas inefáveis. //

 

17.3.09

Um amor de Perdição, um filme de Mário Barroso

Ao contrário do que refere a sinopse não se trata da história de um encontro entre Simão e Teresa, mas, sim, de um desencontro entre Simão e Teresa, provocado pelo conflito entre duas famílias urbanas, com raízes provincianas e colonialistas…

Para quem não leu a obra de Camilo Castelo Branco, o filme passa bem, apesar de alguns jovens espectadores (da idade do Simão?) referirem o seu dramatismo. De facto, os jovens que assistiram à apresentação do filme na sala 4 do Monumental estiveram atentos e divertiram-se, o que não é muito habitual. Por isso, creio que o filme irá ter uma boa receção do público…

Quantos aos apreciadores de Camilo, a abordagem será diferente. O texto camiliano mais parece de Eça, quando se insiste na relação incestuosa de Dona Rita com Manuel (mãe e filho), sob o olhar indiferente de Domingos Botelho (marido e pai). À luz desta tema – o incesto -, não estranharei nada se Mário Barroso vier a adaptar ao cinema A Tragédia da Rua das Flores de Eça…

Por outro lado, os camilianos não deixarão de questionar o desfecho trágico do filme: abrir as veias e abrir o gás, em espaços distantes, não parece uma solução muito adequada à catástrofe de Um Amor de Perdição. Simão e Mariana, bem poderiam sucumbir lentamente, vítimas de SIDA. E para isso, não seria necessário que Simão traísse o amor de Teresa, bastava que o sangue derramado por Simão e de que Mariana se apropriou na delírio e na cegueira deste a penetrasse, deixando-a para sempre refém da sua secreta paixão…

Trata-se de um filme polémico, com uma ótima fotografia, um desempenho dos actores equilibrado, e uma montagem que, em certos momentos, consegue transmitir a densidade das situações camilianas, apesar do desfecho parecer pouco verosímil e, sobretudo, perder para o desenlace de Amor de Perdição.

 

15.3.09

Há sempre quem nos envergonhe...

Num lugar, onde "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce", não deveria haver lugar para mensagens infames.

Alguém se deu ao trabalho de subir a escarpa, mesmo ao lado de Ribeira de Ilhas, para deixar uma nota de mau gosto.

 

Tetrápodes nas arribas da Ericeira...

De quem é a ideia? Espero que estejam a construir um molhe ou paredão. Caso contrário, estaremos perante um abuso.

De qualquer modo, fica o termo "tetrápode".

 

11.3.09

A nova poesia…

Centenas de milhares de homens e mulheres são empurrados para a miséria; os filhos, indiferentes, não compreendem que eles se tornam nas maiores vítimas, embora por culpa própria.

À pontualidade, à assiduidade e ao rigor dizem não. Educados na permissividade, fazem orelhas moucas à palavra dos professores. Por debaixo das mesas, enviam mensagens instantâneas para o colega do lado; de cabeça hirta, invertem a circulação do sangue, deixando que o olhar vazio se perca na brancura das paredes.

Como se a droga lhes corresse de cima para baixo, anestesiando-os e atirando-os para os braços da desistência…

Como vão longe os tempos em que fingir era imaginar / criar! Agora, fingir é mentir a si-próprio…

Fogem da dor e do esforço como o Diabo da Cruz. E acreditam que o futuro mora ao lado num bandeja de ouro…

E quando descobrem a grande mentira em que mergulharam, sentem ganas de destruir o mundo…

E começam a passar do desejo à acção (da potência ao acto) numa viagem mutiladora em que Beatriz virou rosto de destruição…

É essa a visão dos novos poetas do século XXI!

 

9.3.09

No Jardim Constantino...

Que árvore será esta? Fica no Jardim (do) Constantino. Na passada 6ª feira, o escritor Mário de Carvalho prometia a uma plateia de jovens dos 1º, 2º e 3º ciclos e do ensino secundário que logo que chegasse ao escritório iria procurar quem fora o "Constantino" que designa aquele largo. Será que os jovens se aperceberam daquela preocupação do escritor? No mesmo jardim, sob a reflexão de um ignorado e silencioso Prometeu, Mário de Carvalho lá foi explicando que não escreve deliberadamente para crianças, que as capas dos seus livros não são da sua responsabilidade, que a escrita de ficção lhe aconteceu um pouco porque os advogados gastam muito tempo a escrever sobre casos reais, que as suas personagens, na realidade, nunca existiram e que, portanto, não valerá a pena sair a procurar as fontes... E de si, deixou escapar que, aos 15 anos, começou a compreender a crueldade do Estado Novo que lhe perseguiu e prendeu o pai... Nesse tempo, frequentou o Liceu Camões (2 anos).

(E eu, ali sentado, ao lado do escritor, sem saber muito bem se estava nalguma cena de apanhados... tudo culpa da abnegada Dr.ª Isabel Pires, promotora da iniciativa... do externato Sá de Miranda.)

 

Quanto ao Constantino, terei de dizer que os actuais responsáveis pelo pelouro dos jardins da cidade de Lisboa não lhe chegam aos calcanhares.

 

Até Neptuno

Até Neptuno nos interpela sobre o prédio, em ruínas, na esquina da Casal Ribeiro com a Almirante Barroso. Lá viveram, embora em épocas diferentes, Fernando Pessoa e Amílcar Cabral.

8.3.09

Nas escolas do meu país…

«O relatório anual de Segurança Interna (RASI) de 2008 ainda não foi concluído porque o Ministério da Educação não enviou ao secretário-geral de Segurança Interna, Mário Mendes, os resultados da Escola Segura no último ano letivo, que terminou há mais de oito meses.» DN, 6.03.2009

E mesmo que o ME tivesse enviado esses resultados, o RASI estaria sempre incompleto! Porquê?

Porque em muitas escolas os episódios de violência não são comunicados.

Porque em certas escolas os conselhos executivos fecham os olhos.

E se actualmente os conselhos executivos começam a estar mais atentos à violência entre alunos, os mesmos desvalorizam os episódios de violência sobre os professores. Quantos professores pediram a reforma porque se sentiram violentados? E nem sempre a violência tem, apenas, como agente o aluno!

A título de exemplo, veja-se o caso de um professor (colocado numa escola EB2 /3, situada a 11 km de Lisboa) com 33 anos de serviço, 54 anos de idade, saúde débil, que continuadamente é insultado, provocado por um aluno, dentro e fora da sala de aula (no interior e à porta da escola). A participação dos incidentes ao diretor de turma já deixou de fazer qualquer efeito – este último sabe bem que, para si, é melhor que o colega seja a “presa”, o “troféu” de caça… A ordem de saída da sala não surte qualquer efeito, pois enviado o aluno para a Biblioteca ou para a Sala de estudo, quinze minutos mais tarde, este regressa qual momentâneo cordeirinho inofensivo… O Conselho executivo sabe bem que os incidentes se repetem todas as terças e quintas-feiras na sala de aula, e nos restantes dias, sempre que o aluno, acolitado pelos seus sequazes, se cruzar com o referido professor… O Conselho executivo que sabe que o aluno já veio transferido de outra escola, por indisciplina, limita-se a adverti-lo verbalmente, em clima de grande exaltação…e deixa o professor entregue a si próprio, cada vez mais fragilizado…

A esta hora, estará o leitor a pensar: Porque é que o Conselho executivo não corta o mal pelo raiz? Porque o Conselho executivo não quer hostilizar a Comunidade…Porque o seu presidente pensa mais na sua carreira que na responsabilidade da função que exerce…  O seu presidente sonha ser Diretor executivo do agrupamento de que a escola faz parte.

Nas escolas do meu país é muito mais fácil “queimar” um professor do que colocar na ordem um aluno.

Nas escolas do meu país, silenciam-se os episódios de violência diária em vez de se encostar à parede os prevaricadores…

Nas escolas do meu país, ainda há pouco tempo a Escola Segura preferia apelar à inteligência e ao bom senso do professor do que averiguar os casos que lhe são apresentados.

Neste país, se este professor apresentar queixa à polícia, ele já sabe que não terá a solidariedade do conselho executivo nem o apoio jurídico do ME. E sabe, de antemão, que de vítima passará a carrasco…

Afinal, o que é que resta a este professor de 54 anos de idade e 33 anos de serviço público?

Partir para a reforma e receber uma pensão, seriamente amputada pela irresponsabilidade dos dirigentes deste país!

E quanto ao Senhor Mário Mendes, esqueça os resultados da Escola Segura. Mande alguém às escolas deste país ver o que por lá se passa.

 

5.3.09

Sobre o limite…

Vitorino Nemésio reclamava do limite de idade (18.7.1971) quando lhe inventaram uma última lição… (Sem limite a idade, claro: / O Mundo não, / Que esse é finito na expansão / – « É bom não pôr limites à Misericórdia divina» / Disse um Papa velhinho / A quem exígua prece/ Votava uns anos mais / Como é próprio da Caixa de Descontos / Dos pequenos mortais. / Tudo deperece, / desaparece… /

Ontem, Raúl Mesquita não reclamou do limite (Out.1975 – 28 Fev. 2009). E a pretexto do poder da palavra (do mito, da alegoria, do logos), utilizou-a para zurzir na professora de Português dos seus 10 anos, no reitor da sua adolescência, nos colegas da primeira fila, dos chefes de turma, nos ribatejanos (um pouco?) pidescos dos finais dos anos 70, dos professores que gostavam de avaliar os pares. E atravessou o mundo dividido, através da palavra (palestra, romance…): «Tenho a honra de ter inimigos e o prazer de ter amigos! Pela palavra, dialogo com eles.»

Ontem, eu que sou ribatejano, fiquei perplexo. Ali, sentado, na sala 32, entre estranhos, ao ouvir a palavra do Raúl, comecei a interrogar-me se não sobraria um espaço (se calhar só para mim!) entre os amigos e os inimigos. É que as dicotomias me cansam. Será que não há 3ª via?

Em síntese: não sendo amigo, incomoda-me ser atirado para a matilha dos inimigos. E incomoda-me porque procuro sempre respeitar os outros…

 

 

3.3.09

Tagmé Na Waié e Nino Vieira

Há muito que a morte de ambos fora decidida, e tudo leva a crer que pelos próprios.

Infelizmente, deixaram os guineenses mergulhados na crise de identidade há muito anunciada por Amílcar Cabral (1924-1973), também ele barbaramente assassinado:

Eu sou tudo e sou nada,

Mas busco-me incessantemente,

- Não me encontro!

-----------------------------------------------

Ó farrapos de nuvens, passarões não alados,

levai-me convosco!

Já não quero esta vida,

quero ir nos espaços

para onde não sei.

Por muito absurdo que a ideia possa parecer, acredito que chegou a hora dos povos da Guiné se unirem e descobrirem aquilo que os une e não mais aquilo que os separa.

Da morte não interessa saber se é justa ou injusta, se no limite puder ser redentora.

 

28.2.09

No silêncio da oliveira... Vital Moreira

Ao Vital Moreira reconheço competência e honestidade intelectual, e espero que a sua escolha para encabeçar as eleições europeias tenha como objectivo reforçar a qualidade da intervenção portuguesa na união europeia e no mundo. Quanto ao argumento da sua abrangência política de esquerda, considero-o falacioso. Em relação ao congresso do partido socialista, não posso deixar de registar a falta de debate de ideias, a sacralização da liderança de Sócrates, a ausência de Manuel Alegre, e a pobreza intelectual de muitos dos participantes - houve quem confundisse um sinónimo com um silogismo! Por seu lado, as televisões primam pela falta de isenção. Os comentadores há muito que servem interesses económicos e aventureiros que se vão apoderando das nossas consciências.

 

25.2.09

Ali, ao lado...

O outro lado da cidade de Évora: esgoto a céu aberto, ao lado do parque de campismo; poço com banheira; azinheira com sombra de cimento. Nem a pega rabuda escapa. Fora da fotografia: duas carroças ciganas, repletas de crianças avançam no descampado, à procura de um lugar onde acampar.

Minutos mais tarde, os machos, soltos, enganam a fome junto do arame farpado da herdade vizinha; as crianças atravessam a 380, na direcção do povoado; as carroças jazem junto do poço...

Começo a pensar que, afinal, a sombra de cimento da azinheira vai ser muito útil na noite que se avizinha. Isto se não aparecer por ali nenhum sapo de loiça!

 

24.2.09

De novo, em Évora...

De registar, em relação à última visita, a conservação de alguns dos principais monumentos. Já não há ossos à vista de quem passa! No entanto, o Museu, junto à Sé continua entaipado e a Universidade fechada. Bem sei que é dia de Carnaval, mas o espaço ocupado pela instituição de ensino superior merece o olhar do turista, mesmo que acidental... Quanto a transportes públicos, nem vê-los!

 

22.2.09

Uma ideia matinal

O dia vai adiantado, não quero, todavia, terminá-lo sem registar uma ideia matinal: quem ensina a ler autores do século XVI não deveria comentá-los sem previamente ler VIDA NOVA, de DANTE ALIGHIERI. E já agora acrescento: A Metafísica Aristotélica.

Se essa atitude vingasse, evitaríamos leituras biografistas e psicologizantes abusivas tão do agrado dos nossos literatos de moda.

 

21.2.09

Aquelas pessoas

«O casamento prevê direitos e deveres entre cônjuges, a união de facto não parte do pressuposto de que há um conjunto de deveres entre aquelas pessoas.»  Maria do Rosário Carneiro, DN 21.02.2009

Para além da eventual lacuna da lei apontada pela deputada, há no enunciado um deíctico espacial que me deixa perplexo: “aquelas pessoas”. A deputada, de uma assentada, delimita dois territórios: o seu (dos seus) e um outro, colocado à distância, o de outras pessoas. O primeiro é o espaço da doutrina cristã, redentora; o outro é o espaço da infidelidade ou da heresia.

No essencial, a deputada, expressão de um sistema de valores eleito, tem dificuldade em interpretar os princípios que deveriam reger o socialismo democrático: liberdade, igualdade e fraternidade.

Nesta matéria, a diferença de paradigma tem origem no preconceito.

 

19.2.09

A maldade e a ironia

Ao contrário da ironia, e que eu saiba, ainda ninguém definiu a maldade como uma figura de estilo. Da ironia, diz-se que ela exige conhecimento do contexto conversacional (discursivo) e cria cumplicidade, apesar de nem sempre demonstrar apego à acção ou, se quisermos, capacidade de meter as mãos no lodo…

Da maldade, a retórica pouco ou nada nos diz… o que não me impede de acordar a pensar naqueles que malham publicamente no ministro e em privado lhe lambem sorrateiramente as feridas…

 

15.2.09

Em 1993…

O Pecado de Sofia, de Fonseca Lobo, prende o leitor. Parece a versão feminina do Frei Luís de Sousa, sem o peso do sebastianismo. De certo modo, Almeida Garrett poderia ter batizado o drama de O Pecado de Madalena, se não fosse a sua obsessão em libertar Portugal do jugo estrangeiro.

Fonseca Lobo recorre ao medo, à superstição, à maldição, aos dias fatídicos, ao mistério e à vítima angélica (Marília), preferindo, no entanto, o suicídio de Sofia à redenção… Quanto a Deus, este deixou de ser chamado e… o drama progressivamente encontra um desfecho simpático: a mãe que amaldiçoara as filhas, nascidas de um ventre que só gerara fêmeas, enlouquece; a filha, Sofia, que se deixara mover por um impulso amoroso e fatídico, suicida-se. Tudo em dois actos e um poço…

Em 1993, nada acontecia em Portugal. A crise não passava de uma questão de família!

 

De forma anódina…

O jornal Público promove um concurso de jornais escolares subordinado ao mote: Porque é que a política também é para nós? A iniciativa é digna de louvor, mas…

Ontem, anunciaram-nos, de forma anódina, que cada português deve 150 milhões de euros ao estrangeiro. Perante a enormidade da dívida, pensei, amanhã, o número de suicídios terá aumentado assustadoramente. É desta que o país desaparece! Mas não, hoje, Domingo, dia de descanso, tudo se mantém na mesma pasmaceira.

O que me trouxe à memória aquele(a) aluno(a) que, há uns meses, perante a dificuldade em interpretar os referentes históricos presentes num conto de Manuel Alegre, exclamou: – «se eu soubesse que o homem era político, não o tinha escolhido como leitura

De facto, a política mediática tem afastado a juventude da causa pública; creio mesmo que nem os 150 milhões de dívida pessoal faz pensar…

Afinal, será que ainda nos sentimos filhos de uma nação?

 

12.2.09

A lição de Simônides de Céos

(Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira)

Sendo homem, não digas nunca o que acontece amanhã. E, se vires alguém feliz, quanto tempo o será. Rápida como o volver de asas de uma mosca, Assim é a mudança da fortuna.

Mais vale não esperar pelo amanhã. / Acreditar no amanhã é perder o dia de hoje. / Os adiados dias são desperdício inexorável. /

Sentados / dedilhando /entediados / anseiam pelo amanhã / matam a Hora.

Apetece deixá-los /enredados /na desmedida…

 

10.2.09

Em tempo de anacronismos…

Há no ar uma enorme mistificação. À maneira romântica, constrói-se o anacronismo: depois do Salazar asceta, o Salazar libertino!

Vira-se o tempo do avesso e gera-se um Salazar ao gosto da nova plebe. Para quê? Não deve ser só para captar receitas publicitárias!

A austeridade, o rigor, a sobriedade e a solidão do seminarista dão lugar a um homem novo – mulherengo, intriguista e fútil…

A misoginia do ditador é substituída pela delinquência do homem medíocre…

Quem escreve o guião sabe bem a quem aproveita o anacronismo…

Ao desrespeito, à calúnia e à mentira…

 

7.2.09

Dá vontade de meter o malho no Santos Silva

Num cuteleiro, de avental ao torno, / Um forjador maneja um malho, rubramente.” Cesário Verde, Sentimento dum Ocidental

Queria o Cesário explicar que malhar (o ferro, os cereais) é uma atividade produtiva, ao contrário, por exemplo, de uma certa sociologia de pacote que nos tem sido impingida desde o 25 de Abril, quando me entrou pela casa dentro um malhador, de mangual sonoro, a querer malhar em toda a gente, à sua direita e à sua esquerda…

Um malhador ministro!

Um malhador ex-ministro da Educação, ex-ministro da Cultura de que ninguém conhece obra.

Resta-me tentar convencer os meus alunos que um forjador é mais útil à Nação que um malhador letrado!

A talho de foice plebeia, confesso que nunca suportei as teses do académico Santos Silva: faltava-lhes conhecer o malho, isto é, lê-las era o mesmo que malhar em ferro frio!

 

5.2.09

O controlo

O controlo aperta: à distância e na vizinhança e o medo ganha forma, deixa de ser uma ideia abstrata.

 

4.2.09

Em Fevereiro, anoitece…

A liberdade de escolher não deveria ser tolhida por ninguém, mesmo que, por vezes, o custo possa ser elevado. Aquilo a que assisto diariamente é confrangedor.

A consciência individual e colectiva é manipulada pelas agências de informação e pelos pequenos títeres que pululam um pouco por toda a parte.

O objectivo é instalar o medo, silenciar a voz…

 

31.1.09

Ervas daninhas, enguias e pegas

Janeiro 2009, um mês diferente… Chuva, vento, frio e até neve… Já em Dezembro, o Sol desaparecera aos poucos… Tudo sombrio, como se o tempo apenas quisesse acompanhar a decadência das sociedades ditas desenvolvidas.

Estamos no Inverno e parece que caminhamos para o Inferno… Nem o primeiro-ministro escapa! A ser verdade o que se diz, o nosso primeiro deixou-se encharcar….

Mas se sentimos a chuva nos ossos, a verdade, porém, é enguia escorregadia. Nem a folha de figueira a conseguiria segurar, sobretudo, neste Inverno de figueiras despidas e ervas daninhas…

Quanto aos Ingleses, convém não esquecer que já o rei D. João I teve de se defender da acusação de D. Filipa de Lencastre que lançara o mujimbo de que sua a Alteza a traía com todas as belas da Coorte…

Dessa intriga, ficou-nos o humor régio bem gravado nos tetos do Paço Real de Sintra…

Se ao menos (José) Sócrates tivesse um pingo de Humor!

 

29.1.09

Ontem, 28 de Janeiro…

Nascido a 28 de Janeiro de 1916, Vergílio Ferreira (homem, professor e obra) foi lembrado na ESCAMÕES.

Num auditório meio cheio,

Hélder Godinho, Ana Toríbio, João Lucas, Valente Rosa, Madalena Contente, Cristina Duarte, todos deram, com rigor, conta do afeto e da veneração que continuam a sentir pelo amigo, mestre e acérrimo defensor da língua portuguesa.

A lição foi de tal modo harmoniosa que a assistência se encontrou por momentos seduzida e mergulhada num estranho rito de iniciação.

Não sei se os jovens terão decidido desfolhar a obra ou se ficaram a pensar em procurar o sentido da vida. Sei, no entanto, que este encontro é daqueles que fazem falta, mesmo se mediados pelo texto ou pela voz.

E por tudo isto é imperdoável que estes “encontros” não sejam gravados. 

Quando delapidamos a memória, amputamos o futuro.

 

Não sei como explicar…

É talvez cedo!

Não sei como explicar que viver é muito mais do que satisfazer impulsos, desejos, do que ficar mais um minuto na cama.

Viver é construir a vida…

Não sei como explicar que não há vida sem o outro… mesmo que seja apenas texto.

Não sei como explicar o que é o outro.

Mas sei que se não estiver atento jamais serei esse outro…

Jamais viverei.

É talvez cedo!

 

24.1.09

Da evasão…

«Toda a literatura é um plano de evasão. Ele faz ferver todas as cabeças e aguçar todas as inteligências. (…) O aluno tem de apostatar do mestre, senão não será digno dele.» Agustina Bessa-Luís, Da educação, DN, 8.02.1992

Há anos que um texto de Agustina Bessa-Luís me obsidia. Quando menos espero, uma página amarelecida pelo tempo coloca-se sob o meu olhar e lá a volto a ler o artigo sobre a Educação. E esta leitura faz-me sempre questionar sobre a importância da literatura na formação do cidadão e, sobretudo, sobre o modo como ainda se aborda a literatura nas famílias e nas escolas. Já pensei em libertar-me deste pedaço de papel, mas não consigo. É como se ao rasgá-lo me rasgasse também a mim.

Eu que sou licenciado em Literatura Portuguesa e mestre em Literaturas várias, embora passe a maior parte do tempo no desemprego deste ofício, não posso deixar de pensar que, ao transformarmos a literatura numa minudência, que bem que soa esta palavra! mas infelizmente não é a adequada, pois não quero pensar que a literatura é uma minúcia, mas, sim, que foi marginalizada, desvirtuando-a da sua verdadeira função: substituir as pessoas reais.

E esta função é tanto mais urgente quanto «as pessoas reais estão muito distantes e não se encontram disponíveis, tanto para ser imitadas como para ser admiradas.» citação ligeiramente alterada – do pretérito imperfeito de Agustina para o nosso presente.

 

22.1.09

O dia D, o dia M, o dia J

I -Aproxima-se mais um dia D: o Parlamento vota mais uma vez se a avaliação dos docentes deve ser suspensa ou não. Os Senhores Deputados, vão brincando à avaliação! Só tarde, poderão voltar ao trabalho político, tristes…

E é triste o ponto a que se chegou nesta matéria: o que devia ser tratado com discrição e rigor transformou-se em moeda falsa que serve para tudo.

Independentemente do resultado, o espetáculo da manipulação e da propaganda está montado…

II – Quanto à Justiça, estamos falados. É tudo uma questão de compadres – pais, filhos, tios, sobrinhos, enteados, isto sem falar nos primos. Quando a mesa se torna menos abundante, desatam todos à cadeirada, e logo os jornais (senão antes!?) nos inundam com meias-verdades e meias mentiras…

Impunes, quase todos!

 

20.1.09

Obama H…

Nem Cristo criou tamanha expectativa!

A tomada de posse do novo presidente lembra-me aquelas aulas em que se tornava obrigatório explicar a função mágica da linguagem. O batismo e o casamento eram os rituais em que por obra do verbo se dava a metamorfose… De repente, eliminava-se o pecado original e legitimava-se a sexualidade!

Com Obama, parece que, amanhã, o mal soçobrará e o eldorado reinará. 

Já a criação do mundo resultara de um acto mágico da linguagem divina.

 

 

 

18.1.09

Outro desatracado…

Dizer que a barba de São Francisco Xavier o distingue do Santo Inácio de Loyola não sei se faz de mim um desatracado, termo que subtraio a Miguel Esteves Cardoso, sem a devida autorização. Atrevo-me, no entanto, a referir que o meu olhar estacou, por instantes, na iconografia jesuítica disponível no Museu de São Roque. Fiquei, ali, diante daqueles santos da Contra-Reforma a pensar na estratégia catequética adoptada no Oriente. E continuo sem compreender o súbito fervor do Fernão Mendes Pinto, bem explícito na PEREGRINAÇÃO…

O resultado entra pelos olhos dentro: a prata dourada, a madrepérola, o marfim, as cores quentes, o realismo das figuras, a magnificência dos relicários, tudo nos promete uma vida (outra) excelsa, bem longe da peste, da fome quotidiana…

caveira que, há muito, via nas mãos de um santo sadomasoquista, encontra-se aos pés de um outro intrépido santo, como se ela não representasse mais do que a terrena vida…

À distância, não deixo de pensar que do reinado de D. Manuel I para o de D. João III, a elite portuguesa atascou as mãos na riqueza que jamais imaginara possuir, hipotecando definitivamente a nação… E, hoje, continuamos a reagir do mesmo modo a qualquer estímulo de fartura…, esperando que, na desdita, o manto virginal nos cubra com a sua infinita misericórdia… 

 

13.1.09

Um circo trauliteiro…

Ontem, pensava que sem mestres não podemos ser contemporâneos de nós próprios. Hoje, estou um pouco chocado com a notícia de que amanhã irei fazer figura de palhaço.

A manipulação das consciências recorre cada vez mais à metáfora e, no limite, à alegoria. A de hoje atirou-me para a pista de circo. Um circo trauliteiro!

Quanto aos mestres, não há nada a dizer. Pura e simplesmente foram dispensados… por quem, há muito, deixou de pôr a mão na consciência.

 

12.1.09

Os mestres são imprescindíveis…

Ontem, assisti a um notável concerto comentado por Paolo Pinamonti na Culturgest.

Confesso, desde já, a minha ignorância no que à música contemporânea diz respeito. Ouvi (e vi) a magnífica execução pela OrchestrUtopica de Frates, de Arvo Part, de King, de Luciano Berio, de Aventures, de Gyorgy Ligeti, e de Invenção sobre Paisagem, de Luís Tinoco.

E face a tal ignorância, Paolo Pinamonti explicou-me o que eu seria incapaz de compreender, a solo. Explicou-me a evolução da música contemporânea, desde os anos 60 do século passado até à actualidade, ajudando-me a tornar-me contemporâneo de mim próprio.

Esta explicação reforçou, em mim, a consciência de que os mestres são imprescindíveis para que possamos aprender. Aprender a viver no nosso próprio tempo.

A própria ideia de pós-modernidade se me tornou mais clara através da execução de Invenção sobre Paisagem, de Luís Tinoco.

 

9.1.09

No tempo dos fantasmas…

Não sei em que data Vergílio Ferreira escreveu o conto “O Fantasma”. E de certo modo queria acreditar que não precisava dessa informação para ter proveito e seguir o exemplo inscrito na estória.

No entanto, essa minha convicção desvaneceu-se perante a insólita interpretação que alguns jovens, nascidos depois de 1990, me propuseram: M tinha a mania da perseguição. De repente, M descobriu na sua frente um tipo (sujeito /gajo) – o fantasma -, que não tirava olhos de si, uma espécie de rémora da nau das índias!

Era-lhes difícil interrogarem-se sobre a causa e os efeitos daquela súbita loucura: na mesa em frente, um sujeito sinistro, sob a aba descaída do chapéu, perscrutava o mínimo movimento, encurralando-o… De pouco interessava, o acontecimento da véspera, e ainda menos a pergunta que lhe sobrara desse insólito encontro: – Até que ponto se teria comprometido? A vida de M mudara completamente. Agora, M apenas desejava que a porta giratória o cuspisse para a chuva que caía lá fora, e, num gesto derradeiro, M conseguiu-o, saindo do radar do fantasma.

Naquele dia M não apertou a mão ao fantasma, nem este esboçou qualquer gesto nesse sentido, talvez porque a magreza, o ar macilento e o olhar sinistro fossem suficientes para apavorar qualquer incauto…

Os jovens, nascidos depois de 1990, ignoram o tempo dos fantasmas, vá lá saber-se porquê… Poderíamos pensar que eles, desempregados, abandonaram o país.

Quanto a mim, houve tempo em que a fantasia me fez correr à frente de um diabrete que insistia em assombrar a minha solidão. E, também, houve o tempo que V.F. ficciona no conto: numa cidade de província, nos anos 60, com capote ou sem ele, em frente de um largo espelho do Café Central (ou Portugal!?), senti o olhar mortiço do fantasma, mas, mais do que os olhos, aquilo que verdadeiramente temia eram os ouvidos das paredes…

 

2.1.09

Fazer-se de mula…

Curioso, consultei http://www.dicionarioinformal.com.br, onde é possível encontrar o dicionário de língua portuguesa mais atrevido que conheço e, para espanto meu, fazer-se de mula surge por definir. Deixo essa tarefa ao António Souto, verdadeiro apreciador do vernáculo luso, embora me pareça que, nos tempos que correm, extintos os almocreves, as mulas andam desaparecidas. Os próprios burros são hoje mais protegidos e não creio que alguém esteja disposto a fazer-se de burro...

De Lisboa à Ria Formosa, não encontrei sombra de mula, apenas meia dúzia de cavalos (seriam machos?) pastavam pachorrentamente num improvisado prado… Eu próprio, em tempos de meninice, fui actor de uma triste história em que um cavalo se fez passar por mula. No caso, uma velha mula que não se aguentava nas patas foi por mim vendida a um magarefe por 50 escudos.

Uma mula que tinha por mim verdadeira estima, que nunca me deixou ficar mal, ao contrário de umas burras azougadas que me infernizavam as jornadas. E eu traí-a… e isso aborrece-me mais do que saber se tenho muitos ou poucos amigos…

Claro está que o António Souto não tem qualquer responsabilidade nesta súbita confissão. E não vou desejar “um bom ano” porque não quero perder os amigos…

 

1.1.09

2009

 Uma antevisão. Antes de lá chegar, uma barraca de zinco. Numa corda, um par de calças bolorentas resistem à humidade, deixando dois desclassificados a acusarem-se mutuamente. Do outro lado, outra aventesma espia os estrangeiros que saltam para o pântano. Estamos em terreno interdito, pensamos. O melhor é avançar, ignorar a ameaça. Perdermo-nos em minúcias de outros tempos, enquanto um pescador, solitário, limpa zelosamente uma barcaça. 

 

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