30.12.09
Santarém
- Uma viagem à minha terra…
Hoje, fui às Portas do
Sol, Santarém, (re)ver o Tejo. Apesar do comboio parecer o mesmo, a extensão de
água é bem diferente da que ficara alojada na minha memória dos anos 60. E das
muralhas, não consegui ver a Santa Iria que…, tendo sido compensado pela
“liberdade” do Manuel Sousa Coutinho, na Rua Direita.
Nesta minha viagem, que
nada deve a Almeida Garrett, a deceção instalou-se, quando me apercebi que nos
campos, balizados pelas muralhas fernandinas, em que outrora jogara futebol,
havia agora um mal-amanhado parque de estacionamento. E do Ginásio, o que é que
fizeram? E, finalmente, tenho de confessar que ainda não foi desta vez que
consegui visitar o Convento de S. Francisco. Desde que li As Viagens na
minha Terra e tenho notícia das malfeitorias dos exércitos napoleónicos,
que sonho entrar naquele desditoso monumento. Cheguei por volta das 11h00, mas
estava fechado! Para compensar a frustração, a cidade pareceu-me mais
dinâmica e, sobretudo, fiel a algumas tradições.
28.12.09
TETRO, de Francis
Coppola, ou a regeneração da família, após uma descida aos infernos numa Buenos
Aires híbrida e caótica. Rejeitando a catástrofe sempre iminente, F.C. opta
pela esperança… Devolve à família o lugar de alicerce da (nova) sociedade.
No entanto, fora do ecrã,
as fronteiras diluem-se, não fazendo qualquer sentido legislar sobre o modo
como nos devemos arrumar nas gavetas do fisco.
A semântica, que tanto
tempo leva a consolidar-se, trai-nos a cada passo e não fosse a atávica
ignorância, o Governo, em vez de legislar sobre as “partes” que podem
constituir o casal, deveria empenhar-se em resolver os verdadeiros problemas
que nos arruínam a cada dia que passa.
Nem a tragédia nem o
drama são solução. Só a voz pode crescer e afirmar-se, dando
sentido à existência.
26.12.09
A 26 de Dezembro,
ainda há quem nos lembre o barro de que somos feitos. Bastar percorrer a rua
Augusta (Lisboa); não precisamos de esperar pela Quarta-Feira de Cinzas! Neste
caso, o barro é amoroso e promete uns tempos, ainda que breves, de felicidade.
23.12.09
E
se os ventos recolhessem a sua fúria?
O Natal é palhaço, água e
carroça. Quase sempre musgo, muitas vezes Pedra. Também pode ser palha, menino…
e acaba sempre numa cruz! Neste Natal, há amigos que sofrem e por isso os
ventos andam desenfreados. E se os ventos recolhessem a sua fúria? A
todos os visitantes, Bom Natal!
22.12.09
Concordo. Não posso
seguir o exemplo do Alexandre Herculano que acreditava mais no olival do que no
parlamento. Quanto ao parlamento actual, o seu estado é ainda mais deplorável
do que no século XIX e por isso raramente lhe dou atenção. Não sendo filiado em
nenhum dos bandos que consomem os euros europeus, limito-me a colher uns tantos
figos que alegram o paladar da minha mulher… e a azeitona fica por conta de um
outro familiar mais guloso. Do azeite, apenas vejo um fio luminoso que mal
chega para temperar a ceia de Natal…
No reino de Cavaco, não
ouso falar de cavacas (nem das caldenses nem das que, neste início de Inverno,
poderiam alimentar o fogo regenerador!). Para cavaquear temos o Sócrates e BASTA!
como diria o Almada. E, de facto, a cultura mediterrânica nada diz aos maiorais
deste país.
No entanto, a velha
oliveira e a não menos velha figueira conseguiram um milagre: o amigo Joaquim
Beja pronunciou-se. Há quanto tempo não lhe sentia o humor?
Ainda há dias de júbilo!
Para mim, este ano, o Natal chegou mais cedo.
Obrigado.
16.12.09
Actualmente, os
estudantes do ensino secundário revelam-se capazes de avaliar o trabalho
realizado e, na sua maioria, são ponderados na autoavaliação. Uns tantos chegam
a ser modestos.
No entanto, uma minoria
valoriza excessivamente o pouco trabalho que efetua e, sobretudo, desvaloriza o
prejuízo que resulta da sistemática perturbação que gera na sala de aula.
A indiferença em relação
ao trabalho dos colegas, a interrupção permanente, as conversas paralelas são
factores que, se negligenciados, acabarão por atrasar o processo de ensino e
prejudicar todos aqueles que têm mais dificuldades.
Se queremos uma sociedade
mais justa não podemos continuar a premiar a indisciplina.
13.12.09
Já foi assim na segunda
metade do século XIX. O povo, que dera novos mundos ao mundo, via na locomotiva
uma máquina infernal capaz de destruir as colheitas e os povoados.
Entretanto, com a
circulação do monstro, uma nova geração descobre Paris e sonha ligar Portugal à
Europa. É esse o sonho que surge como objectivo primeiro dos conferencistas do
casino, em 1871.
No entanto, o país não
deixa de ser provinciano. O seu escol bem procura o estrangeiro, mas volta
sempre com o sentimento de que há algo de irremediável na atitude portuguesa.
Em meados do século XX, o
comboio volta a ter um papel fundamental no êxodo dos emigrantes. Viajar de
comboio torna-se numa penosa e promíscua odisseia. O sonho do regresso passa a
fazer-se anualmente em velozes e mortíferos carros, tudo para evitar o maldito
comboio.
Hoje, continuamos a
suspeitar do comboio. Parece que tememos que ele nos leve de vez para essa
Europa tão desejada pelos homens da geração de 70. Preferimos o isolamento,
mesmo sabendo que já ninguém quer saber da epopeia de quinhentos.
E é pena, mesmo que
viajar seja perder países!
10.12.09
Há sempre quem nos queira
convencer (Kant?) que o pensamento dogmático é o pensamento ingénuo, o
pensamento sem suspeita e, portanto, sem vigilância.
Levianos seremos nós se
nos deixarmos levar por tal ideia. Embora os seguidores pensem pouco ou nada, a
verdade é que quando o fazem, é sempre no seu interesse, indiferentes aos
estragos.
A estrada é lhes aberta
por um estratega que preza os bastidores…, apenas uma folha que cai no caminho…
(Da tradução à traição,
vai apenas um pequeno desvio… Não vale de nada olhar para o étimo, nem para a
via!)
8.12.09
O
Belo é a expressão sensível da Ideia (Hegel)
‘Não há nenhuma
incompatibilidade entre a educação da sensibilidade (valores estéticos) e da
racionalidade (valores lógicos).’
A escola, ao definir as
linhas orientadoras do projecto educativo, não pode esquecer que a sua oferta
formativa deve ser equilibrada. Se queremos contribuir para que a sociedade
seja mais solidária, não podemos ceder à pressão da “procura”.
O critério de decisão não
pode ser o curto prazo. Quem dirige tem de saber antecipar o futuro. E, ao
contrário do que comummente se diz, o decisor não é obrigado a reger-se por
critérios economicistas e de prestígio social. Basta que tenha presente a lição
do passado.
Uma boa parte da
decadência portuguesa tem origem no modelo de escola que separa os valores
estéticos dos valores lógicos, sem qualquer proveito.
7.12.09
A filosofia está
matricialmente comprometida com a razão social, sem descurar o desejo, o amor,
a vontade de sabedoria (sofia) e de sageza.
A modernidade encena a
emancipação da filosofia relativamente à teologia. O ateísmo é o limite desse
caminho. E o percurso é extremamente doloroso na segunda metade do século XIX
(os poetas desesperavam pelo nirvana libertador…). No século XX, esse percurso
tornou-se cínico. Veja-se a obra de José Saramago.
Hoje, Epicuro regressou
com a experiência interior transmitida por gurus momentâneos e hedonistas.
Entretanto, o sábio é
aquele que é o outro pelo seu saber /fazer – a alteridade liberta do
particular…
5.12.09
Nora Ephron, na
obra Não Gosto do meu Pescoço e outros Humores, Achaques e Amores da
Vida das Mulheres, é contundente na abordagem do envelhecimento: “Os
nossos rostos são uma mentira e o pescoço é a verdade. Desistam de querer
enganar ou então escondam o pescoço. Desviem-se de espelhos, usem gola alta e
lamentem-se de não terem passado mais horas a contemplar o pescoço antes da
hecatombe."
Uma ideia que dá que
pensar sobre o tempo que homens e mulheres gastam frente ao
espelho. Provavelmente, somos dominados pela vaidade. Nora Ephron não terá lido
José Rodrigues Miguéis que, em tempos, escreveu uma bela ‘estória’
intitulada A Importância da Risca do Cabelo.
Eu também não li Nora
Ephron, tendo, no entanto, visto hoje o filme por si realizado, Julie
& Julia (2009). Duas mulheres (ou serão três?), em tempos
distintos, preenchem o tempo, a escrever e a executar receitas de cozinha
francesa, com o objectivo de ensinar os americanos a cozinhar… A testagem das
receitas é fonte inesgotável de situações cómicas bem representadas
/caricaturadas por Merly Streep e por Amy Adams, com a particularidade desta
última dar corpo a um blog, onde durante 365 dias regista o (in)sucesso
da sua emulação e da relação com o trabalho e com o marido.
Em conclusão, se lhe
sobrar algum tempo ou se o não tiver quebre o espelho e vá ao cinema ver Julie
& Julia, e verá que não perderá o seu tempo.
3.12.09
Em nome da democracia,
uns procuram afanosamente escutar e aceder às conversas das figuras mais ou
menos publicas, outros (os mesmos?) escondem religiosamente as fontes, de forma
a impressionar o saloio. Infelizmente, há cada vez mais parasitas entre nós!
1.12.09
Há sempre quem queira
mandar, mesmo que seja para cumprir, ou não, uma elementar regra de jogo!
Há sempre quem fale em
nome do conhecimento científico, sem sequer perceber o que é o conhecimento e,
sobretudo, sem entender a precariedade do ‘científico’!
Quantas aves de rapina se
apropriam do trabalho alheio sem sequer pedir licença?
Há sempre quem só consiga
dizer mal, mesmo sem revelar original competência!
(Criar, pensar, fazer…)
Ajudar a fazer, a pensar,
a criar.
(E ainda há quem diga
que o teatro português está em crise! Na tenda ou no palácio, o mundo está a
nossos pés.)
Contra a fraude!
27.11.09
No dia em que o Blemias
perdeu a sombra... o caderno que estava sobre o
estirador que faz assessoria à criação por computador foi então guardando as
manchas que instintivamente lhe eram distribuídas pelo pincel chinês, ajudado
pelo colorido de umas velhas aguarelas…
A raça dos Blemias terá
vivido no deserto sem nunca ter perdido a cabeça, a não ser quando os
cabeças-a-descoberto se aventuraram por entre as dunas e, cegos pela areia,
desataram a fugir perante aqueles distantes fantasmas que, para se protegerem
dos inimigos, usavam uma máscara e um escudo que os protegia do nariz aos
joelhos… uma miragem que acabou por gerar um ser mitológico muito bem animado
pelo Jorge Castanho…
Algo me diz que não
estamos a dar a devida atenção à obra do Jorge Castanho. Quanto a mim, espero
que, havendo por aí tanta gente assombrada, o artista lhes recrie os diálogos,
com ou sem escutas, e nos deixe ver o produto da sua imaginação.
Finalmente, confesso que
frequentemente dou comigo perplexo com a minha dupla sombra, talvez porque
ainda não me aventurei por nenhum deserto, apesar de se me atravessarem no
caminho aqueles versos de Sophia /Para atravessar contigo o deserto do
mundo / Para enfrentarmos juntos o terror da Morte/…
26.11.09
Kelly Basílio testa a sua
interpretação de ETERNO EFÉMERO. Na plateia, sob o olhar trocista de alguns
alunos do 10º B, um (in)esperado convidado dorme a sono solto, tornando o
momento do aplauso delirante. Em contraste, outro aluno lê O SONHO DO
PRISIONEIRO. No geral, o público adolescente respeitou a circunstância e o
Homem, embora tenha perdido a oportunidade de questionar a relação entre a vida
e a ficção.
Entretanto, Urbano
Tavares Rodrigues soltara o olhar sobre o azul masculino e feminino – um azul
fascinado e respeitoso, transformado em atrevido e libertino personagem.
Em Urbano, a literatura
solta as amarras da contenção e sob as palavras irrompe em sonhos de esteta…
Infelizmente, a sua circunstância determinou-lhe o programa, o compromisso, e
fê-lo refém de solidariedades respeitáveis, de cumplicidades fraternas, de ternuras
irrequietas e inequívocas…
O Homem salva a alma, mas
Prometeu continua agrilhoado…
25.11.09
Urbano
Tavares Rodrigues, amanhã…
Pelas 17 horas,
receberemos, no Auditório da Esc. Sec. de Camões, um Homem que sempre esteve
disponível para nos ajudar a interpretar a acção humana.
De si próprio, Urbano
disse um dia: «Sou um homem reservado, não falo muito, tenho uma certa
dificuldade de comunicação. Os romances são para mim uma forma terapêutica de
catarse, até certo ponto.» Entrevista conduzida por Maria Teresa
Horta a pretexto do romance Violeta e a Noite, DN, 19 de Maio de 1991.
Em 1991, Urbano refletia
sobre a aproximação da morte: «Penso que a velhice é um pouco uma espécie
de necrose da memória, dos sentimentos. Há muitas fontes que secam no homem,
como por exemplo a imaginação, que vai diminuindo, embora outras coisas,
paradoxalmente, aumentem, porque a experiência traz uma série de ensinamentos
que faz com que o escritor seja capaz de estruturar e escrever melhor uma obra
aos sessenta do que aos vinte ou aos quarenta.»
Em 1991, Urbano, apesar
da agonia dos regimes comunistas, continua a ter esperança no futuro: «Acredito
que, se pudesse cá voltar daqui a vinte ou trinta anos, já encontraria em
marcha coisas que neste momento não são ainda pensáveis (…) o socialismo é
necessário, só que tem de se realizar em liberdade.»
(Nestes dias, o auditório
revela-se quase sempre parco em perguntas. Creio, no entanto, que seria
interessante interrogá-lo sobre estes últimos 20 anos. Sobre a natureza da sua
dificuldade de comunicação. Sobre as fontes da imaginação e a importância da
experiência. E, também, sobre o tempo que viveu no Liceu Camões. Sobre o tempo
de decorreu entre a Queda do Muro de Berlim e o dia de amanhã. Sobre o
significado da ‘liberdade’ no mundo actual.)
A porta está aberta, mas
poucos a querem atravessar!
24.11.09
No Hospital Rainha Santa
Isabel faltam os auxiliares de limpeza - são necessários 30 minutos para que
apareça um auxiliar de limpeza na receção do serviço de urgência. Qual
inoportuna ‘instalação’, o vomitado expõe-se, ali, mesmo em frente do guichet
de receção!
Faltam os médicos. Os
doentes esperam impacientemente que algum se lembre deles. Só com muita
insistência, com muito “por favor” se consegue que o doente seja visto, ao fim
de oito horas. E se o doente é idoso, está sozinho e incapacitado de se mover e
de exigir os seus direitos, acaba por ficar num corredor à espera, à espera,
sem ser limpo nem alimentado.
Ontem foi assim mesmo. E
amanhã, como será?
21.11.09
Nada me importas,
País! seja meu amo
O Carlos ou o Zé
da T’resa… Amigos,
Que desgraça
nascer em Portugal!
António Nobre, 1989
Apetece concordar com
esta patética exclamação de quem, nas margens do Mondego, se via ostracizado e
encurralado por uma mentalidade mesquinha e interesseira que corroía a nação de
cima a baixo.
(Só a partida para o
estrangeiro, e o consequente desenraizamento, permite descobrir algumas das
virtudes do estéril solo pátrio que não da humana gente.)
Hoje, trabalhei todo o
dia na esperança de que amanhã tudo pudesse ser diferente. No entanto, às
20h00, o bombo soou mais uma vez: a suspeita que deveria calar-se de vez, não!…
alastra insidiosamente pelas paredes e deixa-me zonzo, a pensar que mais valia
ter nascido em terra onde já não existissem nem amos nem vassalos.
19.11.09
O laxismo vai fazendo o
seu caminho, baixando cada vez mais os níveis de exigência. Moralmente,
assiste-se a um esforço de ruptura e de reconfiguração da sociedade, colocando
em causa o essencial dos costumes.
(As comportas já começam
a ceder.)
Ao perdermos o sentido da
responsabilidade colectiva, questionamos permanentemente a autoridade e fugimos
da hierarquia como o diabo da cruz. Nivelamo-nos num horizonte igualitário,
cujos custos evitamos calcular.
(Os bolsos esvaziam-se
calculadamente.)
E esse nivelamento, onde
a diferença deixa de ser valorizada, acabará por nos verminar definitivamente,
tornando-nos pasto das aves de rapina que pairam sobre nós…
(É difícil viver na terra
que ainda nos acolhe…)
12.11.09
Apesar
de não ser da minha alçada…
Há mais de 30 anos que
andamos a refundar a educação sem que a sociedade reflicta esse esforço
reformista. Pelo contrário, a sociedade dos interesses apropriou-se do Estado e
não descansa enquanto o saque não estiver terminado.
Entretanto, a nova
ministra da educação promete que vamos, uma vez mais, voltar às origens, porque
o melhor para os novos “pioneiros” é construir um novo sistema educativo, mesmo
que a legislatura não chegue ao fim - “enquanto o pau vai-e-vem folgam as
costas”, isto é, enchem-se os bolsos…
Todos sabemos que
desenhar um modelo leva tempo, custa dinheiro e provoca cefalalgias
(enxaquecas), o que não parece afligir a senhora ministra Alçada, pois,
“alçada”, em bom português, é uma palavra tranquilizadora, sinónima de ‘competência”
… E no caso desta senhora, para além da ‘competência’, há nela um altivo ‘saber
fazer’ que não necessita sequer de receber instruções do (senhor) primeiro-ministro.
Haja paciência!
11.11.09
A
morte dos provérbios e não só…
“No dia de S. Martinho
vai à adega e prova o teu vinho.” / “Dia de S. Martinho fura
o teu pipinho.”
No caso dos adjetivos
possessivos, a morte é parcial – no lugar do velho adjetivo, alguém
colocou um determinante precedido de outro determinante “o
teu vinho” / “a tua castanha” …, mas ficou a noção de
‘posse’, em terra de gente ludibriada…
No caso do provérbio, a
situação é bem mais grave. Quem é que vai à adega provar o vinho
produzido por si? Quem é que é introduz o seu pipo no barril ou o
pipo no seu barril?
Afinal, quem é que ainda
conhece a relação entre o pipo e o barril?
Provavelmente, só o ladrão furtivo…
A morte dos provérbios é
determinada pelo declínio da vivência rural. De facto, comemos gulosamente a
castanha, substituímos a frugal ‘aguapé’ pela licorosa ‘jeropiga’, numa
liturgia de ricos ignaros sem necessidade de criar provérbios.
9.11.09
A indiferença e a má
vontade não explicam a falta de comparência.
A Escamões como fábrica
de eventos não pode esperar que o público cresça no seu interior. Desde as
comemorações dos 90 anos do edifício que defendo como estratégia: tudo fazer
para que alunos, professores e funcionários se envolvam numa “escola
participativa”, considerando-os agentes e não destinatários. Se esta estratégia
tivesse vingado, teríamos, hoje, uma “escola como cultura” e não um misto de
“escola como arena política” ou de “escola como burocracia”.
(A explicitação dos
conceitos utilizados no parágrafo anterior deve ser procurada na obra de Jorge
Adelino Costa, Imagens Organizacionais da Escola, Asa, 1996.)
Agora que se volta a
discutir o “projecto educativo” regressa a necessidade de esclarecer qual
é o modelo organizacional que a Escamões quer.
6.11.09
Acabo de tomar
conhecimento que o Exploratório Ciência Viva, no Parque Verde do Mondego,
Coimbra, promove, hoje, um encontro cujo tema é «Poesia & Ciência»
…
Tenho pena de não poder
estar presente, eu que procuro uma explicação para tanto alheamento da poesia
e, também, do texto dramático. Poucos são os alunos que procuram ler os nossos
poetas… continuam a vê-los como ‘loucos’… Preferem a ficção estrangeira, preferem
traduções manhosas… Não revelam apego (paixão) pela língua, não veem que o seu
futuro está inscrito nesse magma matricial…
Para atalhar qualquer
surto de ‘escherichia’ mais ou menos viajada, deixo aqui uma engenhosa e
divertida incursão de Vitorino Nemésio por esse espaço privilegiado em que
a ciência se dilui em verso:
Mandei fazer o eletrocardiogramas
À minha «Beatriz de mão
gelada»:
Mas fui eu, fui eu só que
fui à cama,
Eu, claro! não Beatriz,
nem Dante, eu nada!
«Mas única Beatriz
consoladora»
Então não era a Morte
reservada
A quem tem coração pela
vida fora
E por ele sobe em hélice
animada?
Em gráfico de sismo a
sina veio
Nessa foto cardíaca: – «Receio
Que morra, Daisy!» Não:
Que morra, Dolly!»
Pois eu não sou o
Fernando Pessoa
Ou Antero, nem em Inglês
seu nome soa,
Que minha Musa é
Escherichia Coli.
Escherichia ou Beatriz,
que importa o nome
Se ambos me soam
igualmente belos?
A prometida morte nos
consome
Como flor prometida nos
carpelos.
Assim tu, Escherichia, és
meu tormento
E noturno tremor, Beatriz
funérea!
Quem nasceu para casto
fingimento
Afinal pode amar uma
bactéria.
Pego em Escherichia ao
colo,
Musa micrónica, etérea,
Mas não já de éter
sulfúrico
Senão feminil bactéria.
Por ela todo estremeço
Em suor e ácido úrico!
in Limite de Idade
3.11.09
Entrei em Novembro com a
sensação de que me falta o tempo para a maior parte das tarefas. O meu ritmo de
trabalho vem diminuindo tal como as minhas certezas… De repente, sinto-me na
necessidade de debater com os meus alunos regras de cortesia, fórmulas de
tratamento, a diferença entre actos ilocutórios diretivos diretos e indiretos e
os efeitos da minha opção pelos últimos… Sinto que esta opção é fruto da crise
de autoridade que se instalou nos últimos anos e que os custos são muitos
elevados para aqueles que estão na sala para aprender.
Alguns alunos desejam
saber se falo deles neste blog. Subitamente, temem ver-se num palco que não
podem controlar verbal ou gestualmente. De verdade, é na sala de aula que
montam a arena, procurando bandarilhar o mestre de cerimónia ou, no pior dos
cenários, fazem como o touro que, na sua absoluta cegueira, ignora o forcado…
De qualquer modo, hoje,
dou espaço ao blog do G(onçalo), deixando ao leitor a possibilidade
de entrar no território de um jovem bem menos atormentado pelo curso dos
dias…
29.10.09
De acordo com a tradição,
o ensino tende a sobrepor-se à educação nas escolas secundárias. Muitos
docentes continuam a pensar que a educação é uma competência das famílias. No
entanto, num tempo em que a escolaridade obrigatória se estende até aos 18 anos
e as famílias se desagregam com a maior das facilidades, há cada vez mais
jovens que revelam dificuldades de integração.
Essas dificuldades são
expressas através do alheamento, do desinteresse, da «hiperatividade”
(erradamente, associada a um nível superior do domínio cognitivo), da
agressividade ou de uma autoestima, por vezes, tão elevada e cega que o
outro é visto como o «carrasco».
A vitimização é um dos
efeitos da frustração relacional que, construída de forma cumulativa, pode
desencadear situações de autodestruição ou, nos casos em que a relação afectiva
colapsou, pode gerar episódios de punição colectiva. A vítima decide eliminar
exemplarmente o carrasco, certa de que socialmente o seu nome verá o
reconhecimento que lhe permitirá integrar a galeria dos heróis.
(Os sinais da pulsão de
morte estão disponíveis. Infelizmente, continuamos ou a não ser capazes de os
ler ou a virar-lhes as costas. De facto, preferimos a tragédia ao drama.)
Alexandre Ventura é
licenciado em Ensino do Português e do Francês (pela UA) e mestre em Análise
Social e Administração Escolar (também pela UA). Em 2006, doutorou-se em
Ciências da Educação com uma tese sobre Avaliação e Inspeção das Escolas. Fez
todo o seu percurso académico na Universidade de Aveiro onde é professor
auxiliar (na carreira universitária, há as seguintes categorias: professor
auxiliar, professor associado, professor catedrático). Alexandre Ventura não
possui a agregação, mas tem uma vasta obra publicada sobre organizações
escolares e avaliação de escolas. Para além de professor auxiliar na UA,
Alexandre Ventura é consultor e formador nas áreas de avaliação de escolas e
administração escolar. Alexandre Ventura é uma personalidade muito próxima do
PS. Foi subinspetor geral da educação, em 2007, por proposta de Maria de Lurdes
Rodrigues. E colaborou ativamente com o Governo PS durante a presidência
portuguesa da União Europeia.
As linhas de acção estão
definidas: apostas na avaliação das unidades de
gestão e dos recursos humanos e no plano tecnológico da educação. À
Ministra competirá dar rosto às orientações do Primeiro-Ministro. Os sindicatos
irão ficar à porta.
27.10.09
Um
século de literatura no Liceu Camões
No presente ano letivo,
“Os Encontros ao fim da Tarde” mudaram de nome. Associando-nos à celebração dos
100 anos do edifício, decidimos alterar o horário para que professores e alunos
participem ativamente em cada uma das evocações de escritores que, na qualidade
de alunos e/ou professores, aprenderam / ensinaram nesta nobre instituição.
Hoje, honrando a memória
interventiva do antigo aluno do novíssimo edifício do Liceu Camões (1909-1911)
e a modernidade da escrita de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), o Professor
Fernando Cabral Martins (U.N.L.) proferiu, no Auditório Camões, uma serena e
bem estruturada palestra sobre a vida e obra do novelista e do poeta. A
professora da extinta Oficina de Expressão Dramática, Inês Nogueira,
entusiasmou a plateia com a sua declamação dos poemas SERRADURA e CARANGUEJOLA.
Talvez um dia, este Auditório possa testemunhar a representação de uma das três
peças escritas pelo Mário (com a colaboração dos amigos Tomás Cabreira Júnior e
Ponce de Leão) : O Vencido; A Amizade; A Alma.
Se o conseguirmos, atalharemos provavelmente algumas dificuldades reveladas
pelo jovem público que encheu a Sala.
Globalmente, a escuta foi
positiva, havendo mesmo muitos alunos que tiraram notas e outros que fizeram
perguntas. No entanto, há quem não tenha o sentido de oportunidade: mudança de
lugar no início da sessão; saída extemporânea da sala, perturbando a atenção do
auditório; saída da sala quando decorre a declamação de poemas; conversa de
pares; utilização do telemóvel para partilhar imagens e enviar SMS. Esperemos
que nas conferências sobre Urbano Tavares Rodrigues (Nov.)
e José Cardoso Pires (Dez.), a receção possa melhorar um
pouco, pois educar é limar a natural imperfeição…
25.10.09
À porta dos reis cansados
de governar um país ocupado...como se eles fossem de outro barro. Suseranos e
vassalos irmanados no mesmo desejo: a fuga.
Partimos para o exílio de
nós próprios, pequenas ilhas depois esquecidas na voragem das ondas. De
regresso, não lembramos mais a porta do mar. Ficamos deitados na areia ou à
sombra dos pinhais, à espera de uma nau por haver. E, na espera, sonhamos o
pendão perdido na maledicência do quotidiano.
24.10.09
O Trio Duarte Costa atuou
esta noite no Auditório Camões, no âmbito do centenário do edifício.
Obrigado. Não é todos os
dias que os antigos alunos nos oferecem gratuitamente a sua arte.
Obrigado, Isabel Almeida,
gostei de a ouvir e, sobretudo, apreciei a sua disponibilidade para aprender /atuar
com os mais velhos, a tranquilidade que emana do seu dedilhar das cordas.
22.10.09
Terá Sócrates sentido de
humor? Será Sócrates um cínico? Não é frequente um primeiro-ministro, na
escolha dos seus ministros, deixar-se condicionar pela ágora. No entanto, no
caso do ministro da educação, o nome da Dr.ª Alçada Isabel Alçada circulava há
meses na comunicação social, como certeza…
Quem é que a tornou
imprescindível? Inevitável? Apesar do que se diz da arrogância de Sócrates,
parece-me que a escolha não é de Sócrates, a não ser que Sócrates tenha
decidido pôr à prova a paciência dos portugueses… Um ministro da educação não
tem de ser um professor (filósofo ou não!) nem um escritor!
Um ministro da educação
tem de ser capaz de desenhar e aplicar um projecto educativo nacional a longo
prazo, liberto das teias de interesses que minam o terreno…
Para gerir os interesses,
basta um secretário de estado ou um diretor-geral.
Se a Dr.ª Isabel Alçada
não entender este princípio, tornar-se-á na cicuta de Sócrates.
21.10.09
Quem é que respeita a
formiga? Hoje, elogiei uma formiga, apesar de esta se ter deixado seduzir pelas
cigarras. Enfim, ninguém é perfeito!
Lembro-me que a ceifeira
de Fernando Pessoa cantava na sua alegre inconsciência. Pode parecer que a
ceifeira veste de cigarra, mas não: a ceifeira, na alma, não passa de uma
formiga mal remunerada que prefere a canseira à pasmaceira antecipada da morte…
19.10.09
R.E. continua convencido
que M.S. era um finório. Tudo em nome do semipresidencialismo. Afinal, o modelo
constitucional ainda não tinha sido experimentado. E ele, R.E., convenceu-se
que lhe competia tutelar o governo e, como M.S. não deixava, fundou um novo
partido. Em nome da nação! A bem de Portugal!
Nesta, como noutras
questões, convencemo-nos facilmente que temos razão. Iluminados, não temos pejo
em deturpar a História, não temos pejo em ajustar contas com quem não se pode
defender…
Andamos, desde João das
Regras, a construir e a legitimar heróis em nome das instituições. E sempre do
mesmo modo!
(E, também, se tivéssemos
optado pela verdade, pela legitimidade, há muito que não existiríamos como coletividade.)
17.10.09
participada
e vê-la abocanhada
desfolhada
embrutece.
Estar lá e ficar de fora…
vassalos devorados
rasurados
traídos no Livro da vida.
15.10.09
Do
Quiroptário à Pedreira do Galinha...
Foi no Quiroptário do
Carsoscópio do Alviela que os alunos do 10ºA e do 10ºQ da Escamões se sentiram,
no dia 14 de Outubro de 2009, mais envolvidos, sem esquecer a vertigem
proporcionada pelo simulador do Geodromo. E esse envolvimento foi de tal ordem
que sempre que surgia uma "aberta" na visita, os 47 jovens se
lançavam ao farnel, procurando imitar os morcegos que, de acordo com a
informação que lhes foi prestada, comem, em cada noite, metade do seu peso.
Desta vez, os olhos de
água tinham secado.
No monumento natural das
Pegadas de Dinossáurios da Serra de Aire. (Um misto de desconfiança e de
curiosidade.)
As Pegadas. Com dedo?
(O direito à
preservação da imagem.) O Dr. Granja explica e, neste caso, os alunos,
cansados, ouvem a história dos trilhos dos dinossáurios.
Uma paisagem bem
diferente daquela que existiria há 175 milhões de anos! E já que passámos por
aqui, aproveito para recomendar a leitura de LAPEDO UMA CRIANÇA NO VALE, de
João Aguiar...
13.10.09
Padre
António da freguesia da Assentis no Jogo Duplo?
Atónito, telefonei a
confirmar. Seria mesmo o Padre António? Confirmado. Nunca pensara vê-lo ali.
Mas porquê? Padre António não faz jogo duplo. Se ali estava é porque terá um
motivo muito forte... o contributo dos paroquianos para a côngrua deve
ter diminuído significativamente! Sinal dos tempos. Não creio que o
Padre António tenha cedido à vaidade nem ao desejo de partir para os mares do
Sul. Aqueles olhos não mentem: concentrado no objectivo, Padre António procura
10000 €, ciente que Deus há muito deixou de se ocupar dos problemas dos seus
presbíteros e que os paroquianos só se lembram de Santa Bárbara quando troveja.
Como eu o compreendo!
12.10.09
Apurados os resultados
das europeias, das legislativas e das autárquicas, é tempo de, nos próximos
quatros anos, governar com responsabilidade, cumprindo as promessas exequíveis.
As manobras políticas
devem cessar, dando espaço à clarificação das iniciativas para o
desenvolvimento, e no caso dos perdedores ao reajustamento e à preparação do
futuro.
E na circunstância seria
bom que o presente ocupasse o palco por inteiro.
(Claro está que já andam
por aí umas almas a assombrar qualquer decisão, a pôr em causa qualquer
escolha, a menorizar o sentido do voto dos portugueses.)
É a hora de desprezar os
intriguistas, os manipuladores, os derrotistas. É a hora de construir o
presente!
11.10.09
Jorge Freitas e Silva
Melo
Nasceu, de cesariana, em
Lisboa, a 7 de Agosto de 1948. Residiu inicialmente no andar onde mora
actualmente o primeiro-ministro José Sócrates, na rua Castilho. A mãe era
professora do ensino primário e o pai comerciante (?). Até aos 4 anos, viveu em
África. De regresso, foi viver para a rua da Artilharia 1 (bairro judeu, à
época), onde foi vizinho de Esther Mucznick e de Vera San Payo Lemos.
Entretanto, foi viver para um prédio situado perto da Igreja de S. Mamede, onde
também residia a atriz Manuela Porto.
Estudou nos Maristas,
onde quis fazer uma redação sobre o dirigente africano Lumumba, sendo suspenso por
três dias.
De 1963 a 1965, fez o 6º
e o 7º ano no Liceu Camões, tendo como professores, para além da própria irmã[1],
Mário Dionísio, João Bénard da Costa e Padre Fernando Belo. No entanto, de
acordo com um testemunho seu, também terá frequentado o Liceu no 5º ano (1962-1963),
pois referindo-se ao mestre Mário Dionísio, cita a resposta que ele
dava aos alunos que não conseguiam exprimir o seu pensamento: “só que
enquanto não souberes dizer, não sabes". O seu ensino era só isto: seja
nas aulas de Francês – até ao 5º ano – seja nas de Português – 6º e 7º –
ensinava “a saber dizer”. Por isso insistia – e se insistia! – na organização
do discurso, na estruturação do comentário, na propriedade dos termos, na ordem
da apresentação, na convenção da paginação...
Estudou na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa. Foi aluno do Padre Manuel Bernardes, com ele
tendo aprendido a ler / descobrir Les Mots et les Choses, de Michel
Foucault.
Em 1969 e 1970, estudou
cinema na London Film School. Mais tarde, estudou teatro em Berlim – estagiário[2] na
Schaubühne – com Peter Stein – e no Piccolo Teatro/ Scala de Milão – com
Giorgio Strehler.
Fundou e dirigiu, com
Luís Miguel Cintra, o Teatro da Cornucópia (1973/79). Fundou,
em 1995, a sociedade Artistas Unidos de que é diretor
artístico e onde se centra, actualmente, a sua atividade.
Produtor, realizador,
encenador, actor, argumentista, cronista, ensaísta, crítico e tradutor.
Recentemente, Jorge Silva Melo trouxe à cena a peça Seis Personagens à
Procura de um Autor, de Luigi Pirandello. E, também, é possível ver nas
salas de cinema a curta-metragem A FELICIDADE com Fernando
Lopes, Pedro Gil e Miguel Borges.
Na relação de Jorge Silva
Melo com a Escola Secundária de Camões, vale a pena recordar a produção
dos Artistas Unidos “O Amante de Ninguém” apresentada
ao público nas Caves do Liceu Camões, em Abril de 1999. E acrescente-se que
Jorge Silva Melo continua a inspirar-se em José Rodrigues Miguéis,
um autor nosso, demasiado esquecido.
[1] -
Doze anos mais velha. Hoje, JSM toma conta da irmã…
[2] -
Bolseiro da Gulbenkian.
Ontem, tive oportunidade
de ver o filme-documentário Le Bal des Actrices, de Maiwenn le
Besco. Um documentário sobre o universo seletivo e competitivo da vida das atrizes
na vida e na tela. O documentário acaba por virar ficção, levando à simulação
de revolta das atrizes convidadas, ao aperceberem-se que perderam o
protagonismo. A documentarista (esposa-mãe-amiga-fotógrafa-realizadora) acaba
por valorizar/questionar os múltiplos papéis que desempenha, deixando no ar uma
certa insatisfação. Uma ideia de precariedade… em tons de comédia musical
ligeira.
Este filme integra a 10ª
Festa do Cinema Francês. Os franceses continuam a apostar em nós.
E nós, como é
que explicamos a decadência da cultura e da língua francesa em Portugal? O que
é feito dos nós culturais e afectivos que, pelo menos, desde o
séc. XVIII, fomos desenvolvendo até 1974?
Desgraçadamente, este
apagamento da cultura e da língua francesa envolve as restantes línguas
românicas, gerando, por seu turno, o desvirtuamento da língua portuguesa.
Há dias em que chego a
pensar que os nossos linguistas e os nossos gramáticos são de raiz
anglo-saxónica!
9.10.09
Procuro notas biográficas
de individualidades várias e apercebo-me que, na maioria dos casos, estas notas
são lacunares. Nascemos e saltamos de imediato para a faculdade, amamos a referência
a formações obtidas no estrangeiro ou, pelo menos, sob a asa de algum guru
estrangeiro.
Emancipamo-nos,
libertando-nos da mãe e do pai, ocultando o nome do professor do ensino básico
ou secundário, a não ser que este, laureado por uma qualquer causa alheia ao
ensino nos possa abrir portas…
Fragmentos mais ou menos
extensos do passado evaporam-se, mistificando o leitor incauto…
Riscado o registo
detalhado da vida, vejo-me na ideia de que a biografia se tornou caprichosa, no
limite inverosímil, para não dizer mentirosa…
Descrentes, amamos, no entanto,
a hagiografia feita da suspensão da história.
(O hagiógrafo suspende
a História.)
Se, hoje, me dedicasse a
esse registo detalhado da vida, o dia seria feito de violência armada, de
violência verbal, de irresponsabilidade, de abuso de poder, de deturpação, de
manipulação…, mas, hoje, Obama viu ser-lhe atribuído o Prémio Nobel da
Paz…
6.10.09
A
imortalidade ao nosso alcance?
Nobel para a Telomerase –
a enzima da imortalidade celular
«Desde os anos 30 que se
reconhecia uma função especial das extremidades dos cromossomas. As pontas dos
cromossomas estavam protegidas por estruturas a que se deram o nome de telómeros.
Mas foi com a descoberta da estrutura do ADN que os telómeros saltaram para a
ribalta. O problema que surgiu era simples: se as enzimas que sintetizam o ADN
necessitam de uma cadeia molde pré-existente, o que acontece quando chegamos ao
fim do molde nos telómeros?»
Depois da teologia nos
assegurar a imortalidade, à condição da travessia …, de tempos a tempos, a
ciência promete-nos a morte da doença e a abolição do tempo, sem qualquer
ritual de passagem… Sempre a esperança de sermos os eleitos! Mas de quem?
No meu caso, registo
a fortuna destes novos lexemas: “telómero” e “Telomerase” …, e espero
que a fortuna seja boa, mas temo que os tempos vindouros sejam de
grande aborrecimento, tal como acontecia no paraíso antes da serpente se
enroscar no tronco da macieira…
4.10.09
No que me diz respeito,
ignoro se o velho se atirou ao mar. Receando que a minha aproximação o pudesse
assustar, afastei-me sorrateiramente, ficando, no entanto, à espera de
notícias, o que não deixa de revelar uma atitude perversa. Sabia, de antemão,
que qualquer queda do velho despertaria a atenção dos surfistas, gulosos da
onda...
Ao certo, não sei nada
daquele velho e por isso não arrisco continuar a narrativa, ciente de que se o
fizesse estaria a forjar uma 'estória' que, na melhor das hipóteses, teria como
narrador um dos surfistas.
3.10.09
Se
me abrir, o que é que achará?
“Se você abrir uma
pessoa, irá achar paisagens. Se me abrir, irá achar praias”. Agnès Varda
No filme “As Praias de
Agnès”, Varda revisita o passado (uma boa parte do séc.
XX) e mostra o envelhecimento do presente. Vemos numa encenação
/instalação: a infância, o período como fotógrafa, o casamento com Jacques
Demy, o feminismo, as viagens, a família e os filmes. Predomina sempre o
ponto de vista de Agnès. Quase que não há opinião. Sobre a ausência do ‘Maio de
68’, responde: - Não estava lá! Assim, cruelmente, porque o seu olhar nos
falta…
Um documentário a não
perder, apesar de uma ou outra erupção fálica…
(No meu caso, se me
abrirem, encontrarão apenas agulhas mais ou menos secas, algumas com cheiro a
mofo. Portanto, mais vale suspender o gesto.)
1.10.09
O primeiro contacto com
os jovens de 15 anos, acabados de entrar no 10º ano, mostra-me que Isabel
Alçada e Ana Magalhães já passaram à história. Uma Aventura… já não
preenche o imaginário destes alunos. Lêem pouco e, quando o fazem, preferem o
imaginário anglo-saxónico…
E se a leitura é marginal
na ocupação dos tempos livres, não é fácil perceber em que é que ocupam o
tempo. Se ainda veem televisão, não o confessam e, sobretudo, admitindo que
alguns ainda passam uma ou duas horas em frente do televisor, nada aprendem, em
termos linguísticos e históricos…
A leitura em voz alta
parece cansar estes jovens que não a veem como uma forma de partilhar ideias,
emoções. Lêem em surdina, de forma arrastada, como se o outro não existisse… e
o outro, o colega, não revela qualquer disponibilidade para ouvir, para
compreender as palavras, os enunciados, e por isso, na sala de aula, o diálogo
torna-se fútil, digressivo…
30.9.09
Como, actualmente, o
comentário político exige um profundo conhecimento dos bastidores, decidi
deixar de falar de quem nos governa. A opacidade desagrada-me. A intriga
palaciana aborrece-me e faz-me perder tempo. Mas isto não significa que passe a
pertencer ao grupo dos grandes indiferentes.
29.9.09
Pelos vistos o Presidente
tem mau perder. Nem uma palavra sobre os resultados do acto eleitoral do dia
27! De facto, o Presidente desejava uma vitória da ordem cavaquista.
Ofendido e incomodado,
lança a atoarda de que o PS o quer prejudicar e ao fazê-lo estará a prejudicar
“o supremo interesse do país”. A preleção de Cavaco ao país (ou aos
jornalistas?) enredou-se numa teia de grande inquisidor, vítima de uma cabala
libertina, mentirosa e indecorosa. E como os grandes inquisidores,
assegurou-nos através de um discurso sibilino que o cepo espera o pescoço de
Sócrates…
Cavaco aproveitou para
cavalgar a ideia daqueles que defendem que Sócrates terá de ser afastado do
poder o mais depressa possível. (E ele espera que continuem a ser muitos! De
verdade, conta com a união das oposições.)
Não sei se Sócrates tem
ou não telhados de vidro, mas desconfio que o Presidente (o cavaquismo) tudo
fará para minar a resistência física e psicológica do primeiro-ministro. Cavaco
diz querer ser o Presidente de todos os portugueses, mas não com o actual
secretário-geral do PS.
Começo a pensar que é
tempo do futuro governo ajudar o presidente a completar o seu mandato, de modo
que possa descansar tranquilo em terras de Boliqueime…
28.9.09
Vivemos num país que não
sabe calcular. Até ao dia 26 de Setembro, o PS não passava de um partido de
direita. Governava em ditadura, asfixiando a sociedade esclarecida e
manipulando o povo.
Desde ontem, o PS
passou a integrar a esquerda. O Povo vota sempre à esquerda! Uma
parte desse povo votou Sócrates, outra votou BE e o restante povo, genuíno,
votou CDU.
No entanto, 39 % da
população não votou e outros 39% dos que não são povo votou PSD e CDS.
O resultado global dá uma
vitória esmagadora dos que por alguma razão inefável não são povo (78%) sobre a
maioria de esquerda - povo des(unido) - (55%).
Sócrates vai ter de gerir
esta absurda aritmética, sabendo, de antemão, que não vale a pena fingir que é
povo… até porque o povo de esquerda tem horror a cuscos…
(Amanhã, Cavaco Silva
revelará ao país que como alguém o tem andado a espiar, de
futuro deixará de receber o 1º ministro no Palácio de Belém. E, como por
enquanto não quer afrontar a maioria de esquerda saída das últimas eleições,
passará a presidir mensalmente ao Conselho de Ministros, na esperança de que
Sócrates opte pela cicuta.)
27.9.09
A partir de amanhã,
começa um novo ciclo democrático. Governar em tempo de crise global exige muita
concertação e, sobretudo, disponibilidade dos grupos parlamentares para a
construção de soluções capazes de mobilizar a sociedade portuguesa, diminuindo
as desigualdades e promovendo a produção de riqueza cultural e material.
Qualquer estratégia de
bloqueio que venha a ser criada porá em causa o futuro da democracia e abrirá a
porta a soluções totalitárias.
Às 8 horas em ponto
compareci na mesa de voto nº 10, na Portela, Loures. E votei em consciência e
em liberdade! Mais diligente do que eu só a senhora presidente da Junta,
candidata à presidência da Câmara que, no seu passo decidido, acompanhava
idosos pontuais, mas que não sabiam em que mesa de voto deveriam colocar a “cruz”
… Por ela, nenhum deles deixaria de cumprir o seu desígnio!
E votei
desapaixonadamente, liberto do espírito de vingança que absorve a lucidez de
uns tantos paladinos da justiça e acaba por os atirar para becos-sem-saída.
E não se pensa mais
nisso. Para quê? Amanhã é outro dia e não tem que ser o último…
25.9.09
Considerando que a
abstenção poderá diminuir nestas eleições em relação às «europeias», resta
perceber de que lado estão as corporações que suportam o Estado, depois de
Sócrates as ter afrontado.
Dos partidos da oposição
nada há a esperar. Aos problemas e às propostas de resolução, nada disseram. E
tudo leva a crer que, na próxima 2ª feira, a mesma oposição faça de conta que
nada perdeu no dia 27 e, sobretudo, que o inimigo continua o mesmo.
Tal como o calor insiste
em ficar durante o mês de Setembro, também, em Outubro, o país continuará o
mesmo: contestatário, mas sem capacidade de resolução dos problemas que mais o
afligem.
23.9.09
A comunicação social
trocou o rigor informativo pela intoxicação da opinião pública. A verdade e a
mentira deixaram de estar em campos opostos, de tal modo caminham de braço dado
que acabam por criar um sentimento de desorientação que poderá comprometer o
futuro da democracia.
Os candidatos tornaram-se
inverosímeis e risíveis. O presidente da República não soube ou não quis
afastar-se dos interesses partidários, perdendo muita da autoridade que lhe era
reconhecida.
Externamente, o país
perde credibilidade, dilui-se em contradições partidárias que hipotecam a
legitimidade do Estado.
É no universo do
audiovisual que se travam as maiores batalhas. Hostes de comentadores mais ou
menos fanatizados manipulam / criam descaradamente factos, evidências…
A palavra, o gesto, a
imagem desconcertam a cada momento, introduzem a incerteza…, tornam-nos
desconfiados, descrentes, céticos, convidam-nos a ficar em casa.
Da abstenção falar-se-á
na noite de 27, mas é nestes dias que ela cresce…
21.9.09
Em
liberdade e em consciência...
«...e votamos em
liberdade e em consciência.», A. Souto, Crónica, Floresta
do Sul (blogue)
De acordo com Manuela
Ferreira Leite, não é bem assim. A liberdade já não é o que era no cavaquismo.
De facto, já nos esquecemos do que foi o cavaquismo, presumimo-lo enterrado,
mas ele anda por aí, à espreita da oportunidade. Creio mesmo que uma boa parte
da desgraça de Sócrates perante o cavaquismo se deve (a outra parte vem-lhe do
tempo em que ele, Sócrates, terá militado no PSD!). Finalmente, apesar do que
pensamos, não votamos em consciência, porque ao esquecermos o passado, a nossa
consciência perde verticalidade.
E por isso, é melhor não
esquecer as origens do Bloco de Esquerda. Lá dentro, há de tudo!
Anda por aí muita gente
que já não se recorda de como tudo começou. Atente-se em Mário Soares que não
se lembra de quando foi Presidente da República, de tal modo que não lhe
repugna uma coligação do PS com o BE. Quem diria? Se lembrasse do papel do
PC na sua eleição como presidente, talvez, hoje, apostasse numa coligação de
sinal menos radical. Mas se o fizesse, sabe-o bem, perderia o estatuto
de paladino da democracia, em 1974 e 1975.
(O melhor seria mesmo
sair de cena, mas, quando os interesses estão em jogo, não há ninguém que nos
faça abandonar o palco.)
20.9.09
Sobre a fina areia, ora
corre a lagoa para o mar, ora o mar invade a lagoa. O azul profundo vinca no
horizonte a serra.
À volta a lixeira; tudo é
clandestino; instalações precárias (pós-25 de Abril de 1974?) que se eternizam.
A poeira esmaga o pinhal. O povo também tem direito ao paraíso da Lagoa de
Albufeira! Até quando?
Tenho pena de não ter
observado se, de facto, António Lobo Antunes continua a ter razão: «A classe
SG-Filtro tinha o poster de Che Guevara na parede do quarto, nutria-se
espiritualmente de Reich e de revistas de decoração, não conseguia dormir sem
comprimidos e acampava aos fins de semana na Lagoa de Albufeira conspirando
acerca da criação de um núcleo de estudos marxistas.» Memória de
Elefante, 1979
No entanto, creio que as
campanhas antitabágicas nivelaram as marcas de cigarros e, sobretudo, penso que
a actual esquerda portuguesa desconhece Che Guevara, Reich ou Marx. A esquerda
portuguesa prefere os "gatos fedorentos" às ideologias "fedorentas".
A esquerda portuguesa só pensa em ocupar legal ou clandestinamente as
"lagoas" deste país, de preferência em condomínio fechado.
18.9.09
Quando adoecemos
tornamo-nos hipersensíveis ou a hipersensibilidade é um sintoma de doença?
Há muitos anos que esta
questão se me coloca quando assisto a manifestações de irritabilidade e de
agressividade mais ou menos violenta. Com o tempo, aprendi a tolerar
comportamentos que a maioria das pessoas é incapaz de suportar, porque, de
acordo com a minha experiência, a doença acaba por irromper, ceifando
inexplicavelmente (?) as vidas daqueles que maior dificuldade de autodomínio
manifestam.
No entanto, não posso
deixar de pensar que o autodomínio (o silêncio – a suspensão da voz, do gesto)
acabará, um dia, por ceder… e esse dia será já de morte…
(Nestes últimos dias, de
formas bem diferentes, a voz da morte soprou mais forte do que a voz da vida.)
17.9.09
«Se os ouvintes ouvem uma
coisa e veem outra, como se hão de converter?» Padre António Vieira, Sermão
da Sexagésima, 1654.
Do século XVII para o
séc. XXI nada mudou, apesar de ninguém nos querer converter ao socialismo ou à
social-democracia. Aliás, das ideologias já ninguém fala.
Fazendo tábua rasa do
passado, isto é, das acções passadas, os lideres exortam-nos a
ouvi-los, mesmo que nada digam, nada expliquem do que se propõem fazer.
De facto, sem doutrina,
sem acção e sem exemplo nada pode ser posto ao serviço da coletividade.
As
ideias desertaram da campanha…
A campanha eleitoral
avança, os discursos radicalizam-se e o esclarecimento dos cidadãos decresce.
Face ao desemprego
galopante, que medidas para o evitar?
O que é que se propõem
fazer para melhorar a qualidade dos empreendedores portugueses?
Que passos querem dar
para tornar a administração pública mais eficaz?
Como é que se propõem
avaliar o desempenho dos administradores, dos diretores, dos médicos, dos
enfermeiros, dos professores…?
Objetivamente, não
encontro respostas. Ninguém espera milagres!
Com a verdade, escondem a
mentira; com a naturalidade, cobrem a manipulação e o discurso oral de uns
tantos envergonha todos aqueles que não tiveram oportunidade de aprender a
língua portuguesa.
15.9.09
Ao Diretor(a) do Centro
de Saúde de Moscavide
Exmo.(a) Senhor(a) Diretor(a)
Começo por me apresentar:
chamo-me (…), e venho apresentar a minha reclamação relativamente às seguintes
situações:
1º: Tendo tido
necessidade de entrar no vosso site ou de enviar esta carta por email,
constatei que este Centro de Saúde não possui nem email (não disponível),
nem website (não disponível ou em atualização), o que é
infelizmente ainda um facto comum, mas sem dúvida lamentável, ainda mais
pertencendo este Centro ao distrito de Lisboa e ao Concelho de Loures, que
deveria estar apetrechado de todos estes meios. Deste modo, desconheço
completamente a quem me devo dirigir, se este Centro é dirigido por um diretor
ou diretora, a identificação deste ou desta, dados imprescindíveis em qualquer
instituição de saúde pública interessada em interagir com os seus utentes e em
conhecer as suas dificuldades e «queixas»;
2º: Tendo-se reformado a
minha médica de família, Dr.ª Teresa Resina, em Junho ou Julho, facto para o
que fui informada por acaso em Setembro, quando contactei por via telefónica
esse centro, responderam-me para meu espanto que me encontrava sem médico de
família, bem como todos os outros utentes, penso eu, por não haver nenhum
médico que a substituísse. Este é o meu motivo principal de queixa e de total
indignação, pois sabendo vossa excelência com certeza que aquela médica se ia
reformar, não entendo como não foi assegurada a sua substituição imediata, pois
ficaram sem médico de família mil e tal pessoas, no mínimo, entre as quais se
encontra grande maioria de idosos (a população de Moscavide e da Portela é
bastante envelhecida), e muitos doentes crónicos, que necessitam de prescrições
médicas de medicamentos indispensáveis para as suas doenças crónicas
(encontro-me nesse caso). Tendo tido necessidade de validar um atestado médico
passado pela minha médica psiquiatra, informaram-me que me podia dirigir a esse
Centro às dez horas, todos os dias. Assim o fiz na sexta-feira, dia onze de
Setembro, chegando às 8h 50m. Fui informada que nesse dia, o médico que
substituía a minha médica afinal vinha às 13horas, voltando eu a esse local às
11h 30m, uma hora e meia antes das inscrições. Informaram-me então que já não
havia vagas nesse dia, estando todos os utentes já lá sentados à espera das 13
horas. Desconhecia que era necessário vir tão cedo para tomar vez
(possivelmente às 6h da manhã, no mínimo) e não tive outro remédio se não
passar o fim-de-semana a pensar no «expediente» que havia de arranjar para
conseguir vaga na segunda-feira seguinte (levar cadeira para me sentar, várias
refeições para não passar fome, etc.). Devo lembrar que eu, tal como todos os
outros utentes, alguns com oitenta e tal anos, somos pessoas doentes, no meu
caso fragilizada por uma doença autoimune, que me provoca grandes prejuízos
físicos e psicológicos, tais como astenia, grande fadiga, entre outros. Sendo
vossa excelência médico ou médica, presumo, não lhe serão certamente
indiferentes todos estes factos, podendo-lhe assegurar que já presenciei muito
desespero e angústia de muitos utentes, por razões perfeitamente ridículas e
facilmente ultrapassáveis, no Centro que vossa excelência dirige. Pergunto-lhe
ainda: no distrito de Lisboa, capital do país, não há realmente médicos
interessados em ser médicos de família no Centro de Saúde de Moscavide, ou esse
facto deve-se a outros interesses e factores alheios aos interesses da Saúde
Pública? Ou simplesmente à intrínseca e histórica desorganização à boa maneira
portuguesa?
3º: O facto de terem
deixado de fazer marcações por via telefónica ou presencial para as consultas
com os médicos de família, dando como desculpa a Gripe A, obrigando todos
os utentes a irem para a fila às tantas da
madrugada, para se inscreverem por ordem de chegada, é uma medida absolutamente
desumana e não praticada em lado nenhum que se intitule por instituição a bem
da Saúde Pública. Desconheço se foi uma decisão da autoria de vossa excelência
ou se a ela foi obrigada, mas garanto-lhe que é uma medida péssima, não só para
a transmissão da Gripe A, como para os interesses dos utentes que deviam ser
preservados de tais condições de humilhação e de indignidade em pleno século
XXI.
4º: Em último lugar, peço
a vossa excelência que envide todos os esforços possíveis junto da Tutela, no
sentido de fazer compreender à Senhora Ministra da Saúde e a todos os que têm
algum poder para mudar o que está mal, a enormidade e
a humilhação para doentes e médicos que constitui a
actual legislação que obriga um doente (imaginemos um doente de psiquiatria ou
um doente com gripe A ou outra qualquer), a passar horas num Centro de Saúde
para o seu médico de família (se o tiver), lhe escrever a mesma coisa que está
no atestado passado por médicos idóneos e conhecedores dos doentes, num outro
papel, por um médico que não pode conhecer tão bem este doente e que não faz
mais do que perder o seu precioso tempo com esta terrível e incompreensível
medida 100% burocrática e inútil, que dura há cerca de nove meses. Chega
de atentar gravemente contra a saúde pública e contra os direitos humanos.
Espero que esta carta
venha a ser ao menos lida por vossa excelência e que seja objecto da sua
atenção, pois acredito à partida na bondade e boas intenções das pessoas, sejam
elas quais forem.
Informo, ainda, que
enviarei esta «carta aberta» para o Ministério da Saúde e, caso não venha a ter
uma resposta adequada, nem de uma instituição nem de outra, ver-me-ei obrigada
a seguir para outras instâncias superiores, até aos tribunais europeus, pois
trata-se, sem dúvida, de um caso de desrespeito dos direitos humanos
e de Saúde Pública em Portugal.
13.9.09
Enquanto a mentalidade nacionalista
se sobrepuser ao factor demográfico, dificilmente sairemos da periferia
económica, social e cultural para que nos empurramos, muito por efeito do
inquisidor que há séculos reside em nós.
A classe política
portuguesa ainda não percebeu o que significa fazer parte dos grandes espaços,
seja o da união europeia ou o da lusofonia. Com o 25 de Abril de 1974, Portugal
regressou às fronteiras de 1415 e por aí continua. Pensa pouco e pequeno.
Continua a ver o espanhol como manhoso e inimigo.
Ferreira Leite corporiza
este Portugal envergonhado, lembrando a Maria da Fonte perante as tropelias
higienizantes e fiscalistas do Costa Cabral, ao querer impor um “estado”, a um
país dominado por “juntas”.
Sócrates percebe que o
futuro pode ser diferente, acredita no futuro, sabe, em parte, o que é
necessário fazer. Falta-lhe, no entanto, a coragem para ser quem, de facto, é.
Falta-lhe a coragem para confessar os seus pecados (que parecem ser grandes e
nada abonatórios!). E, sobretudo, Sócrates ainda não percebeu que os
portugueses são magnânimos para quem pede perdão…
11.9.09
Um psiquiatra passa a um
doente um atestado médico que, por força de lei, deve ser confirmado pelo
médico de família, para que, no prazo legal, seja entregue no local de
trabalho.
Entretanto, o médico de
família reformou-se e o utente ficou sujeito a deslocar-se de madrugada ao
centro de saúde (Moscavide) sem qualquer garantia de ser atendido até ao final
da tarde por outro médico, sobretudo, agora, que os efeitos da gripe A começam
a sentir-se.
O relato corresponde ao
que se passou hoje com um utente do serviço nacional de saúde e com muitos
outros utentes. Neste centro de saúde nem sequer há entrega de senhas de
espera. Por exemplo, hoje, sexta-feira, o utente poderia receber uma senha que
evitasse que ele tivesse de deslocar-se, na 2ª feira, às 6 da manhã, para a
porta do centro de saúde, sem qualquer garantia de vir a ser atendido no
próprio dia ou no dia seguinte...
Não vou continuar o
relato, mas esta situação é desumana para qualquer cidadão e, sobretudo, para
quem se encontra debilitado e, frequentemente, tem um sistema imunológico
frágil.
Num contexto de risco
como o actual, a certificação de atestados médicos deve ser urgentemente
revista, para que os riscos de contaminação para o utente não aumentem e para
que os centros de saúde não fiquem completamente bloqueados.
Em síntese, no contexto
actual, tendo ficado sem médico de família, integrando um centro de saúde
bloqueado e desorganizado, como é que o doente, que tem um atestado médico
passado por um médico idóneo, pode, em tempo útil, sem os prejuízos descritos,
entregar um atestado "oficial" no seu posto de trabalho?
8.9.09
Há dias em que percebemos
que a dedicação deixa de fazer sentido. Não vale a pena contar a história
porque as peripécias que a constituem se tornaram absurdas. E quando a história
cessa é porque a barbárie está instalada. Lá, no fundo, começo a sentir-me como
Pilatos, com a vantagem de, ao lavar as mãos, estar eventualmente a contribuir
para afastar a gripe a, b, c, d ...
6.9.09
Cobrindo
a Megera, de olho na fera
Peça
de teatro infantil de rua, apresentada no Centro Cívico de Carnaxide, aborda de
forma didática, mas extremamente divertida, o problema das
doenças sexualmente transmissíveis (DTS)... Uma forma de abordar o problema da SIDA,
de modo simples e eficaz.
No entanto, apesar de o
público nada pagar, naquela tarde de Domingo, às 18 horas, a maioria dos
presentes no Centro Cívico preferiu ficar sentada nas esplanadas adjacentes, à
espera do Dinamarca-Portugal. E nem sequer se pode argumentar que os espetáculos
eram inconciliáveis!
4.9.09
Há em Portugal tantos
problemas que exigem resolução imediata ou, pelo menos, que necessitam de
análise cuidada para que as soluções não sejam indefinidamente adiadas, e nós o
que fazemos?
- Sentimo-nos asfixiados
na nossa liberdade porque finalmente alguém teve a coragem de pôr termo à
desinformação permanente, ao insulto e à arrogância de dois ou três desbocados…
( em nome da liberdade de expressão! Mas, afinal, o que é a liberdade?)
- Desenhamos
paulatinamente a árvore genealógica do chefe democraticamente eleito para, no
momento certo, atirarmos para a opinião pública (o eleitorado, no caso) mais um
ramo podre… Se o chefe é culpado de algum delito, porque é que não é feita
prova? Não deve ser falta de empenhamento dos investigadores! Uma qualquer
investigação não pode levar tanto tempo!
- Procuramos os melhores
argumentos jurídicos para, no caso de o povo oferecer uma maioria absoluta a
Sócrates ou a Leite, podermos democraticamente impugnar as
decisões do Governo… Que o povo vote, não abdique do seu direito desde que o
faça a nosso contento! Cada vez mais as minorias silenciam as
maiorias. Tudo porque às minorias não falta a convicção…
Não seria preferível, os
candidatos à governação deste triste país apresentarem as suas propostas,
debatendo-as à exaustação, para que o povo possa escolher?
Continuo sem saber quais
são as propostas dos candidatos, por exemplo, nos domínios da
educação e da justiça, sectores fundamentais para a resolução da maioria dos
problemas nacionais. E quando refiro propostas não me estou a
referir a intenções simpáticas e vagas.
3.9.09
Bénard da Costa na
recensão que fez do filme The Fountainhead (Vontade
Indómita) escreve: «E explica (King Vidor) que foi ao tempo da filmagem de
The Fountainhead que leu a obra de Jung e que os problemas do autorreconhecimento,
da dignidade interior e do poder e da divindade que cada homem traz em si se
lhe impuseram 'If you can't find God in the expression of man, then where do
you find it?'»
O arquiteto Howard
Roark, inspirado no célebre arquitecto americano Frank Lloy Wright, representa
todos aqueles que nascem para acrescentar ao mundo algo de novo, insubmissos ao
gosto e ao mando dos poderosos ou das turbas.
No meio da
actual luta política, é bem mais fácil descobrir mil Gay Wynand / Peter
Keating (símbolo do poder dos media, das corporações, em suma do
dirigismo das consciências) do que um Howard Roark. Porque será?
Este filme estreou em
Portugal a 17 de Abril de 1950 e algo me diz que ele terá ajudado Vergílio
Ferreira a enquistar-se contra a literatura oficial do Estado Novo, e sobretudo
contra o neorrealismo português.
2.9.09
Sócrates admite que errou
na questão dos professores. Leite quer rever o estatuto da carreira docente. Os
restantes pura e simplesmente revogam tudo. Compreende-se a posição do CDS, do
PC e do BE - a chefia do governo não passa de uma miragem.
Até aqui, tudo bem. Mas o
que é que Sócrates e Leite propõem para que os eleitores possam escolher?
NADA. Adiam a resposta na
esperança de, embolsado o voto, fazerem o que lhes der na gana.
É, agora, que precisamos
de respostas claras para que a contestação não desça à rua já em Novembro...
até porque, neste país, há quem não saiba fazer mais nada.
31.8.09
Quantos anos terá esta
oliveira? Apesar da doença que a esventra, persiste hirta e pronta a recomeçar
a cada momento... e dá fruto a quem o quiser colher. Conheço-a há mais de 50
anos, no entanto ela parece indiferente à minha presença, um pouco como o
elefante ignora a formiga...
A oliveira não avança nem
cai, a oliveira cresce e permanece. Mesmo que água lhe falte por uns tempos, a
oliveira nutre-se da seiva milenar que gera a vida.
Não conheço os
pensamentos da oliveira, mas já percebi que ela não se deixa afetar pela
propaganda nem tem qualquer tipo de inveja das minúsculas filhas que se
deixaram europeizar.
À oliveira
ninguém pede para votar, mas se isso acontecesse ela votaria no
arco-íris...
30.8.09
«A História é uma
tola.
Eu não posso abrir um
livro de História, que me não ria. Sobretudo as ponderações e adivinhações dos
historiadores acho-as de um cómico irresistível. O que sabem eles das causas,
dos motivos, do valor e importância de quase todos os factos que recontam?»
Almeida Garrett, Viagens
na minha Terra
Saramago, tal como
Garrett, reivindica para o romancista o privilégio de estar do lado da verdade,
desde que esta dê a devida atenção ao povo. Ao escritor, iluminado, cabe o
mesmo papel que ao cornaca. Montado no cachaço do elefante, o escritor, ora de
fato vistoso ora imundo, conduz o povo, não a Santarém ou a Viena, mas ao
cinismo e ao ceticismo. A ironia e, sobretudo, a paródia prazenteira dos
valores dominantes encarregam-se de nos libertar do peso da História.
No final da leitura,
fiquei como a Dona Catarina, ao tomar conhecimento da morte do elefante, Não
quis saber, embora não tenha desatado a chorar…
Agora, refeito do
impacto, parece-me que Saramago ficou a ganhar a Garrett. Pelo menos por uns
tempos, o Ministério da Educação pode declarar A Viagem do Elefante como
leitura obrigatória, pois não correrá o risco de cansar os alunos com erudição
(desnecessária!), seja ela histórica, política, económica, filosófica,
geográfica, literária… Afinal, quem é que tem estômago para ler As
Viagens na minha Terra?
«No fundo, há que
reconhecer que a história não é apenas seletiva, é também discriminatória, só
colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico
e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a
verdadeira explicação dos factos, das coisas, da pura realidade. Em verdade vos
direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista,
mentiroso.»
José Saramago, A
Viagem do Elefante
Quanto mais leio Saramago
mais me convenço que se ninguém tivesse inventado os milagres, ele estaria no
desemprego! Quanto à História, bem sabemos que o espírito do «revolucionário” é
reescrevê-la, ou, em alternativa, queimá-la. E quanto à Geografia, não vale a
pena esforçarmo-nos, o santo GPS resolve! E finalmente, sobre os clercs não
deixa de ser curiosa a nota (solta) na página 227: «Estas observações talvez
venham a ser consideradas desnecessárias pelos leitores mais interessados na
dinâmica do texto que em manifestações pretensamente solidárias…»
Ora em termos de dinâmica
do texto, fiquei finalmente a compreender a gramática do autor: utiliza a
mesmo do seu ilustríssimo antepassado: «tão rápido como santo antónio quando
usou a quarta dimensão para ir a lisboa salvar o pai da forca.»
E a propósito, em nome de
tratamento igual e solidário, é mesmo necessário eliminar os nomes
próprios?
Para terminar, e de
acordo com a profunda reflexão de Saramago de que não é possível
descrever uma paisagem com palavras, deixo aqui uma foto por identificar,
assegurando que não se trata do mar das rosas, a norte de
Barcelona.
24.8.09
Ontem, vi o filme CEDDO
(1977) de Ousbane Sembene (Senegal, 1923-2007). CEDDO
documenta o processo de colonização islâmica de um reino africano. Em nome do
Corão, o imã vai ao ponto de desapossar o rei do seu título, pois o termo
"rei" só poderia ser atribuído a Alá, tal como proíbe qualquer ícone
e ídolo. O processo de colonização recorre à eliminação de todos os sinais
de identidade do grupo e do indivíduo, terminando numa guerra santa (jiad)...
O filme tornou-se
interessante porque a literatura (e o cinema) que conheço raramente
abordam o papel do Islão na destruição das tradições africanas. Neste filme,
curiosamente o padre, representante da colonização cristã
católica, não passa de um lunático sem tropas, completamente ignorado,
apesar de ser colocado no mesmo plano do comerciante europeu, mais ou menos
anglo-saxónico, cujo papel é vender álcool (proibido pelo imã) e armas...
De certo modo, Ousbane
Sembene documenta a história da colonização: 1º Cristo, depois Maomé
que mantém o seu domínio até hoje, apesar da resistência, sobretudo,
feminina. De facto, a mulher africana, na maioria dos países continua a ser a
maior vítima da colonização islâmica... No essencial, ficou-me a pergunta: - O
que é que é mais importante o ser humano ou a religião?
23.8.09
Nota crítica
António José Silva
Carvalho (Vila do Conde, 1948) tem feito o favor de me oferecer os seus livros
a que, infelizmente, não tenho dado a atenção que merecem. Confesso que a leitura
nem sempre é fácil e nos tempos apressados que nos governam o mais fácil é
suspender a leitura…
Por coincidência ou
talvez não, decidi levar a bom porto a leitura de duas obras, à partida resistentes e
muito diferentes, mas que, afinal, talvez o não sejam: - Que Farei
Quando tudo Arde? (D. Quixote, 2001), de Lobo Antunes; Mediocridade (Aquário,
2000), de Silva Carvalho.
De facto, Silva Carvalho,
no poema “Insignificação”, datado de 6-10-2000, interroga-nos, à semelhança de
Sá de Miranda: / que se poderá viver quando a vida arde / e
arfa nos mimetismos da presença? / Tanto Silva Carvalho como Lobo
Antunes suspendem os géneros literários em que se inscrevem. Coincidências!
No caso do autor de Mediocridade,
a pretendida autoexclusão da poética de raiz greco-romana leva-o, em
compensação, à defesa de uma linguagem porética que define, no
texto ENTRE do seguinte modo: / A linguagem
porética é um discurso / entre, entre a poesia e a filosofia, / capaz por isso
de fazer interpenetrar / a abstração do pensamento tateante / no tecido
afectivo da expressão lírica. / É um espaço onde a temporalidade / ganha o
seu momento histórico, / não porque reflicta a ideia do mundo / ou de tempo
concebida pela política, / mas porque inventa um outro mundo / capaz
de fazer sugerir a presença / do mundo em que todos vivemos. /
Neste poema, Silva
Carvalho define de forma lapidar a sua insatisfação com a arte produzida no
Ocidente, uma arte serva de si própria ou engajada, incapaz de dar conta do
único “mundo em que vivemos” … e, para tal, procura na escrita a língua que
dê conta do fulgor do presente, isto é, da nossa fugaz presença no
mundo.
O arco temporal deste
livro decorre entre 6 de Julho de 2000 e 30 de Outubro de 2000. Numa 2ª parte,
podemos ler um conjunto de “Sonetos Imbecis”, situados entre 13-2-1984 e
15-5-1984. E, na 3ª parte, encontramos um lúcido ensaio sobre a escrita
porética de Fernando Pessoa / Alberto Caeiro: À Procura de uma Tradição
/ Alberto Caeiro, A Linguagem Porética e a Estética da Imperfeição.[1]
O título deste obra
– Mediocridade - voluntária ou
involuntariamente, expressa a reivindicação de reconhecer à língua uma
função mediadora, uma função de vida, num tempo em que para se abafar a memória
se acelera a morte das línguas: / A língua não pode ser um deserto /
nem desertar o mundo, a língua / arfa no sigilo de si mesma, árdua / tarefa
para quem procura sentir / a existência como coisa sensível. / (A Dor,
28-9-2000)
[1] -
Perante a quantidade de disparates ensinados aos portugueses sobre este
heterónimo, ainda vamos a tempo de corrigir o rumo, lendo o ensaio de Silva Carvalho. E
já agora porque não adoptar nas universidades um contrato de leitura que
permita aos nossos estudantes ter um efectivo conhecimento de tudo o que se
escreve no espaço da lusofonia, mesmo que os lentes não consigam dar conta do
recado? Se isso acontecesse, não teríamos um escritor como António (não é
Armando!) José Silva Carvalho, zangado com os seus contemporâneos porque estes
lhe passaram ao lado e não viram… NÃO O VIERAM VER.
É decisivo que os
portugueses votem em consciência. De acordo com a sua consciência e não em
função de argumentos catastrofistas ou de dilemas mais ou menos arcaicos.
Há muito tempo que a
esquerda e a direita morreram. Quem nos governa fá-lo em nome de interesses
mais ou menos ocultos... e o interesse tornou-se inimigo da necessidade!
Por isso, em 27 de
Setembro, cada português deve equacionar as suas necessidades e expressar o seu
pensamento, independentemente dos que prometem ou dos que nada prometem.
Prometer 'tout court'
pode ser a expressão de um sonho, mesmo que se torne irrealizável. Prometer
apenas o que se pode cumprir não ´corresponde a qualquer tipo de promessa, é
uma obrigação!
E convém ter presente que
os políticos não são nem melhores nem piores do que nós. São apenas o nosso
rosto...
E independentemente do
sentido do nosso voto, no dia 28 de Setembro, o rio seguirá o seu antiquíssimo
caminho...
22.8.09
Quando me falha (ou falha
à língua) o termo capaz de expressar o sentido, posso sempre recorrer à
catacrese... Resta, porém, saber se a falha justificativa do recurso à figura é
da língua ou minha...
Nos últimos dias, por
razões diferentes, atravessei dificilmente Sintra e percorri, surpreendido, a
parte histórica de Tomar. No primeiro caso, falhava o lugar para estacionar ou
para sentar (tudo era movimento apertado de gentes mais ou menos estrangeiras
ao lugar!); no 2º caso, edifícios e ruas em ruína pareciam apontar uma falha
prístina... Lugares por mim longamente vividos, mas que, por estes dias,
esperam a chegada não apenas de turistas, mas, sobretudo, de dirigentes
responsáveis para que as arribas soalheiras deste país não desabem
definitivamente...
Nem sempre falha a língua
ou o ser, nem sempre precisamos de recorrer à catacrese...
16.8.09
António Lobo
Antunes, Que farei quando tudo arde? (2001)
Finalmente, conclui a
leitura deste romance... De facto, agora que cheguei à página 637, sinto que
deveria recomeçar a leitura, sobretudo, querendo dizer algumas palavras sobre a
referida obra. Honestamente, talvez fosse melhor não o fazer, mas por respeito
pelo meu velho amigo Sá de Miranda que, consciente das fraquezas do Amor e da
Razão, decidiu trocar o Paço pela Arte. E por isso aqui o cito para que António
Lobo Antunes compreenda que o Destino o afastou definitivamente do Paço, onde o
senhor dava por nome Gil Vicente. (E nem a nova noiva lhe devolverá a Ilha para
sempre perdida!)
Desarrezoado amor, dentro
em meu peito,
tem guerra com a razão.
Amor, que jaz
i já de muitos dias,
manda e faz
tudo o que quer, a torto
e a direito.
Não espera razões, tudo é
despeito,
tudo soberba e força;
faz, desfaz,
sem respeito nenhum; e
quando em paz
cuidais que sois, então
tudo é desfeito.
Doutra parte, a Razão
tempos espia,
espia ocasiões de tarde
em tarde,
que ajunta o tempo; em
fim, vem o seu dia:
Então não tem lugar certo
onde aguarde
Amor; trata treições, que
não confia
nem dos seus. Que farei
quando tudo arde?
Sá de Miranda
Quando o relativismo
comportamental alastrava imperialmente, qual napalm, António Lobo Antunes
decidiu mergulhar nos estilhaços de uma família desestruturada, retratando-a de
forma fragmentada e, sobretudo, dando espaço a descontextualizadas, travestidas
e sangrentas vozes, para sempre incapazes de se libertarem de iniciáticas cenas
de traição e de despersonalização.
Fascinado por essa nova
realidade, o autor arrasta o leitor para um espaço circular e de non-sense,
criando um labirinto em que a palavra e a imagem se tornam no único fio
redentor. Quem procura acção situada no tempo e no espaço, quem procura
compreender as causas e os efeitos, quem, no limite, admite a peripécia como
factor de complexidade ou de equívoco, bem pode desistir da leitura…, aqui tudo
se traveste, tudo se interseciona num permanente fascínio pela enumeração
verbal, pela iteração verbal, pelo tom verbal, pelo ritmo verbal, pela imagem
verbal, pela metáfora luminosa, como se as coisas (a realidade) se limitassem a
flutuar em torno da voz do criador…
À sua maneira, A.L.
Antunes dá, neste romance (?) a mesma resposta que Sá de Miranda: Quando tudo
(as coisas, os padrões) entra em decadência, então, só a linguagem pode gerar
novos possíveis narrativos. Apenas a arte nos pode redimir, principalmente se porética…
E quando isso acontece, a leitura torna-se lenta e dolorosa…
16.8.09
Cansados dos heróis, os
habitantes de Hospital de Orbigo...
Uma Ponte com história vê
passar os peregrinos, a toda a hora...
História submersa, do
lado de cá da fronteira...
15.8.09
Para o caso de alguém
pensar que a caruma ardeu definitivamente neste verão, vou
plantar algumas fotografias de lugares que palmilhei em Agosto. À excepção do Gaudí
que tive o grato prazer de reencontrar ao serviço de um bispo seu conterrâneo…,
gastei os dias a percorrer a rota do românica …
Nota: O último piso
do museu dos caminhos já não é da responsabilidade de Gaudí.
Entretanto, alguém
arrancou as fotos...
1.8.09
Como
ainda não confirmei o "étimo" de Gerês"
A noite e a manhã foram
de chuva no primeiro de Agosto. Agora, nem sol nem chuva. A vila do Gerês
estava meio adormecida. O percurso do Campo do Gerês para a vila do Gerês é
magnífico. No entanto, o miniautocarro, apenas transportou dois passageiros à
ida e quatro à volta. De acordo com o motorista, este transporte tem pouca
procura. No ano passado, como era de borla, as pessoas atropelavam-se para nele
viajar. Este ano, que o preço é de 1,50 €, o miniautocarro circula vazio.
E antes que me esqueça,
já que o Torga (Miguel), dá nome a pousadas e restaurantes, lembro que
"torga" é nome local de "urze" lilás... por isso, em Torga,
havia, malgré lui, tanto cheiro a Semana Santa... e quanto a flores, vale a
pena acrescentar que por aqui as giestas (amarelas) predominam em Maio, sendo
conhecidas por "maias". De facto, n'Os Maias, Eça de Queiroz retrata
um país apinocado para o amor para, depois, murchar rapidamente...
E se a deriva me é
permitida, os nomes que nos dão à nascença marcam definitivamente o nosso
futuro. Adolfo Rocha preferiu ser "torga", apesar do festivo "Miguel"
e hoje dá nome albergarias e casas de pasto enquanto Eça de Queirós, apesar de
ignorado pelo pai, não vai além do prestigiado nome de "escola"...
tudo isto sem falar nas ruas e avenidas, claro!
31.7.09
Lisboetas em acção, sob a
batuta (deveria ser do Rui!) da Isabel.
Sobras maltratadas do
passado.
O amarelo da Serra,
embora rasteiro.
Ilusões!
A dedaleira é uma planta
medicinal que, se transformada em chá, mata.
Em Cortinhas é a sério!
Para tudo é preciso ter jeito! Calcorreei 9 quilómetros e acabei por encontrar
o que nos faz falta: atitude.
29.7.09
Foi necessário percorrer
402 Km para chegar aqui. Por entre o verde de Cerdeira não antevejo
qualquer explicação para o epíteto "amarela" - Serra Amarela. Talvez,
amanhã, consiga uma explicação plausível. No entanto, para quê esforçar-me se
há tanta gente por aí que não dá cavaco a ninguém!?
27.7.09
Hoje é igual a lugares:
da Portela de Loures / Sacavém ao Saldanha (Escamões / Fórum Picoas); do
Saldanha a Alcântara; de Alcântara à Galp da 2ª Circular; da 2ª circular ao
shopping de Torres Novas; do shopping ao Lar de S. Bento; do Lar de S. Bento a
Aveiras; de Aveiras a Mem Martins (Ouressa), passando por EscSanta Maria na
outrora Portela (Sintra); de Sintra a Mem Martins (Pera Doce); de Mem Martins
ao lado esquerdo da Rua do Ouro; da Rua do Ouro à Portela de Loures / Sacavém…
Na rádio, em fundo,
enquanto contemplo os vinhedos de Arruda, oiço o despique entre o PS e o PSD e
penso que as encostas verdejantes deste país são mais belas do que os políticos
do meu país – florescem alheias à crise e se o sol ou a chuva faltam não se
queixam. E reflito nos gestos ora de minha mãe ora de minha filha que,
imperturbáveis, vivem o enigma: da contemporaneidade do homem (vídeo
experimental). A seu modo, ambas se recusam a seguir um rumo diferente daquele
que sonharam, mesmo que o próximo movimento seja de queda no abismo…
E como se o dia
precisasse de ser legitimado reencontrei finalmente o (António José) Silva
Carvalho, ilustre desconhecido da cena literária, igual a si próprio,
desterrado no Algueirão que porfia em remar (“pescador” da Póvoa de Varzim ou
será de Vila do Conde?) contra a Mediocridade, edições Aquário:
O QUE É?
Que se poderá ainda
escrever / que não tenha sido escrito? / Tudo. Nada foi escrito para o que é, /
para o que está a acontecer. / A palavra de ontem é de ontem, / de outro lugar,
de outro tempo. / Não serve para sugerir o que agora / se está a passar, a
passagem / sem limites diluindo-se em consciência de um tempo e de um espaço. / (…)
11.07.2000
25.7.09
Em vez de apostar no
país, os partidos apostam cada vez mais em castas. Criam-se figurantes e
reconhece-lhes nobres lutas…, quando, na maioria dos casos, nem minorias representam.
Entram em cena endeusados, à medida dos plasmas a que acedemos por “fibra” … Ou
será por ráfia?
Qualquer português
consegue identificar meia dúzia dos problemas que nos atormentam e, também,
conseguirá apontar duas ou três soluções… No entanto, nenhum dos novos
portugueses sabe ir além do seu círculo de amigos (e de palavras), de
tão globais que são perderam a noção do local. E as melhores soluções são
locais. As soluções globais são sempre devastadoras!
Por uns tempos, vamos
ouvi-los perorar uma linguagem barroca, sedutora. Aos amigos dirão que o
orçamento é vasto e que a cultura não mais será ultrajada. Aos amigos
prometerão que “casar” voltará a significar “juntar casas” e que as leis que
contrariam os seus impulsos serão revogadas. Aos amigos imporão a lei do mais
forte, do mais mecânico… Aos amigos reafirmarão que não haverá mais limites nem
fronteiras… Aos amigos mostrarão que nada há de ignóbil em acumular riqueza…
E os restantes, a
maioria, nada poderão dizer, propor, impor… apenas lhes é exigido que,
inebriados, votem no dia certo, à hora certa, nos novos figurões.
23.7.09
Questionado pela TSF
sobre se admite voltar, o socialista Manuel Alegre respondeu:
«Vai haver outras eleições, quem sabe se amanhã não posso voltar».
De saída da Assembleia da
República, 34 anos depois de lá ter entrado, M.A. ameaça voltar. Porquê? E para
quê? Se a luta política ainda o seduz, então não deve abandonar barco em tempo
de tormenta.
Manuel Alegre
encontrou o inimigo no seu próprio terreno e em vez de o
enfrentar de dentro, prefere assistir à derrocada da sua própria casa – dar
mesmo um empurrãozinho! - para, depois, regressar em glória…
Este tipo de encenação
agrada a muita gente, mas defrauda a democracia, ao deixar no ar a suspeita de
que quando se quiser se pode alterar o rumo e salvar a nação.
Antero de Quental, se
pudesse regressar, voltaria a preferir o suicídio à espada de Dâmocles… e a
Manuel Alegre o que se pede é que regresse à POESIA…
21.7.09
Ultimamente, alguns
comentadores políticos têm vindo a insistir que a Constituição não deve
consignar qualquer reserva ideológica. E como primeiro argumento apontam que
numa democracia consolidada não há espaço para qualquer tipo de proibição ou de
sanção, porque o cidadão sabe, em cada momento, destrinçar o bem do mal. Muito
gostaria de aprovar este raciocínio, mas a história mostra à saciedade que os
grupos (as classes, as castas, as corporações, a arraia-miúda…) são facilmente
manipuláveis e, raramente, agem de forma racional e respeitadora dos direitos
humanos. Qualquer caudilho consegue cegar multidões e destruir, em pouco tempo,
tudo o que sustenta a democracia…
Num tempo de profunda
crise económica e ideológica, estes comentadores deveriam saber que este é um
momento muito perigoso. É um momento favorável à tirania. E deveriam saber que
um "bom" tirano é, por definição, um justiceiro que, ao sacrificar
dois ou três prevaricadores, rapidamente agrega uma horda sedenta de vingança.
O TERROR começa por amar
o livre-pensador para depois imolar os seus filhos…
E o terror habita em
muitos de nós que, almas sensíveis, pouco nos importamos se, pela nossa acção,
nos prestamos a sacrificar o primeiro que se atravessar no nosso caminho. A
Constituição, em nome da Humanidade, deve definir os limites e não os apagar
definitivamente, porque se o fizermos o tirano esmagar-nos-á…
19.7.09
«O regime de atenção
capitalista fundamenta-se numa alternância de concentração e distração
recíprocas, que desemboca, por um lado, em processos de intensificação da perceção
e, por outro, em zonas de anestesia e passividade hipnótica.» Eduardo Prado
Coelho, in O Fio da Modernidade, pág. 57, notícias editorial, nov.
2004
Registo, aqui, estas
palavras de EPC, quando tudo nos anestesia e convida à passividade hipnótica.
No meu caso, é o cérebro que recusa a anestesia e que se entretém a acordar-me
com pesadelos que mais ninguém sofre. Como, por exemplo, o daquele aluno que,
depois de ser esburgado de todos os seus haveres à entrada da sala de exame,
bruscamente interrompe o meu sono, deixando-me em pânico, pois sobre a mesa em
que resolve a prova avisto um manual e uma quantidade infindável de cadernos de
apontamentos... Imperturbável, o aluno continua a tarefa, avesso a qualquer
norma, a qualquer olhar… e eu debato-me, sem conseguir explicar como é que ele
furou a vigilância… E tudo isto aconteceu, depois de ter descido à praia do
Matadouro, onde adormeci, baixei a guarda, como me acontece sempre que desço ao
areal, o que raramente faço, compreendo agora, para evitar o outro lado do
capitalismo…isto é, a morte cerebral.
17.7.09
Independentemente das
vicissitudes da aplicação do modelo de avaliação do desempenho, não é aceitável
que na Administração Pública haja um grupo um grupo significativo de
funcionários que, a 31 de Dezembro de 2009, não tenham sido avaliados.
Não é aceitável que, no
Ministério da Educação, a diferenciação entre docentes possa ser estabelecida
pelas fórmulas de cálculo utilizadas. A última aplicação informática (ver Ficha
VII) altera a classificação final atribuída ao docente, se utilizada… e, por
outro lado, dificulta a tarefa da Comissão de Coordenação de Avaliação ao
aplicar as quotas.
Não é aceitável que a
OCDE ao elaborar o estudo sobre a “Avaliação de Professores em Portugal”
tenha ignorado, por inteiro, o papel atribuído aos Centros de Formação…
Não é aceitável que, no
referido relatório, o perfil do avaliador interno seja mais
exigente do que o do avaliador externo. E também não é aceitável
que se queira apostar em lideranças pedagógicas fortes, quando no processo de
selecção e de nomeação esse requisito é desprezado…
E também não é aceitável
que ao «atribuir um papel proeminente à Inspeção Geral de Educação»,
nada seja dito sobre o perfil dos inspetores que descerão ao “terreno” …
E não é aceitável que
haja ajustamentos diários, ao sabor dos caprichos políticos,
sindicais e de lideranças mais ou menos bem formadas…
Os docentes necessitam de
alguma paz de espírito para levar a cabo a razão da sua existência: ensinar a
aprender – educar, no sentido nobre do termo…
E tudo o que tem
acontecido nestes últimos anos evidencia uma enorme falta de educação!
14.7.09
Finalmente, deixei de ser
presidente de um Conselho Pedagógico. E já é a 2ª vez que isto me acontece. Nas
palavras simpáticas de colegas de jornada e da nova Direcção: cumpri. Mas cumpri
o quê? Será que a Escola se tornou mais participativa?
A resposta será dada em
Setembro / Outubro. Se a Escola conseguir executar o programa de celebração dos
100 anos do edifício tendo como dinamizadores (e participantes) os seus
professores e os seus alunos, então, poderei dizer: cumpri.
O programa comemorativo e
plano anual de atividades devem fundir-se num documento único (projecto) que
convoque o passado e o presente com o olhar no futuro, que provoque o
encontro dos antigos alunos e dos antigos professores com os actuais…
Dessa mobilização poderá resultar o reforço da consciência identitária…
Num tempo em que cada vez
mais se aposta no “homem tecnológico”, dimensão, sem dúvida, imprescindível, a Escamões
ainda está em condições de apostar no “homem humanista”. Se quisermos…
12.7.09
Hoje, li uma dúzia de atas…
na demanda de um balanço que acaba por ser ele próprio um
constrangimento. Detrás da enunciação o dispêndio do tempo, da vida,
ergue-se sorrateiramente: - Tanto tempo para nada!? Uma lista
interminável de actos preenche o vazio da folha, dá-lhe vida. E a mim, traz-me
cansaço, perturbação: – Devo ser simpático? Arrasador? Sentir-me gratificado?
Traído?…
As respostas deixam de me
interessar, e entro por outras páginas. Páginas de cumplicidade de Mário
Sá Carneiro e de Ponce de Leão, autores de “A Alma”,
onde esbarro na personagem Jorge que responde a Martim: «Nada que é tudo. /
E é tudo porque a vida é constituída afinal por uma série de nadas. E logo
o Ulisses de Fernando Pessoa me acena: O mito é o
nada que é tudo.
E fito nas galerias do
Liceu Camões, três vultos que fogem da sala 41, descem precipitadamente a
escada, e correm para o Clube Estefânia porque não podem
perder a primeira temporada da Sociedade de Amadores Dramáticos: Sá-Carneiro, Ponce
de Leão e Tomás Cabreira Júnior.
No balanço de 2008/2009,
não há sombra nem de AMIZADE (1912) nem de A ALMA (1913). E é pena!
11.7.09
O pedagogo Raul
Guerreiro, do Conselho Federal Parental Waldorf, na Alemanha, publicou um
artigo na Revista Ibero-Americana de Educación em que dá o ‘Magalhães como
exemplo dos "perigos da robotização da educação". No ensaio, o
investigador diz que a iniciativa, "anunciada como 'Revolução para a
Educação em Portugal" reduz-se a "uma jogada promocional para
acompanhar um big business internacional", e cita estudos que apontam
riscos do uso de computadores na primeira infância.
Não sei (ou talvez não
queira) determinar os riscos do uso de computadores na primeira infância, na
adolescência ou na vida adulta. Sei, no entanto, que o Ministério da Educação
faz tudo às avessas: primeiro, distribui os computadores aos alunos e, depois,
exige que os professores façam prova das suas competências digitais (portaria
nº 731/2009, de 7 de Julho). Há muito que o M. E. deveria ter definido e
lançado um programa de formação de professores, tornando obrigatória a dimensão
digital. Qual é a entidade formadora de professores deste país que aborda, de
forma integrada, a dimensão conteudística com a dimensão digital?
Por outro lado, de nada
serve o computador ou a competência digital docente, se as nossas escolas
continuam sem as infraestruturas adequadas, correndo-se mesmo o risco de um
aluno, no ensino básico, aprender a utilizar as ferramentas informáticas e,
posteriormente, ao chegar ao ensino secundário, descobrir que a escola não
disponibiliza de forma generalizada acesso à internet nem os professores
recorrem aos computadores nos processos de ensino e aprendizagem. No fundo,
este aluno terá de regressar à escola dos avós!
Não é que o M.E. não
saiba que estes problemas existem. Sabe. Só que as soluções não obedecem a um
programa de acção bem hierarquizado, que deverá dar prioridade à formação de
professores (e não formadores!) e à resolução dos problemas concretos de cada escola
(o M.E. não conhece as suas escolas!), em vez de apostar na propaganda, na
culpabilização de pais e docentes, e, sobretudo, em despesas faraónicas (parque
escolar) que, face ao fracasso das duas prioridades apontadas, só servirá para
endividar o país e engordar uns tantos…
A educação só vale a pena
se for para Hoje. Amanhã, é tarde.´
7.7.09
Espero que me desculpem a
impropriedade… Como o “post” intitulado O Auditório não ficou
gravado em pergaminho, perdi-lhe o rasto…, deixando involuntariamente o
comentário do amigo A.S. acoplado a Um voto de confiança.
Afinal, ainda não é desta
que me poderei diluir na paisagem. Creio que Freud me terá ensinado que na
abordagem dos fenómenos a evidência nem sempre é segura. Todas as coisas
humanas têm duas faces: a manifesta e a latente.
De manhã, estava
convencido que a decisão seria primária, determinada pela evidência recente.
Afinal o que estava latente era bem diferente: o desejo de consenso, de
conciliação, de diálogo – de mediação.
(E eu que já me esquecera
que há uma dúzia de anos fui certificado como mediador cultural!)
3.7.09
O gesto marialva do
Manuel Pinho resume a ambivalência do génio português. Sempre que damos um
passo, desnudamos a retaguarda. E porquê?
Porque prezamos a
hipocrisia: Rimos a bandeiras despregadas do gesto e castigamos o bobo… Ora, se
esta nação fosse sábia, o bobo, em vez de ser sacrificado, seria protegido…
Sócrates revelou mais uma
vez que não é um homem de Estado. Não lhe faltaram, nestes quatro anos, motivos
sérios para demitir ministros… No entanto, sempre que optou pela demissão de
algum deles, fê-lo para agradar à plateia.
Uma plateia alarve para
quem 100 mil professores na rua valem menos do que um par de bandarilhas…
De facto, a Sócrates
falta capacidade para acompanhar e analisar o trabalho dos seus ministros,
vendo, por exemplo, que nos Ministérios da Educação, da Agricultura e da
Justiça há equipas de burocratas que, ao criarem permanente desregulação,
sabotam permanentemente os objectivos das necessárias reformas. Prefere a arena
(o palco) e, assim, expõe a sua enorme fragilidade…
2.7.09
Imagens iniciais, cada
vez mais terminais. Um mundo que se abriu e que se vai fechando. Mais do que as
palavras, na retina residem imagens implacáveis, porque situam
irremediavelmente. Aqui, já só residem estranhos, embora consiga descortinar
uma figueira por baixo da oliveira. E quanto à palmeira, está assente que por
ali vai ficar, ela que já não se lembra da nogueira invasiva que fechava a
curva do outrora caminho.
29.6.09
Apesar da cor que
envaidece, a raiz é impercetível. Qualquer golpe de vento a seca e humilha. À
sombra do arbusto, floresce enquanto a duna a não sufoca.
27.6.09
A atividade principal da
classe política e seus satélites é a guerrilha. O Governo deixou de ter um rumo
e mais não faz do que tentar responder à sabotagem permanente… E como se sabe,
o único objectivo dos múltiplos grupos de guerrilheiros é a conquista do poder,
mesmo que isso signifique a destruição total das poucas forças produtivas…
Não se percebe para que
serviu a maioria absoluta, se qualquer franco-atirador pode perturbar a
governação e intoxicar a opinião pública, tornando-a volátil e caprichosa.
Em democracia, os
governos eleitos por sufrágio universal deveriam governar até ao último dia do
seu mandato… e os eleitores, em novas eleições democráticas, diriam se os
eleitos tinham estado à altura dos acontecimentos ou não…
22.6.09
Não o meu, que, incapaz
de acompanhar as exigências do tempo que corre, se torna cada vez mais passado
inventado, porque o outro, o perfeito, se recusa a sair da toca…
Agora, quando me prometem
um futuro radioso, desconfio. Se não vejo o projecto bem delineado, fico
inquieto, não por mim, mas por meus filhos, pelos teus filhos e, sobretudo,
pelos filhos que desconheço… Estes a que ninguém dá atenção e em nome dos quais
se fazem as revoluções…
Hoje, a voz promissora de
vários militantes ecoa no meu cérebro dividido: um leve arrebatamento esmorece
à falta de projecto que dê rosto aos filhos que desconheço…
Daqui em diante, vou
estar mais atento a esses filhos que bem poderiam ser meus… esse é o meu
futuro!
Quanto ao resto, vou
distanciar-me para que a insustentável leveza do ser não me atraiçoe…
20.6.09
Quando o calor
ataca, sobre a relva artificial, anima-se o bairro…, mostram-se as artes
performativas: os audiomenus despertam a atenção. Toma-se, na
esplanada ou na relva, uma bebida ou uma refeição ligeira, e, simultaneamente,
ouve-se uma peça radiofónica, à escolha. E eu que procurava reler O
Render dos Heróis de José Cardoso Pires, ia pensando no modo como uma
peça radiofónica poderia dar conta daquele «luar negro» que assombrava
um povo dos confins do Alto Minho, e do «pano negro» que, ao abrir, dava
conta da montanha e do vale, do terreiro e do cruzeiro, das «ferramentas de
trabalho» apreendidas ao povo do Vilar. E sobretudo daquele Cego que fingia
desconhecer a sua imagem e respectiva sombra, e que recitava a «Ladainha dos
Bons Entendimentos». Talvez no próximo ano letivo eu recorra ao audiomenu para
que os meus alunos se deixem penetrar pelo discurso cénico (mas como?)
que exige do leitor um verdadeiro esforço de leitura e de interpretação da
História ((revoltada Maria da Fonte/ Salazarismo do início dos anos 60). Bem
sei que alguns pensam que basta ler um resumo, e porque não sob audiomenu? O
único inconveniente seria a obesidade. Ali ao
lado, na sala de ensaios do Maria Matos, Tiago Rodrigues experimentou,
recorrendo à “dobragem” de vozes, sobrepor às palavras de um telejornal, outras
palavras, procurando parodiar os acontecimentos do dia. O desempenho foi bom,
mas tudo depende da qualidade do texto sobreposto.
Tudo isto num dia, em que
percorri por três vezes o Parque de Saúde Mental, à procura do pavilhão 28.
Paradoxalmente, não senti o calor infernal da Avenida de Roma, mas percebi que
é difícil cumprir o código da estrada naquele labirinto e, também, reforcei a
ideia de que a educação e a cultura, em Portugal, são apenas para gente
abastada ou subsidiada. Como se compreende não me estou a referir ao Toni Carreira
que conseguiu entupir com autocarros de longo curso metade da Avenida Gago
Coutinho. Talvez o Mário de Carvalho por lá tenha passado (pela avenida) e
tenha decidido atualizar A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho!
16.6.09
"- Ingenuidade?
-Talvez."
Constâncio, homem de boa
memória e raciocínio jesuítico, admite que talvez tenha sido ingénuo. E porquê?
Porque nas organizações
actuais predominam os laços ideológicos, interpartidários, locais, familiares e
de casta. Aceites na "família", beneficiamos da solidariedade do
"sangue", tornamo-nos impunes.
Constâncio retrata na
perfeição como as unidades orgânicas do Estado funcionam sem efectiva avaliação
e regulação externas. As "famílias" que nos governam tornam-se
autocráticas e fogem da acribia como o diabo da cruz.
Entretanto, o povo volta
as costas ao castelo e nem percebe que nem o chão que pisa é seu. Por isso, ou
entra para uma "família" ou é extinto...
A resignação e a
abstenção nunca foram boa companhia. É preciso ser cada vez mais exigente com
quem não tem pejo em parecer "ingénuo" e, ao mesmo tempo, recorre ao
ataque soez...
13.6.09
Sem
sair do país de Sócrates...
Na barragem do Maranhão,
este sábado traz-me ao pensamento (à falsa memória) os impressionistas que
trocavam Paris pelos recantos bucólicos dos rios e dos lagos franceses.
Alheados da realidade envolvente, acampavam sobre relvados viçosos e penhascos
erotizados. Ao fim da tarde, regressavam taciturnos e mais obesos, mas disso
não reza a pintura do século XIX. Hoje, não vi nem pintor nem paleta, vi apenas
quadros, em alguns casos, cenas do quotidiano que sintomaticamente completavam
o filme que vi ontem "Almoço de 15 de Agosto".
O argumento não era muito
diferente. Só mudava o cenário e alguns detalhes (franceses!): os velhos
satisfaziam o desejo de ser bons anfitriões desde que os não contrariassem; o
filho já perdera pai e mãe (sorte a nossa!), ouvia-os atentamente e servia-os
sob o toldo da autocaravana.
De política, não se ouviu
falar. Apenas, o Correio da Manhã derramado sobre uma mesa de café. Rádio e
televisão só com recurso a parabólica. Supermercado de stock esgotado. Piscina
seca apesar da canícula. De diferente, as formigas pretas e enormes que insistem
em trepar corpos desnudos... e, em particular, uma lição de lavagem de loiça
divina... Quando um homem decide ensinar outro homem!
11.6.09
Sócrates: «Sempre pensei que os oradores e os sofistas são os únicos
que não têm direito a censurar aqueles que educam pelo facto de estes serem
maus para eles, porque, acusando-os, se acusam a si próprios de não lhes ter
prestado os serviços que dizem ter prestado. Não será assim?», Platão,
Górgias
As celebrações do 10 de
Junho voltaram a servir para acusar os portugueses de descrença e de
indiferença, na linguagem simples de Platão, de serem maus portugueses. Nem
todos que também há bons portugueses, embora quase sempre aposentados!
Certamente que os condecorados pertencem ao escol da Pátria: ex-ministros,
militares ilustres, professores universitários, de preferência catedráticos, um
outro artista mais ou menos desconhecido do povo, vários empresários, um
capelão – no essencial, representantes de corporações e de minorias
esclarecidas.
Desta vez, Cavaco assumiu
que os políticos são maus portugueses e, ao mesmo tempo, saltou fora da
barcaça, apresentando-se limpo de qualquer mau serviço prestado à Pátria.
Preferiu deixar o recado que também ele merece ser condecorado, ele que insiste
em insinuar na praça pública o que deveria debater em privado com Sócrates e
Gama.
Do passado brota o bem,
do presente jorra o mal.
António Barreto, por seu
lado, exortou-nos, qual heterónimo pessoano, a descobrir bons exemplos já não
no passado, mas, sim, no presente! Creio, no entanto, que a emoção de
participar no evento o impediu de ver a bandeja de condecorados servida pelo
presidente. Todos bons exemplos! O orador bem poderia ter aproveitado para
contar a história de alguns dos agraciados.
Há muito que nos contam
"estórias" de proveito e exemplo e Barreto esteve próximo, mas falhou
o momento.
8.6.09
Ao visitar o passado,
deixo-me surpreender com as histórias que me contam sobre comportamentos
antigos de protagonistas do presente. Começo a acreditar em Alfred Adler,
discípulo de Freud, que defendia que dificilmente conseguimos alterar o
nosso estilo de vida. Creio que Alfred Adler argumentava, perante a
dimensão da maldade humana, que aos cinco anos de idade o nosso futuro já está
traçado.
Há anos que arrumei o
Alfred Adler na estante, um pouco zangado com a descrença dele no poder da
educação… e, sobretudo, com a legitimação da irresponsabilidade do ser humano.
No essencial, a educação só servia quem estava disponível para a acolher. Os outros,
os rebeldes, mesmo que superiormente inteligentes, estavam-se borrifando para o
esforço dos mestres…
Hoje, o J.M. contou-me
umas histórias com cerca de 20 anos sobre uns conhecidos nossos que me
obrigaram a relembrar o Alfred Adler. No essencial, trata-se da história de
alguém (no plural) que tendo um dever para cumprir o olvida reiteradamente, de
alguém capaz, para proteger os seus correligionários, de desrespeitar o
princípio da equidade…
Se ao longo de todos
estes anos eu tivesse sido fiel a Alfred Adler, hoje não teria sido
surpreendido.
No entanto, tal como
ainda não será hoje que vou verificar se a ideia que atribui a Alfred Adler é,
de facto dele, também a surpresa confessada não passa de uma falácia…
Entretanto, este meu suposto mestre, envergonhado, escondeu-se de mim…
7.6.09
A obstinação autista não
tem futuro. Infelizmente, a oposição já começou a deitar as garras de fora.
Perante os que não saíram de casa, os eleitos cantam vitória, apesar de não
passar de uma vitória de Pirro.
Um país em que mais de
60% dos cidadãos não vota, é um país que não tem futuro. E o mesmo se deve
dizer da União Europeia. O novo mapa político europeu é ainda mais gravoso que
o anterior.
Se o PS percebesse a
mensagem do dia de hoje, apresentava a demissão amanhã: substituía o choque
tecnológico pelo choque eleitoral. Mas não. Vai apostar no papão da ingovernabilidade.
Os comentadores já estão no terreno!
O país continuará a
perder! A vingança e a inveja ganham terreno.
6.6.09
No CARUMA reflete-se
quase sempre e, hoje, fiquei sem tema porque devo fazê-lo silenciosamente, sem
dizer nada a ninguém. O voto é secreto!
Arrisco, todavia, o
seguinte: Hoje, que ameaça chover, há quem durma até mais tarde; há quem tenha
decidido que não vale a pena ir à praia; há quem fique à espera do
Albânia-Portugal e que, caso Portugal ganhe, se sinta definitivamente vingado
das tropelias de que tem sido vítima nos últimos anos. E esqueceremos, por
instantes, a crise - as causas da decadência...
Dá jeito esquecer, não
pensar na nossa responsabilidade: quantas vezes não fomos frontais! quantas
vezes adiámos decisões antipáticas! quantas vezes mergulhámos na ambiguidade!
quantas vezes preferimos o compadrio! quantas vezes minámos o trabalho alheio!
quantas vezes cavalgámos os pequenos poderes (prazeres)! quantas vezes! quantas
vezes...
Depois deste tempo de
silêncio (meditação), seria de esperar que, na próxima segunda-feira, o céu
surgisse limpo... No entanto, as promessas são de chuva - talvez Portugal tenha
ganho à Albânia! Quanto ao resto, não sei. Ou talvez saiba e não queira dizer.
Para quê responder a perguntas que nunca me chegarão a ser formuladas!
O medo que nós temos de
fazer perguntas resulta de nos recusarmos a ouvir as respostas. E ninguém quer
ir além de si próprio! Temos medo do outro e, embora não o queiramos confessar,
suspendemos a palavra...
5.6.09
Numa
guerra aberta aos ortopoemas
Arménio Vieira (Arménio
Adroaldo Vieira e Silva) acaba de ganhar o Prémio Camões 2009.
Nasceu na cidade da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, a 29.1.1941.
A escolha não deixa de
ser surpreendente. Para assinalar a polémica opção do Júri, presidido pela
professora Helena Buescu, transcrevo a seguinte promessa de mudança de poética
(Poesias, 1984):
Prefácio a um livro
futuro
Em Dezembro reparei na
ortografia
Da velha poesia
utilitária
E vi que em Janeiro
Podia começar a dispor as
pedras do alfabeto
Em sentido oposto ao que
até aí
Não ultrapassa os limites
De uma nojenta
gastronomia poética
Risquei de A a Z os
versos úteis
E, numa guerra aberta aos
ortopoemas,
Decidi que ser poeta a
sério
Implicava uma espécie de
suicídio
Sobre os meus poemas
transitivos
Tracei uma grande cruz
vermelha.
2.6.09
De manhã, acossado,
recusei um precipitado abaixo-assinado. Recuso sempre... a solidariedade, para
mim, manifesta-se de outro modo. Já não espero compreensão!
A meio da manhã,
recomendei a leitura das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares,
de Antero de Quental. Há 35 anos que faço esta recomendação, sem grande
sucesso. Mas continuo...
À tarde, procurei impedir
que a fogueira alastrasse. Procuro sempre, desde o dia em que pirómano
improvisado me transformei em bombeiro forçado... já lá vão 48 anos.
Mediador desempregado,
respondi a um impulso... e na Culturgest, às 18:30 horas, José Afonso Furtado
salvou-me o dia. A sua palestra sobre A longa história do livro foi
clara, bem ilustrada e ajudou-me a compreender quanto a Contra-Reforma continua
a condicionar o desenvolvimento dos povos do Sul da Europa.
Objetivamente, terei de
dizer que José Furtado falou da passagem da leitura intensiva da Bíblia (em
língua vulgar) à leitura extensiva nos países do norte da Europa. Por cá,
entretanto, impera(va) o analfabetismo e o dogmatismo.
1.6.09
Os professores
avaliadores devem fazer uma nova formação de médio ou longo prazo ao nível do
ensino superior. Esta é a recomendação do Conselho Científico para a Avaliação
dos Professores (CCAP) que considera que, actualmente, muitos não possuem
experiência, competência nem perfil para avaliar os colegas, como prevê o
modelo de avaliação. O relatório deste órgão consultivo do Ministério da
Educação será apresentado à tutela nos próximos dias.
Quem é que definiu o
perfil destes conselheiros? Onde é que adquiriram a competência e a experiência
necessárias para elaborar um relatório? O que é que significa, na boca
destes corifeus, formação de médio ou longo prazo? Por
este andar, acabamos por fazer tábua rasa de todas as aprendizagens efetuadas
ao longo da vida e, quais castas virgens, voltamos aos bancos das Universidades
para lhes taparmos os buracos do orçamento… A estratégia é sempre a
mesma: em vez de identificar os recursos humanos disponíveis para as
várias missões, desvalorizamos o trabalho realizado e adiamos o país…
30.5.09
Há tempos que me
interrogo sobre o papel da ética nas sociedades actuais. Da minha experiência,
ressalta a ideia de que o egoísmo individual ou de grupo faz tábua rasa dos
valores que deveriam pautar o comportamento do ser humano.
Registo, a cada dia que
passa, provas de intolerância e, sobretudo, de oportunismo boçal, embora os
protagonistas pareçam agir em nome de maiorias e de valores respeitáveis. Há,
no entanto, nestes comportamentos um traço comum: desprezo por qualquer lei que
introduza os princípios do rigor, da responsabilidade e, da consequente
prestação de contas num quadro hierárquico.
A estratificação é
naturalmente má! Mas, ao contrário dos anos 60 do século XX, estes novos
libertários não descansam enquanto não ocupam o topo das demoníacas e
desprezíveis hierarquias.
Se os meus olhos tivessem
a coragem de subir a página, descobririam, de imediato, que a disposição das
palavras obedece a regras cuja observância parece natural… Porém, se os meus
olhos se acobardarem, sentir-me-ei mais próximo do discurso pré-verbal e capaz
de compreender o fueiro paterno…
Há quem nunca tenha
sentido o efeito dum fueiro nem saiba do que se trata, apesar das chispas dos
seus olhos mo enterrarem pelas costas abaixo…
27.5.09
Um Século de Literatura no
Camões merece maior participação dos alunos. Hoje, às 18 horas, os alunos
perderam a oportunidade de aprender a declamar com o actor José Manuel Mendes e
de ouvir a Profª Doutora Margarida Braga Neves falar com propriedade e rigor do
homem e da obra de Jorge de Sena, antigo aluno desta centenária instituição. Se
o motivo para a ausência dos alunos é apenas a hora (4ª feira, às 18 h) a que
decorrem "os encontros", então, estamos no momento
certo para eliminar essa causa. Basta que, em sede de Regulamento Interno, se
permita que na elaboração dos horários seja guardado um "bloco" por
turno para este tipo atividades, sejam elas da responsabilidade dos
departamentos, da direcção, dos encarregados de educação ou dos próprios
alunos. Se houver essa abertura, daremos um passo de gigante para honrar o
preceito do Projecto educativo "Por uma escola participativa…"
Caso nos encolhamos na determinação e na decisão, ficaremos na história da
instituição como os responsáveis do país de Abril que deixaram no
"exílio" vultos da envergadura de José Rodrigues Miguéis e de Jorge
de Sena…
«Eu não sou exatamente um
emigrante no estrangeiro, porque, quando saí de Portugal, tinha vinte anos de
escritor publicado, e desde então a maior parte da minha obra, ou grande parte
dela, foi escrita para Portugal ou em Portugal publicada. Seja o que seja,
continuo a ser o que era, quando me exilei muito a tempo naqueles idos negros e
tristes de 1959: um escritor português que vive no estrangeiro e que mantém um
permanente contacto com Portugal…» Jorge de Sena, Discurso
da Guarda, 1977
26.5.09
Escolher entre um
projecto pessoal e um projecto messiânico pode ser tarefa árdua.
Se o messianismo acredita
que pode salvar a humanidade, o unipessoalismo crê que tem nas mãos a chave do
futuro.
Independentemente do
vencedor, o rebanho continua pachorrentamente na encosta do presente, incapaz
de seguir caminho sem a sombra do cajado…
(Do outro lado da
encosta, o Dr. Oliveira e Costa ajusta contas com o Dr. Dias Loureiro. O Dr.
Honório Novo, por sua vez, procura enterrar o Dr. Vítor Constâncio… e o rebanho
bem pode continuar a ruminar!)
25.5.09
O PLANALTO E A ESTEPE
Quando o leitor começara
a pensar que ao General não restava outra conclusão de vida que conformar-se
com a sentença de Camões "De amor não vi senão breves enganos",
em Moscovo, eis que o Deus ex machina (Esmeralda) descobre a amada
Sarangerel em Cuba….
Quando o leitor se
deixara convencer que a revolução socialista (comunista) não passava de uma
fraude gigantesca que destruía nações, quebrava corações, atirando-os para o
fundo das masmorras da Mongólia e para o labirinto do Eduardo Santos, eis que
Pepetela troca o abismo da ideologia totalitária pelo compromisso corrupto com
os (novos) títeres que governam África – um romance que, pela sua dimensão
simbólica, poderia ser exemplar, acaba por se tornar inverosímil.
Apesar de tudo, o romance
é de agradável leitura, com algum suspense (ingrediente mais policial do que
trágico). Caracteriza bem a vida dos estudantes africanos na capital do
Império (Moscovo) e a sua passagem (formação ou apodrecimento) em Argel …
Quanto à guerrilha, a imagem é oca e apressada, a remeter para outros romances
(ortodoxos e heterodoxos) do Autor.
24.5.09
Quando menos se espera, o
humor desponta. Por aqui há companheiros muito distraídos! Não acredito, no
entanto, que o larápio venha a solicitar o manual de instruções. Nem Cristo
tinha Biblioteca! E se o engano tiver sido das abelhas? O mel terá certamente
outro sabor! Sabor a “biciclete” …
22.5.09
(No charco também há
vida! Pouco interessa que a enxerguemos ou não.)
" Estou
farto desta dor inútil de chorar por mim nos outros! - eu que nem
sequer tenho a coragem de escrever os versos que me fazem doer!" José
Gomes Ferreira
De Bénard da Costa talvez
devesse escrever em tom elegíaco, mas como fazê-lo? De pé, entre a pantalha e
as primeiras filas do auditório, Bénard antecipa o filme da morte: vários
querubins conduzem-no pelo passeio da fama até ao círculo cintilante da ironia.
Perdido o contexto, esfuma-se na mão suave do grande realizador. Por cá, as
loas narcísicas cobrem-no de fumos…
(Este cansaço ameaça
estilhaçar-me a compostura!)
19.5.09
Em 2008, com o objectivo
de otimizar os recursos, o Ministério da Educação começou por reduzir a metade
os centros de formação de docentes e não docentes. Promoveu candidaturas de
centros e diretores. Colocou a máquina em marcha…
No entanto, hoje
verifica-se, por exemplo, que um centro de formação que acolhe 2 185 docentes,
apresenta uma oferta de formação diminuta para o universo que cobre, excluindo
à partida os funcionários administrativos. Por outro lado, essa oferta terá de
ser cumprida até 31 de Dezembro de 2009.
(Se observarmos as
acções propostas, rapidamente percebemos que o ensino da língua materna e da
literatura portuguesa, no ensino secundário, é completamente esquecido: o
ensino da gramática (da TLEBS) desapareceu; as metodologias são ignoradas…)
O quadro de formadores é
reduzido e voluntarioso; o calendário das acções está condicionado pela
distribuição de serviço para 2009-2010; muitos dos formandos não poderão
frequentar as acções porque estas decorrem entre as 17:30 e as 22:30 horas, de
2ª a 6ª feira.
Em termos de avaliação do
desempenho, os funcionários do M.E. estão, desde já, prejudicados: a maioria
não poderá beneficiar da formação exigida para corresponder às novas exigências
da globalização. E quanto a qualidade, nem vale a pena sonhar…
Não tendo o M.E.
capacidade para implementar um plano de formação nacional, mais valia
reconhecê-lo, dando autonomia aos diretores das escolas para definirem e
aplicarem o plano necessário a cada "unidade orgânica".
E claro, ao M.E.
competiria a selecção de diretores capazes de interpretarem as necessidades de
formação dos docentes e não docentes… num cenário de uma política educativa
consensual e suprapartidária posta ao serviço da educação e da formação das
novas gerações…
E pela amostra do que
ou(vi), hoje, numa reunião de uma comissão pedagógica de um "novo"
centro de formação da capital, não vamos a lado nenhum…
(A mim, nem já a
ironia me salva! E ainda há quem afirme que 2009 é um ano decisivo para
Portugal! Decisivo?)
17.5.09
Este domingo fica marcado
pela visita da Nossa Senhora de Fátima ao Cristo-Rei… A pretexto dos 50 anos do
último. A mãe rica visita o filho pobre! Compreendo que esta o tenha feito.
Apesar de tudo, as mães insistem em ajudar os filhos. O Cristo-Rei já devia um
milhão de euros e parece que, de ontem para hoje, a dívida aumentou 200.000
euros, o que não consigo entender quando a pobreza nacional voltou ao nível da
de 1975.
Reconheço que Portugal
não entrou na Segunda Guerra Mundial e que era preciso agradecer a alguém. No
entanto, não é justo esquecer as guerras de ocupação, de pacificação e de
oposição às grandes potências que se arrastaram até 1974. E não me parece que
quer o Cristo-Rei quer Nossa Senhora de Fátima tenham feito alguma coisa para
reduzir o sofrimento humano que inundou a Ásia, a Oceânia e a África.
Está na natureza da
igreja católica abusar da fragilidade humana. E em Portugal, num ano de várias
eleições, a igreja católica insiste em contribuir para a alienação das mentes,
já de si fragilizadas pelas modernas técnicas de propaganda.
Com tanta (nova)
oportunidade, não deixa de ser extraordinário que tantos se deixem seduzir por
uma viagem à capital, por uma travessia do Tejo, por um folclórico encontro
multirracial… feudo privilegiado da igreja católica.
Este domingo, de
trabalho, também fica marcado pela dúvida se os hospitais privados, quando lá
entramos, se preocupam verdadeiramente connosco… ou nos veem apenas como objetos
mais ou menos rendíveis…
E já, agora, acrescento
que Pepetela com o romance O Planalto e a Estepe decidiu,
finalmente, rever os mitos que alimentaram grande parte da sua obra, apesar de
alguns assomos de heresia.
13.5.09
(Conclave Línguas de fogo
Portas fechadas Canais que correm para dentro Cachos de palavras do avesso
Charolas adiadas)
O melhor é dar graças ao
Rei do Céu porque "se eu e os outros tão desamparados como eu ficamos
sem a satisfação dos nossos serviços, foi somente por culpa dos canos e não da
fonte…" Fernão Mendes Pinto, Peregrinação
12.5.09
No tempo da alta
velocidade, a A8 está em obras… Se já era uma autoestrada perigosa, agora, além
de ser ainda mais perigosa, tornou-se um quebra-cabeças para os automobilistas
mais pacientes…Na mesma A8, para quem queira dirigir-se à Ericeira, não há uma
placa que assinale a existência da A21. Apenas lá chegaremos se adivinharmos
que devemos sair no desvio para N8 (Malveira/Mafra) … Na 1ª curva, percebemos
que estamos à entrada da portagem da nova autoestrada. Será que voltámos à
Idade Média?
E para quem precise de
regressar da Ericeira a Lisboa (Campo Grande) fica aqui uma pequena
curiosidade: a carreira das 18:18 horas só chega às 19:59… É obra! Já era assim
na década de 70 do século passado…
10.5.09
Para
quem quiser ir mais longe...
(Para o Alberto Afonso: a
escrita há de ser o que nela acontece!)
Tanta água, tanta terra!
A ponte devolve-me à terra, o olhar descansa na torrente... o casario parece
deserto e eu medito uma linha de árvores equidistantes...
Esta terra e esta água
despertam em mim desesperos de courelas ressequidas. O Sol abrasava e a sombra
faltava. A faina era penosa e suada, a fuga inevitável.
No início dos anos 60, o
seminário abre a sombra, torna-se refrigério e escancara-me as fugazes Portas
do Sol... E o Tejo, a espaços, alaga as margens e cerca a Ribeira, deixando-me
cada vez mais cético face à justiça divina. Atravessado o rio, o olhar fixou-se
por instantes numa voluptuosa laranjeira, o que definitivamente me condenou a
uma interminável indagação e a um inevitável ceticismo.
Cansado, conheço, por
vezes, a inteligência das coisas e dos homens e nesses breves momentos mergulho
na sombra e por ali fico a contemplar o mistério da água... e assim fujo da
matreirice e da brejeirice que desertifica a alma humana...
E para quem quiser ir
mais longe, peço que desista porque, como Bernardim Ribeiro, também eu quero
crer que a escrita há de ser o que nela acontece...
6.5.09
A máquina fotográfica
capta melhor a paisagem do que eu quando tento compreender o que pode estar a
ocorrer na cabeça dos meus interlocutores. Oiço-lhes as palavras e, por
instantes, fico suspenso, à procura de um sentido. Não sei a que plano devo dar
mais atenção!
Da cegonha desço à linha
de água barrenta, passo sob o comboio, olho o sapal em frente atravessado por
uma via rápida e apetece-me continuar, na direcção do horizonte, subindo
lentamente a linha inclinada que depois do verde me pode conduzir à cinza. Entretanto,
o tom de voz dos meus interlocutores cresce, talvez à espere que eu regresse às
palavras iradas tão convenientes quando o leite azeda. Mas não! Mesmo que eu
quisesse dizer-lhes o que penso, a máquina fotográfica não me deixa – agora
mesmo me perguntou se a cegonha enviuvou ou se o comboio já chegou à estação ou
se não seria preferível hospedar-me na casa da encosta e ficar por lá a olhar
para cá… A perspectiva seria outra… e eu certamente deixaria de pensar no que estaria
a ocorrer na cabeça dos meus interlocutores…
3.5.09
Estaremos nós à altura
dos escritores que nos últimos 100 anos pisaram, como alunos ou professores, o
chão do Liceu Camões / Escola Secundária de Camões?
Embora a pergunta me
tenha sido colocada a propósito da divulgação da obra do Mário Dionísio (Encontro
ao Fim da Tarde de 29 de Maio), devo responder que dificilmente o
conseguiremos.
O alheamento e o mutismo
dos professores não são de espantar. O ensino da literatura, de forma
sistemática, parou em Fernando Pessoa, deixando a respectiva geração e as
seguintes na sombra. Faltam-nos um António José Saraiva e um Óscar Lopes! O
Eduardo Lourenço, apesar de arguto ensaísta, não dá conta do recado. E é estrangeirado!
Nos últimos anos, o
Ministério da Educação ao abrir mão do Ensino Superior, passou, em teoria, a
ocupar-se da Língua…, descurando o ensino da literatura. Os Ministérios da
Educação e da Ciência … não compreendem a Literatura como uma importante
mais-valia, para não falar da vertente identitária…
Por isso, os alunos não
têm grande motivação para a literatura nacional. O sentimento de
pertença não lhes diz nada. Os adjetivos "nacional",
"europeia", "lusófona" não passam de ornamentos sem
conteúdo.
Finalmente, o fosso entre
o ensino dito superior e o secundário, em termos comunicacionais, é cada vez
maior. Mesmo que os nossos convidados se esforcem muito, só os grandes
comunicadores conseguem prender audiências tão deserdadas... Deste modo, os
nossos objectivos estão sempre em risco!
Se pensarmos que o
distinto Mário Dionísio, quando professor universitário se viu confinado a uma
monótona cadeira de Técnicas de Expressão do Português, talvez encontre a
resposta para o ocaso das Faculdades de Letras deste país...
Estas Faculdades foram ocupadas por interesses bem distintos daqueles para que
foram criadas.
A resposta que eu posso
dar não é nada optimista, apesar de eu acreditar que se conseguirmos
refundar a leitura literária acabaremos por trazer para o
redil umas tantas ovelhas tresmalhadas...
Recordemos que homens
como José Rodrigues Miguéis ou Jorge de Sena partiram para não
voltar. Dificilmente, encontrariam emprego nas nossas Faculdades de Letras!
Apesar disso, há que
insistir. Ser diretivos... (pedagogicamente, reacionários!)
28.4.09
Uma
teoria de senhores feudais…
Na área da educação, os
projectos da "parque escolar" são desmesurados e oportunistas.
A velocidade da mudança introduzida
pelas novas tecnologias da informação deveria impedir-nos de nos endividarmos
por períodos tão longos. 30 anos é uma eternidade!
Daqui a 30 anos, as
escolas, tal qual as conhecemos nos últimos 150 anos, terão desaparecido.
Se queremos
"libertar o futuro", então teremos de mudar a nossa forma de pensar a
aprendizagem e as técnicas de ensino. Teremos de apostar no "lugar"
do trabalho e fazer dele um espaço de permanente adaptação às novas
ferramentas.
A confusão entre educação
e aprendizagem é um dos elementos mais nocivos ao desenvolvimento das
sociedades.
Hoje, percebi que a
"parque escolar" pensa nobilitar as escolas com base nos respectivos
projectos educativos e numa certa ideia de "conforto" que não consigo
entender.
Trata-se de um autêntico
disparate! É uma teoria de senhores feudais na era da globalização.
26.4.09
"Libertemos o
futuro!" é a última palavra de ordem. No entanto, quem é que nos
assegura que o futuro ainda conta com o homem tal qual o conhecemos?
O futuro de que o PSD nos
fala vem cheio de passado, de sentimento de identidade, de necessidade de não
hipotecar as novas gerações. Que garantias temos nós que no presente não
estamos já a construir um futuro capaz de prescindir de um tipo de homem, para quem
nascer, reproduzir-se e morrer era inexorável?
De forma atabalhoada, o
PS do choque tecnológico pressente que estar do lado do futuro é romper com o
passado e deixar que a mudança de paradigma aconteça.
Os novos dirigentes pouco
têm a ver com o passado. Há muito que deixaram de pensar no Condestável! E nem
São Nuno de Santa Maria nos poderá valer!
25.4.09
Dois filhos de Abril: um
de 30 anos, solteiro, advogado, mal remunerado, a residir em casa dos pais...;
à filha de 25 anos, solteira, falta-lhe uma cadeira para terminar o 1º ciclo de
Antropologia (Bolonha) e está a concluir um curso de Realização de Cinema...
sem futuro - artista, depende na totalidade dos pais... Há 35 anos, sem ter
onde cair mortos, os pais casaram, 20 anos de idade, alunos do 2º ano da
Faculdade de Letras; procuraram e conseguiram emprego no ensino,
licenciaram-se, profissionalizaram-se e um deles concluiu mesmo um mestrado em
relações interculturais que objetivamente não lhe serve de nada - estudaram e
trabalharam ao mesmo tempo... Nestes 35 anos, os pais trabalharam todos os dias
e continuam obrigados a trabalhar mais e mais; os filhos, 35 anos depois, não
têm nenhuma garantia de poder constituir e manter uma família... e vivem na
dependência dos pais.
A guerra do ultramar
terminou sem glória; os colonos regressaram sob a forma de retornados; os
emigrantes voltaram à terra e tornaram-se patrões de novos imigrantes; a
paisagem ganhou novas cores; o litoral abarrota de gentes; o interior vê
crescer o mato; as novas autoestradas abrem brechas e inclinam-se
perigosamente; rios de dinheiro voam em malas de cartão para paraísos fiscais;
quem não se filia num partido político deixa de ter futuro; o presidente da
república chama-nos à ordem, esquecido de que os seus amigos enriqueceram à sua
sombra...
35 anos depois, a
pobreza, a ignorância e a insegurança crescem; a liberdade deprecia-se...
22.4.09
O dia vai longo!
Começou com a
"Menina e Moça" a recontar, sob a forma de resumo com ligeiras, mas
importantes variantes, a sua história à "Senhora do Tempo Antigo"...
Uma história de fuga à agitação da corte /cidade, governada pela
arbitrariedade... E sob o olhar de Bernardim Ribeiro dei comigo a explicar como
a leitura em voz alta determinava o projecto de escrita no século XVI... A
leitura, atividade lúdica por excelência!
Paradoxalmente, se, em
tempos idos, a tristeza lida preparava o leitor para superar experiências
traumáticas, o dia de hoje encarregou-se de demonstrar o contrário: a doença
anunciada de um amigo devasta qualquer cenário de fuga... as nossas
fragilidades encontram nova explicação e as vozes acusatórias deixam de fazer
qualquer sentido...
No entanto, sobrepondo-se
à tristeza, sem a conseguir anular, vozes juvenis declamam excertos dos
Bernardins do futuro, por enquanto alheios ao rouxinol que, sem explicação,
tomba, e arrastado pelas folhas corre para o mar sem fim...
Finalmente, de forma
lateral, assisti a um jogo de cadeiras, em que as regras são o que menos
importa... as cadeiras são apenas duas, mas dificilmente o jogo acabará!
21.4.09
Nas reuniões do Conselho
Pedagógico do princípio deste século, várias foram as vezes em que fiquei com a
sensação de que as intervenções do prof. David Monge da Silva tinham um
fundamento muito para além da espuma deste tipo de sessões, e os interlocutores
nem sem sempre entendiam o seu fino sentido de humor.
Ontem, no Auditório
Camões, David Monge da Silva deu a quem lá esteve uma verdadeira lição sobre a
história da ginástica, da educação física e do desporto em Portugal e no Liceu
Camões. Uma lição interpretativa da iniciativa e do voluntarismo de uns tantos
e dos preconceitos de muitos.
No ano do centenário do
edifício da Escola Secundária de Camões, o professor David Monge da Silva bem
podia ser nomeado seu embaixador.
19.4.09
Em 17.4.1983, José
Cardoso Pires, à pergunta de um jornalista "Que é que o preocupa
mais neste momento?", respondeu:
«Como pessoa o que me
preocupa mais é a incerteza em que se vive, eu, como muita gente: o medo de uma
aventura medíocre. Penso até que este país está a correr esse risco, o País
todo, não sou só eu.
Outra coisa ligada a isto
que me preocupa é uma resignação contente que é muito portuguesa e a que as
pessoas são sempre tentadas, todas, inclusivamente eu, uma resignação contente.
O pequeno êxito, a pequena coisa, o Vossa Excelência não sabe com quem
está a falar, que só o Português é que diz - o cavalheiro não sabe com quem
está a falar. (...) Isto tem uma carga espantosa de contentinho...»
Cardoso Pires temia que
nos perdêssemos numa aventura medíocre. 26 anos depois, essa
aventura conduziu-nos a um mar de sargaços de que dificilmente nos
desprenderemos... Quanto ao País, esse não tem regresso. Província da Ibéria,
anexada pela União Europeia! A boia de salvação está inscrita no slogan "Nós,
Europeus!"
O problema é que a
maioria das embarcações não está equipada com boias para todos os
passageiros...
Acabo de descobrir que
necessito de recuar 10 anos. Só, deste modo, conseguirei retomar o que ficou
congelado. Não sei se terei tempo, mas, entretanto, percebi que só atingirei
esse objectivo se arrumar todos os meus papéis. E por isso já meti mãos ao baú...
16.4.09
"Mas parece que
das desaventuras há mudança para outras desaventuras, que do bem não a havia
para outro bem." Bernardim Ribeiro
Parece que em cada dia
que passa nem a mediocridade escapa à mudança para pior! Quanto mais descemos
mais enfunamos.
Do nosso quarto,
espreitamos o mundo pela janela, sem a abrir. Preferimos as pantalhas à luz
crua da vida...
O rio, supõe-se, continua
a correr lá longe, mas há muito que abandonámos as suas margens!
14.4.09
Torre de Menagem (séc.
XII)
Igrejas da Misericórdia e
de S. Tiago (séc. XVI)
Ribeiro Sanches, ilustre
estrangeirado (séc. XVIII)
As fotos desaparecidas
(de Penamacor) que aqui coloquei são o meu modo de dizer que não é possível
construir uma identidade colectiva, prescindindo de um olhar atento sobre o
património natural e edificado ao longo de séculos. A memória horizontal é
efémera e caprichosa, incapaz de estabelecer nós com o passado. É construída
sobre areia movediça.
O sentimento identitário
exige a combinação da memória horizontal com a memória vertical. Sem essa
articulação deixa de haver solidariedade, noção de pertença e a liberdade vira
acto gratuito.
O que há de comum nestas
fotos é a acção de conquista: do território, da espiritualidade, da
solidariedade, do conhecimento ao serviço da humanidade, mesmo que isso
signifique sacrifício, perseguição, desterro...
A estrada que vou
percorrendo é sinuosa para que, pelo menos, nas curvas possa olhar para o lado
e para trás e pensar que não sou sozinho...
Quem vive na ambiguidade,
mais cedo ou mais tarde acaba sem amigos.
11.4.09
Pegas azuis no Freixial
(Aranhas). Na Idanha, elas eram pretas!? Estou sem perceber estes desmandos da
natureza num raio de 35 km. Parece, no entanto, que as pegas têm uma história
muito antiga. Só não compreendo por que motivo não me lembro das pegas da Serra
de Sintra, à excepção das do Paço Real.
Pega gulosa, sem
vertigens!
Um cuco! Quem diria que
ao cantar, o cuco prevê a queda de neve? O tapete é de rosmaninho.
Pinheiro doente. Por
aqui, os pinheiros estão todos doentes e parece que ninguém se incomoda.
De vez em quando, lá vou
dando sinal de mim! Não estava a ouvir a triste avezinha do Bernardim nem a
queria ver cair morta que o mundo já vai tão em desgraça!
6.4.09
Para além da barragem
Marechal Carmona, é de destacar a hidráulica agrícola, inaugurada em 1946 por
Oliveira Salazar com o objectivo de fomentar a agricultura, permitindo a
fixação das populações. À primeira vista, o objectivo do Estado Novo continua
por atingir. Para o visitante, existe um bom parque de campismo junto à
barragem, apesar de, em abril, manter os principais equipamentos encerrados. É
pena que a Orbitur não esteja mais atenta, pelos menos na semana da
Páscoa! No entanto, para quem seja avisado, ou seja, não se tenha
esquecido de se abastecer no supermercado, vale a pena pernoitar na zona para
fruir a paisagem, ouvir a passarada, calcorrear os vários itinerários, e
finalmente repousar do bulício citadino e do lixo comunicacional.
2.4.09
A tradição que consagra o
dia 1 de Abril como o Dia das Mentiras deve ser mudada. De facto, todos os dias
passaram a ser dias das mentiras, por isso proponho que doravante o dia 1 de
Abril passe a ser o dia das verdades.
1.4.09
Na vida portuguesa, há
coisas que não consigo entender. Por exemplo: Por que motivo há tanta gente a
queixar-se de que é pressionada a torto e a direito. (Parece-me
perfeitamente normal que isso aconteça.) O que é inaceitável é que já não
haja homens (e mulheres) íntegros, capazes de ignorar as pressões e cortar a
direito, doa a quem doer. Inspetores, procuradores, juízes, árbitros, polícias
várias, advogados, jornalistas passam os dias a levantar suspeitas sem
apresentar provas, e, sobretudo, sem utilizarem os poderes de que dispõem para
encostar à parede os prevaricadores. Qualquer malhador de púlpito ou de
ministério os aterroriza!
No fundo, tudo se resume
a uma educação mole, frouxa e cética. A educação romântica conduziu à moleza e
à fraqueza suicida. Por seu turno, a educação realista mergulhou-nos na
descrença anticlerical e no ceticismo como forma de vida (a abulia). A educação
republicana gerou a anarquia e o bolchevismo que o Estado Novo se encarregou de
esconder no fundo da sacristia e de eliminar nas salas de tortura e na
frigideira do Tarrafal.
Esgotados, acreditámos
que a revolução estava na rua, e a educação desapareceu nas secretárias dos
burocratas e nas palavras de ordem de novas seitas que permanentemente atacam o
erário público.
Digressão feita, penso
que já compreendo o que ao princípio me assombrava.
31.3.09
Com a chegada da
Primavera, a flor do plátano sufoca-nos, polvilha os lugares mais recônditos e
nem a chuva lhe acalma a perfídia. No entanto, se os plátanos incomodam, o que
dizer de todos aqueles que grosseiramente corrompem, mentem e manipulam a
opinião, fazendo-se de anjinhos?
Estamos a chegar a um
ponto em que só poderemos respirar se eliminarmos os plátanos pela raiz. Os
plátanos da incompetência, da irresponsabilidade e da cumplicidade…
26.3.09
- “Querem ser tão boas
e não prestam para nada!”
Será legítimo provocar o
interlocutor, omitindo o contexto? Em termos éticos, parece-me condenável…
E em termos poéticos? A
questão da legitimidade perde importância porque a elisão (omissão) é
reivindicada como recurso expressivo privilegiado. Ao leitor competirá
preencher o vazio, recriar o contexto, passando do particular ao universal.
Deste modo, o enunciado
descontextualizado “Querem ser tão boas e não prestam para nada!” ganha,
em termos poéticos, universalidade, exigindo a participação do leitor que pode,
num ápice, deitá-lo para o “lixo” ou, pelo contrário, descobrir nele uma
centelha de pessimismo…
No entanto, se eu voltar
ao mote e o contextualizar – coisa rara no domínio da poesia!
–, caio num espaço confinado em que uma pobre velha, desesperada, insulta um
pequeno número de funcionárias que a impedem de saltar de uma cadeira de rodas
para uma simples poltrona…
Naquele contexto, a
cadeira de rodas e a poltrona protagonizaram o drama das 16 horas cujo desfecho
foi bem menos poético do que o leitor poderá imaginar: uma velha agrilhoada,
gritando: - “Querem ser tão boas e não prestam para nada!”
Afinal, a velha mais não
queria que bater com a cabeça na parede, no chão, em qualquer outro lugar que
não aquele… ou, talvez, não quisesse sair daquele espaço e quisesse, apenas,
sair de si-própria…
(…)
A teimosia da velha
lembra-me que, ontem, também eu pensei que o melhor seria dar uma cabeçada
marialva no Ferreira de Castro para ver se se liberta, de vez, dos vermes
revivalistas que lhe roem os ossos na romântica Sintra e regressa
definitivamente à Amazónia.
(Em Portugal, há umas
capelinhas vazias, cujos pastores insistem em matar os fiéis!)
25.3.09
No
Museu do Neorrealismo em Vila Franca de Xira
Espólios literários
- Alexandre Babo (1916-2007)
- Alexandre Cabral (1917-1996)
- Álvaro Feijó (1917-1941)
- Alves Redol (1911-1969)
- Antunes da Silva (1921-1997)
- Armindo Rodrigues (1904-1993)
- Arquimedes da Silva Santos (1921)
- Carlos Coutinho (1943)
- Garcez da Silva (1915-2006)
- Faure da Rosa (1912-1985)
- Joaquim Lagoeiro (1918)
- Joaquim Namorado (1914-1986)
- José Ferreira Monte (1922-1985)
- Jorge Reis (1926-2005)
- Júlio Graça (1923-2006)
- Leão Penedo (1916-1976)
- Manuel Campos Lima (1916-1956)
- Manuel da Fonseca (1911-1993)
- Mário Braga (1921)
- Mário Sacramento (1920-1969)
- Orlando da Costa (1929-2006)
- Soeiro Pereira Gomes (1909-1949)
Espólios editoriais
- revista Vértice
- jornal O Diabo
- jornal Horizonte
- editora Cosmos
21.3.09
Dizem versos, os
poetas / dois anónimos pássaros / saltitam entre flores / para além da
superfície vítrea. // A abóbada do planetário ondula / suave em verde-amarelo
redemoinho / num pequeno quadrado líquido. // As palavras dum tempo, perdidas /
atentas às inconveniências, correm/nostálgicas, elegíacas, jocosas. //
Perdem-se, os poetas / há muito deixei de ouvir o Patraquim /ousou anoitecer o
Mia Couto / o Echevarria secou-me o pomar / a Maria Teresa Horta passou,
altiva// O sol cai sobre o planetário / por detrás dos arames, o verde abafa o
amarelo / longe, eleva-se uma grua / perto, os corpos abrem em sorriso/
sobre um tapete vermelho,
as mãos /acenam aos poetas inefáveis. //
17.3.09
Um
amor de Perdição, um filme de Mário Barroso
Ao contrário do que
refere a sinopse não se trata da história de um encontro entre Simão e Teresa,
mas, sim, de um desencontro entre Simão e Teresa, provocado
pelo conflito entre duas famílias urbanas, com raízes provincianas e
colonialistas…
Para quem não leu a obra
de Camilo Castelo Branco, o filme passa bem, apesar de alguns jovens
espectadores (da idade do Simão?) referirem o seu dramatismo. De facto, os
jovens que assistiram à apresentação do filme na sala 4 do Monumental estiveram
atentos e divertiram-se, o que não é muito habitual. Por isso, creio que o
filme irá ter uma boa receção do público…
Quantos aos apreciadores
de Camilo, a abordagem será diferente. O texto camiliano mais parece de Eça,
quando se insiste na relação incestuosa de Dona Rita com Manuel (mãe e filho),
sob o olhar indiferente de Domingos Botelho (marido e pai). À luz desta tema –
o incesto -, não estranharei nada se Mário Barroso vier a adaptar ao
cinema A Tragédia da Rua das Flores de Eça…
Por outro lado, os
camilianos não deixarão de questionar o desfecho trágico do filme: abrir as
veias e abrir o gás, em espaços distantes, não parece uma solução muito
adequada à catástrofe de Um Amor de Perdição. Simão e Mariana, bem
poderiam sucumbir lentamente, vítimas de SIDA. E para isso, não seria
necessário que Simão traísse o amor de Teresa, bastava que o sangue derramado
por Simão e de que Mariana se apropriou na delírio e na cegueira deste a
penetrasse, deixando-a para sempre refém da sua secreta paixão…
Trata-se de um filme
polémico, com uma ótima fotografia, um desempenho dos actores equilibrado, e
uma montagem que, em certos momentos, consegue transmitir a densidade das
situações camilianas, apesar do desfecho parecer pouco verosímil e, sobretudo,
perder para o desenlace de Amor de Perdição.
15.3.09
Há
sempre quem nos envergonhe...
Num lugar, onde "Deus
quer, o homem sonha, a obra nasce", não deveria haver lugar para
mensagens infames.
Alguém se deu ao trabalho
de subir a escarpa, mesmo ao lado de Ribeira de Ilhas, para deixar uma nota de
mau gosto.
Tetrápodes
nas arribas da Ericeira...
De quem é a ideia? Espero
que estejam a construir um molhe ou paredão. Caso contrário, estaremos perante
um abuso.
De qualquer modo, fica o
termo "tetrápode".
11.3.09
Centenas de milhares de
homens e mulheres são empurrados para a miséria; os filhos, indiferentes, não
compreendem que eles se tornam nas maiores vítimas, embora por culpa própria.
À pontualidade, à
assiduidade e ao rigor dizem não. Educados na permissividade, fazem orelhas
moucas à palavra dos professores. Por debaixo das mesas, enviam mensagens
instantâneas para o colega do lado; de cabeça hirta, invertem a circulação do
sangue, deixando que o olhar vazio se perca na brancura das paredes.
Como se a droga lhes
corresse de cima para baixo, anestesiando-os e atirando-os para os braços da
desistência…
Como vão longe os tempos
em que fingir era imaginar / criar! Agora, fingir é mentir a si-próprio…
Fogem da dor e do esforço
como o Diabo da Cruz. E acreditam que o futuro mora ao lado num bandeja de
ouro…
E quando descobrem a
grande mentira em que mergulharam, sentem ganas de destruir o mundo…
E começam a passar do
desejo à acção (da potência ao acto) numa viagem mutiladora em que Beatriz
virou rosto de destruição…
É essa a visão dos novos
poetas do século XXI!
9.3.09
Que árvore será esta?
Fica no Jardim (do) Constantino. Na passada 6ª feira, o escritor Mário de
Carvalho prometia a uma plateia de jovens dos 1º, 2º e 3º ciclos e do ensino
secundário que logo que chegasse ao escritório iria procurar quem fora o
"Constantino" que designa aquele largo. Será que os jovens se
aperceberam daquela preocupação do escritor? No mesmo jardim, sob a reflexão de
um ignorado e silencioso Prometeu, Mário de Carvalho lá foi explicando que não
escreve deliberadamente para crianças, que as capas dos seus livros não são da
sua responsabilidade, que a escrita de ficção lhe aconteceu um pouco porque os
advogados gastam muito tempo a escrever sobre casos reais, que as suas
personagens, na realidade, nunca existiram e que, portanto, não valerá a pena
sair a procurar as fontes... E de si, deixou escapar que, aos 15 anos, começou
a compreender a crueldade do Estado Novo que lhe perseguiu e prendeu o pai...
Nesse tempo, frequentou o Liceu Camões (2 anos).
(E eu, ali sentado, ao
lado do escritor, sem saber muito bem se estava nalguma cena de apanhados...
tudo culpa da abnegada Dr.ª Isabel Pires, promotora da iniciativa... do
externato Sá de Miranda.)
Quanto ao Constantino,
terei de dizer que os actuais responsáveis pelo pelouro dos jardins da cidade
de Lisboa não lhe chegam aos calcanhares.
Até Neptuno nos interpela
sobre o prédio, em ruínas, na esquina da Casal Ribeiro com a Almirante Barroso.
Lá viveram, embora em épocas diferentes, Fernando Pessoa e Amílcar Cabral.
8.3.09
«O relatório anual de
Segurança Interna (RASI) de 2008 ainda não foi concluído porque o Ministério da
Educação não enviou ao secretário-geral de Segurança Interna, Mário Mendes, os
resultados da Escola Segura no último ano letivo, que terminou há mais de oito
meses.» DN, 6.03.2009
E mesmo que o ME tivesse
enviado esses resultados, o RASI estaria sempre incompleto! Porquê?
Porque em muitas escolas
os episódios de violência não são comunicados.
Porque em certas escolas
os conselhos executivos fecham os olhos.
E se actualmente os
conselhos executivos começam a estar mais atentos à violência entre alunos, os
mesmos desvalorizam os episódios de violência sobre os professores. Quantos
professores pediram a reforma porque se sentiram violentados? E nem sempre a violência
tem, apenas, como agente o aluno!
A título de exemplo,
veja-se o caso de um professor (colocado numa escola EB2 /3, situada a 11
km de Lisboa) com 33 anos de serviço, 54 anos de idade, saúde débil, que
continuadamente é insultado, provocado por um aluno, dentro e fora da sala de
aula (no interior e à porta da escola). A participação dos incidentes ao diretor
de turma já deixou de fazer qualquer efeito – este último sabe bem que, para
si, é melhor que o colega seja a “presa”, o “troféu” de caça… A ordem de saída
da sala não surte qualquer efeito, pois enviado o aluno para a Biblioteca ou
para a Sala de estudo, quinze minutos mais tarde, este regressa qual momentâneo
cordeirinho inofensivo… O Conselho executivo sabe bem que os incidentes se
repetem todas as terças e quintas-feiras na sala de aula, e nos restantes dias,
sempre que o aluno, acolitado pelos seus sequazes, se cruzar com o referido
professor… O Conselho executivo que sabe que o aluno já veio transferido de
outra escola, por indisciplina, limita-se a adverti-lo verbalmente, em clima de
grande exaltação…e deixa o professor entregue a si próprio, cada vez mais
fragilizado…
A esta hora, estará o
leitor a pensar: Porque é que o Conselho executivo não corta o mal pelo raiz?
Porque o Conselho executivo não quer hostilizar a Comunidade…Porque o seu
presidente pensa mais na sua carreira que na responsabilidade da função que
exerce… O seu presidente sonha ser Diretor executivo do agrupamento de
que a escola faz parte.
Nas escolas do meu país é
muito mais fácil “queimar” um professor do que colocar na ordem um aluno.
Nas escolas do meu país,
silenciam-se os episódios de violência diária em vez de se encostar à parede os
prevaricadores…
Nas escolas do meu país,
ainda há pouco tempo a Escola Segura preferia apelar à inteligência e ao bom
senso do professor do que averiguar os casos que lhe são apresentados.
Neste país, se este
professor apresentar queixa à polícia, ele já sabe que não terá a solidariedade
do conselho executivo nem o apoio jurídico do ME. E sabe, de antemão, que de
vítima passará a carrasco…
Afinal, o que é que resta
a este professor de 54 anos de idade e 33 anos de serviço público?
Partir para a reforma e
receber uma pensão, seriamente amputada pela irresponsabilidade dos dirigentes
deste país!
E quanto ao Senhor Mário
Mendes, esqueça os resultados da Escola Segura. Mande alguém às escolas deste
país ver o que por lá se passa.
5.3.09
Vitorino Nemésio
reclamava do limite de idade (18.7.1971) quando lhe
inventaram uma última lição… (Sem limite a idade, claro: / O Mundo não,
/ Que esse é finito na expansão / – « É bom não pôr limites à Misericórdia
divina» / Disse um Papa velhinho / A quem exígua prece/ Votava uns anos mais /
Como é próprio da Caixa de Descontos / Dos pequenos mortais. / Tudo deperece, /
desaparece… /
Ontem, Raúl Mesquita
não reclamou do limite (Out.1975 – 28 Fev. 2009). E a pretexto do poder
da palavra (do mito, da alegoria, do logos), utilizou-a para
zurzir na professora de Português dos seus 10 anos, no reitor da sua
adolescência, nos colegas da primeira fila, dos chefes de turma, nos
ribatejanos (um pouco?) pidescos dos finais dos anos 70, dos professores que
gostavam de avaliar os pares. E atravessou o mundo dividido, através da palavra
(palestra, romance…): «Tenho a honra de ter inimigos e o prazer de ter amigos!
Pela palavra, dialogo com eles.»
Ontem, eu que sou
ribatejano, fiquei perplexo. Ali, sentado, na sala 32, entre estranhos, ao
ouvir a palavra do Raúl, comecei a interrogar-me se não sobraria um espaço (se
calhar só para mim!) entre os amigos e os inimigos. É que as dicotomias me
cansam. Será que não há 3ª via?
Em síntese: não sendo
amigo, incomoda-me ser atirado para a matilha dos inimigos. E incomoda-me
porque procuro sempre respeitar os outros…
3.3.09
Há muito que a morte de
ambos fora decidida, e tudo leva a crer que pelos próprios.
Infelizmente, deixaram os
guineenses mergulhados na crise de identidade há muito anunciada por Amílcar
Cabral (1924-1973), também ele barbaramente assassinado:
Eu sou tudo e sou nada,
Mas busco-me
incessantemente,
- Não me encontro!
-----------------------------------------------
Ó farrapos de nuvens,
passarões não alados,
levai-me convosco!
Já não quero esta vida,
quero ir nos espaços
para onde não sei.
Por muito absurdo que a
ideia possa parecer, acredito que chegou a hora dos povos da Guiné se unirem e
descobrirem aquilo que os une e não mais aquilo que os separa.
Da morte não interessa
saber se é justa ou injusta, se no limite puder ser redentora.
28.2.09
No
silêncio da oliveira... Vital Moreira
Ao Vital
Moreira reconheço competência e honestidade intelectual, e espero que a
sua escolha para encabeçar as eleições europeias tenha como objectivo reforçar
a qualidade da intervenção portuguesa na união europeia e no mundo. Quanto ao
argumento da sua abrangência política de esquerda, considero-o falacioso. Em
relação ao congresso do partido socialista, não posso deixar de registar a
falta de debate de ideias, a sacralização da liderança de Sócrates, a ausência
de Manuel Alegre, e a pobreza intelectual de muitos dos participantes - houve
quem confundisse um sinónimo com um silogismo! Por seu lado, as televisões
primam pela falta de isenção. Os comentadores há muito que servem interesses
económicos e aventureiros que se vão apoderando das nossas consciências.
25.2.09
O outro lado da cidade de
Évora: esgoto a céu aberto, ao lado do parque de campismo; poço com banheira;
azinheira com sombra de cimento. Nem a pega rabuda escapa. Fora da fotografia:
duas carroças ciganas, repletas de crianças avançam no descampado, à procura de
um lugar onde acampar.
Minutos mais tarde, os
machos, soltos, enganam a fome junto do arame farpado da herdade vizinha; as
crianças atravessam a 380, na direcção do povoado; as carroças jazem junto do
poço...
Começo a pensar que,
afinal, a sombra de cimento da azinheira vai ser muito útil na noite que se
avizinha. Isto se não aparecer por ali nenhum sapo de loiça!
24.2.09
De registar, em relação à
última visita, a conservação de alguns dos principais monumentos. Já não há
ossos à vista de quem passa! No entanto, o Museu, junto à Sé continua entaipado
e a Universidade fechada. Bem sei que é dia de Carnaval, mas o espaço ocupado
pela instituição de ensino superior merece o olhar do turista, mesmo que
acidental... Quanto a transportes públicos, nem vê-los!
22.2.09
O dia vai adiantado, não
quero, todavia, terminá-lo sem registar uma ideia matinal: quem ensina a ler
autores do século XVI não deveria comentá-los sem previamente ler VIDA NOVA, de
DANTE ALIGHIERI. E já agora acrescento: A Metafísica Aristotélica.
Se essa atitude vingasse,
evitaríamos leituras biografistas e psicologizantes abusivas tão do agrado dos
nossos literatos de moda.
21.2.09
«O casamento prevê
direitos e deveres entre cônjuges, a união de facto não parte do pressuposto de
que há um conjunto de deveres entre aquelas pessoas.» Maria do
Rosário Carneiro, DN 21.02.2009
Para além da eventual
lacuna da lei apontada pela deputada, há no enunciado um deíctico
espacial que me deixa perplexo: “aquelas pessoas”. A
deputada, de uma assentada, delimita dois territórios: o seu (dos seus) e um
outro, colocado à distância, o de outras pessoas. O primeiro é o
espaço da doutrina cristã, redentora; o outro é o espaço da infidelidade ou da
heresia.
No essencial, a deputada,
expressão de um sistema de valores eleito, tem dificuldade em
interpretar os princípios que deveriam reger o socialismo democrático:
liberdade, igualdade e fraternidade.
Nesta matéria, a
diferença de paradigma tem origem no preconceito.
19.2.09
Ao contrário da ironia, e
que eu saiba, ainda ninguém definiu a maldade como uma figura de estilo. Da
ironia, diz-se que ela exige conhecimento do contexto conversacional
(discursivo) e cria cumplicidade, apesar de nem sempre demonstrar apego à acção
ou, se quisermos, capacidade de meter as mãos no lodo…
Da maldade, a retórica
pouco ou nada nos diz… o que não me impede de acordar a pensar naqueles que
malham publicamente no ministro e em privado lhe lambem sorrateiramente as
feridas…
15.2.09
O Pecado de Sofia,
de Fonseca Lobo, prende o leitor. Parece a versão feminina do Frei Luís
de Sousa, sem o peso do sebastianismo. De certo modo, Almeida Garrett
poderia ter batizado o drama de O Pecado de Madalena, se não fosse
a sua obsessão em libertar Portugal do jugo estrangeiro.
Fonseca Lobo recorre
ao medo, à superstição, à maldição, aos dias fatídicos, ao mistério e à vítima
angélica (Marília), preferindo, no entanto, o suicídio de Sofia à redenção…
Quanto a Deus, este deixou de ser chamado e… o drama progressivamente encontra
um desfecho simpático: a mãe que amaldiçoara as filhas, nascidas de
um ventre que só gerara fêmeas, enlouquece; a filha, Sofia, que se deixara
mover por um impulso amoroso e fatídico, suicida-se. Tudo em dois actos e um
poço…
Em 1993, nada acontecia
em Portugal. A crise não passava de uma questão de família!
O jornal Público promove
um concurso de jornais escolares subordinado ao mote: Porque
é que a política também é para nós? A iniciativa é digna de louvor,
mas…
Ontem, anunciaram-nos, de
forma anódina, que cada português deve 150 milhões de euros ao estrangeiro.
Perante a enormidade da dívida, pensei, amanhã, o número de suicídios terá
aumentado assustadoramente. É desta que o país desaparece! Mas não, hoje, Domingo,
dia de descanso, tudo se mantém na mesma pasmaceira.
O que me trouxe à memória aquele(a)
aluno(a) que, há uns meses, perante a dificuldade em interpretar os referentes
históricos presentes num conto de Manuel Alegre, exclamou: – «se
eu soubesse que o homem era político, não o tinha escolhido como leitura.»
De facto, a política
mediática tem afastado a juventude da causa pública; creio mesmo que nem os 150
milhões de dívida pessoal faz pensar…
Afinal, será que ainda
nos sentimos filhos de uma nação?
12.2.09
(Tradução de Maria Helena
da Rocha Pereira)
Sendo homem, não digas
nunca o que acontece amanhã. E, se vires alguém feliz, quanto tempo o será.
Rápida como o volver de asas de uma mosca, Assim é a mudança da fortuna.
Mais vale não esperar
pelo amanhã. / Acreditar no amanhã é perder o dia de hoje. / Os adiados dias
são desperdício inexorável. /
Sentados / dedilhando
/entediados / anseiam pelo amanhã / matam a Hora.
Apetece deixá-los
/enredados /na desmedida…
10.2.09
Há no ar uma enorme
mistificação. À maneira romântica, constrói-se o anacronismo: depois do Salazar
asceta, o Salazar libertino!
Vira-se o tempo do avesso
e gera-se um Salazar ao gosto da nova plebe. Para quê? Não deve ser só para
captar receitas publicitárias!
A austeridade, o rigor, a
sobriedade e a solidão do seminarista dão lugar a um homem novo – mulherengo,
intriguista e fútil…
A misoginia do ditador é
substituída pela delinquência do homem medíocre…
Quem escreve o guião sabe
bem a quem aproveita o anacronismo…
Ao desrespeito, à calúnia
e à mentira…
7.2.09
Dá
vontade de meter o malho no Santos Silva
“Num cuteleiro, de
avental ao torno, / Um forjador maneja um malho, rubramente.” Cesário
Verde, Sentimento dum Ocidental
Queria o Cesário explicar
que malhar (o ferro, os cereais) é uma atividade produtiva, ao
contrário, por exemplo, de uma certa sociologia de pacote que nos tem sido
impingida desde o 25 de Abril, quando me entrou pela casa dentro um malhador,
de mangual sonoro, a querer malhar em toda a gente, à sua direita e à sua
esquerda…
Um malhador ministro!
Um malhador ex-ministro
da Educação, ex-ministro da Cultura de que ninguém conhece obra.
Resta-me tentar convencer
os meus alunos que um forjador é mais útil à Nação que um malhador letrado!
A talho de foice plebeia,
confesso que nunca suportei as teses do académico Santos Silva: faltava-lhes
conhecer o malho, isto é, lê-las era o mesmo que malhar em ferro frio!
5.2.09
O controlo aperta: à
distância e na vizinhança e o medo ganha forma, deixa de ser uma ideia abstrata.
4.2.09
A liberdade de escolher
não deveria ser tolhida por ninguém, mesmo que, por vezes, o custo possa ser
elevado. Aquilo a que assisto diariamente é confrangedor.
A consciência individual
e colectiva é manipulada pelas agências de informação e pelos pequenos títeres
que pululam um pouco por toda a parte.
O objectivo é instalar o
medo, silenciar a voz…
31.1.09
Ervas
daninhas, enguias e pegas
Janeiro 2009, um mês
diferente… Chuva, vento, frio e até neve… Já em Dezembro, o Sol desaparecera
aos poucos… Tudo sombrio, como se o tempo apenas quisesse acompanhar a
decadência das sociedades ditas desenvolvidas.
Estamos no Inverno e
parece que caminhamos para o Inferno… Nem o primeiro-ministro escapa! A ser
verdade o que se diz, o nosso primeiro deixou-se encharcar….
Mas se sentimos a chuva
nos ossos, a verdade, porém, é enguia escorregadia. Nem a folha de figueira a
conseguiria segurar, sobretudo, neste Inverno de figueiras despidas e ervas
daninhas…
Quanto aos Ingleses, convém
não esquecer que já o rei D. João I teve de se defender da acusação de D.
Filipa de Lencastre que lançara o mujimbo de que sua a Alteza a traía com todas
as belas da Coorte…
Dessa intriga, ficou-nos
o humor régio bem gravado nos tetos do Paço Real de Sintra…
Se ao menos (José)
Sócrates tivesse um pingo de Humor!
29.1.09
Nascido a 28 de Janeiro
de 1916, Vergílio Ferreira (homem, professor e obra) foi lembrado na ESCAMÕES.
Num auditório meio cheio,
Hélder Godinho, Ana Toríbio,
João Lucas, Valente Rosa, Madalena Contente, Cristina Duarte, todos deram, com
rigor, conta do afeto e da veneração que continuam a sentir pelo amigo, mestre
e acérrimo defensor da língua portuguesa.
A lição foi de tal modo
harmoniosa que a assistência se encontrou por momentos
seduzida e mergulhada num estranho rito de iniciação.
Não sei se os jovens
terão decidido desfolhar a obra ou se ficaram a pensar em procurar o sentido da
vida. Sei, no entanto, que este encontro é daqueles que fazem
falta, mesmo se mediados pelo texto ou pela voz.
E por tudo isto é
imperdoável que estes “encontros” não sejam gravados.
Quando delapidamos a
memória, amputamos o futuro.
É talvez cedo!
Não sei como explicar que
viver é muito mais do que satisfazer impulsos, desejos, do que ficar mais um
minuto na cama.
Viver é construir a vida…
Não sei como explicar que
não há vida sem o outro… mesmo que seja apenas texto.
Não sei como explicar o
que é o outro.
Mas sei que se não
estiver atento jamais serei esse outro…
Jamais viverei.
É talvez cedo!
24.1.09
«Toda a literatura é um
plano de evasão. Ele faz ferver todas as cabeças e aguçar todas as
inteligências. (…) O aluno tem de apostatar do mestre, senão
não será digno dele.» Agustina Bessa-Luís, Da educação, DN,
8.02.1992
Há anos que um texto de
Agustina Bessa-Luís me obsidia. Quando menos espero, uma página amarelecida
pelo tempo coloca-se sob o meu olhar e lá a volto a ler o artigo sobre a
Educação. E esta leitura faz-me sempre questionar sobre a importância da
literatura na formação do cidadão e, sobretudo, sobre o modo como ainda se
aborda a literatura nas famílias e nas escolas. Já pensei em libertar-me deste
pedaço de papel, mas não consigo. É como se ao rasgá-lo me rasgasse também a
mim.
Eu que sou licenciado em
Literatura Portuguesa e mestre em Literaturas várias, embora passe a maior
parte do tempo no desemprego deste ofício, não posso deixar de pensar que, ao
transformarmos a literatura numa minudência, que bem que soa esta palavra!
mas infelizmente não é a adequada, pois não quero pensar que a literatura é
uma minúcia, mas, sim, que foi marginalizada, desvirtuando-a da sua
verdadeira função: substituir as pessoas reais.
E esta função é tanto
mais urgente quanto «as pessoas reais estão muito distantes e não se encontram
disponíveis, tanto para ser imitadas como para ser admiradas.» citação
ligeiramente alterada – do pretérito imperfeito de Agustina para o nosso
presente.
22.1.09
I -Aproxima-se mais um
dia D: o Parlamento vota mais uma vez se a avaliação dos docentes deve ser
suspensa ou não. Os Senhores Deputados, vão brincando à avaliação! Só tarde,
poderão voltar ao trabalho político, tristes…
E é triste o ponto a que
se chegou nesta matéria: o que devia ser tratado com discrição e rigor
transformou-se em moeda falsa que serve para tudo.
Independentemente do
resultado, o espetáculo da manipulação e da propaganda está montado…
II – Quanto à Justiça,
estamos falados. É tudo uma questão de compadres – pais, filhos, tios,
sobrinhos, enteados, isto sem falar nos primos. Quando a mesa se torna menos
abundante, desatam todos à cadeirada, e logo os jornais (senão antes!?) nos
inundam com meias-verdades e meias mentiras…
Impunes, quase todos!
20.1.09
Nem Cristo criou tamanha
expectativa!
A tomada de posse do novo
presidente lembra-me aquelas aulas em que se tornava obrigatório explicar a
função mágica da linguagem. O batismo e o casamento eram os rituais em que por
obra do verbo se dava a metamorfose… De repente, eliminava-se
o pecado original e legitimava-se a sexualidade!
Com Obama, parece que,
amanhã, o mal soçobrará e o eldorado reinará.
Já a criação do mundo
resultara de um acto mágico da linguagem divina.
18.1.09
Dizer que a barba de
São Francisco Xavier o distingue do Santo Inácio de Loyola não sei se faz de
mim um desatracado, termo que subtraio a Miguel Esteves Cardoso,
sem a devida autorização. Atrevo-me, no entanto, a referir que o meu olhar
estacou, por instantes, na iconografia jesuítica disponível no Museu de São
Roque. Fiquei, ali, diante daqueles santos da Contra-Reforma a pensar na
estratégia catequética adoptada no Oriente. E continuo sem compreender o súbito
fervor do Fernão Mendes Pinto, bem explícito na PEREGRINAÇÃO…
O resultado entra pelos olhos
dentro: a prata dourada, a madrepérola, o marfim, as cores quentes, o realismo
das figuras, a magnificência dos relicários, tudo nos promete uma vida (outra)
excelsa, bem longe da peste, da fome quotidiana…
A caveira que,
há muito, via nas mãos de um santo sadomasoquista, encontra-se aos pés de
um outro intrépido santo, como se ela não representasse mais do que a terrena
vida…
À distância, não deixo de
pensar que do reinado de D. Manuel I para o de D. João III, a elite portuguesa
atascou as mãos na riqueza que jamais imaginara possuir, hipotecando
definitivamente a nação… E, hoje, continuamos a reagir do mesmo modo a qualquer
estímulo de fartura…, esperando que, na desdita, o manto virginal nos cubra com
a sua infinita misericórdia…
13.1.09
Ontem, pensava que sem
mestres não podemos ser contemporâneos de nós próprios. Hoje, estou um pouco
chocado com a notícia de que amanhã irei fazer figura de palhaço.
A manipulação das
consciências recorre cada vez mais à metáfora e, no limite, à alegoria. A de
hoje atirou-me para a pista de circo. Um circo trauliteiro!
Quanto aos mestres, não
há nada a dizer. Pura e simplesmente foram dispensados… por quem, há muito,
deixou de pôr a mão na consciência.
12.1.09
Os
mestres são imprescindíveis…
Ontem, assisti a um
notável concerto comentado por Paolo Pinamonti na Culturgest.
Confesso, desde já, a
minha ignorância no que à música contemporânea diz respeito. Ouvi (e vi) a
magnífica execução pela OrchestrUtopica de Frates,
de Arvo Part, de King, de Luciano Berio, de Aventures,
de Gyorgy Ligeti, e de Invenção sobre Paisagem, de Luís Tinoco.
E face a tal ignorância,
Paolo Pinamonti explicou-me o que eu seria incapaz de compreender, a solo.
Explicou-me a evolução da música contemporânea, desde os anos 60 do século
passado até à actualidade, ajudando-me a tornar-me contemporâneo de mim próprio.
Esta explicação reforçou,
em mim, a consciência de que os mestres são imprescindíveis para que possamos
aprender. Aprender a viver no nosso próprio tempo.
A própria ideia de
pós-modernidade se me tornou mais clara através da execução de Invenção sobre Paisagem,
de Luís Tinoco.
9.1.09
Não sei em que data Vergílio
Ferreira escreveu o conto “O Fantasma”. E de certo modo
queria acreditar que não precisava dessa informação para ter proveito e seguir
o exemplo inscrito na estória.
No entanto, essa minha
convicção desvaneceu-se perante a insólita interpretação que alguns jovens,
nascidos depois de 1990, me propuseram: M tinha a mania da perseguição.
De repente, M descobriu na sua frente um tipo (sujeito
/gajo) – o fantasma -, que não tirava olhos de si, uma
espécie de rémora da nau das índias!
Era-lhes difícil
interrogarem-se sobre a causa e os efeitos daquela
súbita loucura: na mesa em frente, um sujeito sinistro, sob a aba descaída do
chapéu, perscrutava o mínimo movimento, encurralando-o… De pouco interessava,
o acontecimento da véspera, e ainda menos a pergunta que lhe
sobrara desse insólito encontro: – Até que ponto se teria comprometido? A
vida de M mudara completamente. Agora, M apenas desejava que a porta giratória
o cuspisse para a chuva que caía lá fora, e, num gesto derradeiro, M conseguiu-o,
saindo do radar do fantasma.
Naquele dia M não apertou
a mão ao fantasma, nem este esboçou qualquer gesto nesse sentido, talvez porque
a magreza, o ar macilento e o olhar sinistro fossem suficientes para apavorar
qualquer incauto…
Os jovens, nascidos
depois de 1990, ignoram o tempo dos fantasmas, vá lá saber-se porquê…
Poderíamos pensar que eles, desempregados, abandonaram o país.
Quanto a mim, houve tempo
em que a fantasia me fez correr à frente de um diabrete que insistia em
assombrar a minha solidão. E, também, houve o tempo que V.F. ficciona no conto:
numa cidade de província, nos anos 60, com capote ou sem ele, em frente de um
largo espelho do Café Central (ou Portugal!?), senti o olhar mortiço do
fantasma, mas, mais do que os olhos, aquilo que verdadeiramente temia eram os
ouvidos das paredes…
2.1.09
Curioso, consultei http://www.dicionarioinformal.com.br,
onde é possível encontrar o dicionário de língua portuguesa mais atrevido que
conheço e, para espanto meu, fazer-se de mula surge por
definir. Deixo essa tarefa ao António Souto, verdadeiro apreciador do vernáculo
luso, embora me pareça que, nos tempos que correm, extintos os almocreves, as
mulas andam desaparecidas. Os próprios burros são hoje mais protegidos e não
creio que alguém esteja disposto a fazer-se de burro...
De Lisboa à Ria Formosa,
não encontrei sombra de mula, apenas meia dúzia de cavalos (seriam machos?)
pastavam pachorrentamente num improvisado prado… Eu próprio, em tempos de
meninice, fui actor de uma triste história em que um cavalo se fez passar por
mula. No caso, uma velha mula que não se aguentava nas patas foi por mim
vendida a um magarefe por 50 escudos.
Uma mula que tinha por
mim verdadeira estima, que nunca me deixou ficar mal, ao contrário de umas
burras azougadas que me infernizavam as jornadas. E eu traí-a… e isso
aborrece-me mais do que saber se tenho muitos ou poucos amigos…
Claro está que o António
Souto não tem qualquer responsabilidade nesta súbita confissão. E não
vou desejar “um bom ano” porque não quero perder os amigos…
1.1.09
Uma antevisão.
Antes de lá chegar, uma barraca de zinco. Numa corda, um par de calças
bolorentas resistem à humidade, deixando dois desclassificados a acusarem-se
mutuamente. Do outro lado, outra aventesma espia os estrangeiros que saltam
para o pântano. Estamos em terreno interdito, pensamos. O melhor é avançar,
ignorar a ameaça. Perdermo-nos em minúcias de outros tempos, enquanto um
pescador, solitário, limpa zelosamente uma barcaça.
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